Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
I. O SENHOR FALA-NOS muitas vezes do mérito que tem até a menor das
nossas obras, se as realizamos por Ele: nem sequer um copo de água
oferecido por Ele ficará sem recompensa1. Se formos fiéis a Cristo,
encontraremos um tesouro acumulado no Céu por uma vida oferecida dia a dia
ao Senhor. A vida é o tempo para merecer, pois no Céu já não se merece, mas
usufrui-se da recompensa. Também não se adquirem méritos no Purgatório,
onde as almas se purificam das sequelas deixadas pelos seus pecados. Este é
o único tempo para merecer: os dias que nos restam aqui na terra.
Deus assegurou-nos por meio do profeta Isaías: Electi mei non laborabunt
frustra3, os meus escolhidos não trabalharão nunca em vão, pois nem a mais
pequena obra feita por Deus ficará sem fruto. Veremos muitos desses frutos já
aqui na terra; outros, talvez a maior parte, quando nos encontrarmos na
presença de Deus no Céu. São Paulo recorda aos primeiros cristãos que cada
um receberá a sua recompensa conforme o seu trabalho4. E insiste: Cada um
receberá a recompensa devida às boas ou más acções que tiver praticado
enquanto estava revestido do seu corpo5. Este é o tempo de merecer. “As
vossas boas obras devem ser os vossos investimentos, dos quais um dia
recebereis lucros consideráveis”6, ensina Santo Inácio de Antioquia.
II. ELECTI MEI non laborabunt frustra... As obras de cada dia – o trabalho,
os pequenos serviços que prestamos aos outros, as alegrias, o descanso, a dor
e a fadiga aceitos com garbo e oferecidos a Deus – podem ser meritórias pelos
infinitos méritos que Cristo nos alcançou na sua vida terrena, pois da sua
plenitude recebemos graça sobre graça7. A uns dons acrescentam-se outros,
numa progressão sem fim, pois todos brotam da única fonte que é Cristo, cuja
plenitude de graça não se esgota nunca. “Ele não tem o dom recebido por
participação, mas é a própria fonte, a própria raiz de todos os bens: a Vida, a
Luz, a Verdade. E não retém em si mesmo as riquezas dos seus bens, antes
os entrega a todos os outros; e, tendo-os dispensado, permanece pleno; não
diminui em nada por havê-los distribuído aos outros, mas, cumulando e
fazendo participar a todos desses bens, permanece na mesma perfeição”8.
Uma só gota do seu Sangue, ensina a Igreja, teria sido suficiente para a
Redenção de todo o género humano. São Tomás exprimiu-o no hino
eucarístico Adoro te devote: Pie pellicane, Iesu Domine, me immundum munda
tuo sanguine... “Bom pelicano, Senhor Jesus! / Limpai-me a mim, imundo, com
o vosso Sangue, / com esse Sangue do qual uma só gota / pode salvar do
pecado o mundo inteiro”. O menor ato de amor de Jesus, na sua infância, na
sua vida de trabalho em Nazaré, tinha um valor infinito para obter para todos os
homens – os passados, os presentes e os que haviam de vir – a graça
santificante, a vida eterna e as ajudas necessárias para se chegar a ela9.
Ninguém como a Virgem, Mãe de Deus e nossa Mãe, participou com tanta
plenitude dos méritos do seu Filho. Pela sua impecabilidade, os seus méritos
foram maiores – até mais estritamente “meritórios” – que os de todas as
demais criaturas, porque, estando imune das concupiscências e de outros
entraves, a sua liberdade era maior, e a liberdade é o princípio radical do
mérito. Foram meritórios todos os sacrifícios e pesares que teve de enfrentar
por ser a Mãe de Deus: desde a pobreza de Belém e a aflição da fuga para o
Egipto até a espada que atravessou o seu coração ao contemplar os
sofrimentos de Jesus na Cruz. E foram meritórias todas as alegrias e
satisfações que lhe causaram a sua imensa fé e o seu amor que tudo
penetrava, pois o que torna meritória uma acção não é a sua dificuldade, mas o
amor com que é feita. “Não é a dificuldade que há em amar o inimigo o que
conta para o seu valor meritório, mas o modo como se manifesta nela a
perfeição do amor, que triunfa sobre essa dificuldade. Assim, pois, se a
caridade fosse tão completa que suprimisse completamente a dificuldade, seria
então mais meritória”10, ensina São Tomás de Aquino. Assim foi a caridade de
Maria.
(1) Cfr. Mt 10, 42; (2) Lc 6, 27-38; (3) Is 65, 23; (4) 1 Cor 3, 8; (5) 2 Cor 5, 10; cfr. Rom 2, 5-6;
(6) Santo Inácio de Antioquia, Epístola a São Policarpo; (7) Jo 1, 16; (8) São João
Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São João, 14, 1; (9) cfr. R. Garrigou-Lagrange, El
Salvador, pág. 365; (10) São Tomás, Questões disputadas sobre a caridade, q. 8, ad. 17; (11)
São Josemaría Escrivá, Forja, n. 251; (12) cfr. R. Garrigou-Lagrange, op. cit., pág. 366; (13) 2
Cor 4, 17; (14) cfr. Lc 6, 20-26; (15) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 611.