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Contexto que precedeu a produção do modelo escolar (séc.

XVI a XVIII)

Na civilização medieval não havia intenção educativa explícita, o ser humano integrava-se no
grupo onde estava inserido socialmente e absorvia a sua cultura através da interação e partilha
quotidiana.

Com o inicio de uma consciência de que a sociedade se deve ocupar das crianças (educáveis e
moldáveis) e instituir processos educativos intencionais , a criança passa a ser centro de
preocupação passa-se a relacionar a infância com a pedagogia.

A produção do modelo escolar surge no sec. XVI com a consciência de que “o homem é
moldável através de uma acção racional e organizada” cit. por Nóvoa (1994). A escola passará a
ser responsável pelo trabalho de reprodução das normas e transmissão cultural.

O Ensino Jesuíta (séc. XVI a XVIII)


Consolidação do modelo escolar

Dentro das congregações religiosas é que se formam os primeiros modelos de uniformização


escolar. Os Colégios nos séc. XVI e XVII são criados a partir da ideia de concentrar num
mesmo espaço coletivamente, alunos e professores, bem como promover e organizar uma
educação global, sob o olhar vigilante de educadores preparados para o efeito. São criados
várias atividades escolares baseadas na graduação de programas, separação em classes,
avaliação regular dos conhecimentos adquiridos e uma organização do espaço e do tempo
(subdividida e controlada), que se distancia dos anteriores modelos escolares, enquanto locais de
ensino dispersos, com vários cursos a serem ministrados simultaneamente e com vários
professores para cada classe. O Colégio passa de ser apenas uma instituição e transforma-se
num espaço físico, concreto, onde vigoram várias classes com um professor próprio, um espaço
específico (sala) para cada grau de ensino e acima de tudo, uma regulamentação permanente e
diária, sob a forma de vigilância, medidas disciplinares, organização contínua das atividades
diárias, classificações e avaliações, etc. Pese embora algumas diferenças, aparece-nos já aqui os
primórdios de um modelo escolar que prevalecerá no futuro e que atualmente vigora nas nossas
sociedades.

Os objetivos, métodos de estudo e de trabalho do Ensino Jesuíta eram semelhantes e uniformes,


independentemente da sua localização geográfica ou do contexto onde se inserem, mesmo
atendendo a algum ambiente próprio particular. Havia uma tentativa de normalizar e
uniformizar um ensino e suas práticas, para toda uma rede de escolas públicas geridas por si e
entretanto espalhadas pelos vários cantos do mundo. A pedagogia Jesuíta vai também buscar
práticas que já então existiam, nomeadamente na Universidade de Paris ou no Colégio de
Bordéus, orgulhando-se de seguir métodos que justificadamente se deveriam conservar.

Inácio de Loyola (1491-1556, o fundador da Companhia de Jesus, que é atualmente é a maior


ordem religiosa católica no mundo) criou um documento onde determina em detalhe as
instruções relativas às várias disciplinas, o seu currículo e sequencialização dos seus métodos
nas suas várias regras e que deviam ser realizados sem alterações justificadas por parte dos seus
membros. Após vários estudos e apresentação de propostas, adaptações e correções (analisadas,
avaliadas e discutidas num longo e moroso processo de cerca de quarenta anos), foi apresentado
em 1599 a versão definitiva do Ratio Studiorum, simplificação do título mais vasto “Ratio Atque
Institutio Studiorum Societatis Jesu”, onde estavam afixadas as regulamentações, o currículo
fixo, as normas e instruções aos diretores e professores, os objetivos e métodos, (desde as
classes de Gramática às de Teologia), que eram seguidas de forma ininterrupta e sem alterações
no nosso país até cerca de 1832. Este documento que nos dias de hoje corresponde a um
“projeto educativo próprio”, com regulamentação clara, concisa e uniforme, definida através do
Ratio Studiorum, enquanto matriz e código pedagógico, como uma compilação de Regras de
Bem Ensinar, o que de algum modo constituiu, um embrião de uma futura classe profissional
(que terá outro desenvolvimento com Pombalismo e daí em diante).

A perspectiva pedagógica Jesuíta implicava ver a Escola não só como um local de Ensino, mas
também como um local de Vida, sociabilidade e responsabilidade, articulando os conceitos
Instrução e Educação. A Escola e a formação dos estudantes não eram apenas um conjunto de
aulas, mas também várias actividades do dia-a-dia que implicavam sempre uma visão do todo.

Resumindo, o início desta cultura escolar produziu neste período a definição de um conjunto de
saberes e comportamentos a ensinar e um conjunto de práticas que permitem fazê-lo, sendo elas:

-Organização de classes em função das idades dos alunos e de programas escolares por níveis;

-Sistema de autoridade dos mestres em relação aos alunos com a criação de um corpo
profissional específico constituído por laicos para o “ensino elementar” e por religiosos ao nível
do ensino secundário;

-Implantação de programas escolares em função de um sistema de progressão de estudos, onde


o exame organizava os alunos nas turmas em função do

s seus resultados escolares;

-Descoberta do ensino simultâneo (ensinar o mesmo a um grupo de alunos). Em Portugal os


Jesuitas antes de serem expulsos possuiam quatro dezenas de colégios a grande maioria de
ensino secundário.

Na Europa a meados do sec. XVIII já existiam um conjunto de escolas regidas por estas práticas
e no final deste século já existiam em Portugal uma rede de escolas públicas.

O Pombalismo séc. XVIII a XX


As bases de um sistema estatal de ensino e sua consolidação

O Pombalismo foi um período de 27 anos que começou em 1750 com a morte de D. JoãoV ao
qual se seguiu D. José I que elege para o poder o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo –
o Marquês de Pombal. Este período termina em 1777 com a morte de D. José que faz cair do
poder o Marquês de Pombal.
As Novas realidades políticas sociais e económicas que acompanharam o Pombalismo irão criar
uma rutura neste plano educativo tutelado pela igreja que passará a ser tutelado pelo estado,
havendo uma mudança de autoridade. Ninguém podia ensinar nem publicamente nem em
privado fora das classes instituídas para esse efeito sem aprovação e licença do Diretor de
Estudos (equivalente ao nosso ministro da educação) que era responsável pela nomeação dos
professores que eram sujeitos a um exame feito por dois professores régios de Gramática. Os
sistemas estatais vão agora aprofundar o modelo escolar desenvolvido pela igreja, criando um
sistema educativo único com renovação de currículos e programas.

Segundo Nóvoa (1994) Portugal foi o primeiro país católico a proceder à laicização do ensino e
esta transição não foi pacífica. Uma sentença de Junta da Inconfidência de 12 de Janeiro de
1759 expulsou os jesuítas de Portugal privando-os completamente de exercerem o ensino em
Portugal interrompendo subitamente toda a obra jesuíta relacionada com o ensino. Ao ser
decretada a expulsão dos Jesuítas de todos os territórios portugueses, ultramar incluído (e com a
posterior extinção da própria Companhia em 1773, por ordens do Papa Clemente IX), terminou
o primeiro período da Companhia de Jesus em Portugal. Primeiro período na medida em que
estes voltariam mais tarde a (re)surgir no nosso país em 1829, quando o Papa Pio VII restaura
novamente a Ordem e é permitido o regresso dos Jesuítas, ainda que em número pouco
significativo. Este ciclo de extinções/expulsões e posteriores regressos e início de atividade, foi
uma constante até ao Séc. XX e deflecte de forma muito clara a existência daquilo que se
poderia chamar uma problemática Jesuíta.

No caso desta primeira expulsão, encontram-se causas essencialmente de natureza política e


ideológica. O Marquês de Pombal, ministro do Rei D. José I e na realidade, figura dominante da
política nacional, desejava construir um projeto político baseado num estado mais moderno,
iluminado (mas igualmente opressor) com maior presença nos vários sectores da sociedade e
com um carácter profundamente centralizado. Para isso era necessário eliminar alguns dos
poderes instalados (em especial certos sectores da Nobreza e do Clero). O mesmo foi necessário
para o Ensino, onde ao invés de um sistema privado e nas mãos da Igreja, se pretendia um
Ensino estabilizante e centralizado, de forma a ser possível controlar os professores, suas
opiniões, programas de estudo e seus conteúdos. Mesmo que tal reforma se tenha realizado sob
ideais e critérios pedagógicos, o objetivo principal nunca deixou de ser politico. Perante uma
Companhia poderosa, possuidora de um rico património material e uma influência que, como
vimos, se estendia a vários domínios, quer em Portugal quer além fronteiras, foi facilmente
escolhida como alvo para perseguições, sob acusações várias. Em termos concretos acusava-se a
Companhia de difamação, de atividades ilícitas, de decadência, de resistências às autoridades na
América do Sul e inclusivamente de autoria moral na tentativa de assassinato do Rei. No final
deste processo, cerca de 1100 Jesuítas foram desembarcados para Roma, alguns outros
encarcerados ou mortos e aboliu-se um sistema de Ensino que assegurava sensivelmente cerca
de oitenta e cinco por cento daquilo que então o país dispunha. E não obstante as futuras
propostas pombalinas terem tido eco e algum sucesso na Sociedade de então, foram mais o
resultado de uma procura social da educação em certos sectores, no desenvolvimento do
aparelho de estado e de interesses corporativos vários, que propriamente o apagar definitivo dos
ideais inscritos no Ratio Studiorum.

O desenvolvimento dos sistemas estatais de ensino começou com esta emergência do poder do
estado sobe a igreja, depois o estado passou a usar os seus poderes e recursos para ir
controlando progressivamente esta educação formal . No desenvolvimento do movimento
iluminista que se segue ao pombalismo, também a educação deixa de ser tutelada pela igreja,
mas sendo um regime liberal era mais tolerante que o regime absolutista de Marquês de Pombal.

As reformas pombalinas do séc. XVIII criaram uma rede oficial de ensino. Os professores do
ensino secundário eram todos religiosos e após a expulsão dos jesuítas em 1795 o secundário
ficou sem professores e para colmatar esta situação surgiu a primeira manifestação da reforma
no ensino que se regeu por três grandes princípios: o ensino ser da exclusiva competência e
responsabilidade do estado; a uniformização do ensino com a prática desta reforma em todo o
país; um diretor de estudos, nomeado por Marquês de Pombal, terá a responsabilidade de
coordenar o ensino.

Em 1772 Marquês de Pombal implantou uma lei que anunciava a coleta de um imposto
“subsídio literário” para financiar as despesas de educação (Gomes, 1982). Para além dos
professores deixarem de estar sob tutela religiosa, com esta lei os poderes locais também
deixam de ser responsáveis pelas despesas de educação. Esta alteração da autoridade dos
poderes locais gerou controvérsia uma vez que estes desejavam continuar a ter o direito de
supervisionar a ação docente e os docentes defendiam que eram tutelados pelos poderes centrais
do estado e não pelos poderes locais (Nóvoa, 1994).

O sistema de instrução pública que foi estabelecido pelo Marquês de Pombal e fazia parte do
projeto político que marcou o Pombalismo e como tal próprio “ato pedagógico” evidencia uma
política. Este sistema de ensino que surgiu com as referidas reformas de 1759 e de 1772
proclama a criação do ensino primário oficial, no entanto não permitia o acesso de todos ao
ensino uma vez que quem trabalhava no campo e em fábricas não podia ter acesso ao ensino,
bastava a formação dos párocos através do catecismo. Os outros que não exerciam essas funções
apenas poderiam aprender a ler e contar com os ditos mestres de ler, escrever e contar, só um
número muito reduzido é que podia continuar os estudos.

