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A Escola Como Lugar Privilegiado de Memorias PDF
A Escola Como Lugar Privilegiado de Memorias PDF
ritcostap@gmail.com
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende contribuir para a ampliação dos estudos relacionados à cultura
material escolar e ao resgate da memória escolar. A abordagem se dá no sentido de
(re)estabelecer um forte elo em sujeitos que perpassam/ram pelos espaços/tempos da
instituição, seja como atuantes, ou não.
Nesse viés, buscamos indagar como o lugar ocupado pelo Instituto de Educação de
Vitória foi e é representado na sociedade capixaba. Pretendemos também compreender a
existência desta instituição numa relação mais ampla com o processo histórico entre o
local e o global.
Mas, sabe-se que precisamos burlar alguns paradigmas para evitar o esvaziamento nas
relações cotidianas, buscando, segundo Linhares (2002), a escola que somos. Neste
sentido, o entendimento é de que a escola, como espaço privilegiado, é propício ao ato
de rememorar.
É inegável que nosso cotidiano é extremamente tecido por marcas, entrelaçadas por uma
rede de fios, ligados pela troca de experiências. Isso ocorre porque sentimos a
necessidade de contar, de falar sobre o que nos acontece, conforme afirma Larrosa
(2004). Precisamos, portanto desenvolver entre a comunidade educativa o exercício de
conhecer, ouvir e contar a história da própria escola, porque muitas vezes falamos de
várias histórias, mas não sabemos falar do lugar onde estudamos ou atuamos como
educadores. Neste sentido, Paul Thompson(1992) nos auxilia a perceber a contribuição
da história oral
SOBRE A INSTITUIÇÃO
O lugar pesquisado era, até o mês de março de 1971, um espaço destinado à prática
social, o Clube Recreativo Cauê, que pertencia aos funcionários da empresa mineradora
Vale do Rio Doce. Era um local arborizado, amplo, com apartamentos/dormitórios,
piscina de água salgada, pois naquele período a escola era bem próxima à praia, salão
de jogos e um amplo auditório.
Ainda hoje, o espaço físico da escola chama atenção a todos que nela circulam. A
começar pela própria localização geográfica, pois está situada em um local cercado por
prédios residenciais de alto padrão. A própria entrada principal em nada lembra uma
escola. Vale ressaltar a existência de outra, localizada nos fundos do prédio. Esta, sim,
foi adaptada para facilitar o fluxo de alunos.
Figura 1: Fachada da entrada principal do Instituto de Educação Prof. Fernando Duarte Rabelo.
Fonte: Biblioteca Pública Estadual. Vitória-ES
Outra característica que chama a atenção, em se tratando do espaço físico, e que
despertou interesse nesta investigação, é que a arquitetura da escola foge totalmente ao
padrão estético dos prédios escolares do final do século XIX e de boa parte dos do
século XX.
Não obstante esta característica, outro fator também relevante foi que, após uma
pesquisa em revista da época, encontramos uma matéria com destaque para o
fechamento do referido Clube, determinado pela alta cúpula da Vale do Rio Doce. A
alegação era que o Cauê havia fugido à sua real finalidade. No local, passa a funcionar a
sede da Assembleia Legislativa. Buscamos, portanto, neste momento, entender as
mudanças que foram realizadas no espaço físico em questão, até que se configurasse
num ambiente destinado à educação.
Figura 2: Vista externa das salas de aula. Fonte: Biblioteca Pública Estadual. Vitória-ES
Retomando a questão do acesso à Escola, é oportuno informar que não apenas os alunos
utilizam a entrada dos fundos, mas também professores e funcionários. Isso ocorre até
hoje. A respeito disso, em entrevista, alguns alunos responderam: “Nem sabia que
existia esta outra entrada! Mudou quando?” “Sei lá.” “Sabia da existência, mas não sei
explicar por que passamos por lá.”. “Já vi pessoas passando por lá, mas nós nunca.”
Figura 3: Fachada da atual entrada dos alunos da Escola Estadual Prof. Fernando Duarte Rabelo. Fonte:
Arquivo pessoal da pesquisadora.
Para Benjamin,
A arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as
pessoas sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que
alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se
estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e
inalienável: a arte de intercambiar experiências (BENJAMIN, 1996,
p.197).
A partir das ideias do referido autor, a pretensão deste trabalho é fomentar uma pesquisa
com a comunidade educativa em questão, resgatando a história do lugar onde se situa a
instituição. Para isso, será imprescindível considerar o cenário político brasileiro,
referenciado pelo cerceamento da liberdade individual e coletiva, característica
marcante do período da Ditadura Militar ou, para alguns, o do Regime Militar.
Para outro autor, que aborda a prática investigativa, o italiano Carlo Ginzburg, é
importante explorar o chamado saber indiciário, saber este que pode ser encontrado em
atividades humanas bastante diversas. Dentre elas, médicos, historiadores, carpinteiros,
oleiros, marinheiros, enfim, de várias áreas, envolvendo muitas conjecturas. Por essa
razão, acreditamos que há muito por saber, nas entrelinhas, sobre a transferência da
Escola Normal Pedro II, do centro da capital Vitória/ES, para o local onde hoje funciona
o Instituto de Educação de Vitória.
De 1964 a 1985, o Brasil foi marcado pelo período conhecido por Ditadura Militar.
