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Clínica Psicanalítica
Final de análise
Sandra Seara Kruel
Resumo
A teoria do final de análise é trabalhada através da noção de estrutura. A estrutura da lingua-
gem e as estruturas clínicas nos indicam o que pode-se esperar de um final de análise.
Palavras-Chave
Final de análise Plasticidade da estrutura psíquica
Ou, devo seguir meu desejo, mesmo nal? Com Freud e Lacan acreditamos que
sabendo que o desejo do sujeito é, em sua sim.
origem, o desejo do Outro. Esta é já uma No capítulo 7 de Análise Terminá-
posição de sujeito desejante, que barra a vel e Não-Terminável, Freud fala sobre a
compulsão levando o sujeito a refletir so- análise do analista: Entre os fatores que
bre sua ação. influenciam as perspectivas do tratamento
Se o inconsciente é o discurso do analítico e se somam às suas dificuldades da
Outro, o desejo é a condição absoluta para mesma maneira que as resistências, deve-se
barrar essa compulsão de obedecer hip- levar em conta não apenas a natureza do eu
noticamente o Outro e atender a sua de- do paciente, mas também a individualidade
manda sem pensar. do analista. Não se pode discutir que analis-
Esse sujeito que se interroga sobre o tas, em suas próprias personalidades, não es-
que ele quer é a raiz de uma experiência tiveram invariavelmente à altura do padrão
que pode ser chamada de experiência de normalidade psíquica para o qual deseja
moral, diz Lacan no Seminário da Ética, educar seus pacientes. (...) as condições
lição de 18/novembro/59. especiais do trabalho analítico fazem realmen-
Ein neuen Subjekt é o sujeito da pul- te com que os próprios defeitos do analista
são que surge então quando esta comple- interfiram em sua efetivação de uma avalia-
ta seu trajeto no campo do Outro após ção correta do estado de coisas em seu paci-
cumprir o destino de retorno sobre si ente e em sua reação a elas de maneira útil.
mesmo no tempo de verbo reflexivo. É, portanto, razoável esperar de um analista,
A análise portanto se conclui com a como parte de suas qualificações, um grau
assunção de um conflito estrutural em considerável de normalidade e correção men-
torno da castração simbólica, cabendo ao tal (FREUD, 1969, p.281-282).
sujeito a realização de escolhas forçadas Como que o analista irá conseguir
entre as posições de objeto de compulsões essa qualificação? Freud nos diz: A rela-
e de sujeito desejante. Essa é a experiên- ção analítica está fundamentada no amor à
cia moral promovida pela psicanálise. A verdade, isto é, no reconhecimento da reali-
ética da psicanálise não indica ao anali- dade e exclui toda aparência e ilusão (POR-
sando que escolhas deve fazer, mas deixa TUGAL).
à sua disposição o conflito estrutural en- A questão levantada por Freud sobre
tre desejo e gozo, de forma que o sujeito realidade e ilusão parece ser central quan-
não fique fixado numa única posição. to à travessia do fantasma se considerar-
mos a estrutura perversa. O apego do per-
Não há
verso a sua fantasia de mãe fálica é tão
Etiologia
traumática
A relação R grande que muitas vezes sacrifica o amor
sexual
à verdade. O reconhecimento da realida-
Força
O sentido é de exige muitas vezes um abrir mão de
relativa das S D S
pulsões
cômico nossos pensamentos, valores, crenças, para
Toda ter uma noção do que poderia ser algo di-
Alteração significação ferente disso.
do eu S a vem do
fantasma
I
Embora o acesso ao Real seja sempre
através de fantasmas, o trabalho de tra-
vessia é para que não se fique apegado
II- A análise do analista demais às próprias fantasias. Detenhamo-
nos aqui por um momento para garantir ao
O psicanalista deveria ser aquele que analista, que ele conta com nossa sincera sim-
levaria a sua psicanálise pessoal até o fi- patia nas exigências muito rigorosas a que tem
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de atender no desempenho de suas ativida- qüências para mim, ou ainda Estive aqui
des (FREUD, 1969, p.282). passei por uma psicanálise onde tudo mu-
O termo alteração do eu é novamen- dou para mim.
te usado aqui por Freud: então, essa alte- O que muda numa psicanálise? A es-
ração do eu, e se isso de fato acontece, crita de final de análise S(A) é, no grafo
na medida em que acontece, qualifica o in- do desejo construído por Lacan, precedi-
divíduo analisado para ser ele próprio analis- da por S D, ou seja, posição do sujeito
ta. O termo alteração do eu, em alemão com relação à demanda do Outro, ou ain-
Veränderung, contém o termo ander que da, a vida pulsional do analisando, a posi-
significa outro, de forma que podemos ção do sujeito com relação ao gozo. A
entender esse termo como a modificação construção e travessia do fantasma, onde
do sujeito pelo contato com o Outro. Stra- o sujeito se implica com seu gozo maso-
chey em sua Nota do Editor chama a aten- quista, permite ao sujeito lidar com suas
ção para o fato de que a alteração tera- compulsões a partir de seu desejo. Isso é o
pêutica do eu poderia anular alterações que muda. O conflito inerente à estrutura
precedentes resultantes de um processo se faz presente e o sujeito pontualmente é
defensivo. Ein neuen Subjekt, o sujeito da convocado a realizar escolhas forçadas.
