Você está na página 1de 3

RE 635336 / PE - PERNAMBUCO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 14/12/2016 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-209 DIVULG 14-09-2017 PUBLIC 15-09-2017
Parte(s)
RECTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RECDO.(A/S) : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECDO.(A/S) : OVIDIO ARAÚJO BARROS E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : MARK SANDER DE ARAÚJO FALCÃO
Ementa
Recurso extraordinário. 2. Constitucional. Administrativo. Cultivo ilegal de plantas psicotrópicas.
Expropriação. Art. 243 da CF/88. Regime de responsabilidade. 3. Emenda Constitucional 81/2014.
Inexistência de mudança substancial na responsabilidade do proprietário. 4. Expropriação de caráter
sancionatório. Confisco constitucional. Responsabilidade subjetiva, com inversão de ônus da prova. 5.
Fixada a tese: “A expropriação prevista no art. 243 da CF pode ser afastada, desde que o proprietário
comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in eligendo”. 6. Responsabilidade subjetiva
dos proprietários assentada pelo Tribunal Regional. 7. Negado provimento ao recurso extraordinário.
Decisão
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 399 da repercussão geral, negou
provimento ao recurso extraordinário, fixando tese nos seguintes termos: “A expropriação prevista no art. 243 da
Constituição Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in
vigilando ou in eligendo”. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falou pela União a Ministra Grace Maria
Fernandes Mendonça, Advogada-Geral da União. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 14.12.2016.
Tema
399 - Natureza da responsabilidade do proprietário de terras com cultivo ilegal de
plantas psicotrópicas para fins de expropriação.
Tese
A expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser afastada, desde que
o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in
eligendo.

Art. 243 da CF/88


O art. 243 da CF/88 prevê o seguinte:
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho
escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a
programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no
art. 5º.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência
do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo
será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da
lei.

Desapropriação confiscatória
A doutrina denomina este art. 243 de "desapropriação confiscatória" em virtude de
não conferir ao proprietário direito à indenização, como ocorre com as demais espécies
de desapropriação (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. São Paulo: Atlas, 2016, p. 1044). Outros autores preferem falar em
"confisco" (MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2135).

Pressupostos
Existem dois motivos que geram esse confisco:
a) o fato de no imóvel estarem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas; ou
b) o fato de no imóvel haver exploração de trabalho escravo.

Extensão da expropriação
A expropriação irá recair sobre a totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a
utilização de trabalho escravo tenham ocorrido em apenas parte dele. Nesse sentido:
STF. Plenário. RE 543974, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 26/03/2009.

Procedimento
As regras e o procedimento para essa expropriação estão disciplinados na Lei nº
8.257/91 e no Decreto nº 577/92. Trata-se de um rito muito célere no qual a Lei
estipula poucos dias para a realização de cada ato processual. Veja abaixo o resumo
do procedimento:

1. Processo judicial. Para haver a desapropriação confiscatória, é necessário processo


judicial que tramita na Justiça Federal.

2. Petição inicial. A União deverá propor uma demanda chamada de "ação


expropriatória" contra o proprietário do imóvel (expropriado). Vale ressaltar que
apenas a União é competente para realizar a expropriação de que trata o art. 243 da
CF/88, não podendo ser feita pelos outros entes federativos.

3. Citação. Recebida a inicial, o juiz determinará a citação do expropriado, no prazo


de 5 dias.

4. Perito. Ao ordenar a citação, o Juiz já nomeará um perito para fazer a avaliação do


imóvel. Este deverá entregar o laudo em 8 dias.

5. Audiência. O juiz determinará audiência de instrução e julgamento, que deverá ser


realizada no prazo máximo de 15 dias, a contar da data da contestação.

6. Mandado de imissão na posse. O juiz poderá imitir, liminarmente, a União na posse


do imóvel expropriando, garantindo-se o contraditório pela realização de audiência de
justificação. Em outras palavras, o magistrado poderá conceder tutela provisória de
urgência determinando que o proprietário saia do imóvel e este fique na posse da
União. Vale ressaltar que o INCRA é quem irá imitir-se em nome da União (art. 6º do
Decreto nº 577/92).

7. Prova testemunhal. Na audiência de instrução e julgamento cada parte poderá


indicar até 5 testemunhas.

8. Oitiva do Ministério Público. A Lei nº 8.257/91 não prevê, mas o Procurador da


República deverá ser ouvido como fiscal da ordem jurídica, nos termos do art. 178, I,
do CPC/2015.

9. Sentença. Encerrada a instrução, o Juiz prolatará a sentença em cinco dias.

10. Haverá expropriação mesmo que o imóvel esteja em garantia. A expropriação


prevalece sobre direitos reais de garantia, não se admitindo embargos de terceiro
fundados em dívida hipotecária, anticrética ou pignoratícia.

11. Recurso. Da sentença, caberá apelação.


12. Trânsito em julgado. Transitada em julgado a sentença expropriatória, o imóvel
será incorporado ao patrimônio da União. Em seguida, a gleba será destinada à
reforma agrária e a programas de habitação popular.

O proprietário poderá evitar a expropriação se provar que não teve culpa pelo
fato de estarem cultivando plantas psicotrópicas em seu imóvel?
SIM.

A expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser


afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa,
ainda que in vigilando ou in eligendo.
STF. Plenário. RE 635336/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/12/2016
(repercussão geral) (Info 851).

Não se exige que o proprietário tenha participado


Para que haja a sanção do art. 243 não se exige a participação direta do proprietário
no cultivo ilícito. Se o proprietário não participou, mas agiu com culpa, deverá ser
expropriado. Isso porque a função social da propriedade gera para o proprietário o
dever de zelar pelo uso lícito do seu imóvel, ainda que não esteja na posse direta.

Mesmo tendo esse dever, poderá provar que não teve como evitar
Esse dever de zelar pelo correto uso da propriedade não é ilimitado, só podendo ser
exigido do proprietário que evite o ilícito quando estiver ao seu alcance.
Assim, o proprietário pode afastar sua responsabilidade demonstrando que não
incorreu em culpa. Ele pode provar, por exemplo, que foi esbulhado ou até enganado
pelo possuidor ou pelo detentor.

Se agiu com culpa, aplica-se o art. 243


Vale ressaltar, mais uma vez, que, se o proprietário agiu com culpa, deverá ser
expropriado.
Essa culpa pode ser in vigilando ou in eligendo:
• Culpa in vigilando é a falta de atenção com a conduta de outra pessoa. Ocorre
quando não há uma fiscalização efetiva.
• Culpa in eligendo consiste na má escolha daquele a quem se confia a prática de um
ato. Também chamada de “responsabilidade pela má eleição”.

Desse modo, se o proprietário agiu com culpa in vigilando ou in eligendo, deverá


incidir o art. 243 da CF/88.

E se houver mais de um proprietário, o que fazer neste caso?


Se o imóvel pertencer a dois ou mais proprietários (condomínio), haverá a
expropriação mesmo que apenas um deles tenha participação ou culpa. Restará
apenas ao proprietário inocente buscar reparação daquele que participou ou teve
culpa.

Ônus da prova
Importante destacar que cabe ao proprietário (e não à União) o ônus da prova. Em
outras palavras, caberá ao proprietário provar que não agiu com culpa.

Você também pode gostar