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Valor Econômico (SP): A política fiscal e a transparência


(13/11/2009 - 11:12)

Marcelo Piancastelli*

Períodos de crise financeira são pródigos em gerar lições para quem tem sob sua
responsabilidade decisões de política econômica. O arrefecimento da crise financeira atual
expõe as difíceis decisões que os políticos têm pela frente. Primeiro, em relação à política
monetária. Os Bancos Centrais têm a seu encargo evitar uma possível deflação e, ao
mesmo tempo, estar atentos a eventuais surtos inflacionários decorrentes das medidas de
estímulo à economia. Além disso, devem manter o equilíbrio de suas contas.

Em segundo lugar, em relação à política fiscal. A crise financeira recente demoliu a


credibilidade de importantes ícones da política fiscal. A "Golden Rule" (Regra de Ouro)
britânica, que estabelecia que empréstimos do governo fossem permitidos apenas para
financiar investimentos, foi desacreditada pela manipulação. O salvamento dos grandes
bancos e empresas, sob o lema "grande demais para falir" ( "too big to fail") fez ressurgir
elevados déficits e aumentou o endividamento público a níveis jamais atingidos. Além
disso, reformas dos sistemas de saúde e de previdência exigirão vultosos recursos fiscais a
médio e longo prazo.

São inúmeros e complexos os desafios da política fiscal. Vários países em desenvolvimento


tiveram suas contas fragilizadas, casos da Argentina e México, entre outros. O Brasil não
está em crise fiscal, mas ela está a caminho de se implantar. Entramos em fase de
afrouxamento do gasto público por conta do calendário eleitoral. Medidas fiscais,
entretanto, são mais difíceis de serem implantadas. Em geral, exigem articulação política
mais intensa que a política monetária, demandam mais tempo para surtir efeitos e
requerem cuidados para se remover. Enquanto a política monetária se move como um
"Boeing", a fiscal é um transatlântico: requer mais tempo para ganhar velocidade, exige
mais cuidados para parar e é mais lenta para mudar de rota!

Mesmo que a recuperação da economia se consolide, que a arrecadação tributária volte a


crescer melhorando os indicadores fiscais e contribua para reduzir as taxas de juros e o
nível de endividamento público, persistem dois desafios críticos: aumentar a qualidade e a
eficiência do gasto público para poder reduzir a carga tributária. Sem melhor qualidade do
gasto, não há carga tributária que seja suficiente para atender a necessidade de recursos
públicos!

Seria desejável, em prol da maior transparência e eficiência do setor público, que o


exemplo da política monetária fosse seguido. A formulação da política monetária, em um
grande número de países, no Brasil inclusive, está nas mãos de equipes técnicas altamente
especializadas e que habitam os Bancos Centrais das principais economias mundiais. São
técnicos forjados ao longo dos últimos 20 anos que trabalham sob a égide de
conhecimentos mais estruturados e afeitos a verificação empírica com sofisticação e maior
rigor. Os avanços nestas duas últimas décadas foram notáveis! Mais importante e relevante
é que esse conhecimento e suas conclusões têm chegado, com mais frequência, aos
ouvidos dos políticos.

O mesmo não acontece com a política fiscal. O "status quo" do conhecimento técnico, a
experiência acumulada pelos especialistas, bem como a avaliação dos resultados, ao
contrário do que ocorre com a política monetária, têm menos efeito nas decisões finais de
política fiscal. É comum predominar a vontade política pura e simples, mesmo que,
sabidamente, tenham efeitos negativos previsíveis.

http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=12794&btImprimir=SIM 08/04/2010
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Projetos de lei envolvendo medidas que melhoram a política fiscal em geral só são
aprovados no calor de uma crise financeira instalada que ameace o setor público. Por outro
lado, centenas de projetos de lei afrouxando critérios ou concedendo benefícios fiscais são
apresentados, sem que seus resultados tangíveis para a população sejam efetivamente
comprovados.

No caso do Brasil, já existem capacidade técnica reconhecida e experiência acumulada para


a produção de estudos e análises sobre a eficácia da política fiscal. Inúmeros órgãos do
Executivo e do Legislativo têm contribuições para melhorar a qualidade da formulação, da
execução orçamentária e da própria aferição de resultados.

Avanços têm sido observados. Suécia e Chile já implantaram regras fiscais limitando
déficits e introduzindo maior transparência no processo de elaboração do orçamento. A Lei
de Responsabilidade Fiscal brasileira é frequentemente mencionada como um bom exemplo
de inovação pela literatura internacional. É uma lei rigorosa que estabeleceu 66 parâmetros
fiscais, na forma de limites percentuais. Infelizmente, inúmeras iniciativas legislativas
atuais são no sentido de desmontá-los!

Nos Estados Unidos, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) é um órgão


suprapartidário e que exerce substancial influência no processo de elaboração e execução
orçamentária. Com inegável competência técnica, o CBO é respeitado e muito ouvido pelo
Congresso.

A política fiscal, no entanto, tem objetivos múltiplos, muitas taxas e alíquotas; lida com
todos os setores da economia, dispõe de inúmeros mecanismos para se gastar o dinheiro
público. Os resultados são mais difíceis de serem avaliados e, além do mais, encontram-se
envoltos por uma aguerrida aura político-partidária. Exatamente pela sua natureza mais
complexa que a política monetária, é indispensável melhor fundamentação técnica.

Credibilidade pública se obtém ao permitir que o cidadão saiba o que pode esperar do seu
governo em termos de serviços de qualidade. Para isso, é necessário que a política fiscal
tenha mecanismos de formulação e análise com autonomia técnica e independência. A
decisão sempre será dos políticos; a eles cabem as decisões de tributar e gastar. Ideal
seria que fosse sempre dentro dos limites condizentes com a política fiscal compromissada
com a melhor qualidade de vida da população.

Mas é bom lembrar que o objetivo primordial do político é ser reeleito. Nenhum bom
político abre mão desse desejo. Tal objetivo, entretanto, deveria estar subordinado a uma
política fiscal sustentável, com orçamentos equilibrados, metas de redução do nível de
endividamento e melhores serviços ofertados a população.

Ideal seria se tal critério tivesse maior peso nas decisões dos eleitores ao votar. Enfim, em
política econômica, às vezes, é realista reivindicar o impossível para obter algo mais
sensato e na direção correta, sobretudo em termos da política fiscal.

* Marcelo Piancastelli é economista do Ipea

http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=12794&btImprimir=SIM 08/04/2010

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