Nele, o silenciamento foi uma das marcas estendidas a toda a sociedade. O que não quer
dizer que houve total submissão. Porém, aos que se manifestaram contra, o Regime
soube usar da repressão com muita propriedade.
Segundo relatório do governador Christiano Dias Lopes, durante sua gestão, foi o
melhor período para o sistema educacional capixaba, em comparação aos investimentos
recebidos nos governos anteriores. Em sua prestação de contas, assim relatou:
Em 1966, havia 1.178 alunos matriculados no ensino pré-primário
estadual. Em 1970, o número subiu para 5.418:360% de aumento. No
ensino primário, o número passou de 179.053 para 304.806. De acordo
com a projeção baseada no Censo Escolar de 1964, a escolarização da
população infantil entre sete e catorze anos atingiu, em 1970, o nível de
91%. O ensino médio oficial matriculou, em 1970, 32.404 alunos. A esse
número deve-se somar mais 15.831 alunos ajudados por bolsa de estudo
do estado. De 1967 a 1970 foram construídas 1.451 salas de aula: mais do
que o total de salas construídas anteriormente [...] O Espírito Santo é,
assim, o estado brasileiro que proporcionalmente mais investe em
educação. (OLIVEIRA, 2008, p.483)
Entende-se que a busca de possíveis respostas a estas e outras questões trará uma grande
contribuição para a História da Educação no Espírito Santo. Não se trata de meramente
satisfazer a curiosidades sobre o fato, mas, e principalmente, diz respeito à realização do
desejo de inscrever e potencializar a história de um ambiente escolar.
UNINDO OS FIOS – POSSIBILIDADES DE SE TRAÇAR UM PARALELO
ENTRE O PARADIGMA INDICIÁRIO E A HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO
Prova disto é que, num determinado momento, em conversa com 03 (três) moradores da
região em que se localiza o ambiente escolar que está sendo investigado, a respeito de
como viam a convivência com a Instituição, obtivemos as seguintes respostas:
_ “Eu não gosto, pois os alunos são muito barulhentos, xingam, sujam demais a rua, e
me parece que está cada vez pior. Penso em vender meu apartamento.”
_ “Gostar eu não gosto, não. Mas engraçado é que, quando eles estão de férias, isso aqui
fica muito morto.”
_ “Para ser sincero, não gosto, não. Porém, tenho que reconhecer que, quando o prédio
foi construído, a escola já existia. Precisamos aprender a conviver com isso. Mas não é
fácil.”
Diante dos relatos, verificamos que não bastaria realizar uma pesquisa historiográfica
por si só. Ou seja, não deveríamos nos prender apenas às fontes documentais. Faz-se
necessário considerar a contribuição de outros participantes da história, de modo que
fios de todos os saberes indiciários sejam unidos. Pois, de alguma maneira, haverá
sempre alguém a mudar o cenário dos fatos, articulando novas ações na constituição do
objeto em questão. É o que nos sugerem os depoimentos acima.
Sendo assim, o que a princípio possa parecer insignificante, trata-se, na verdade, de algo
“[...] aparentemente trivial, que leva o investigador, quer seja um detetive como
Sherlock Homes, um psicanalista como Freud, ou um historiador como o próprio
Ginzburg, a fazer importantes descobertas” (PALLARES-BURKE, 2000, p.271).
O paradigma indiciário, portanto, nos convida a refletir sobre outras possibilidades de
análise, pois não podemos partir do pressuposto do pronto, do acabado. Ao contrário,
precisa-se de muitas respostas para uma mesma pergunta, razão pela qual Ginzburg
propõe que sigamos indícios, rastros e vestígios, estabelecendo um paralelo entre o
ofício do historiador e o do caçador.
Logo, como também defende Ginzburg (1998), os vestígios devem ser valorizados, e a
escola é um espaço favorável para a busca desses sinais, que muito têm a dizer.
Ressalta-se que isso pode ser percebido tanto em documentos escritos, registro de atas,
pautas, como em fotografias, relatos orais, objetos e móveis, e ainda na arquitetura do
prédio, como ocorre no espaço físico em questão. Por isso é tão importante desenvolver
a cultura de valorização do ambiente escolar. São marcas que ficam para o registro da
história de toda e qualquer instituição. Neste sentido, em relação ao Instituto de
Educação de Vitória/ES, há uma lacuna a ser preenchida, pois diz respeito a uma
instituição que muito se destacou na sociedade capixaba nos anos 70.
Para Julia (2001), a noção de cultura escolar exige atenção quanto às práticas, em
especial, aos aspectos internos da escola. Com isso, os historiadores da educação são
convidados a se interrogarem sobre as práticas cotidianas, ou seja, a olharem para
dentro da escola como um todo. Para ela, a cultura escolar trata-se de um conjunto de
normas que definem transmissão de conhecimentos de práticas a ensinar e condutas a
inculcar. Portanto, a escola é o local ideal para esse processo de inculcação de
comportamento.
Outro autor que nos auxilia para a análise da cultura escolar é Viñao Frago (2000). Para
ele, a cultura escolar é compreendida como um conjunto de ideias, princípios, critérios,
normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo das instituições educativas. Isso
porque, no interior delas, são produzidas maneiras de pensar e de agir que propiciam
novas experiências aos envolvidos nas práticas escolares.
Ainda segundo o autor, é no interior da escola, seja na sala de aula ou fora dela, é que
existe um ambiente propício para se observarem atitudes, modos de vida e de pensar,
materialidade física, hábitos, objetos e ritos escolares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS