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Informativo de

Jurisprudência
STF e STJ

1
INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA

STF E STJ
2016

Grupo II:
Penal e Processo Penal; Criminologia; Penal e Processo Penal Militar; Eleitoral.

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Prezados,

A EBEJI está com 10 anos de existência e, ao longo da sua trajetória, convivemos com várias
histórias de superação, lições de vida, aprendizado, decepções, vitórias e sucessos. Sobretudo
aprovações.

Nesse período, aprimoramos nossos sistemas, didáticas, materiais e aulas para servir de apoio e
contribuir para otimizar o processo de aprendizagem e esforço dos nossos alunos.

Em 2017, apesar da propalada crise fiscal vivenciada pelo Brasil, a equipe da EBEJI se impôs um
DESAFIO. Ampliar a participação e divulgação de conteúdo gratuito nas redes sociais, inovar na
sistemática de aulas, dinamizar o processo de aprendizagem a partir de novas ferramentas virtuais
e produtos inéditos no mercado. Tudo isso para continuar e avançar como um instrumento de
suporte na preparação dos nossos alunos. Não seremos responsáveis pela conquista de ninguém.
Mas faremos tudo que estiver em nosso alcance para participar e contribuir, minimamente que
seja, para que você obtenha sua aprovação.

Há crise, é verdade. Contudo há um caminho a ser percorrido e várias oportunidades surgirão. O


percurso, muitas vezes, é tortuoso, mas há vários atalhos, estratégias e planejamento para facilitar
a jornada. Nós da EBEJI sabemos alguns deles.

Pensando nesse desafio imposto por nós mesmos e já antevendo que uma grande oportunidade já
se evidencia nesse início de ano com a iminência da publicação do edital do novo concurso para
ingresso na Defensoria Pública da União (DPU), é que a nossa equipe, coordenada pelo professor e
Defensor Público Federal Pedro Coelho, organizou e sistematizou esse livro digital com TODOS os
julgados do STF e STJ de 2016, devidamente destacados, divididos e esquematizados por
assunto/tema, envolvendo TODAS as disciplinas do GRUPO II do edital da DPU!

Os alunos do programa de mentoring da EBEJI receberão conteúdos similares a esses de todas as


principais matérias, mas estamos disponibilizando e publicizando nosso compromisso/desafio esse
excelente material envolvendo o Direito Penal, Processual Penal, Penal Militar, Processual Penal
Militar e Direito Eleitoral.

Esperamos, sinceramente, que seja bem aproveitado e de valor para a preparação de vocês. Se
conhecem alguém que poderia desfrutar desse material, compartilhe. Afinal, “conhecimento
compartilhado nada mais é do que SABEDORIA”.

Bons Estudos. Vamos em frente.

EBEJI.

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Sumário
Direito Penal .................................................................................................................................. 7
Princípio da Insignificância ........................................................................................................ 7
Prescrição .................................................................................................................................. 9
Arrependimento Posterior ........................................................................................................ 9
Dosimetria da Pena ................................................................................................................. 10
Atenuantes .............................................................................................................................. 13
Penas Restritivas de Direito .................................................................................................... 13
Regime Inicial .......................................................................................................................... 14
Exercício Arbitrário das Próprias Razões ................................................................................. 16
Denunciação Caluniosa ........................................................................................................... 17
Desobediência ......................................................................................................................... 18
Lesão Corporal......................................................................................................................... 18
Homicídio ................................................................................................................................ 19
Apropriação Indébita .............................................................................................................. 21
Estelionato............................................................................................................................... 22
Peculato................................................................................................................................... 22
Contrabando ........................................................................................................................... 24
Descaminho ............................................................................................................................. 24
Evasão de Divisas .................................................................................................................... 25
Extorsão................................................................................................................................... 28
Gestão Temerária .................................................................................................................... 29
Exercício Ilegal da Medicina .................................................................................................... 30
Crimes contra a Fé Pública ...................................................................................................... 31
Crimes contra a Administração Pública .................................................................................. 35
Crimes contra a Ordem Tributária .......................................................................................... 45
Crimes de Licitação.................................................................................................................. 50
Lavagem de Dinheiro............................................................................................................... 50
Crimes praticados contra a Criança e o Adolescente.............................................................. 52
Crimes de Trânsito .................................................................................................................. 53
Crimes contra a Saúde Pública ................................................................................................ 54
Crimes Ambientais .................................................................................................................. 56
Crimes contra as Relações de Consumo ................................................................................. 58
Crimes contra o Sistema Financeiro ........................................................................................ 59
Crimes contra a Honra ............................................................................................................ 60
Crimes Hediondos ................................................................................................................... 64

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Racismo ................................................................................................................................... 65
Tortura..................................................................................................................................... 68
Estupro .................................................................................................................................... 69
Estupro de Vulnerável ............................................................................................................. 71
Aborto ..................................................................................................................................... 72
Lei de Drogas ........................................................................................................................... 72
Lei Maria da Penha .................................................................................................................. 84
Estatuto do Desarmamento .................................................................................................... 85
Lei de Segurança Nacional ...................................................................................................... 87
Direito Processual Penal.............................................................................................................. 89
Princípio da Duração Razoável do Processo ........................................................................... 89
Princípio da Ampla Defesa ...................................................................................................... 89
Competência ........................................................................................................................... 90
Foro por Prerrogativa de Função ............................................................................................ 92
Conflito de Atribuições............................................................................................................ 93
Uso de Algemas ....................................................................................................................... 94
Notitia Criminis........................................................................................................................ 95
Investigação Criminal .............................................................................................................. 96
Indiciamento ......................................................................................................................... 101
Controle Externo da Atividade Policial .................................................................................. 101
Suspensão Condicional do Processo ..................................................................................... 103
Ação Penal ............................................................................................................................. 106
Fixação do Valor Mínimo para Reparação dos Danos........................................................... 110
Ação Civil Ex Delicto .............................................................................................................. 111
Denúncia ............................................................................................................................... 112
Assistente de Acusação ......................................................................................................... 114
Impedimento e Suspeição ..................................................................................................... 115
Intimação Pessoal da Defensoria Pública.............................................................................. 115
Intimação............................................................................................................................... 116
Citação ................................................................................................................................... 116
Provas .................................................................................................................................... 118
Prova Emprestada ................................................................................................................. 128
Incidente de Sanidade Mental .............................................................................................. 129
Medidas Assecuratórias ........................................................................................................ 130
Busca e Apreensão ................................................................................................................ 132
Interceptação Telefônica....................................................................................................... 133

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Segredo de Justiça ................................................................................................................. 136
Sigilo Bancário ....................................................................................................................... 137
Procedimentos ...................................................................................................................... 138
Processos de Competência Originária dos Tribunais Superiores .......................................... 141
Tribunal do Júri ...................................................................................................................... 143
Nulidades............................................................................................................................... 145
Comutação de Penas ............................................................................................................. 155
Medida de Segurança............................................................................................................ 156
Execução Provisória da Pena ................................................................................................. 156
Execução Penal ...................................................................................................................... 162
Prisão ..................................................................................................................................... 169
Prisão Cautelar ...................................................................................................................... 171
Remição ................................................................................................................................. 174
Saída Temporária .................................................................................................................. 175
Indulto ................................................................................................................................... 181
Habeas Corpus ...................................................................................................................... 186
Recursos ................................................................................................................................ 194
Recurso Ordinário Constitucional ......................................................................................... 198
Revisão Criminal .................................................................................................................... 198
Indenização por Erro Judiciário ............................................................................................. 199
Direito e Processo Penal Militar ................................................................................................ 201
Competência ......................................................................................................................... 201
Legitimidade do Ministério Público Militar ........................................................................... 203
Interrogatório ........................................................................................................................ 204
Incidente de Sanidade Mental .............................................................................................. 206
Recursos ................................................................................................................................ 206
Direito Eleitoral ......................................................................................................................... 208
Ministério Público Eleitoral ................................................................................................... 208
Crimes Eleitorais.................................................................................................................... 209
Debate Eleitoral..................................................................................................................... 210
Propaganda Eleitoral ............................................................................................................. 212
Eleição Suplementar.............................................................................................................. 215

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DIREITO PENAL

Princípio da Insignificância

STF. Informativo nº 842


(Primeira Turma)

“Habeas corpus” e trancamento de ação penal


A Primeira Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que se pretendia trancar ação
penal contra paciente acusado da prática de atividade clandestina de telecomunicação por
disponibilizar provedor de internet sem fio. A defesa, ao sustentar a insignificância da
conduta, ponderava que a atividade desenvolvida teria sido operada abaixo dos parâmetros
objetivos estabelecidos pela Lei 9.612/1998. Acrescentava, ainda, que não teria sido
realizado, nos autos da ação penal, qualquer tipo de exame técnico pericial que
comprovasse a existência de lesão ao serviço de telecomunicações. Porém, para o
Colegiado, houve o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicações, de
modo que a tipicidade da conduta está presente no caso. Ademais, o trancamento da ação
penal, por meio de “habeas corpus”, seria algo excepcional.
HC 118400/RO, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 4-10-2016.

STJ. Informativo nº 575


(Terceira Seção)

DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
A reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos
crimes de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as
instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável.
Destaca-se, inicialmente, que não há consenso sobre a possibilidade ou não de incidência
do princípio da insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração delitiva no
crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal Superior, o passado delitivo do
agente não impede a aplicação da benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais
negativas do autor inviabilizam o benefício. (...) entende-se que, para aplicação do princípio
da insignificância no crime de descaminho, além de ser analisado o tributo iludido e os
vetores - (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social
da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a vida pregressa do
agente. Note-se que a incidência do princípio da insignificância nos casos de reiteração do

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crime de descaminho estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se tornar,
em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente fizesse o transporte das
mercadorias de forma segmentada. Logo, a reiteração delitiva deve efetivamente ser
sopesada de forma negativa para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de
ordem subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da insignificância, não se está
desconsiderando a necessidade de análise caso a caso pelo juiz de primeira instância. Antes,
se está afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias objetivas e
subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a
benesses jurídicas. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da
insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação ao reincidente, o que
não significa, entretanto, que referida circunstância deva ser desconsiderada. A propósito,
ressalta-se a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a qual
considera que "a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem
jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada
como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria
lesão à propriedade alheia" (STF, HC 114.723-MG, Segunda Turma, DJe 12/11/2014).
Destaca-se, ainda, que apenas as instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da
situação que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de realizar o exame
do caso concreto, por meio da valoração fática e probatória a qual, na maioria das vezes,
possui cunho subjetivo, impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se
desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância. No entanto, preconiza-se a
ampliação de sua análise para se incorporar elementos subjetivos que revelem o
merecimento do réu. Isso não guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com
todo o ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas
particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a pena-base, escolher o regime
de cumprimento da pena, entre outros. Nesse contexto, ainda que haja um eventual
desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de
assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a incidência do princípio
da bagatela um verdadeiro privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se
tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras vezes, ser necessária a
adaptação de teorias à nossa realidade. Precedentes citados do STF: HC 120.662-RS,
Segunda Turma, DJe 21/8/2014; HC 109.705-PR, Primeira Turma, DJe 28/5/2014.
EREsp 1.217.514-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/12/2015,
DJe 16/12/2015.

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Prescrição

STF. Informativo nº 822


(Segunda Turma)

Prescrição: condenado com mais de 70 anos e sentença condenatória


A prescrição da pretensão punitiva de condenado com mais de 70 anos se consuma com a
prolação da sentença e não com o trânsito em julgado, conforme estatui o art. 115 do CP
[“Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao
tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70
(setenta) anos”]. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma denegou a ordem de
“habeas corpus” em que se discutia a extinção da punibilidade de paciente que completara
70 anos após a sentença condenatória, porém, antes do trânsito em julgado.
HC 129696/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 19.4.2016. (HC-129696)

Arrependimento Posterior

STJ. Informativo nº 590


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR


EM HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO.
Em homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), ainda
que realizada composição civil entre o autor do crime e a família da vítima, é
inaplicável o arrependimento posterior (art. 16 do CP). O STJ possui entendimento de
que, para que seja possível aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do
Código Penal, faz-se necessário que o crime praticado seja patrimonial ou possua efeitos
patrimoniais (HC 47.922-PR, Quinta Turma, DJ 10/12/2007; e REsp 1.242.294-PR, Sexta
Turma, DJe 3/2/2015). Na hipótese em análise, a tutela penal abrange o bem jurídico, o
direito fundamental mais importante do ordenamento jurídico, a vida, que, uma vez
ceifada, jamais poderá ser restituída, reparada. Não se pode, assim, falar que o delito do art.
302 do CTB é um crime patrimonial ou de efeito patrimonial. Além disso, não se pode
reconhecer o arrependimento posterior pela impossibilidade de reparação do dano
cometido contra o bem jurídico vida e, por conseguinte, pela impossibilidade de
aproveitamento pela vítima da composição financeira entre a agente e a sua família. Sendo
assim, inviável o reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio
culposo na direção de veículo automotor. REsp 1.561.276-BA, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 28/6/2016, DJe 15/9/2016.

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Dosimetria da Pena

STF. Informativo nº 825


(Segunda Turma)

Conduta social e dosimetria


Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma deu provimento a recurso ordinário
para determinar ao juízo de execução competente que redimensione a pena-base de
condenado a quatro anos e onze meses de reclusão em regime inicial semiaberto, pela
prática do delito de furto qualificado. (...) O Colegiado afirmou que a decisão
impugnada teria considerado negativamente circunstâncias judiciais diversas com
fundamento na mesma base empírica, qual seja, os registros criminais, a conferir-lhes
conceitos jurídicos assemelhados. Apontou que, antes da reforma da parte geral do
CP/1984, entendia-se que a análise dos antecedentes abrangeria todo o passado do
agente, a incluir, além dos aludidos registros, o comportamento em sociedade. Com o
advento da Lei 7.209/1984, a conduta social teria passado a ter configuração própria.
Introduzira-se um vetor apartado com vistas a avaliar o comportamento do condenado
no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos.
Ou seja, os antecedentes sociais do réu não mais se confundiriam com os seus
antecedentes criminais. Tratar-se-ia de circunstâncias diversas e, por isso mesmo, a
exasperação da pena-base mediante a invocação delas exigiria do magistrado a clara
demonstração de subsunção da realidade fática ao preceito legal, dentro dos limites
típicos. Concluiu que teria havido indevida desvalorização plural de circunstâncias — as
quais possuiriam balizas próprias — com justificativa na mesma base fática.
RHC 130132, rel. Min. Teori Zavascki, 10.5.2016. (RHC-130132)

STF. Informativo nº 835


(Primeira Turma)
Circunstâncias judiciais e “bis in idem”
É legítima a utilização da condição pessoal de policial civil como circunstância judicial
desfavorável para fins de exasperação da pena base aplicada a acusado pela prática do crime
de concussão. (...) A Turma afirmou que seria possível, no que se refere à culpabilidade
(CP, art. 59), promover, em cada caso concreto, juízo de reprovabilidade maior tendo em
consideração a condição de policial civil do agente.
O delito previsto no art. 316 do CP seria de mão própria, porém, presentes as
circunstâncias do art. 59 do CP, se poderia levar em conta, quando do juízo de
reprovabilidade, a qualidade específica ou a qualificação do funcionário público. (...)
Portanto, aquele que fosse investido de parcela de autoridade pública — fosse juiz,

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membro do Ministério Público ou autoridade policial — deveria ser avaliado, no
desempenho da sua função, com escrutínio mais rígido. (...)
Preliminarmente, o Colegiado exarou entendimento segundo o qual deveriam ser
conhecidos os “habeas corpus” nas hipóteses em que fossem substitutivos de recurso
extraordinário, como no caso em comento. (...) HC 132990/PE, rel. orig. Min. Luiz Fux,
red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 16.8.2016.

STF. Informativo nº 845


(Segunda Turma)

Dosimetria da pena e custos da atuação estatal


Os elevados custos da atuação estatal para apuração da conduta criminosa e o
enriquecimento ilícito logrado pelo agente não constituem motivação idônea para a
valoração negativa do vetor "consequências do crime" na primeira fase da dosimetria da
pena (CP/1940, art. 59). Com base nesse entendimento, a Segunda Turma concedeu de
ofício a ordem em “habeas corpus”, para determinar ao juízo que redimensione a pena do
paciente, condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 12 da Lei 6.368/1976).
(...) O Colegiado decidiu que as despesas suportadas pelo Estado com a persecução
criminal e o enriquecimento ilícito do condenado não se subsumem no vetor negativo
“consequências do crime” (CP/1940, art. 59), entendido como dano decorrente da conduta
praticada pelo agente. Além disso, assentou que, embora recomendável a valoração
individualizada de cada vetor na primeira fase da dosimetria, a fixação da pena-base de
forma conglobada — sem a particularização do “quantum” de pena especificamente
atribuído a cada um dos vetores negativos — não impede que as instâncias superiores
exerçam o controle de sua legalidade e determinem o seu reajustamento. Assim, em se
tratando de pena-base conglobada, nada obsta que, decotado algum vetor negativo
indevidamente reconhecido, seja determinado ao juízo de primeiro grau que proceda ao
redimensionamento da pena imposta, com os abatimentos pertinentes. Asseverou,
também, que o efeito devolutivo da apelação, no caso de recurso exclusivo da defesa,
transfere o conhecimento de toda a matéria impugnada ao Tribunal “ad quem”, que pode
até mesmo rever os critérios de individualização definidos na sentença penal condenatória,
para manter ou reduzir a pena. O reajustamento da pena-base, nessas hipóteses, não deve
extravasar a pena aplicada em primeiro grau, sob risco de “reformatio in pejus”.
HC 134193/GO, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 26.10.2016. (HC-134193)

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STJ. Informativo nº 579
(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. VULNERABILIDADE EMOCIONAL E PSICOLÓGICA DA


VÍTIMA COMO CIRCUNSTÂNCIA NEGATIVA NA DOSIMETRIA DA PENA.
O fato de o agente ter se aproveitado, para a prática do crime, da situação de
vulnerabilidade emocional e psicológica da vítima decorrente da morte de seu filho
em razão de erro médico pode constituir motivo idôneo para a valoração negativa
de sua culpabilidade. De fato, conforme entendimento do STJ, "é possível a valoração
negativa da circunstância judicial da culpabilidade com base em elementos concretos e
objetivos, constantes dos autos, que demonstrem que o comportamento da condenada é
merecedor de maior reprovabilidade, de maneira a restar caracterizado que a conduta
delituosa extrapolou os limites naturais próprios à execução do crime" (AgRg no AREsp
781.997-PE, Sexta Turma, Dje 1º/2/2016). HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016.

STJ. Informativo nº 580


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. COMPATIBILIDADE ENTRE A AGRAVANTE DO ART. 62, I,


DO CP E A CONDIÇÃO DE MANDANTE DO DELITO.
Em princípio, não é incompatível a incidência da agravante do art. 62, I, do CP ao
autor intelectual do delito (mandante). O art. 62, I, do CP prevê que: "A pena será
ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime
ou dirige a atividade dos demais agentes;" Em princípio, não há que se falar em bis in idem
em razão da incidência dessa agravante ao autor intelectual do delito (mandante). De
acordo com a doutrina, a agravante em foco objetiva punir mais severamente aquele que
tem a iniciativa da empreitada criminosa e exerce um papel de liderança ou destaque entre
os coautores ou partícipes do delito, coordenando e dirigindo a atuação dos demais,
fornecendo, por exemplos, dados relevantes sobre a vítima, determinando a forma como o
crime será perpetrado, emprestando os meios para a consecução do delito, independente de
ser o mandante ou não ou de quantas pessoas estão envolvidas. Há, inclusive, precedente
do STF (Tribunal Pleno, AO 1.046-RR, DJe 22/6/2007) indicando a possibilidade de
coexistência da agravante e da condenação por homicídio na qualidade de mandante.
Entretanto, não obstante a inexistência de incompatibilidade entre a condenação por
homicídio como mandante e a incidência da agravante do art. 62, I, do CP, deve-se apontar
elementos concretos suficientes para caracterizar a referida circunstância agravadora. Isso
porque, se o fato de ser o mandante do homicídio não exclui automaticamente a agravante

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do art. 62, I, do CP, também não obriga a sua incidência em todos os casos. REsp
1.563.169-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016, DJe
28/3/2016.

Atenuantes

STJ. Informativo nº 577


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO


ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA PROMESSA DE RECOMPENSA.
É possível compensar a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do
CP) com a agravante da promessa de recompensa (art. 62, IV). O STJ pacificou o
entendimento no sentido de ser possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a
compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência (REsp
1.341.370-MT, Terceira Seção, DJe 17/4/2013). Esse raciocínio, mutatis mutandis,
assemelha-se à presente hipótese, por se tratar da possibilidade de compensação entre
circunstâncias igualmente preponderantes, a saber, a agravante de crime cometido mediante
paga com a atenuante da confissão espontânea. HC 318.594-SP, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 16/2/2016, DJe 24/2/2016.

STJ. Informativo nº 586


(Terceira Seção)

DIREITO PENAL. EMPREGO DA CONFISSÃO QUALIFICADA COMO


ATENUANTE.
A confissão, mesmo que qualificada, dá ensejo à incidência da atenuante prevista
no art. 65, III, d, do CP, quando utilizada para corroborar o acervo probatório e
fundamentar a condenação. Precedentes citados: HC 324.838-RJ, Quinta Turma, DJe
2/5/2016; e REsp 1.484.853-GO, Sexta Turma, DJe 25/4/2016. EREsp 1.416.247-GO,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 22/6/2016, DJe 28/6/2016.

Penas Restritivas de Direito

STJ. Informativo nº 584


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECONVERSÃO DE PENA A


PEDIDO DO SENTENCIADO.

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Não é possível, em razão de pedido feito por condenado que sequer iniciou o
cumprimento da pena, a reconversão de pena de prestação de serviços à
comunidade e de prestação pecuniária (restritivas de direitos) em pena privativa de
liberdade a ser cumprida em regime aberto. O art. 33, § 2º, c, do CP apenas estabelece
que "o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos,
poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto". O referido dispositivo legal não traça
qualquer direito subjetivo do condenado quanto à escolha entre a sanção alternativa e a
pena privativa de liberdade. Ademais, a escolha da pena e do regime prisional, bem como
do preenchimento dos requisitos do art. 44 do CP, insere-se no campo da
discricionariedade vinculada do magistrado. Além disso, a reconversão da pena restritiva de
direitos imposta na sentença condenatória em pena privativa de liberdade depende do
advento dos requisitos legais (descumprimento das condições impostas pelo juiz da
condenação). Por isso, não cabe ao condenado que sequer iniciou o cumprimento da pena
escolher ou decidir a forma como pretende cumprir a condenação que lhe foi imposta. Ou
seja, não é possível pleitear a forma que lhe parecer mais cômoda ou conveniente. (...)
REsp 1.524.484-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/5/2016,
DJe 25/5/2016.

Regime Inicial

STF. Informativo nº 844


(Segunda Turma)

Roubo: pena-base no mínimo legal e regime inicial fechado


A Segunda Turma, em conclusão e por maioria, deu provimento a recurso ordinário em
“habeas corpus” em que o recorrente pleiteava a fixação do regime semiaberto para o início
do cumprimento da pena. No caso, ele foi condenado pela prática de roubo duplamente
circunstanciado, em razão do concurso de agentes e do uso de arma de fogo. Na sentença,
o juízo fixou a pena-base no mínimo legal, mas estabeleceu o regime inicial fechado — v.
Informativo 841. O Colegiado entendeu, de acordo com precedentes da Turma, que o
juízo, ao analisar os requisitos do art. 59 do Código Penal, havia considerado todas as
circunstâncias favoráveis. Concluiu que, fixada a pena no mínimo legal, não cabe
determinar regime inicial fechado. Lembrou, também, orientação do Enunciado 440 da
Súmula do Superior Tribunal de Justiça nesse mesmo sentido (“Fixada a pena-base no
mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o
cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”).
RHC 135298/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki,
18.10.2016. (RHC-135298)

14
15
Exercício Arbitrário das Próprias Razões

STJ. Informativo nº 584


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. RECONHECIMENTO DE PROTEÇÃO JURÍDICA A


PROFISSIONAIS DO SEXO.
Ajusta-se à figura típica prevista no art. 345 do CP (exercício arbitrário das próprias
razões) - e não à prevista no art. 157 do CP (roubo) - a conduta da prostituta maior
de dezoito anos e não vulnerável que, ante a falta do pagamento ajustado com o
cliente pelo serviço sexual prestado, considerando estar exercendo pretensão
legítima, arrancou um cordão com pingente folheado a ouro do pescoço dele como
forma de pagamento pelo serviço sexual praticado mediante livre disposição de
vontade dos participantes e desprovido de violência não consentida ou grave
ameaça. Para a configuração do delito previsto no art. art. 345 do CP, parte da doutrina
pátria entende ser desnecessária a classificação da pretensão do agente como "legítima",
desde que seja, em tese, passível de debate judicial. Nesse sentido, para o reconhecimento
do ilícito penal, seria necessário que a dívida possa ser objeto de cobrança judicial. Há,
todavia, a seguinte ponderação doutrinária: "O elemento material do crime é fazer justiça
pelas próprias mãos, para satisfazer uma pretensão. Esta é o pressuposto do delito. Sem ela,
este não tem existência, incidindo o fato em outra disposição legal. A pretensão, por sua
vez, se assenta em um direito que o agente tem ou julga ter, isto é, pensa de boa-fé possuí-
lo, o que deve ser apreciado não apenas quanto ao direito em si, mas de acordo com as
circunstâncias e as condições da pessoa. Consequentemente, a pretensão pode ser ilegítima
- o que a lei deixa bem claro: 'embora legítima' - desde que a pessoa razoavelmente assim
não a julgue." Ciente disso, convém delimitar que o tipo penal em apreço (art. 345 do CP)
relaciona-se, na espécie, com uma atividade (prostituição) que, a despeito de não ser ilícita,
padece de inegável componente moral relacionado aos "bons costumes", o que já reclama
uma releitura do tema, à luz da mutação desses costumes na sociedade pós-moderna. (...)
Sob a perspectiva de que a história dos crimes sexuais é, em última análise, a história da
secularização dos costumes e práticas sexuais, não é possível negar proteção jurídica
àqueles que oferecem seus serviços de natureza sexual em troca de remuneração, sempre
com a ressalva, evidentemente, de que essa troca de interesses não envolva incapazes,
menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis, desde que o ato sexual seja
decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não
consentida) ou grave ameaça. (...) Aliás, de acordo com o Código Brasileiro de Ocupações,
de 2002, regulamentado pela Portaria do Ministério do Trabalho n. 397, de 9 de outubro de

16
2002, os profissionais do sexo são expressamente mencionados no item 5198 como uma
categoria de profissionais, o que, conquanto ainda dependa de regulamentação quanto a
direitos que eventualmente essas pessoas possam exercer, evidencia o reconhecimento,
pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo
não é ilícita e que, portanto, é passível de proteção jurídica. (...) pode-se concluir, como o
faz doutrina, ser perfeitamente viável que o trabalhador sexual, não tendo recebido pelos
serviços sexuais combinados com o cliente, possa se valer da Justiça para exigir o
pagamento. Sob esse viés, mostra-se correto afastar a tipicidade do crime de roubo - cujo
elemento subjetivo não é compatível com a situação aqui examinada - e entender presente
o exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo de pagamento
pelos serviços sexuais prestados. HC 211.888-TO, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 17/5/2016, DJe 7/6/2016.

Denunciação Caluniosa

STJ. Informativo nº 592


(Sexta Turma)

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CP. INQUÉRITO POLICIAL QUE


CULMINA EM INDICIAMENTO DO FALSO APONTADO. DESNECESSIDADE.
Não autoriza a desclassificação do crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP)
para a conduta do art. 340 do mesmo Estatuto, o fato de que aqueles que foram
falsamente apontados como autores do delito inexistente não tenham chegado a ser
indiciados no curso do inquérito policial, em virtude da descoberta da inveracidade
da imputação. Tratou-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de
Justiça local que considerou correta a decisão que desclassificou o tipo previsto no art. 339
do CP para o previsto no art. 340 do mesmo diploma, uma vez que a conduta da agente ao
noticiar crimes que não ocorreram, provocou meros atos investigatórios da autoridade
policial. (...) Se, em razão da comunicação falsa de crime efetivada pela recorrida, houve a
instauração de inquérito policial, sendo a falsidade descoberta em razão dos atos
investigatórios nele realizados, o delito cometido é o de denunciação caluniosa, previsto no
art. 339 do Código Penal. Não autoriza a desclassificação para a conduta do art. 340 do
mesmo estatuto o fato de que aqueles que foram falsamente apontados como autores do
delito inexistente não tenham chegado a ser indiciados no curso da aludida investigação, em
virtude da descoberta da inveracidade da imputação. REsp 1.482.925-MG, Rel. Min.
Sebastião Reis, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 25/10/2016.

17
Desobediência

STJ. Informativo nº 586


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA


NA HIPÓTESE DE NÃO ATENDIMENTO POR DEFENSOR PÚBLICO GERAL
DE REQUISIÇÃO JUDICIAL DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR.
Não configura o crime de desobediência (art. 330 do CP) a conduta de Defensor
Público Geral que deixa de atender à requisição judicial de nomeação de defensor
público para atuar em determinada ação penal. (...) a acusação sofrida por Defensor
Público Geral, consistente em não designar um defensor para atuar em determinada ação
penal, viola a autonomia da instituição. Isso porque, a autonomia administrativa e a
independência funcional asseguradas constitucionalmente às defensorias públicas não
permitem a ingerência do Poder Judiciário acerca da necessária opção de critérios de
atuação por Defensor Público Geral e da independência da atividade da advocacia. Nessa
moldura, o ato de não atendimento por parte de Defensor Público Geral de requisição
emanada de juiz de direito para destacar um defensor para a ação penal que preside não se
confunde com crime de desobediência por falta de cumprimento por autoridade pública de
decisão legal ou judicial. HC 310.901-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em
16/6/2016, DJe 28/6/2016.

Lesão Corporal

STJ. Informativo nº 590


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. NATUREZA DA LESÃO CORPORAL QUE RESULTA EM


PERDA DE DENTES.
A lesão corporal que provoca na vítima a perda de dois dentes tem natureza grave
(art. 129, § 1º, III, do CP), e não gravíssima (art. 129, § 2º, IV, do CP). Com efeito,
deformidade, no sentido médico-legal, ensina doutrina, "é o prejuízo estético adquirido,
visível, indelével, oriundo da deformação de uma parte do corpo". Assim, a perda de dois
dentes, muito embora possa reduzir a capacidade funcional da mastigação, não enseja a
deformidade permanente prevista no art. 129, § 2º, IV, do CP e, sim, debilidade
permanente (configuradora de lesão corporal grave). (...) Dessa forma, entende-se que o
resultado provocado pela lesão causada à vítima (perda de dois dentes) subsume-se à lesão
corporal grave, e não à gravíssima. Precedente citado: REsp 1.220.094-MG, Quinta Turma,

18
DJe 9/3/2011. REsp 1.620.158-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
13/9/2016, DJe 20/9/2016.

Homicídio

STF. Informativo nº 812


(Segunda Turma)

Tribunal do júri e novo enquadramento fático-jurídico


Se houver incorreto enquadramento fático-jurídico na capitulação penal, que repercuta na
competência do órgão jurisdicional, admite-se, excepcionalmente, a possibilidade de o
magistrado, antes da pronúncia e submissão do réu ao júri popular, efetuar a
desclassificação para outro tipo penal e encaminhar o feito ao órgão competente. Com base
nessa orientação e, em face da peculiaridade do caso concreto, a Segunda Turma, por
maioria, concedeu, em parte, a ordem em “habeas corpus” para afastar o dolo eventual
homicida, com a retirada da competência do tribunal do júri. O magistrado competente
deve então proceder ao correto enquadramento jurídico mediante a análise do contexto
fático-probatório, mantida a higidez dos atos processuais até então praticados, sem prejuízo
de eventual “mutatio libelli”. (...) A Turma destacou jurisprudência da Corte firmada na
excepcionalidade do trancamento da persecução penal na via do “habeas corpus”. Tal
medida seria recomendada tão somente quando indiscutível a atipicidade da conduta,
presente a causa extintiva de punibilidade ou, ainda, quando ausentes indícios mínimos de
autoria, o que não se aplicava à hipótese dos autos. Apontou que pela descrição fática
contida na denúncia seria induvidosa a incompetência do tribunal do júri para processar e
julgar a demanda, a afastar qualquer subsunção dos fatos investigados ao art. 121, “caput”,
do Código Penal. (...) HC 113598/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.12.2015. (HC-113598)

STJ. Informativo nº 575


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE EM RELAÇÃO AO


MANDANTE DE HOMICÍDIO MERCENÁRIO.
O reconhecimento da qualificadora da "paga ou promessa de recompensa" (inciso
I do § 2º do art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário não
qualifica automaticamente o delito em relação ao mandante, nada obstante este
possa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha levado a empreitar o
óbito alheio seja torpe. De fato, no homicídio qualificado pelo motivo torpe consistente
na paga ou na promessa de recompensa (art. 121, § 2º, I, do CP) - conhecido como
homicídio mercenário - há concurso de agentes necessário, na medida em que, de um lado,

19
tem-se a figura do mandante, aquele que oferece a recompensa, e, de outro, há a figura do
executor do delito, aquele que aceita a promessa de recompensa. É bem verdade que nem
sempre a motivação do mandante será abjeta, desprezível ou repugnante, como ocorre, por
exemplo, nos homicídios privilegiados, em que o mandante, por relevante valor moral,
contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha. Nesses casos, a circunstância
prevista no art. 121, § 2º, I, do CP não será transmitida, por óbvio, ao mandante, em razão
da incompatibilidade da qualificadora do motivo torpe com o crime privilegiado, de modo
que apenas o executor do delito (que recebeu a paga ou a promessa de recompensa)
responde pela qualificadora do motivo torpe. Entretanto, apesar de a "paga ou promessa de
recompensa" (art. 121, § 2º, I, do CP) não ser elementar, mas sim circunstância de caráter
pessoal do delito de homicídio, sendo, portanto, incomunicável automaticamente a
coautores do homicídio, conforme o art. 30 do CP (REsp 467.810-SP, Quinta Turma, DJ
19/12/2003), poderá o mandante responder por homicídio qualificado pelo motivo torpe
caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja abjeto, desprezível ou
repugnante. REsp 1.209.852-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
15/12/2015, DJe 2/2/2016.

STJ. Informativo nº 583


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DE MOTIVO FÚTIL EM


HOMÍCIDIO DECORRENTE DA PRÁTICA DE "RACHA".
Não incide a qualificadora de motivo fútil (art. 121, § 2°, II, do CP), na hipótese de
homicídio supostamente praticado por agente que disputava "racha", quando o
veículo por ele conduzido - em razão de choque com outro automóvel também
participante do "racha" - tenha atingido o veículo da vítima, terceiro estranho à
disputa automobilística. No caso em análise, o homicídio decorre de um acidente
automobilístico, em que não havia nenhuma relação entre o autor do delito e a vítima. A
vítima nem era quem praticava o "racha" com o agente do crime. Ela era um terceiro que
trafegava por perto naquele momento e que, por um dos azares do destino, viu-se atingido
pelo acidente que envolveu o agente do delito. Quando o legislador quis se referir a motivo
fútil, fê-lo tendo em mente uma reação desproporcional ou inadequada do agente quando
cotejado com a ação ou omissão da vítima; uma situação, portanto, que pressupõe uma
relação direta, mesmo que tênue, entre agente e vítima. No caso não há essa relação. Não
havia nenhuma relação entre o autor do crime e a vítima. O agente não reagiu a uma ação
ou omissão da vítima (um esbarrão na rua, uma fechada de carro, uma negativa a um
pedido). Não há aqui motivo fútil, banal, insignificante, diante de um acidente cuja causa

20
foi um comportamento imprudente do agente, comportamento este que não foi resposta à
ação ou omissão da vítima. Na verdade, não há nenhum motivo. HC 307.617-SP, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
19/4/2016, DJe 16/5/2016.

STJ. Informativo nº 583


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE DOLO EVENTUAL E A


QUALIFICADORA DE MOTIVO FÚTIL.
É incompatível com o dolo eventual a qualificadora de motivo fútil (art. 121, § 2°, II,
do CP). Conforme entendimento externado pelo Min. Jorge Mussi, ao tempo que ainda
era Desembargador, "os motivos de um crime se determinam em face das condicionantes
do impulso criminógeno que influem para formar a intenção de cometer o delito, intenção
que, frise-se, não se compatibiliza com o dolo eventual ou indireto, onde não há o
elemento volitivo" (TJSC, HC 1998.016445-1, Dj 15/12/1998). Ademais, segundo
doutrina, "Não são expressões sinônimas - intenção criminosa e voluntariedade. A vontade
do homem aplicada à ação ou inação constitutivas da infração penal é a voluntariedade; a
vontade do agente aplicada às conseqüências lesivas do direito é intenção criminosa. Em
todas as infrações penais encontram-se voluntariedade. Em todos, porém, não se vislumbra
a intenção criminosa. Os crimes em que não se encontra a intenção criminosa são os
culposos e os praticados com dolo indireto, não obstante a voluntariedade da ação nas duas
modalidades". Destaque-se que, em situações semelhantes, já decidiu desse modo tanto o
STJ (REsp 1.277.036-SP, Quinta Turma, DJe 10/10/2014) quanto o STF (HC 111.442-RS,
Segunda Turma, DJe 17/9/2012; e HC 95.136, Segunda Turma, DJe 30/3/2011), sendo
que a única diferença foi a qualificadora excluída: no caso em análise, a do inciso II, § 2º,
do art. 121, já nos referidos precedentes, a do inciso IV do mesmo parágrafo e artigo. HC
307.617-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 19/4/2016, DJe 16/5/2016.

Apropriação Indébita

STJ. Informativo nº 584


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA MAJORANTE


DESCRITA NO ART. 168, § 1°, II, DO CP.
O fato de síndico de condomínio edilício ter se apropriado de valores pertencentes
ao condomínio para efetuar pagamento de contas pessoais não implica o aumento

21
de pena descrito no art. 168, § 1°, II, do CP (o qual incide em razão de o agente de
apropriação indébita ter recebido a coisa na qualidade de "síndico"). Isso porque,
conforme entendimento doutrinário, o "síndico" a que se refere a majorante do inciso II do
§ 1º do art. 168 do CP é o "administrador judicial" (Lei n. 11.101/2005), ou seja, o
profissional nomeado pelo juiz e responsável pela condução do processo de falência ou de
recuperação judicial. Além do mais, o rol que prevê a majorante é taxativo e não pode ser
ampliado por analogia ou equiparação, até porque todas as hipóteses elencadas no referido
inciso - "tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário
judicial" - cuidam de um munus público, o que não ocorre com o síndico de condomínio
edilício, em relação ao qual há relação contratual. REsp 1.552.919-SP, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/5/2016, DJe 1/6/2016.

Estelionato

STJ. Informativo nº 576


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. AUMENTO DE PENA-BASE FUNDADO NA CONFIANÇA DA


VÍTIMA NO AUTOR DE ESTELIONATO.
O cometimento de estelionato em detrimento de vítima que conhecia o autor do
delito e lhe depositava total confiança justifica a exasperação da pena-base. De fato,
tendo sido apontados argumentos idôneos e diversos do tipo penal violado que evidenciam
como desfavoráveis as circunstâncias do crime, não há constrangimento ilegal na valoração
negativa dessa circunstância judicial (HC 86.409-MS, Sexta Turma, DJe 23/10/2014). HC
332.676-PE, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP),
julgado em 17/12/2015, DJe 3/2/2016.

Peculato

STF. Informativo nº 834


(Segunda Turma)

Nomeação de secretária parlamentar e configuração do crime de peculato


A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a apelação interposta contra sentença
penal condenatória para absolver o apelante com fundamento no art. 386, III, do CPP
(“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça: ... III - não constituir o fato infração penal”). Na espécie, o recorrente fora
condenado em primeira instância — ao tempo em que ainda não detinha foro no STF —
pela suposta prática do crime previsto no art. 312, § 1º, do CP, em razão da contratação,

22
como sua secretária parlamentar, de funcionária de sua própria empresa, que teria
continuado no exercício de atividade privada embora recebendo pelos cofres públicos.
Preliminarmente, a Turma não conheceu de petição formulada pelo Partido Republicano
Brasileiro (PRB) e indeferiu seu pedido de intervenção como “amicus curiae”. Afirmou que
a agremiação partidária, autoqualificando-se como “amicus curiae”, pretenderia, em
verdade, ingressar numa posição que a relação processual penal não admitiria, considerados
os estritos termos do CPP.
O Colegiado, ainda, rejeitou pedido da defesa no sentido de que se aumentasse, no caso, o
tempo de sustentação oral. A Turma ressaltou que, a despeito da classificação de ação penal
originária, impor-se-ia o regime jurídico processual próprio da apelação, sendo aplicáveis,
em razão disso, as disposições regimentais atinentes a essa classe recursal.
No mérito, a Turma destacou a necessidade de se analisar o crime de peculato sob a óptica da
jurisprudência do STF. No Inq 2.913 AgR/MT (DJe de 21.6.2012), o Plenário concluíra que,
em tese, a nomeação de funcionário para o exercício de funções incompatíveis com o cargo
em comissão ocupado tipificaria o crime de peculato-desvio (CP, art. 312, “caput”). Já no
julgamento do Inq 3.776/TO (DJe de 4.11.2014), a Corte assentara que a “utilização dos
serviços custeados pelo erário por funcionário público no seu interesse particular não é
conduta típica de peculato (art. 312, do Código Penal), em razão do princípio da taxatividade
(CF, art. 5º, XXXIX)”. O tipo em questão exigiria “apropriação ou desvio de dinheiro, valor
ou outro bem móvel”. Assim, tendo essas premissas em conta, seria a hipótese de se verificar
se, na situação em comento, teria havido: a) desvio de serviços prestados por secretária
parlamentar à custa do erário, no interesse particular do apelante, fato este penalmente
atípico; ou b) utilização da Administração Pública para pagar o salário de empregado
particular, fato que constituiria crime.
Contudo, a prova dos autos demonstraria que a pessoa nomeada secretária parlamentar
pelo apelante teria, de fato, exercido atribuições inerentes a esse cargo, ainda que também
tivesse desempenhado outras atividades no estrito interesse particular do recorrente. (...)
Nesse contexto, teria ficado comprovado o efetivo exercício de atribuições inerentes ao
cargo de secretária parlamentar — atendimento de pessoas que procuravam o deputado
federal em seu escritório político — pela pessoa nomeada pelo apelante. Assim, a prova
colhida sob o crivo do contraditório autorizaria a conclusão de que a conduta do apelante
seria penalmente atípica, uma vez que teria consistido no uso de funcionário público que,
de fato, exercia as atribuições inerentes ao seu cargo para, também, prestar outros serviços
de natureza privada. A despeito disso, a emissão de qualquer juízo de valor a respeito da
moralidade da conduta verificada ou de seu enquadramento em eventual ato de
improbidade administrativa não caberia no processo em comento, isso tendo em

23
consideração o seu caráter penal. AP 504/DF, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o
acórdão Min. Dias Toffoli, 9.8.2016.

Contrabando

STJ. Informativo nº 577


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. CRIME DE CONTRABANDO E IMPORTAÇÃO DE COLETE À


PROVA DE BALAS.
Configura crime de contrabando a importação de colete à prova de balas sem prévia
autorização do Comando do Exército. A Portaria n. 18 do DLOG, publicada em
19/12/2006, regulamenta as normas de avaliação técnica, fabricação, aquisição, importação
e destruição de coletes balísticos e exige determinadas condições aos compradores e
importadores desse tipo de artefato, tais como, autorização prévia do Comando do
Exército e restrição a determinados órgãos e pessoas. Desse modo, a importação de colete
à prova de balas está sujeita à proibição relativa e, por conseguinte, configura crime de
contrabando quando realizada fora dos moldes previstos nesse regulamento. RHC 62.851-
PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/2/2016, DJe 26/2/2016.

Descaminho

STJ. Informativo nº 587


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PENAL. HIPÓTESE EM QUE O FALSO PODE SER ABSORVIDO PELO


CRIME DE DESCAMINHO. RECURSO REPETITIVO. TEMA 933.
Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade lesiva, é por
este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a
este cominada. Conforme entendimento doutrinário, na aplicação do critério da
consunção, verifica-se que "o conteúdo de injusto principal consome o conteúdo de injusto
do tipo secundário porque o tipo consumido constitui meio regular (e não necessário) de
realização do tipo consumidor". Nesse contexto, o STJ já se pronunciou no sentido de não
ser obstáculo para a aplicação da consunção a proteção de bens jurídicos diversos ou a
absorção de infração mais grave pela de menor gravidade (REsp 1.294.411-SP, Quinta
Turma, DJe 3/2/2014). O STJ, inclusive, já adotou, em casos análogos, orientação de que
o delito de uso de documento falso, cuja pena em abstrato é mais grave, pode ser absorvido
quando não constituir conduta autônoma, mas mera etapa preparatória ou executória do
descaminho, crime de menor gravidade, no qual o falso exaure a sua potencialidade lesiva

24
(AgRg no REsp 1.274.707-PR, Quinta Turma, DJe 13/10/2015; e REsp 1.425.746-PA,
Sexta Turma, DJe 20/6/2014). No mesmo sentido, mutatis mutandis, a Súmula n. 17 do STJ,
segundo a qual "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é
por este absorvido". REsp 1.378.053-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Terceira Seção,
julgado em 10/8/2016, DJe 15/8/2016.

Evasão de Divisas

STF. Informativo nº 831


(Plenário)

Inquérito e recebimento de denúncia


O Plenário recebeu, em parte, denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta
prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º), lavagem de dinheiro (Lei
9.613/1998, art. 1º, V, e § 4º, na redação anterior à Lei 12.683/2012), evasão de divisas (Lei
7.492/1986, art. 22, parágrafo único) e omissão ou declaração falsa em documento eleitoral
(Lei 4.737/1965, art. 350). (...) A Corte afirmou que, em relação ao delito de evasão de
divisas, constaria da denúncia que o acusado teria mantido ativos não declarados às
autoridades brasileiras em contas localizadas no exterior, em quantias superiores a US$
100.000,00 (cem mil dólares). Assim, em conformidade com extratos apresentados pelo
Ministério Público, o parlamentar teria mantido na Suíça, mas a partir do Brasil, ativos
não declarados ao Banco Central do Brasil. Tal fato configuraria, em tese, o crime de
evasão de divisas, na figura típica prevista na parte final do parágrafo único do art. 22 da
Lei 7.492/1986. Relativamente a essa parte da acusação, a defesa sustentava a atipicidade
da conduta verificada, na medida em que os valores depositados em específicas contas
bancárias teriam sido objeto da contratação de “trusts” em 2003, estrutura negocial que
teria implicado a transferência da plena titularidade de seus valores. Contudo, os
elementos indiciários colhidos na investigação revelariam que o denunciado seria, de fato,
o responsável pela origem e, ao mesmo tempo, o beneficiário dos valores depositados nas
referidas contas. Nesse contexto, embora o “trust” fosse modalidade de investimento
sem regulamentação específica no Brasil, não haveria dúvidas de que, no caso dos autos,
o acusado deteria, em relação a essas operações, plena disponibilidade jurídica e
econômica. Assim, a circunstância de os valores não estarem formalmente em seu nome
seria absolutamente irrelevante para a tipicidade da conduta. Aliás, a manutenção de
valores em contas no exterior, mediante utilização de interposta pessoa ou forma de
investimento que assim o permitisse, além de não desobrigar o beneficiário de apresentar
a correspondente declaração ao Banco Central do Brasil, revelaria veementes indícios do
ilícito de lavagem de dinheiro. No que concerne ao crime de falsidade ideológica para fins

25
eleitorais, a inicial descreveria que o parlamentar teria, em julho de 2009 e em julho de
2013, omitido, com fins eleitorais e em documento público dirigido ao TSE, a existência
de numerário de sua propriedade em contas bancárias de variada titularidade, inclusive
dos citados “trusts”. Dessa forma, conquanto sucintas, as afirmações feitas na peça
acusatória seriam suficientes, neste momento processual, para demonstrar que a conduta
do denunciado se enquadraria, ao menos em tese, no tipo penal do art. 350 do Código
Eleitoral. (...) Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 22.6.2016. (Inq-4146)

STJ. Informativo nº 578


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. OPERAÇÕES "DÓLAR-CABO" E PRINCÍPIO DA


INSIGNIFICÂNCIA.
Nos casos de evasão de divisas praticada mediante operação do tipo "dólar-cabo",
não é possível utilizar o valor de R$ 10 mil como parâmetro para fins de aplicação
do princípio da insignificância. Conforme entendimento adotado pelo STF na AP 470,
as transações conhecidas como operações "dólar-cabo" - nas quais são efetuados
pagamentos em reais no Brasil, com o objetivo de disponibilizar, por meio de quem recebe
tal pagamento, o respectivo montante em moeda estrangeira no exterior - preenchem os
elementos do delito de evasão de divisas, na forma do art. 22, parágrafo único, primeira
parte, da Lei n. 7.492/1986, que tipifica a conduta daquele que, "a qualquer título,
promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior". As regras que
disciplinam a transferência internacional de valores - e que, portanto, estabelecem o
significado de saída de divisa ou moeda sem autorização legal - são diversas em relação à
saída física e à saída eletrônica. Para bem compreender tais diferenças, transcreve-se
integralmente o art. 65 da Lei n. 9.069/1995, com a redação vigente à época dos fatos:
"Art. 65. O ingresso no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão
processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento
bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário. § 1º Excetua-se do disposto
no caput deste artigo o porte, em espécie, dos valores: I - quando em moeda nacional, até
R$ 10.000,00 (dez mil reais); II - quando em moeda estrangeira, o equivalente a R$
10.000,00 (dez mil reais); III - quando comprovada a sua entrada no País ou sua saída do
País, na forma prevista na regulamentação pertinente. § 2º O Conselho Monetário
Nacional, segundo diretrizes do Presidente da República, regulamentará o disposto neste
artigo, dispondo, inclusive, sobre os limites e as condições de ingresso no País e saída do
País da moeda nacional. § 3º A não observância do contido neste artigo, além das sanções
penais previstas na legislação específica, e após o devido processo legal, acarretará a perda

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do valor excedente dos limites referidos no § 1º deste artigo, em favor do Tesouro
Nacional". O referido dispositivo excetua apenas o porte, em espécie, do valor de até R$ 10
mil ou o equivalente em moeda estrangeira, além de remeter ao estabelecimento de outras
hipóteses, na forma prevista na regulamentação pertinente. Assim, não prospera a tese de
que deve ser considerado atípico o envio de moeda ou divisas ao exterior se o volume de
cada operação não exceder a R$ 10 mil. Isso porque, em primeiro lugar, ressalvada a
hipótese do porte de valores em espécie, o ingresso no país e a saída do país, de moeda
nacional e estrangeira "serão processados exclusivamente através de transferência bancária,
cabendo ao estabelecimento bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário"
(art. 65, caput, da Lei n. 9.069/1995). Ou seja, a legislação excepcionou, em relação ao valor
inferior a R$ 10 mil (ou seu equivalente em moeda estrangeira), apenas a saída física de
moeda. No caso de transferência eletrônica, saída meramente escritural da moeda, a lei
exige, de forma exclusiva, o processamento através do sistema bancário, com perfeita
identificação do cliente ou beneficiário. Além disso, no caso da transferência clandestina
internacional, por meio de operações do tipo "dólar-cabo" ou equivalente, existe uma
facilidade muito grande na realização de centenas ou até milhares de operações
fragmentadas sequenciais. É muito mais simples do que a transposição física, por diversas
vezes, das fronteiras do país com valores inferiores a R$ 10 mil. Admitir a atipicidade das
operações do tipo "dólar-cabo" com valores inferiores a R$ 10 mil é fechar a janela, mas
deixar a porta aberta para a saída clandestina de divisas. REsp 1.535.956-RS, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 1/3/2016, DJe 9/3/2016.

STJ. Informativo nº 578


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. COMPLEXIDADE DO ESQUEMA CRIMINOSO COMO


CIRCUNSTÂNCIA NEGATIVA NA DOSIMETRIA DA PENA DO CRIME DE
EVASÃO DE DIVISAS.
Na fixação da pena do crime de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei
n. 7.492/1986), o fato de o delito ter sido cometido por organização criminosa
complexa e bem estrutura pode ser valorado de forma negativa a título de
circunstâncias do crime. Apesar de a Quinta Turma do STJ, no HC 123.760-SP (DJe
28/11/2011) ter decidido que a sofisticação e a complexidade do esquema voltado à prática
de operações financeiras clandestinas não poderiam ser consideradas circunstâncias
judiciais desfavoráveis, pois seriam ínsitas ao tipo penal, tal entendimento não deve
prosperar. Isso porque a evasão de divisas pode ser praticada de diversas formas, desde
meios muito rudimentares - como a simples saída do país com porte de dinheiro em valor

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superior a dez mil reais sem comunicação às autoridades brasileiras - até a utilização de
complexos esquemas de remessas clandestinas. Assim, não parece justo apenar da mesma
forma condutas tão distintas como a mera saída física com valores não declarados e um
sofisticado esquema de remessa ilícita, sendo correta, neste último caso, a valoração
negativa da vetorial das circunstâncias do delito na fixação da pena-base do delito de evasão
de divisas. REsp 1.535.956-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
1/3/2016, DJe 9/3/2016.

Extorsão

STJ. Informativo nº 590


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO § 1º DO ART. 158 DO CP


SOBRE A EXTORSÃO QUALIFICADA PREVISTA NO § 3º DO MESMO
DISPOSITIVO LEGAL.
Em extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, sendo essa condição
necessária para a obtenção da vantagem econômica (art. 158, § 3º, do CP), é
possível a incidência da causa de aumento prevista no § 1º do art. 158 do CP (crime
cometido por duas ou mais pessoas ou com emprego de arma). A Lei n. 11.923/2009
não cria um novo delito autônomo chamado de "sequestro relâmpago", sendo apenas um
desdobramento do tipo do crime de extorsão, uma vez que o legislador apenas definiu um
modus operandi do referido delito. É pressuposto para o reconhecimento da extorsão
qualificada a prática da ação prevista no caput do art. 158 do CP, razão pela qual não é
possível dissociar o crime qualificado das circunstâncias a serem sopesadas na figura típica
do art. 158. Assim, tendo em vista que o texto legal é dotado de unidade e que as normas se
harmonizam, conclui-se, a partir de uma interpretação sistemática do art. 158 do CP, que o
seu § 1º não foi absorvido pelo § 3º, pois, como visto, o § 3º constitui-se qualificadora,
estabelecendo outro mínimo e outro máximo da pena abstratamente cominada ao crime; já
o § 1º prevê uma causa especial de aumento de pena. Dessa forma, ainda que
topologicamente a qualificadora esteja situada após a causa especial de aumento de pena,
com esta não se funde, uma vez que tal fato configura mera ausência de técnica legislativa,
que se explica pela inserção posterior da qualificadora do § 3º no tipo do art. 158 do CP,
que surgiu após uma necessidade de reprimir essa modalidade criminosa. Ademais, não há
qualquer impedimento do crime de extorsão qualificada pela restrição da liberdade da
vítima ser praticado por uma só pessoa sem o emprego de arma, o que configuraria o crime
do § 3º do art. 158 do CP sem a causa de aumento do § 1º do art. 158. Em circunstância
análoga, na qual foi utilizada majorante prevista topologicamente em parágrafo anterior à

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forma qualificada, tal como na hipótese, o STJ decidiu que, sendo compatível o privilégio
do art. 155, § 2º, do CP com as hipóteses objetivas de furto qualificado (REsp 1.193.194-
MG, Terceira Seção, recurso representativo de controvérsia, DJe 28/8/2012), mutatis
mutandis, não há incompatibilidade entre o furto qualificado e a causa de aumento relativa
ao seu cometimento no período noturno (AgRg no AREsp 741.482-MG, Quinta Turma,
DJe 14/9/2015; e HC 306.450-SP, Sexta Turma, DJe 17/12/2014). REsp 1.353.693-RS,
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016.

Gestão Temerária

STJ. Informativo nº 588


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. CONTEÚDO DO DOLO NO CRIME DE GESTÃO


TEMERÁRIA.
Está presente o dolo do delito de gestão temerária (art. 4º, parágrafo único, da Lei
n. 7.492/1986) na realização, por alguma das pessoas mencionadas no art. 25 da Lei
n. 7.492/1986, de atos que transgridam, voluntária e conscientemente, normas
específicas expedidas pela CVM, CMN ou Bacen. Desde logo, frise-se que, de acordo
com a jurisprudência do STJ, o delito de gestão temerária somente admite a forma dolosa,
tendo em conta a inexistência de previsão expressa da modalidade culposa, nos termos do
art. 18, parágrafo único, do CP (AgRg no REsp 1.205.967-SP, Quinta Turma, DJe
15/9/2015; e PExt no RHC 7.982-RJ, Quinta Turma, DJ 9/9/2002). Admitida a
constitucionalidade do tipo penal, a saída que se apresenta, para compreendê-lo como
válido, é submetê-lo a uma "interpretação conforme" à Constituição, através de uma
redução teleológica do seu campo de incidência. Para tanto, é preciso afastar da incidência
da norma penal os casos que se encontrem cobertos pelo risco permitido na esfera da
atividade financeira. Desse modo, a contrario sensu, deve-se entender que o tipo penal de
gestão temerária pressupõe a violação de deveres extrapenais. Inicialmente, destaque-se
que, nos termos do art. 153 da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A.) - aplicável às instituições
financeiras privadas, pois, por força do art. 24 da Lei n. 4.595/1964, à exceção das
cooperativas de crédito, todas elas deverão constituir-se sob a forma de sociedade anônima
- "o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e
a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus
próprios negócios". Esse princípio, aliás, também se acha estatuído no art. 1.011 do CC.
São as primeiras diretrizes a indicar o que é uma gestão responsável - e, portanto, não
temerária - de uma sociedade qualquer. Mais do que cuidado e diligência, quem lida
profissionalmente com bens, valores ou dinheiro alheio tem de possuir o conhecimento

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técnico adequado. Tais normas, porém, são ainda muito genéricas para serem utilizadas
como critério de determinação do risco proibido. É preciso examinar as regras específicas,
veiculadas por órgãos como o CMN, o Bacen e a CVM, para perquirir se os
administradores das instituições financeiras superaram o risco admitido pelas normas
pressupostas pelo tipo penal. E tal violação às normas de regência da atividade financeira
tem de ser dolosa. Mas é preciso que se compreenda exatamente qual é o conteúdo do dolo
de que deve estar imbuído o agente. A temeridade da gestão (art. 4º, parágrafo único, da Lei
n. 7.492/1986) é elemento valorativo global do fato (Roxin), e, como tal, sua valoração é de
competência exclusiva da ordem jurídica, e não do agente. Para a caracterização do
elemento subjetivo do delito não é necessária a vontade de atuar temerariamente; o que se
exige é que o agente, conhecendo as circunstâncias de seu agir, transgrida voluntariamente
as normas regentes da sua condição de administrador da instituição financeira. O que deve
ser comprovado é a "consciência e vontade da inobservância dos cuidados obrigatórios,
segundo as regras do Banco Central" (HC 87.440-GO, Primeira Turma, DJ 2/3/2007) ou,
de outros entes reguladores da atividade financeira. É irrelevante se o agente considera que
age temerariamente. REsp 1.613.260-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 9/8/2016, DJe 24/8/2016.

Exercício Ilegal da Medicina

STJ. Informativo nº 578


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. ATIPICIDADE PENAL DO EXERCÍCIO DA ACUPUNTURA.


O exercício da acupuntura não configura o delito previsto no art. 282 do CP
(exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica). É cediço que o tipo
penal descrito no art. 282 do CP é norma penal em branco e, por isso, deve ser
complementado por lei ou ato normativo em geral, para que se discrimine e detalhe as
atividades exclusivas de médico, dentista ou farmacêutico. Segundo doutrina, "A
complementação do art. 282 há de ser buscada na legislação federal que regulamenta as
profissões de médico, dentista ou farmacêutico. Dispõem sobre o exercício da medicina a
Lei n. 3.268, de 20.09.57 e o Dec. n. 20.931, de 11.01.32". Das referidas leis federais,
observa-se que não há menção ao exercício da acupuntura. Nesse passo, o STJ reconhece
que não há regulamentação da prática da acupuntura, sendo da União a competência
privativa para legislar sobre as condições para o exercício das profissões, consoante
previsto no art. 22, XVI, da CF (RMS 11.272-RJ, Segunda Turma, DJ 4/6/2001). Assim,
ausente complementação da norma penal em branco, o fato é atípico. RHC 66.641-SP,
Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/3/2016, DJe 10/3/2016.

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Crimes contra a Fé Pública

STF. Informativo nº 832


(Primeira Turma)

Falsificação de lei por prefeito e dosimetria da pena


A Primeira Turma, por maioria, deu parcial provimento a apelação somente para
reajustar a dosimetria da pena aplicada em sentença que condenara parlamentar federal,
prefeito municipal à época dos fatos, pela suposta prática dos crimes previstos no art. 297,
§1º, do CP (“Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar
documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 1º - Se o
agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a
pena de sexta parte”), e no art. 89 da Lei 8.666/1993 [“Art. 89. Dispensar ou inexigir
licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades
pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e
multa”]. No caso, o apelante teria alterado documento público verdadeiro, qual seja, o
conteúdo de lei municipal, para incluir artigo inexistente. Ademais, teria dispensado
licitação fora das hipóteses previstas em lei, tendo contratado empresa de engenharia
mediante dispensa de licitação justificada por “estado de emergência” também inexistente.
Foram, então, aplicadas as penas de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial
semiaberto, para o delito do art. 297, §1º, do CP, e de 3 anos de detenção, em regime inicial
aberto, para o crime do art. 89 da Lei 8.666/1993, em concurso material. Dessa decisão
fora interposta apelação, posteriormente remetida ao STF em razão da diplomação do
apelante como deputado federal. Inicialmente, a Turma rejeitou preliminares suscitadas que
tinham como fundamento alegada inépcia da denúncia e nulidade da sentença
condenatória, esta última por violação ao art. 399, § 2º, do CPP (“O juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença”). Destacou que, na espécie, a acusação teria se
desincumbido de seu ônus de descrever, com a minúcia necessária, os fatos imputados ao
acusado. A denúncia oferecida conteria, com clareza, a exposição dos fatos supostamente
criminosos, a classificação dos crimes e a individualização da conduta, como preconizado
no art. 41 do CPP. Outrossim, não se verificaria a suposta nulidade da sentença
condenatória. A magistrada que presidira alguns dos atos de instrução por delegação de
tribunal estadual o fizera em cumprimento de carta de ordem expedida para a comarca em
que atuava. Sendo assim, uma vez que houvera a limitação unicamente à instrução de parte
do feito por delegação de tribunal de justiça, não se poderia pretender que estivesse a juíza
de primeira instância vinculada aos autos para prolação de sentença.

31
No mérito, o Colegiado afirmou que a materialidade dos delitos em questão estaria
devidamente demonstrada no processo. De fato, da análise da lei original aprovada pela
câmara dos vereadores constatar-se-ia que na lei falsificada fora inserido dispositivo legal não
aprovado por aquela casa legislativa. Haveria laudo pericial a demonstrar que o texto enviado
à publicação teria contado com artigo anteriormente inexistente no projeto de lei
encaminhado pela prefeitura para a câmara dos vereadores. Da mesma forma, a materialidade
do crime preconizado no art. 89 da Lei 8.666/1993 encontrar-se-ia comprovada em
documentos acostados aos autos. A Turma afirmou também que a autoria de ambos os
delitos seria inconteste e recairia, indubitavelmente, sobre o apelante, que, na qualidade de
prefeito, teria decretado estado de emergência na cidade e autorizado a contratação direta de
empresa para a conclusão de obra, dispensando a realização de procedimento licitatório.
Teria igualmente assinado a referida lei com conteúdo adulterado, estando demonstrada a
ciência inequívoca do ilícito. Relativamente à dosimetria da pena imposta, contudo, a Turma
destacou que a qualidade de prefeito municipal do apelante teria sido duplamente
considerada, o que configuraria “bis in idem”. Como a regra do art. 297, § 1º, do CP,
estabelece que a pena deve ser aumentada de um sexto quando o agente for funcionário
público e cometer o crime prevalecendo-se do cargo, essa circunstância deveria ser
considerada apenas por ocasião da majorante, na terceira fase da dosimetria e não na primeira
fase. Sendo assim, a pena base deveria ser reduzida para 3 anos e 6 meses de reclusão,
quantidade de pena um pouco acima do mínimo, mas ainda abaixo do termo médio, o que
estaria justificado principalmente diante da culpabilidade extremamente acentuada
consistente na falsificação de uma lei. Com o aumento de um sexto, tal qual determinado
pelo o art. 297, § 1º, do CP, e não havendo outras majorantes nem circunstâncias legais a
serem sopesadas, a pena definitiva deveria ficar em 4 anos e 2 meses de reclusão. Vencido o
Ministro Marco Aurélio, que mantinha a sentença proferida originalmente.
AP 971/RJ, rel. Min. Edson Fachin, 28.6.2016. (AP-971)

STJ. Informativo nº 591


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. CLONAGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO OU DÉBITO ANTES


DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 12.737/2012.
Ainda que praticada antes da entrada em vigor da Lei n. 12.737/2012, é típica (art.
298 do CP) a conduta de falsificar, no todo ou em parte, cartão de crédito ou débito.
De fato, o caput do art. 298 do CP ("Falsificar, no todo ou em parte, documento particular
ou alterar documento particular verdadeiro") descreve o elemento normativo:
"documento". Segundo doutrina, "os elementos normativos são aqueles para cuja

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compreensão é insuficiente desenvolver uma atividade meramente cognitiva, devendo-se
realizar uma atividade valorativa." Assim, o elemento normativo implica uma atitude
especial do intérprete, a exigir um pouco mais que a simples percepção de sentidos,
delimitando-se o alcance e o sentido do texto legal existente. Por conseguinte, no processo
hermenêutico que subjaz à atividade do julgador, o elemento normativo em questão
prescinde de integração, especialmente da utilização de analogia. Ao avançar na
compreensão ou na valoração do significado do elemento normativo "documento", poder-
se-ia extrair, de acordo com os escólios de doutrina, a ideia de que seria "todo escrito
especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato
juridicamente relevante" e, acerca da falsidade documental: "imitação ou deformação
fraudulenta da verdade em um papel escrito, no sentido de conculcar uma relação jurídica
ou causar um prejuízo juridicamente apreciável." Aliás, a própria Lei de Acesso à
Informação (art. 4º, II) define documento como "unidade de registro de informações,
qualquer que seja o suporte ou formato". Nessa perspectiva, não há como perder de vista
que o "cartão de crédito", embora não seja tão recente, passou a ter utilização propagada de
forma exponencial no final do século passado, notadamente pela facilidade de se
estabelecer, com ele, uma gama de relações jurídicas relevantes para o cenário econômico.
Tal importância, fruto da própria dinâmica tecnológica, culminou com a necessidade de se
estabelecer uma proteção penal mais significativa para essas relações. Nesse ponto, o
elemento normativo previsto no art. 298 do CP assumiu especial relevo, porque a
maleabilidade valorativa que lhe é inerente permitiu a sua adaptação aos anseios e às
necessidades provenientes da existência de novas relações jurídicas advindas da evolução
tecnológica. De acordo com doutrina, há uma vinculação entre esse conteúdo e a
interpretação valorativa, que sempre será determinada pelo julgador de acordo com a
cultura da época. Em virtude disso, a jurisprudência, antes da entrada em vigor da Lei n.
12.737/2012, passou ao largo de discutir se a falsificação de cartão de crédito poderia se
enquadrar como falsificação de documento particular. A presença do elemento normativo
"documento" possibilitou ao aplicador da lei compreender que o cartão de crédito ou
bancário enquadrar-se-ia no conceito de documento particular, para fins de tipificação da
conduta, principalmente porque dele constam dados pessoais do titular e da própria
instituição financeira (inclusive na tarja magnética) e que são passíveis de falsificação. Isso
pode ser constatado pelo fato de que os inúmeros processos que aportaram no STJ antes
da edição da referida lei e que tratavam de falsificação de documento particular em casos de
"clonagem" de cartão de crédito não reconheceram a atipicidade da conduta (HC 43.952-
RJ, Quinta Turma, DJ 11/9/2006; HC 116.356-GO, Quinta Turma, DJe 6/4/2009; RHC
19.936-RJ, Quinta Turma, DJ 11/12/2006; RHC 13.415-CE, Quinta Turma, DJ 3/2/2003;

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HC 27.520-GO, Sexta Turma, DJ 15/9/2003; entre outros). No mesmo sentido, citam-se
precedentes do STF: HC 102.971-RJ, Segunda Turma, DJe 5/5/2011; e HC 82.582-RJ,
Segunda Turma, DJ 4/4/2003; entre outros. Assim, a inserção do parágrafo único no art.
298 do CP apenas ratificou e tornou explícito o entendimento jurisprudencial da época,
relativamente ao alcance do elemento normativo "documento", clarificando que cartão de
crédito é considerado documento. Não houve, portanto, uma ruptura conceitual que
justificasse considerar, somente a partir da edição da Lei n. 12.737/2012, cartão de crédito
ou de débito como documento. Inclusive, seria incongruente, a prevalecer a tese da
atipicidade anterior à referida lei, reconhecer que todos os casos antes assim definidos pela
jurisprudência, por meio de legítima valoração de elemento normativo, devam ser
desconstituídos justamente em virtude da edição de uma lei interpretativa que veio em
apoio à própria jurisprudência já então dominante. Acrescenta-se, ainda, não prosperar o
argumento de que é sempre inviável a retroatividade de uma lei penal interpretativa (se não
favorável ao réu), esta compreendida como norma que não altera o conteúdo ou o
elemento da norma interpretada, mas, apenas, traduz o seu significado. Esse raciocínio, se
considerado isoladamente, conduziria à ideia de que a previsão contida no parágrafo único
do art. 298 do CP não poderia retroagir e, por esse ângulo, surgiria um imbróglio, na
medida em que a jurisprudência nunca oscilou quanto ao reconhecimento de que cartão de
crédito é documento para fins do caput do referido artigo. Nesse contexto, há vertente
doutrinária no viés de que: "se o sentido fixado pela lei interpretativa é diferente do
atribuído à norma por uma corrente jurisprudencial uniforme, então a lei nova [...] já não
pode ser considerada realmente interpretativa, mas inovadora." Isso sugere, a contrario sensu,
que o sentido atribuído à norma interpretativa que estivesse em consonância com a
jurisprudência não se caracterizaria como lei inovadora, no sentido substancial. Na
hipótese, repita-se, a jurisprudência era uníssona em reconhecer que cartão de crédito era
documento para fins do caput do art. 298 do CP, o que implica dizer que a Lei n.
12.737/2012 apenas reproduziu, com palavras mais inequívocas, a jurisprudência daquela
época, tratando-se, desse modo, de lei interpretativa exemplificativa, porquanto o conceito
de "documento" previsto no caput não deixou de conter outras interpretações possíveis. Por
fim, não é possível deixar de salientar que, a não se compreender assim, todos os casos
anteriores à edição da referida lei e que culminaram em condenação, ou mesmo aqueles que
ainda se encontram em andamento, deveriam ser revistos, embora não tenha ocorrido
qualquer ruptura na interpretação dada pela jurisprudência ao elemento normativo do tipo
antes ou após a inserção do parágrafo único no art. 298 do CP. REsp 1.578.479-SC, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 2/8/2016, DJe 3/10/2016.

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Crimes contra a Administração Pública

STF. Informativo nº 813


(Segunda Turma)

Licitação e demonstração de prejuízo ao erário ou favorecimento


A Segunda Turma rejeitou denúncia imputada à deputada federal, então secretária de
estado, pela a prática do crime disposto no art. 312, “caput”, do CP (peculato desvio),
desclassificou essa conduta para a prevista no art. 315 do CP e pronunciou a prescrição da
pretensão punitiva do Estado, com a consequente extinção da punibilidade da denunciada.
Além disso, rejeitou a peça acusatória quanto ao suposto cometimento do crime do art. 89
da Lei 8.666/1993 (inexigibilidade indevida de licitação). No caso, segundo a inicial
acusatória, a indiciada teria desviado vultosa quantia de convênio entre Estado-Membro e o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. Teria, também, deixado de
exigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ao contratar determinada empresa para
prestar serviços de capacitação de professores — v. Informativo 795. A Turma assinalou,
no que se refere ao art. 312 do CP, não haver plausibilidade da acusação, uma vez que os
recursos teriam sido incorporados ao Tesouro — caixa único do Estado.
A Turma mencionou, quanto à inexigibilidade de licitação, que teria sido fundada no
art. 25, II, da Lei 8.666/1993. O objeto da contratação fora enquadrado como “serviço
técnico de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, de natureza singular, com
profissionais de notória especialização”. O colegiado afirmou que a hipótese não se
harmonizaria ao dispositivo legal, pois a empresa que formulara proposta para prestar o
serviço contratado não demonstrara a especialização exigida. Essa pessoa jurídica teria
acostado atestados de competência técnica referentes à capacitação e aperfeiçoamento de
pessoal voltado para as áreas de administração e “marketing”, mas não para área atinente
ao treinamento pretendido — capacitação de educadores do ensino de jovens e adultos.
Ademais, a procuradoria administrativa teria opinado pela viabilidade da contratação, mas
alertara para a necessidade da justificativa de preços. No entanto, a procuradoria-geral do
Estado-Membro considerara que a adoção de parecer anterior suprimiria a necessidade.
Ocorre que o parecer mencionado não faria qualquer menção à justificativa do preço. A
realização de pesquisa de mercado após a escolha da fornecedora, muito embora não
provasse, por si só, qualquer ilícito, levantaria suspeita para o direcionamento indevido da
contratação. Esses seriam elementos adicionais a indicar que a contratação direta não teria
sido a decisão juridicamente correta. Contudo, a jurisprudência do STF, ao interpretar o
art. 89 da Lei 8.666/1993, exigiria a demonstração do prejuízo ao erário e a finalidade
específica de favorecimento indevido para reconhecer a adequação típica. O objetivo desse

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entendimento seria separar os casos em que ocorrera interpretação equivocada das normas,
ou mesmo puro e simples erro do administrador daqueles em que a dispensa buscara
efetivo favorecimento dos agentes envolvidos. Mencionou que, a despeito disso tudo, os
elementos não demonstrariam que a denunciada tivesse agido com intenção de causar
prejuízo ao erário ou favorecer a contratada. Não haveria elemento que indicasse que a
denunciada tivesse pessoalmente exercido influência na escolha. Assim, em princípio, a
denunciada teria agido com a crença de que a contratação seria conveniente e adequada e
de que a licitação seria inexigível de acordo com os critérios jurídicos. Por fim, não
vislumbrou elementos suficientes a indicar vontade de causar prejuízo ao erário ou
favorecer a contratada.
Inq 3731/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.2.2016. (Inq-3731)

STF. Informativo nº 816


(Plenário)
Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro
O Plenário recebeu, parcialmente, denúncia oferecida contra deputado federal,
presidente da Câmara dos Deputados, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva
(CP, art. 317, “caput” e § 1º, c/c art. 327, §§ 1º e 2º) e lavagem de dinheiro (Lei
9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII, com redação anterior à Lei 12.683/2012). Ainda, na
mesma assentada, a Corte, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra ex-deputada,
hoje prefeita municipal, pelo suposto delito de corrupção passiva. Por fim, julgou
prejudicados os agravos regimentais. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou as
preliminares suscitadas. Afirmou não prosperar a alegação de nulidade do depoimento
prestado pela denunciada perante o Ministério Público, ao argumento de que teria sido
ouvida como testemunha e não como investigada, o que comprometeria o direito de não
autoincriminação. Isso porque, embora ela tivesse sido ouvida na condição de testemunha e
assumido o compromisso de dizer a verdade, constaria do termo de depoimento que ela
teria sido informada de que estariam ressalvadas daquele compromisso “as garantias
constitucionais aplicáveis”. Afastou também a pretensão do denunciado de ver suspenso o
processo, por aplicação analógica do art. 86, § 4º, da CF, já que essa previsão constitucional
se destinaria expressamente ao chefe do Poder Executivo da União. Desse modo, não
estaria autorizado, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que ampliasse a
incidência a outras autoridades, notadamente do Poder Legislativo. Rechaçou o alegado
cerceamento de defesa, arguido em agravos regimentais, por meio dos quais se buscava
acessar o inteiro teor do acordo de colaboração premiada e respectivos termos de
depoimento de réu já condenado pela justiça federal por crimes apurados na denominada
“Operação Lava Jato”. Ressaltou que o Procurador-Geral da República juntara aos autos

36
todos os depoimentos de colaboradores que se referiam ao acusado e aos fatos referidos na
denúncia.
Da mesma forma, o Tribunal entendeu que seria improcedente a alegação de nulidade
de depoimentos complementares prestados por colaborador, em razão da ausência de nova
homologação ou ratificação do acordo de colaboração premiada pelo Supremo Tribunal
Federal. Não se poderia confundir o acordo de colaboração premiada, que estaria sujeito à
homologação judicial, com os termos de depoimentos prestados pelo colaborador, que
independeriam de tal homologação. Na espécie, o acordo de colaboração premiada firmado
entre o Ministério Público Federal e colaborador teria sido devidamente homologado por
juiz federal, nos termos da Lei 12.850/2013. À época, pelas declarações até então prestadas
pelo colaborador, não haveria notícia de envolvimento de autoridade com prerrogativa de
foro no STF, razão pela qual seria inquestionável a competência daquele juízo para a
prática do ato homologatório. Assim, a eventual desconstituição de acordo de colaboração
teria âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, de modo que não beneficiaria e
nem prejudicaria terceiros. Vencido o Ministro Marco Aurélio, ao fundamento de que o
STF não seria competente para julgar a denunciada, tendo em vista que ela não gozaria de
prerrogativa de foro perante esta Corte. Acolhia, por outro lado, a preliminar de
cerceamento de defesa, pela impossibilidade de acesso, como um todo, às delações
premiadas pelos acusados.
O Plenário sublinhou que as razões apresentadas pelo Ministério Público teriam
demonstrado adequadamente a necessidade de a denunciada ser processada e julgada no
STF, em conjunto com o deputado federal. No caso, a peça acusatória imputara ao
parlamentar condutas delituosas desdobradas em dois momentos distintos. No primeiro, o
acusado teria solicitado e aceitado promessa de vantagens indevidas para garantir a
continuidade de esquema ilícito implantado no âmbito da Petrobras, assim como para
manter indicados políticos em seus cargos na referida sociedade de economia mista. Em
um segundo momento, a percepção de valores indevidos teria sido para pressionar o
retorno do pagamento de propinas, valendo-se de requerimentos formulados por
interposta pessoa e com desvio de finalidade na atuação legislativa. Relativamente à
primeira fase, o acusado, entre junho de 2006 e outubro de 2012, solicitara para si e para
outrem e aceitara promessa de vantagem indevida em razão da contratação, pela Petrobras,
de estaleiro para a construção de navio-sonda. Além disso, entre fevereiro de 2007 e
outubro de 2012, o parlamentar também solicitara, para si e para outrem e teria aceitado
promessa, direta e indiretamente, de vantagem indevida, a fim de que a Petrobras realizasse
a contratação do mesmo estaleiro para a construção de outro navio-sonda. Todavia, o
Colegiado afirmou que não ficara demonstrada concretamente a participação dos

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denunciados nessa fase inicial de negociação da construção dos navios-sonda. Assinalou
que nada fora produzido, em termos probatórios, que indicasse a efetiva participação dos
denunciados nos supostos crimes ocorridos na época da celebração dos contratos, nos
anos de 2006 e 2007, ou mesmo que os acusados tivessem, no período imediato, recebido
vantagem indevida para viabilizar a negociação ou se omitido em fiscalizar esses contratos,
em razão do mandato parlamentar. Assim, ante a falta de apresentação de indícios de
participação dos denunciados quanto a esse período, a denúncia não mereceria ser recebida.
No tocante ao segundo momento delitivo, o Tribunal reputou que o aditamento à
denúncia trouxera reforço narrativo lógico e elementos sólidos que apontariam ter ambos
os denunciados aderidos à exigência e recebimento de valores ilícitos, a partir de 2010 e
2011. Nesse item, a peça acusatória narrara os fatos em tese delituosos e a conduta dos
agentes, com as devidas circunstâncias de tempo, lugar e modo, sem qualquer prejuízo ao
exercício de defesa. A materialidade e os indícios de autoria, elementos básicos para o
recebimento da denúncia, encontrar-se-iam presentes a partir do substrato trazido no
inquérito. A Corte observou que a interposta pessoa a que se referiria a denúncia seria a
acusada, que, para coagir lobista a pagar valor ainda pendente, referente às aludidas
comissões ilegítimas, apresentara, por solicitação do deputado, dois requerimentos à
Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados requisitando
informações ao TCU e ao Ministério de Minas e Energia acerca dos contratos de interesse
do lobista com a Petrobras. A pressão exercida pelo acusado, por intermédio da
denunciada, surtira efeito, uma vez que o lobista se vira compelido a pagar as quantias
prometidas. Ademais, a materialidade e os indícios de autoria relativos aos crimes de
lavagem de dinheiro, elementos básicos para o recebimento da denúncia, também se
encontrariam presentes. Depoimento prestado pelo lobista no âmbito de colaboração
premiada indicaria que, para operacionalizar suposto pagamento de parte da propina ao
deputado, teriam sido transferidos valores de sua conta na Suíça. Ainda sobre entregas de
valores para o acusado, outro réu investigado no âmbito da “Operação Lava Jato”
confirmara que teriam sido realizadas em espécie. Outros elementos probatórios
apontariam para operação destinada ao pagamento de propina ao deputado, realizada entre
21 de dezembro de 2011 e 30 de outubro de 2012, por meio de suposta simulação de
contratos de prestação de serviços de consultoria. Haveria, ainda, repasse ao acusado
mediante simulações de contratos de mútuo. O parlamentar requerera, também, doações a
determinada igreja como forma de saldar parte das quantias supostamente a ele devidas,
além de pagamento em horas voo mediante fretamento de táxi aéreo.
O Tribunal concluiu que os elementos colhidos indicariam possível cometimento
de crime de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, “caput” e § 1º), ao menos na

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qualidade de partícipe (CP, art. 29), por parte do deputado federal. Excluir-se-ia,
todavia, do quanto recebido, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP, incabível pelo
mero exercício do mandato popular, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no
art. 317, § 1º (“A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica
infringindo dever funcional”). A jurisprudência do STF exigiria, para tanto, imposição
hierárquica não demonstrada nem descrita nos presentes autos. Os indícios existentes
apontariam também que a acusada teria concorrido para a prática do delito de
corrupção passiva, nos termos do já aludido art. 29 do CP (“Quem, de qualquer modo,
concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade”). Assim, não assistiria razão à defesa da denunciada, de que a conduta
descrita na inicial acusatória seria de outro tipo penal. Vencidos os Ministros Dias
Toffoli e Gilmar Mendes, que não recebiam a denúncia oferecida contra a acusada.
Pontuavam que a conduta imputada a ela seria a de assinar requerimento à Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, prática normal à
atividade parlamentar. Não haveria, entretanto, prova de que a então parlamentar
tivesse solicitado, ou recebido, ou aceito vantagem ilícita para praticar o ato. Seriam
necessários outros indicativos de adesão à conduta viciada para que a acusação pudesse
ser viável. Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)

STF. Informativo nº 826


(Primeira Turma)
Empréstimos consignados e retenção por prefeito
A Primeira Turma, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação penal
para condenar acusado da prática dos crimes de peculato-desvio e assunção de obrigação
no último ano do mandato (CP, artigos 312 e 359-C) à pena de dois anos, oito meses e
vinte dias de reclusão, em regime inicial aberto, além da pena pecuniária de doze dias multa.
Na espécie, o acusado teria desviado numerário referente a retenções feitas
administrativamente nas remunerações de servidores públicos municipais que contraíram
empréstimos consignados junto a determinada instituição financeira. Além disso, em razão
da não transferência do referido numerário ao banco, o acusado autorizara a assunção de
obrigação para com a referida instituição no montante de R$ 8.385.486,73 no último ano
do seu mandato. A defesa sustentava: a) a violação do princípio do promotor natural; b) a
inexistência de fato típico; c) a impossibilidade de responsabilização objetiva do acusado; d)
a configuração de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa; e) o caráter privado dos
valores correspondentes dos créditos consignados, o que não ensejaria a configuração do
crime de peculato; e f) a ausência de prova quanto ao crime de assunção de obrigação no

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último ano do mandato. Preliminarmente, a Turma rejeitou a alegação de violação ao
princípio do promotor natural, reiterado o quanto decidido no HC 90.277/DF (DJe de
1º.8.2008) no sentido da inexistência do citado princípio no ordenamento jurídico
brasileiro. No mérito, o Colegiado, relativamente à imputação do crime de peculato-desvio,
assentou a materialidade do delito. A consumação desse crime ocorreria no momento que
houvesse a efetiva destinação diversa do dinheiro ou valor de que tivesse posse o agente,
independente da obtenção material de proveito próprio ou alheio. Assim, a consumação,
no caso em comento, teria se dado com a não transferência dos valores retidos na fonte
dos servidores municipais ao banco detentor do crédito, referentes a empréstimos
consignados em folha de pagamento. Com isso, teria havido a alteração do destino da
aplicação dos referidos valores. O município seria mero depositário das contribuições
descontadas dos contracheques de seus servidores, as quais pertenceriam ao banco. Desse
modo, os valores retidos não seriam do Município, não configurando receita pública.
Tratar-se-ia de verba particular não integrante do patrimônio público.
Relativamente à autoria do delito, além do dolo na conduta verificada, a Turma
consignou que o acusado, na qualidade de prefeito, teria deixado de repassar os valores
retidos dos salários dos servidores municipais à instituição financeira, descumprindo os
termos do convênio firmado entre esta última e o município. O réu, em seu interrogatório,
teria afirmado que o não repasse dos valores ao banco se dera em função da necessidade de
pagamento de funcionários do município, que se encontraria em momento de crise, e que,
posteriormente, com o repasse de ICMS pelo governo estadual, faria a compensação das
consignações. Assim, teria ficado provada a intenção, o dolo, de não repassar os valores
para a instituição financeira, descumprindo, também, a legislação referente a operações de
crédito com desconto em folha de pagamento (Lei 10.820/2003). Portanto, a partir do
momento em que o acusado, consciente e voluntariamente, se apropria de verbas que
detém em razão do cargo que ocupa e as desvia para finalidade distinta, pagando os salários
dos servidores municipais, não haveria dúvidas quanto à pratica do delito de peculato-
desvio.
A Turma ressaltou a existência de depoimentos constantes dos autos a apontar que o
município em questão estaria passando por dificuldades em razão da crise mundial, além de
ter sido prejudicado no repasse proveniente do Fundo de Participação dos Municípios.
Assim, segundo alegado pela defesa, o acusado não teria outra solução que não a de reter as
verbas destinadas para o pagamento de seus servidores, as quais possuiriam natureza
alimentar. No entanto, também constaria dos autos informação relativa ao aumento da
folha de pagamento do município, com a contratação de pessoal, e à efetivação de repasses
voluntários para instituições não governamentais. A existência desses fatos tornaria inviável

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o reconhecimento de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa a afastar o juízo de
reprovação penal. Outrossim, também estaria comprovada nos autos a materialidade e a
autoria do crime de assunção de obrigação no último ano de mandato. A conduta em
comento estaria intimamente ligada ao crime de peculato-desvio, já que no último ano não
fora repassado ao banco beneficiário os valores retidos dos servidores municipais e,
consequentemente, fora deixada para a administração posterior o encargo de quitar esses
débitos. Vencidos, em parte, os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que vislumbravam a
existência, na hipótese em comento, unicamente do delito previsto no art. 359-C do CP.
AP 916/AP, rel. Min. Roberto Barroso, 17.5.2016. (AP-916)

STF. Informativo nº 837


(Primeira Turma)
Dispensa de licitação e peculato
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, condenou deputada
federal — secretária estadual de educação à época dos fatos — à pena de cinco anos e
quatro meses de detenção e multa pela prática dos delitos descritos nos artigos 89, “caput”,
c/c o 84, § 2º, ambos da Lei 8.666/1993; bem assim à reprimenda de quatro anos e quatro
meses de reclusão e multa pelo cometimento do crime previsto no art. 312, c/c o 327, § 2º,
ambos do CP. No entanto, no que se refere ao peculato, assentou a extinção da
punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, à luz da pena em concreto — v.
Informativo 836.
No caso, a acusada — no período compreendido entre 2002 e 2004 — deixara de
observar, ante a justificativa de inviabilidade de competição, as formalidades legais em
processos de inexigibilidade de licitação. Adquirira livros didáticos diretamente das
empresas contratadas, com recursos oriundos dos cofres públicos, beneficiando-as com
superfaturamento dos objetos contratuais.
O Colegiado ressaltou que a justificativa utilizada para a inexigibilidade de licitação
fora a inviabilidade de competição. Para dar respaldo a essa alegação, foram consideradas
válidas declarações de exclusividade emitidas por entidade não prevista em lei, ou ainda
atestados não constantes do respectivo procedimento. Essas cartas de exclusividade não
permitiam inferir a inexistência, à época, de outros fornecedores das mercadorias
pretendidas. Além disso, inexistiria impedimento ao órgão estadual de efetuar pesquisa de
preço em outras praças, ou mesmo em outros órgãos públicos, já que os livros adquiridos
têm distribuição em todo o território nacional. Logo, não procede a assertiva de que a
exclusividade do fornecedor constituiria obstáculo à realização das pesquisas.
Demonstrou que os preços praticados não foram compatíveis com o mercado ou
mais vantajosos, mas que houvera significativo sobrepreço, inclusive por meio de aditivos

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contratuais. Estes eram acompanhados do máximo permitido em lei sobre o preço
estabelecido no contrato original, porém, sem dados concretos que justificassem a
majoração. Ao contrário, o órgão não negociara os preços, afirmando serem os praticados
pelo mercado, sem comprovação.
Em síntese, ocorrera o desvio de dinheiro público, de que tinha posse a denunciada,
em benefício das empresas contratadas.
No tocante à dosimetria alusiva ao crime de peculato (quatro anos e quatro meses
de reclusão e multa), a Turma lembrou que o acréscimo de quatro meses se refere à
continuidade delitiva, de modo que não pode incidir para efeito de afastamento da
prescrição (Enunciado 497 da Súmula do STF).
Vencidos os Ministros Luiz Fux e Rosa Weber, que julgavam a acusação
improcedente. AP 946/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson
Fachin, 30.8.2016. (AP-946)

STF. Informativo nº 849


(Plenário)
Recebimento de denúncia: existência de indícios mínimos de autoria e materialidade
do delito
O Plenário, por maioria, recebeu parcialmente denúncia oferecida em face de
senador por suposta prática de crime de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal
(CP).
De acordo com a acusação, o senador, no período de janeiro a julho de 2005, teria
desviado recursos públicos da chamada verba indenizatória (destinada a despesas
relacionadas ao exercício do mandato parlamentar), para pagar pensão alimentícia à filha. A
denúncia ainda imputava ao senador a suposta prática dos crimes de falsidade ideológica e
de uso de documento falso, previstos nos arts. 299 e 304 do CP, respectivamente.
Conforme narrado na peça acusatória, ele teria inserido e feito inserir, em documentos
públicos e particulares, informações diversas das que deveriam ser escritas, com o
propósito de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (sua capacidade financeira
para custear despesas da referida pensão). Esses documentos teriam sido utilizados pelo
senador para subsidiar sua defesa nos autos de uma Representação do Conselho de Ética e
Decoro Parlamentar do Senado Federal.
Ainda segundo a denúncia, o parlamentar, ao prestar contas dos valores recebidos a
título de verba indenizatória, apresentou notas fiscais emitidas em seu nome por empresa
locadora de veículos. Entretanto, os valores referentes à contraprestação real da locação de
veículos não foram encontrados na análise de extratos bancários. Além disso, havia
incongruência nos dados constantes em notas fiscais de produtor rural, Guias de Trânsito

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Animal (GTAs), declarações de vacinações contra febre aftosa e declaração de Imposto de
Renda de Pessoa Física (IRPF), relativos ao número de animais vendidos e os efetivamente
transportados.
A defesa, por sua vez, alegava capacidade financeira do acusado, tendo em conta os
seus subsídios como senador e os ganhos percebidos como pecuarista.
Diante do exposto, o Tribunal declarou a extinção da punibilidade ante a incidência
da prescrição, quanto aos crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso, no
que se referia aos documentos particulares (notas fiscais de produtor, recibos de compra e
venda de gado, declarações de IRPF, contrato de mútuo e livros-caixa de atividade rural).
Reconheceu, por maioria, que as notas fiscais e os livros-caixa seriam documentos
privados, pois só poderiam ser considerados públicos aqueles em cuja elaboração, de
alguma forma, houvesse a participação de funcionários públicos e aqueles expressamente
equiparados em lei. A Corte observou, também, que, embora a emissão das notas fiscais
fosse autorizada, regulamentada e padronizada por critérios definidos por entes públicos
encarregados da arrecadação tributária, a confecção desses documentos estaria
integralmente a cargo do particular, ou seja, não haveria a participação de funcionário
público antes ou durante a sua confecção.
Quanto aos livros-caixa, o Plenário entendeu não incidir o disposto no art. 297, §
2º, do CP. Aduziu não ter sido demonstrado que o acusado tivesse sua atividade rural na
forma estabelecida pelo art. 971 do Código Civil (CC). Salientou que a atividade rural só
está sujeita ao regime jurídico empresarial (hipótese em que se poderia falar em livros
mercantis) quando o produtor expressamente organiza seus negócios dessa maneira,
compreensão sintetizada pelo Enunciado 202 do Centro de Estudos da Justiça Federal (“O
registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza
constitutiva, sujeitando-se ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao
empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção”). Assim, dada a vedação de
analogia “in malam partem” no âmbito do direito penal, o art. 297, § 2º, do CP, ao
equiparar os livros mercantis aos documentos públicos para fins penais, não pode ser
estendido ao ponto de se tomar por público um livro-caixa não mercantil.
O Colegiado, por maioria, também rejeitou a denúncia, por inépcia, quanto aos
crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso, relativamente aos documentos
públicos (GTAs e declarações de vacinação contra febre aftosa). Entendeu não haver sido
observado o art. 41 do Código de Processo Penal (CPP), que exige a exposição do fato
criminoso com todas as suas circunstâncias.
Asseverou que as conclusões dos peritos que subsidiaram a denúncia decorrem do
confronto de informações conflitantes em dois conjuntos de documentos, ou seja, GTAs

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em confronto com notas fiscais e declarações de vacinações, ou ainda, com a declaração de
IRPF. Tal confronto não permite, à evidência, cumprir com o disposto no citado
dispositivo do CPP. A inverdade emergente do documento ideologicamente falso é
intrínseca ao próprio documento. Logo, para imputar a falsidade ideológica de uma dada
GTA, cabe ao Ministério Público demonstrar e apontar na denúncia informação específica
do documento em desacordo com a verdade, não bastando a afirmação de estar em
desacordo com outros documentos.
Vencidos, quanto a essa questão, os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e
Marco Aurélio, que recebiam a denúncia por considerarem-na uma narrativa clara e
compreensível dos fatos, de modo a permitir a ampla defesa do acusado, e capaz de
fornecer elementos suficientes da existência de indícios.
Para o ministro Roberto Barroso, a acusação teria demonstrado, de forma
inequívoca, a manifesta incongruência entre os dois conjuntos de documentos, a revelar
que provavelmente um dos dois seria ideologicamente falso, ou pelo menos haveria
indícios de uma falsidade, mas os livros-caixa, dos quais se poderiam colher os registros
para desfazer a confusão, também não teriam sido escriturados adequadamente. Portanto,
estaria caracterizada uma situação não de inépcia, mas de necessária produção posterior de
provas, para mais esclarecimentos. Concluía que, para não se receber uma denúncia, seria
preciso haver o convencimento da não existência de plausibilidade na imputação de
falsidade ideológica em um dos dois documentos, o que não ocorreria no caso concreto.
Por fim, os ministros Roberto Barroso e Marco Aurélio ainda atribuíam às notas fiscais de
produtor rural e aos livros-caixa a natureza de documento público.
No tocante ao crime de peculato, o Plenário entendeu estarem presentes indícios de
autoria e materialidade minimamente suficientes ao recebimento da peça acusatória.
Evidenciou a existência de relação próxima entre o acusado e um dos sócios da empresa
locadora de veículos, contra o qual já haveria indícios de ser intermediário do acusado na
aquisição de empresas de comunicação. Além disso, teria sido celebrado um contrato de
mútuo fictício entre o acusado e a empresa locadora com fins de comprovar, perante o
Conselho de Ética do Senado Federal, sua capacidade financeira para pagar a pensão
alimentícia. A despeito de reconhecida a prescrição quanto ao delito de falsidade ideológica
do contrato em questão, a constatação de sua suposta realização, sem que o acusado,
suposto mutuante, o tivesse declarado ao Fisco nem a empresa registrado qualquer valor a
título de remuneração do capital emprestado, consiste em indício dessa relação de estranha
proximidade entre o acusado e os sócios da empresa locadora de veículos.
Ademais, considerou-se o fato de o acusado, ao prestar contas dos valores
recebidos a título de verba indenizatória, ter apresentado notas fiscais emitidas em seu

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nome pela aludida empresa, as quais se destinavam ao aluguel de veículos. Entretanto,
mediante análise dos extratos bancários, tanto da referida empresa quanto do próprio
acusado, não foram encontrados os lançamentos correspondentes ao efetivo pagamento
dos valores constantes das notas fiscais.
Relativamente à alegação da defesa no sentido de os pagamentos de locação terem
sido realizados em espécie, a Corte, de início, mencionou o fato de se tratar de vultosa
quantia. Ponderou que, apesar de inexistir vedação quanto ao adimplemento de
compromissos em dinheiro, a opção pela realização de pagamentos por serviços mensais
em espécie, ainda mais quando dotados de certa regularidade, é elemento de convicção que,
aliado a outros indícios, não pode ser desprezado. Atentou para o fato de mais da metade
do valor total da verba indenizatória para cobrir despesas com o exercício do mandado
parlamentar ser justamente direcionada ao pagamento de aluguel de veículos, em localidade
diversa de onde o acusado exercia seu mandato, ainda que em sua base eleitoral.
Vencidos, quanto a esse ponto, os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e
Gilmar Mendes, que não recebiam a denúncia por reputá-la inepta.
O ministro Dias Toffoli frisava que o fato de não terem sido encontrados
lançamentos de débitos e créditos nos extratos bancários não constituiria indício suficiente
da inexistência da prestação do serviço, ou seja, não haveria nexo de causalidade entre um
dado e outro. Ademais, a empresa locadora teria emitido as notas fiscais relativas à
prestação de serviço, cuja regularidade se presumiria, não havendo uma impugnação contra
elas. Sequer teria sido aprofundada a investigação a fim de se coligirem elementos idôneos
que indicassem que os serviços não teriam sido prestados.
Acrescentava que a insuficiência narrativa da denúncia também poderia ser vista
sob o ângulo da falta da justa causa, desde já, para a ação penal. Afinal, a imputação de
peculato, na forma como deduzida, constituiria mera conjectura da acusação.
O ministro Ricardo Lewandowski salientava que, no caso, tendo em conta a
fragilidade dos indícios, seria preciso respeitar o “in dubio pro reo”. Inq 2593/DF, rel. Min.
Edson Fachin, julgamento em 1º.12.2016. (Inq-2593)

Crimes contra a Ordem Tributária

STF. Informativo nº 819


(Primeira Turma)

HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo


Nos crimes de sonegação tributária, apesar de a jurisprudência do STF condicionar a
persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo, o mesmo não ocorre

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quanto à investigação preliminar. Os crimes contra a ordem tributária ou de outra
modalidade delitiva podem ser tentados e consumados e jamais se entendeu pela
impossibilidade da investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes
da consumação. Com base nessa orientação, a Primeira Turma julgou extinto o “writ”, sem
resolução do mérito. Assentou a inadequação da via processual, por se tratar de “habeas
corpus” substitutivo do recurso ordinário constitucional. Porém, concedeu a ordem de
ofício para trancar a ação penal no que se refere aos crimes fiscais a envolver apropriação e
sonegação de contribuições previdenciárias descontadas de produtores rurais, ao crime de
lavagem de dinheiro tendo por antecedente a sonegação dessas mesmas contribuições
previdenciárias, e ao crime de sonegação da Cofins pertinente à parte quitada. Afirmou,
ainda, a inexistência de prejuízo na continuidade da ação penal em relação ao restante da
imputação. Na espécie, durante as investigações, iniciadas para apurar crimes de ordem
tributária, foram revelados, fortuitamente, indícios de crimes mais graves, especificamente
o de corrupção de agentes públicos para acobertar as atividades supostamente ilícitas. Os
pacientes respondem a ação penal por apropriação indébita previdenciária, associação
criminosa, falsidade ideológica, corrupção ativa e sonegação de contribuição previdenciária.
Além disso, são acusados de omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias. Pretendiam a nulidade da investigação porque: a) iniciada a partir de denúncia
anônima; b) fora autorizada interceptação telefônica para apurar crimes fiscais sem que
houvesse lançamento tributário definitivo; e c) os tributos sonegados seriam, em parte,
inválidos, e o remanescente teria sido quitado e parcelado.
A Turma, de início, reafirmou o entendimento da Corte no sentido de que notícias
anônimas não autorizam, por si sós, a propositura de ação penal ou mesmo, na fase de
investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de investigação, como
interceptação telefônica ou busca e apreensão. Entretanto, elas podem constituir fonte de
informação e de provas que não pode ser simplesmente descartada pelos órgãos do Poder
Judiciário. Assim, assentou a inexistência de invalidade na investigação instaurada a partir
de notícia crime anônima encaminhada ao MPF. Destacou que em um mundo no qual o
crime torna-se cada vez mais complexo e organizado, seria natural que a pessoa comum
tivesse receio de se expor ao comunicar a ocorrência de delito. Daí a admissibilidade de
notícias crimes anônimas. Nas investigações preliminares, ao se verificar a credibilidade do
que fora noticiado, a investigação poderia prosseguir, inclusive, se houvesse agregação de
novas provas e se preenchidos os requisitos legais, com o emprego de métodos especiais de
investigação ou mesmo com a propositura de ação penal, desde que, no último caso, as
novas provas caracterizassem justa causa. Elementos probatórios colhidos pelas
autoridades policiais teriam constatado a inexistência de registro de bens, imóveis e veículos

46
ou qualquer propriedade em nome dos sócios constantes no contrato social de empresa
cujos lançamentos tributários eram expressivos, o que poderia caracterizar não serem os
reais proprietários. Na situação dos autos, fora a interceptação telefônica que revelara os
indícios da prática de crimes mais relevantes. Não haveria que se falar, portanto, em
utilização indevida da notícia crime anônima, cujo tratamento observara a jurisprudência do
STF. Ademais, a investigação e a persecução penal teriam prosseguido com base nas provas
colacionadas a partir dela e não com fulcro exclusivo nela. De igual forma, as diligências
mais invasivas, como a interceptação telefônica, só foram deflagradas após a colheita de
vários elementos probatórios que corroboravam o teor da notícia anônima e que, por si só,
autorizavam a medida investigatória.
Quanto ao argumento de nulidade da investigação porquanto iniciada antes da
existência de lançamento tributário definitivo, a Turma citou a atual jurisprudência do STF,
que condicionaria a persecução por crime contra a ordem tributária à realização do
lançamento fiscal. O lançamento definitivo do crédito tributário constituiria atividade
privativa da autoridade administrativa e, sem tributo constituído, não haveria como
caracterizar o crime de sonegação tributária (HC 81.611/DF, DJU de 13.5.2005). Apesar de
a jurisprudência do STF condicionar a persecução penal à existência do lançamento
tributário definitivo, o mesmo não ocorreria relativamente à investigação preliminar.
Crimes poderiam ser tentados e consumados e jamais se entendera pela impossibilidade da
investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes da consumação. A
afirmação seria válida tanto para crimes contra a ordem tributária como para qualquer outra
modalidade delitiva. O Colegiado ressaltou que o tema do encontro fortuito de provas no
âmbito de interceptação telefônica fora abordado em alguns julgados da Corte. A validade
da investigação não estaria condicionada ao resultado, mas sim à observância do devido
processo legal. Na espécie, as provas dos crimes de corrupção fortuitamente colhidas no
curso da interceptação não pareceriam se revestir de ilicitude, pelo menos no exame que
comportam na via estreita do “habeas corpus”, independentemente do resultado obtido
quanto aos crimes contra a ordem tributária que motivaram o início da investigação.
A Turma frisou que os autos não estariam instruídos com cópia dos lançamentos
tributários, o que inviabilizaria uma análise precisa da alegada invalidade dos tributos
constituídos. Entretanto, em embargos opostos a sequestro incidente na ação penal, o
magistrado de primeiro grau teria prolatado sentença a reconhecer a inconstitucionalidade
de parte dos valores lançados, com reflexo no sequestro decretado. Ademais, os tributos
lançados consistiriam em contribuições descontadas de produtores rurais pessoas físicas e
incidentes sobre a receita proveniente da comercialização da produção de gado, tributo este
reputado inconstitucional pela Suprema Corte (RE 363.852/MG, DJe de 23.4.2010).

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Declarados inconstitucionais tributos lançados contra a empresa, estaria afetada, na mesma
extensão, a acusação da prática de crimes fiscais. Contudo, remanesceria a validade da
Cofins lançada, o que não acarretaria prejuízo para a imputação de sonegação para esse
crime, visto não ter sido apresentada prova inequívoca de que o remanescente fora pago ou
parcelado. De todo modo, o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial das
contribuições rurais lançadas e a quitação total ou parcial da Cofins atingiriam apenas a
imputação pelos crimes tributários, e não os demais crimes objeto da denúncia, entre eles
corrupção. Ao tempo da autorização da interceptação telefônica, não existiriam os fatos
extintivos das obrigações tributárias. Embora o julgamento de inconstitucionalidade pelo
STF no RE 363.852/MG fosse com efeitos retroativos, não significaria que a autorização
para a interceptação tivesse sido arbitrária, porque baseada em lançamentos tributários
tidos como hígidos e válidos. De igual forma, a quitação posterior do tributo afetaria a
pretensão punitiva, mas não atingiria retroativamente a validade dos atos de investigação
praticados anteriormente. Prejudicada, ainda, a persecução penal no tocante à sonegação
dos tributos supervenientemente tidos como inválidos ou dos tributos quitados em
momento posterior, mas sem afetação necessária do restante da imputação, que inclui
crimes de quadrilha e corrupção. Também prejudicada a imputação do crime de lavagem de
dinheiro no que se refere à suposta ocultação e à dissimulação das contribuições
previdenciárias reputadas inconstitucionais. Afinal, se o crime antecedente é insubsistente,
não poderia haver lavagem.
HC 106152/MS, rel. Min. Rosa Weber, 29.3.2016. (HC-106152)

STJ. Informativo nº 579


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA EM EXECUÇÃO FISCAL E


TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR CRIME MATERIAL CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA.
O reconhecimento de prescrição tributária em execução fiscal não é capaz de
justificar o trancamento de ação penal referente aos crimes contra a ordem
tributária previstos nos incisos II e IV do art. 1° da Lei n. 8.137/1990. Isso porque a
constituição regular e definitiva do crédito tributário é suficiente para tipificar as condutas
previstas no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990, não influindo o eventual reconhecimento
da prescrição tributária. De fato, são independentes as esferas penal e tributária. Assim, o
fato de ter escoado o prazo para a cobrança do crédito tributário, em razão da prescrição -
fato jurídico extintivo do crédito tributário -, não significa que o crime tributário não se
consumou, pois a consumação dos delitos de sonegação fiscal se dá por ocasião do trânsito

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em julgado na esfera administrativa. É dizer, uma vez regular e definitivamente constituído
o crédito tributário, sua eventual extinção na esfera tributária, pela prescrição (art. 156 do
CTN), em nada afeta o jus puniendi estatal, que também resta ileso diante da prescrição para
a ação de cobrança do referido crédito (art. 174 do CTN). Precedente citado do STJ: AgRg
no AREsp 202.617-DF, Quinta Turma, DJe 16/4/2013. Precedente citado do STF: HC
116.152-PE, Segunda Turma, DJe de 7/5/2013. RHC 67.771-MG, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, julgado em 10/3/2016, DJe 17/3/2016.

STJ. Informativo nº 579


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA OMISSÃO NA APRESENTAÇÃO DE


DECLARAÇÃO AO FISCO.
A omissão na entrega da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa
Jurídica (DIPJ) consubstancia conduta apta a firmar a tipicidade do crime de
sonegação fiscal previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, ainda que o FISCO
disponha de outros meios para constituição do crédito tributário. O crime de
sonegação fiscal, na modalidade do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, prescinde de
fraude ou falsidade, já que, pela leitura do dispositivo, é possível deduzir que a simples
omissão, apta a acarretar a supressão ou redução de tributo, revela-se suficiente, em tese,
para a prática do crime ("Art. 1° - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou
reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias").
Essa omissão pode ser uma simples informação constante de uma declaração ou até
mesmo da declaração em si; se a omissão atingir o resultado almejado pelo agente
(supressão ou redução de tributo), o crime estará consumado. Ora, a constituição do
crédito tributário, por vezes, depende de uma obrigação acessória do contribuinte, como
declarar um fato gerador da obrigação tributária (lançamento por declaração). Se o
contribuinte não realiza esse ato com vistas a não pagar o tributo devido, certamente
comete o mesmo crime daquele que presta informação incompleta. De fato, não há lógica
em punir quem declara, mas omite informação, e livrar aquele que sequer cumpre a
obrigação de declarar. Nesse sentido, inclusive, há precedentes do STJ (AgRg no REsp
1.252.463-SP, Quinta Turma, DJe 21/10/2015). Ressalte-se, contudo, que essa assertiva
não implica dizer que a simples omissão em apresentar uma declaração seja suficiente para
a consumação do crime de sonegação fiscal, pois é imprescindível que exista o dolo do
agente de não prestar declaração com vistas a suprimir ou reduzir determinado tributo e
que o resultado almejado tenha sido efetivamente alcançado (crime material). Ademais, não

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há que se falar em atipicidade da conduta em decorrência da circunstância de o FISCO ter
arbitrado o valor do tributo devido mesmo na falta da declaração. Isso porque o FISCO
sempre possuirá meios de apurar o valor do tributo devido ante a omissão do contribuinte
em declarar o fato gerador. O motivo disso é óbvio: o sistema tenta evitar a evasão fiscal.
Se esse mecanismo existe, isso não quer dizer que a omissão do contribuinte é atípica. Na
realidade, o arbitramento efetivado pelo FISCO para constituir o crédito tributário, ante a
omissão do contribuinte em declarar o fato gerador, é uma medida para reparar o dano
causado pela omissão, sendo uma evidência de que a conduta omissiva foi apta a gerar a
supressão ou, ao menos, a redução do tributo na apuração. REsp 1.561.442-SP, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/2/2016, DJe 9/3/2016.

Crimes de Licitação

STJ. Informativo nº 592


(Sexta Turma)

FRAUDE EM LICITAÇÃO. ART. 96, I E V, DA LEI N. 8.666/1993. CONTRATAÇÃO


DE SERVIÇOS. CONDUTA NÃO PREVISTA NO TIPO PENAL. PRINCÍPIO DA
TAXATIVIDADE.
O art. 96 da Lei n. 8.666/1993 apresenta hipóteses estreitas de penalidade, entre as
quais não se encontra a fraude na licitação para fins de contratação de serviços.
Cingiu-se a controvérsia a saber se a conduta de contratar serviços de forma fraudulenta
está abrangida ou não pelo tipo penal previsto no art. 96, I e V, da Lei n. 8.666/1993. Da
leitura da referida normal legal, percebe-se que nela se pune aquele que frauda licitação
instaurada para a aquisição de bens ou mercadorias, ou o contrato dela decorrente,
elevando arbitrariamente os preços ou tornando, por qualquer modo, injustamente mais
onerosa a proposta ou a execução do contrato. Entende-se que, no caso, o art. 96 da Lei n.
8.666/1993 apresenta hipóteses estreitas de penalidade, entre as quais não se encontra a
fraude na licitação para fins de contratação de serviços. Ocorre que o tipo penal deveria
prever expressamente a conduta de contratação de serviços fraudulentos para que fosse
possível a condenação do réu, uma vez que o Direito Penal deve obediência ao princípio da
taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu. REsp
1.571.527-RS, Rel. Min. Sebastião Reis, por unanimidade, julgado em 16/10/2016,
DJe 25/10/2016.

Lavagem de Dinheiro

STJ. Informativo nº 587


(Quinta Turma)

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DIREITO PROCESSUAL PENAL. MODO DE IMPUGNAÇÃO DE MEDIDA
ASSECURATÓRIA PREVISTA NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO.
É possível a interposição de apelação, com fundamento no art. 593, II, do CPP,
contra decisão que tenha determinado medida assecuratória prevista no art. 4º,
caput, da Lei n. 9.613/1998 (Lei de lavagem de Dinheiro), a despeito da
possibilidade de postulação direta ao juiz constritor objetivando a liberação total ou
parcial dos bens, direitos ou valores constritos (art. 4º, §§ 2º e 3º, da mesma Lei). As
dificuldades de enquadramento teórico das medidas cautelares patrimoniais, como o
sequestro e o arresto, no âmbito do processo penal, são afirmadas por doutrina, ao
reconhecer que "o Código de Processo Penal não empregou a palavra seqüestro em seu
sentido estrito e técnico; deu-lhe compreensão demasiadamente grande, fazendo entrar nela
não apenas o que tradicionalmente se costuma denominar seqüestro, mas também outros
institutos afins e, especialmente, o arresto", ressaltando, ainda, que "a confusão não foi
apenas terminológica", porquanto "misturam-se, por vêzes, no mesmo instituto coisas que
são próprias do seqüestro com outras que são peculiares ao arresto". Quanto aos meios de
defesa contra o sequestro ou arresto de bens, a jurisprudência do STJ (REsp 258.167-MA,
Quinta Turma, DJe 10/6/2002; e AgRg no RMS 45.707-PR, Quinta Turma, DJe
15/5/2015) e do STF (RE 106.738-MT, Primeira Turma, DJ 1º/8/1986) afirma ser o
recurso de apelação previsto no art. 593, II, do CPP a via de impugnação idônea para
combater as decisões que impliquem a concessão de cautelar patrimonial no processo
penal. A par disso, convém esclarecer que, a partir da Lei n. 12.683/2012, introduziram-se
alterações na Lei de Lavagem de Dinheiro, entre as quais, de relevante para a espécie, a
concernente à previsão de um outro tipo de medida acauteladora, de ordem patrimonial, e
que conta com abrangência e requisitos específicos, prevista no art. 4º, caput, da Lei de
Lavagem de Dinheiro: "O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou
mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e
quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas
assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em
nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes
previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes." Destaque-se que, conforme
entendimento doutrinário, essa alteração legislativa "parece ampliar o conceito de sequestro
para estendê-lo também a quaisquer valores e/ou direitos, desde que constituam proveito
ou produto do crime [...] E mais ainda. Tanto poderão ser apreendidos os bens produto do
crime antecedente quanto o do delito de lavagem em apuração e/ou processo". Frise-se,
ainda, que há entendimento doutrinário de não ser apenas em relação aos bens que
constituam proveito ou produto da infração que poderão recair as medidas constritivas,

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visto que se mostrarão cabíveis, ademais, para a "reparação do dano causado pelo crime de
lavagem e seu antecedente e para o pagamento de prestação pecuniária (em caso de
condenação), multa e custas processuais". Nesse contexto, o § 4º do aludido art. 4º dispõe:
"Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para
reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou
para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas." Além disso, a previsão dos §§ 2º e
3º do art. 4° da Lei n. 9.613/1998, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.
12.683/2012, introduz questionamentos relevantes, cujo exame revela-se importante para a
espécie: "§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores
quando comprovada a licitude de sua origem , mantendo-se a constrição dos bens, direitos
e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações
pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal; § 3º Nenhum pedido de
liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta
pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos
necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º."
Agora, a respeito do modo de se impugnar a decisão que tenha determinado a constrição
de bens no campo particular da Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 4°), é oscilante a
doutrina. Essa descontinuidade, divisada na ausência de uniformidade doutrinária sobre
tema sensível, deita suas raízes numa normativa processual penal potencialmente
carecedora de revisão. Não se pode, entretanto, onerar a parte com o descortinamento da
medida necessária para fazer conhecidas as suas alegações. Nessa ordem de ideias, se o
CPP estatui, para as cautelares patrimoniais, como o sequestro e o arresto, mecanismos de
impugnação a serem veiculados perante o juízo de primeiro grau, que decretou a medida
constritiva, e, não obstante, a jurisprudência vem admitindo que se valha o interessado do
recurso de apelação, não há razão idônea conducente ao afastamento do mesmo alvitre no
âmbito específico da Lei de Lavagem de Dinheiro. REsp 1.585.781-RS, Rel. Min. Felix
Fischer, julgado em 28/6/2016, DJe 1/8/2016.

Crimes praticados contra a Criança e o Adolescente

STJ. Informativo nº 577


(Sexta Turma)

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PENAL. TIPIFICAÇÃO DAS


CONDUTAS DE FOTOGRAFAR CENA PORNOGRÁFICA E ARMAZENAR
FOTOGRAFIAS DE CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA
OU ADOLESCENTE.

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Fotografar cena e armazenar fotografia de criança ou adolescente em poses
nitidamente sensuais, com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos
por peças de roupas, e incontroversa finalidade sexual e libidinosa, adequam-se,
respectivamente, aos tipos do art. 240 e 241-B do ECA. Configuram os crimes dos arts.
240 e 241-B do ECA quando subsiste incontroversa a finalidade sexual e libidinosa de
fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de
adolescente - ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais,
em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica. O art. 241-E do
ECA ("Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão 'cena de sexo explícito ou
pornográfica' compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em
atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma
criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais") trouxe norma penal explicativa -
porém não completa - que contribui para a interpretação dos tipos penais abertos criados
pela Lei n. 11.829/2008. Nessa linha de intelecção, a definição de material pornográfico
acrescentada por esse dispositivo legal não restringe a abrangência do termo pornografia
infanto-juvenil e, por conseguinte, deve ser interpretada com vistas à proteção da criança e
do adolescente em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art. 6º do ECA).
Desse modo, o conceito de pornografia infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não
haja a exibição explícita do órgão sexual da criança e do adolescente e, nesse sentido, há
entendimento doutrinário. Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA
quando subsiste incontroversa a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e
armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente - ainda que
cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua
sexualidade com conotação obscena e pornográfica. REsp 1.543.267-SC, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, julgado em 3/12/2015, DJe 16/2/2016.

Crimes de Trânsito

STJ. Informativo nº 581


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE AUMENTO DESCRITA


NO ART. 302, § 1º, I, DO CTB EM VIRTUDE DE CNH VENCIDA.
O fato de o autor de homicídio culposo na direção de veículo automotor estar com
a CNH vencida não justifica a aplicação da causa especial de aumento de pena
descrita no § 1º, I, do art. 302 do CTB. No art. 162 do CTB, o legislador, ao definir
diferentes infrações administrativas, distinguiu duas situações: dirigir veículo "sem possuir
Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir" (inciso I); e dirigir "com

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validade da Carteira Nacional de Habilitação vencida há mais de trinta dias" (inciso V).
Essas situações, embora igualmente configurem infração de trânsito, foram tratadas
separadamente, de forma diversa. Em relação ao crime de homicídio culposo na direção de
veículo automotor, o § 1º, I, do art. 302 do CTB determina que a pena será aumentada de
1/3 (um terço) à metade se o agente "não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de
Habilitação". Ora, se o legislador quisesse punir de forma mais gravosa o autor de
homicídio culposo na direção de veículo automotor cuja CNH estivesse vencida, teria feito
expressa alusão a esta hipótese (assim como fez, no § 1º, I, do art. 302, quanto à situação de
"não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação"). Além disso, no Direito
Penal, não se admite a analogia in malam partem, de modo que não se pode inserir no rol das
circunstâncias que agravam a pena (art. 302, § 1º) também o fato de o agente cometer
homicídio culposo na direção de veículo automotor com carteira de habilitação vencida.
HC 226.128-TO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 7/4/2016, DJe
20/4/2016.

Crimes contra a Saúde Pública

STJ. Informativo nº 590


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE CONSUNÇÃO DO CRIME DO ART. 33 DA LEI


DE DROGAS PELO CRIME DO ART. 273 DO CP.
Ainda que alguns dos medicamentos e substâncias ilegais manipulados, prescritos,
alterados ou comercializados contenham substâncias psicotrópicas capazes de
causar dependência elencadas na Portaria n. 344/1998 da SVS/MS - o que, em
princípio, caracterizaria o tráfico de drogas -, a conduta criminosa dirigida, desde o
início da empreitada, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia,
para a única finalidade de manter em depósito e vender ilegalmente produtos
falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais enseja condenação
unicamente pelo crime descrito no art. 273 do CP - e não por este delito em
concurso com o tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei de Drogas). Por um lado, os
tipos penais previstos no art. 273 do CP - cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública -
visam a punir a conduta do agente que, entre outros, importa, vende, expõe a venda, tem
em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto
"falsificado, corrompido, adulterado ou alterado", "sem registro, quando exigível, no órgão
de vigilância sanitária competente" ou "de procedência ignorada". Por outro lado, o art. 33,
caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o
crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas - importar,

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exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter
em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas". A partir
daí, emerge a necessidade de se analisar o conteúdo do preceito contido no parágrafo único
do art. 1º da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual "consideram-se como drogas as
substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou
relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União". Em
acréscimo, estabelece o art. 66 da referida lei que, "para fins do disposto no parágrafo único
do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito,
denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob
controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998". Diante disso,
conclui-se que a definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos
previstos na Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), advém da Portaria n. 344/1998 da
Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (daí a classificação doutrinária, em
relação ao art. 33 da Lei n. 11.343/2006, de que se está diante de uma norma penal em
branco heterogênea). Em verdade, o caso em análise retrata típica hipótese de conflito
aparente de normas penais, a ser resolvido pelo critério da absorção (ou princípio da
consunção). Nesse contexto, mister destacar que um dos requisitos do concurso aparente
de normas penais e do princípio da consunção consiste, justamente, na pluralidade de
normas aparentemente aplicáveis a uma mesma hipótese. Isso acarreta a necessidade de que
o caso concreto preencha, aparente e completamente, a estrutura essencial de todas as
normas incriminadoras. Na espécie, não obstante, à primeira vista, a valoração dos fatos
postos em discussão aponte, em tese, para o possível cometimento, em concurso, dos
crimes de tráfico de drogas e de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de
produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, certo é que o fato rendeu a prática de
um único crime. Com efeito, há de se analisar o contexto fático em uma perspectiva
axiológica da realidade, de modo a se admitir serem várias as interpretações possíveis dessa
realidade em confronto com as condutas que venham a ensejar a intervenção penal. Em
uma análise global (conjunta) dos fatos criminosos, um deles se mostra valorativamente
insignificante - embora não insignificante, se isoladamente considerado - diante de outro
(ou de outros), de modo a perder seu significado autônomo. Nesse contexto, não se mostra
plausível sustentar a prática de dois crimes distintos e em concurso material quando, em
um mesmo cenário fático, se observa que a intenção criminosa era dirigida para uma única
finalidade, visto que, no caso em apreço, a conduta criminosa, desde o início da empreitada,
era orientada para, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia, falsificar e
vender produtos falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais. Essa unidade de

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valor jurídico da situação de fato justifica, no caso concreto, a aplicação de uma só norma
penal. Perfeitamente factível, portanto, a consunção, aplicável quando a intenção criminosa
una é alcançada pelo cometimento de mais de um crime, devendo o agente, no entanto, ser
punido por apenas um delito, de forma a, também e principalmente, obviar a sobrecarga
punitiva, incompatível com a proporcionalidade da sanção, princípio regente no processo
de individualização da pena. Inequívoco, assim, que o fato aparentemente compreendido
na norma incriminadora afastada (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006) encontra-se, na
inteireza da sua estrutura e do seu significado valorativo, na estrutura do crime regulado
pela norma que, no caso, será prevalecente (art. 273 do CP). REsp 1.537.773-SC, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 16/8/2016, DJe 19/9/2016.

Crimes Ambientais

STF. Informativo nº 816


(Segunda Turma)

Crime ambiental e dano efetivo ao bem jurídico tutelado


A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, reputou improcedente acusação
formulada contra deputado federal pela suposta prática do crime previsto no art. 34, “caput”,
da Lei 9.605/1998 (“Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares
interditados por órgão competente: Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas
as penas cumulativamente”) — v. Informativo 791. No caso, de acordo com o relatório de
fiscalização, a autoridade ambiental abordara o deputado e outras duas pessoas em embarcação
fundeada em área marítima pertencente à unidade de conservação federal de proteção integral.
A Turma, de início, afastou a preliminar de inépcia da denúncia. Observou que essa peça
processual descreveria de forma detalhada a ação empreendida, com menção ao dia, ao local e
às circunstâncias do ato tido por criminoso, a possibilitar o pleno exercício da ampla defesa e
do contraditório. Em seguida, reputou não existir, no caso concreto, o requisito da justa causa a
propiciar o prosseguimento da ação penal, especialmente pela mínima ofensividade da conduta
do agente, pela ausência de periculosidade social da ação, pelo reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento e pela inexpressividade da lesão jurídica provocada. Assim, apesar de a
conduta do denunciado amoldar-se à tipicidade formal e subjetiva, não haveria a tipicidade
material, consistente na relevância penal da conduta e no resultado típico, em razão da
insignificância da lesão produzida no bem jurídico tutelado. A jurisprudência seria no sentido
da aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes ambientais, tanto com relação aos de
perigo concreto — em que haveria dano efetivo ao bem jurídico tutelado —, quanto aos de
perigo abstrato, como no art. 34, “caput”, da Lei 9.605/1998. No processo em exame, não se

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produzira prova material de qualquer dano efetivo ao meio ambiente. Ademais, mesmo diante
de crime de perigo abstrato, não seria possível dispensar a verificação “in concreto” do perigo
real ou mesmo potencial da conduta praticada pelo acusado com relação ao bem jurídico
tutelado. Esse perigo real não se verificaria na espécie vertente. Portanto, seria imperioso
assentar a atipicidade material da conduta, pela completa ausência de ofensividade ao bem
jurídico tutelado pela norma penal. O acusado estaria em pequena embarcação quando teria
sido surpreendido em contexto de pesca rústica, com vara de pescar, linha e anzol. Não estaria
em barco grande, munido de redes, arrasto nem com instrumentos de maior potencialidade
lesiva ao meio ambiente.
Inq 3788/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 1°.3.2016. (Inq-3788)

STF. Informativo nº 845


(Segunda Turma)

Pesca ilegal: crime de perigo e princípio da insignificância


A Segunda Turma, em julgamento conjunto, denegou a ordem em “habeas corpus”
e negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pretendia fosse
reconhecida a atipicidade da conduta pela incidência do princípio da insignificância. Em
ambos os casos, os envolvidos foram denunciados pela suposta prática do crime do art. 34
da Lei 9.605/1998 (pesca proibida).
Em um dos processos, a denúncia foi oferecida em razão de o acusado ter sido
encontrado com 70 metros de rede de malha número 16 e iscas vivas, porém sem pescado
algum. No outro, o denunciado foi flagrado praticando atos de pesca amadora, com o uso
de redes de emalhar ancoradas (fixas), em local interditado para a atividade durante o
período de safra da tainha. Também não havia nenhum espécime em seu poder.
O Colegiado citou a definição da atividade da pesca, conforme o disposto no art. 36
da Lei 9.605/1998 (“Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a
retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes,
crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento
econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da
fauna e da flora”). De acordo com o texto legal, a pesca não se restringe à captura do ser
vivo, mas também abrange todo ato tendente a fazê-lo.
Nesse sentido, a Turma assentou tratar-se de crime de perigo, que se consuma com
a mera possibilidade de dano ao bem jurídico. Assim, a captura por meio da pesca é mero
exaurimento do delito, de modo que não se pode falar em crime de bagatela por não ter
sido apreendido nenhum ser vivo. Os comportamentos dos denunciados apresentam

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elevado grau de reprovabilidade. Além disso, os crimes não se exauriram porque as
autoridades intervieram antes que houvesse dano maior à fauna aquática.
RHC 125566/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 26.10.2016. (RHC-125566)
HC 127926/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 26.10.2016. (HC-127926)

Crimes contra as Relações de Consumo

STJ. Informativo nº 574


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. VENDA DE MEDICAMENTOS VENCIDOS COMO CAUSA DE


AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 12, III, DA LEI 8.137/1990.
Quando o produto vendido for medicamento vencido, será possível aplicar a causa
de aumento prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.137/1990 na dosimetria da pena do
crime previsto no art. 7º, IX, da mesma Lei ("vender, ter em depósito para vender
ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em
condições impróprias ao consumo"). Salienta-se, inicialmente, que a melhor
hermenêutica do art. 12, III, da Lei n. 8.137/1990 ("Art. 12. São circunstâncias que podem
agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°: [...] III -
ser o crime praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais
à vida ou à saúde") não se resolve com a mera contraposição dos conceitos de "reserva
legal" e "lei penal em branco". A hipótese, a toda evidência, é de norma penal em aberto.
Assim, ao prever que merece maior censura penal aquele que pratica o crime contra a
economia popular por meio de bens ou serviços "essenciais à saúde ou à vida", a Lei n.
8.137/1990, sem perder a taxatividade, propositalmente convocou o intérprete a dar o
alcance da referida expressão, cabendo ao julgador, caso a caso, fundamentar eventual
recrudescimento da pena. Afinal, em vista da crescente multiplicidade de produtos e
serviços em uma economia de mercado, seria de todo inconveniente a utilização de
qualquer expressão que limitasse a abrangência da majorante a determinadas situações ou
produtos, ou, ainda, que a sua incidência dependesse de norma penal complementar a
versar sobre quais seriam os bens ou serviços essenciais à saúde ou à vida. Nesse contexto,
não há esforço exegético capaz de infirmar que medicamento seja bem essencial, no
mínimo, à saúde. Basta dizer, por exemplo, que o Estado exerce forte atividade regulatória
sobre esse setor, justamente por conta de sua relação direta com a saúde e o bem-estar da
população. Portanto, a venda de medicamentos vencidos pode ensejar a causa de aumento
de pena prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.037/1990, porquanto medicamentos, primo ictu
oculi, são bens essenciais à vida e à saúde. REsp 1.207.442-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
julgado em 1º/12/2015, DJe 11/12/2015.

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Crimes contra o Sistema Financeiro

STJ. Informativo nº 580


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA


DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
A absolvição quanto ao crime de emissão, oferecimento ou negociação de títulos
fraudulentos (art. 7º da Lei n. 7.492/1986) não ilide a possibilidade de condenação
por gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º, caput, da Lei n.
7.492/1986). A Lei n. 7.492/1986, desde o início da sua vigência, passou a ser alvo de uma
série de críticas por parte de alguns setores, notadamente do meio acadêmico, a sugerir a
sua inconstitucionalidade. Um dos principais problemas que tal legislação possuiria,
segundo essa visão, seria justamente a redação conferida aos delitos lá previstos, cuja
tipificação aberta e muito concisa feriria princípios penais basilares. O crime de gestão
fraudulenta de instituição financeira (art. 4º, caput) não passou incólume a tais críticas.
Todavia, em que pese não haver enfrentado diretamente a polêmica aventada pelos meios
acadêmicos, o STF, por via transversa e em inúmeras oportunidades, forneceu-lhe
interpretação vocacionada a delimitar o seu espectro deôntico e a sua amplitude de alcance
e de sentido. Exemplificativamente, no HC 95.515-RJ (DJe 24/10/2008), o STF firmou o
entendimento que "[...] o tipo penal contido no art. 4º da Lei n 7.492/86, consiste em crime
de perigo, não sendo necessária a produção de resultado naturalístico em razão da gestão
fraudulenta. É relevante, para a verificação da adequação típica, que haja conduta
fraudulenta do gestor da instituição financeira (ou a ela equiparada), eis que a objetividade
jurídica do tipo se relaciona à proteção da transparência, da lisura, da honradez, da licitude
na atividade de gestão das instituições financeiras". O STF, portanto, além de considerar
(de maneira implícita) a validade do tipo penal que prevê o crime de gestão fraudulenta,
forneceu diretrizes importantes para a correta interpretação do dispositivo legal respectivo,
possibilitando, com isso, a correta adequação típica do fato à norma, a ser efetivada pelo
magistrado. De mais a mais, conforme adverte doutrina, "Gerir fraudulentamente é utilizar-
se de fraude na gestão empresarial. Fraude, por sua vez, é todo aquele meio enganoso, que
tem a finalidade de ludibriar, de alterar a verdade dos fatos ou a natureza das coisas, e deve
ser interpretada como gênero, que pode apresentar-se sob várias espécies ou modalidades
distintas, tais como artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento [...]. Artifício é toda
simulação ou dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, levando-a à percepção
de uma falsa aparência de realidade: ardil, por sua vez, é a trama, o estratagema, a astúcia; e
qualquer outro meio fraudulento é uma fórmula genérica para admitir qualquer espécie de

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fraude que possa enganar a vítima, que são meramente exemplificativos da fraude penal
tratando-se de crime de forma livre". A partir de tais diretivas, é possível afirmar que, para
configurar o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º, caput, da Lei n.
7.492/1986), há necessidade de que, na conduta do agente, haja a utilização de ardil ou de
astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou de
um negócio jurídico, cujo propósito seria o de ludibriar as autoridades monetárias ou
mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica (v.g. investidores). Portanto, a
má-fé é elemento essencial para a configuração da fraude. Nesse contexto, a realização do
crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, contido no art. 4º da Lei n.
7.492/1986, não possui relação de dependência com o delito de emissão, oferecimento ou
negociação de títulos sem registro ou irregularmente registrados (fraudulentos), previsto no
art. 7º, II, da referida lei, embora seja possível que este último integre a cadeia de toda a
gestão efetivada de forma fraudulenta, hipótese esta que poderia eventualmente atrair a
incidência do princípio da consunção (o desvalor da gestão englobaria o desvalor da
emissão, do oferecimento ou da negociação). HC 285.587-SP, Rel. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 15/3/2016, DJe 28/3/2016.

Crimes contra a Honra

STF. Informativo nº 831


(Primeira Turma)

Incitação ao crime de estupro, injúria e imunidade parlamentar


A Primeira Turma, em julgamento conjunto e por maioria, recebeu denúncia pela
suposta prática de incitação ao crime (CP, art. 286) e queixa-crime apenas quanto à
alegada prática de injúria (CP, art 140), ambos os delitos imputados a deputado federal.
Os crimes dizem respeito a declarações proferidas na Câmara dos Deputados e, no dia
seguinte, divulgadas em entrevista concedida à imprensa. No caso, o parlamentar afirmara
que deputada federal “não merece ser estuprada, por ser muito ruim, muito feia, não
fazer seu gênero” e acrescentara que, se fosse estuprador, “não iria estuprá-la porque ela
não merece”. A Turma assinalou que a garantia constitucional da imunidade material
protege o parlamentar, qualquer que seja o âmbito espacial em que exerça a liberdade de
opinião, sempre que suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função
legislativa ou tenham sido proferidas em razão dela. Para que as afirmações feitas pelo
parlamentar possam ser relacionadas ao exercício do mandato, devem revelar teor
minimamente político, referido a fatos que estejam sob debate público, sob investigação
em CPI ou em órgãos de persecução penal ou, ainda, sobre qualquer tema que seja de
interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou quaisquer grupos

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representados no parlamento ou com pretensão à representação democrática.
Consequentemente, não há como relacionar ao desempenho da função legislativa, ou de
atos praticados em razão do exercício de mandato parlamentar, as palavras e opiniões
meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias e,
portanto, sem vínculo com o exercício das funções cometidas a um parlamentar. Na
hipótese, trata-se de declarações que não guardam relação com o exercício do mandato.
Não obstante a jurisprudência do STF tenha entendimento no sentido da impossibilidade
de responsabilização do parlamentar quando as palavras tenham sido proferidas no
recinto da Câmara dos Deputados, as declarações foram proferidas em entrevista a
veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade. O fato de o parlamentar estar em
seu gabinete no momento em que a concedera é meramente acidental, já que não foi ali
que se tornaram públicas as ofensas, mas sim por meio da imprensa e da internet.
Portanto, cuidando-se de declarações firmadas em entrevista concedida a veículo de
grande circulação, cujo conteúdo não se relaciona com a garantia do exercício da função
parlamentar, não incide o art. 53 da CF.
O Colegiado explicou que a defesa sustentava atipicidade da conduta de incitação ao
crime, pois as afirmações seriam genéricas. A respeito, registrou que o tipo penal em
análise dá ênfase ao aspecto subjetivo da ordem pública, ao sentimento de paz e à
tranquilidade social. O bem jurídico tutelado é diverso daquele que é ofendido pelo crime
objeto da instigação. Não se trata da proteção direta de bens jurídicos primários, mas de
formas de proteção mediata daqueles, pois se enfrenta uma das condições favoráveis à
prática de graves danos para a ordem e a perturbação sociais. Assim, a incitação ao crime
não envolve ataque concreto ao bem jurídico tutelado, mas sim destina-se a salvaguardar
o valor desse bem jurídico do crime objeto de incitação. No caso, a integridade física e
psíquica da mulher encontra ampla guarida na ordem jurídica, por meio de normas
exsurgidas de um pano de fundo aterrador, de cotidianas mortes, lesões e imposição de
sofrimento ao gênero feminino no País. Assim, em tese, a manifestação do acusado tem o
potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à violência física,
sexual, psicológica e moral, porquanto proferida por parlamentar, que não pode
desconhecer os tipos penais. Especialmente, o crime de estupro tem consequências
graves, e sua ameaça perene mantém todas as mulheres em situação de subordinação.
Portanto, discursos que relativizam essa gravidade e a abjeção do delito contribuem para
agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro. A Turma enfatizou, ainda, que a
utilização do vocábulo “merece” tivera por fim conferir ao delito o atributo de prêmio,
favor, benesse à mulher. Além disso, confere às vítimas o merecimento dos sofrimentos a
elas infligidos. Essa fala reflete os valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera e

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até incentiva a prática de atitudes machistas e defende a naturalidade de uma posição
superior do homem, nas mais diversas atividades. Não se podem subestimar os efeitos de
discursos que reproduzem o rebaixamento da dignidade sexual da mulher, que podem
gerar perigosas consequências sobre a forma como muitos irão considerar o crime de
estupro, podendo, efetivamente, encorajar sua prática. O desprezo demonstrado pela
dignidade sexual reforça e incentiva a perpetuação dos traços de uma cultura que ainda
subjuga a mulher, com o potencial de instigar variados grupos a lançarem sobre a própria
vítima a culpa por ser alvo de criminosos sexuais. Portanto, não é necessário que se
apregoe, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. O tipo do art. 286 do CP
abrange qualquer conduta apta a provocar ou a reforçar a intenção da prática criminosa
de terceiros.
A Turma sublinhou outra alegação da defesa, segundo a qual, se as palavras do
parlamentar fossem consideradas incitação ao estupro, então as mulheres que aderiram ao
movimento iniciado na internet (“eu não mereço ser estuprada”) também o teriam
praticado. Ressaltou que se tratara de campanha de crítica e repúdio às declarações do
parlamentar. O sentido conferido, na referida campanha, ao verbo “merecer” revela-se
oposto ao empregado pelo acusado nas manifestações que externara publicamente. Essas
mensagens buscaram restabelecer o sentimento social de que o estupro é uma crueldade
intolerável. Ademais, o tipo penal da incitação ao crime é formal, de perigo abstrato, e
independe da produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas
apenas o dolo genérico, consistente na consciência de que o comportamento do agente
instigará outros a praticar crimes. No caso, a frase do parlamentar tem potencial para
estimular a perspectiva da superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça
de uso da violência. Assim, a afirmação pública do imputado tem, em tese, o potencial de
reforçar eventual propósito existente em parte daqueles que depreenderam as
declarações, no sentido da prática de violência contra a mulher, inclusive novos crimes
contra a honra da vítima e de mulheres em geral. Por fim, o Colegiado, no que diz
respeito às imputações constantes da queixa-crime (calúnia e injúria), reputou que as
mesmas declarações emanadas na denúncia atingiram, em tese, a honra subjetiva da
querelante, pois revelam potencial de rebaixar sua dignidade moral, expondo sua imagem
à humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser
vítima de estupro. Não cabe, nessa fase processual, concluir no sentido da configuração
de retorsão imediata ou reação a injusta provocação. A queixa-crime atribui, ainda, a
prática do delito de calúnia, pelo fato de o querelado ter falsamente afirmado que a
querelante o chamara de estuprador. No ponto, entretanto, a inicial não narra de que
maneira a afirmação do parlamentar tivera por fim específico ofender a honra da

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querelante, razão pela qual a queixa não pode ser recebida quanto a esse delito. Vencido o
Ministro Marco Aurélio, que não recebia a denúncia ou a queixa-crime.
Inq 3932/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Inq-3932)
Pet 5243/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Pet-5243)

STF. Informativo nº 838


(Primeira Turma)
Injúria: ofensa recíproca e perdão judicial
Em virtude da incidência do perdão judicial (CP/1940, art. 107, IX), a Primeira
Turma extinguiu ação penal e declarou extinta a punibilidade de deputado federal acusado
de suposta prática de crime de injúria.
O deputado federal teria publicado em rede social declarações ofensivas à honra de
governador de Estado-membro. A publicação, extraída do perfil pessoal do acusado, teria
sido capturada por meio de “print screen”.
A Turma reconheceu a materialidade e autoria delitivas, e afastou a inviolabilidade
parlamentar material, pois as declarações teriam sido proferidas fora do recinto parlamentar
e em ambiente virtual. Observou, portanto, não haver relação entre as declarações e o
exercício do mandato.
Reputou configurado, de um lado, o elemento subjetivo, constituído pela vontade
livre e consciente de atribuir qualificações negativas ao ofendido. Por outro lado, entendeu
que o comportamento do ofendido traria reflexos à punibilidade da conduta.
O acusado postou as mensagens ofensivas menos de 24 horas depois de o ofendido
publicar manifestação, também injuriosa, ao deputado. Seriam, assim, mensagens
imediatamente posteriores às veiculadas pelo ofendido, e elaboradas em resposta a elas. Ao
publicá-las, o acusado citou parte do conteúdo da mensagem postada pelo ofendido,
comprovando o nexo de pertinência entre as condutas.

Dessa maneira, o ofendido não só, de forma reprovável, provocara a injúria, como
também, em tese, praticara o mesmo delito, o que gerara a retorsão imediata do acusado.
Sendo assim, estariam configuradas as hipóteses de perdão judicial, nos termos do art. 140,
§ 1º, do CP/1940 (“Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I
- quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de
retorsão imediata, que consista em outra injúria”). Logo, não haveria razão moral para o
Estado punir quem injuriou a pessoa que provocou.
AP 926/AC, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 6-9-2016.

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Crimes Hediondos

STF. Informativo nº 835


(Primeira Turma)

Progressão de regime: art. 75 do CP ou total da pena imposta


A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, reputou prejudicado
pedido de “habeas corpus”. Mas, concedeu a ordem, de ofício, para que o juízo da
execução verificasse a possibilidade do reconhecimento da continuidade delitiva (CP, art.
71), com a consequente aplicação da Lei 12.015/2009, que unificou os delitos de estupro e
atentado violento ao pudor — v. Informativo 803.
Na espécie, o paciente fora condenado em primeira instância pelos delitos de: a)
roubo (CP, art. 157, “caput”), à pena de 21 anos de reclusão; e b) estupro e atentado
violento ao pudor (CP, artigos 213 e 214, ambos na redação anterior à Lei 12.015/2009), à
pena de 44 anos e 4 meses de reclusão.
No “habeas corpus” pleiteava-se a revisão da sanção imposta, tendo em vista os
seguintes argumentos: a) os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, praticados
na forma simples, não poderiam ser considerados hediondos; e b) todos os cálculos da
execução penal deveriam observar o limite máximo de 30 anos, nos termos do art. 75, § 1º,
do CP, notadamente porque a CF proíbe a prisão perpétua.
De início, a Turma reconheceu o prejuízo do “writ” impetrado no STF (em
9.9.2009) antes do julgamento do mérito de “habeas corpus” pelo STJ (em 15.12.2009).
Nessa decisão, o STJ concedera em parte a ordem para assegurar ao paciente a progressão
no regime de cumprimento de pena, observada a fração de 1/6.
Apesar disso, assentou a possibilidade do exame de concessão, de ofício, da ordem
de “habeas corpus”.
O Colegiado destacou que a jurisprudência consolidada do STF seria no sentido de
que os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor — tendo em conta o art. 1º, V e
VI, da Lei 8.072/1990, ainda na redação dada pela Lei 8.930/1994 —, mesmo que
praticados na forma simples, teriam caráter hediondo. Inviável, portanto, a interpretação
requerida na impetração.
Outrossim, o Tribunal possuiria reiterados pronunciamentos no sentido de que o
limite temporal enunciado no art. 75 do CP — 30 anos — não constituiria parâmetro para
o cálculo dos benefícios da execução penal. Assim, tal limite diria respeito exclusivamente
ao tempo máximo de efetivo cumprimento da pena privativa de liberdade. Logo, não deve
ser utilizado para calcular os benefícios da Lei de Execução Penal.

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Por outro lado, a possibilidade do reconhecimento da continuidade delitiva entre os
delitos de estupro e de atentado violento ao pudor teria suscitado intensos debates no
âmbito do STF. De modo geral, durante longo período de tempo, a Corte não admitira o
reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado (CP, art. 71) entre os referidos
delitos, diante da caracterização do concurso material (CP, art. 69). Essa discussão,
contudo, teria perdido relevância com a edição da Lei 12.015/2009, que unificou em um
mesmo tipo incriminador as condutas de estupro e de atentado violento ao pudor. Diante
dessa inovação legislativa, o STF teria passado a admitir o reconhecimento da continuidade
delitiva entre os referidos delitos, desde que preenchidos os requisitos legais.
Contudo, tendo em consideração a impossibilidade de se verificar, no caso em
comento, o cabimento do reconhecimento da continuidade delitiva, caberia ao juízo da
execução examinar a questão, aplicando-se retroativamente a Lei 12.015/2009.
Vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que
concediam a ordem em maior extensão, também para que o juízo da execução analisasse a
viabilidade da progressão de regime e dos demais benefícios previstos na LEP, considerado
o teto máximo de 30 anos e não o total da pena imposta. HC 100612/SP, rel. orig. Min.
Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 16.8.2016

Racismo

STF. Informativo nº 849


(Primeira Turma)

Incitação à discriminação religiosa e proselitismo


A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em “habeas
corpus” para trancar ação penal em que se imputa ao recorrente a suposta prática de crime
de racismo, por meio de incitação à discriminação religiosa (Lei 7.716/1989, art. 20, § 2º).
No caso, sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana publicou livro no qual, segundo a
acusação, explicitou conteúdo discriminatório a atingir a doutrina espírita.
O Colegiado equacionou que, em um cenário permeado por dogmas com
fundamentos emocionais, os indivíduos tendem a crer que professam sua fé dentro da
religião correta e que aquela é a melhor, e essa certeza contém intrínseca hierarquização.
Nesse ambiente, é necessário avaliar a observância dos limites do exercício das liberdades
constitucionais. Por sua vez, não cabe ao Judiciário censurar manifestações de pensamento.
Assim, eventual infelicidade de declarações e explicitações escapa do espectro de atuação
estatal.

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Ponderou que a liberdade religiosa possui expressa proteção constitucional (CF, art.
5º, VI e VIII) e abrange o livre exercício de consciência, crença e culto. Além disso, alcança
a escolha de convicções, de optar por determinada religião ou por nenhuma delas, de
empreender proselitismo e de explicitar atos próprios de religiosidade.
Assim, a liberdade de expressão funciona como condição de tutela efetiva da
liberdade religiosa, assegurando-se a explicitação de compreensões religiosas do indivíduo e
atuações conforme a crença. Caso contrário, em vez de liberdade, haveria mera indiferença
religiosa.
Por outro lado, a liberdade religiosa não ostenta caráter absoluto e deve ser
exercitada de acordo com a delimitação constitucional, segundo o princípio da convivência
das liberdades públicas. Nessa perspectiva, o repúdio ao racismo figura como um dos
princípios que regem o País em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII). Ademais, o
tipo penal em debate decorre de mandamento de criminalização expresso no art. 5º, XLII,
da CF. No caso, cumpre perquirir se as opiniões explicitadas pelo recorrente estão em
conformidade com a Constituição ou se desbordam dos limites do exercício das liberdades
constitucionalmente asseguradas.
A Turma assinalou que a característica plural da Constituição impõe que
determinados interesses, na hipótese em que colidentes, sejam contrastados a fim de
alcançar a máxima efetividade de ambos. É necessário que as posições divergentes sejam
mutuamente respeitadas, reclamando-se tolerância em relação ao diferente.
Por sua vez, os limites de discursos religiosos não coincidem, necessariamente, com
explicitações atinentes aos demais elementos normativos do tipo em questão, quais sejam,
raça, cor, etnia ou procedência nacional. A mensagem religiosa não pode ser tratada
exatamente da mesma forma que a não religiosa. Sob esse aspecto, diversas religiões
ostentam caráter universalista, ou seja, almejam converter o maior número possível de
pessoas. Em especial, o catolicismo e o cristianismo perseguem esse objetivo. Nessa
medida, tolher o proselitismo indispensável à consecução das finalidades de religiões
universalistas configura ataque ao núcleo essencial da liberdade de expressão religiosa.
O proselitismo religioso, em diversas oportunidades, é implementado à luz de um
contraste entre as mais diversas religiões. O indivíduo que busca a conversão de outrem
geralmente o faz sob argumentos de hierarquização entre religiões, almejando demonstrar a
superioridade de suas próprias crenças, de modo que, corriqueiramente, as religiões
pretendem assumir contornos de doutrinas de primeira ordem.
Esse proselitismo, portanto, ainda que acarrete incômodas comparações religiosas,
não materializa, por si só, o espaço normativo dedicado à incriminação de condutas
preconceituosas. Essa ação constitui não apenas desdobramento da liberdade de expressão

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religiosa, mas figura como núcleo essencial desse direito, de modo que negar sua prática
configuraria excessiva restrição às liberdades constitucionais.
Assim, eventual animosidade decorrente de observações desigualadoras não
configura, necessariamente, preconceito ou discriminação. A desigualação desemboca em
discriminação na hipótese em que ultrapassa, de forma cumulativa, três etapas. A primeira
delas relaciona-se a um juízo cognitivo em que se reconhecem as diferenças entre os
indivíduos. Na segunda, implementa-se um juízo valorativo direcionado à hierarquização.
Na hipótese de discursos religiosos, a comparação entre crenças e a ocorrência de
explicitações quanto à mais adequada entre elas é da essencialidade da liberdade de
expressão religiosa. Por fim, a terceira fase consiste em um juízo em que se exterioriza a
necessidade ou legitimidade de exploração, escravização ou eliminação do indivíduo ou
grupo considerado inferior.
Desse modo, não apenas a finalidade de eliminação, mas também o intuito de
supressão ou redução de direitos fundamentais sob razões religiosas já configura, em si,
conduta discriminatória e, nessa medida, não albergada pela Constituição e sujeita, em tese,
à censura penal. Necessário, portanto, precisar o sentido de exploração e eliminação, que se
relaciona à avaliação de que o suposto superior tem o dever e, ao mesmo tempo, a
prerrogativa de subjugar o indivíduo considerado inferior.
Por sua vez, nas hipóteses em que se reconhece caber ao pretenso superior a
prestação de auxílio ao considerado inferior, verifica-se a presença somente das primeiras
etapas, de modo que, nesses casos, não se cogita de conduta discriminatória apta a merecer
reprimenda penal. O discurso proselitista, nessas hipóteses, associa-se ao dever de auxílio a
adeptos de outras religiões, vistas como equivocadas. Objetiva-se assegurar que o outro
alcance o mesmo nível moral em que o agente se vê inserido. O discurso que persegue
alcançar, pela fé, adeptos de outras crenças não se qualifica intrinsecamente como
discriminatório.
Sendo assim, no embate entre religiões, a tolerância é medida a partir dos métodos
de persuasão (e não imposição) empregados. No contexto religioso, a tentativa de
convencimento pela fé, sem contornos de violência ou desrespeito à dignidade humana,
está dentro das balizas da tolerância. Também descabe potencializar o proselitismo, por si,
para fins de reconhecimento de realização de uma espécie de guerra santa, mantida com
base em discurso odioso, tampouco para legitimar atos de violência ou de perseguição
aptos a macular a dignidade humana.
No caso concreto, a publicação escrita pelo recorrente, sacerdote católico, dedica-se
à pregação da fé católica, e suas explicitações detêm público específico. Não se pode
depreender a intenção de proferir ofensas às pessoas que seguem a doutrina espírita, mas

67
sim de orientar a população católica da incompatibilidade verificada, segundo sua visão,
entre o catolicismo e o espiritismo.
Ainda que, eventualmente, os dizeres possam sinalizar certa animosidade, não há
intenção de que os fiéis católicos procedam à escravização, exploração ou eliminação dos
adeptos do espiritismo. A vinculação operada entre o espiritismo e características malignas
cinge-se à afirmação da suposta superioridade da religião professada pelo recorrente. Não
se trata de tentativa de subjugação dos adeptos do espiritismo, portanto.
Assim, a explicitação de aspectos de desigualação, bem como da suposta
inferioridade decorrente de aspectos religiosos não perfaz, por si, o elemento típico. É
indispensável que se verifique o especial fim de supressão ou redução da dignidade do
diferente. Sendo assim, a afirmação de superioridade direcionada à realização de um
suposto resgate ou salvação, apesar de indiscutivelmente preconceituosa, intolerante,
pedante e prepotente, encontra guarida na liberdade de expressão religiosa, e não preenche
o âmbito proibitivo da norma.
Vencido o ministro Luiz Fux, que não trancava a ação penal por entender não
haver elementos suficientes para tanto.RHC 134682/BA, rel. Min. Edson Fachin,
julgamento em 29.11.2016. (RHC-134682)

Tortura

STJ. Informativo nº 589


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM NA DOSIMETRIA DA PENA DE


CRIME DE TORTURA.
No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há prevalência de
relações domésticas e de coabitação, não configura bis in idem a aplicação
conjunta da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei n.
9.455/1997 (Lei de Tortura) e da agravante genérica estatuída no art. 61, II, f, do
Código Penal. A causa de aumento prevista pela legislação especial (art. 1º, § 4º, II, da Lei
de Tortura) está descrita nos seguintes termos: "§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até
um terço: [...] II - se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência,
adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos". A seu turno, a circunstância agravante prevista
no Código Penal possui a seguinte redação: "Art. 61 - São circunstâncias que sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...] II - ter o agente
cometido o crime: [...] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma
da lei específica". De fato, a citada majorante prevista na Lei de Tortura busca punir de

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forma mais rígida o autor de crime que demonstrou maior covardia e facilidade no
cometimento da infração penal, justamente pela menor capacidade de resistência das
vítimas ali elencadas. Há, pois, um nexo lógico entre a conduta desenvolvida e o estado de
fragilidade da vítima. Em sentido diametralmente oposto, descortina-se a referida agravante
prevista pelo Código Penal, punindo com maior rigor a violação aos princípios de apoio e
assistência que deve haver nas situações em que há relação de autoridade entre a vítima e o
agressor, bem como a maior insensibilidade moral do agente, que viola o dever de apoio
mútuo existente entre parentes e pessoas ligadas por liames domésticos, de coabitação ou
hospitalidade, sem prejuízo dos crimes praticados com violência doméstica contra a
mulher. Em suma, a majorante tem por finalidade punir de forma mais severa aquele que se
favorece da menor capacidade de resistência da vítima, ao passo que a agravante tem por
desiderato a punição mais rigorosa do agente que afronta o dever de apoio mútuo existente
entre parentes e pessoas ligadas por liames domésticos, de coabitação ou hospitalidade,
além dos casos de violência doméstica praticada contra a mulher. Portanto, em se tratando
de circunstâncias e objetivos distintos, não há falar na ocorrência de bis in idem. HC
362.634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em
16/8/2016, DJe 29/8/2016.

Estupro

STJ. Informativo nº 592


(Sexta Turma)

ESTUPRO CIRCUNSTANCIADO (ART. 213, § 1º, DO CP). VÍTIMA MAIOR DE 14


ANOS E MENOR DE 18 ANOS. ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO
CARNAL. CONFIGURAÇÃO DO CRIME NA MODALIDADE CONSUMADA.
ATIPICIDADE AFASTADA.
Subsume-se ao crime previsto no art. 213, § 1º, do CP – a conduta de agente que
abordou de forma violenta e sorrateira a vítima com a intenção de satisfazer sua
lascívia, o que ficou demonstrado por sua declarada intenção de "ficar" com a
jovem – adolescente de 15 anos – e pela ação de impingir-lhe, à força, um beijo,
após ser derrubada ao solo e mantida subjugada pelo agressor, que a imobilizou
pressionando o joelho sobre seu abdômen.
Tratou-se de recurso especial em que se apontou, entre outras questões, a negativa de
vigência ao art. 213, § 1º, do CP, ao fundamento de que a Corte a quo negou as premissas
fáticas delineadas nos autos, para entender que não houve o estupro circunstanciado. Nesse
sentido, o recorrente insistiu que a conclusão adotada era incompatível com a narrativa,
pois teria descrito todos os elementos do delito em comento, mas se negado a aplicar a

69
respectiva pena. Isso porque se teria comprovada, de forma inequívoca, a violência
reveladora da ofensa à dignidade sexual da vítima, não havendo que se falar apenas em
"beijo roubado". O aresto impugnado informou que o réu abordou de forma violenta e
sorrateira a vítima – adolescente de 15 anos – com a intenção de satisfazer sua lascívia, o
que ficou demonstrado por sua declarada intenção de "ficar" com a jovem e pela ação de
lhe impingir, à força, um beijo libidinoso, após ser derrubada ao solo e mantida subjugada
pelo agressor, que a imobilizou pressionando o joelho sobre seu abdômen. A agressão
sexual somente não prosseguiu porque o recorrido percebeu a aproximação de indivíduos
em uma motocicleta. Sem embargo, o Tribunal estadual emprega argumentação que
reproduz o que se identifica como a cultura do estupro, ou seja, a aceitação como natural
da violência sexual contra as mulheres, em odioso processo de objetificação do corpo
feminino. Reproduzindo pensamento patriarcal e sexista, ainda muito presente em nossa
sociedade, a Corte de origem entendeu que o ato não passou de um "beijo roubado". A
propósito, deve-se ter em mente que estupro é um ato de violência (e não de sexo). Busca-
se, sim, a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos diversos, como na
espécie, mas com intuito de subjugar, humilhar, submeter a vítima à força do agente,
consciente de sua superioridade física. Consoante já consolidado pelo STJ, o ato libidinoso
diverso da conjunção carnal, que caracteriza o crime de estupro, ao lado da conjunção
carnal, inclui "toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja
sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o
agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso" (AgRg REsp n. 1.154.806-RS, Rel.
Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 21/3/2012). Acrescento que toda a violência
narrada foi desconsiderada para dar lugar à revitimização da adolescente abusada, bem
como ao apoio à cultura permissiva da invasão à liberdade sexual, em regra, contra as
mulheres. Em verdade, o ato narrado nos autos não foi punido por não ser considerado
grave, o que, a meu ver, atenta contra a razão e o bom senso. Fez-se uma avaliação da
realidade na visão do agente e não na da vítima. Se tomada a ofendida como referência,
diversa seria a conclusão acerca da efetiva satisfação da lascívia, assim como da efemeridade
da violência. Para quem sofre abusos de natureza sexual, as marcas podem ter duração
eterna. A retórica perpetrada pela Corte local desconsidera, totalmente, a vontade da vítima
e a submete, em completa passividade, às investidas sexuais dos agentes dos crimes dessa
natureza. Ou seja, para o tribunal de origem pouco importaram a ausência do
consentimento e a súplica da vítima para o réu cessar as violentas investidas tendentes, sim,
à satisfação da lascívia do agressor. A prevalência desse pensamento ruboriza o Judiciário e
não pode ser tolerada. REsp 1.611.910-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por
unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 27/10/2016.

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Estupro de Vulnerável

STF. Informativo nº 837


(Primeira Turma)

Tipificação de conduta e ausência de contrarrazões e de intimação do defensor


A Primeira Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no
qual se discutia nulidade de apelação, em face da ausência de contrarrazões da defesa e da
intimação do defensor para o julgamento. Debatia-se, também, o alcance do disposto no
art. 217-A do Código Penal [“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze)
anos”], ou seja, o enquadramento jurídico do fato — se ato libidinoso ou estupro de
vulnerável — e o princípio da proporcionalidade da pena em relação à conduta descrita.
Na espécie, constara na denúncia que teria havido a prática de atos libidinosos no
interior de veículo automotor e que o recorrente teria constrangido a menor ao passar as
mãos nas coxas e seios dela. Em juízo, a vítima relatara não ter havido penetração vaginal,
em oposição ao que afirmado na fase de investigação — v. Informativo 833.
A Turma consignou que a hipótese dos autos não configuraria nulidade, tendo em
vista que o advogado do recorrente não seria defensor dativo, mas profissional constituído
pelo recorrente. Além disso, o causídico fora regularmente intimado para apresentar
contrarrazões e não o fizera.
Acerca da matéria de fundo, destacou que a descrição da denúncia faria referência a
contato físico havido por dentro da roupa da vulnerável, que fora vitimada em um
conjunto de circunstâncias analisadas pelo tribunal de justiça estadual. Dessa forma,
estariam presentes os elementos configuradores do delito do art. 217-A do CP, a tipificar o
delito de estupro.
Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que provia o recurso. RHC 133121/DF,
rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/o acórdão Min. Edson Fachin 30.8.2016. (RHC-133121)

STJ. Informativo nº 587


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. DESNECESSIDADE DE CONTATO FÍSICO PARA


DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIME DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL.
A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento,
menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para
a apuração do delito de estupro de vulnerável. A maior parte da doutrina penalista

71
pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso
constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do CP, sendo irrelevante, para a consumação
dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. No caso, cumpre ainda
ressaltar que o delito imputado encontra-se em capítulo inserto no Título VI do CP, que
tutela a dignidade sexual. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões
de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência
a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada
enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena. RHC 70.976-MS, Rel. Min.
Joel Ilan Paciornik, julgado em 2/8/2016, DJe 10/8/2016.

Aborto

STF. Informativo nº 849


(Primeira Turma)

Aborto consentido e direitos fundamentais da mulher


A Primeira Turma, por maioria, não conheceu de “habeas corpus”, por entendê-lo
incabível na espécie. Porém, concedeu a ordem de ofício em favor de pacientes presos
cautelarmente em razão do suposto cometimento dos crimes descritos nos arts. 126 e 288
do Código Penal (CP) (aborto consentido e formação de quadrilha), para afastar a custódia
preventiva.
Assentou não estarem presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar
(Código de Processo Penal, art. 312). Afinal, os pacientes são primários e com bons
antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e
cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação.
Reputou ser preciso conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 124 a
126 do CP, que tipificam o crime de aborto, para excluir do seu âmbito de incidência a
interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa
hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da
proporcionalidade.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem.
HC 124306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em
29.11.2016. (HC-124306)

Lei de Drogas

STF. Informativo nº 818


(Segunda Turma)
Pureza da droga e dosimetria da pena

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O grau de pureza da droga é irrelevante para fins de dosimetria da pena. Essa a conclusão da
Segunda Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus” impetrado em favor de
denunciado pela suposta prática do crime descrito no art. 33, “caput”, c/c o art. 40, I e III,
todos da Lei 11.343/2006. A defesa sustentava que deveria ser realizado laudo pericial a aferir a
pureza da droga apreendida, para que fosse possível verificar a dimensão do perigo a que
exposta a saúde pública, de modo que a reprimenda fosse proporcional à potencialidade lesiva
da conduta. A Turma entendeu ser desnecessário determinar a pureza do entorpecente. De
acordo com a lei, preponderam apenas a natureza e a quantidade da droga apreendida para o
cálculo da dosimetria da pena.
HC 132909/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 15.3.2016. (HC-132909)

STF. Informativo nº 819


(Segunda Turma)

Regime inicial e tráfico de drogas


É legítima a fixação de regime inicial semiaberto, tendo em conta a quantidade e a
natureza do entorpecente, na hipótese em que ao condenado por tráfico de entorpecentes
tenha sido aplicada pena inferior a 4 anos de reclusão. Esse o entendimento da Segunda
Turma ao indeferir a ordem em “habeas corpus”. O Colegiado destacou que, no caso, o
acórdão recorrido fixara o regime inicial semiaberto baseando-se na quantidade e natureza
do entorpecente, observado o quanto disposto no art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do CP c/c o art.
42 da Lei 11.343/2006, em harmonia com a jurisprudência consolidada do STF (HC
131.887/SC, DJe de 7.3.2016).
HC 133308/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 29.3.2016. (HC133308)

STF. Informativo nº 821


(Primeira Turma)

Tráfico de entorpecentes: fixação do regime e substituição da pena


Não se tratando de réu reincidente, ficando a pena no patamar de quatro anos e
sendo as circunstâncias judiciais positivas, cumpre observar o regime aberto e apreciar a
possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Com
esse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, concedeu “habeas corpus” de ofício para
garantir ao paciente, condenado à pena de um ano e oito meses de reclusão pela prática do
delito de tráfico de drogas, a fixação do regime inicial aberto, bem como a substituição da
reprimenda por duas penas restritivas de direito, a serem definidas pelo juízo da execução
criminal. O Colegiado ressaltou não haver circunstâncias aptas a exasperar a pena. Vencidos
os Ministros Rosa Weber (relatora) e Marco Aurélio. Ambos concediam a ordem de oficio,

73
mas para efeitos distintos. A relatora, para determinar que o magistrado de 1º grau
procedesse a nova avaliação quanto ao regime inicial de cumprimento da pena e à
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O Ministro Marco
Aurélio, para fixar o cumprimento da pena em regime aberto e reconhecer o direito à
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
HC 130411/SP, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 12.4.2016. (HC-
130411)

STF. Informativo nº 821


(Segunda Turma)

Tráfico de entorpecentes: fixação do regime e substituição da pena


Não sendo o paciente reincidente, nem tendo contra si circunstâncias judiciais
desfavoráveis (CP, art. 59), a gravidade em abstrato do crime do art. 33, “caput”, da Lei
11.343/2006, não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais
gravoso. Com esse entendimento, a Segunda Turma, após superar o óbice do Enunciado 691
da Súmula do STF, concedeu “habeas corpus” de ofício para garantir ao paciente, condenado
à pena de um ano e oito meses de reclusão pela prática do delito de tráfico de drogas, a
substituição da reprimenda por duas penas restritivas de direitos, a serem estabelecidas pelo
juízo das execuções criminais, bem assim a fixação do regime inicial aberto. O Colegiado
entendeu que o paciente atende aos requisitos do art. 44 do CP, razão pela qual o juízo deve
considerá-los ao estabelecer a reprimenda, de acordo com o princípio constitucional da
individualização da pena.
HC 133028/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 12.4.2016. (HC-133028)

STF. Informativo nº 831


(Plenário)

Tráfico privilegiado e crime hediondo


O crime de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda. Por
conseguinte, não são exigíveis requisitos mais severos para o livramento condicional (Lei
11.343/2006, art. 44, parágrafo único) e tampouco incide a vedação à progressão de regime
(Lei 8.072/1990, art. 2º, § 2º) para os casos em que aplicada a causa de diminuição prevista
no art. 33, §4°, Lei 11.343/2006. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria,
concedeu a ordem de “habeas corpus” para afastar a natureza hedionda de tal delito. No
caso, os pacientes foram condenados pela prática de tráfico privilegiado, e a sentença de 1º
grau afastara a natureza hedionda do delito. Posteriormente, o STJ entendera caracterizada
a hediondez, o que impediria a concessão dos referidos benefícios — v. Informativos 791 e

74
828. O Tribunal superou a jurisprudência que se firmara no sentido da hediondez do
tráfico privilegiado. Sublinhou que a previsão legal seria indispensável para qualificar um
crime como hediondo ou equiparado. Assim, a partir da leitura dos preceitos legais
pertinentes, apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, “caput”
e § 1º, da Lei 11.343/2006 seriam equiparadas a crimes hediondos. Entendeu que, para
alguns delitos e seus autores, ainda que se tratasse de tipos mais gravemente apenados,
deveriam ser reservadas algumas alternativas aos critérios gerais de punição. A legislação
alusiva ao tráfico de drogas, por exemplo, prevê a possibilidade de redução da pena, desde
que o agente seja primário e de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e
nem integre organização criminosa. Essa previsão legal permitiria maior flexibilidade na
gestão da política de drogas, pois autorizaria o juiz a avançar sobre a realidade pessoal de
cada autor. Além disso, teria inegável importância do ponto de vista das decisões de política
criminal.
A Corte observou que, no caso do tráfico privilegiado, a decisão do legislador fora no
sentido de que o agente deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia
o alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas. As circunstâncias legais do
privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de punição
dessas pessoas. Não se poderia, portanto, chancelar-se a hediondez a essas condutas, por
exemplo. Assim, a imposição de pena não deveria estar sempre tão atrelada ao grau de
censura constante da cominação abstrata dos tipos penais. O juiz deveria ter a possibilidade
de exame quanto à adequação da sanção imposta e o respectivo regime de cumprimento, a
partir do exame das características específicas na execução de determinados fatos, cujo
contexto em que praticados apresentasse variantes socialmente relevantes em relação ao
juízo abstrato de censura cominada na regra geral. De outro lado, o art. 33, § 4º, da Lei
11.343/2006 mereceria crítica na medida em que proíbe a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direito. Assentou, ainda, que a etiologia do crime privilegiado
seria incompatível com a natureza hedionda. Além disso, os Decretos 6.706/2008 e
7.049/2009 beneficiaram com indulto os condenados pelo tráfico de entorpecentes
privilegiado, a demonstrar inclinação no sentido de que esse delito não seria hediondo.
Demais disso, cumpre assinalar que o crime de associação para o tráfico, que reclama liame
subjetivo estável e habitual direcionado à consecução da traficância, não seria equiparado a
hediondo. Dessa forma, afirmar que o tráfico minorado fosse considerado hediondo
significaria que a lei ordinária conferiria ao traficante ocasional tratamento penal mais
severo que o dispensado ao agente que se associa de forma estável para exercer a
traficância de modo habitual, a escancarar que tal inferência consubstanciaria violação aos
limites que regem a edição legislativa penal. Vencidos os Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e

75
Marco Aurélio, que denegavam o “writ”. Reajustaram os votos os Ministros Edson Fachin,
Teori Zavascki e Rosa Weber.
HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2016. (HC-118533)

STF. Informativo nº 843


(Primeira Turma)

“Habeas corpus” e regime de cumprimento de pena


A Primeira Turma, por maioria, concedeu a ordem em “habeas corpus” em que se
pretendia alterar o regime inicial de cumprimento de pena e substituir a pena privativa de
liberdade pela restritiva de direitos.
Na espécie, o paciente foi condenado à pena de dois anos de reclusão, em regime
inicial fechado, e ao pagamento de duzentos dias-multa. Isso ocorreu em razão da prática
do delito tipificado no art. 33, “caput”, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), com a
incidência de causa de diminuição da pena prevista no § 4º do referido dispositivo legal.
Segundo a defesa, não haveria justificativa legal para a imposição de regime inicial
fechado de cumprimento da pena. Alegava, ainda, que seria inconstitucional a vedação da
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos no âmbito da Lei de
Drogas e que o paciente, antes da concessão da medida liminar, já teria cumprido mais da
metade da pena em regime fechado.
A Turma decidiu que, em caso de réu não reincidente, tendo sido a pena base
fixada em seu mínimo legal e sendo positivas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59
do Código Penal (CP), é cabível a imposição do regime aberto de cumprimento da pena e a
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, a teor dos arts. 33 e 44
do CP.
Os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber, com ressalva de seus entendimentos
pessoais quanto ao não cabimento do “writ”, impetrado contra decisão monocrática de
ministro do Superior Tribunal de Justiça, concederam a ordem de ofício, nos termos do
voto do ministro Marco Aurélio (relator).
Vencido o ministro Edson Fachin, que denegava a ordem por entender que a
natureza e a quantidade da substância ou do produto, bem como a personalidade e a
conduta social do agente deveriam preponderar sobre as circunstâncias judiciais genéricas
do art. 59 do CP, conforme dicção expressa do art. 42 da Lei de Drogas. HC 129714/SP,
rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 11.10.2016. (HC-129714)

STF. Informativo nº 844


(Primeira Turma)

76
Causa de diminuição e Lei de Drogas
A Primeira Turma, ante o empate na votação, denegou a ordem em “habeas
corpus”, no qual se pretendia a aplicação da causa de diminuição da pena prevista no art.
33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).
Na espécie, o paciente foi condenado à pena de oito anos e três meses de reclusão,
em regime inicial fechado, e ao pagamento de 833 dias-multa, pela prática de tráfico de
entorpecentes (art. 33, “caput”, da Lei de Drogas), com a incidência da causa de aumento
prevista no art. 40, V, do referido diploma legal.
Segundo a defesa, o paciente — que teria exercido apenas a função de “mula” do
tráfico — preencheria todos os requisitos para a incidência da causa de diminuição, sendo
inadmissível afastar sua aplicação por meras suposições a respeito de sua participação em
grupo criminoso.
A defesa alegava, ainda, que o juízo sentenciante considerou a quantidade de droga
apreendida tanto na dosimetria da pena-base, como na exclusão da causa de diminuição
prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
O Colegiado entendeu que, na análise das circunstâncias judiciais (art. 59 do Código
Penal), a quantidade de entorpecente não foi observada para a dosimetria da pena-base,
fixada no mínimo legal. Consignou, também, não ser crível que o paciente — surpreendido
com 500 kg de maconha — não esteja integrado, de alguma forma, a organização
criminosa, circunstância que justificaria o afastamento da incidência da causa de diminuição
prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas.
Os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber, por sua vez, não conheceram do
“writ”, por ter sido impetrado em substituição ao recurso ordinário cabível. HC
130981/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 18.10.2016. (HC-130981)

STF. Informativo nº 849


(Segunda Turma)

Causa de diminuição da pena e quantidade de droga apreendida


A Segunda Turma concedeu em parte a ordem em "habeas corpus" no qual se
pretendia a incidência da causa especial de diminuição da pena do art. 33, § 4º, da Lei
11.343/2006, com a consequente modificação do regime inicial de cumprimento e a
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.
No caso, o paciente foi condenado à pena de três anos de reclusão, em regime
semiaberto, pela prática do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, “caput”, da Lei
11.343/2006.

77
A impetração sustentava que a quantidade e a natureza da droga apreendida não
poderiam afastar a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
11.343/2006. Aduzia que a redução da pena passaria a ser direito subjetivo do acusado,
uma vez preenchidos os requisitos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (entre os quais não
estão contempladas a quantidade ou a qualidade do entorpecente).
O Colegiado verificou que, embora o juízo de 1º grau tenha reconhecido a presença
de todos os requisitos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (primariedade, bons
antecedentes, ausência de dedicação a atividades criminosas e de integração a organização
criminosa), a quantidade de entorpecente foi o único fundamento utilizado para afastar a
aplicação do redutor do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Por essa razão, entendeu, em
conformidade com precedentes da Turma, que a quantidade de drogas não constitui
isoladamente fundamento idôneo para negar o benefício da redução da pena. HC
138138/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 29.11.2016. (HC-138138)

STJ. Informativo nº 576


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA LEI


DE DROGAS AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS
COM CRIANÇA OU ADOLESCENTE.
A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de
associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo tempo, para agravar a pena como
causa de aumento do art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006. De acordo com a Lei n.
11.343/2006: "Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se: (...) VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou
adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade
de entendimento e determinação". Assim, é cabível a aplicação da majorante se o crime
envolver ou visar a atingir criança ou adolescente em delito de associação para o tráfico de
drogas configurado pela associação do agente com menor de idade. Precedentes citados:
HC 237.782-SP, Quinta Turma, DJe 21/8/2014; e REsp 1.027.109-SC, Quinta Turma, DJe
16/2/2009. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe
5/2/2016.

STJ. Informativo nº 576


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA LEI


DE DROGAS ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO.

78
O fato de o agente ter envolvido um menor na prática do tráfico e, ainda, tê-lo
retribuído com drogas, para incentivá-lo à traficância ou ao consumo e
dependência, justifica a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de
aumento de pena do art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006, ainda que haja fixação de
pena-base no mínimo legal. Isso porque a jurisprudência do STJ posiciona-se no sentido
de que a aplicação da causa de aumento em patamar acima do mínimo é plenamente válida
desde que fundamentada na gravidade concreta do delito. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.

STJ. Informativo nº 576


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DA MESMA CAUSA DE AUMENTO DE PENA


DA LEI DE DROGAS A MAIS DE UM CRIME.
A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 pode ser aplicada
tanto para agravar o crime de tráfico de drogas (art. 33) quanto para agravar o de
associação para o tráfico (art. 35) praticados no mesmo contexto. Isso porque a causa
especial de aumento de pena incidiu sobre delitos diversos e totalmente autônomos, com
motivação e finalidades distintas. Precedentes citados: HC 183.441-RJ, Quinta Turma, DJe
2/9/2011; e AgRg no REsp 1.412.950-MG, Sexta Turma, DJe 3/11/2014. HC 250.455-
RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016.

STJ. Informativo nº 580


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAR CONDENAÇÕES


ANTERIORES PARA FINS DE MAUS ANTECEDENTES.
Mostrou-se possível a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.
11.343/2006 em relação a réu que, apesar de ser tecnicamente primário ao praticar o
crime de tráfico, ostentava duas condenações (a primeira por receptação culposa e
a segunda em razão de furto qualificado pelo concurso de pessoas) cujas penas
foram aplicadas no mínimo legal para ambos os delitos anteriores
(respectivamente, 1 mês em regime fechado e 2 anos em regime aberto, havendo
sido concedido sursis por 2 anos), os quais foram perpetrados sem violência ou
grave ameaça contra pessoa, considerando-se ainda, para afastar os maus
antecedentes, o fato de que, até a data da prática do crime de tráfico de drogas,
passaram mais de 8 anos da extinção da punibilidade do primeiro crime e da baixa
dos autos do segundo crime, sem que tenha havido a notícia de condenação do réu

79
por qualquer outro delito, de que ele se dedicava a atividades delituosas ou de que
integrava organização criminosa. De fato, de acordo com entendimento da Sexta Turma
do STJ, "À luz do artigo 64, inciso I, do Código Penal, ultrapassado o lapso temporal
superior a cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior, as condenações penais anteriores não prevalecem para fins de reincidência.
Podem, contudo, ser consideradas como maus antecedentes" (HC 292.474-RS, DJe
3/12/2014). Apesar disso, considerando as peculiaridades do caso concreto aqui analisado,
não há como afastar a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º
do art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) - segundo a qual, em relação aos delitos
previstos no caput e no 1º do dispositivo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois
terços "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas nem integre organização criminosa" - em razão da simples existência
de duas condenações transitadas em julgado com extinção da punibilidade há tanto tempo,
tendo em vista, ademais, que, além de o réu ser tecnicamente primário (art. 64, I, do CP) ao
praticar o crime em comento, não há notícias de que se dedique a atividades delituosas ou
de que integre organização criminosa. Saliente-se que, aqui, não se está a afirmar que o
mero decurso do período depurador da reincidência seja suficiente para, por si só, impedir
toda e qualquer valoração sobre os antecedentes, até porque a hipótese prevista no art. 64,
I, do CP trata tão somente da reincidência. Da mesma forma, não se está, simplesmente,
descuidando de observar o entendimento do STJ de que condenações prévias, com trânsito
em julgado há mais de 5 anos, apesar de não ensejarem reincidência, podem servir de
alicerce para valoração desfavorável dos antecedentes. Consigne-se apenas que eternizar a
valoração negativa dos antecedentes para afastar a minorante em questão, sem nenhuma
ponderação sobre as circunstâncias do caso concreto, não se coaduna com o Direito Penal
do fato. Nesse contexto, no RHC 2.227-MG (Sexta Turma, DJ 29/3/1993), já se afirmou
que a norma inserta no inciso I do art. 64 do CP "harmoniza-se com o sistema do Código
Penal que subscreve o princípio tempus omnia solvet", concluindo-se no sentido de que "Não
há, pois, estigma permanente no Direito Penal". Além disso, dois julgados da Quarta
Turma do STJ (o REsp 1.334.097-RJ, relativo ao caso conhecido como "Chacina da
Candelária", e o REsp 1.335.153-RJ, referente ao caso "Aida Curi", ambos publicados no
DJe 10/9/2013) tratam, na esfera civil, da extensão do dano pela violação do direito à
privacidade e do direito de ser deixado em paz (direito ao esquecimento). Não obstante, a
essência dessa doutrina - com adaptações e temperamentos, por óbvio - pode ser invocada
no caso, pois, no que diz respeito ao direito de ser esquecido, de que é titular aquele sobre
quem recai o peso de uma condenação penal, esclarece o voto lançado no referido REsp
1.334.097-RJ: Aquele que já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade

80
"há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária
[...] o direito ao esquecimento que assiste ao condenado [...]. Por esse direito, então, aquele
que tenha cometido um crime, todavia já cumprida a pena respectiva, vê a propósito
preservada sua privacidade, honra e imagem. Cuida-se inclusive de garantir ou facilitar a
interação e reintegração do indivíduo à sociedade, quando em liberdade, cujos direitos da
personalidade não podem, por evento passado e expirado, ser diminuídos. [...] E é por essa
ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade,
como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional
de regenerabilidade da pessoa humana". Também não se pode deixar de mencionar o HC
256.210-SP (DJe 13/12/2013), no qual a Sexta Turma do STJ, à unanimidade, concluiu -
agora, sim, especificamente no âmbito do Direito Penal - que o lapso temporal entre a
última condenação e a prática da infração apurada naquele writ (quase 14 anos) justificava a
não influência das condenações anteriores (que se originaram de condutas perpetradas nas
décadas de 70, 80 e 90) para fins de exasperação da pena-base, a título de maus
antecedentes. Ademais, o STF (HC 126.315-SP, Segunda Turma, DJe 7/12/2015) aqueceu
a discussão a respeito da estipulação de um prazo limite para se considerar uma
condenação como maus antecedentes. Na ocasião, destacou-se a impossibilidade de que se
atribua à condenação o status de perpetuidade, sob o fundamento de que "a possibilidade de
sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad
aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade". Aliás, foi
também por esses fundamentos que o legislador de 1977, mediante a alteração na Parte
Geral do CP ocasionada pela Lei n. 6.146, instituiu a temporalidade para a reincidência e
positivou o "período depurador" no art. 46, parágrafo único, então vigente, denominado no
item 13 da respectiva Exposição de Motivos como "prescrição da reincidência", e cuja
previsão normativa foi mantida no art. 64, I, do atual Código. Além do mais, deve-se
considerar a advertência doutrinária segundo o qual "a proibição de penas perpétuas é um
corolário da orientação humanitária ordenada pela Constituição, como princípio orientador
da legislação penal". Sendo assim, não se pode tornar perpétua a valoração negativa dos
antecedentes, nem perenizar o estigma de criminoso para fins de aplicação da pena, sob
pena de violação da regra geral que permeia o sistema. Afinal, a transitoriedade é
consectário natural da ordem das coisas. Se o transcurso do tempo impede que
condenações anteriores configurem reincidência, esse mesmo fundamento - o lapso
temporal - deve ser sopesado na análise das condenações geradoras, em tese, de maus
antecedentes. De mais a mais, embora o STF ainda não tenha decidido o mérito do RE
593.818-SC - que, em repercussão geral já reconhecida (DJe 3/4/2009), decidirá se existe
ou não um prazo limite para se sopesar uma condenação anterior como maus antecedentes

81
-, no caso aqui analisado, firme na ideia que subjaz à temporalidade dos antecedentes
criminais, devem ser relativizados os dois registros penais tão antigos do acusado, de modo
a não lhes imprimir excessivo relevo a ponto de impedir a incidência da minorante descrita
no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. REsp 1.160.440-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 17/3/2016, DJe 31/3/2016.

STJ. Informativo nº 582


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. CLASSIFICAÇÃO DE SUBSTÂNCIA COMO DROGA PARA


FINS DA LEI N. 11.343/2006.
Classifica-se como "droga", para fins da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), a
substância apreendida que possua canabinoides - característica da espécie vegetal
Cannabis sativa -, ainda que naquela não haja tetrahidrocanabinol (THC).
Inicialmente, emerge a necessidade de se analisar o preceito contido no parágrafo único do
art. 1º da Lei de Drogas, segundo o qual "consideram-se como drogas as substâncias ou os
produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União". Em acréscimo,
estabelece o art. 66 da Lei de Drogas que, "Para fins do disposto no parágrafo único do art.
1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito,
denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob
controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998". Verifica-se, assim,
que, sistematicamente, por uma opção legislativa, o art. 66 ampliou o universo de
incidência dos comandos proibitivos penais. Portanto, a definição do que sejam "drogas",
capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n.
344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Nesse contexto, por
ser constituída de um conceito técnico-jurídico, só será considerada droga o que a lei (em
sentido amplo) assim o reconhecer. Desse modo, mesmo que determinada substância cause
dependência física ou psíquica, se ela não estiver prevista no rol das substâncias legalmente
proibidas, ela não será tratada como droga para fins de incidência da Lei n. 11.343/2006.
Salientado isso, nota-se que a Cannabis sativa integra a Lista E da Portaria n. 344/1998 da
Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que, em última análise, a define
como planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Essa mesma
lista traz um adendo de que "ficam também sob controle todos os sais e isômeros das
substâncias obtidas a partir das plantas elencadas acima". Portanto, irrelevante, para a
comprovação da materialidade de delito, o fato de laudo pericial não haver revelado a
presença de tetrahidrocanabinol (THC) - um dos componentes ativos da Cannabis sativa - na

82
substância se constatada a presença de canabinoides, característicos da espécie vegetal
Cannabis sativa, que integram a Lista E da Portaria n. 344/1998 e causam dependência.
Ressalte-se que essa também tem sido a compreensão adotada pelo STF, o qual, no
julgamento do HC 122.247-DF (Segunda Turma, DJe 2/6/2014), firmou entendimento no
sentido de que "a ausência de indicação, no laudo toxicológico, de um dos princípios ativos
do entorpecente vulgarmente conhecido como 'maconha' não impede a caracterização da
materialidade delitiva". Por fim, saliente-se que a própria Portaria n. 344/1998 determina,
em seu art. 95, que plantas, substâncias e/ou medicamentos de uso proscrito no Brasil
(Lista E e Lista F) serão incinerados. Ou seja, se a própria portaria integradora dos tipos
penais relacionados na Lei de Drogas determinou, expressamente, que as plantas
integrantes da Lista E serão incineradas, seria ilógico instituir sua apreensão e incineração,
se proscritas não fossem. Precedente citado do STF: HC 116.312-RS, Primeira Turma, DJe
3/10/2013. REsp 1.444.537-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
12/4/2016, DJe 25/4/2016.

STJ. Informativo nº 582


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DA MINORANTE PREVISTA NO ART.


33, § 4º, DA LEI DE DROGAS.
Ainda que a dedicação a atividades criminosas ocorra concomitantemente com o
exercício de atividade profissional lícita, é inaplicável a causa especial de
diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas).
De início, destaca-se que, para viabilizar a aplicação da causa de diminuição de pena
prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, são exigidos, além da primariedade e dos
bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa e que não se
dedique a atividades delituosas. De fato, a razão de ser da mencionada minorante é
justamente punir com menor rigor o pequeno traficante, ou seja, aquele indivíduo que não
faz do tráfico de drogas o seu meio de vida. Nesse contexto, o aludido § 4º do art. 33, ao
prever que o acusado não deve se dedicar a atividades criminosas, não exige, em nenhum
momento, que essa dedicação seja exercida com exclusividade. Portanto, a aplicação da
minorante é obstada ainda que o agente exerça, concomitantemente, atividade profissional
lícita. REsp 1.380.741-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/4/2016,
DJe 25/4/2016.

STJ. Informativo nº 586


(Quinta Turma)

83
DIREITO PENAL. BIS IN IDEM E TRÁFICO COMETIDO NAS DEPENDÊNCIAS
DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL.
É indevido o emprego da circunstância de o crime ter sido cometido nas
dependências de estabelecimento prisional para fundamentar tanto o quantum de
redução na aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006
como a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da mesma lei. Isso porque
essa situação configura bis in idem. HC 313.677-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 21/6/2016, DJe 29/6/2016.

STJ. Informativo nº 586


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE SIMULTÂNEA DE


TRANSNACIONALIDADE E DE INTERESTADUALIDADE EM TRÁFICO DE
DROGAS.
No tráfico ilícito de entorpecentes, é inadmissível a aplicação simultânea das
causas especiais de aumento de pena relativas à transnacionalidade e à
interestadualidade do delito (art. 40, I e V, da Lei n. 11.343/2006), quando não
comprovada a intenção do importador da droga de difundi-la em mais de um
estado do território nacional, ainda que, para chegar ao destino final pretendido,
imperativos de ordem geográfica façam com que o importador transporte a
substância através de estados do país. De fato, sem a existência de elementos concretos
acerca da intenção do importador dos entorpecentes de pulverizar a droga em outros
estados do território nacional, não se vislumbra como subsistir a majorante prevista no
inciso V do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas) em concomitância com a causa
especial de aumento relativa à transnacionalidade do delito (art. 40, I, da Lei de Drogas),
sob pena de bis in idem. Precedente citado: AgRg no REsp 1.273.754-MS, Quinta Turma,
DJe 17/11/2014. HC 214.942-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
16/6/2016, DJe 28/6/2016.

Lei Maria da Penha

STF. Informativo nº 825


(Segunda Turma)

Princípio da insignificância e violência doméstica


Inadmissível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos praticados em
situação de violência doméstica. Com base nessa orientação, a Segunda Turma negou
provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pleiteava a incidência de tal

84
princípio ao crime de lesão corporal cometido em âmbito de violência doméstica contra a
mulher (Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha). RHC 133043/MT, rel. Min. Cármen Lúcia,
10.5.2016. (RHC-133043)

STJ. Informativo nº 574


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HC E MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA


LEI MARIA DA PENHA.
Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida
protetiva de urgência consistente na proibição de aproximar-se de vítima de
violência doméstica e familiar. O eventual descumprimento de medidas protetivas
arroladas na Lei Maria da Penha pode gerar sanções de natureza civil (art. 22, § 4º, da n. Lei
11.340/2006, c/c art. 461, §§ 5º e 6º do CPC), bem como a decretação de prisão
preventiva, de acordo com o art. 313, III, do CPP (HC 271.267-MS, Quinta Turma, DJe
18/11/2015). Ademais, prevê o CPP o seguinte: "Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua
liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar". Se o paciente não pode
aproximar-se da vítima ou de seus familiares, decerto que se encontra limitada a sua
liberdade de ir e vir. Assim, afigura-se cabível a impetração do habeas corpus. HC 298.499-
AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 1º/12/2015, DJe 9/12/2015.

Estatuto do Desarmamento

STF. Informativo nº 826


(Segunda Turma)

Uso de munição como pingente e atipicidade


É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição
desacompanhada de arma. Com base nessa orientação, a Segunda Turma concedeu a
ordem em “habeas corpus” para restabelecer a decisão de tribunal local que absolvera o
paciente. Na espécie, o paciente portava — como pingente — munição de uso proibido
sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Lei
10.826/20013, art. 16, “caput”). Condenado em primeira instância à pena de três anos de
reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, fora absolvido pelo tribunal
local. Segundo a Corte estadual, a conduta imputada ao sentenciado não representava
qualquer perigo de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado pelo art. 16, “caput”,
da Lei 10.826/2003. A condenação fora restabelecida pelo STJ para afastar a atipicidade da
conduta, objeto do presente “habeas”. A Turma apontou que, no caso concreto, o

85
comportamento do paciente não oferecera perigo, abstrato ou concreto. HC 133984/MG,
rel. Min. Cármen Lúcia, 17.5.2016. (HC-133984)

STF. Informativo nº 844


(Primeira Turma)

Porte ilegal de munição e princípio da insignificância


A Primeira Turma denegou a ordem em “habeas corpus”, no qual se pretendia o
reconhecimento da atipicidade material da conduta do paciente, caracterizada pelo porte
ilegal de munição de uso permitido (art. 14, “caput”, da Lei 10.863/2003).
No caso, o paciente foi condenado à pena de dois anos e dois meses de reclusão,
em regime aberto, e ao pagamento de 11 dias-multa, em razão do porte de projétil de arma
de fogo. A pena privativa foi substituída por duas restritivas de direito.
A defesa alegava ser irrelevante a conduta praticada pelo paciente, bem como
estarem presentes todos os requisitos exigidos pela Corte para a incidência do princípio da
bagatela. Destacava a existência de precedentes deste Tribunal, nos quais assentada a
aplicabilidade desse princípio a delitos de perigo abstrato (porte de drogas para consumo,
desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicações, pesca irregular e moeda
falsa, por exemplo). Apontava, ademais, a desproporcionalidade entre a conduta do
paciente e a reprimenda imposta.
Para o Colegiado, porém, a configuração da conduta tipificada no art. 14, “caput”,
da Lei 10.826/2003 (“Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:”) não depende do tipo ou da
quantidade da munição portada pelo agente. HC 131771/RJ, rel. Min. Marco Aurélio,
18.10.2016. (HC-131771)

STJ. Informativo nº 581


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO POR VIGIA APÓS O HORÁRIO


DE EXPEDIENTE.
O fato de o empregador obrigar seu empregado a portar arma de fogo durante o
exercício das atribuições de vigia não caracteriza coação moral irresistível (art. 22
do CP) capaz de excluir a culpabilidade do crime de "porte ilegal de arma de fogo
de uso permitido" (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) atribuído ao empregado que tenha
sido flagrado portando, em via pública, arma de fogo, após o término do expediente

86
laboral, no percurso entre o trabalho e a sua residência. De fato, não parece aceitável
admitir a tese de que o vigia estava sob influência de coação moral irresistível, porquanto,
quando praticou a conduta proibida, ele estava fora do horário e do ambiente de trabalho,
livre, portanto, da relação de subordinação que o obrigava a portar arma de fogo de modo
ilegal. Sob esse prisma, não há porque supor a indução do comportamento delitivo por
força externa determinante, infligida pelo empregador. A verdade é que não há espaço para
aplicação da regra disposta no art. 22 do CP ("Se o fato é cometido sob coação irresistível
ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é
punível o autor da coação ou da ordem"). Assim, a inexigibilidade de conduta diversa
somente funciona como causa de exclusão da culpabilidade quando proceder de forma
contrária à lei se mostrar como única alternativa possível diante de determinada situação. Se
há outros meios de solução do impasse, a exculpante não se caracteriza. Ademais, "importa
não confundir, aqui, a atividade exercida pelo réu (vigia) com a de um vigilante (profissional
contratado por estabelecimentos financeiros ou por empresa especializada em prestação de
serviços de vigilância e transporte de valores), cuja categoria é regulamentada pela Lei nº
7.102/83, ao qual é assegurado o direito de portar armas de fogo, quando em efetivo
exercício da profissão" (REsp 1.221.960-SP, Sexta Turma, DJe 9/3/2011). REsp
1.456.633-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 5/4/2016, DJe
13/4/2016.

Lei de Segurança Nacional

STF. Informativo nº 827


(Plenário)

Lei de Segurança Nacional: dolo específico e desclassificação


Por não se tratar de questão envolvendo segurança nacional, o Plenário deu
provimento a recurso ordinário criminal para, afastada a tipificação do art. 12, parágrafo
único, da Lei 7.170/1983: a) desclassificar a imputação para a contravenção penal do art. 18
do Decreto-Lei 3.688/1941; b) reconhecer a nulidade “ab initio” do processo, diante da
incompetência constitucional da Justiça Federal (CF, art. 109, IV); e c) declarar extinta a
punibilidade do recorrente, pela prescrição da pretensão punitiva, com fundamento nos
artigos 107, IV, e 109, V, ambos do CP. No caso, o recorrente fora condenado, como
incurso nas sanções do art. 12, parágrafo único, da Lei 7.170/1983, à pena de quatro anos e
oito meses de reclusão, por guardar e transportar material militar privativo das Forças
Armadas. Sustentava, entretanto, que a tipificação do delito exigiria a comprovação do dolo
específico, qual seja, a motivação política. Defendia que sua intenção era roubar uma
agência bancária, sem motivação política, de modo a não haver ameaça à segurança

87
nacional. O Colegiado entendeu não haver motivação política ou intenção de lesar ou
expor a perigo de lesão: a) a integridade territorial e a soberania nacional; b) o regime
representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; e c) a pessoa dos chefes
dos Poderes da União, a fazer incidir a Lei de Segurança Nacional. Além disso, à época dos
fatos (1997) não estava em vigência o Estatuto do Desarmamento, de modo que a
legislação aplicável era a Lei das Contravenções Penais. RC 1472/MG, rel. Min. Dias
Toffoli, 25.5.2016. (RC-1472)

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

Princípio da Duração Razoável do Processo

STF. Informativo nº 848


(Segunda Turma)

“Habeas corpus” e razoável duração do processo


A Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia
atribuir celeridade ao julgamento do mérito de REsp no STJ.
A defesa alegava que a demora no julgamento do recurso violaria o princípio do
devido processo legal, que pressupõe a célere prestação jurisdicional, sobretudo quando o
bem jurídico em questão é a liberdade do cidadão e da justiça efetiva ou celeridade
processual.
O Colegiado assentou que, em regra, o grande volume de trabalho do STJ permite
flexibilizar, em alguma medida, o princípio constitucional da razoável duração do processo.
No caso, contudo, a demora demasiada para o julgamento do recurso, em razão do
elevado número de substituição de relatores — no total de cinco substituições —,
configura negativa de prestação jurisdicional e flagrante constrangimento ilegal sofrido pelo
paciente. Tal circunstância justifica a concessão da ordem para determinar que o STJ julgue
o recurso imediatamente. HC 136435/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
22.11.2016. (HC-136435)

Princípio da Ampla Defesa

STF. Informativo nº 814


(Segunda Turma)

Termo de colaboração premiada e Súmula Vinculante 14


A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em
reclamação em que se pretendia a obtenção de acesso a termos de colaboração premiada
colhidos em sede de investigação criminal. No caso, a autoridade reclamada obstara acesso
ao reclamante — denunciado em ação penal — quanto a termos relativos a fatos não
relacionados à inicial acusatória. Entretanto, permitira acesso no que se refere ao termo no
qual fundada a denúncia. Sustentava-se ofensa ao Enunciado 14 da Súmula Vinculante (“É
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”). O
Colegiado assinalou que esse enunciado sumular assegura ao defensor legalmente

89
constituído o direito de acesso às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao
procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e providências
investigatórias ainda em curso de execução e, por isso, não documentadas no próprio
inquérito ou processo judicial. Lembrou que o conteúdo dos depoimentos pretendidos pelo
reclamante, embora posteriormente tornado público e à disposição, encontrava-se, à época
do ato reclamado, submetido a sigilo. Assim, enquanto não instaurado formalmente o
inquérito acerca dos fatos declarados, o acordo de colaboração e os correspondentes
depoimentos estariam sujeitos a estrito regime de sigilo. Instaurado o inquérito, o acesso
aos autos é restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de
garantir o êxito das investigações. Assegura-se ao defensor, no interesse do representado,
amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,
devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em
andamento. Entendeu, ademais, que seria recomendável não julgar o pleito prejudicado
porque, entre o pedido do reclamante e o levantamento do sigilo, vários atos processuais
teriam sido praticados. Dessa forma, a prejudicialidade poderia implicar a anulação de
vários desses atos. Vencido o Ministro Dias Toffoli, que julgava prejudicado o agravo.
Reputava que o termo de colaboração em debate já fora disponibilizado, tendo em vista
não estar mais sob sigilo, razão pela qual não haveria mais interesse processual. Rcl 22009
AgR/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 16.2.2016. (Rcl-22009)

Competência

STF. Informativo nº 819


(Primeira Turma)

Competência e crime cometido no estrangeiro por brasileiro


O fato de o delito ter sido cometido por brasileiro no exterior, por si só, não atrai a
competência da justiça federal, porquanto não teria ofendido bens, serviço ou interesse da
União (CF, art. 109, IV). Com base nessa orientação, a Primeira Turma, com ressalva da
posição majoritária quanto não conhecimento da impetração, porque substitutiva de
recurso extraordinário, denegou a ordem de “habeas corpus”. No caso, tratava-se de crime
em que a fase preparatória iniciou-se no Brasil, porém, a consumação ocorreu no
estrangeiro. O juízo de direito corregedor do tribunal do júri estadual declinou da
competência para a justiça federal que, por sua vez, suscitou conflito negativo de
competência. O STJ assentara incumbir o julgamento a um dos tribunais do júri estadual,
competente o juízo da capital do Estado onde por último residira o acusado. O inciso V do
art. 109 da CF prevê a competência da justiça federal quando, “... iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro...”. No Brasil houve a prática

90
de atos meramente preparatórios. O ato criminoso fora inteiramente cometido no exterior,
a afastar a incidência da mencionada regra constitucional, cuja interpretação há de ser
estrita. Fixada a competência da justiça estadual e definida a cidade de Ribeirão Preto como
o último domicílio do paciente no País, o julgamento compete a um dos tribunais do júri
do Estado de São Paulo, nos termos do art. 88 do CPP (“No processo por crimes
praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde
houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será
competente o juízo da Capital da República”).
HC 105461/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 29.3.2016. (HC-105461)

STJ. Informativo nº 586


(Terceira Seção)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM


FEDERAL PARA JULGAR MILITAR DA ATIVA.
Compete à Justiça Comum Federal - e não à Justiça Militar - processar e julgar a
suposta prática, por militar da ativa, de crime previsto apenas na Lei n. 8.666/1993
(Lei de Licitações), ainda que praticado contra a administração militar. A CF
preceitua no art. 124 que "À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares
definidos em lei". Os arts. 9º e 10 do CPM são normas de interpretação de quais são
exatamente os crimes militares. Quanto ao inciso II do art. 9º, são crimes militares os
"previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum,
quando praticados: [...] e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra
patrimônio sob administração militar, ou a ordem administrativa militar". O crime
licitatório, no caso, não está previsto no CPM e, embora supostamente praticado por
militar da ativa contra a administração militar, não encontra respaldo jurídico no Código
Penal Militar para se atribuir a competência à Justiça Castrense, uma vez que o art. 9º, II, e,
do CPM exige que o crime esteja expressamente previsto nesse código. Desse modo, para
configurar crime militar com base no art. 9º, I e II, necessariamente o delito deve constar
do rol de crimes previstos expressamente no CPM, sob pena de não ser considerado crime
militar e, por sua vez, ser afastada a competência da justiça especializada. Interpretar de
forma diversa é ampliar os crimes militares quando o legislador expressamente inseriu nos
incisos I e II que crime militar é aquele expresso no Código Penal Militar. CC 146.388-RJ,
Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/6/2016, DJe 1/7/2016.

STJ. Informativo nº 593


(Terceira Seção)

91
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA A HONRA DE
PARTICULAR SUPOSTAMENTE COMETIDOS DURANTE DEPOIMENTO
PRESTADO À PROCURADORIA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL.
Não compete à Justiça federal processar e julgar queixa-crime proposta por
particular contra particular, somente pelo fato de as declarações do querelado terem
sido prestadas na Procuradoria do Trabalho. Tratou-se de conflito de competência
negativo em razão da divergência entre Juízo federal e Juízo estadual para processar e julgar
ações penais privadas nas quais se buscava apurar a prática dos crimes de calúnia e
difamação pelos querelados, em depoimento prestado em inquérito civil instaurado por
Procuradoria Regional do Trabalho. Estando em análise nas queixas-crime a prática de
delitos contra a honra, e não de falso testemunho, tampouco se vislumbrando nos autos
indícios de que os depoimentos prestados por querelados perante o parquet trabalhista são
falsos, estaremos diante de verdadeira relação entre particulares e não haverá nenhum
interesse ou violação de direito que afete a União, de modo que a causa não se enquadrará
em nenhuma das hipóteses do art. 109 da Constituição Federal e não incidirá, assim, a
Súmula n. 165 do STJ, que assim dispõe: “compete a justiça federal processar e julgar crime
de falso testemunho cometido no processo trabalhista.” CC 148.350-PI, Rel. Min. Felix
Fischer, por unanimidade, julgado em 9/11/2016, DJe 18/11/2016.

Foro por Prerrogativa de Função

STF. Informativo nº 819


(Plenário)

Prerrogativa de foro e competência


Por reputar usurpada a competência do STF (CF, art. 102, I, “b”), o Plenário, por
maioria, referendou medida cautelar deferida em reclamação ajuizada pela Presidente da
República em face de decisão proferida nos autos de procedimento investigatório que
tramita perante juízo federal de primeira instância. Na espécie, a decisão objeto de
referendo (DJe de 30.3.2016) determinara a suspensão e a remessa ao STF do referido
procedimento, bem assim de quaisquer outros com o conteúdo de interceptação telefônica
em que captadas conversas mantidas entre a Presidente da República e investigado nos
autos do procedimento em questão. Determinara, ademais, a sustação dos efeitos de
decisão na qual autorizada a divulgação das conversações telefônicas interceptadas. O
Tribunal destacou que haveria dois dispositivos constitucionais fundamentalmente em
cotejo na espécie. O primeiro deles, a alínea “l” do inciso I do art. 102 da CF, a estabelecer,
nas hipóteses de cabimento da reclamação, a preservação de competência do STF. E o

92
segundo, a alínea “b” do inciso I do art. 102, a fixar a competência originária dessa Corte
para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da
República, entre outras autoridades. Assim, a reclamação teria por finalidade tutelar e
proteger em sua globalidade a competência institucional que a Constituição defere ao STF,
ou seja, o instrumento da reclamação deveria ser interpretado como meio de pronta e de
eficaz proteção da sua competência originária, da sua competência recursal ordinária e da
sua competência recursal extraordinária. No caso, o ato impugnado na reclamação estaria
projetado exatamente sobre a esfera de competência originária do STF, a quem incumbiria,
em sua condição de juiz natural, processar e julgar, nos processos penais condenatórios,
aquelas autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Por outro lado, competiria
igualmente ao STF, com exclusividade, emitir qualquer juízo a respeito do
desmembramento ou não de inquéritos ou processos nos quais se desse o surgimento de
questões jurídicas a envolver detentor de prerrogativa de foro. Vencidos, em parte, os
Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio. O Ministro Luiz Fux ressaltava que não se deveria
sobrestar as ações em relação a imputados que não detivessem prerrogativa de foro, porque
as ações não seriam conexas. Já o Ministro Marco Aurélio entendia que a manutenção da
liminar ensejaria a interrupção das investigações no juízo natural em relação àqueles sem a
prerrogativa de serem julgados pelo STF. Em seguida, o Plenário determinou a execução da
decisão liminar independentemente da publicação do acórdão. Rcl 23457 Referendo-
MC/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 31.3.2016. (Rcl-23457)

Conflito de Atribuições

STF. Informativo nº 826


(Plenário)

Conflito de atribuições e superfaturamento em construção de conjuntos


habitacionais
Compete ao PGR, na condição de órgão nacional do Ministério Público, dirimir
conflitos de atribuições entre membros do MPF e de Ministérios Públicos estaduais. Com
base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, não
conheceu de conflito de atribuições suscitado pelo Ministério Público do Estado do Paraná
em face do MPF, na hipótese em que investigado superfaturamento na construção de
conjuntos habitacionais em município paranaense — v. Informativo 707. Na espécie, os
valores para o financiamento das obras teriam sido disponibilizados pela Caixa Econômica
Federal (CEF), oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e colocadas
no mercado de consumo por meio do Sistema Financeiro de Habitação. A Corte afirmou
que o PGR exerceria a posição de chefe nacional do Ministério Público. Essa instituição —

93
apesar da irradiação de suas atribuições sobre distintos órgãos — seria una, nacional e, de
essência, indivisível. Quando a disciplina prevista nos parágrafos 1º e 3º do art. 128 da CF
distribui a chefia dos respectivos ramos do Ministério Público — da União e dos Estados,
respectivamente — outra coisa não seria pretendida senão a ordenação administrativa,
organizacional e financeira de cada um dos órgãos, o que reafirmaria a ausência de
hierarquia entre os órgãos federais e estaduais do Ministério Público nacional. Contudo,
assentada a obrigação constitucional de o PGR dirimir conflitos de atribuições, não se
relevaria, com isso, sua atuação como chefe do MPU, mas sim a identificação do PGR
como órgão nacional do “parquet”. Com efeito, em diversas passagens da Constituição
seria observada, de modo decisivo, a atribuição de poderes e deveres ao PGR, os quais,
especialmente por suas abrangências, não se confundiriam com as atribuições dessa
autoridade como chefe do MPU. Nesse sentido, entre outras hipóteses, o art. 103, VI, da
CF, fixa a competência do PGR para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade
e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF; o art. 103, § 1º, da CF,
determina que o PGR seja previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em
todos os processos de competência daquela Corte; o art. 103-B da CF atribui ao PGR a
escolha do membro do Ministério Público estadual que integra o CNJ, dentre os nomes
indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual. O órgão nacional, portanto,
encontrar-se-ia em posição conglobante dos Ministérios Públicos da União e dos Estados-
Membros. Por outro lado, as competências do STF e do STJ deteriam caráter taxativo, e
em nenhuma delas estaria previsto dirimir os conflitos de atribuições em questão. Por fim,
não se extrairia dessa situação conflito federativo apto a atrair a competência do STF. O
Ministro Roberto Barroso reajustou seu voto. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que
conhecia do conflito e estabelecia a atribuição do MPF para proceder à investigação
aventada. ACO 924/PR, rel. Min. Luiz Fux, 19.5.2016. (ACO-924)

Uso de Algemas

STF. Informativo nº 827


(Primeira Turma)

Reclamação e uso de algemas por ordem de autoridade policial


A apresentação do custodiado algemado à imprensa pelas autoridades policiais não
afronta o Enunciado 11 da Súmula Vinculante (“Só é lícito o uso de algemas em casos de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia,
por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da
prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do

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Estado”). Com base nessa orientação, a Primeira Turma julgou improcedente reclamação
ajuizada por custodiado que, preso preventivamente por ordem judicial, fora apresentado
algemado à imprensa por policiais civis estaduais. A Turma asseverou que a decisão judicial
que determinara a segregação do reclamante não determinara o uso de algemas. Destacou
que, embora evidenciado o emprego injustificado do referido artefato, seu manuseio
decorrera de ato administrativo da autoridade policial, situação não abarcada pelo verbete,
que se refere à prática de ato processual. As algemas teriam sido utilizadas um dia após a
prisão, quando o reclamante já se encontrava na delegacia de polícia, tão somente no
momento da exibição dos presos à imprensa. Assim, eventual responsabilização do Estado
ou dos agentes envolvidos, decorrente dos fatos noticiados na inicial, deve ser buscada na
via apropriada. Rcl 7116/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 24.5.2016. (Rcl-7116)

Notitia Criminis

STJ. Informativo nº 584


(Segunda Turma)

DIREITO CONSTITUCIONAL. OBRIGAÇÃO DE REMESSA DA


REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS.
A Delegacia da Receita Federal deve enviar ao Ministério Público Federal os autos
das representações fiscais para fins penais relativas aos crimes contra a ordem
tributária previstos na Lei n. 8.137/1990 e aos crimes contra a previdência social
(arts. 168-A e 337-A do CP), após proferida a decisão final, na esfera administrativa,
sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente, mesmo quando
houver afastamento de multa agravada. Inicialmente, o art. 83 da Lei n. 9.430/1996
determina que a Receita Federal envie ao Ministério Público Federal as representações
fiscais para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n.
8.137/1990 e aos crimes contra a previdência social (arts. 168-A e 337-A do CP), após
proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito
tributário correspondente. Por sua vez, segundo dispõe o art. 2º do Decreto n. 2.730/1998,
"Encerrado o processo administrativo-fiscal, os autos da representação fiscal para fins
penais serão remetidos ao Ministério Público Federal, se: I - mantida a imputação de multa
agravada, o crédito de tributos e contribuições, inclusive acessórios, não for extinto pelo
pagamento; II - aplicada, administrativamente, a pena de perdimento de bens, estiver
configurado em tese, crime de contrabando ou descaminho." Da leitura dos citados
dispositivos depreende-se nitidamente que o ato normativo secundário (isto é, o Decreto n.
2.730/1998) inovou no mundo jurídico, criando mais um obstáculo para o envio das
representações fiscais ao Ministério Público, como se fosse preceito normativo originário.

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Dessa forma, exorbitou da função meramente regulamentar dos Decretos expedidos pelo
Poder Executivo, conforme expresso no art. 84, IV, da CF. A propósito, "O ordenamento
jurídico pátrio não admite que o decreto regulamentador, no exercício de seu mister,
extrapole os limites impostos pela lei" (REsp 729.014-PR, Primeira Turma, DJe,
11/9/2007). REsp 1.569.429-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 5/5/2016, DJe 25/5/2016.

Investigação Criminal

STF. Informativo nº 812


(Segunda Turma)

Inquérito e acesso às provas


Diligências determinadas a requerimento do Ministério Público Federal são meramente
informativas, não suscetíveis ao princípio do contraditório. Desse modo, não cabe à defesa
controlar, “ex ante”, a investigação, de modo a restringir os poderes instrutórios do relator do
feito para deferir, desde logo, as diligências requeridas pelo Ministério Público que entender
pertinentes e relevantes para o esclarecimento dos fatos. Com base nessa orientação, a Segunda
Turma negou provimento a agravo regimental em inquérito interposto contra decisão do
relator que deferira diligências advindas da Procuradoria-Geral da República. Na espécie, a
investigada pretendia que a ela fosse concedida oportunidade de se manifestar previamente
sobre relatório de análise de informações bancárias e requerimento de diligências. A Turma
destacou que o Enunciado 14 da Súmula Vinculante assegura ao defensor legalmente
constituído do investigado o direito de pleno acesso ao inquérito, desde que se trate de provas
já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório. Excluídas,
consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução
e, por isso mesmo, não documentadas nos autos. Precedente citado: HC 93.767/DF (DJe de
1º.4.2014). Inq 3387 AgR/CE, rel. Min. Dias Toffoli, 15.12.2015. (Inq-3387)

STF. Informativo nº 819


(Primeira Turma)

HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo


Nos crimes de sonegação tributária, apesar de a jurisprudência do STF condicionar a
persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo, o mesmo não ocorre
quanto à investigação preliminar. Os crimes contra a ordem tributária ou de outra
modalidade delitiva podem ser tentados e consumados e jamais se entendeu pela
impossibilidade da investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes
da consumação. Com base nessa orientação, a Primeira Turma julgou extinto o “writ”, sem

96
resolução do mérito. Assentou a inadequação da via processual, por se tratar de “habeas
corpus” substitutivo do recurso ordinário constitucional. Porém, concedeu a ordem de
ofício para trancar a ação penal no que se refere aos crimes fiscais a envolver apropriação e
sonegação de contribuições previdenciárias descontadas de produtores rurais, ao crime de
lavagem de dinheiro tendo por antecedente a sonegação dessas mesmas contribuições
previdenciárias, e ao crime de sonegação da Cofins pertinente à parte quitada. Afirmou,
ainda, a inexistência de prejuízo na continuidade da ação penal em relação ao restante da
imputação. Na espécie, durante as investigações, iniciadas para apurar crimes de ordem
tributária, foram revelados, fortuitamente, indícios de crimes mais graves, especificamente
o de corrupção de agentes públicos para acobertar as atividades supostamente ilícitas. Os
pacientes respondem a ação penal por apropriação indébita previdenciária, associação
criminosa, falsidade ideológica, corrupção ativa e sonegação de contribuição previdenciária.
Além disso, são acusados de omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias. Pretendiam a nulidade da investigação porque: a) iniciada a partir de denúncia
anônima; b) fora autorizada interceptação telefônica para apurar crimes fiscais sem que
houvesse lançamento tributário definitivo; e c) os tributos sonegados seriam, em parte,
inválidos, e o remanescente teria sido quitado e parcelado.
A Turma, de início, reafirmou o entendimento da Corte no sentido de que notícias
anônimas não autorizam, por si sós, a propositura de ação penal ou mesmo, na fase de
investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de investigação, como
interceptação telefônica ou busca e apreensão. Entretanto, elas podem constituir fonte de
informação e de provas que não pode ser simplesmente descartada pelos órgãos do Poder
Judiciário. Assim, assentou a inexistência de invalidade na investigação instaurada a partir
de notícia crime anônima encaminhada ao MPF. Destacou que em um mundo no qual o
crime torna-se cada vez mais complexo e organizado, seria natural que a pessoa comum
tivesse receio de se expor ao comunicar a ocorrência de delito. Daí a admissibilidade de
notícias crimes anônimas. Nas investigações preliminares, ao se verificar a credibilidade do
que fora noticiado, a investigação poderia prosseguir, inclusive, se houvesse agregação de
novas provas e se preenchidos os requisitos legais, com o emprego de métodos especiais de
investigação ou mesmo com a propositura de ação penal, desde que, no último caso, as
novas provas caracterizassem justa causa. Elementos probatórios colhidos pelas
autoridades policiais teriam constatado a inexistência de registro de bens, imóveis e veículos
ou qualquer propriedade em nome dos sócios constantes no contrato social de empresa
cujos lançamentos tributários eram expressivos, o que poderia caracterizar não serem os
reais proprietários. Na situação dos autos, fora a interceptação telefônica que revelara os
indícios da prática de crimes mais relevantes. Não haveria que se falar, portanto, em

97
utilização indevida da notícia crime anônima, cujo tratamento observara a jurisprudência do
STF. Ademais, a investigação e a persecução penal teriam prosseguido com base nas provas
colacionadas a partir dela e não com fulcro exclusivo nela. De igual forma, as diligências
mais invasivas, como a interceptação telefônica, só foram deflagradas após a colheita de
vários elementos probatórios que corroboravam o teor da notícia anônima e que, por si só,
autorizavam a medida investigatória.
Quanto ao argumento de nulidade da investigação porquanto iniciada antes da
existência de lançamento tributário definitivo, a Turma citou a atual jurisprudência do STF,
que condicionaria a persecução por crime contra a ordem tributária à realização do
lançamento fiscal. O lançamento definitivo do crédito tributário constituiria atividade
privativa da autoridade administrativa e, sem tributo constituído, não haveria como
caracterizar o crime de sonegação tributária (HC 81.611/DF, DJU de 13.5.2005). Apesar de
a jurisprudência do STF condicionar a persecução penal à existência do lançamento
tributário definitivo, o mesmo não ocorreria relativamente à investigação preliminar.
Crimes poderiam ser tentados e consumados e jamais se entendera pela impossibilidade da
investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes da consumação. A
afirmação seria válida tanto para crimes contra a ordem tributária como para qualquer outra
modalidade delitiva. O Colegiado ressaltou que o tema do encontro fortuito de provas no
âmbito de interceptação telefônica fora abordado em alguns julgados da Corte. A validade
da investigação não estaria condicionada ao resultado, mas sim à observância do devido
processo legal. Na espécie, as provas dos crimes de corrupção fortuitamente colhidas no
curso da interceptação não pareceriam se revestir de ilicitude, pelo menos no exame que
comportam na via estreita do “habeas corpus”, independentemente do resultado obtido
quanto aos crimes contra a ordem tributária que motivaram o início da investigação.
A Turma frisou que os autos não estariam instruídos com cópia dos lançamentos
tributários, o que inviabilizaria uma análise precisa da alegada invalidade dos tributos
constituídos. Entretanto, em embargos opostos a sequestro incidente na ação penal, o
magistrado de primeiro grau teria prolatado sentença a reconhecer a inconstitucionalidade
de parte dos valores lançados, com reflexo no sequestro decretado. Ademais, os tributos
lançados consistiriam em contribuições descontadas de produtores rurais pessoas físicas e
incidentes sobre a receita proveniente da comercialização da produção de gado, tributo este
reputado inconstitucional pela Suprema Corte (RE 363.852/MG, DJe de 23.4.2010).
Declarados inconstitucionais tributos lançados contra a empresa, estaria afetada, na mesma
extensão, a acusação da prática de crimes fiscais. Contudo, remanesceria a validade da
Cofins lançada, o que não acarretaria prejuízo para a imputação de sonegação para esse
crime, visto não ter sido apresentada prova inequívoca de que o remanescente fora pago ou

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parcelado. De todo modo, o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial das
contribuições rurais lançadas e a quitação total ou parcial da Cofins atingiriam apenas a
imputação pelos crimes tributários, e não os demais crimes objeto da denúncia, entre eles
corrupção. Ao tempo da autorização da interceptação telefônica, não existiriam os fatos
extintivos das obrigações tributárias. Embora o julgamento de inconstitucionalidade pelo
STF no RE 363.852/MG fosse com efeitos retroativos, não significaria que a autorização
para a interceptação tivesse sido arbitrária, porque baseada em lançamentos tributários
tidos como hígidos e válidos. De igual forma, a quitação posterior do tributo afetaria a
pretensão punitiva, mas não atingiria retroativamente a validade dos atos de investigação
praticados anteriormente. Prejudicada, ainda, a persecução penal no tocante à sonegação
dos tributos supervenientemente tidos como inválidos ou dos tributos quitados em
momento posterior, mas sem afetação necessária do restante da imputação, que inclui
crimes de quadrilha e corrupção. Também prejudicada a imputação do crime de lavagem de
dinheiro no que se refere à suposta ocultação e à dissimulação das contribuições
previdenciárias reputadas inconstitucionais. Afinal, se o crime antecedente é insubsistente,
não poderia haver lavagem. HC 106152/MS, rel. Min. Rosa Weber, 29.3.2016. (HC-
106152)

STF. Informativo nº 824


(Segunda Turma)

Vício em inquérito policial e nulidade de ação penal


É incabível a anulação de processo penal em razão de suposta irregularidade verificada
em inquérito policial. Esse o entendimento da Segunda Turma, que, ao reafirmar a
jurisprudência assentada na matéria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas
corpus” em que se pleiteava a anulação de atos praticados em inquérito policial presidido
por delegado alegadamente suspeito. Precedentes citados: RHC 43.878/SP (DJU de
5.4.1967) e HC 73.271/SP (DJU de 4.10.1996). RHC 131450/DF, rel. Min. Cármen Lúcia,
3.5.2016. (RHC-131450)

STJ. Informativo nº 574


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. TRAMITAÇÃO DIRETA DE INQUÉRITO


POLICIAL ENTRE A POLÍCIA FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL.
Não é ilegal a portaria editada por Juiz Federal que, fundada na Res. CJF n.
63/2009, estabelece a tramitação direta de inquérito policial entre a Polícia Federal

99
e o Ministério Público Federal. De fato, o inquérito policial "qualifica-se como
procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a
subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a
atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos
que compõem a 'informatio delicti'" (STF, HC 89.837-DF, Segunda Turma, DJe
20/11/2009). Nesse desiderato, a tramitação direta de inquéritos entre a Polícia Judiciária e
o órgão de persecução criminal traduz expediente que, longe de violar preceitos
constitucionais, atende à garantia da duração razoável do processo - pois lhe assegura célere
tramitação -, bem como aos postulados da economia processual e da eficiência. Ressalte-se
que tal constatação não afasta a necessidade de observância, no bojo de feitos
investigativos, da chamada cláusula de reserva de jurisdição, qual seja, a necessidade de
prévio pronunciamento judicial quando for necessária a adoção de medidas que possam
irradiar efeitos sobre as garantias individuais. Ademais, não se pode alegar que haveria
violação do princípio do contraditório e do princípio da ampla defesa ao se impedir o
acesso dos autos de inquérito pelos advogados, o que também desrespeitaria o exercício da
advocacia como função indispensável à administração da Justiça e o próprio Estatuto da
Advocacia, que garante o amplo acesso dos autos pelos causídicos. Isso porque o art. 5º da
Res. CJF n. 63/2009 prevê expressamente que "os advogados e os estagiários de Direito
regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil terão direito de examinar os
autos do inquérito, devendo, no caso de extração de cópias, apresentar o seu requerimento
por escrito à autoridade competente". Faz-se mister destacar que, não obstante a referida
Resolução do CJF ser objeto, no STF, de ação direta de inconstitucionalidade - ADI 4.305 -
, o feito, proposto em 2009 pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal,
ainda está concluso ao relator, não havendo notícia de concessão de pedido liminar. Assim,
enquanto não existir manifestação da Corte Suprema quanto ao tema, deve ser mantida a
validade da Resolução. Registre-se, ademais, que não se olvida a existência de julgado do
STF, nos autos da ADI 2.886, em que se reconhece a inconstitucionalidade de lei estadual
que determinava a tramitação direta do inquérito policial entre o Ministério Público e a
Polícia Judiciária, por entender padecer a legislação de vício formal. Apesar de o referido
julgamento ter sido finalizado em abril de 2014, convém destacar que se iniciou em junho
de 2005, sendo certo que, dos onze Ministros integrantes da Corte (que votaram ao longo
desses nove anos), quatro ficaram vencidos, e que, dos votos vencedores, três ministros
não mais integram o Tribunal. Assim, não há como afirmar como certa a possível
declaração da inconstitucionalidade da Resolução do CJF objeto da ADI 4.305. RMS
46.165-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/11/2015, DJe 4/12/2015.

100
Indiciamento

STF. Informativo nº 825


(Decisão monocrática)
Decisão veiculada nas Transcrições do Informativo 825.
Texto de Márcio André Lopes Cavalcante, “Dizer o Direito”.

Indiciamento envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função


Em regra, a autoridade com foro por prerrogativa de função pode ser indiciada.
Existem duas exceções previstas em lei de autoridades que não podem ser
indiciadas: a) Magistrados (art. 33, parágrafo único, da LC 35/79); b) Membros do
Ministério Público (art. 18, parágrafo único, da LC 75/73 e art. 40, parágrafo único, da Lei
nº 8.625/93).
Excetuadas as hipóteses legais, é plenamente possível o indiciamento de
autoridades com foro por prerrogativa de função. No entanto, para isso, é indispensável
que a autoridade policial obtenha uma autorização do Tribunal competente para julgar esta
autoridade.
Ex: em um inquérito criminal que tramita no STJ para apurar crime praticado por
Governador de Estado, o Delegado de Polícia constata que já existem elementos
suficientes para realizar o indiciamento do investigado. Diante disso, a autoridade policial
deverá requerer ao Ministro Relator do inquérito no STJ autorização para realizar o
indiciamento do referido Governador.
Chamo atenção para o fato de que não é o Ministro Relator quem irá fazer o
indiciamento. Este ato é privativo da autoridade policial. O Ministro Relator irá apenas
autorizar que o Delegado realize o indiciamento. STF. Decisão monocrática. HC 133835
MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/04/2016 (Info 825).

Controle Externo da Atividade Policial

STJ. Informativo nº 587


(Primeira Turma)

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE DE


INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL.
O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal
não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos
pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente
aos de natureza persecutório-penal. De fato, entre as funções institucionais enumeradas
na Carta da República, conferiu-se ao Ministério Público o controle externo da atividade
policial (art. 129, VII). Ao regulamentar esse preceito constitucional, a LC n. 75/1993 assim

101
dispõe: "Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade
policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: [...] II - ter acesso a
quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial." Por sua vez, a atividade de
inteligência está disciplinada pela Lei n. 9.883/1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN) e criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Ademais, o § 2º
do art. 1º desse diploma considera serviço de inteligência aquele que "objetiva a obtenção,
análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e
situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação
governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado". Por seu
turno, o Decreto n. 4.376/2002, em seu art. 4º, elenca os órgãos que compõem o SISBIN,
destacando-se, entre eles, a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia
Federal. Nesse contexto, quanto ao controle das atividades de inteligência, o art. 6º da Lei
n. 9.883/1999 dispõe que "O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência
serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso
Nacional". Assim, se o controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve
circunscrever-se à atividade de polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º da LC n.
75/1993, somente cabe ao órgão ministerial acesso aos relatórios de inteligência emitidos
pela Polícia Federal de natureza persecutório-penal, ou seja, que guardem relação com a
atividade de investigação criminal. Desse modo, o poder fiscalizador atribuído ao
Ministério Público não lhe confere o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência
produzidos pelo Departamento de Polícia Federal. REsp 1.439.193-RJ, Rel. Min. Gurgel
de Faria, julgado em 14/6/2016, DJe 9/8/2016.

STJ. Informativo nº 590


(Segunda Turma)
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONTROLE EXTERNO
DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Ministério Público, no exercício do controle externo da atividade policial, pode
ter acesso a ordens de missão policial. Inicialmente, cabe destacar que a ordem de
missão policial (OMP) é um documento de natureza policial e obrigatório em qualquer
missão de policiais federais e tem por objetivo, entre outros, legitimar as ações dos
integrantes da Polícia Federal em caráter oficial. As denominadas OMPs, ainda que
relacionadas à atividade de investigação policial, representam direta intervenção no
cotidiano dos cidadãos, a qual deve estar sujeita ao controle de eventuais abusos ou
irregularidades praticadas por seus agentes, ainda que realizadas em momento posterior,
respeitada a necessidade de eventual sigilo ou urgência da missão. Por outro lado, a
realização de qualquer investigação policial, ainda que fora do âmbito do inquérito policial,

102
em regra, deve estar sujeita ao controle do Ministério Público. O Conselho Nacional do
Ministério Público, com o objetivo de disciplinar o controle externo da atividade policial,
editou a Resolução n. 20/2007, da qual destaca-se os seguintes trechos: "Art. 2º - O
controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a
regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade
policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada
para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente, para: [...] V - a
prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados
à atividade de investigação criminal; [...] Art. 5º - Aos órgãos do Ministério Público, no
exercício das funções de controle externo da atividade policial caberá: [...] II - ter acesso a
quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e
militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos [...]." Portanto, é
manifesto que a pasta com OMPs deve estar compreendida no conceito de atividade-fim e,
consequentemente, sujeita ao controle externo do Ministério Público, nos exatos termos
previstos na CF e regulados na LC n. 73/1993, o que impõe à Polícia Federal o
fornecimento ao MPF de todos os documentos relativos às ordens de missão policial.
Ressalve-se que, no que se refere às OMPs lançadas em face de atuação como polícia
investigativa, decorrente de cooperação internacional exclusiva da Polícia Federal, e sobre a
qual haja acordo de sigilo, o acesso do Ministério Público não será vedado, mas realizado a
posteriori. REsp 1.365.910-RS, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. para acórdão Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 5/4/2016, DJe 28/9/2016.

Suspensão Condicional do Processo

STJ. Informativo nº 574


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REVOGAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL APÓS


O PERÍODO DE PROVA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES.
N. 8/2008-STJ). TEMA 920.
Se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão
condicional do processo, o benefício poderá ser revogado, mesmo se já
ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência.
A letra do § 4º do art. 89 da Lei n. 9.099/1995 é esta: "A suspensão poderá ser revogada se
o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir
qualquer outra condição imposta". Dessa forma, se descumpridas as condições impostas
durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício deverá ser

103
revogado, mesmo que já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido
durante sua vigência. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.366.930-MG, Quinta Turma,
DJe 18/2/2015; AgRg no REsp 1.476.780-RJ, Sexta Turma, DJe 6/2/2015; e AgRg no
REsp 1.433.114-MG, Sexta Turma, DJe 25/5/2015. REsp 1.498.034-RS, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 25/11/2015, DJe 2/12/2015.

STJ. Informativo nº 574


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PROCESSUAL PENAL. CONDIÇÕES PARA O SURSIS PROCESSUAL.


RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ). TEMA 930.
Não há óbice a que se estabeleçam, no prudente uso da faculdade judicial disposta
no art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/1995, obrigações equivalentes, do ponto de vista
prático, a sanções penais (tais como a prestação de serviços comunitários ou a
prestação pecuniária), mas que, para os fins do sursis processual, se apresentam tão
somente como condições para sua incidência. O § 2º do art. 89 da Lei n. 9.099/1995
não veda a imposição de outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação
pessoal do acusado ("O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a
suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado"). Com o
julgamento do RHC 55.119-MG (DJe 6/5/2015), a Sexta Turma do STJ passou a entender
o tema conforme o entendimento da Quinta Turma e do STF, no sentido de que "não há
óbice legal ou lógico a que, a par das condições legais, se celebre acordo por meio do qual,
nos termos do art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/1995, o réu assuma obrigações equivalentes, do
ponto de vista prático, a penas restritivas de direitos (tais como a prestação de serviços
comunitários, o fornecimento de cestas básicas a instituições filantrópicas a prestação
pecuniária à vítima), visto que tais injunções constituem tão somente condições para sua
efetivação e como tais são adimplidas voluntariamente pelo acusado". É fácil perceber,
fazendo-se uma comparação entre os dois principais institutos despenalizadores da Lei n.
9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), que, na transação penal (aplicação imediata da
pena) prevista no art. 76, o Ministério Público não abre mão do exercício da pretensão
punitiva e não se desonera o autor do fato de sofrer uma pena. Assim, a transação penal lhe
é oferecida como forma de evitar o risco de ser punido com pena privativa de liberdade,
como consequência de uma sentença penal condenatória, com os efeitos que dela decorrem
naturalmente, inclusive a sua validade para a futura e eventual qualificação do sentenciado
como reincidente. Já na suspensão condicional do processo, positivada no art. 89,
conquanto não haja propriamente uma desistência da ação penal, o exercício do ius

104
accusationis é suspenso com o propósito de evitar-se a condenação e, por conseguinte, a
sanção penal correspondente ao crime imputado ao réu. E, sendo um acordo, as partes são
livres para transigirem em torno das condições legais (§ 1º) ou judiciais (§ 2º) previstas no
art. 89, "desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado", e desde que não se
imponham condições que possam ofender a dignidade do arguido. Ressalte-se que, do
descumprimento de uma das condições legais ou judiciais aceitas pelo réu não advém
qualquer sanção penal, mas tão somente a retomada do curso processual, findo o qual o
acusado poderá até mesmo ser absolvido. Essas características do sursis processual afastam,
portanto, a ilegalidade de se estabelecerem condições funcionalmente equivalentes a
sanções penais, mas que se apresentam meramente como condições para a suspensão do
processo, e como tais hão de ser tratadas. Precedentes citados do STJ: REsp 1.472.428-RS,
Quinta Turma, DJe 12/11/2014; AgRg no REsp 1.376.161-RS, Quinta Turma, DJe
1º/8/2014; HC 325.184-MG, Sexta Turma, DJe 23/9/2015; e RHC 60.729-RS, Sexta
Turma, DJe 11/9/2015. Precedentes citados do STF: HC 123.324-PR, Primeira Turma,
DJe 7/11/2014; HC 108.103-RS, Segunda Turma, DJe 6/12/2011; e HC 115.721-PR,
Segunda Turma, DJe 28/6/2013. REsp 1.498.034-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
Terceira Seção, julgado em 25/11/2015, DJe 2/12/2015.

STJ. Informativo nº 591


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA


SÚMULA N. 337 DO STJ.
Após a sentença penal que condenou o agente pela prática de dois crimes em
concurso formal, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em relação
a apenas um dos crimes em razão da pena concreta (art. 109 do CP) não autoriza a
suspensão condicional do processo em relação ao crime remanescente. O comando
da Súmula n. 337 do STJ tem a seguinte redação: "É cabível a suspensão condicional do
processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva." Na
hipótese em que a declaração de extinção de punibilidade se dá pela pena concreta, verifica-
se a existência de uma prévia condenação. Realmente, somente a partir do quantum
concreto, observa-se qual seria o prazo prescricional, dentre aqueles inscritos no art. 109 do
CP. Ora, se a denúncia teve de ser julgada procedente primeiro, para, somente após, ser
reconhecida a prescrição, em razão da pena concreta, não houve procedência parcial da
pretensão punitiva - a qual, de fato, foi integral - não sendo caso de incidência da Súmula n.
337 do STJ. Precedente citado do STF: RHC 116.399-BA, Primeira Turma, DJe

105
15/8/2013. REsp 1.500.029-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
27/9/2016, DJe 13/10/2016.

Ação Penal

STF. Informativo nº 813


(Primeira Turma)

Queixa-crime e indivisibilidade da ação penal


Não oferecida a queixa-crime contra todos os supostos autores ou partícipes da
prática delituosa, há afronta ao princípio da indivisibilidade da ação penal, a implicar
renúncia tácita ao direito de querela, cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a
todos quantos alegadamente hajam intervindo no cometimento da infração penal. Com
base nesse entendimento, a Primeira Turma rejeitou queixa-crime oferecida em face de
senador a quem fora imputada a prática dos delitos de calúnia e difamação. Na espécie, o
parlamentar teria alegadamente imputado ao querelante, mediante ampla divulgação
(internet), o cometimento de crimes e atos, tudo com a nítida e deliberada intenção de ferir
a honra deste. A Turma ressaltou que as supostas difamação e calúnia teriam sido
veiculadas por outros meios além do imputado ao querelado, e que a notícia supostamente
vexatória fora reencaminhada por outras pessoas. Destacou que a responsabilização penal
se daria por todas as pessoas que veicularam a notícia caluniadora e difamatória e que,
portanto, fora violado o princípio da indivisibilidade da ação penal. Ademais, ainda que não
houvesse ofensa ao referido postulado, o querelante não trouxera aos autos a cópia da
página da rede social em que fora veiculada a notícia. Inq 3526/DF, rel. Min. Roberto
Barroso, 2.2.2016. (Inq-3526)

STF. Informativo nº 815


(Plenário)

Crime sexual contra vulnerável e titularidade da ação penal


O Plenário, por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus” impetrado com base
na suposta ilegitimidade do Ministério Público para intentar ação penal pública contra o
paciente, denunciado pela alegada prática, em 2007, do crime de atentado violento ao
pudor com violência presumida (CP, art. 214, c/c o art. 224, “a”, na redação originária). No
caso, o representante da vítima apresentara requerimento perante a autoridade policial (CP,
art. 225, na antiga redação) e ajuizara queixa-crime. Posteriormente, o Ministério Público
manifestara-se pela rejeição da queixa por ilegitimidade da parte e oferecera denúncia. A
queixa-crime fora, então, rejeitada, e a parte fora admitida como assistente da acusação.
Prevaleceu o voto do Ministro Roberto Barroso, no que acompanhado pelos Ministros

106
Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Entendeu que a controvérsia acerca da recepção
do art. 225 do CP pela atual ordem constitucional não poderia levar à eventual desproteção
da vítima. Em outras palavras, não se poderia, num primeiro momento, declarar a
inviabilidade de ação penal privada e, posteriormente, a impossibilidade de ação penal
pública, para deixar o bem jurídico violado sem tutela. Assim, necessário interpretar esse
dispositivo à luz do art. 227 da CF (“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”). Dessa forma,
interpretar o art. 225 do CP de modo a não entender cabível qualquer tipo de sanção em
face da conduta perpetrada implicaria negar aplicação ao art. 227 da CF. Necessário,
portanto, excepcionar a aplicabilidade da redação antiga do art. 225 do CP para a situação
dos autos, tendo em conta a relevância do aludido dispositivo constitucional. O Ministro
Luiz Fux ressaltou que eventual juízo de não recepção do art. 225 do CP poderia implicar
insegurança jurídica, tendo em conta diversos casos já julgados de acordo com essa norma.
Ademais, em relação a possível decadência do direito de ação em hipóteses semelhantes,
seria possível concluir que o menor, ao adquirir a maioridade, poderia propor ação penal
no que se refere a bem jurídico que lhe dissesse respeito. O Ministro Dias Toffoli salientou
que o tema seria delicado por envolver relações e dramas familiares, e que não caberia ao
Estado invadir essa problemática. O Ministro Gilmar Mendes frisou o princípio da
proteção insuficiente para afirmar que a decisão da Corte não poderia implicar
esvaziamento da tutela do bem jurídico no caso concreto.
Por sua vez, os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber também denegaram a ordem,
mas o fizeram com fulcro na não recepção, pela Constituição, do art. 225 do CP, na
redação anterior à Lei 12.015/2009, na parte em que estabelecia ser privada a ação penal
quando o crime fosse cometido contra criança ou adolescente. O Ministro Edson Fachin
apontou que o dispositivo viola o art. 227 da CF. Condicionar o exercício do poder
punitivo estatal em crimes graves à iniciativa dos representantes legais de crianças ou
adolescentes não cumpriria com o ditame de assegurar a essas pessoas, com prioridade, o
direito à dignidade, ao respeito e à liberdade. Ademais, a regra nova do preceito penal em
comento não retroagiria, uma vez que prevalecia o disposto no art. 100 do CP, desde a
entrada em vigor da Constituição. Portanto, a ação penal, na hipótese, sempre seria pública.
Além disso, assentou que o princípio da retroatividade de norma penal mais benéfica
aplica-se às leis penais, e não a entendimentos jurisprudenciais. Seria possível, contudo, que
certo posicionamento tivesse efeitos retroativos apenas se dissesse respeito à tipicidade ou

107
não de determinada conduta, mas, no caso, se cuidaria da legitimidade ativa para exercício
da ação penal. Ainda que essa legitimidade pudesse influir na punibilidade, não se poderia
sustentar que alguém tem o direito subjetivo de não ser punido porque, no momento em
que praticado o fato, entendia-se que a titularidade da ação penal pertencia a outrem, de
acordo com a orientação jurisprudencial dominante à época. Vencidos os Ministros Teori
Zavascki (relator), Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski (Presidente), que concediam
parcialmente a ordem para reconhecer a ilegitimidade ativa do Ministério Público, com o
consequente arquivamento dos autos. HC 123971/DF, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o
acórdão Min. Roberto Barroso, 25.2.2016. (HC-123971)

STJ. Informativo nº 577


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DE INICIAL ACUSATÓRIA


DESACOMPANHADA DE DOCUMENTOS HÁBEIS A DEMONSTRAR, AINDA
QUE DE MODO INDICIÁRIO, A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO CRIME.
Deve ser rejeitada a queixa-crime que, oferecida antes de qualquer procedimento
prévio, impute a prática de infração de menor potencial ofensivo com base apenas
na versão do autor e na indicação de rol de testemunhas, desacompanhada de
Termo Circunstanciado ou de qualquer outro documento hábil a demonstrar, ainda
que de modo indiciário, a autoria e a materialidade do crime. Isso porque a
imputação penal desacompanhada de documentos hábeis a demonstrar, ainda que de modo
indiciário, a autoria e a materialidade do crime, destituída, desse modo, de base empírica
idônea, implica ausência de "justa causa", fato que, nos termos do art. 395, III, do CPP,
desautoriza a instauração da persecutio criminis in iudicio. De fato, a despeito de o rito dos
Juizados Especiais Criminais ser pautado pelos critérios da oralidade, simplicidade e
informalidade, a inicial acusatória (queixa-crime ou denúncia), mesmo nas infrações de
menor potencial ofensivo, deve vir acompanhada com o mínimo embasamento probatório,
ou seja, com lastro probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a
efetiva realização do ilícito penal. Dessa forma, mesmo nas infrações de menor potencial
ofensivo, é necessária análise da justa causa, seja na denúncia ou na queixa-crime. Trata-se,
portanto, de um pressuposto processual que deve ser averiguado, de plano, pelo
magistrado, sob pena de rejeição da inicial acusatória. Além disso, como, no caso em
análise, a queixa-crime crime foi oferecida antes de qualquer procedimento prévio, essa
inicial acusatória não pode se eximir de um controle jurisdicional acerca dos pressupostos
processuais. Diferentemente, seria a hipótese em que a persecução penal é deflagrada por
um Termo Circunstanciado enviado pela autoridade policial, na qual haverá,

108
imediatamente, uma fase preliminar, já lastreada com um suporte probatório mínimo. E, ao
final, na impossibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores, a inicial acusatória
(denúncia ou queixa-crime) seria ofertada, conforme dispõe o art. 77 da Lei n. 9.099/1995.
As partes terão a oportunidade de compor civilmente os danos, ou, não havendo a
composição, será analisada a possibilidade de oferecimento de transação penal. Caso não
haja a aplicação dos institutos acima referidos, a inicial acusatória será apresentada
oralmente ou por escrito. Nesse momento, o magistrado analisará o preenchimento das
condições da ação e dos pressupostos processuais, uma vez que a apresentação da ação
penal é postergada para o final da fase preliminar. Todavia, no caso aqui analisado, há uma
peculiaridade, na medida em que a deflagração do procedimento criminal ocorreu com o
oferecimento, de imediato, da queixa-crime. Assim, imprescindível uma análise, ainda que
perfunctória, de seus pressupostos, dentre estes a justa causa da ação penal privada. Nesse
contexto, seria temerário dar início à persecução penal, mesmo sob o rito da Lei n.
9.099/1995, com base apenas na versão do querelante acerca dos fatos, sem qualquer lastro
probatório mínimo a embasar a queixa-crime. RHC 61.822-DF, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 17/12/2015, DJe 25/2/2016.

STJ. Informativo nº 586


(Terceira Seção)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS


SUCUMBENCIAIS EM AÇÃO PENAL PRIVADA EXTINTA SEM JULGAMENTO
DE MÉRITO.
É possível condenar o querelante em honorários advocatícios sucumbenciais na
hipótese de rejeição de queixa-crime por ausência de justa causa. É pacífica a
orientação de possibilidade de condenação em honorários advocatícios em caso de ação
penal privada (AgRg no REsp 1.206.311-SP, Quinta Turma, DJe 11/6/2014), com base no
princípio geral de sucumbência e na aplicação do Código de Processo Civil. Nesse
contexto, o antigo Código de Processo Civil - aplicado quando da condenação dos
honorários advocatícios - previa a fixação da referida verba em razão da sucumbência da
parte, independentemente da apreciação do mérito do feito, com suporte no princípio da
causalidade. Assim, considerando que o regime de fixação de honorários advocatícios em
sede de ação penal privada deve seguir a mesma lógica do processo civil, não há como
aplicar de forma restritiva o CPC/1973, devendo responder por custas e honorários
advocatícios a parte que deu causa ao ajuizamento da demanda, mesmo quando não
enfrentado o mérito. Portanto, deve prevalecer o entendimento da Corte Especial sobre o
tema (EDcl no AgRg na PET na APn 735-DF, DJe de 18/12/2015), a qual confirmou a

109
possibilidade de fixação de honorários advocatícios em caso de rejeição de queixa-crime,
fundamentando-se nos arts. 3º e 804 do CPP, em harmonia com o art. 20 do antigo CPC.
EREsp 1.218.726-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/6/2016, DJe 1/7/2016.

Fixação do Valor Mínimo para Reparação dos Danos

STJ. Informativo nº 588


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE VALOR


MÍNIMO PARA COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS SOFRIDOS PELA VÍTIMA
DE INFRAÇÃO PENAL.
O juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor
mínimo para a reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, do CPP),
pode, sentindo-se apto diante de um caso concreto, quantificar, ao menos o
mínimo, o valor do dano moral sofrido pela vítima, desde que fundamente essa
opção. De fato, a legislação penal brasileira sempre buscou incentivar o ressarcimento à
vítima. Essa conclusão pode ser extraída da observação de algumas regras do CP: a) art. 91,
I - a obrigação de reparar o dano é um efeito da condenação; b) art. 16 - configura causa de
diminuição da pena o agente reparar o dano ou restituir a coisa ao ofendido; c) art. 65, III,
"b" - a reparação do dano configura atenuante genérica, etc. Mas, apesar de incentivar o
ressarcimento da vítima, a regra em nosso sistema judiciário era a separação de jurisdição,
em que a ação penal destinava-se à condenação do agente pela prática da infração penal,
enquanto a ação civil tinha por objetivo a reparação do dano. No entanto, apesar de haver
uma separação de jurisdição, a sentença penal condenatória possuía o status de título
executivo judicial, que, no entanto, deveria ser liquidado perante a jurisdição civil. Com a
valorização dos princípios da economia e celeridade processual e considerando que a
legislação penal brasileira sempre buscou incentivar o ressarcimento à vítima, surgiu a
necessidade de repensar esse sistema, justamente para que se possa proteger com maior
eficácia o ofendido, evitando que o alto custo e a lentidão da justiça levem a vítima a
desistir de pleitear a indenização civil. Dentro desse novo panorama, em que se busca dar
maior efetividade ao direito da vítima em ver ressarcido o dano sofrido, a Lei n.
11.719/2008 trouxe diversas alterações ao CPP, dentre elas, o poder conferido ao
magistrado penal de fixar um valor mínimo para a reparação civil do dano causado pela
infração penal, sem prejuízo da apuração do dano efetivamente sofrido pelo ofendido na
esfera cível. No Brasil, embora não se tenha aderido ao sistema de unidade de juízo, essa
evolução legislativa, indica, sem dúvidas, o reconhecimento da natureza cível da verba
mínima para a condenação criminal. Antes da alteração legislativa, a sentença penal

110
condenatória irrecorrível era um título executório incompleto, porque embora tornasse
certa a exigibilidade do crédito, dependia de liquidação para apurar o quantum devido.
Assim, ao impor ao juiz penal a obrigação de fixar valor mínimo para reparação dos danos
causados pelo delito, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, está-se ampliando
o âmbito de sua jurisdição para abranger, embora de forma limitada, a jurisdição cível, pois
o juiz penal deverá apurar a existência de dano civil, não obstante pretenda fixar apenas o
valor mínimo. Dessa forma, junto com a sentença penal, haverá uma sentença cível líquida
que, mesmo limitada, estará apta a ser executada. E quando se fala em sentença cível, em
que se apura o valor do prejuízo causado a outrem, vale lembrar que, além do prejuízo
material, também deve ser observado o dano moral que a conduta ilícita ocasionou. E
nesse ponto, embora a legislação tenha introduzido essa alteração, não regulamentou
nenhum procedimento para efetivar a apuração desse valor nem estabeleceu qual o grau de
sua abrangência, pois apenas se referiu à "apuração do dano efetivamente sofrido". Assim,
para que se possa definir esses parâmetros, deve-se observar o escopo da própria alteração
legislativa: promover maior eficácia ao direito da vítima em ver ressarcido o dano sofrido.
Assim, considerando que a norma não limitou nem regulamentou como será quantificado o
valor mínimo para a indenização e considerando que a legislação penal sempre priorizou o
ressarcimento da vítima em relação aos prejuízos sofridos, o juiz que se sentir apto, diante
de um caso concreto, a quantificar, ao menos o mínimo, o valor do dano moral sofrido
pela vítima, não poderá ser impedido de o fazer. REsp 1.585.684-DF, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016, DJe 24/8/2016.

Ação Civil Ex Delicto

STJ. Informativo nº 592


(Quarta Turma)

LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL


EX DELICTO EM FAVOR DE MENORES CARENTES. EXISTÊNCIA DE
DEFENSORIA PÚBLICA.
O reconhecimento da ilegitimidade ativa do Ministério Público para, na qualidade
de substituto processual de menores carentes, propor ação civil pública ex delicto,
sem a anterior intimação da Defensoria Pública para tomar ciência da ação e, sendo
o caso, assumir o polo ativo da demanda, configura violação ao art. 68 do CPP.
A controvérsia dos autos restringiu-se à legitimidade do Ministério Público para, na
qualidade de substituto processual, ajuizar ação civil reparatória de danos advindos de
conduta criminosa (ação civil ex delicto), nos termos do art. 68 do CPP, em favor de pessoas
carentes. Perfilhando a orientação traçada pelo Excelso Pretório, que consagrou a tese da

111
inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP, a jurisprudência desta Corte
consolidou-se no sentido de que o Ministério Público somente tem legitimidade para
propor ação civil ex delicto em favor de pessoas pobres nas hipóteses em que a Defensoria
Pública não estiver organizada no respectivo ente da Federação. No caso dos autos, as
instâncias ordinárias asseveraram expressamente que, no momento da propositura da ação,
a Defensoria Pública já havia sido instituída e organizada no respectivo Estado. Assim,
considerando que o art. 68 do CPP teve reconhecida pelo STF sua inconstitucionalidade
progressiva, na medida em que a Defensoria Pública fosse devidamente instalada em todo
o País, é forçoso concluir que o reconhecimento da ilegitimidade ativa do d. Parquet, sem a
anterior intimação da Defensoria Pública para tomar ciência da ação e, sendo o caso,
assumir o polo ativo da ação civil ex delicto, configura violação do art. 68 do CPP. REsp
888.081-MG, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 15/9/2016, DJe
18/10/2016.

Denúncia

STF. Informativo nº 850


(Segunda Turma)

Trancamento de ação penal e inépcia da denúncia


A Segunda Turma deferiu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia o
trancamento de ação penal movida em desfavor do paciente, por motivo de inépcia da
denúncia.
No caso, o paciente foi denunciado, com outros dois agentes, pela suposta prática
do crime de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/1986), em virtude da
realização de operações de câmbio atípicas envolvendo compra e venda de títulos da dívida
pública norte-americana (“United Treasury Bills” ou “T-Bills”).
Segundo a defesa, a imputação criminal deveria indicar a existência de vínculo
concreto entre os denunciados e a infração penal, bem como conter a descrição e a mínima
comprovação da conduta criminosa, ainda que de forma indiciária. Logo, não poderia ser
deduzida com base em inadmissível raciocínio presuntivo, fundado tão somente no cargo
ocupado por um indivíduo em determinada pessoa jurídica. Ademais, para os chamados
“crimes societários”, não bastaria a simples alusão ao cargo ocupado pelo denunciado em
empresa envolvida em evento tido por criminoso. Em vez disso, a denúncia deveria –
ainda que de maneira superficial – demonstrar a participação individual e concreta de
cada agente na prática do suposto crime, como exige o art. 41 do Código de Processo
Penal (CPP). No caso presente, entretanto, ao contrário do ocorrido com os outros dois
denunciados, não constava a necessária individualização da conduta supostamente

112
praticada pelo paciente. Foi-lhe imputado, portanto, o cometimento dos atos criminosos
apenas por ele ser ocupante, à época dos fatos, de cargo de diretor-presidente da empresa.
O Colegiado ressaltou, a princípio, que o trancamento de ação penal é medida
excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC 125.873 AgR/PE,
DJE de 13.3.2015).
Observou, também, que a denúncia, embora tenha descrito as operações de evasão
de divisas e individualizado as condutas atribuídas aos corréus, imputou ao paciente o
cometimento do delito, tão somente em razão de ele ter ocupado, à época dos fatos, o
cargo de diretor-presidente da sociedade empresária. Entendeu, por isso, que a denúncia
não atendeu ao comando do art. 41 do CPP, por não conter o mínimo narrativo exigido
pelo referido dispositivo legal.
Rememorou, ainda, jurisprudência da Corte no sentido de não ser inepta denúncia
que contenha descrição mínima dos fatos atribuídos aos acusados – em especial, quanto ao
crime imputado a administradores de sociedades empresárias. Nesse sentido, tanto a
doutrina quanto a jurisprudência não exigem descrição pormenorizada da conduta do
proprietário e administrador da empresa, devendo a responsabilidade individual de cada um
deles ser apurada no curso da instrução criminal (HC 101.286/MG, DJE de 25.8.2011).
A Turma ponderou, todavia, que essa inexigibilidade de individualização das
condutas dos dirigentes da pessoa jurídica na peça acusatória pressupõe a não diferenciação
das responsabilidades, no estatuto ou no contrato social, dos membros do conselho de
administração ou dos diretores da companhia, ou, ainda, dos sócios ou gerentes da
sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Assentou, assim, que, quando se
afigurar possível a diferenciação das responsabilidades (por divisão de competências no
estatuto ou contrato social), a denúncia não poderá se lastrear genericamente na condição
de dirigente ou sócio da empresa. Descabida, portanto, a imputação da prática do crime de
evasão de divisas tão somente em razão do suposto poder de mando e decisão do
paciente, o qual decorre de sua condição de diretor-presidente da empresa, sem
indicativo de sua contribuição concreta e efetiva para o delito.
Reconheceu não haver óbice à invocação da teoria do domínio do fato no caso,
desde que a denúncia apontasse indícios convergentes no sentido de que o acusado não
apenas teve conhecimento da prática do crime de evasão de divisas, como também dirigiu
finalisticamente a atividade dos demais agentes. Nesse sentido, não basta invocar que o
acusado se encontrava numa posição hierarquicamente superior, para se presumir que ele
tivesse o domínio de toda a cadeia delituosa, com plenos poderes para decidir sobre a
prática do crime de evasão de divisas, sua interrupção e suas circunstâncias. A peça

113
acusatória deve descrever atos concretamente imputáveis, constitutivos da plataforma
indiciária mínima reveladora de sua contribuição dolosa para o crime.
Salientou ser manifesta a insuficiência narrativa da denúncia, por amparar-se numa
mera conjectura, circunstância que inviabilizou a compreensão da acusação e, por
conseguinte, o exercício da ampla defesa.
Admitiu, por fim, que não se está a afirmar a existência ou não de justa causa para a
ação penal. O vício reconhecido é de natureza estritamente formal, por isso não obstará
uma nova denúncia que melhor individualize as condutas do paciente. HC 127397/BA, rel.
Min. Dias Toffoli, julgamento em 6.12.2016. (HC-127397)

Assistente de Acusação

STJ. Informativo nº 574


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HIPÓTESE DE DEFERIMENTO DE


ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO.
É possível a intervenção dos pais como assistentes da acusação na hipótese em que
o seu filho tenha sido morto, mas, em razão do reconhecimento de legítima defesa,
a denúncia tenha imputado ao réu apenas o crime de porte ilegal de arma de fogo.
Inicialmente, verifica-se que existe controvérsia acerca da natureza jurídica da assistência à
acusação, pois enquanto parte da doutrina acentua que esse instituto justifica-se pela
necessidade de proteção de interesses de natureza privada no curso da ação penal pública,
outro segmento doutrinário entende que existe interesse do assistente na própria justiça da
sanção imposta ao condenado, ressaltando a harmonia do instituto com a visão
democrática do Estado e do processo e com a capacidade dele ser um instrumento hábil a
viabilizar o controle, em caráter complementar àquele exercido pelo Poder Judiciário, da
atividade acusatória do Ministério Público. Delineado isso, quanto à análise da legitimidade
para o exercício da assistência à acusação, tem-se que o art. 268 do CPP autoriza a
intervenção na ação penal pública, como assistente do Ministério Público, do ofendido ou
de seu representante legal, ou, na falta destes, de qualquer das pessoas mencionadas no art.
31 do mesmo diploma processual (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão). A
realização de interpretação literal desse dispositivo poderia levar à conclusão de que, no
caso em que for afastada a ilicitude em relação à morte do filho dos habilitandos, pelo
reconhecimento da legítima defesa, e restringindo-se a denúncia ao crime de porte ilegal de
arma de fogo - que tem por vítima a própria sociedade -, desapareceria a figura do ofendido
prevista no art. 268 do CPP e, consequentemente, o próprio interesse jurídico da
intervenção na ação penal. Entretanto, entende-se que a interpretação do mencionado

114
artigo, no concernente à delimitação dos legitimados para o exercício da assistência à
acusação, deve tomar em consideração principalmente a finalidade da intervenção. Sob esse
aspecto, é salutar tratar o instituto processual como expressão do Estado Democrático de
Direito e até mesmo como modalidade de controle da função acusatória atribuída
privativamente ao Ministério Público. Assim, deve ser mitigado o rigor da análise acerca da
presença do interesse jurídico que autorize a assistência, afastando-se a exigência
consistente na absoluta vinculação entre a pretensão do interveniente e o objeto jurídico do
tipo penal imputado na denúncia. Isso porque, por vezes, diante de peculiaridades do caso
concreto, interesses jurídicos podem assumir caráter metaindividual e, pulverizados sobre
as relações que permeiam o núcleo da demanda, podem merecer proteção jurídica
igualmente legítima. RMS 43.227-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
3/11/2015, DJe 7/12/2015.

Impedimento e Suspeição

STF. Informativo nº 824


(Segunda Turma)

HC e impedimento ou suspeição de magistrado


A jurisprudência do STF assenta a impossibilidade de interpretação criadora de causas
de impedimento e suspeição. Com base nessa tese, a Segunda Turma negou provimento a
recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se alegava impedimento ou suspeição de
desembargador federal para o julgamento de apelação e “habeas corpus”, tendo em conta o
fato de ele haver exercido a função de corregedor regional da Justiça Federal em processo
administrativo instaurado em desfavor do recorrente. RHC 131735/DF, rel. Min. Cármen
Lúcia, 3.5.2016. (RHC-131735)

Intimação Pessoal da Defensoria Pública

STF. Informativo nº 830


(Segunda Turma)

Intimação pessoal da Defensoria Pública e preclusão


A não observância da intimação pessoal da Defensoria Pública — prerrogativa para
o efetivo exercício de sua missão institucional — deve ser impugnada, imediatamente, na
primeira oportunidade processual, sob pena de preclusão. Com base nesse entendimento, a
Segunda Turma indeferiu a ordem de “habeas corpus”. No caso, no julgamento da
apelação, não teria havido intimação pessoal da Defensoria Pública. No entanto, tal
insurgência somente fora veiculada no recuso especial, não obstante a Defensoria

115
anteriormente houvesse oposto embargos de declaração. HC 133476, rel. Min. Teori
Zavascki, 14.6.2016. (HC-133476)

Intimação

STJ. Informativo nº 583


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DA INTIMAÇÃO POR EDITAL DE


RÉU PRESO.
Preso o réu durante o curso do prazo da intimação por edital da sentença
condenatória, essa intimação fica prejudicada e deve ser efetuada pessoalmente.
Isso porque, de acordo com entendimento doutrinário e nos termos do HC 15.481 (Quinta
Turma, DJ 10/9/2001), "preso o réu durante o prazo do edital, deverá ser intimado
pessoalmente do r. decreto condenatório, na forma do art. 392, inciso I, CPP, restando
prejudicada a intimação editalícia". RHC 45.584/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado
em 3/5/2016, DJe 12/5/2016.

Citação

STF. Informativo nº 833


(Plenário)
Repercussão geral

Citação com hora certa e processo penal


É constitucional a citação com hora certa no âmbito do processo penal (CPP: “Art.
362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a
ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229
da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Parágrafo
único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á
nomeado defensor dativo”).
Essa a conclusão do Plenário, que, por maioria, negou provimento a recurso
extraordinário em que discutida a constitucionalidade do aludido preceito processual.
No caso, o recorrente fora condenado, no âmbito de juizado especial criminal, à pena
de seis meses de detenção, substituída por prestação de serviços comunitários, pela prática
do crime previsto no art. 309 da Lei 9.503/1997 (dirigir sem habilitação, gerando perigo de
dano). Fora citado com hora certa, pois estaria ocultando-se para não o ser pessoalmente.
A defesa arguira, então, a inconstitucionalidade dessa modalidade de citação.
O Colegiado aduziu que a ampla defesa (CF, art. 5º, LV) une defesa técnica e
autodefesa. A primeira é indeclinável. Não assegurar ao acusado a defesa técnica é causa de

116
nulidade absoluta do processo, e consubstancia prejuízo ínsito e insanável (CPP, artigos
564, III, “c”; e 572). O Tribunal possui entendimento sumulado nesse sentido (Enunciado
523 da Súmula do STF). A autodefesa, por sua vez, representa a garantia de se defender
pessoalmente e, portanto, de se fazer presente no julgamento. A respeito, a Lei 9.271/1996
inovara, para inviabilizar o julgamento do acusado à revelia, quando citado por edital,
estabelecendo a suspensão do processo e, para evitar impunidade, a prescrição, até que
apareça ou constitua patrono.
A indicação de advogado é ato revelador da ciência da ação penal, e a opção de não
comparecer pessoalmente à instrução é consectário lógico do exercício da autodefesa,
conjugado à garantia à não autoincriminação (CF, art. 5º, LXIII). Posteriormente, a Lei
11.719/2008 reservara, para o caso de citação pessoal frustrada por ocultação intencional
do acusado, a com hora certa, e não mais a por edital, dando-se continuidade ao processo,
devendo o juiz nomear defensor ao réu. O novo Código de Processo Civil não repercute na
vigência ou na eficácia do preceito, pois a referência aos artigos 227 a 229 do CPC/1973
corresponde aos atuais artigos 252 a 254.
A ficção alusiva à citação com hora certa restringe-se ao fato de o réu não ter sido
cientificado, pessoalmente, da demanda. A premissa, na hipótese, é a premeditada
ocultação do réu. Logo, sabe da existência da demanda. Se optara por não se defender
pessoalmente em juízo, o fizera porque, no exercício da autodefesa, não o quisera.
Tampouco pode ser compelido a fazê-lo, afinal o comparecimento à instrução é direito,
faculdade. Entendimento diverso consubstanciaria obrigá-lo a produzir prova contra si.
O Tribunal consignou que a citação com hora certa cerca-se de cautelas, desde a
certidão pormenorizada do oficial de justiça até o aval pelo juiz. Julgando inexistirem
elementos concretos de ocultação, o juiz determina a citação por edital, com a subsequente
suspensão do processo caso o acusado não se apresente nem constitua advogado. A
autodefesa, mesmo depois de formalizada a citação com hora certa, fica resguardada na
medida em que o réu será cientificado dela, inclusive da continuação do processo (CPC, art.
254). Esconder-se para deixar de ser citado pessoalmente e não comparecer em sede
judicial para defender-se revela autodefesa. Não se justifica impor a prisão preventiva.
Entretanto, impedir a sequência da ação penal é demasiado, sob pena de dar ao acusado
verdadeiro direito potestativo sobre o curso da ação penal, ignorando a indisponibilidade
inerente.
É preciso compatibilizar a garantia do acusado à autodefesa com o caráter público e
indisponível do processo-crime. O prosseguimento da ação penal, ante a citação com hora
certa, em nada compromete a autodefesa; ao contrário, evidencia a opção do réu de não se
defender pessoalmente em juízo, sendo compatível com a Constituição, portanto.

117
O Plenário, ademais, não se pronunciou quanto à aplicabilidade do instituto no âmbito
específico dos juizados especiais, em razão de a controvérsia, no ponto, ultrapassar o
objeto recursal.
Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio (relator), que, ao se manifestar acerca da
citação com hora certa em processo submetido a juizado especial criminal, entendia pela
inadmissibilidade desse ato processual. Explicava que o art. 66, parágrafo único, da Lei
9.099/1995 impõe a remessa do processo à vara criminal quando o acusado não for
encontrado. Tal preceito inviabiliza qualquer modalidade de citação ficta no juizado
especial criminal, seja a editalícia, seja a com hora certa, por tornar inexequíveis a
composição civil e a transação penal, fins últimos dos juizados. Por fim, o Colegiado
deliberou conceder “habeas corpus” de ofício em favor do recorrente, para extinguir a
punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva. RE 635145/RS, rel. orig.
Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 1º.8.2016. (RE-635145)

Provas

STF. Informativo nº 823


(Primeira Turma)

Homicídio e desnecessidade da oitiva de todas as vítimas


Não há direito absoluto à produção de prova. Em casos complexos, há que confiar no
prudente arbítrio do juiz da causa, mais próximo dos fatos, quanto à avaliação da
pertinência e relevância das provas requeridas pelas partes. Assim, a obrigatoriedade de
oitiva da vítima deve ser compreendida à luz da razoabilidade e da utilidade prática da
colheita da referida prova. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma não conheceu
de “habeas corpus” em que se pretendia a oitiva da totalidade das vítimas sobreviventes de
incêndio ocorrido em boate. O Colegiado assentou que o magistrado, em observância ao
sistema da persuasão racional, motivara a dispensa da oitiva de todas as vítimas do
homicídio tentado. Segundo o juiz de origem, a produção dessa prova, diante da
peculiaridade do caso concreto, acarretaria, em síntese, a necessidade de mais de 954 horas
de audiência para a tomada de declarações das 638 vítimas, a nova exposição delas ao
cenário traumático em que os fatos teriam se desenvolvido e a repetição de relatos que não
auxiliariam no esclarecimento dos fatos. Além disso, o paciente deixara de requerer, na
resposta à acusação, a oitiva de todas as vítimas. A Turma acrescentou, ainda, que o rito
especial do tribunal do júri limita o número de testemunhas a serem inquiridas e, ao
contrário do procedimento comum, não exclui dessa contagem as testemunhas que não
prestam compromisso legal. Anotou, também, que a inobservância do prazo para o
oferecimento da denúncia não contamina o direito de apresentação do rol de testemunhas.

118
A exibição desse rol, tanto pela acusação quanto pela defesa, não se submete a prazo
preclusivo, visto que referidas provas devem ser requeridas, por expressa imposição legal,
na denúncia e na defesa preliminar. Desse modo, não há vinculação temporal à propositura
da prova, mas sim associação a um momento processual. A aludida atuação se sujeita, na
realidade, à preclusão consumativa. Logo, por não vislumbrar ilegalidade, não se concedeu
a ordem de ofício. HC 131158/RS, rel. Min. Edson Fachin, 26.4.2016. (HC-131158)

STF. Informativo nº 831


(Plenário)

Inquérito e recebimento de denúncia


O Plenário recebeu, em parte, denúncia oferecida contra deputado federal pela
suposta prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º), lavagem de dinheiro
(Lei 9.613/1998, art. 1º, V, e § 4º, na redação anterior à Lei 12.683/2012), evasão de divisas
(Lei 7.492/1986, art. 22, parágrafo único) e omissão ou declaração falsa em documento
eleitoral (Lei 4.737/1965, art. 350). O Tribunal, inicialmente, rejeitou preliminar
concernente ao cerceamento de defesa em razão da ausência de pleno acesso aos registros
audiovisuais de colaborações premiadas. Afirmou que o § 13 do art. 4º da Lei 12.850/2013
traria comando no sentido de que, “sempre que possível, o registro dos atos de colaboração
será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica
similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações”. Não
haveria, portanto, indispensabilidade legal absoluta de que os depoimentos fossem
registrados em meio magnético ou similar, mas recomendação de que esses mecanismos
fossem utilizados para assegurar “maior fidelidade das informações”. Também não
procederia a alegação de que o Ministério Público, como órgão acusador, deveria ter
providenciado a tradução de determinados documentos que acompanharam a peça
acusatória. A tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro juntados só
deveria ser realizada se essa providência se tornasse absolutamente “necessária” (CPP, art.
236). Desse modo, não bastasse ser possível a dispensa da tradução de alguns documentos,
o acusado não teria demonstrado, na espécie, de que forma essa providência seria
imprescindível à sua defesa. Ademais, seria possível, durante a instrução, requerer ou
mesmo apresentar a tradução de tudo o que a defesa julgasse necessário. Vencido, em
relação às referidas preliminares, o Ministro Marco Aurélio, que as acolhia por reputar que
os autos do inquérito, considerada a ordem jurídica em vigor, não estariam devidamente
aparelhados para deliberação do Colegiado, sob pena de atropelo ao direito de defesa.
O Plenário rejeitou, ainda, preliminares que apontavam a inépcia da denúncia e a
inexistência de autorização para o processamento do crime de evasão de divisas, em

119
suposta violação aos princípios da dupla incriminação e da especialidade. No ponto, a
Corte destacou que a utilização de documentos enviados por outros países para fins de
investigação representaria prova produzida no âmbito de cooperação jurídica internacional.
Assim, a transferência de procedimento criminal, embora sem legislação específica
produzida internamente, teria abrigo em convenções internacionais sobre cooperação
jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumiriam “status” de lei federal. Seria,
portanto, legítima a providência da autoridade brasileira de, com base em material
probatório obtido da Confederação Suíça, por sistema de cooperação jurídica internacional,
investigar e processar o congressista em questão pelo delito de evasão de divisas, já que se
trataria de fato delituoso diretamente vinculado à persecução penal objeto da cooperação,
que teria como foco central delitos de corrupção e lavagem de capitais.
No mérito, o Tribunal asseverou que a denúncia preencheria os requisitos do art. 41
do CPP, devendo, desse modo, ser recebida. Com relação ao delito de corrupção passiva,
constaria dos autos que o denunciado, no ano de 2010, em data incerta, e até maio e junho
de 2011, teria prestado apoio e sustentação política para que pessoa determinada fosse
alçada e mantida na posição de Diretor da Área Internacional da Petrobras, bem como teria
solicitado e efetivamente recebido, para si e para outrem, e em decorrência de sua condição
de parlamentar, vantagem indevida correspondente a vultoso numerário depositado em
conta da qual beneficiário. Essa vantagem seria a contrapartida pela sua atuação na compra
pela Petrobras de um campo de petróleo no exterior. Todavia, seria adequado excluir da
denúncia a causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do CP, que seria incabível pelo
mero exercício do mandato popular, como decidido no Inq 3.983/DF (DJe de 12.5.2016).
Igualmente, a materialidade e os indícios de autoria se encontrariam presentes relativamente
ao crime de lavagem de dinheiro. As autoridades suíças teriam identificado a existência de 4
contas ocultas em nome do parlamentar. A denúncia descreveria, de maneira clara, que o
acusado teria recebido quantia proveniente dos crimes de corrupção passiva e ativa,
cometidos no âmbito da referida transação celebrada pela Petrobras. Registros bancários
coletados no período entre maio e junho de 2011 apontariam a realização de repasses para
a conta de um “trust”, cujo instituidor e único beneficiário seria o denunciado. Assim,
constaria dos autos elementos a reforçar o possível cometimento do crime de lavagem de
dinheiro, correspondente à ocultação e à dissimulação da origem de valores desviados do
referido contrato celebrado pela Petrobras, mediante a utilização de mecanismos para
dificultar a identificação do acusado como destinatário final das quantias, por meio de
depósitos em conta no exterior sob a forma de “trust”. Os indícios colhidos apontariam
evidências de que as contas bancárias apresentadas pelo órgão de acusação pertenceriam,
de fato, ao parlamentar, e teriam como razão de existir a real intenção de manter o

120
anonimato com relação à titularidade dos valores nelas depositados. Outrossim, o quadro
indiciário quanto à prática do crime de lavagem de capitais seria reforçado pelas
informações fiscais a ele referentes, as quais demonstrariam a ausência de declaração dos
valores mantidos no exterior aos órgãos oficiais, assim como revelariam a
incompatibilidade da respectiva movimentação financeira com os rendimentos declarados à
Receita Federal do Brasil.
A Corte afirmou que, em relação ao delito de evasão de divisas, constaria da
denúncia que o acusado teria mantido ativos não declarados às autoridades brasileiras em
contas localizadas no exterior, em quantias superiores a US$ 100.000,00 (cem mil
dólares). Assim, em conformidade com extratos apresentados pelo Ministério Público, o
parlamentar teria mantido na Suíça, mas a partir do Brasil, ativos não declarados ao
Banco Central do Brasil. Tal fato configuraria, em tese, o crime de evasão de divisas, na
figura típica prevista na parte final do parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/1986.
Relativamente a essa parte da acusação, a defesa sustentava a atipicidade da conduta
verificada, na medida em que os valores depositados em específicas contas bancárias
teriam sido objeto da contratação de “trusts” em 2003, estrutura negocial que teria
implicado a transferência da plena titularidade de seus valores. Contudo, os elementos
indiciários colhidos na investigação revelariam que o denunciado seria, de fato, o
responsável pela origem e, ao mesmo tempo, o beneficiário dos valores depositados nas
referidas contas. Nesse contexto, embora o “trust” fosse modalidade de investimento
sem regulamentação específica no Brasil, não haveria dúvidas de que, no caso dos autos,
o acusado deteria, em relação a essas operações, plena disponibilidade jurídica e
econômica. Assim, a circunstância de os valores não estarem formalmente em seu nome
seria absolutamente irrelevante para a tipicidade da conduta. Aliás, a manutenção de
valores em contas no exterior, mediante utilização de interposta pessoa ou forma de
investimento que assim o permitisse, além de não desobrigar o beneficiário de apresentar
a correspondente declaração ao Banco Central do Brasil, revelaria veementes indícios do
ilícito de lavagem de dinheiro. No que concerne ao crime de falsidade ideológica para fins
eleitorais, a inicial descreveria que o parlamentar teria, em julho de 2009 e em julho de
2013, omitido, com fins eleitorais e em documento público dirigido ao TSE, a existência
de numerário de sua propriedade em contas bancárias de variada titularidade, inclusive
dos citados “trusts”. Dessa forma, conquanto sucintas, as afirmações feitas na peça
acusatória seriam suficientes, neste momento processual, para demonstrar que a conduta
do denunciado se enquadraria, ao menos em tese, no tipo penal do art. 350 do Código
Eleitoral.

121
Na mesma assentada, o Colegiado, por maioria, negou provimento a agravos
regimentais que objetivavam a reforma de decisão que determinara o desmembramento
do inquérito em comento, mantendo-se no STF apenas a apuração relacionada ao
denunciado detentor de prerrogativa de foro. A Corte destacou que competiria somente
ao tribunal ao qual tocasse o foro por prerrogativa de função a análise da cisão das
investigações. Dever-se-ia promover, sempre que possível, o desmembramento de
inquérito e peças de investigação para manter sob sua jurisdição apenas o que envolvesse
autoridade com prerrogativa de foro, podendo examinar as circunstâncias de cada caso.
Na espécie, a análise do titular da ação penal teria sido conclusiva no sentido da
autonomia entre as condutas em tese praticadas pelo denunciado e as das demais
investigadas (mulher e filha do parlamentar). Assim, a manutenção da investigação no
STF em relação a outros investigados poderia redundar em evidente prejuízo à apuração,
uma vez que colocaria desde logo em xeque o eixo básico da “opinio delicti”, que teria as
condutas nelas descritas como independentes. Vencido, no ponto, os Ministros Dias
Toffoli e Gilmar Mendes, que verificavam a existência de imbricação apta a justificar o
trâmite conjunto dos procedimentos penais. Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki,
22.6.2016. (Inq-4146)

STF. Informativo nº 849


(Primeira Turma)

Busca e apreensão, violação de correspondência e domicílio - 2


A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, desproveu recurso
ordinário em “habeas corpus” em que se discutia a validade de atos realizados durante
investigação pela suposta prática de falsidade documental — v. Informativo 834.
No caso, procurador do Ministério Público do Trabalho teria forjado a assinatura da
procuradora-chefe, em promoção formulada por si próprio. O relator do inquérito havia
deferido diligência requerida pelo “Parquet” apenas em relação ao equipamento usado pelo
indiciado, com a finalidade de averiguar se a promoção fora lá elaborada. Porém, ao
cumprir o mandado, o procurador-chefe substituto também havia autorizado a arrecadação
do computador do gabinete da chefia da Procuradoria Regional. A defesa insurgia-se contra
a apreensão desse equipamento, por transbordar os limites do mandado, bem assim contra
a impossibilidade de indicar assistente técnico e de formular quesitos nessa fase
inquisitorial. Além disso, sustentava que se teria procedido à análise do equipamento
utilizado pelo recorrente de forma indevida, porque verificada sua correspondência
eletrônica lá armazenada, em violação ao art. 5º, XII, da Constituição Federal.

122
O Colegiado entendeu que, na hipótese, o fato de ter havido a entrega espontânea
dos computadores traduz peculiaridade. Além disso, não cabe falar em violação ao direito à
intimidade, por se tratar de material disponibilizado, inclusive, para o serviço público.
Ademais, no que diz respeito à suposta violação do sigilo de correspondência
eletrônica, não houve quebra da troca de dados, mas sim acesso aos dados registrados nos
computadores.
Sublinhou, também, no tocante ao cerceamento de defesa por indeferimento de
diligência no curso da investigação, não ser o momento próprio para invocar o exercício do
contraditório e da ampla defesa. Lembrou, inclusive, que a denúncia já havia sido recebida.
Enfatizou, ainda, que uma vez entregue o computador que não constava da ordem
de busca e apreensão, a perícia nessa máquina foi sustada. Depois de reapreciada a decisão,
foi deferido o exame do elemento de prova. Assim, no caso, não houve a produção de
prova ilícita para, posteriormente, decidir-se sobre sua admissão. A prova apenas foi
produzida depois de decidido sobre a licitude da colheita do equipamento.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), acompanhado pela ministra Rosa
Weber, que provia parcialmente o recurso para anular a apreensão e a perícia feitas em
computador diverso do usado pelo recorrente. Determinava, também, o desentranhamento
do processo. Além disso, reconhecia a validade da perícia realizada no equipamento
utilizado pelo acusado e assentava inexistir, no inquérito, direito da defesa à indicação de
assistente técnico e à formulação de quesitos. RHC 132062/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio,
red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 29.11.2016. (RHC-123062)

STF. Informativo nº 849


(Segunda Turma)

Prova ilícita e desentranhamento de peças processuais


A Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no
qual se pretendia o desentranhamento de peças processuais que fizessem referência a prova
pericial obtida de forma ilícita.
No caso, o paciente foi pronunciado pela prática dos crimes descritos no art. 121, §
2º, IV (por duas vezes), combinado com o art. 70 do Código Penal (CP) e com os arts. 306
e 307, “caput”, do Código de Trânsito Brasileiro, aplicando-se a regra do art. 69 do CP.
Diante da ilicitude do exame pericial de alcoolemia realizado no sangue do paciente, o
tribunal de origem determinou fossem riscadas quaisquer referências aos resultados do
exame na denúncia, na pronúncia e no acórdão embargado.
Os impetrantes alegavam que o tribunal de origem, ao reconhecer que a prova
havia sido obtida por meios ilícitos, também deveria ter declarado a ilicitude e determinado

123
o desentranhamento das peças processuais que se reportavam ao exame de alcoolemia
(denúncia, sentença de pronúncia e acórdão do recurso em sentido estrito), nos termos do
art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal (CPP). Tal atitude evitaria que esses elementos
influenciassem no convencimento dos juízes leigos do Tribunal do Júri.
A Turma, inicialmente, indeferiu o pedido de suspensão do julgamento pelo
Tribunal do Júri até a preclusão da pronúncia. Isso ocorreu em razão da existência de
“habeas corpus” impetrado em favor do paciente e afetado ao Plenário (HC 132.512).
Quanto ao pedido de exclusão das peças processuais, assentou que a denúncia, a
pronúncia, o acórdão e as demais peças judiciais não são provas do crime. Por isso, em
princípio, estão fora da regra constitucional que determina a exclusão das provas obtidas
por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF/1988).
Asseverou, ademais, que o art. 157 do CPP, ao tratar das provas ilícitas e derivadas,
não prevê a exclusão de peças processuais que a elas façam referência. Entendeu, ainda,
que o tribunal de origem acolheu interpretação teleológica favorável à defesa, ao determinar
que as referências ao resultado do exame fossem riscadas das peças processuais.
Ponderou que as limitações ao debate em plenário, mencionadas nos arts. 478 e 479
do CPP, com redação dada pela Lei 11.689/2008, são pontuais e vêm recebendo
interpretação restritiva pela Corte, bem como que a exclusão de prova ilícita não é
contemplada nas normas de restrição ao debate. Em suma, a exclusão de peça que faça
menções à realização da prova e ao debate quanto à validade da prova não é uma
consequência óbvia da exclusão da prova.
Ressaltou, por fim, que não se aplica ao caso a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal que afasta o envelopamento como alternativa à desconstituição da pronúncia por
excesso de linguagem. Isso porque os jurados recebem cópia da peça processual relativa à
pronúncia e têm a prerrogativa de acessar a integralidade dos autos (arts. 472, parágrafo
único; e 480, § 3º, do CPP). Logo, seria incompatível com o rito que a decisão de
pronúncia fosse uma peça oculta (HC 123.311/PR, DJe de 14.4.2015; e RHC 122.909/SE,
DJe de 9.12.2014). RHC 137368/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29.11.2016.
(RHC-137368)

STJ. Informativo nº 577


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL DE


PROVAS OBTIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
Os dados bancários entregues à autoridade fiscal pela sociedade empresária
fiscalizada, após regular intimação e independentemente de prévia autorização

124
judicial, podem ser utilizados para subsidiar a instauração de inquérito policial para
apurar suposta prática de crime contra a ordem tributária. De fato, a Primeira Seção
do STJ, ao apreciar o REsp 1.134.665-SP (DJe 18/12/2009), submetido ao rito do art. 543-
C do CPC, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia
autorização judicial para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei n.
8.021/1990 e pela LC n. 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata.
Contudo, conquanto atualmente o STJ admita o intercâmbio de informações entre as
instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição de crédito tributário, o
certo é que tal entendimento não se estende à utilização de tais dados para que seja
deflagrada a persecução penal. Isso porque, como é cediço, o sigilo bancário é garantido no
art. 5º da CF, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por
determinação constitucional, precisa ser fundamentada (art. 93, IX). Na hipótese, todavia,
consta do termo de constatação, retenção e intimação, firmado por auditor fiscal da Receita
Federal, que a sociedade empresária apresentou diversas notas fiscais e cópias dos extratos
bancários das contas por ela movimentadas após ser regularmente intimada. RHC 66.520-
RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 2/2/2016, DJe 15/2/2016.

STJ. Informativo nº 583


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXTRAÇÃO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO


JUDICIAL DE DADOS E DE CONVERSAS REGISTRADAS NO WHATSAPP.
Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio
da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no celular
do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no
momento da prisão em flagrante. Realmente, a CF prevê como garantias ao cidadão a
inviolabilidade da intimidade, do sigilo de correspondência, dados e comunicações
telefônicas (art. 5º, X e XII), salvo ordem judicial. No caso das comunicações telefônicas, a
Lei n. 9.294/1996 regulamentou o tema. Por sua vez, a Lei n. 9.472/1997, ao dispor sobre
a organização dos serviços de telecomunicações, prescreveu: "Art. 3º. O usuário de serviços
de telecomunicações tem direito: (...) V - à inviolabilidade e ao segredo de sua
comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas." Na
mesma linha, a Lei n. 12.965/2014, a qual estabelece os princípios, garantias e deveres para
o uso da internet no Brasil, elucidou que: "Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao
exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade
da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela

125
internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas
comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial." No caso, existiu acesso,
mesmo sem ordem judicial, aos dados de celular e às conversas de whatsapp. Realmente,
essa devassa de dados particulares ocasionou violação à intimidade do agente. Isso porque,
embora possível o acesso, era necessária a prévia autorização judicial devidamente
motivada. Registre-se, na hipótese, que nas conversas mantidas pelo programa whatsapp -
que é forma de comunicação escrita e imediata entre interlocutores - tem-se efetiva
interceptação não autorizada de comunicações. A presente situação é similar às conversas
mantidas por e-mail, cujo acesso também depende de prévia ordem judicial (HC 315.220-
RS, Sexta Turma, DJe 9/10/2015). Atualmente, o celular deixou de ser apenas um
instrumento de conversação por voz à longa distância, permitindo, diante do avanço
tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo a verificação de correspondência
eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio
de troca de dados de forma similar à telefonia convencional. Desse modo, sem prévia
autorização judicial, é ilícita a devassa de dados e de conversas de whatsapp realizada pela
polícia em celular apreendido. RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em
19/4/2016, DJe 9/5/2016.

STJ. Informativo nº 590


(Quinta Turma)

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ACESSO A DADOS


ARMAZENADOS EM TELEFONE CELULAR APREENDIDO COM BASE EM
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
Determinada judicialmente a busca e apreensão de telefone celular ou smartphone,
é lícito o acesso aos dados armazenados no aparelho apreendido, notadamente
quando a referida decisão o tenha expressamente autorizado. A Lei n. 9.296/1996 foi
enfática, em seu art. 1º, parágrafo único, ao dispor especificamente sobre a proteção ao
fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática. Nessa ordem de ideias,
depreende-se da mencionada norma, ao regulamentar o art. 5º, XII, da Carta Magna, que
houve uma preocupação do legislador em distinguir o que é a fluência da comunicação em
andamento, daquilo que corresponde aos dados obtidos como consequência desse diálogo.
Optou-se, em relação aos sistemas de informática e telemática, pela proteção à integridade
do curso da conversa desenvolvida pelos interlocutores. Não há, portanto, vedação ao
conhecimento do conteúdo dessa interação, já que cada interlocutor poderia excluir a
informação a qualquer momento e de acordo com sua vontade. Logo, a obtenção do
conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou

126
smartphones não se subordina aos ditames da Lei n. 9.296/1996. Necessário dizer, ainda,
que a Lei n. 12.965/2014, que regulamenta os direitos e deveres para o uso da internet no
Brasil, dispõe, em seu art. 7º, III, o seguinte: "Art. 7º O acesso à internet é essencial ao
exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: III -
inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem
judicial". Na espécie, contudo, existe a autorização judicial a que se remete a legislação,
inclusive com a alusão de que poderiam as autoridades responsáveis pela busca e apreensão
acessar dados armazenados em eventuais computadores, arquivos eletrônicos de qualquer
natureza, smartphones que forem encontrados. E mais, na pressuposição do comando de
apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam
armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o
aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado
como prova criminal. Assim, se se procedeu à busca e apreensão da base física de aparelhos
de telefone celular, a fortiori, não há óbice para se adentrar ao seu conteúdo, o qual, repise-
se, já está armazenado. RHC 75.800-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
15/9/2016, DJe 26/9/2016.

STJ. Informativo nº 593


(Quinta Turma)

CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. EXTRAÇÃO


DE PROVAS ADVINDAS DE TROCA DE MENSAGENS POR APARELHO DE
TELEFONE CELULAR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
DESCONSIDERAÇÃO DAS PROVAS OBTIDAS.
Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável
ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no
aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a
transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou
móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática. A temática do
especial, entre outras questões, cuidou de avaliar a licitude do acesso pela autoridade
policial, por ocasião da prisão em flagrante, dos dados armazenados no aparelho celular da
pessoa detida, sem a obtenção de autorização judicial prévia. O art. 6º do CPP estabelece
que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, deve
apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais
e colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias.
Por outro lado, a Lei n. 9.294/1996 preleciona: "Art. 1º A interceptação de comunicações

127
telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução
processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente
da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à
interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”. Por seu
turno, a Lei n. 9.472/1997, que versa sobre a organização dos serviços de
telecomunicações, dispõe: "Art. 3º O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
[...] V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições
constitucional e legalmente previstas". A Lei n. 12.965/2014, ao estabelecer os princípios,
garantias e deveres para o uso da internet no Brasil, prevê: "Art. 7º O acesso à internet é
essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I -
inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas
comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e
sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.” Ademais, o
art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do sigilo telefônico, da
correspondência, das comunicações telegráficas e telemáticas e de dados bancários e fiscais,
devendo a mitigação de tal preceito, para fins de investigação ou instrução criminal, ser
precedida de autorização judicial, em decisão motivada e emanada por juízo competente
(Teoria do Juízo Aparente), sob pena de nulidade. Nesse contexto, embora seja despicienda
ordem judicial para a apreensão dos celulares, ainda que verificada a situação de flagrância,
as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que deve
abranger igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais,
escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou
móvel ou, ainda, através de sistemas de informática e telemática. Logo, a fim de proteger
tanto o direito individual à intimidade quanto o direito difuso à segurança pública, deve a
autoridade policial, após a apreensão do telefone, requerer judicialmente a quebra do sigilo
dos dados nele armazenados. Além disso, somente é admitida a quebra do sigilo quando
houve indício razoável da autoria ou participação em infração penal; se a prova não puder
ser obtida por outro meio disponível, em atendimento ao princípio da proibição de
excesso; e se o fato investigado constituir infração penal punido com pena de reclusão.
RHC 67.379-RN, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em
20/10/2016, DJe 9/11/2016.

Prova Emprestada

STF. Informativo nº 815


(Primeira Turma)

128
Inquérito e compartilhamento de provas
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a
agravo regimental em que se discutia a possibilidade de compartilhar provas colhidas em
sede de investigação criminal com inquérito civil público, bem como outras ações
decorrentes dos dados resultantes do afastamento do sigilo financeiro e fiscal e dos alusivos
à interceptação telefônica — v. Informativos 780 e 803. O Colegiado, ao assentar a
viabilidade do compartilhamento de provas, reiterou o que decidido no Inq 2.424 QO-
QO/RJ (DJe de 24.8.2007) e na Pet 3.683 QO/MG (DJe de 20.2.2009), no sentido de que
“dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais,
judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em
instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar,
contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra
outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”.
Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que negavam provimento
ao agravo regimental. O relator afirmava que, em face do contido no art. 5º, XII, da CF,
não se poderia estender o afastamento do sigilo a situações concretas não previstas. Já o
Ministro Edson Fachin destacava que o compartilhamento de provas não seria,
peremptoriamente, vedado, porém sua regularidade deveria ser examinada de acordo com o
caso concreto. Inq 3305 AgR/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto
Barroso, 23.2.2016. (Inq-3305)

Incidente de Sanidade Mental

STF. Informativo nº 838


(Segunda Turma)

Incidente de insanidade mental e obrigatoriedade


O incidente de insanidade mental é prova pericial constituída em favor da defesa.
Logo, não é possível determiná-lo compulsoriamente na hipótese em que a defesa se
oponha à sua realização.
Essa é a conclusão da Segunda Turma ao conceder a ordem em “habeas corpus”
que discutiu a legitimidade de decisão judicial que deferira pedido formulado pelo
Ministério Público Militar determinando a instauração de incidente de insanidade mental,
com fundamento no art. 156 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), a ser realizado
por peritos médicos de hospital castrense.
A Segunda Turma afirmou que o Código Penal Militar (CPM) e o Código Penal
(CP) teriam adotado o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do

129
acusado. Assim, a circunstância de o agente ter doença mental provisória ou definitiva, ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico), não seria suficiente
para ele ser considerado penalmente inimputável, sem análise específica dessa condição
para aplicação da legislação penal.
Havendo dúvida sobre a imputabilidade, seria indispensável que, por meio de
procedimento médico, se verificasse que, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era
totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento (critério psicológico).
Contudo, no caso em comento, a defesa não solicitara a realização do mencionado
exame. Tendo isso em conta, o Colegiado asseverou que o paciente não estaria obrigado a
se submeter a esse exame. HC 133.078/RJ, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 6-9-
2016.

Medidas Assecuratórias

STJ. Informativo nº 587


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. MODO DE IMPUGNAÇÃO DE MEDIDA


ASSECURATÓRIA PREVISTA NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO.
É possível a interposição de apelação, com fundamento no art. 593, II, do CPP,
contra decisão que tenha determinado medida assecuratória prevista no art. 4º,
caput, da Lei n. 9.613/1998 (Lei de lavagem de Dinheiro), a despeito da
possibilidade de postulação direta ao juiz constritor objetivando a liberação total ou
parcial dos bens, direitos ou valores constritos (art. 4º, §§ 2º e 3º, da mesma Lei). As
dificuldades de enquadramento teórico das medidas cautelares patrimoniais, como o
sequestro e o arresto, no âmbito do processo penal, são afirmadas por doutrina, ao
reconhecer que "o Código de Processo Penal não empregou a palavra seqüestro em seu
sentido estrito e técnico; deu-lhe compreensão demasiadamente grande, fazendo entrar nela
não apenas o que tradicionalmente se costuma denominar seqüestro, mas também outros
institutos afins e, especialmente, o arresto", ressaltando, ainda, que "a confusão não foi
apenas terminológica", porquanto "misturam-se, por vêzes, no mesmo instituto coisas que
são próprias do seqüestro com outras que são peculiares ao arresto". Quanto aos meios de
defesa contra o sequestro ou arresto de bens, a jurisprudência do STJ (REsp 258.167-MA,
Quinta Turma, DJe 10/6/2002; e AgRg no RMS 45.707-PR, Quinta Turma, DJe
15/5/2015) e do STF (RE 106.738-MT, Primeira Turma, DJ 1º/8/1986) afirma ser o
recurso de apelação previsto no art. 593, II, do CPP a via de impugnação idônea para
combater as decisões que impliquem a concessão de cautelar patrimonial no processo

130
penal. A par disso, convém esclarecer que, a partir da Lei n. 12.683/2012, introduziram-se
alterações na Lei de Lavagem de Dinheiro, entre as quais, de relevante para a espécie, a
concernente à previsão de um outro tipo de medida acauteladora, de ordem patrimonial, e
que conta com abrangência e requisitos específicos, prevista no art. 4º, caput, da Lei de
Lavagem de Dinheiro: "O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou
mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e
quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas
assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em
nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes
previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes." Destaque-se que, conforme
entendimento doutrinário, essa alteração legislativa "parece ampliar o conceito de sequestro
para estendê-lo também a quaisquer valores e/ou direitos, desde que constituam proveito
ou produto do crime [...] E mais ainda. Tanto poderão ser apreendidos os bens produto do
crime antecedente quanto o do delito de lavagem em apuração e/ou processo". Frise-se,
ainda, que há entendimento doutrinário de não ser apenas em relação aos bens que
constituam proveito ou produto da infração que poderão recair as medidas constritivas,
visto que se mostrarão cabíveis, ademais, para a "reparação do dano causado pelo crime de
lavagem e seu antecedente e para o pagamento de prestação pecuniária (em caso de
condenação), multa e custas processuais". Nesse contexto, o § 4º do aludido art. 4º dispõe:
"Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para
reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou
para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas." Além disso, a previsão dos §§ 2º e
3º do art. 4° da Lei n. 9.613/1998, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.
12.683/2012, introduz questionamentos relevantes, cujo exame revela-se importante para a
espécie: "§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores
quando comprovada a licitude de sua origem , mantendo-se a constrição dos bens, direitos
e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações
pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal; § 3º Nenhum pedido de
liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta
pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos
necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º."
Agora, a respeito do modo de se impugnar a decisão que tenha determinado a constrição
de bens no campo particular da Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 4°), é oscilante a
doutrina. Essa descontinuidade, divisada na ausência de uniformidade doutrinária sobre
tema sensível, deita suas raízes numa normativa processual penal potencialmente
carecedora de revisão. Não se pode, entretanto, onerar a parte com o descortinamento da

131
medida necessária para fazer conhecidas as suas alegações. Nessa ordem de ideias, se o
CPP estatui, para as cautelares patrimoniais, como o sequestro e o arresto, mecanismos de
impugnação a serem veiculados perante o juízo de primeiro grau, que decretou a medida
constritiva, e, não obstante, a jurisprudência vem admitindo que se valha o interessado do
recurso de apelação, não há razão idônea conducente ao afastamento do mesmo alvitre no
âmbito específico da Lei de Lavagem de Dinheiro. REsp 1.585.781-RS, Rel. Min. Felix
Fischer, julgado em 28/6/2016, DJe 1/8/2016.

Busca e Apreensão

STF. Informativo nº 843


(Segunda Turma)

Busca veicular e autorização judicial


A Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no
qual se questionava a licitude de prova obtida por policiais durante investigação sobre
crime contra a economia popular, caracterizado pela formação de cartel no mercado de gás
de cozinha no Distrito Federal (DF).
No caso, agentes da Polícia Civil do DF, após o cumprimento de mandado de
busca e apreensão na residência do paciente, obtiveram, por meio de interceptação
telefônica, ciência da existência de documento relacionado ao objeto das investigações, que
estaria escondido no interior do automóvel de um dos investigados.
A defesa alegava que, cumprido o primeiro mandado de busca e apreensão — com
a lavratura do respectivo auto —, a apreensão de documentos no interior de automóvel do
paciente, que estava estacionado, trancado e sem condutor, exigiria nova autorização
judicial. Argumentava, ademais, que a busca veicular poderia ser equiparada à busca pessoal
apenas nas hipóteses taxativas do art. 244 do Código de Processo Penal (CPP).
O Colegiado decidiu que as medidas cautelares, por reclamarem especial urgência,
não prescindem de agilidade, mas também não podem se distanciar das necessárias
autorizações legais e judiciais. Consignou, também, que as apreensões de documentos no
interior de veículos automotores, por constituírem hipótese de busca pessoal —
caracterizada pela inspeção do corpo, das vestes, de objetos e de veículos (não destinados à
habitação do indivíduo) —, dispensam autorização judicial quando houver fundada
suspeita de que neles estão ocultados elementos necessários à elucidação dos fatos
investigados, a teor do disposto no art. 240, § 2º, do CPP. RHC 117767/DF, rel. min.
Teori Zavascki, julgamento em 11.10.2016. (RHC-117767)

132
Interceptação Telefônica

STF. Informativo nº 816


(Segunda Turma)

Interceptação telefônica e competência


A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que discutida a
competência para o exame de medidas cautelares em procedimento de investigação
criminal. Na espécie, o juízo da vara central de inquéritos de justiça estadual deferira
interceptação telefônica e suas sucessivas prorrogações nos autos da referida
investigação. A defesa alegava que esse juízo especializado seria incompetente, pois o
procedimento investigatório seria incidente relacionado a ação penal atribuída a outro
juízo. O Colegiado reputou que o art. 1º da Lei 9.296/1996 (“A interceptação de
comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e
em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do
juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”) não fixa regra de
competência, mas sim reserva de jurisdição para quebra de sigilo, o que fora observado.
Além disso, há precedentes do STF que admitem a divisão de tarefas entre juízes que
atuam na fase de inquérito e na fase da ação penal. HC 126536/ES, rel. Min. Teori
Zavascki, 1º.3.2016. (HC-126536)

STF. Informativo nº 832


(Segunda Turma)

Prerrogativas da advocacia e interceptação telefônica


A Segunda Turma não conheceu de “habeas corpus” em que se discutia nulidade
processual por violação ao direito de defesa e às prerrogativas do advogado em face de
interceptação telefônica de defensor. A Turma afirmou que a questão não teria sido
examinada pelo STJ e nem houvera manifestação das demais instâncias inferiores, de modo
que a sua apreciação por essa Corte implicaria supressão de instância. Ademais, não se
vislumbrou a possibilidade de concessão da ordem de ofício. Consignou que a ofensa das
prerrogativas da defesa e do advogado poderia produzir consequências processuais de três
ordens, mas não gerariam a automática absolvição do imputado. Em primeiro lugar,
poderia servir para a cassação ou invalidação do ato judicial. Em segundo lugar, poderia ser
fundamento para a invalidação dos atos processuais subsequentes ao ato atentatório e com
ele relacionados. Em terceiro lugar, poderia haver base para a recusa do magistrado, caso a
transgressão apontar para a parcialidade dele. Observou que o magistrado atendera pedido
do paciente e determinara o desentranhamento e a inutilização da prova. Notou que essa

133
autoridade judicial teria feito constar que, da diligência, não resultara material útil e que não
percebera que o telefone seria de advogado que atuaria no processo. Tendo em vista esse
contexto, a primeira consequência da afronta à prerrogativa profissional — cassação ou
invalidação do ato judicial — estaria fora de cogitação nesse caso. O resultado da
interceptação fora desentranhado e destruído, após a defesa informar que o terminal
interceptado pertenceria ao patrono do acusado. Não haveria nulidade a ser decretada,
visto que o ato já se tornara ineficaz.
No que se refere ao segundo efeito — a invalidação dos atos subsequentes —, o
CPP estabelece que a nulidade de um ato atinge aos demais que tenham relação de
dependência ou que sejam consequência desse primeiro ato (CPP, art. 573, § 1º). Na
situação dos autos, os atos subsequentes não teriam violado as prerrogativas da defesa ou
dos advogados, mas dependeriam e seriam consequência do ato violador. Sua invalidade
decorreria do nexo com o ato violador de prerrogativas, não da violação em si. Logo,
quanto a eles, as garantias defensivas e advocatícias não estariam em jogo. Sendo assim,
seria indispensável a demonstração do liame entre o ato violador e o ato contaminado. No
caso em julgamento, não haveria, ao menos aparentemente, atos ligados à interceptação.
Tampouco, haveria elementos que indicassem que a interceptação tivesse revelado matéria
reservada ao interesse da defesa. A instrução deficiente do “habeas corpus” não permitiria
saber se a defesa tivera acesso ao material interceptado, antes de sua destruição. Além
disso, existiriam elementos de que o advogado interceptado não seria figura central na
defesa. Sublinhou que, em nenhum momento, o paciente ficara desassistido. Outros
profissionais que o representariam seguiram atuando. Logo, se se tornasse sem efeito o ato,
e não houvesse outros dele dependentes, não haveria razão para invalidar a ação penal.
Quanto à terceira implicação — fundamentar a recusa do magistrado —, assinalou que a
interceptação decorrera de suspeita infundada de participação em atividade criminosa pelo
titular do terminal telefônico, sem que a qualidade de advogado tivesse sido percebida. A
interceptação teria sido determinada pelo magistrado atendendo representação policial. Ou
seja, não teria sido o julgador quem selecionara o telefone como alvo da investigação. Em
suma, os elementos indicariam que o magistrado não buscara afrontar direitos da defesa.
Também não revelariam ofensa a prerrogativas advocatícias decorrentes de desídia do
julgador. A atuação, no ponto, não parece ter fugido da conduta que se espera de um
magistrado imparcial. Portanto, não haveria evidente violação a direitos do paciente. HC
129706/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.6.2016. (HC-129706)

STJ. Informativo nº 575


(Sexta Turma)

134
DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E ENVIO À
INSTÂNCIA ESPECIAL DE DIÁLOGO ENVOLVENDO TERCEIRO NÃO
INVESTIGADO DETENTOR DE PRERROGATIVA DE FORO.
Durante interceptação telefônica deferida em primeiro grau de jurisdição, a
captação fortuita de diálogos mantidos por autoridade com prerrogativa de foro não
impõe, por si só, a remessa imediata dos autos ao Tribunal competente para
processar e julgar a referida autoridade, sem que antes se avalie a idoneidade e a
suficiência dos dados colhidos para se firmar o convencimento acerca do possível
envolvimento do detentor de prerrogativa de foro com a prática de crime. De fato,
uma simples conversa, um encontro casual ou mesmo sinais claros de amizade e contatos
frequentes de indivíduo sob investigação com uma autoridade pública não pode, por si só,
redundar na conclusão de que esta última participaria do esquema criminoso objeto da
investigação. Nem mesmo a referência a favores pessoais, a contatos com terceiros, a
negociações suspeitas implica, de per si, a inarredável conclusão de que se está diante de
práticas criminosas merecedoras de imediata apuração, notadamente quando um dos
interlocutores integra um dos Poderes da República e, portanto, pode ter sua
honorabilidade e imagem pública manchadas pela simples notícia de que está sob
investigação. Isto é: aquilo que se imagina ser uma prerrogativa e uma proteção ao agente
político, a depender da situação, pode converter-se em precipitada conclusão tendenciosa e
nefasta ao patrimônio moral da autoridade. Dito de modo mais específico, a simples
captação de diálogos de quem detém foro especial com alguém que está sendo investigado
por práticas ilícitas não pode conduzir, tão logo surjam conversas suspeitas, à conclusão de
que a referida autoridade é participante da atividade criminosa investigada ou de outro
delito qualquer, sendo mister um mínimo de avaliação quanto à idoneidade e à suficiência
de dados para desencadear o procedimento esperado da autoridade judiciária responsável
pela investigação. Em verdade, há de se ter certo cuidado para não se extraírem conclusões
precipitadas ante a escuta fortuita de conversas. Em certos casos, a existência de
proximidade espúria da autoridade pública com as pessoas investigadas somente vai
ganhando contornos na medida em que a investigação se aprofunda, sem que seja possível
ao magistrado delimitar, incontinenti, a ocorrência dessa relação. Isso se justifica pela própria
natureza da interceptação telefônica, que, ao monitorar diretamente a comunicação verbal
entre pessoas, necessariamente acaba por envolver terceiros, em regra não investigados, no
campo de sua abrangência. E, somente com a continuidade por determinado período das
interceptações, afigura-se concreta a possibilidade de serem alcançados resultados mais
concludentes sobre o conteúdo das conversas interceptadas, uma vez que apenas os olhos
de um observador futuro - munido do conjunto de informações já coletadas, de modo que

135
permitam a análise conjunta e organizada de todas as conversas - podem enxergar, com
clareza e foco preciso, o que um apressado e contemporâneo observador, provido de
diálogos desconexos e linearmente apresentados, terá dificuldades para perceber. Nessa
linha intelectiva, a remessa imediata de toda e qualquer investigação em que noticiada a
possível prática delitiva de detentor de prerrogativa de foro ao órgão jurisdicional
competente não só pode implicar prejuízo à investigação de fatos de particular e notório
interesse público, como também representar sobrecarga acentuada aos tribunais, a par de,
eventualmente, engendrar prematuras suspeitas sobre pessoa cujas honorabilidade e
respeitabilidade perante a opinião pública são determinantes para a continuidade e o êxito
de sua carreira. De outro lado, não tem sido hábito dos tribunais pátrios extrair conclusões
tão rígidas de atrasos de atos processuais expressamente previstos em lei, inclusive aqueles
para os quais se prevejam prazos para sua prática. Ao contrário, até mesmo quando há
desrespeito aos prazos procedimentais em processos envolvendo réus presos, é
consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de não ser reconhecido o
constrangimento ilegal, ante critérios de razoabilidade, sobretudo quando se cuida de
processos ou investigações com particular complexidade, envolvendo vários réus ou
investigados. Portanto, é possível afirmar que, tão somente em um claro contexto fático do
qual se possa com segurança depreender, a partir dos diálogos dos investigados com pessoa
detentora de foro especial, que há indícios concretos de envolvimento dessa pessoa com a
prática de crime(s), será imperativo o envio dos elementos de informação ao tribunal
competente. De mais a mais, a lei não estabelece prazo peremptório para o envio dos
elementos de prova obtidos por meio da interceptação telefônica. HC 307.152-GO, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 19/11/2015, DJe 15/12/2015.

Segredo de Justiça

STJ. Informativo nº 587


(Quinta Turma)

DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGREDO DE JUSTIÇA E DIVULGAÇÃO DO


NOME DO RÉU E DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME EM SÍTIO ELETRÔNICO DE
TRIBUNAL.
No caso de processo penal que tramita sob segredo de justiça em razão da
qualidade da vítima (criança ou adolescente), o nome completo do acusado e a
tipificação legal do delito podem constar entre os dados básicos do processo
disponibilizados para consulta livre no sítio eletrônico do Tribunal, ainda que os
crimes apurados se relacionem com pornografia infantil. A CF, em seu art. 5º,

136
XXXIII e LX, erigiu como regra a publicidade dos atos processuais, sendo o sigilo a
exceção, visto que o interesse individual não pode se sobrepor ao interesse público. Tal
norma é secundada pelo disposto no art. 792, caput, do CPP. A restrição da publicidade
somente é admitida quando presentes razões autorizadoras, consistentes na violação da
intimidade ou se o interesse público a determinar. Nessa mesma esteira, a Quarta Turma do
STJ, examinando o direito ao esquecimento (REsp 1.334.097-RJ, DJe 10/9/2013),
reconheceu ser "evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da
resposta estatal ao fenômeno criminal". Ademais, os arts. 1º e 2º da Resolução n. 121/2010
do CNJ, que definem os dados básicos dos processos judiciais passíveis de disponibilização
na internet, assim como a possibilidade de restrição de divulgação de dados processuais em
caso de sigilo ou segredo de justiça, não têm o condão de se sobrepor ao princípio
constitucional da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LV, da CF), tampouco podem
prescindir da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF).
Assim sendo, eventual decretação de uma exceção que justificaria a imposição de sigilo
absoluto aos dados básicos de um processo judicial não constitui direito subjetivo da parte
envolvida em processo que tramita sob segredo de justiça, demandando, ao contrário, uma
avaliação particular que delimite o grau de sigilo aconselhável em cada caso concreto,
avaliação essa devidamente fundamentada em decisão judicial. Nesse sentido, a mera
repulsa que um delito possa causar à sociedade não constitui, por si só, fundamento
suficiente para autorizar a decretação de sigilo absoluto sobre os dados básicos de um
processo penal, sob pena de se ensejar a extensão de tal sigilo a toda e qualquer tipificação
legal de delitos, com a consequente priorização do direito à intimidade do réu em
detrimento do princípio da publicidade dos atos processuais. RMS 49.920-SP, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 2/8/2016, DJe 10/8/2016.

Sigilo Bancário

STJ. Informativo nº 581


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. ENTREGA ESPONTÂNEA DE DOCUMENTOS


E SIGILO BANCÁRIO.
Não configura quebra de sigilo bancário e fiscal o acesso do MP a recibos e
comprovantes de depósitos bancários entregues espontaneamente pela ex-
companheira do investigado os quais foram voluntariamente deixados sob a
responsabilidade dela pelo próprio investigado. De fato, o STJ, em observância aos
arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, é categórico em afirmar que "a quebra do sigilo bancário para
investigação criminal deve ser necessariamente submetida à avaliação do magistrado

137
competente" (HC 258.460-SP, Sexta Turma, DJe 18/8/2014). O sigilo bancário é um dever
jurídico imposto às instituições financeiras para que estas não divulguem informações
acerca das movimentações financeiras de seus clientes, tais como aplicações, depósitos,
saques etc. Tal imposição legal deriva do próprio art. 1º da LC n. 105/2001, que assim
dispõe: "As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e
serviços prestados." Semelhante ao dever jurídico imposto às instituições financeiras, o art.
198 do CTN proibiu a Fazenda Pública e seus servidores públicos a divulgação de qualquer
informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira dos
sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou
atividades. Assim, tanto as instituições financeiras quanto a Administração Pública Direta
ou Indireta não estão autorizadas a fornecer dados financeiros e/ou fiscais que detenham
em razão do exercício de suas atividades e funções, salvo, conforme autorização do art. 5º,
XII, da CF, mediante autorização judicial devidamente motivada. O caso, contudo, não se
refere a sigilo bancário e/ou fiscal, não estando, pois, abrangido pelo direito fundamental
consagrado no art. 5º, XII, da CF. Isso porque não houve, em momento algum, quebra
ilegal de sigilo bancário e/ou fiscal pelo Parquet, pois os dados fornecidos não se
encontravam mais sob a tutela de instituições financeiras e/ou da Administração Pública -
às quais são impostas a obrigatoriedade de proteção do sigilo bancário e fiscal - mas, sim,
tratava-se de recibos que foram voluntariamente deixados pelo próprio investigado sob a
responsabilidade de sua companheira, tendo esta, espontaneamente, entregue tais
documentos ao MP. Ademais, o STJ já se pronunciou, em situação que guarda correlação
jurídica com a tese exposta, que, inexistindo hipótese de quebra efetiva de sigilo bancário,
desnecessária se faz a respectiva autorização judicial (REsp 1.497.041-PR, Sexta Turma,
DJe 9/12/2015). RHC 34.799-PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado
em 17/3/2016, DJe 20/4/2016.

Procedimentos

STF. Informativo nº 829


(Segunda Turma)

Processo eletrônico: corréus com advogados distintos e prazo em dobro


Não cabe a aplicação subsidiária do art. 229, “caput”, do CPC/2015 em inquéritos
e ações penais originárias em que os atos processuais das partes são praticados por via
eletrônica e todos os interessados — advogados e membros do Ministério Público — têm
acesso amplo e simultâneo ao inteiro teor dos autos. Nesse sentido, a Segunda Turma
resolveu questão de ordem em que acusados representados por advogados distintos
requisitavam prazo em dobro para a resposta prevista no art. 4º da Lei 8.038/1990. Com o

138
advento do novo CPC, o Colegiado consignou que, nos processos eletrônicos, não há falar
em prazo em dobro para as manifestações de corréus com diferentes procuradores, seja em
qualquer juízo ou tribunal, dependente ou não de requerimento. Além disso, na situação
dos autos, o acesso amplo e simultâneo aos atos processuais praticados por via eletrônica
estaria evidenciado, uma vez que junto com o mandado de notificação dos corréus fora
enviada uma mídia digital em CD, contendo cópia integral dos autos. Aliado a isso,
constantemente é realizada a atualização do material digital, sendo permitido e utilizado o
peticionamento eletrônico. Inq 3980 QO/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 7.6.2016. (Inq-
3980)

STF. Informativo nº 829


(Segunda Turma)

Processo eletrônico: corréus com advogados distintos e prazo em dobro


Não cabe a aplicação subsidiária do art. 229, “caput”, do CPC/2015 em inquéritos
e ações penais originárias em que os atos processuais das partes são praticados por via
eletrônica e todos os interessados — advogados e membros do Ministério Público — têm
acesso amplo e simultâneo ao inteiro teor dos autos. Nesse sentido, a Segunda Turma
resolveu questão de ordem em que acusados representados por advogados distintos
requisitavam prazo em dobro para a resposta prevista no art. 4º da Lei 8.038/1990. Com o
advento do novo CPC, o Colegiado consignou que, nos processos eletrônicos, não há falar
em prazo em dobro para as manifestações de corréus com diferentes procuradores, seja em
qualquer juízo ou tribunal, dependente ou não de requerimento. Além disso, na situação
dos autos, o acesso amplo e simultâneo aos atos processuais praticados por via eletrônica
estaria evidenciado, uma vez que junto com o mandado de notificação dos corréus fora
enviada uma mídia digital em CD, contendo cópia integral dos autos. Aliado a isso,
constantemente é realizada a atualização do material digital, sendo permitido e utilizado o
peticionamento eletrônico. Inq 3980 QO/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 7.6.2016. (Inq-
3980)

STJ. Informativo nº 577


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPLEMENTAÇÃO DE DENÚNCIA COM


ROL DE TESTEMUNHAS.
A intimação do Ministério Público para que indique as provas que pretende
produzir em Juízo e a juntada do rol de testemunhas pela acusação, após a
apresentação da denúncia, mas antes da formação da relação processual, não são

139
causas, por si sós, de nulidade absoluta. Isso porque, a despeito da previsão legal do
momento processual adequado para o arrolamento das testemunhas tanto para a acusação
(art. 41 do CPP) quanto para a defesa (arts. 396 e 396-A), aspectos procedimentais devem
ser observados pelas partes, devendo-se proceder a uma visão global do todo previsto,
interpretando sistematicamente o CPP. E, nos termos do art. 284 do CPC, aplicado
subsidiariamente ao processo penal, por força do art. 3º do Diploma Processual Penal,
"Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e
283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de
mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 dias" e, acaso se
mantenha inerte a parte autora, deverá o magistrado, aí sim, nos termos do parágrafo único
do art. 284 do CPC, indeferir a petição inicial. Referida previsão legal foi aprimorada no
Novo CPC, o qual dispõe no seu art. 319 que o juiz tem o dever de, ao verificar que a
petição inicial não preenche os requisitos legais dos arts. 319 e 320 ou que apresente
defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinar ao autor
que emende a inicial ou a complemente, indicando com precisão o que deve ser corrigido
ou completado, quando, tão somente após, estará legitimado a indeferir a petição inicial,
caso o vício não seja suprimido. Com efeito, o nosso sistema processual é informado pelo
princípio da cooperação, sendo pois, o processo, um produto da atividade cooperativa
triangular entre o juiz e as partes, no qual todos devem buscar a justa aplicação do
ordenamento jurídico no caso concreto, não podendo o magistrado se limitar a ser mero
fiscal de regras, devendo, ao contrário, quando constatar deficiências postulatórias das
partes, indicá-las, precisamente, a fim de evitar delongas desnecessárias e a extinção do
processo sem a análise de seu mérito. Assim, ainda que não observado o referido momento
processual adequado para a indicação das provas que pretendia produzir, o que, em tese,
pode levar ao reconhecimento da preclusão na prática do referido ato processual, o certo é
que o magistrado, verificando a irregularidade na denúncia que pode levar ao seu
indeferimento por ser inepta, tem o poder-dever de determinar a intimação da parte para
que proceda à correção da petição inicial, sob pena de não o fazendo, ter que reconhecer
nulidade posterior, ensejando o desnecessário ajuizamento de nova ação penal. Vale
observar, igualmente, que não se verifica violação do sistema acusatório, pois, como já
ressaltado anteriormente, o juiz, no caso, verificando irregularidade na denúncia que
poderia ensejar o reconhecimento de sua inépcia por ausência de condição da ação, intimou
o Parquet para que este esclarecesse sua pretensão de produzir provas em juízo, devendo
indicá-las em caso positivo, não tendo, em nenhum momento, indicado precisamente
qual(is) prova(s) seria(m) esta(s). Logo, sua atividade foi de prevenção de extinção do
processo sem julgamento de mérito e não de substituição da atividade probatória das

140
partes. Ademais, o art. 563 do CPP determina que "Nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar nenhum prejuízo para a acusação ou para a defesa". E, no caso em
análise, a determinação de correção da petição inicial acusatória pelo magistrado, sem a
indicação das provas que deveriam ser requeridas pelo Ministério Público, não ensejou
qualquer prejuízo ao réu, pois, como já ressaltado, o juiz de primeiro grau abriu vista ao
Parquet antes mesmo da intimação e citação do acusado para o oferecimento de resposta à
acusação, tendo a defesa amplas possibilidades de contraditar os elementos probatórios até
então requeridos, situação que demonstra a inexistência de violação dos princípios do
contraditório e da ampla defesa e de qualquer prejuízo ao réu. Vale observar
especificamente quanto ao rol de testemunhas que, ainda que o Parquet não tivesse
indicado nenhuma testemunha, o juiz, nos termos do art. 209 do CPP, poderia determinar,
a qualquer momento do processo, a oitiva daquelas que julgasse necessárias. Além do mais,
no sistema processual penal brasileiro, o órgão jurisdicional é o destinatário da prova
produzida no processo, uma vez que será o competente para o processo e o julgamento do
delito, nos termos preconizados pelo art. 155. Entendimento em sentido diverso viola o
próprio princípio do impulso oficial, pois o magistrado, ainda que verifique alguma
irregularidade em atos processuais praticados pelas partes, estaria impedido de determinar o
seu saneamento, só lhe restando, ao final, reconhecer a nulidade do ato e provocar o
desnecessário e evitável ajuizamento de nova ação penal. Por fim, ressalte-se que, de modo
distinto, a Sexta Turma entendeu, por maioria de votos, nos autos do RHC 45.921-SP (DJe
29/5/2015), reconheceu a impossibilidade do Juiz determinar a intimação do Parquet para
que procedesse à inclusão das testemunhas quando verificado a ausência de indicação do
respectivo rol e do protesto pela produção das provas na denúncia, sob pena de violação
do sistema acusatório e de subversão das fases procedimentais previstas no Diploma
Processual. Precedente citado do STJ: HC 320.771-RS, Quinta Turma, DJe 30/9/2015.
Precedente citado do STF: RHC 86.793-CE, Primeira Turma, DJ 8/11/2005. RHC
37.587-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 16/2/2016, DJe
23/2/2016.

Processos de Competência Originária dos Tribunais Superiores

STJ. Informativo nº 574


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. MOMENTO DA APRESENTAÇÃO DE


EXCEÇÃO DA VERDADE.
Nas demandas que seguem o rito dos processos de competência originária dos
Tribunais Superiores (Lei n. 8.038/1990), é tempestiva a exceção da verdade

141
apresentada no prazo da defesa prévia (art. 8º), ainda que o acusado tenha
apresentado defesa preliminar (art. 4º). Como é cediço, a exceção da verdade é meio
processual de defesa indireta do réu, podendo ser apresentada nos processos em que se
apuram crimes de calúnia (art. 138, § 3º, do CP) e de difamação, quando praticados em
detrimento de funcionário público no exercício de suas funções (art. 139, parágrafo único,
do CP). Nesse contexto, o art. 523 do CPP, que cuida do rito relativo aos crimes contra a
honra, prevê a possibilidade de contestação à exceção da verdade, no prazo de 2 dias,
porém não dispõe sobre o prazo para sua apresentação, que é a celeuma trazida na presente
discussão. Diante disso, tem-se entendido, por meio de uma interpretação sistemática, que
o referido instituto defensivo deve ser apresentado na primeira oportunidade em que a
defesa se manifestar nos autos, portanto, no momento da apresentação da resposta à
acusação, no prazo de 10 dias, previsto no art. 396 do CPP. No entanto, o rito dos
processos que tramitam em Tribunais Superiores prevê a apresentação de defesa preliminar
antes mesmo do recebimento da denúncia, no prazo de 15 dias, conforme dispõe o art. 4º
da Lei n. 8.038/1990. Prevê, ademais, após o recebimento da denúncia, o prazo de 5 dias
para a defesa prévia, contado do interrogatório ou da intimação do defensor dativo, nos
termos do art. 8º da referida Lei. Nessa conjuntura, com base na Lei n. 8.038/1990, há
quem defenda que a exceção da verdade deve ser apresentada no prazo do art. 4º e há
quem entenda que o prazo deve ser contado nos termos do art. 8º. Um exame superficial
poderia levar a crer que a primeira oportunidade para a defesa se manifestar nos autos, de
fato, é no prazo de 15 dias, antes mesmo do recebimento da denúncia. Contudo, sem o
recebimento da inicial acusatória, nem ao menos é possível processar a exceção da verdade,
que tramita simultaneamente com a ação penal, devendo ser resolvida antes da sentença de
mérito. Note-se que a exceção da verdade, em virtude da necessidade de se fazer prova do
alegado, até mesmo por meio de instrução processual, não pode de plano impedir o
recebimento da denúncia, porquanto demanda dilação probatória, inviável nesta sede. De
fato, no momento da defesa preliminar (art. 4º), nem ao menos se iniciou a ação penal,
razão pela qual não seria apropriado apresentar referida defesa antes do recebimento da
denúncia. Ademais, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário, a exceção da
verdade possui natureza jurídica de ação declaratória incidental, o que, igualmente,
pressupõe a prévia instauração da ação penal. Assim, cuidando-se a exceção da verdade de
instrumento que veicula matéria de defesa indireta de mérito, formalizada por meio de
verdadeira ação declaratória incidental, mostra-se imprescindível a prévia instauração da
ação penal, por meio do efetivo recebimento da denúncia. Dessarte, o prazo para
apresentação da exceção da verdade, independentemente do rito procedimental adotado,
deve ser o primeiro momento para a defesa se manifestar nos autos, após o efetivo início

142
da ação penal. Portanto, o prazo para a defesa apresentar a exceção da verdade, nos
processos da competência de Tribunal, deve ser o previsto no art. 8º da Lei n. 8.038/1990.
HC 202.548-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2015,
DJe 1º/12/2015.

Tribunal do Júri

STJ. Informativo nº 574


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA


ABSOLUTÓRIA SUMÁRIA EM PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI APÓS
ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 11.689/2008.
Após a entrada em vigor da Lei n. 11.689/2008, em 8 de agosto de 2008, o reexame
necessário de decisão absolutória sumária proferida em procedimento do Tribunal
do Júri que estiver pendente de apreciação não deve ser examinado pelo Tribunal
ad quem, mesmo que o encaminhamento da decisão absolutória à instância
superior tenha ocorrido antes da entrada em vigor da referida Lei. Por força do que
dispõe o art. 2º do CPP, as normas processuais possuem aplicação imediata quando de sua
entrada em vigor. Assim, as remessas necessárias não remetidas aos Tribunais ou não
julgadas por estes até 8 de agosto de 2008, data em que a Lei n. 11.689/2008 - que
provocou a eliminação do recurso de ofício nos casos de absolvição sumária - passou a ser
exigida, em virtude da vacatio legis de 60 dias, não podem mais ser apreciadas, uma vez que
tal procedimento, necessário apenas para dar eficácia à sentença de absolvição sumária no
procedimento do Tribunal do Júri, já não mais está em vigor, por força do princípio tempus
regit actum. Vale dizer, a norma adjetiva que simplesmente altera o rito procedimental, sem
qualquer desdobramento de direito material, tem aplicação imediata. Além disso, não
obstante a sentença de absolvição sumária e o encaminhamento da remessa necessária ao
Tribunal ocorrer sob a égide da antiga redação do CPP e o julgamento do recurso de ofício
ser posterior à reforma promovida pela Lei n. 11.689/2008, nessas circunstâncias, a
condição de eficácia da sentença de absolvição sumária não se encontra praticada a tempo,
sendo atingida pela nova legislação, tornando-se despicienda. Em outras palavras, o ato
processual que serve de parâmetro para verificação da incidência do princípio tempus regit
actum é o julgamento do recurso de ofício e não o simples encaminhamento do
procedimento para o Tribunal. Caso houvesse ocorrido o julgamento antes de 8 de agosto
de 2008, não haveria dúvidas acerca da validade do ato, ex vi da parte final do art. 2º do
CPP. Ademais, convém apontar elucidativo entendimento doutrinário de que "a remessa
necessária não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Sendo figura processual

143
distinta da do recurso, a ela não se aplicam as regras de direito intertemporal processual
vigentes para eles: a) o cabimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da prolação da
decisão; b) o procedimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da prolação da
decisão". Por essa razão, não é possível estender o raciocínio empregado para o cabimento
do protesto por novo júri em processos sentenciados antes da Lei n. 11.689/2008 para a
remessa necessária ou recurso de ofício, uma vez que estaríamos a comparar institutos com
diferentes naturezas jurídicas. Isso porque o protesto por novo júri era recurso, cujo
pressuposto básico de interposição, dentre outros, é a voluntariedade, ou seja, "a sua
interposição depende, exclusivamente, do desejo da parte de contrariar a decisão
proferida". Por sua vez, a remessa necessária ou recurso de ofício, "trata-se de terminologia
equivocada do Código de Processo Penal, uma vez que recurso é demonstração do
inconformismo, visando à reforma do julgado, motivo pelo qual não tem cabimento
sustentar que o juiz, ao decidir qualquer questão, 'recorre' de ofício de seu próprio julgado".
Nessa linha intelectiva, reconhecer o cabimento do protesto por novo júri para processos já
sentenciados ao tempo da edição da Lei n. 11.689/2008 é dar primazia ao postulado
constitucional do devido processo legal, garantindo ao réu condenado a pena igual ou
superior a 20 anos de reclusão antes de 8 de agosto de 2008 o direito a um novo
julgamento. Em contrapartida, o reexame necessário para as sentenças de absolvição
sumária não é direito, mas sim procedimento de perfectibilização da coisa julgada, sem o
qual, nos termos da Súmula n. 423 do STF, ela não ocorreria. HC 278.124-PI, Rel. Min.
Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Rel. para
acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 9/6/2015, DJe 30/11/2015.

STJ. Informativo nº 583


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DE


DECISÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO ADOTADA POR JÚRI EM FAVOR DE
CORRÉU.
Ocorrido o desmembramento da ação penal que imputava aos coacusados a prática
de homicídio doloso tentado decorrente da prática de "racha", a desclassificação
em decisão do Tribunal do Júri do crime de homicídio doloso tentado para o delito
de lesões corporais graves ocorrida em benefício do corréu (causador direto da
colisão da que decorreram os ferimentos suportados pela vítima) é extensível,
independentemente de recurso ou nova decisão do Tribunal Popular, a outro corréu
(condutor do outro veículo) investido de igual consciência e vontade de participar
da mesma conduta e não responsável direto pelas citadas lesões. Em primeiro lugar,

144
quanto à impossibilidade de se estender a corréu decisão proferida em sede que não seja
recursal, tal questão foi enfrentada pelo STF, por ocasião do julgamento do HC 101.118-
MS (Segunda Turma, DJe 26/8/2010), segundo o qual o art. 580 do CPP tem como
objetivo dar efetividade, no plano jurídico, à garantia de equidade. Com efeito, essa é a
interpretação mais coerente com o espírito da lei. O fato de a decisão cuja extensão se
pretende não ser proferida em recurso não inibe que ela seja estendida a corréu. Do
contrário, estaremos permitindo que corréus em situação idêntica venham a ser julgados de
forma diferente, o que não condiz com a garantia da equidade. Ademais, é indiferente o
fato de não estarmos diante de decisão conflitante proferida por um mesmo júri, até
porque, quando a lei determina estender uma decisão proferida em favor de um corréu para
outro corréu, a ideia é de que eles não tenham sido submetidos a uma única decisão, a uma
decisão simultânea. Nesse contexto, não se vê como permitir que um dos corréus corra o
risco de sofrer reprimenda diversa daquela imposta ao outro corréu, sem que haja qualquer
motivo que diferencie a situação de ambos os denunciados (não é hipótese de participação
de menor importância ou cooperação dolosamente distinta). Acrescente-se que não se vê
aqui eventual usurpação da competência do Tribunal do Júri, considerando-se que a
decisão que se pretende estender ao paciente foi proferida por um Tribunal leigo. RHC
67.383-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 5/5/2016, DJe 16/5/2016.

Nulidades

STF. Informativo nº 814


(Segunda Turma)

Defensoria Pública e defensor público natural


A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia a
incidência do princípio do defensor natural. No caso, defensor público fora designado para
exercer suas funções em duas comarcas distintas, em dias da semana predeterminados. Por
sua vez, o juízo no qual processado o paciente determinara a realização de audiência em dia
no qual o defensor estaria em comarca diversa, e designara outro advogado para prestar-lhe
assistência na oportunidade. Por essa razão, alegava-se, no “habeas”, que haveria ofensa à
ampla defesa e ao defensor público natural, e que o juízo deveria redesignar a audiência
para dia em que o defensor público estivesse disponível. A Turma afirmou que fora
assegurado ao paciente o direito de contato prévio e privativo com seu defensor “ad hoc”.
Este exercera seu mister com eficiência e exatidão, pois participara ativamente dos
depoimentos, formulando perguntas tanto para o acusado quanto para as testemunhas do
Ministério Público. Além disso, a Defensoria Pública deveria se acomodar ao Poder

145
Judiciário, e não o contrário, pois a atuação da Defensoria ainda seria insuficiente em
alguns locais. HC 123494/ES, rel. Min. Teori Zavascki, 16.2.2016. (HC-123494)

STF. Informativo nº 814


(Primeira Turma)

Câmara de tribunal de justiça composta por juízes de 1º grau


Não viola o princípio do juiz natural o julgamento de apelação por órgão colegiado
presidido por desembargador, sendo os demais integrantes juízes convocados. Com base
nessa orientação, a Primeira Turma, por maioria, julgou extinto o “writ” sem resolução do
mérito. Assentou a inadequação da via processual, por se tratar de “habeas corpus”
substitutivo de recurso ordinário, impetrado contra acórdão do STJ — v. Informativo 801.
A Turma tampouco concedeu a ordem de ofício. Consignou que a convocação excepcional
e transitória de juízes de primeiro grau para fazer frente ao excessivo número de processos
e substituir desembargadores nas câmaras julgadoras, com respaldo em lei específica, não
caracterizar ofensa ao princípio do juiz natural. Ao contrário, essa solução, longe de
caracterizar a criação de juízos de exceção ou “ad hoc”, teria a virtude de tentar concretizar
uma prestação jurisdicional célere e efetiva, em plena conformidade com a garantia
constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). Ou seja, não
vulnera as garantias fundamentais do processo, especialmente porque observados critérios
objetivos e com expressa autorização legal. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e
Edson Fachin que concediam a ordem de ofício. HC 101473/SP, rel. orig. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 16.2.2016. (HC-101473)

STF. Informativo nº 816


(Plenário)

Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro


O Plenário recebeu, parcialmente, denúncia oferecida contra deputado federal,
presidente da Câmara dos Deputados, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva
(CP, art. 317, “caput” e § 1º, c/c art. 327, §§ 1º e 2º) e lavagem de dinheiro (Lei
9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII, com redação anterior à Lei 12.683/2012). Ainda, na
mesma assentada, a Corte, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra ex-deputada,
hoje prefeita municipal, pelo suposto delito de corrupção passiva. Por fim, julgou
prejudicados os agravos regimentais. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou as
preliminares suscitadas. Afirmou não prosperar a alegação de nulidade do depoimento
prestado pela denunciada perante o Ministério Público, ao argumento de que teria sido
ouvida como testemunha e não como investigada, o que comprometeria o direito de não

146
autoincriminação. Isso porque, embora ela tivesse sido ouvida na condição de testemunha e
assumido o compromisso de dizer a verdade, constaria do termo de depoimento que ela
teria sido informada de que estariam ressalvadas daquele compromisso “as garantias
constitucionais aplicáveis”. Afastou também a pretensão do denunciado de ver suspenso o
processo, por aplicação analógica do art. 86, § 4º, da CF, já que essa previsão constitucional
se destinaria expressamente ao chefe do Poder Executivo da União. Desse modo, não
estaria autorizado, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que ampliasse a
incidência a outras autoridades, notadamente do Poder Legislativo. Rechaçou o alegado
cerceamento de defesa, arguido em agravos regimentais, por meio dos quais se buscava
acessar o inteiro teor do acordo de colaboração premiada e respectivos termos de
depoimento de réu já condenado pela justiça federal por crimes apurados na denominada
“Operação Lava Jato”. Ressaltou que o Procurador-Geral da República juntara aos autos
todos os depoimentos de colaboradores que se referiam ao acusado e aos fatos referidos na
denúncia.
Da mesma forma, o Tribunal entendeu que seria improcedente a alegação de nulidade
de depoimentos complementares prestados por colaborador, em razão da ausência de nova
homologação ou ratificação do acordo de colaboração premiada pelo Supremo Tribunal
Federal. Não se poderia confundir o acordo de colaboração premiada, que estaria sujeito à
homologação judicial, com os termos de depoimentos prestados pelo colaborador, que
independeriam de tal homologação. Na espécie, o acordo de colaboração premiada firmado
entre o Ministério Público Federal e colaborador teria sido devidamente homologado por
juiz federal, nos termos da Lei 12.850/2013. À época, pelas declarações até então prestadas
pelo colaborador, não haveria notícia de envolvimento de autoridade com prerrogativa de
foro no STF, razão pela qual seria inquestionável a competência daquele juízo para a
prática do ato homologatório. Assim, a eventual desconstituição de acordo de colaboração
teria âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, de modo que não beneficiaria e
nem prejudicaria terceiros. Vencido o Ministro Marco Aurélio, ao fundamento de que o
STF não seria competente para julgar a denunciada, tendo em vista que ela não gozaria de
prerrogativa de foro perante esta Corte. Acolhia, por outro lado, a preliminar de
cerceamento de defesa, pela impossibilidade de acesso, como um todo, às delações
premiadas pelos acusados.
O Plenário sublinhou que as razões apresentadas pelo Ministério Público teriam
demonstrado adequadamente a necessidade de a denunciada ser processada e julgada no
STF, em conjunto com o deputado federal. No caso, a peça acusatória imputara ao
parlamentar condutas delituosas desdobradas em dois momentos distintos. No primeiro, o
acusado teria solicitado e aceitado promessa de vantagens indevidas para garantir a

147
continuidade de esquema ilícito implantado no âmbito da Petrobras, assim como para
manter indicados políticos em seus cargos na referida sociedade de economia mista. Em
um segundo momento, a percepção de valores indevidos teria sido para pressionar o
retorno do pagamento de propinas, valendo-se de requerimentos formulados por
interposta pessoa e com desvio de finalidade na atuação legislativa. Relativamente à
primeira fase, o acusado, entre junho de 2006 e outubro de 2012, solicitara para si e para
outrem e aceitara promessa de vantagem indevida em razão da contratação, pela Petrobras,
de estaleiro para a construção de navio-sonda. Além disso, entre fevereiro de 2007 e
outubro de 2012, o parlamentar também solicitara, para si e para outrem e teria aceitado
promessa, direta e indiretamente, de vantagem indevida, a fim de que a Petrobras realizasse
a contratação do mesmo estaleiro para a construção de outro navio-sonda. Todavia, o
Colegiado afirmou que não ficara demonstrada concretamente a participação dos
denunciados nessa fase inicial de negociação da construção dos navios-sonda. Assinalou
que nada fora produzido, em termos probatórios, que indicasse a efetiva participação dos
denunciados nos supostos crimes ocorridos na época da celebração dos contratos, nos
anos de 2006 e 2007, ou mesmo que os acusados tivessem, no período imediato, recebido
vantagem indevida para viabilizar a negociação ou se omitido em fiscalizar esses contratos,
em razão do mandato parlamentar. Assim, ante a falta de apresentação de indícios de
participação dos denunciados quanto a esse período, a denúncia não mereceria ser recebida.
No tocante ao segundo momento delitivo, o Tribunal reputou que o aditamento à
denúncia trouxera reforço narrativo lógico e elementos sólidos que apontariam ter ambos
os denunciados aderidos à exigência e recebimento de valores ilícitos, a partir de 2010 e
2011. Nesse item, a peça acusatória narrara os fatos em tese delituosos e a conduta dos
agentes, com as devidas circunstâncias de tempo, lugar e modo, sem qualquer prejuízo ao
exercício de defesa. A materialidade e os indícios de autoria, elementos básicos para o
recebimento da denúncia, encontrar-se-iam presentes a partir do substrato trazido no
inquérito. A Corte observou que a interposta pessoa a que se referiria a denúncia seria a
acusada, que, para coagir lobista a pagar valor ainda pendente, referente às aludidas
comissões ilegítimas, apresentara, por solicitação do deputado, dois requerimentos à
Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados requisitando
informações ao TCU e ao Ministério de Minas e Energia acerca dos contratos de interesse
do lobista com a Petrobras. A pressão exercida pelo acusado, por intermédio da
denunciada, surtira efeito, uma vez que o lobista se vira compelido a pagar as quantias
prometidas. Ademais, a materialidade e os indícios de autoria relativos aos crimes de
lavagem de dinheiro, elementos básicos para o recebimento da denúncia, também se
encontrariam presentes. Depoimento prestado pelo lobista no âmbito de colaboração

148
premiada indicaria que, para operacionalizar suposto pagamento de parte da propina ao
deputado, teriam sido transferidos valores de sua conta na Suíça. Ainda sobre entregas de
valores para o acusado, outro réu investigado no âmbito da “Operação Lava Jato”
confirmara que teriam sido realizadas em espécie. Outros elementos probatórios
apontariam para operação destinada ao pagamento de propina ao deputado, realizada entre
21 de dezembro de 2011 e 30 de outubro de 2012, por meio de suposta simulação de
contratos de prestação de serviços de consultoria. Haveria, ainda, repasse ao acusado
mediante simulações de contratos de mútuo. O parlamentar requerera, também, doações a
determinada igreja como forma de saldar parte das quantias supostamente a ele devidas,
além de pagamento em horas voo mediante fretamento de táxi aéreo.
O Tribunal concluiu que os elementos colhidos indicariam possível cometimento
de crime de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, “caput” e § 1º), ao menos na
qualidade de partícipe (CP, art. 29), por parte do deputado federal. Excluir-se-ia,
todavia, do quanto recebido, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP, incabível pelo
mero exercício do mandato popular, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no
art. 317, § 1º (“A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica
infringindo dever funcional”). A jurisprudência do STF exigiria, para tanto, imposição
hierárquica não demonstrada nem descrita nos presentes autos. Os indícios existentes
apontariam também que a acusada teria concorrido para a prática do delito de
corrupção passiva, nos termos do já aludido art. 29 do CP (“Quem, de qualquer modo,
concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade”). Assim, não assistiria razão à defesa da denunciada, de que a conduta
descrita na inicial acusatória seria de outro tipo penal. Vencidos os Ministros Dias
Toffoli e Gilmar Mendes, que não recebiam a denúncia oferecida contra a acusada.
Pontuavam que a conduta imputada a ela seria a de assinar requerimento à Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, prática normal à
atividade parlamentar. Não haveria, entretanto, prova de que a então parlamentar
tivesse solicitado, ou recebido, ou aceito vantagem ilícita para praticar o ato. Seriam
necessários outros indicativos de adesão à conduta viciada para que a acusação pudesse
ser viável. Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)

STF. Informativo nº 822


(Segunda Turma)

Sigilo bancário e nulidade

149
A Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no qual
se pleiteava a anulação de condenação criminal lastreada em prova produzida no âmbito da
Receita Federal do Brasil por meio da obtenção de informações de instituições financeiras
sem prévia autorização judicial de quebra do sigilo bancário. A Turma reiterou o que
decidido na ADI 2.390/DF (acórdão pendente de publicação, v. Informativos 814 e 815),
no sentido de assentar a constitucionalidade das normas que permitem o acesso direto da
Receita Federal à movimentação financeira dos contribuintes (LC 105/2001, artigos 5º e 6º;
Decreto 3.724/2001; e Decreto 4.489/2002). RHC 121429/SP, rel. Min. Dias Toffoli,
19.4.2016. (RHC-121429)

STF. Informativo nº 827


(Primeira Turma)

“Habeas Corpus”: competência de juiz instrutor e foro privilegiado


Os juízes instrutores atuam como “longa manus” do magistrado relator e, nessa
condição, procedem sob sua supervisão. Trata-se, portanto, de delegação limitada a atos
de instrução, com poder decisório restrito ao alcance desses objetivos. Com base nessa
orientação, a Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem de “habeas corpus” em
que pretendida a nulidade dos atos processuais. Na espécie, ministro de tribunal
superior (desembargador à época dos fatos) e juiz instrutor teriam sido denunciados
por praticar diversos delitos associados ao exercício da referida função. Segundo o
impetrante, seria indevida a delegação de atos instrutórios a serem praticados nos autos
da ação penal. Ademais, a aposentadoria do paciente afastaria a prerrogativa de foro, já
que a maioria dos investigados não se encontra investida em cargo ou função pública
que justifiquem a competência penal originária do STJ, razão pela qual a ação penal
deveria ser desmembrada, com a submissão do paciente às instâncias ordinárias. A
Turma ressaltou que não se registra hipótese de incompetência do STJ, questão
detidamente analisada por aquela Corte. O procedimento alinha-se com o Enunciado
704 da Súmula do STF (“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao
foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”). Registrou a validade e a
regularidade da atuação do juiz instrutor no STJ, a referendar o disposto no art. 3º da
Lei 8.038/1990 [“Art. 3º - Compete ao relator: ... III – convocar desembargadores de
Turmas Criminais dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais, bem
como juízes de varas criminais da Justiça dos Estados e da Justiça Federal, pelo prazo
de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até o máximo de 2 (dois) anos, para a
realização do interrogatório e de outros atos da instrução, na sede do tribunal ou no

150
local onde se deva produzir o ato”]. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a
ordem. Frisava que as competências do STJ e do STF seriam de direito estrito,
definidas na Constituição. Assentava que, com a aposentadoria do paciente –
desembargador – ,cessaria a competência excepcional do STJ. Assim, o seu recurso de
apelação deveria ter permanecido no tribunal de justiça estadual. HC 131164/TO, rel.
Min. Edson Fachin, 24.5.2016. (HC-131164)

STF. Informativo nº 837


(Primeira Turma)

Tipificação de conduta e ausência de contrarrazões e de intimação do defensor


A Primeira Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no
qual se discutia nulidade de apelação, em face da ausência de contrarrazões da defesa e da
intimação do defensor para o julgamento. Debatia-se, também, o alcance do disposto no
art. 217-A do Código Penal [“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze)
anos”], ou seja, o enquadramento jurídico do fato — se ato libidinoso ou estupro de
vulnerável — e o princípio da proporcionalidade da pena em relação à conduta descrita.
Na espécie, constara na denúncia que teria havido a prática de atos libidinosos no
interior de veículo automotor e que o recorrente teria constrangido a menor ao passar as
mãos nas coxas e seios dela. Em juízo, a vítima relatara não ter havido penetração vaginal,
em oposição ao que afirmado na fase de investigação — v. Informativo 833.
A Turma consignou que a hipótese dos autos não configuraria nulidade, tendo em
vista que o advogado do recorrente não seria defensor dativo, mas profissional constituído
pelo recorrente. Além disso, o causídico fora regularmente intimado para apresentar
contrarrazões e não o fizera.
Acerca da matéria de fundo, destacou que a descrição da denúncia faria referência a
contato físico havido por dentro da roupa da vulnerável, que fora vitimada em um
conjunto de circunstâncias analisadas pelo tribunal de justiça estadual. Dessa forma,
estariam presentes os elementos configuradores do delito do art. 217-A do CP, a tipificar o
delito de estupro.
Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que provia o recurso. RHC 133121/DF,
rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/o acórdão Min. Edson Fachin 30.8.2016. (RHC-133121)

STF. Informativo nº 839


(Segunda Turma)

Intimação da Defensoria Pública e sessão de julgamento de HC

151
A intimação pessoal da Defensoria Pública quanto à data de julgamento de “habeas
corpus” só é necessária se houver pedido expresso para a realização de sustentação oral.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma denegou a ordem. Pleiteava-se,
no caso, a declaração de nulidade de sessão de julgamento de recurso ordinário em “habeas
corpus” ante a ausência de prévia intimação da Defensoria. Alegava-se cerceamento de
defesa.
A Turma reiterou, assim, orientação firmada no julgamento do RHC 116.173/RS
(DJe de 10-9-2013) e do RHC 116.691/RS (DJe de 1º-8-2014). HC 134.904/SP, rel. min.
Dias Toffoli, julgamento em 13-9-2016.

STJ. Informativo nº 577


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS PELO


MAGISTRADO E AUSÊNCIA DO MP NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.
Não gera nulidade do processo o fato de, em audiência de instrução, o magistrado,
após o registro da ausência do representante do MP (que, mesmo intimado, não
compareceu), complementar a inquirição das testemunhas realizada pela defesa,
sem que o defensor tenha se insurgido no momento oportuno nem demonstrado
efetivo prejuízo. Destaca-se, inicialmente, que a ausência do representante do Ministério
Público ao ato, se prejuízo acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório, jamais à defesa, e,
portanto, não poderia ser por esta invocado, porquanto, segundo o que dispõe o art. 565
do CPP, "Nenhuma das partes poderá arguir nulidade [...] referente a formalidade cuja
observância só à parte contrária interesse". De mais a mais, as modificações introduzidas
pela Lei n. 11.690/2008 ao art. 212 do CPP não retiraram do juiz a possibilidade de
formular perguntas às testemunhas, a fim de complementar a inquirição, na medida em que
a própria legislação adjetiva lhe incumbe do dever de se aproximar o máximo possível da
realidade dos fatos (princípio da verdade real e do impulso oficial), o que afasta o
argumento de violação ao sistema acusatório. Na hipótese em análise, a oitiva das
testemunhas pelo magistrado, de fato, obedeceu à exigência de complementaridade, nos
termos do que determina o art. 212 do CPP, pois somente ocorreu após ter sido registrada
a ausência do Parquet e dada a palavra à defesa para a realização de seus questionamentos.
Vale ressaltar, ainda, que a jurisprudência do STJ se posiciona no sentido de que eventual
inobservância ao disposto no art. 212 do CPP gera nulidade meramente relativa, sendo
necessário, para seu reconhecimento, a alegação no momento oportuno e a comprovação
do efetivo prejuízo (HC 186.397-SP, Quinta Turma, DJe 28/6/2011; e HC 268.858-RS,
Quinta Turma, DJe 3/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.491.961-RS, Quinta

152
Turma, DJe 14/9/2015; e HC 312.668-RS, Quinta Turma, DJe 7/5/2015. REsp
1.348.978-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Nefi
Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 17/2/2016.

STJ. Informativo nº 579


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INEXIGIBILIDADE DE TERMO DE RECURSO


OU DE RENÚNCIA NA INTIMAÇÃO PESSOAL DO ACUSADO.
Na intimação pessoal do acusado acerca de sentença de pronúncia, a ausência de
apresentação do termo de recurso ou de renúncia não gera nulidade do ato. Isso
porque essa exigência não está prescrita em lei, de modo que a sua ausência não pode ser
invocada como hábil a anular o ato de intimação. Precedentes citados: HC 183.332-SP,
Quinta Turma, DJe 28/6/2012; e HC 95.479-MG, Sexta Turma, DJe 18/4/2011. RHC
61.365-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 3/3/2016, DJe 14/3/2016.

STJ. Informativo nº 580


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. NULIDADE EM AÇÃO PENAL POR FALTA DE


CITAÇÃO DO RÉU.
Ainda que o réu tenha constituído advogado antes do oferecimento da denúncia -
na data da prisão em flagrante - e o patrono tenha atuado, por determinação do
Juiz, durante toda a instrução criminal, é nula a ação penal que tenha condenado o
réu sem a sua presença, o qual não foi citado nem compareceu pessoalmente a
qualquer ato do processo, inexistindo prova inequívoca de que tomou
conhecimento da denúncia. De início, esclareça-se que, em matéria de nulidade, orienta
o princípio pas de nullité sans grief que não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo
para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim
atingido pelo ato. Por essa razão, a desobediência às formalidades estabelecidas na
legislação processual penal só poderá acarretar o reconhecimento da invalidade do ato
quando a sua finalidade estiver comprometida, em prejuízo às partes da relação processual.
A demonstração do prejuízo - que, em alguns casos, por ser evidente, pode decorrer de
simples procedimento lógico do julgador - é reconhecida pela jurisprudência atual como
essencial tanto para a nulidade relativa quanto para a absoluta, conforme retratado pelo
STF por ocasião do julgamento do HC 122.229-SP (Segunda Turma, DJe 29/5/2014).
Nesse contexto, é exigência fundamental ao exercício do contraditório o conhecimento,
pelo acusado, de todos os termos da acusação, para que possa participar ativamente da

153
produção de provas e influenciar o convencimento do juiz. A citação, ato essencial e mais
importante do processo, deve ser induvidosa, e sua falta somente poderá ser sanada nos
termos do art. 570 do CPP, quando o interessado comparecer espontaneamente aos autos,
demonstrando, de maneira inequívoca, que tomou ciência da denúncia que lhe foi
formulada. Quando o advogado é constituído antes do oferecimento da denúncia, é, de
fato, possível que ele tenha informado o cliente sobre o desenrolar do processo, mas isso se
trata de mera conjectura que não pode afastar o vício grave da relação, que se desenvolveu
sem a presença do principal sujeito processual, o réu. Na presente hipótese, a relação
processual não foi constituída de forma válida, até porque o comparecimento do advogado
nos autos da ação penal também não foi espontâneo e o processo prosseguiu, em sua
totalidade, sem a presença do acusado. Nem se diga que o prejuízo deixou de ocorrer
porque o advogado particular atuou durante a instrução criminal, pois não se pode perder
de vista que a defesa se desdobra na defesa técnica e na autodefesa, esta última relacionada
à possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização
dos atos processuais. Saliente-se, ainda, que a autodefesa não se resume à participação do
acusado no interrogatório judicial, mas há de se estender a todos os atos de que o imputado
participe. Na verdade, desdobra-se a autodefesa em "direito de audiência" e em "direito de
presença", é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais
(e não apenas, como se verifica no direito brasileiro, em seu interrogatório judicial), bem
assim o direito de assistir à realização dos atos processuais. O direito em questão implica,
portanto, uma série de possibilidades para o acusado, quais sejam: (a) presença em juízo; (b)
conhecimento dos argumentos e das conclusões da parte contrária; (c) exteriorização de sua
própria argumentação; (d) demonstração dos elementos de fato e de direito que constituem
as suas razões defensivas; e (e) propulsão processual. Convém sublinhar que tanto o direito
de audiência quanto o direito de presença podem ser exercitados de forma passiva,
negativa, sem que isso represente ausência de defesa. É, portanto, expressão da autodefesa
o direito ao silêncio, reconhecido ao acusado como corolário de seu direito de não se
autoincriminar (privilege against self incrimination), visto que, de acordo com antigo preceito do
Direito Canônico, ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si ou a delatar-se
(nemo tenetur se detegere ou nemo tenetur se ipsum accusare). De igual modo, constitui exercício de
tal direito a deliberada e voluntária atitude do acusado de não se fazer presente nos atos do
processo criminal, ou mesmo em todo ele. Logo, se de um lado o Estado deve facilitar a
presença do acusado durante o julgamento da causa, há de respeitar, a seu turno, eventual
escolha de ele não comparecer a seus atos. Não se trata, pois, de direito indisponível e
irrenunciável do réu, tal qual a defesa técnica - conforme positivado no art. 261 do CPP,
cuja regra ganhou envergadura constitucional com os arts. 133 e 134 da CF -, mas o seu

154
cerceamento enseja grave prejuízo ao acusado, por suprimir dele a possibilidade de
participação ativa na melhor reconstrução histórica dos fatos sob julgamento. REsp
1.580.435-GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/3/2016, DJe
31/3/2016.

Comutação de Penas

STJ. Informativo nº 591


(Terceira Seção)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. FALTA GRAVE HOMOLOGADA APÓS


PUBLICAÇÃO DO DECRETO QUE PREVIU COMUTAÇÃO DE PENAS.
O benefício da comutação de penas previsto no Decreto n. 8.172/2013 deve ser
negado quando o apenado tiver praticado falta disciplinar de natureza grave nos
doze meses anteriores à publicação do Decreto, mesmo que a respectiva decisão
homologatória tenha sido proferida posteriormente. Inicialmente, no julgamento do
REsp 1.364.192-RS (DJe 17/9/2014), em regime repetitivo, a Terceira Seção definiu que
"não é interrompido automaticamente o prazo pela falta grave no que diz respeito à
comutação de pena ou indulto, mas a sua concessão deverá observar o cumprimento dos
requisitos previstos no Decreto Presidencial pelo qual foram instituídos". O Decreto n.
8.172/2013, que tratou da matéria de concessão de indulto natalino e comutação de penas,
assim dispôs: "Art. 5º A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste
Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo
competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla
defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida
nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação
deste Decreto." A Quinta Turma, interpretando de forma literal o artigo, firmou-se no
sentido de que o prazo de 12 (doze) meses limita tão somente a expressão "por falta
disciplinar grave" e não todo o artigo, uma vez que a homologação não fica condicionada
ao mencionado tempo. Em outras palavras, somente a falta grave está condicionada a lapso
anterior ao Decreto, mas o processo administrativo para apuração e a homologação da falta
podem ocorrer após à publicação do Decreto (AgRg no REsp 1.478.459-RS, Quinta
Turma, DJe 25/2/2015; AgRg no REsp 1.593.381-MG, Quinta Turma, DJe 24/8/2016;
HC 317.211-MG, Quinta Turma, DJe 30/5/2016; HC 350.021-SP, Quinta Turma, DJe
28/4/2016). A manutenção do entendimento adotado pacificamente pela Quinta Turma
harmoniza-se com a orientação de ser de natureza declaratória a decisão proferida pelo
Juízo da execução, seja deferindo progressão seja determinando regressão por faltas graves

155
(STF, HC 115.254-SP, Segunda Turma, DJe 26/2/2016). EREsp 1.549.544-RS, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 14/9/2016, DJe 30/9/2016.

Medida de Segurança

STJ. Informativo nº 579


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. SISTEMA VICARIANTE E IMPOSSIBILIDADE DE


CONVERSÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM MEDIDA DE
SEGURANÇA POR FATOS DIVERSOS.
Durante o cumprimento de pena privativa de liberdade, o fato de ter sido imposta
ao réu, em outra ação penal, medida de segurança referente a fato diverso não
impõe a conversão da pena privativa de liberdade que estava sendo executada em
medida de segurança. Inicialmente, convém apontar que o sistema vicariante afastou a
imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança, uma vez que a aplicação
conjunta ofenderia o princípio do ne bis in idem, já que o mesmo indivíduo suportaria duas
consequências em razão do mesmo fato. No caso em análise, evidencia-se que cada
reprimenda imposta corresponde a um fato distinto. Portanto, não há que se falar em
ofensa ao sistema vicariante, porquanto a medida de segurança refere-se a um fato
específico e a aplicação da pena privativa de liberdade correlaciona-se a outro fato e delito.
Decisão monocrática citada: HC 137.547-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 1°/2/2013. HC
275.635-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 8/3/2016, DJe 15/3/2016.

Execução Provisória da Pena

STF. Informativo nº 814


(Plenário)

Presunção de inocência e execução provisória de condenação criminal


A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de
apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência. Esse o entendimento do Plenário, que,
por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus” que visava a desconstituição de acórdão
que, em sede de apelação, determinara a imediata prisão do paciente por força de sentença
condenatória de primeiro grau. A Corte afirmou que o tema relacionado com a execução
provisória de sentenças penais condenatórias envolveria reflexão sobre a) o alcance do
princípio da presunção da inocência aliado à b) busca de necessário equilíbrio entre esse
princípio e a efetividade da função jurisdicional penal. Tal equilíbrio deveria atender a

156
valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade do
intrincado e complexo sistema de justiça criminal brasileiro. A possibilidade da execução
provisória da pena privativa de liberdade seria orientação a prevalecer na jurisprudência do
STF, mesmo na vigência da CF/1988 (HC 68.726/DF, DJU de 20.11.1992, e HC
74.983/RS, DJU de 29.8.1997). Essa orientação seria ilustrada, ainda, pelos Enunciados
716 e 717 da Súmula do STF (“Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena
ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória”, e “Não impede a progressão de regime de execução da
pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão
especial”, respectivamente). O plexo de regras e princípios garantidores da liberdade
previsto em nossa legislação — princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do
contraditório, do juiz natural, da inadmissibilidade de obtenção de provas por meios
ilícitos, da não auto-incriminação, com todos os seus desdobramentos de ordem prática,
como o direito de igualdade entre as partes, o direito à defesa técnica plena e efetiva, o
direito de presença, o direito ao silêncio, o direito ao prévio conhecimento da acusação e
das provas produzidas, a possibilidade de contraditá-las, com o consequente
reconhecimento da ilegitimidade de condenação que não esteja devidamente fundamentada
e assentada em provas produzidas sob o crivo do contraditório — revelaria quão distante
se estaria da fórmula inversa, em que ao acusado incumbiria demonstrar sua inocência,
fazendo prova negativa das faltas que lhe fossem imputadas.
O Plenário ressaltou que, antes de prolatada a sentença penal, haveria de se manter
reservas de dúvida acerca do comportamento contrário à ordem jurídica, o que levaria a
atribuir ao acusado, para todos os efeitos — mas, sobretudo, no que se refere ao ônus da
prova da incriminação —, a presunção de inocência. Nessa senda, a eventual condenação
representaria juízo de culpabilidade, que deveria decorrer da logicidade extraída dos
elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para o
sentenciante de primeiro grau, ficaria superada a presunção de inocência por um juízo de
culpa — pressuposto inafastável para condenação —, embora não definitivo, já que sujeito,
se houver recurso, à revisão por tribunal de hierarquia imediatamente superior. Nesse juízo
de apelação, de ordinário, ficaria definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas
da causa, com a fixação, se fosse o caso, da responsabilidade penal do acusado. Então, ali
que se concretizaria, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao
reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria
deduzida na ação penal, tivesse ela sido apreciada ou não pelo juízo “a quo”. Ao réu ficaria
assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as
prisões cautelares porventura decretadas. Desse modo, ressalvada a estreita via da revisão

157
criminal, seria, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exauriria a possibilidade
de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade
criminal do acusado. Portanto, os recursos de natureza extraordinária não configurariam
desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não seriam recursos de ampla
devolutividade, já que não se prestariam ao debate da matéria fática e probatória. Noutras
palavras, com o julgamento implementado pelo tribunal de apelação, ocorreria uma espécie
de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para
instâncias extraordinárias do STJ e do STF — recurso especial e extraordinário — teriam
âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em
segundo grau, juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis
de reexame pela instância extraordinária, pareceria inteiramente justificável a relativização e
até mesmo a própria inversão, para a situação concreta, do princípio da presunção de
inocência até então observado. Faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos
recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do CPP e o art. 27, § 2º, da Lei
8.038/1990.
A Corte destacou, outrossim, que, com relação à previsão constitucional da
presunção de não culpabilidade, ter-se-ia de considerá-la a sinalização de um instituto
jurídico, ou o desenho de garantia institucional, sendo possível o estabelecimento de
determinados limites. Assim, a execução da pena na pendência de recursos de natureza
extraordinária não comprometeria o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade,
na medida em que o acusado tivesse sido tratado como inocente no curso de todo o
processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como
respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Nessa trilha, aliás, haveria o
exemplo recente da LC 135/2010 - Lei da Ficha Limpa, que, em seu art. 1º, I,
expressamente consagraria como causa de inelegibilidade a existência de sentença
condenatória por crimes nela relacionados, quando proferidas por órgão colegiado. A
presunção de inocência não impediria que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão
condenatório produzisse efeitos contra o acusado. De todo modo, não se poderia
desconhecer que a jurisprudência que assegura, em grau absoluto, o princípio da presunção
da inocência — a ponto de negar executividade a qualquer condenação enquanto não
esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos, ordinários e extraordinários
— teria permitido e incentivado a indevida e sucessiva interposição de recursos da mais
variada espécie, com indisfarçados propósitos protelatórios. Visaria, não raro, à
configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória. Cumpriria ao Poder
Judiciário e, sobretudo, ao STF, garantir que o processo — único meio de efetivação do
“jus puniendi” estatal — resgatasse sua inafastável função institucional. A retomada da

158
tradicional jurisprudência, de atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e
extraordinário — como previsto em textos normativos — seria, sob esse aspecto,
mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da
efetividade da função jurisdicional.
O Plenário asseverou que seria possível tanto a ocorrência de equívocos nos juízos
condenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias quanto em relação às instâncias
extraordinárias. Todavia, para essas eventualidades, sempre haveria outros mecanismos
aptos a inibir consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a
execução provisória da pena. Assim sendo, medidas cautelares de outorga de efeito
suspensivo ao recurso extraordinário ou especial seriam instrumentos inteiramente
adequados e eficazes para controlar situações de injustiça ou excessos em juízos
condenatórios recorridos. Por outro lado, a ação constitucional do “habeas corpus”
igualmente comporia o conjunto de vias processuais com inegável aptidão para controlar
eventuais atentados aos direitos fundamentais decorrentes da condenação do acusado.
Portanto, mesmo que exequível provisoriamente a sentença penal contra si proferida, o
acusado não estaria desamparado da tutela jurisdicional em casos de flagrante violação de
direitos. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo
Lewandowski (Presidente), que, ao concederem a ordem, mantinham a jurisprudência
firmada a partir do julgamento do HC 84.078/MG (DJe de 26.2.2010), no sentido de que a
prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título
cautelar, e de que a ampla defesa não poderia ser visualizada de modo restrito, porquanto
englobaria todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária.
HC 126292/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 17.2.2016. (HC-126292)

STF. Informativo nº 842


(Plenário)

Execução provisória da pena e trânsito em julgado - 2


Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em
ações declaratórias de constitucionalidade e conferiu interpretação conforme à Constituição ao
art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) (“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em
decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”). Dessa forma, permitiu a
execução provisória da pena após a decisão condenatória de segundo grau e antes do trânsito
em julgado — v. Informativo 837.

159
O Tribunal assentou que a execução provisória de acórdão penal condenatório
proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, LVII,
da Constituição Federal (CF). Esse entendimento não contrasta com o texto do art. 283 do
CPP.
A Corte ressaltou que, de acordo com os arts. 995 e 1.029, § 5º, do Código de Processo
Civil (CPC), é excepcional a possibilidade de atribuir efeito suspensivo aos recursos especial e
extraordinário na seara criminal. A regra geral continua a ser o recebimento desses recursos
excepcionais com efeito meramente devolutivo.
Entretanto, é possível atribuir-se efeito suspensivo diante de teratologia ou abuso de
poder. Dessa forma, as decisões jurisdicionais não impugnáveis por recursos dotados de efeito
suspensivo têm eficácia imediata. Assim, após esgotadas as instâncias ordinárias, a condenação
criminal poderá provisoriamente surtir efeito imediato do encarceramento, uma vez que o
acesso às instâncias extraordinárias se dá por meio de recursos que são ordinariamente dotados
de efeito meramente devolutivo.
Não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e
decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão
foram revogadas pelo art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o
critério temporal de solução de antinomias previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/1942 (Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão seria pela
prevalência da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, §
5º, do CPC têm vigência posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia
entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos
proferidos por tribunais de apelação.
Ademais, a quantidade de magistrados com assento no STF e no STJ repele qualquer
interpretação que queira fazer desses tribunais cortes revisoras universais. Isso afasta a
pretensão sucessiva de firmar o STJ como local de início da execução da pena.
A finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance
para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma
e considera injusto. O acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e
ao STJ o exercício de seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da
interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Por isso, o art. 102, §
3º, da Constituição Federal exige demonstração de repercussão geral das questões
constitucionais debatidas no recurso extraordinário. Portanto, ao recorrente cabe demonstrar
que, no julgamento de seu caso concreto, malferiu-se um preceito constitucional e que há,

160
necessariamente, a transcendência e relevância da tese jurídica a ser afirmada pela Suprema
Corte.
É a Constituição que alça o STF primordialmente a serviço da ordem jurídica
constitucional e igualmente eleva o STJ a serviço da ordem jurídica. Isso está claro no art. 105,
III, da CF, quando se observam as hipóteses de cabimento do recurso especial, todas direta ou
indiretamente vinculadas à tutela da ordem jurídica infraconstitucional. Nem mesmo o
excessivo apego à literalidade da regra do art. 5º, LVII, da CF, a qual, nessa concepção, imporia
sempre o “trânsito em julgado”, seria capaz de conduzir à solução diversa.
O ministro Roberto Barroso acrescentou que, por não se discutir fatos e provas nas
instâncias extraordinárias, há certeza quanto à autoria e materialidade. Dessa forma, impõe-se,
por exigência constitucional em nome da ordem pública, o início do cumprimento da pena, sob
o risco de descrédito e desmoralização do sistema de justiça.
Além disso, enfatizou que a presunção de inocência é princípio — não regra — e,
como tal, pode ser ponderado com outros princípios e valores constitucionais que tenham a
mesma estatura.
Portanto, o peso da presunção da inocência ou não culpabilidade, após a condenação
em segundo grau de jurisdição, fica muito mais leve, muito menos relevante, em contraste com
o peso do interesse estatal de que os culpados cumpram pena em tempo razoável. Desse modo,
o estado de inocência vai-se esvaindo à medida que a condenação se vai confirmando.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e
Celso de Mello, que deferiam a medida cautelar para reconhecer a constitucionalidade do art.
283 do CPP e determinar a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão ainda não
houvesse transitado em julgado. Afirmavam que a execução provisória da pena, por tratar o
imputado como culpado, configuraria punição antecipada e violaria a presunção de inocência,
bem como a disposição expressa do art. 283 do CPP. Também pontuavam que a presunção de
inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos
recursos ordinários, mas até o trânsito em julgado da condenação.
Vencido, parcialmente, o ministro Dias Toffoli, que acolhia o pedido sucessivo para
determinar a suspensão de execução provisória de réu cuja culpa estivesse sendo questionada
no STJ. Segundo o ministro, esse Tribunal desempenha o relevante papel de uniformizar a
aplicação da lei federal nacionalmente.
Todavia, no âmbito do STF, o recurso extraordinário não teria mais o caráter subjetivo.
Afinal, a questão nele debatida deverá ter repercussão geral e ultrapassar os limites subjetivos
do caso concreto, o que, geralmente não existe em matéria criminal. Ademais, a jurisprudência
é no sentido de que a questão do contraditório e da ampla defesa é matéria infraconstitucional.
ADC 43 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.

161
ADC 44 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.

Execução Penal

STF. Informativo nº 825


(Plenário)
Repercussão Geral

Regime de cumprimento de pena e execução penal


O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, deu parcial provimento a
recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de cumprimento de pena em
regime menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o
cumprimento no regime originalmente estabelecido em condenação penal — v.
Informativo 810. Na espécie, o acórdão recorrido fixara a prisão em regime domiciliar a
condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em razão da não existência de
estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atendesse todos os requisitos da LEP.
A Corte determinou que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, se observasse:
a) a saída antecipada do sentenciado no regime com falta de vagas; b) a liberdade
eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; e c) o
cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo após progressão ao regime aberto.
Assentou, assim, em sede de repercussão geral, o entendimento de que: a) a falta de
estabelecimento penal adequado não autorizaria a manutenção do condenado em regime
prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderiam avaliar os estabelecimentos
destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais
regimes. Seriam aceitáveis estabelecimentos que não se qualificassem como “colônia
agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento
adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”); c) havendo “déficit” de vagas, deveria
ser determinada: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a
liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que saísse antecipadamente ou fosse
posto em prisão domiciliar por falta de vagas; 3) o cumprimento de penas restritivas de
direito e/ou estudo ao sentenciado que progredisse ao regime aberto. Outrossim, até que
fossem estruturadas as medidas alternativas propostas, poderia ser deferida a prisão
domiciliar ao sentenciado. O Tribunal ressaltou, ainda, que o CNJ deveria apresentar: a) em
180 dias, contados da conclusão do julgamento: 1) projeto de estruturação do Cadastro
Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco de dados
conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção
da pena; 2) relatório sobre a implantação das centrais de monitoração e penas alternativas,
acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas

162
estruturas; e b) em um ano, relatório com projetos para: 1) expansão do Programa Começar
de Novo e adoção de outras medidas buscando o incremento da oferta de estudo e de
trabalho aos condenados; e 2) aumento do número de vagas nos regimes semiaberto e
aberto.
A Corte destacou que o sistema progressivo de cumprimento de penas não estaria
funcionando a contento. Haveria falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto, este
último sendo desprezado por várias unidades da Federação. Assim, a lei prevê 3 degraus da
progressão, mas o último grau simplesmente não existiria em mais da metade do País. Por
outro lado, na prática, os modelos de estabelecimentos de cumprimento de pena,
necessariamente adequados aos regimes semiaberto e aberto (CP, art. 33, §1º, “b” e “c”),
teriam sido abandonados. Desse modo, os presos dos referidos regimes estariam sendo
mantidos nos mesmos estabelecimentos que os presos em regime fechado e provisórios.
Contudo, a possibilidade de manutenção de condenado em regime mais gravoso, na
hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado ao seu regime, seria uma questão
ligada a duas garantias constitucionais em matéria penal da mais alta relevância: a
individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e a legalidade (CF, art. 5º, XXXIX). O sistema
brasileiro teria sido formatado tendo o regime de cumprimento da pena como ferramenta
central da individualização da sanção, importante na fase de aplicação (fixação do regime
inicial) e capital na fase de execução (progressão de regime). Assim, a inobservância do
direito à progressão de regime, mediante manutenção do condenado em regime mais
gravoso, ofenderia o direito à individualização da pena. A violação ao princípio da
legalidade seria ainda mais evidente. Conforme art. 5º, XXXIX, da CF, as penas devem ser
previamente cominadas em lei. A legislação brasileira prevê o sistema progressivo de
cumprimento de penas. Logo, assistiria ao condenado o direito a ser inserido em um
regime inicial compatível com o título condenatório e a progredir de regime de acordo com
seus méritos. A manutenção do condenado em regime mais gravoso seria um excesso de
execução, com violação a direitos dele. Em outra perspectiva, haveria que ser rechaçada
qualquer possibilidade de ponderar os direitos dos condenados à individualização da pena e
à execução da pena de acordo com a lei e com os interesses da sociedade na manutenção da
segurança pública. Não se poderia negar o dever do Estado de proteger os bens jurídicos
penalmente relevantes. A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra
agressões injustas estaria na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. Em suma, o
Estado teria o dever de proteger os direitos fundamentais contra agressões injustas de
terceiros, como corolário do direito à segurança (CF, art. 5º). No entanto, a execução de
penas corporais em nome da segurança pública só se justificaria com a observância de
estrita legalidade. Regras claras e prévias seriam indispensáveis. Permitir que o Estado

163
executasse a pena de forma deliberadamente excessiva seria negar não só o princípio da
legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (CF, art. 1º, III). Por mais
grave que fosse o crime, a condenação não retiraria a humanidade da pessoa condenada.
Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornariam
simples objetos de direito (CF, art. 5º, XLIX).
O Plenário asseverou que, atualmente, haveria duas alternativas de tratamento do
sentenciado que progredisse de regime quando não houvesse vagas suficientes. Ou seria
mantido no regime mais gravoso ao que teria direito (fechado), ou seria colocado em
regime menos gravoso (prisão domiciliar). Contudo, já não bastaria apenas afirmar o direito
ao regime previsto na lei ou ao regime domiciliar. Apesar de ser imprescindível cobrar dos
poderes públicos soluções definitivas para a falta de vagas — pela melhoria da
administração das vagas existentes ou pelo aumento do número de vagas —, não haveria,
porém, solução imediata possível. Desse modo, seria necessário verificar o que fazer com
os sentenciados se a situação de falta de vagas estivesse configurada. A prisão domiciliar
seria uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Todavia, não
deveria ser descartada sua utilização, até que fossem estruturadas outras medidas, como as
anteriormente mencionadas. Desse modo, seria preciso avançar em propostas de medidas
que, muito embora não fossem tão gravosas como o encarceramento, não estivessem tão
aquém do “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (CP, art. 59). As
medidas em questão não pretenderiam esgotar as alternativas a serem adotadas pelos juízos
de execuções penais no intuito de equacionar os problemas de falta de vagas nos regimes
adequados ao cumprimento de pena. As peculiaridades de cada região e de cada
estabelecimento prisional poderiam recomendar o desenvolvimento dessas medidas em
novas direções. Assim, seria conveniente confiar às instâncias ordinárias margem para
complementação e execução das medidas. O fundamental seria afastar o excesso da
execução — manutenção do sentenciado em regime mais gravoso — e dar aos juízes das
execuções penais a oportunidade de desenvolver soluções que minimizassem a insuficiência
da execução, como se daria com o cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra
modalidade sem o rigor necessário. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o
recurso por entender que o acórdão recorrido teria observado a jurisprudência do STF na
matéria, devendo ser considerados os parâmetros objetivos e subjetivos do recurso em
comento. RE 641320/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.5.2016. (RE-641320)

STF. Informativo nº 832


(Plenário)

164
PSV: regime de cumprimento de pena e vaga em estabelecimento penal
(Enunciado 56 da Súmula Vinculante)
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, acolheu proposta de edição
de enunciado de súmula vinculante com o seguinte teor: “A falta de estabelecimento penal
adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso,
devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS” — v.
Informativo 777. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente) reajustou voto proferido
em assentada anterior, acatando, assim, proposta redacional sugerida pelo Ministro Roberto
Barroso. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que aprovava a proposta originalmente
apresentada pelo Defensor Público-Geral Federal (“O princípio constitucional da
individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais
benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da
execução”). PSV 57/DF, 29.6.2016. (PSV-57)

STF. Informativo nº 832


(Plenário)

Regressão de regime: inadimplemento de pena de multa e cometimento de


novo crime
O Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, negou provimento a agravos
regimentais em execuções penais referentes a condenados nos autos da AP 470/MG (DJe
de 22.4.2013). No primeiro caso, o agravante, durante o cumprimento da pena em regime
semiaberto, fora condenado pela justiça comum em outro processo, tendo em conta crimes
praticados concomitantemente ao cumprimento da reprimenda. Insurgia-se, então, contra a
decisão que determinara a regressão de regime. O Colegiado aduziu que a prática de fato
definido como crime doloso no curso da execução penal acarreta a regressão de regime.
Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o agravo. Reputava que o processo-crime
ainda estaria em curso na justiça comum, sem poder repercutir, portanto, no cumprimento
de pena já formalizada. No segundo caso, a progressão de regime da sentenciada fora
condicionada ao adimplemento da pena de multa. Para obter esse direito, a agravante
realizara acordo de parcelamento do valor, razão pela qual progredira. Posteriormente,
deixara de pagar as parcelas, a implicar a regressão. O Tribunal entendeu que o
inadimplemento injustificado das parcelas da pena de multa autoriza a regressão no regime
prisional. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o agravo, ao fundamento de que o
descumprimento de pena de multa não implicaria a sua transformação em reprimenda
restritiva de liberdade. EP 8 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 1º.7.2016. (EP-
8) EP 16 Agr-terceiro/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 1º.7.2016. (EP-16)

165
STF. Informativo nº 838
(Segunda Turma)

Cumprimento de pena em penitenciária federal de segurança máxima e progressão


de regime
O cumprimento de pena em penitenciária federal de segurança máxima por motivo
de segurança pública não é compatível com a progressão de regime prisional.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, não conheceu de
“habeas corpus” em que se discutia a possibilidade da concessão do benefício em face de
seu deferimento por juiz federal sem que houvesse a impugnação da decisão pela via
recursal.
No caso, o juízo da execução penal suscitou conflito de competência ao ser
comunicado de que a benesse da progressão de regime fora concedida ao paciente. O
Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao resolver o conflito, cassou a progressão.
A Segunda Turma afirmou que a transferência do apenado para o sistema federal
tem, em regra, como fundamento razões que atestam que, naquele momento, o condenado
não tem mérito para progredir de regime. Observou que a transferência seria cabível no
interesse da segurança pública ou do próprio preso (Lei 11.671/2008, art. 3º).
Frisou que o paciente seria líder de organização criminosa. Ademais, mesmo sem
cometer infrações disciplinares, o preso que pertencesse à associação criminosa não
satisfaria aos requisitos subjetivos para a progressão de regime. A pertinência à sociedade
criminosa seria crime e também circunstância reveladora da falta de condições de progredir
a regime prisional mais brando. A Segunda Turma ainda registrou que a manutenção do
condenado em regime fechado, com base na falta de mérito do apenado, não seria
incompatível com a jurisprudência do STF.
Vencida a ministra Cármen Lúcia, que concedia a ordem para que fosse assegurado
ao condenado o regime semiaberto. Pontuava configurar constrangimento ilegal o
afastamento pelo STJ, em conflito de competência, da decisão transitada em julgado que
deferira ao paciente a progressão de regime. HC 131.649/RJ, rel. orig. min. Cármen Lúcia,
rel. p/ac. min. Dias Toffoli, julgamento em 6-9-2016.

