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Crise econômica eleva

em 67% ‘êxodo’ de
brasileiros
Dados da Receita Federal indicam alta no número
de Declarações de Saída Definitiva do país entre
2011 e 2015


POR CRISTINA TARDÁGUILA
19/07/2015 7:00

“Quero dar melhor qualidade de vida e proporcionar uma experiência diferente


para minha família. Com a recessão no Brasil e o crescimento americano, foi
mais fácil justificar minha transferência”, diz Thiago Fonseca - Arquivo
pessoal / Reprodução
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RIO — Entre os dias 2 e 26 de março,

representantes da província canadense de

Quebec fizeram uma turnê pelo Brasil para

divulgar oportunidades de trabalho em

carreiras muito específicas e recrutar mão

de obra fluente em francês. Visitaram sete

cidades do Nordeste, Sudeste e Sul e se

surpreenderam com a reação: em uma

semana 140 mil brasileiros visitaram o site

do órgão de migração, mostrando

interesse em se mudar para o Quebec.

Números obtidos pelo GLOBO junto à

Receita Federal confirmam que a

emigração qualificada está em alta. Entre

2011 e 2015, o total de Declarações de

Saída Definitiva do país — documento

apresentado ao Fisco por quem emigra de

vez — subiu 67%. Em 2011, a Receita

recebeu 7.956 declarações, 21 para cada

dia do ano. Em 2015, foram 13.288, numa

média diária de 36 saídas.


— Esse número é apenas uma amostra

pequena da realidade da emigração — diz

Joaquim Adir, supervisor nacional de

imposto de renda da Receita. — Mas

reflete a saída de uma elite financeira e

cultural, de pessoas que se preocupam em

ficar quites com a Receita e que têm

conhecimento da importância disso. Não

entram aí os brasileiros que não têm bens

ou rendimentos, como crianças e jovens,

nem os que querem sair de forma ilegal.

Essa emigração está em alta.

Os engenheiros José Wellington e Silvia

Oliveira chegaram a Toronto, no Canadá,

em abril. Levaram Julia, de 7 anos, e

Nicolas, de 3. Em Belo Horizonte, a família

tinha casa própria. Wellington trabalhava

na área de mineração, e Silvia, na firma de

avaliação de imóveis do pai. Nos últimos

meses de 2013, a empresa de Wellington

deu um alerta: diante da crise incipiente,

não teria como manter toda a equipe a

partir de agosto de 2014.


— Foi a gota d’água — diz Silvia. —

Estávamos cansados da corrupção, da

violência, do espírito do cada-um-por-si. A

gente odeia o PT, o Lula, a Dilma. Vimos

que o país estava afundando num buraco e

que não havia luz no fim do túnel. Cada

escândalo de corrupção que surgia

solidificava nossa decisão. Então nos

inscrevemos no programa canadense e

passamos por um processo trabalhoso.

Não digo que foi difícil. Só burocrático.

Desde que optou pelo “frio”, a família

virou fonte de informação e observa um

efeito dominó:

— Uma vez por semana alguém entra em

contato conosco para perguntar como

fizemos para migrar — conta Sílvia. — Se o

número da Receita está alto em 2015, vai

ser pior em 2016.


A Diretoria de Análise de Políticas

Públicas da Fundação Getulio Vargas

(DAPP/FGV) está de olho nas causas e


efeitos da migração no Brasil. Um grupo

de pesquisadores lançará nos próximos

meses um estudo que defende a criação de

uma entidade migratória nos moldes do

que existe no Canadá, na Austrália e na

Alemanha.

— Esses países traçam o perfil do

trabalhador que precisam e selecionam os

imigrantes que interessam. O Brasil não

tem política alguma — diz a pesquisadora

Bárbara Barbosa. — Está perdendo na

briga por mão de obra qualificada e, em

consequência, na corrida pelo

desenvolvimento.

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— Hoje estão envolvidos na questão da

migração o Ministério da Justiça, das

Relações Exteriores, do Trabalho e a

Polícia Federal — completa a também

pesquisadora Margareth Da Luz. — Não há

uma coordenação, e nós estamos perdendo

cérebros, o que é preocupante num


momento de envelhecimento da

população.

Em abril, a carioca Flávia Peres Sabagh e o

marido, o paulista Márcio Ghiraldelli,

ambos de 36 anos, trocaram São Paulo por

Sydney, na Austrália. Estavam

empregados quando tomaram a decisão de

entrar no LinkedIn e disparar currículos.

