Você está na página 1de 4

Gostinho de Brasil

A tradição culinária de Norte a Sul do país


ERIKA AZEVEDO, KATIA PEIXOTO, OSWALDO COELHO E RAQUEL ARAÚJO

Oswaldo Coelho
uando o assunto é
comida, a carioca Pa-
trícia Monteiro não
tem dúvida. Na hora
do almoço sua preferência, quan-
do se senta à mesa para comer,
sempre foi por uma bela macar-
ronada. A estudante de Letras
explica que a tradição começou
quando ainda morava com os
avós, “tinha macarrão todos os
domingos. Sempre que como
lembro do meu avô, pois era ele
quem fazia o macarrão”. A es-
treita relação entre a preferência
por algum prato e as tradições
culturais é o que faz com que
Patrícia tenha lembranças dos A farinha está presente na culinária de todas as regiões brasileiras
domingos em família. O acesso a
diversos sabores e tipos de comi- de um indivíduo depende de tendo cada região características
da geralmente se origina a partir influências externas combinadas próprias com origens em marcas
de um costume familiar, uma a suas próprias aptidões, a do passado e na geografia que
prática cultural ou um hábito culinária de um povo também determinam sua comida típica,
social – a cultura alimentar. segue essa mesma lógica. por vezes até exóticas para outras
Assim como a cultura alimentar O Brasil possui uma rica culinária regiões.

Região Norte Região Centro-Oeste


Com influência indígena, a culinária desta A farinha é acompanhamento
região se divide em frutos do mar e frutos obrigatório. Há pratos à base de
da terra, elaborada à base de peixes, com caça, elaborados com carne de
destaque para o pirarucu e o caititu, de paca, de
Caititu
Tucunaré tucunaré, no Amazonas. veado, de porco do Capivara
Os pratos são acompanhados por pirão e mato, de capivara e, ainda, o
temperados com pimenta, herança dos jacaré frito, uma especialidade da
índios que não conheciam o sal. Há tam- Açaí região.
bém frutas típicas como o buriti, o A região tem uma culinária variada e, em
cupuaçu, açaí e a graviola. O açaí, originário de uma alguns estados, é parecida com a cozinha minei-
palmeira que cresce nas várzeas e margens dos rios ra. O Pantanal, região de criação extensiva de
da região amazônica, conquistou Sul e Sudeste. gado bovino, oferece os churrascos à gaúcha.

Janeiro/Junho 2006
74
Oswaldo Coelho

Pratos típicos do nordeste

Apesar de a comida brasileira caracteriza uma comida gostosa. o u t ros sabores peculiares como a
ser conhecida como pesada e gor- Não se pode confundir uma comi- p ú rcuma; o pequi, considerado o
durosa, ela é considerada por da gostosa com uma comida fruto mais completo do mundo em
nutricionistas como uma das mais pesada”. A culinária brasileira é v a l o res nutricionais; o tucupi, que
saudáveis. O não excesso de gor- reconhecida por ter excelentes é o sumo da mandioca brava; a
dura em nossa dieta se explica t e m p e ros e aromas utilizados em canela e o dendê – hoje exportado
pelo fato de pre p a r a rmos nossa nossos pratos, resultado de nosso pelo Brasil.
comida sempre bem temperada e clima e solo favoráveis. A pimen-
refogada Quase não se usa cre m e - ta é o tempero mais conhecido, Uma mistura de sabores
de-leite, ou manteiga, o segredo são cerca de 350 tipos cataloga- A cozinha brasileira é resultado
está no bom refogado. Tem que ter dos, tendo a Malagueta como re p- da mistura de influências da cul-
tempo para refogar, saber o que resentante mais genuína em nos- tura de diversos povos que vie-
vai primeiro na panela, é isso que sos pratos típicos. Há também ram morar nas terras das Índias.

Região Nordeste
Acarajé
Teve forte influência dos portugueses doce) e sururus (mo-
na elaboração de cozidos, “caldeira- lusco que vive em
das” e doces como a baba-de-moça; dos Sururu lagoas). Já no inte-
africanos, com o uso do azeite de rior, a tradição está na carne de
dendê e do leite de coco no preparo de comidas bode, carn e i ro e boi, sendo esta
como abarás, acarajés, vatapás e moque- sob a forma de carne-de-sol
cas de peixe; e dos indígenas que usam o (menor quantidade de sal) ou
Dendê
milho, a macaxeira (mandioca) e o jeri- c a rne-seca (maior quantidade
mum (abóbora). de sal).
A região litorânea fica com o consumo de peixes, Em relação às bebidas não podemos esquecer do
camarões e mariscos. Próximo a mangues e rios o caldo de cana, da água de coco e dos sucos de frutas
consumo é de caranguejos, pitus (camarão de água como cajá, sirigüela, graviola, pitanga e sapoti.

Quer um pedacinho?
75
Oswaldo Coelho

O tradicional churrasco brasileiro

Um bom exemplo disso é a árabes, que vieram para o Brasil dominavam o fogo, a água, a
semente de dendê, trazida pelos fugidos na época do domínio do pesca e a agricultura, sabiam
escravos africanos e utilizada império otomano entre os séculos aproveitar ingredientes da na-
pela primeira vez na gastrono- XVI e XVII, também foram res- tureza e usavam mandioca, mi-
mia no Brasil. ponsáveis por muitos pratos que lho, arroz e o feijão.
Nossa culinária recebeu he- comemos hoje, como, por exem- Além do cultivo de alguns ali-
ranças dos alemães, dos italianos plo, o arroz de carre t e i ro. No mentos, os índios também já
que ocuparam o Sul e outros que entanto, a base da culinária haviam desenvolvido técnicas
foram para São Paulo, deixando brasileira é de origem indígena: para o armazenamento de comi-
o tomate, a batata, os legumes, e antes mesmo dos colonizadores da. Uma destas técnicas era o
o macarrão que rapidamente aparecerem em nossas terras, os moquém – uma vala onde de-
caiu no gosto do brasileiro. Os povos que aqui habitavam já positavam as carnes e depois era

Região Sudeste Caipirinha


São Paulo é o principal pólo gas- n e g ros na época colonial. Feito com feijão
tronômico do país, onde encon- p reto, é cozido com carnes e acompanhado
tramos a cozinha de pela couve picada, farofa, polenta, fatias de
Cuscuz paulista
diversos países. Tam- laranja. A caipirinha feita de “cachaça”,
bém conserva especialidades pró- limão e açúcar, é conhecida em todo o mundo.
prias, como a galinha d’Angola à Em Minas Gerais é peculiar a galinha ao
paulista, as empadinhas de Cana- molho pardo, e o tutu de feijão com torre s- Feijão
néia, o pastel, o cuscuz paulista e a mo e couve picada, acompanhados do fei- tropeiro
capivara à caipira. É, também, o jão tro p e i ro. Destaque para o pão de queijo,
Feijoada
lugar onde se come o trivial arroz, fei- queijo minas e doces como ambrosia e suspiro. O
jão, bife e batata-frita. Espírito Santo é conhecido pelas tortas capixabas e
No Rio de Janeiro há a feijoada, criada pelos moquecas de camarão, peixe e siri.

Janeiro/Junho 2006
76
coberta por folhas, para evitar ir Já foram catalogadas temente, após esperar por quase
à caça todos os dias. Nestas quatro dias, poder deliciar a
no Brasil 26 tipos
valas, as carnes secavam ou iguaria – mas sem feijão!
eram assadas, e quando pas- de feijoada. Bem mais rápida de pre p a r a r
savam do ponto, eram piladas Por mais estranho do que a manissova, a feijoada
para serem transformadas em que pareça, mais conhecida é a carioca. Nu-
uma farinha que durava muito ma panela cozinha-se o feijão
a mais autêntica
mais tempo do que a carne fres- temperado e em outra as carn e s :
ca. Essa técnica rudimentar foi de todas não leva lingüiça, paio, toucinho, e tudo
aproveitada pelos portugueses feijão na receita mais que o bom gosto desejar;
que conservavam seus alimentos como resultado final teremos o
para chegar o mais longe possí- prato típico do Brasil, ao lado do
vel em suas navegações. pequi. Estudos indicam que as acarajé baiano, tão apre c i a d o s
Outro aprendizado que os por- mulheres ficam mais férteis na pelos estrangeiros.
tugueses tiveram com nossos época do pequi e os nutrientes da Tamanha é a identidade de nosso
índios foi o do uso da panela de f ruta ajudam as mães a tere m país associada ao acarajé e à fei-
pressão, inicialmente criada uma boa gestação. O pequi é uti- joada que gera uma confusão. Os
através de uma panela de barro lizado como complemento ali- turistas associam a figura da
lacrada de argila. A panela era mentar nas refeições diárias, baiana cozinheira com a feijoada,
fechada com a comida e os tem- sendo preparado com frango, como se fosse o mesmo prato servi-
p e ros, enterrada debaixo de uma com arroz, ou carn e . do no Rio de Janeiro, no entanto o
fogueira, onde ficava até que os preparo é diferente. Seja lá o que for
alimentos estivessem bem cozi- Feijoada sem feijão? que a baiana tem haver com a fei-
dos, o que demorava dias. Já foram catalogadas no Brasil joada do Rio, o importante é saber
Uma fruta que é uma part i c u- 26 tipos de feijoada e, por mais que dessa mistura de culturas e
laridade de nosso Planalto Cen- estranho que pareça, a mais ingredientes é que se forma a nossa
tral é o pequi, de extrema im- autêntica de todas não leva feijão culinária. Portanto, da próxima vez
p o rtância para a população da na receita. De origem da região que você for comer a macarronada
região. Ele é tão relevante para a N o rte, a manissova é uma feijoa- do avô da Patrícia, o pequi com
alimentação local que pesquisas da preparada com a folha da frango do Planalto Central, ou a
realizadas constataram que as mandioca brava moída, a mani- feijoada de manissova do Norte,
mulheres da região têm uma va. O cozimento da folha dura 84 lembre-se que há um valor cultural
tendência em engravidar a partir horas, para só então se começar a muito maior do que o gostinho que
de janeiro, época de fartura do colocar as carnes dentro e pacien- fica na sua boca.

Região Sul
Chimarrão
Com influência Arroz-de-carreteiro
único tempero .
e u ropéia, princi- O u t ro destaque
palmente a ita- está nos efeitos
liana e a alemã, benéficos do vi-
varia de carne bo- nho, consumido
vina a frutos do com fre q ü ê n c i a ,
mar. No interior, o e da erva do chi-
destaque é para o m a rrão. A so-
mocotó de campo e o arroz- bremesa fica por conta de doces
de-carreteiro. de ovos como ambrosias e
Churrasco O churrasco é um re f e re n- papos-de-anjo, e de frutas cristalizados e em
cial e tem o sal grosso como calda.

Quer um pedacinho?
77

Você também pode gostar