pulsão antes acéfala, só surge ao comple- Só a noção de estrutura pode guiar o
tar seu percurso no Outro, podendo se analista na construção e travessia do fan-
tornar então em algum grau responsável tasma de seus analisandos na sua prática
pelo seu gozo. No campo do gozo é novo clínica. Estrutura é definida aqui como,
ver aí surgir um sujeito. evidentemente, estrutura de linguagem, a
As dimensões de realidade e ilusão dimensão simbólica que amarrada ao Real
colocadas por Freud levantam pois a ques- inclui a incompletude lógica (Goedel). O
tão ética de nossas escolhas inconscien- saber nascido da linguagem é um saber
tes. Lembremos que Freud acha que de- não-todo
vemos nos responsabilizar até pelos nos- O real da estrutura, como isso se arti-
sos sonhos noturnos (FREUD, 1969, cula pela linguagem, isto é, no discurso
p.163-167). de um analisando? Lacan em Télévision
responde a pergunta sobre o que posso
III- A plasticidade da estrutura saber numa psicanálise, reformulando:
Que posso saber? Resposta: nada que não
Se você estiver andando por um de- tenha a estrutura da linguagem, em todo caso,
serto e encontrar um símbolo gravado donde se conclui que até onde eu irei dentro
numa pedra, mesmo que não saiba o que desse limite é uma questão de lógica [topolo-
aquele símbolo quer dizer, você saberá que gia](...) a questão agora é do que que fará
por ali passou um ser humano. A escrita, aparecer o real-da-estrutura: do que que da
mesmo que não seja lida, é eminentemen- língua não faz cifra mas sim signo a decifrar;
te a marca do humano, do ser falante, de (...) o que que daí pode se dizer sobre o saber
um se fazer sujeito a partir da estrutura da que ex-siste para nós no inconsciente, mas que
linguagem. Estive aqui é um dizer co- um único discurso articula; o que que se pode
mum que, por algum motivo, as pessoas dizer para que o real nos venha por este dis-
insistem em escrever em árvores e pare- curso? Assim se traduz a sua questão para o
des. meu contexto. É preciso no entanto ousar
A escrita de final de análise S(A) é colocá-la como tal para avançar (LACAN,
também dessa natureza. O analisando po- 2001, p.531-532).
deria pensar: Estive aqui, atravessei pon- Lacan reformula a questão e respon-
tos de falta no Outro e isso teve conse- de colocando as estruturas clínicas em
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Final de análise
primeiro plano. Vejamos. (...) O que se quista, muitas vezes chamado de neurose
formula a partir da experiência instituída pelo de caráter.
discurso psicanalítico e que aí se verifica e é
ensinável a todo mundo: encontro faltoso com o Real e abalo no fantasma (A)
1. Se O homem quer A mulher, ele não
susto
consegue senão ao soçobrar no campo da per-
versão crise subjetiva angústia
2. Uma mulher não encontra O homem
fobia (sintoma sem fantasma)
a não ser na psicose (LACAN, 2001, p.532
tradução livre). histeria/obsessão (sintomas
com fantasmas)
Neurose, psicose e perversão são de-
finidas em função da não-relação sexual. neurose de caráter (fantasma masoquista)
A conjunção homem-mulher se realizan-
do somente de forma fantasmática, é o
abalo neste fantasma que gera a plastici- Esta noção de estrutura em que há
dade da estrutura e o movimento em uma estabilização e desestabilização do saber
psicanálise. inconsciente é que pode guiar o psicana-
A plasticidade de estrutura pode ser lista para avaliar a evolução do processo
compreendida como repetidas crises sub- de cura em psicanálise. Não há progresso,
jetivas (etiologia traumática para Freud) nada muda, só se repete em ciclo fecha-
e suas conseqüências que o sujeito atra- do.
vessa para a cada repetição incluir a Só a noção de estrutura clínica per-
falta-a-ser na sua vida. mite entender por que Lacan diz que não
A plasticidade da estrutura, aquilo há progresso na humanidade; que gera-
que pode vir a mudar numa psicanálise, ção após geração, os mesmos problemas e
surge a partir de encontros faltosos com o questões se repetem de forma semelhan-
Real (A) que abalam o sistema fantasmá- te. Aqui a estrutura se mostra não em sua
tico de crenças e valores estabilizados até plasticidade, mas sim no que ela fornece
então. Através de seus fantasmas, o sujei- um limite.
to tem a ilusão de saber se orientar na vida. A mudança de posição com relação
O encontro faltoso com o real abala o fan- ao gozo que advém da construção e tra-
tasma e o saber do sujeito se torna lacu- vessia do fantasma, ou ainda o corte em
nar, fragmentário e desestabilizado. A par- oito interior no cross-cap que permite a
tir daí a estrutura ganha mobilidade (plas- queda do objeto a condensador de gozo,
ticidade) da seguinte maneira: susto permite que este surja como causa de de-
(Schreck), depois angústia difusa onde se sejo. Diz Lacan em LÉtourdit: portanto é
inicia a compulsão à repetição (Angst) e enquanto dura seu luto do objeto a ao qual
defesa contra o susto, e depois de um cer- enfim se reduziu, que o psicanalista insiste em
to tempo lógico e cronológico, se instala causar seu desejo. A falta estrutural, A, é
o medo (Furcht) como defesa contra a fonte de angústia. Cada psicanálise de-
angústia, ou seja, o sintoma fóbico. A fo- verá fazer da fonte de angústia causa de
bia como sintoma sem fantasma é essa desejo. Enquanto o analisando não com-
encruzilhada entre estabilização e deses- provar que o que lhe provoca angústia é
tabilização de onde os sintomas histéricos também o que pode causar um desejo, ele
e obsessivos, estes sim, sintomas com fan- não largará da suas certezas fantasmáti-
tasmas, estabilizam o saber inconsciente cas, fato que faz com que as análises se-
novamente. Ainda há o fantasma maso- jam longas.
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Sandra Seara Kruel