Viviam de aluguel. Ela era coordenadora

de CRM em um banco. Ele, especialista em

sistemas. Em poucos dias, Márcio recebeu

uma proposta.

— A empresa que o contratou patrocinou o

visto de trabalhador experiente e deu

entrada no processo — conta Flávia. — Só

tivemos que enviar alguns documentos,

fazer um exame de tórax e esperar

algumas semanas.

Flávia trabalha hoje como analista de data

marketing numa revista, e Márcio é

engenheiro de qualidade de software. A

mudança dos dois tem relação não só com


“a possibilidade de criar um filho num país

de primeiro mundo e língua inglesa”, mas

também com a crise instalada no Brasil.

— Estávamos muito preocupados com a

desvalorização do real e a dificuldade das

empresas em conseguir crédito. Isso, de

maneira geral, torna as coisas mais difíceis

aí — diz Flávia.

O carioca Thiago Fonseca optou pela

Filadélfia, nos Estados Unidos. Em maio,

mudou-se para lá com a mulher, Juliana, e

a filha, Maria Luisa. A família morava em

casa própria, no Rio, e o casal, assim como

os demais, estava empregado.

— Quero dar melhor qualidade de vida e

proporcionar uma experiência diferente

para minha família. Com a recessão no

Brasil e o crescimento americano, foi mais

fácil justificar junto à empresa minha

transferência para os EUA — diz Thiago.

A família ainda arruma a casa nova, mas já

se surpreende com a quantidade de


pessoas que dizem pensar seriamente em

segui-los. Desde maio, ao menos dez já

consultaram Thiago.

As três famílias lembram, no entanto, que

emigrar não é fácil. Silvia e Wellington

aconselham “mente aberta”. Flávia e

Márcio dizem que trabalhar numa língua

não nativa é “cansativo”. Thiago fala da

nova realidade das tarefas domésticas. E

todos sentem o peso de estar longe da

família e dos amigos.

LEI É APROVADA NO SENADO

Apesar de ser um país composto pela

mistura de raças, o Brasil não tem uma Lei

de Migração. Desde agosto de 1980, a

norma vigente é o Estatuto do Estrangeiro,

que, do ponto de vista de especialistas,

está totalmente ultrapassado. Criado em

meio à ditadura militar,o texto tem foco na

segurança nacional e não nos direitos dos

indivíduos que decidem morar no Brasil.


Em sessão realizada no último dia 2, no

entanto, a Comissão de Relações

Exteriores do Senado aprovou um projeto

de lei, de autoria do senador Aloysio

Nunes Ferreira (PSDB-SP), que busca

revogar o antigo texto e estabelecer a

primeira Lei de Migração do país.

Aprovado em caráter terminativo, a

proposta segue para avaliação da Câmara

dos Deputados. No trajeto, no entanto,

leva consigo uma polêmica: apesar de

reduzir a burocracia para a concessão de

vistos para investidores, estudantes e

acadêmicos, o texto não prevê a criação de

uma entidade migratória, como a que

existe em países como Canadá e Austrália.

Essa era uma das principais propostas

apresentadas pela comissão de

especialistas que foi criada pelo Ministério

da Justiça em 2013 para avaliar o assunto.

O grupo fez sete reuniões e duas

audiências públicas. Em seguida, produziu

um documento final em que destacou que:

“a criação de um órgão estatal


especializado para atendimento dos

migrantes” seria um “elemento crucial”

para o país. A entidade ficaria responsável

pela produção de dados e pela formação de

políticas públicas sobre migração.

— Canadá e Austrália são países que estão

envelhecendo rápido. Cada vez há mais

pessoas para serem sustentadas, e menos

em idade de trabalho. Eles viram no

recrutamento de estrangeiros um

mecanismo para enfrentar isso, e o fazem

de forma planejada. O Brasil não —

lamenta o pesquisador da DAPP/FGV

Wagner Oliveira — Ainda não

envelhecemos tanto, mas deveríamos

entender a política migratória como uma

oportunidade para resolver uma questão

do futuro. Ter uma autoridade migratória

é importante. Ela ficaria responsável por

estabelecer diretrizes e ver o tipo de

estrangeiro de que o país precisa.

Leia mais: https://oglobo.globo.com/brasil/crise-economica-eleva-em-67-exodo-de-


brasileiros-16836569#ixzz4iaOX1gQP

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