Comentário final

A escola tal como a conhecemos atualmente, a sua organização espacial e temporal (a divisão
concisa do espaço e do tempo escolar), o conceito de classe, o princípio da progressão, a
valorização do grupo e do indivíduo, o mérito premiado (e também a competição entre
estudantes), o novo papel do professor na sala de aula ou a sua formação, são também efeitos
visíveis e um legado do sistema de Ensino Jesuíta. O ensino coletivo (o referido ensino
simultâneo) iniciado com o modelo escolar dos colégios jesuítas onde o professor vai olhar para
o grupo de alunos como um todo começou a ser criticado nos anos setenta quando se
começaram a desenvolver formas de individualização do ensino coletivo contemplando as
necessidades diferentes dos alunos.

Foi o Marquês de Pombal quem pela primeira vez planeou uma rede de escolas primárias
públicas. Antes a instrução era da responsabilidade da família, da igreja e pontualmente do
estado que pagava a mestres de ler e de escrever. Embora o Marquês proclame criar condições
para que o benefício da instrução se alargasse ao maior número de pessoas, a realidade
ideológica e económica do século XVIII não o permitia sendo isso contemplado na reforma de
1772 como foi referido nos parágrafos anteriores. Por estas razões nesta época o “ensino para
todos” era uma utopia. Os intelectuais do sec. XVIII não viam com bons olhos a instrução
generalizada para todos. No final sec XVIII em Portugal sistema estatal de ensino teve objetivos
e conteúdos muito longe dos objetivos proclamados pela fase seguinte do estado liberal (1820-
1834). O Pombalismo é influenciado pelas “luzes” mas em vez de liberdade havia censura e o
Marquês de Pombal não era moderado pois não havia ainda constituição e o poder concentrava-
se todo no rei que tinha poder absoluto. Este absolutismo precisava de um povo pouco instruído
que não o questionasse. No liberalismo monárquico (quando a sociedade passa a ser regida por
uma constituição) qualquer cidadão tinha o direito de abrir uma escola e agora (ainda
teoricamente) a educação pretende chegar a todos.. Por seu lado o discurso pedagógico liberal
também apresentou objectivos contraditórios. Por um lado o projecto integrador e unificador do
estado liberal manifesta uma vontade de integração e de regulação social (o analfabeto, a mulher
e os menores de rendimento não estariam em condições de ser cidadão eleitor), por outro lado
manifesta uma vontade de libertação, de emancipação do género humano. O liberalismo com o
seu discurso anti-eclerical também pretendeu retirar o poder económico à igreja, mas no entanto
não há combate ao catolicismo a carta constitucional estabelece a religião católica como a
religião oficial do Reino de Portugal, funcionando o catolicismo como um elemento agregador
social.

A direção e a regulação do sistema de ensino continuou ao longo do século XIX e até aos dias
de hoje a ser feita pelo estado. Só no século XX na década de setenta as escolas primárias
viriam a acolher a totalidade das crianças do grupo etário dos 6 aos 10 anos.

Referências Bibliográficas

Gomes, J.F. (1982). O Marquês de Pombal e as reformas pombalinas do ensino. Coimbra:


Livraria Almedina.

Nóvoa, A.(1994). História da Educação. Lisboa: F.P.C.E.

Petitat, ---.(1982). ------.(pp141). ----:------

Pintassilgo, J. (----). Do liberalismo à república – a regeneração e o progresso por via da


educação. Lisboa: “textos fornecidos para as aulas de HEP”.

Vários. (2008). Modo de proceder de um colégio da companhia de Jesus, inspirado nas


características. Maia: Magis, Sj – Associação dos Colégios da Companhia de Jesus.

Vários. (1994). Pedagogia Inaciana – Uma Abordagem prática. Braga: Grupo de Reflexão e
análise da Companhia de Jesus.

Vários. (1994). Características da Educação da Companhia de Jesus. Braga: Grupo de


Reflexão e análise da Companhia de Jesus.

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