STJ. Informativo nº 581


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA EXPEDIÇÃO DE GUIA


DE RECOLHIMENTO DE RÉU EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA.

166
Em execução provisória de pena fixada em ação penal originária, a expedição de
guia de recolhimento de réu cabe ao tribunal competente para processá-la e julgá-
la. De fato, o art. 105 da Lei n. 7.210/1984 (que deve ser conjugado com o art. 2º da
mesma lei, respeitante à execução provisória da pena) dispõe que: "Transitando em julgado
a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz
ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução". Sobre o tema, há doutrina
no sentido de que "regra geral é a de que cabe ao juiz da ação a competência para a
execução da sentença, nela proferida, afinal". De acordo com essa vertente doutrinária, o
início da execução da reprimenda compete ao juiz "perante o qual correu a ação penal,
pouco importando tenha a executar a sentença por ele próprio proferida, ou a substituída a
essa, em virtude do provimento dado, no todo ou em parte, a recurso, ordinário,
extraordinário ou misto (revisão), interposto contra aquela sentença". Por fim, na mesma
linha, existe entendimento doutrinário no viés de que "compete aos tribunais superiores a
execução quando se trata de competência originária da respectiva Corte, ainda que o
acórdão por esta proferido tenha sido reformado pelo Supremo Tribunal Federal". EDcl
no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/3/2016, DJe
14/4/2016.

STJ. Informativo nº 581


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA EM


AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.
É possível a execução provisória de pena imposta em acordão condenatório
proferido em ação penal de competência originária de tribunal. Inicialmente, ao que
tudo está a indicar, a decisão proferida pela composição plena do STF no HC 126.292-SP
(julgado em 17/2/2016, ainda não publicado) sufragou pensamento de que o direito é
disciplina prática, necessariamente ancorada na realidade. Deveras, em diversos pontos dos
votos dos eminentes Ministros que participaram da sessão, assinalou-se, como móvel para a
referida guinada jurisprudencial, a gravidade do quadro de "desarrumação" do sistema
punitivo brasileiro, máxime por permitir a postergação da definição do juízo de
condenação, mercê dos inúmeros recursos previstos na legislação processual penal. Diante
dessa pletora de meios impugnativos, que engendra, a cada instância inaugurada no curso
processual, uma infindável reapreciação dos mesmos temas já anteriormente debatidos, a
Suprema Corte acabou assumindo, na dicção de Ministro daquela Corte, "papel decisivo
nessa rearrumação". Em verdade, a possibilidade de prisão após a condenação em segunda
instância, quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com praticamente

167
todos os tratados e convenções internacionais que versam direitos humanos. Atenta-se,
ainda, à previsão contida no art. 283 do CPP ("Ninguém poderá ser preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente,
em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da
investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva"), cuja
redação dada pela Lei n. 12.403/2011 veio encampar a jurisprudência até então consolidada
do STF, no sentido de que toda prisão, antes do trânsito em julgado, teria natureza cautelar.
Ora, é fato que a redação desse artigo encontra sua essência no princípio constitucional da
presunção de não culpabilidade. Logo, se o próprio Pretório Excelso, ao interpretar esse
princípio constitucional, entendeu pela possibilidade de execução provisória da pena após a
prolação de acórdão condenatório, não se verifica como uma interpretação a regra
infraconstitucional possa contraditar o alcance de sentido que foi emprestado ao princípio
que dá sustentação a essa própria regra infraconstitucional, porquanto, sob a perspectiva
kelseniana, as normas inscritas na Carta Maior se encontram no topo da pirâmide
normativa, à qual todo o sistema jurídico deve se conformar. Diante disso, não há como
pretender que sejam sobrepostas a interpretação e o alcance do art. 283 do CPP à espécie,
de modo a afastar o entendimento manifestado pelo STF, porquanto, ao fim e ao cabo, as
normas infraconstitucionais é que devem se harmonizar com a Constituição, e não o
contrário. A compreensão externada pelo Supremo, por ocasião do julgamento do HC
126.292-SP, poderia ser resumida na conclusão de que o recurso especial, tal como o
recurso extraordinário, por ser desprovido de efeito suspensivo, não obsta o início da
execução provisória da pena, sem que isso importe em inobservância ao princípio da não
culpabilidade, porquanto "o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o
processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como
respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a
garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de
julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da
responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias" (excerto de voto de
Ministro daquela Corte). Como o mencionado acórdão ainda não foi publicado, é possível
que ele venha a ser integrado e modelado, de modo a fornecer elementos mais precisos e
objetivos para se saber, efetivamente, a partir de qual momento poderá ser autorizado o
início da execução da pena, confirmada (ou imposta) em acórdão condenatório. Contudo,
isso não implica afastar a possibilidade de o julgador, dentro de seu inerente poder geral de
cautela, atribuir, no exercício da jurisdição extraordinária, efeito suspensivo ao REsp ou RE
e, com isso, obstar a execução provisória da pena. Isso seria possível, por exemplo, em
situações excepcionais, nas quais estivesse caracterizada a verossimilhança das alegações

168
deduzidas na impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar, à vol d'oiseau, a
manifesta contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada da Corte a quem se
destina a impugnação. Por fim, é necessário se ressaltar que nenhum acréscimo às
instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de
magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários, com base
na qual cabe ao STJ a interpretação do direito federal e ao STF a interpretação da CF,
motivo pelo qual se deve dar efetivo e imediato cumprimento à nova interpretação dada,
pelo STF, aos limites e ao alcance da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inc. LVII).
EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/3/2016,
DJe 14/4/2016.

STJ. Informativo nº 582


(Corte Especial)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA.


Pendente o trânsito em julgado do acórdão condenatório apenas pela interposição
de recurso de natureza extraordinária, é possível a execução de pena. Numa
mudança vertiginosa de paradigma, o STF, no julgamento do HC 126.292-SP (Tribunal
Pleno, DJe 17/5/2016), mudou sua orientação para permitir, sob o status de cumprimento
provisório da pena, a expedição de mandado de prisão depois de exaurido o duplo grau de
jurisdição. Em verdade, pelas razões colhidas do voto condutor, o exaurimento da
cognição de matéria fática é o balizador determinante a autorizar a execução provisória da
pena. Não se cogita, portanto, de prisão preventiva. Em outros termos, pendente o trânsito
em julgado apenas pela interposição de recurso de natureza extraordinária, é possível
iniciar-se o cumprimento da pena, sem ofensa ao direito fundamental inserto no art. 5º,
LVII, da CF. Nesses moldes, é possível iniciar-se o cumprimento da pena, pendente o
trânsito em julgado, porque eventual recurso de natureza extraordinária não é, em regra,
dotado de efeito suspensivo. QO na APn 675-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 6/4/2016, DJe 26/4/2016.

Prisão

STF. Informativo nº 825


(Segunda Turma)

Lei 13.257/2016 e pedido superveniente


A Segunda Turma rejeitou embargos de declaração em agravo regimental em “habeas
corpus” no qual pretendido o reexame da causa, porém, concedeu a ordem de ofício para
que o tribunal de origem competente verifique se a embargante faz jus à novel prisão

169
domiciliar nos termos da Lei 13.257/2016. Na espécie, a embargante pleiteava o
acolhimento dos embargos, com efeitos infringentes, para fins de revogação da sua
custódia preventiva ou a concessão da ordem de ofício para substituir a prisão preventiva
por domiciliar em atenção ao inciso V do art. 318 do CPP, recentemente incluído pela Lei
13.257/2016 [“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando
o agente for: ... V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”]. A
Turma asseverou que tal pedido superveniente deveria ser analisado pelo juízo de origem,
uma vez que não cabe ao STF apreciá-lo de forma originária, sob pena de incorrer em
supressão de instância, além de grave violação às regras constitucionais de competência.
HC 132462 AgR-ED/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 10.5.2016. (HC-132462)

STF. Informativo nº 831


(Segunda Turma)

Marco Legal da Primeira Infância e prisão domiciliar


O Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), ao alterar as hipóteses autorizativas
da concessão de prisão domiciliar, permite que o juiz substitua a prisão preventiva pela
domiciliar quando o agente for gestante ou mulher com filho até 12 anos de idade
incompletos (CPP, art. 318, IV e V). Com base nessa orientação, a Segunda Turma superou a
restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF e concedeu, de ofício, a ordem em
“habeas corpus” para determinar a referida substituição. No caso, a paciente, presa
preventivamente pela prática do crime de tráfico ilícito de drogas com envolvimento de
adolescente, dera à luz enquanto se encontrava encarcerada. A impetração alegava que, pelo
princípio da dignidade da pessoa humana, a criança e a mãe têm o direito de permanecerem
juntas em ambiente que não lhes cause danos. Ressaltava, ainda, que a paciente possui
condições favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes e idade inferior a 21 anos.
HC 134069/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.6.2016. (HC-134069)

STJ. Informativo nº 576


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REGISTRO DE ATOS INFRACIONAIS NÃO


JUSTIFICA PRISÃO PREVENTIVA.
No processo penal, o fato de o suposto autor do crime já ter se envolvido em ato
infracional não constitui fundamento idôneo à decretação de prisão preventiva. Isso
porque a vida na época da menoridade não pode ser levada em consideração pelo Direito
Penal para nenhum fim. Atos infracionais não configuram crimes e, por isso, não é possível
considerá-los como maus antecedentes nem como reincidência, até porque fatos ocorridos

170
ainda na adolescência estão acobertados por sigilo e estão sujeitos a medidas judiciais
exclusivamente voltadas à proteção do jovem. Por conseguinte, a prática de atos
infracionais não serve de lastro para a análise de uma pretensa personalidade voltada à
prática de crimes hábil a justificar ameaça a garantia da ordem pública. Portanto, o
cometimento de atos infracionais somente terão efeito na apuração de outros atos
infracionais, amparando, v.g., a internação (art. 122, II, do ECA), e não a prisão preventiva
em processo criminal. HC 338.936-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em
17/12/2015, DJe 5/2/2016.

STJ. Informativo nº 591


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECOLHIMENTO EM


SALA DE ESTADO MAIOR A ADVOGADO SUSPENSO DO EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE.
Decretada a prisão preventiva de advogado, este não fará jus ao recolhimento
provisório em sala de Estado Maior caso esteja suspenso dos quadros da OAB.
Segundo previsão do art. 7º, V, da Lei n. 8.906/1994 (EOAB), o advogado tem direito de
ser recolhido provisoriamente em sala de Estado Maior, o que, por certo, não se conserva
diante da suspensão do exercício profissional, ex vi da dicção do art. 37, § 1º, do EOAB, a
qual pressupõe a interdição dos direitos decorrentes da atuação profissional. HC 368.393-
MG, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 20/9/2016, DJe
30/9/2016.

Prisão Cautelar

STJ. Informativo nº 585


(Terceira Seção)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO CAUTELAR FUNDADA EM ATOS


INFRACIONAIS.
A prática de ato infracional durante a adolescência pode servir de fundamento para
a decretação de prisão preventiva, sendo indispensável para tanto que o juiz
observe como critérios orientadores: a) a particular gravidade concreta do ato
infracional, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente
considerado grave; b) a distância temporal entre o ato infracional e o crime que deu
origem ao processo (ou inquérito policial) no qual se deve decidir sobre a
decretação da prisão preventiva; e c) a comprovação desse ato infracional anterior,
de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência. No

171
que concerne às medidas cautelares pessoais, o conceito de periculum libertatis denota
exatamente a percepção de que a liberdade do investigado ou acusado pode trazer prejuízos
futuros para a instrução, para a aplicação da lei ou para a ordem pública. É válida a prisão
preventiva para garantia da ordem pública, de maneira a evitar a prática de novos crimes
pelo investigado ou acusado, ante a sua periculosidade, manifestada na forma de execução
do crime, ou no seu comportamento anterior ou posterior à prática ilícita. Ademais, não há
como escapar da necessidade de aferir se o bem jurídico sob tutela cautelar encontra-se sob
risco de dano, o que, no âmbito criminal, se identifica com a expressão periculum libertatis,
isto é, o perigo que a liberdade do investigado ou réu representa para a instrução criminal, a
aplicação da lei penal ou a ordem pública e/ou econômica. Ao menos no que toca a este
último fundamento, sua invocação como motivo para a decretação da cautela extrema
funda-se em avaliação concreta da periculosidade do agente, ou seja, a probabilidade de que
o autor de um facto-crime repita a sua conduta típica e ilícita. Assim, a probabilidade de
recidiva do comportamento criminoso se afere em face do passado do réu ou pelas
circunstâncias específicas relativas ao modus operandi do crime sob exame. Lembre-se que,
também para fins cautelares, se aceitam como válidos os registros em folha de antecedentes
penais ainda não definitivamente convolados em sentenças condenatórias, porquanto se, de
um lado, não servem para elevar a pena, permitem ao juiz da causa, por outro lado, avaliar
se a prisão do réu/investigado é necessária para preservar a ordem pública, ante a
perspectiva de cometimento de novos crimes pelo acusado. Ora, se uma pessoa, recém
ingressa na maioridade penal, comete crime grave e possui histórico de atos infracionais
também graves, indicadores de seu comportamento violento, como desconsiderar tais
dados para a avaliação judicial sobre a sua periculosidade? Sobre essa questão, duas
considerações mostram-se importantes para o debate. A primeira delas diz respeito à
natureza e ao grau de cognoscibilidade do juízo cautelar, em todo diverso - ainda que em
relação de instrumentalidade - ao juízo de condenação. Deveras, para um provimento
cautelar qualquer, nomeadamente o que impõe a segregação provisória do réu, basta, em
conformidade com o texto do art. 312 do CPP, prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria. Já para o juízo de condenação, é necessária a prova da existência do
crime e a prova cabal de sua autoria. Outrossim, o juízo cautelar labora com aparência
(verossimilhança) do direito subjacente à postulação, mero juízo hipotético, alcançado por
meio de cognição limitada (na extensão) e perfunctória (na profundidade), ainda assim
idônea para permitir ao julgador decidir provisoriamente, tendo em mira a preservação de
um interesse ou bem que se encontra ameaçado de perecimento ou dano ante a
manutenção do status quo. Por sua vez, o juízo de mérito labora com a certeza sobre os
fatos constitutivos, é definitivo e impõe cognição exauriente e ampla sobre os fatos

172
articulados e as provas produzidas, somente com a qual se legitima a condenação do
acusado. Dizer, então, que não podem ser extraídas informações sobre os processos por
ato infracional para fins processuais, tout court, é, com a mais respeitosa vênia, afirmação
sujeita a refutação. Evidentemente não cabe considerar atos infracionais como
antecedentes penais, bastando, para dar lastro a tal assertiva, lembrar que ato infracional
não é crime, que medida socioeducativa não é pena, inclusive quanto aos fins a que se
destina, que o adolescente não é imputável, que a sentença final nos processos por ato
infracional não é condenação. Daí, porém, a não poder utilizar, para avaliação judicial de
natureza cautelar - que não pressupõe juízo de culpabilidade, mas de periculosidade do
agente - o histórico recente de vida do acusado, ao tempo em que ainda não atingira a
maioridade, vai uma grande distância. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela
quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A avaliação sobre a
periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial
o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências
tenham sido sentidas no âmbito social, quais os atos infracionais praticados. Se estes não
servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência
(porque tais conceitos implicam a ideia de "crime" anterior), não podem ser ignorados para
aferir o risco que a sociedade corre com a liberdade plena do acusado. É de lembrar,
outrossim, que a proteção estatal prevista na Lei n. 8.069/1990 (ECA), no seu art. 143, é
voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se
imputável. Com efeito, se, durante a infância e a adolescência do ser humano, é imperiosa a
maior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades no processo de
apuração de atos contrários à ordem jurídica, inclusive com a imposição do sigilo sobre os
atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que
se atribua autoria de ato infracional (art. 143 do ECA), tal dever de proteção cessa com a
maioridade penal. Não existe, portanto, vedação legal a que, no exercício da jurisdição
criminal, utilize o juiz, excepcionalmente, dos registros relativos a atos infracionais
praticados pelo acusado quando ainda adolescente. A toda evidência, isso não equivale a
sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública,
simplesmente porque o réu cometeu um ato infracional anterior. O raciocínio é o mesmo
que se utiliza para desconsiderar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem maior
gravidade, ou por registrar fato já longínquo no tempo, não deve, automaticamente,
supedanear o decreto preventivo. Não será, pois, todo e qualquer ato infracional praticado
pelo acusado quando ainda adolescente que poderá render-lhe juízo de periculosidade e
autorizar, por conseguinte, a inflição de custódia ante tempus. Não teria sentido, seria um
verdadeiro despropósito atentatório à excepcionalidade da providência cautelar extrema,

173
considerar, por exemplo, atos infracionais equivalentes a crime de furto ou de falsificação
de documento como indicadores da necessidade da prisão preventiva. De igual modo,
mesmo em se tratando de atos infracionais graves, equivalentes a crimes de homicídio,
roubo ou estupro, não se justificaria a segregação cautelar do réu ante a constatação de que
tais atos infracionais foram perpetrados há anos, sem que se tenha notícia de novos atos
graves posteriores. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a
consideração dos atos infracionais do então adolescente, averiguasse: a) a particular
gravidade concreta do ato infracional, não bastando mencionar sua equivalência a crime
abstratamente considerado grave; b) a distância temporal entre o ato infracional e o crime
que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no qual se deve decidir sobre a
decretação da prisão preventiva; e c) a comprovação desse ato infracional anterior, de sorte
a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência. Assim, propõem-se
os mencionados critérios orientadores que o juiz deve considerar na busca de um ponto de
equilíbrio no embate, imanente ao processo penal, entre o poder punitivo do Estado e o
direito à liberdade do indivíduo. RHC 63.855-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para
acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/5/2016, DJe 13/6/2016.

Remição

STJ. Informativo nº 586


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REMIÇÃO DE PENA POR TRABALHO EM


DOMINGOS E FERIADOS.
Se o preso, ainda que sem autorização do juízo ou da direção do estabelecimento
prisional, efetivamente trabalhar nos domingos e feriados, esses dias deverão ser
considerados no cálculo da remição da pena. A remição da pena pelo trabalho se
perfaz à razão de 1 dia de pena a cada 3 dias de trabalho, conforme o regramento do art.
126, § 1º, II, da LEP. E, nos termos do art. 33 do mesmo estatuto, considera-se dia
trabalhado aquele em que cumprida jornada não inferior a 6 nem superior a 8 horas. Assim,
a remição da pena pelo trabalho, nos termos do art. 33, c/c o art. 126, § 1º, é realizada à
razão de um dia de pena a cada três dias de trabalho, cuja jornada diária não seja inferior a 6
nem superior a 8 horas, o que impõe, para fins de cálculo, a consideração dos dias
efetivamente trabalhados (HC 218.637-RS, Quinta Turma, DJe 19/4/2013). HC 346.948-
RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/6/2016, DJe 29/6/2016.

STJ. Informativo nº 587


(Quinta Turma)

174
DIREITO PENAL. REMIÇÃO DE PENA POR LEITURA E RESENHA DE LIVROS.
O fato de o estabelecimento penal assegurar acesso a atividades laborais e a
educação formal não impede a remição por leitura e resenha de livros. Inicialmente,
consigne-se que a jurisprudência do STJ tem admitido que a norma do art. 126 da LEP, ao
possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo
possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento em razão de
atividades que não estejam expressas no texto legal, como no caso, a leitura e resenha de
livros, nos termos da Recomendação n. 44/2013 do CNJ (AgRg no AREsp 696.637-SP,
Quinta Turma, DJe 4/3/2016; HC 326.499-SP, Sexta Turma, DJe 17/8/2015; e HC
312.486-SP, Sexta Turma, DJe 22/6/2015). Ademais, o fato de o estabelecimento penal
onde se encontra o paciente assegurar acesso a atividades laborais e a educação formal não
impede que se obtenha também a remição pela leitura, que é atividade complementar, mas
não subsidiária, podendo ocorrer concomitantemente. Assim, as horas dedicadas à leitura e
resenha de livros, como forma da remição pelo estudo, são perfeitamente compatíveis com
a participação em atividades laborativas fornecidas pelo estabelecimento penal, nos termos
do art. 126, § 3º, da LEP, uma vez que a leitura pode ser feita a qualquer momento do dia e
em qualquer local, diferentemente da maior parte das ofertas de trabalho e estudo formal.
Precedente citado: HC 317.679-SP, Sexta Turma, DJe 2/2/2016. HC 353.689-SP, Rel.
Min. Felix Fischer, julgado em 14/6/2016, DJe 1/8/2016.

Saída Temporária

STF. Informativo nº 828


(Segunda Turma)

“Habeas Corpus”: saída temporária de preso e contagem de prazo


A contagem do prazo do benefício de saída temporária de preso é feita em dias e não
em horas. Com base nessa orientação, a Segunda Turma denegou a ordem de “habeas
corpus” em que se pretendia a contagem de tal benesse a partir da 00h do primeiro dia. No
caso, o paciente aduzia que sua liberação apenas às doze horas do primeiro dia do benefício
prejudicaria a fruição do prazo legalmente previsto de sete dias (LEP, art. 124), porque
usufruiria apenas seis dias e meio de tal direito. Assim, considerava que a saída temporária
não deveria se sujeitar à estrita forma de contagem do prazo prevista no art. 10 do Código
Penal (“Art. 10. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os
meses e os anos pelo calendário comum”). A Turma destacou ser indevida, na ordem penal, a
contagem do prazo em horas e, por isso, manteve o cômputo em forma de dias. Ademais, a
se entender de forma diversa, estar-se-ia colocando em risco a segurança do estabelecimento

175
penal, bem como a organização do sistema prisional. HC 130883/SC, rel. Min. Dias Toffoli,
31.5.2016. (HC-130883)

STF. Informativo nº 831


(Primeira Turma)

Saída temporária e decisão judicial


É legítima a decisão judicial que estabelece calendário anual de saídas temporárias
para que o preso possa visitar a família. Esse o entendimento da Primeira Turma, que
concedeu a ordem em “habeas corpus” para restabelecer ato do Juízo das Execuções
Penais do Estado do Rio de Janeiro, que concedera autorização de saída temporária para
visita periódica à família do paciente. Essa decisão, mantida em grau de recurso, fora, no
entanto, reformada pelo STJ, que assentara o descabimento da concessão de saídas
automatizadas. Segundo aquela Corte, seria necessária a manifestação motivada do juízo
da execução, com intervenção do Ministério Público, em cada saída temporária. A Turma
afirmou que a saída temporária autorizada repercutiria sobre outras saídas, desde que não
houvesse cometimento de falta grave pelo custodiado. HC 130502/RJ, rel. Min. Marco
Aurélio, 21.6.2016. (HC-130502)

STJ. Informativo nº 590


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE


CALENDÁRIO ANUAL DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS POR ATO JUDICIAL
ÚNICO. RECURSO REPETITIVO. TEMA 445.
É recomendável que cada autorização de saída temporária do preso seja precedida
de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual do pedido
estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo
do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida,
excepcionalmente, a possibilidade de fixação de calendário anual de saídas
temporárias por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação
automática do art. 125 da LEP. A Terceira Seção do STJ, no julgamento dos REsps
1.166.251-RJ (DJe 4/9/2012) e 1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012), em análise de matéria
repetitiva, fixou a interpretação do art. 122 e seguintes da LEP, relacionados à saída
temporária. Os precedentes deram ensejo à tese firmada sob o Tema 445: "A autorização
das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais.
Não é possível delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre diversas saídas

176
temporárias, por se tratar de atribuição exclusiva do magistrado das execuções penais,
sujeita à ação fiscalizadora do Ministério Público." Também ensejaram esses precedentes a
edição da Súmula n. 520 do STJ, verbis: "O benefício de saída temporária no âmbito da
execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do
estabelecimento prisional." Vê-se que a jurisprudência majoritária do STJ repudia as
denominadas saídas temporárias em bloco ou automatizadas, por meio de ato judicial
único, na medida em que cada saída temporária deve ser precedida de decisão motivada do
Juízo da execução, com a intervenção do Ministério Público, sem a possibilidade de delegar
ao administrador do presídio a escolha da data em que o reeducando usufruirá do
benefício. Contudo, insta destacar que o respeito aos precedentes também envolve o dever
de aperfeiçoá-los, adaptá-los ou mesmo revogá-los, quando não mais correspondam aos
padrões de congruência social e de consistência sistêmica, conforme doutrina. Com efeito,
a deficiência do aparato estatal e a exigência de decisão isolada para cada saída temporária -
dada a necessidade de cumprimento de diversas diligências para instrução e posterior
decisão do pleito - estão a ocasionar excessiva demora na análise do direito dos apenados,
com inexorável e intolerável prejuízo ao seu processo de progressiva ressocialização,
objetivo-mor da execução das sanções criminais, conforme deixa claro o art. 1º da Lei n.
7.210/1984 ("Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença
ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado"). Inclusive, o STF, em diversas oportunidades, ao analisar
acórdãos do STJ apoiados nos recursos repetitivos já referidos, concedeu habeas corpus para
reconhecer a possibilidade de renovação periódica da saída temporária, que "permite ao
juízo das execuções penais programar, observados os restritos limites legais, as saídas
subsequentes à da concessão do benefício, a fim de inibir eventual delonga ou até mesmo
impossibilidade no usufruto da saída não vigiada" (HC 129.167-RJ, Segunda Turma, DJe
11/12/2015). Nesse contexto, as autorizações de saída temporária não podem, na sua
concreta aplicação, negligenciar a natureza desse instituto, concebido como instrumento
integrativo voltado para o restabelecimento do vínculo familiar e para a reaproximação do
recluso com a sociedade. É, por conseguinte, inoportuno e atentatório à dignidade que o
condenado permaneça no regime semiaberto e, por mera e exclusiva deficiência estrutural e
funcional do aparato estatal, não tenha condições de usufruir o benefício em questão,
apesar de preencher os requisitos legais. A situação de carência do aparato judicial reforça a
necessidade de modificação da Tese 445 do STJ, para o fim de concretizar o benefício das
saídas temporárias, sem retirar, por certo, da autoridade judiciária a competência para a
análise dos requisitos objetivo e subjetivo do benefício, sob a fiscalização do Ministério
Público. Pela estabilidade e pela coerência da interpretação do art. 123 da LEP, deve ser

177
reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de a autoridade judicial, em única decisão
motivada, autorizar saídas temporárias anuais previamente programadas, observadas as
hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP. Ressalte-se que a autorização
continuará a ser deferida por ato do Juízo da execução, ouvidos previamente o Ministério
Público e a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos requisitos legais,
idênticos para os benefícios futuros. A meta continua a ser a análise individual e célere de
cada saída temporária, de modo a proporcionar aos reeducandos a almejada jurisdição e a
gradativa reinserção no meio familiar e social. Entretanto, se a tramitação individual de
cada pedido estiver, por questões locais, a interferir no direito subjetivo do apenado e a
ocasionar demora excessiva do Judiciário para proferir decisões sobre o benefício, por
carência exclusiva do aparato estatal, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a
possibilidade de o juiz estabelecer calendário prévio de saídas temporárias anuais em ato
judicial único, respeitadas as hipóteses de revogação automática do benefício. REsp
1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em
14/9/2016, DJe 19/9/2016.

STJ. Informativo nº 590


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA FIXAÇÃO DE


CALENDÁRIO PRÉVIO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. RECURSO REPETITIVO.
TEMA 445.
O calendário prévio das saídas temporárias deverá ser fixado, obrigatoriamente,
pelo Juízo das execuções, não se lhe permitindo delegar à autoridade prisional a
escolha das datas específicas nas quais o apenado irá usufruir os benefícios.
Inteligência da Súmula n. 520 do STJ. A teor da Súmula n. 520 do STJ, "O benefício de
saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à
autoridade administrativa do estabelecimento prisional". Decerto que a administração
penitenciária será ouvida e poderá subsidiar o órgão julgador com informações relacionadas
à rotina carcerária, a fim de melhor escolher as datas que serão ideais para a fiscalização do
cumprimento dos horários e das condições do benefício. Todavia, o diretor do presídio não
detém atribuição legal, ou mesmo as garantias constitucionais da magistratura, para escolha,
por discricionariedade, da data em que, por conveniência do presídio ou por pedido
particular do reeducando, deverá ser usufruída a saída temporária do art. 122 da LEP.
Apesar de haver entendimentos em contrário, a execução penal não constitui mera
atividade administrativa, mas implica tutela jurisdicional. Em análise crítica, escolher a data

178
das saídas temporárias acaba por conferir indevido poder decisório ao diretor do
estabelecimento, com inegável acúmulo de atribuições não previstas na legislação
específica. A LEP é expressa ao estabelecer as hipóteses nas quais é possível a interferência
da autoridade administrativa, sempre em situações pontuais, mediante comunicação do
Poder Judiciário e do Ministério Público, tais como a permissão de saída do art. 120 da
LEP, a regressão cautelar de regime etc. Não há obstáculos relevantes que impeçam o juiz
de indicar as datas das saídas temporárias, de sorte que não se justifica e não se mostra
legítima a pretensão de transferir ao diretor do presídio tal competência (opção que,
afastada da lei, traria também o acúmulo de atribuições no âmbito administrativo, com
inexorável incremento da demora na análise de pedidos particulares de reclusos). Por tais
motivos, deve permanecer incólume o entendimento consagrado na Súmula n. 520 do STJ.
REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em
14/9/2016, DJe 19/9/2016.

STJ. Informativo nº 590


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MAIS


DE CINCO SAÍDAS TEMPORÁRIAS POR ANO. RECURSO REPETITIVO. TEMA
445.
Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da LEP, é cabível a
concessão de maior número de autorizações de curta duração. Prevaleceu o
entendimento consagrado pela Terceira Seção do STJ nos REsps 1.166.251-RJ (DJe
4/9/2012) e 1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012), julgados sob o rito dos recursos repetitivos, de
que é possível à autoridade judicial, atenta às peculiaridades da execução penal, conceder
maior número de saídas temporárias (mais de 5 vezes durante o ano), de menor duração
(inferior a 7 dias), desde que respeitado o limite de 35 dias no ano, porquanto o
fracionamento do benefício é coerente com o processo reeducativo e com a reinserção
gradativa do apenado ao convívio social. REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/9/2016, DJe 19/9/2016.

STJ. Informativo nº 590


(Terceira Seção)
Recurso Repetitivo

DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRAZO MÍNIMO ENTRE SAÍDAS


TEMPORÁRIAS. RECURSO REPETITIVO. TEMA 445.

179
As autorizações de saída temporária para visita à família e para participação em
atividades que concorram para o retorno ao convívio social, se limitadas a cinco
vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre
uma e outra. Na hipótese de maior número de saídas temporárias de curta duração,
já intercaladas durante os doze meses do ano e muitas vezes sem pernoite, não se
exige o intervalo previsto no art. 124, § 3°, da LEP. A redação literal do art. 124, § 3º,
da LEP estabelece que as autorizações de saídas temporárias fora dos casos de estudo
(frequência a cursos profissionalizantes, de instrução de ensino médio ou superior)
somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e
outra saída. Contudo, para demonstrar, de forma coerente, o alcance da norma legal, a
disposição do § 3° deve ser interpretada não de forma restritiva e isolada, mas em conjunto
com o comando do art. 124 da LEP e com a diretriz máxima do art. 1º do mesmo diploma
legal, para concretizar o objetivo da saída temporária. De fato, prevaleceu o entendimento
consagrado pela Terceira Seção do STJ nos REsps 1.166.251-RJ (DJe 4/9/2012) e
1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012) julgados sob o rito dos recursos repetitivos, de que é possível
à autoridade judicial, atenta às peculiaridades da execução penal, conceder maior número de
saídas temporárias (mais de 5 vezes durante o ano), de menor duração (inferior a 7 dias),
desde que respeitado o limite de 35 dias no ano. Realmente, nas hipóteses de visita à família
ou de participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social,
fracionadas em até 5 vezes de até 7 dias, deve-se aplicar o prazo mínimo de 45 dias de
intervalo entre um benefício e outro. O longo período extramuros, o maior contato com a
sociedade sem fiscalização e a necessidade de estímulos ressocializadores ao longo do ano,
de forma intervalada e proporcional ao número de meses, justificam o intervalo exigido
pela norma legal. O intervalo não pode, entretanto, ser estendido, de maneira literal, aos
casos de benefícios de curta duração, na medida em que impediria a renovação das
autorizações por mais de 5 períodos - providência já admitida pelo STJ - e criaria
verdadeira dificuldade à fruição dos 35 dias de saídas temporárias anuais, além de ir de
encontro ao objetivo de solidificação dos laços familiares, essencial para a recuperação do
reeducando, razão pela qual a interpretação do § 3° deve ser compatibilizada com a cabeça
do art. 124 e com o art. 1º, ambos da LEP. Portanto, na hipótese de maior número de
saídas temporárias de curta duração, já intercaladas durante os 12 meses do ano e muitas
vezes sem pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3°, da LEP. REsp
1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em
14/9/2016, DJe 19/9/2016.

180
Indulto

STF. Informativo nº 837


(Segunda Turma)

Cometimento de falta grave e comutação de pena


A Turma não conheceu de pedido formulado em “habeas corpus” no qual pleiteada
a concessão do benefício de comutação de pena concedido pelo Decreto 7.873/2012.
Essa norma concede a referida benesse a determinadas pessoas, desde que
observados os requisitos nela fixados, dentre eles a exigência prevista no seu art. 4º (“A
declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à
inexistência de aplicação de sanção, homologada pelo juízo competente, em audiência de
justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de
natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de
cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto”).
Na espécie, fora negado o pleito de aplicação de comutação de pena ao paciente em
razão do cometimento de falta grave. Segundo afirmado pelo magistrado “a quo”, tal fato
ensejaria a impossibilidade de concessão do benefício.
A impetração sustentava que a falta grave ocorrida em 5.11.2012 teria sido
homologada apenas em 31.3.2014, portanto, em data posterior à publicação do decreto
(26.12.2012). Isso, de acordo com a defesa, inviabilizaria o indeferimento da comutação de
pena, porquanto não teria sido observado o período estabelecido no indigitado dispositivo
do Decreto 7.873/2012, levando-se em consideração a data da homologação judicial.
De início, a Turma asseverou que o “writ” em questão se voltaria contra decisão
monocrática, não submetida ao crivo do colegiado competente por intermédio de agravo
regimental, fato que configuraria o não exaurimento da instância antecedente, a ensejar o
não conhecimento do pedido (HC 118.189/MG, DJe de 24.4.2014).
Contudo, caberia ao STF proceder à análise, de ofício, da questão debatida em
“habeas corpus”, nos casos de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia.
No caso em comento, caberia decidir se, para obstar a comutação de pena, a
homologação judicial da sanção por falta grave necessariamente precisaria se verificar no
prazo de 12 meses — contados retroativamente à data de publicação do decreto —, ou se
seria suficiente que a falta grave tivesse sido praticada nesse interstício, ainda que a
homologação judicial da sanção ocorresse em momento posterior.
Não somente em face do próprio texto legal, como também de sua “ratio”, seria de
se exigir apenas que a falta grave tivesse sido cometida no prazo em questão. O art. 4º do

181
Decreto 7.873/2012 se limitaria a impor a homologação judicial da sanção por falta grave,
mas não exigiria que ela tivesse que se dar nos 12 meses anteriores à sua publicação.
Não bastasse isso, uma vez que se exige a realização de audiência de justificação,
assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, não faria sentido que a homologação
judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob pena de nem sequer haver tempo hábil
para a apuração de eventual falta grave praticada em data próxima à publicação do decreto.
HC 132236/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 30.8.2016. (HC-132236)

STF. Informativo nº 842


(Segunda Turma)

Cometimento de falta grave e indulto natalino


A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas
corpus” no qual se pedia a concessão de indulto, desconsiderando-se o cometimento de
falta disciplinar de natureza grave. O pedido teve como base a não homologação judicial de
falta grave dentro do período de doze meses anteriores à entrada em vigor do Decreto
8.380/2014, visto que a norma condiciona a concessão do benefício ao não cometimento
de falta disciplinar de natureza grave nos doze meses anteriores a sua publicação (Art. 5º
“A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica
condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em
audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta
disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses
de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto”).
Na espécie, foi negada a concessão do indulto ao paciente em decorrência do
cometimento de falta grave nos doze meses antecedentes à publicação do Decreto
8.380/2014, embora a homologação judicial da falta disciplinar tenha ocorrido em
momento posterior.
Na impetração, sustentava-se que o art. 5º do referido decreto condicionaria a
concessão de indulto à inexistência de falta grave devidamente homologada, nos doze
meses anteriores à sua publicação. Para a defesa, a interpretação conferida pelas instâncias
inferiores estaria, na verdade, a exigir requisito não previsto no Decreto 8.380/2014 e, a um
só tempo, contrariaria a regra da legalidade penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX), bem como
usurparia a competência discricionária e exclusiva do presidente da República para a
concessão de indulto (CF/1988, art. 84, XII).
No caso em comento, coube à Turma decidir se, para obstar a concessão do
indulto, a sanção por falta grave precisaria de fato ser homologada pela via judicial no
prazo de doze meses — contados retroativamente à data de publicação do decreto —, ou

182
se bastaria que a falta grave tivesse sido praticada nesse interstício, ainda que a
homologação judicial da sanção ocorresse em momento posterior. O Colegiado deliberou
que, não só em face do próprio texto legal, como também de sua “ratio”, é exigível apenas
que a falta grave tenha sido cometida no prazo em questão, sendo irrelevante a data de sua
homologação judicial. Entendeu, ademais, que o art. 5º do Decreto 8.380/2014 se limita a
impor a homologação judicial da sanção por falta grave, não se exigindo que ela tenha sido
realizada nos doze meses anteriores à sua publicação. Não bastasse isso, uma vez que se
exige a realização de audiência de justificação, assegurados o contraditório e a ampla defesa,
não faria sentido que a homologação judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob
pena de nem sequer haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em
data próxima à publicação do decreto.
Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que dava provimento ao recurso por
entender que o juízo da execução deveria realizar a audiência de justificação — prevista no
art. 5º do Decreto 8.380/2014 — dentro do interstício de doze meses, não se admitindo
imputar uma falha do Estado ao paciente, de modo a obstar-lhe a concessão do indulto.
RHC 133443/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2016.

STF. Informativo nº 842


(Segunda Turma)

Cometimento de falta grave e indulto natalino


A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas
corpus” no qual se pedia a concessão de indulto, desconsiderando-se o cometimento de
falta disciplinar de natureza grave. O pedido teve como base a não homologação judicial de
falta grave dentro do período de doze meses anteriores à entrada em vigor do Decreto
8.380/2014, visto que a norma condiciona a concessão do benefício ao não cometimento
de falta disciplinar de natureza grave nos doze meses anteriores a sua publicação (Art. 5º
“A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica
condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em
audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta
disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses
de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto”).
Na espécie, foi negada a concessão do indulto ao paciente em decorrência do
cometimento de falta grave nos doze meses antecedentes à publicação do Decreto
8.380/2014, embora a homologação judicial da falta disciplinar tenha ocorrido em
momento posterior.

183
Na impetração, sustentava-se que o art. 5º do referido decreto condicionaria a
concessão de indulto à inexistência de falta grave devidamente homologada, nos doze
meses anteriores à sua publicação. Para a defesa, a interpretação conferida pelas instâncias
inferiores estaria, na verdade, a exigir requisito não previsto no Decreto 8.380/2014 e, a um
só tempo, contrariaria a regra da legalidade penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX), bem como
usurparia a competência discricionária e exclusiva do presidente da República para a
concessão de indulto (CF/1988, art. 84, XII).
No caso em comento, coube à Turma decidir se, para obstar a concessão do
indulto, a sanção por falta grave precisaria de fato ser homologada pela via judicial no
prazo de doze meses — contados retroativamente à data de publicação do decreto —, ou
se bastaria que a falta grave tivesse sido praticada nesse interstício, ainda que a
homologação judicial da sanção ocorresse em momento posterior. O Colegiado deliberou
que, não só em face do próprio texto legal, como também de sua “ratio”, é exigível apenas
que a falta grave tenha sido cometida no prazo em questão, sendo irrelevante a data de sua
homologação judicial. Entendeu, ademais, que o art. 5º do Decreto 8.380/2014 se limita a
impor a homologação judicial da sanção por falta grave, não se exigindo que ela tenha sido
realizada nos doze meses anteriores à sua publicação. Não bastasse isso, uma vez que se
exige a realização de audiência de justificação, assegurados o contraditório e a ampla defesa,
não faria sentido que a homologação judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob
pena de nem sequer haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em
data próxima à publicação do decreto.
Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que dava provimento ao recurso por
entender que o juízo da execução deveria realizar a audiência de justificação — prevista no
art. 5º do Decreto 8.380/2014 — dentro do interstício de doze meses, não se admitindo
imputar uma falha do Estado ao paciente, de modo a obstar-lhe a concessão do indulto.
RHC 133443/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2016.

STJ. Informativo nº 577


(Sexta Turma)

DIREITO PENAL. INDULTO E DETRAÇÃO.


O período compreendido entre a publicação do decreto concessivo de indulto pleno
e a decisão judicial que reconheça o benefício não pode ser subtraído na conta de
liquidação das novas execuções penais, mesmo que estas se refiram a condenações
por fatos anteriores ao decreto indulgente. A concessão do indulto, pleno ou parcial,
atinge a pena. Será pleno quando extinguir a pena por completo, resultando na extinção da
punibilidade. E será parcial, também chamado de comutação, quando o afastamento da

184
pena não se der por completo. No entanto, em ambos os casos, os demais efeitos penais e
civis do crime permanecem inalterados. Assinale-se, ainda, que o indulto não é aplicado de
forma automática. Necessita, assim, de um procedimento judicial em que o juiz da
execução irá avaliar se o apenado preenche, ou não, os requisitos insculpidos no decreto
presidencial. Embora haja doutrina que defenda ser meramente declaratória a decisão
concessiva de indulto, os decretos presidenciais, em geral, possuem condições objetivas e
subjetivas que necessitam de avaliação judicial. Nessa medida, esse trâmite processual
certamente levará um espaço de tempo para ser cumprido, o que afasta a possibilidade de
publicação do decreto concessivo do benefício em um dia e, já no dia seguinte, a sua
aplicação no caso concreto. Assim, o indulto somente poderá produzir os seus efeitos após
essa avaliação. Além disso, em regra, a concessão do indulto pressupõe a existência de uma
sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Uma vez transitada em julgado a
sentença penal condenatória, surge a pretensão de execução da pena. Se, posteriormente, o
Estado desistir de prosseguir na execução da pena, haverá, tão somente, uma interrupção
do cumprimento, mas não uma inidoneidade ou desnecessidade da pena. Vale ressaltar que
essa interrupção, no caso do indulto, é um ato de clemência do Estado, que só será
reconhecido ao apenado após regular procedimento judicial. Portanto, até a prolação da
decisão que extinguir a punibilidade do agente, a sua custódia será decorrente de uma
prisão pena. A detração, por sua vez, é decorrência do princípio constitucional da não
culpabilidade. A CF estabelece que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória". Ocorre que, mesmo antes do trânsito em julgado,
em algumas situações, faz-se necessária a constrição provisória do acusado. Essa, no
entanto, é uma prisão cautelar. E, por vezes, ao final do julgamento, pode ocorrer a
absolvição do agente ou a prescrição da pretensão punitiva. Dessa forma, a detração visa
impedir que o Estado abuse do poder-dever de punir, impondo ao agente uma fração
desnecessária da pena quando houver a perda da liberdade ou a internação em momento
anterior à sentença condenatória. Em razão desses casos, para amenizar a situação do réu, o
CP regulamentou que: "Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida
de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão
administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo
anterior'. Nessa linha intelectiva, a detração é uma operação matemática em que se subtrai
da pena privativa de liberdade (ou medida de segurança) aplicada ao réu ao final do
processo, o tempo de prisão provisória, prisão administrativa ou internação em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico que o sentenciado já cumpriu anteriormente. Frise-se
que, em razão da equidade, admite-se a detração inclusive em processos que não guardem
relação entre si, desde que a segregação indevida seja posterior ao crime em que se requer a

185
incidência do instituto. Nestes casos, embora a prisão processual fosse necessária no
momento em que foi realizada, ao final do julgamento do processo, a conduta do agente
não resultou em uma punição efetiva. Dessa forma, é possível utilizar esse período para
descontar a pena referente a crime praticado em data anterior. Conclui-se, portanto, que a
detração é um instituto que pretende amenizar as consequências de uma custódia
processual, abatendo-se da pena efetivamente aplicada o período em que o réu esteve preso
por meio de medida cautelar, seja em razão de prisão provisória, prisão administrativa ou
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Assim, o instituto da detração
não pode tangenciar o benefício do indulto porque, enquanto o período compreendido
entre a publicação do Decreto Presidencial e a decisão que reconhece o indulto,
decretando-se a extinção da punibilidade do agente, refere-se a uma prisão pena, a detração
somente se opera em relação à medida cautelar, o que impede a sua aplicação no referido
período. REsp 1.557.408-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
16/2/2016, DJe 24/2/2016.

Habeas Corpus

STF. Informativo nº 814


(Plenário)

"Habeas corpus" contra decisão monocrática


Ao proferir decisão pelo não conhecimento do “writ”, o Tribunal, por maioria,
reafirmou sua jurisprudência no sentido de não ser cabível “habeas corpus” impetrado
contra decisão monocrática de ministro da Corte. Na espécie, os pacientes impugnaram
decisão do Ministro Cezar Peluso, que prorrogara o prazo para a realização de escutas
telefônicas anteriormente autorizadas. O Tribunal esclareceu que o ato apontado como
coator — decisão monocrática — não poderia ser questionado pela via estreita do presente
“writ”. Ademais, o tema estaria materializado no Enunciado 606 da Súmula do STF (“Não
cabe ‘habeas corpus’ originário para o Tribunal Pleno de decisão da Turma ou do Plenário,
proferida em ‘habeas corpus’ ou no respectivo recurso”). Destacou que não se trataria de
impedir a revisão do ato do relator, mas que haveria outro caminho, conforme previsto no
art. 38 da Lei 8.038/1990 e no art. 21, § 1º, do RISTF. Vencidos os Ministros Marco
Aurélio (relator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski
(Presidente), que admitiam a impetração. Enfatizavam a importância da proteção judicial
efetiva que se materializaria no “habeas corpus”. Aduziam que o próprio texto
constitucional reconheceria cabível o “habeas corpus” contra autoridade submetida à
Constituição, nos termos especificados, no caso, juízes do STF.

186
HC 105959/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin,
17.2.2016. (HC-105959)

STF. Informativo nº 819


(Segunda Turma)

HC e desclassificação
É incabível a utilização do “habeas corpus” com a finalidade de se obter a
desclassificação de imputação de homicídio doloso, na modalidade dolo eventual, para
homicídio culposo, na hipótese em que apurada a prática de homicídio na direção de
veículo automotor. Isso porque os limites estreitos dessa via processual impossibilitariam a
análise apurada do elemento subjetivo do tipo penal para que se pudesse afirmar que a
conduta do paciente fora pautada pelo dolo eventual ou pela culpa consciente. Essa a
conclusão da Segunda Turma ao indeferir a ordem de “habeas corpus” em que pleiteada tal
desclassificação. O Colegiado afirmou que a análise de mais de uma corrente probatória —
dolo eventual ou culpa consciente — no processo de competência do tribunal do júri
exigiria profundo revolvimento de fatos e provas, o que ultrapassaria a cognição do
procedimento sumário e documental do “habeas corpus”, em flagrante transformação dele
em processo de conhecimento sem previsão na legislação vigente. Por outro lado, ressaltou
que, na fase de pronúncia, vigoraria o princípio do “in dubio pro societate”, segundo o qual
somente as acusações manifestamente improcedentes seriam inadmitidas. O juiz verificaria,
nessa fase, tão somente, se a acusação seria viável, deixando o exame apurado dos fatos
para os jurados, que, no momento apropriado, analisariam a tese defensiva sustentada. HC
132036/SE, rel. Min. Cármen Lúcia, 29.3.2016. (HC-132036)

STF. Informativo nº 823


(Segunda Turma)

HC e substituição de prisão preventiva por medidas cautelares


A Segunda Turma concedeu, em parte, “habeas corpus” para substituir a prisão
preventiva do paciente por medidas cautelares específicas. São elas: a) afastamento de
cargos de direção e de administração eventualmente ocupados nas empresas envolvidas nas
investigações, ficando proibido de ingressar em quaisquer de seus estabelecimentos; b)
recolhimento domiciliar integral até que demonstre ocupação lícita, quando fará jus ao
recolhimento domiciliar apenas em período noturno e nos dias de folga; c)
comparecimento quinzenal em juízo, para informar e justificar atividades, com proibição de
mudar de endereço sem autorização; d) obrigação de comparecimento a todos os atos do
processo, sempre que intimado; e) proibição de manter contato com os demais

187
investigados, por qualquer meio; f) proibição de deixar o País, devendo entregar passaporte
em até 48 horas; g) monitoração por meio da utilização de tornozeleira eletrônica; se por
outro motivo não estiver preso, destacando-se que o descumprimento injustificado de
quaisquer dessas medidas ensejará decreto de restabelecimento da ordem de prisão (CPP,
art. 282, § 4º). Na espécie, os decretos de custódia cautelar expedidos contra o paciente
fundamentaram-se no risco concreto de reiteração delitiva, na necessidade de garantia da
ordem pública e na conveniência da investigação e da instrução criminal, entre outros.
Preliminarmente, conquanto o presente “habeas corpus” tenha sido impetrado contra
acórdão do STJ que não conhecera do “writ”, a Turma reconheceu a possibilidade de
impetração de “habeas corpus” substitutivo de recurso ordinário. Destacou que, se a Corte
viesse a examinar cada um dos decretos prisionais expedidos contra o paciente, o “habeas
corpus” sob análise estaria prejudicado, porque depois dele foram expedidos mais dois
decretos. Todavia, há precedentes no sentido de que só se consideraria prejudicado o
“writ” perante a Corte se houvesse total autonomia de fundamentos em relação aos
decretos supervenientes. No caso, não se mostra presente situação excepcional de total
autonomia de fundamentação entre os decretos de prisão. Os pressupostos genéricos de
autoria e de materialidade estariam demonstrados. O Colegiado apontou que foi utilizada
justificativa análoga e em relação aos fundamentos específicos, uma das razões invocadas
nos decretos de prisão foi a necessidade de garantir a ordem pública. Nesse ponto, reuniões
ocorridas em 2014 — sem que fossem apresentados indícios de que o paciente delas tivesse
participado — foram apontadas pela autoridade coatora como fatos concretos aptos a
ensejar a segregação. Assim, haveria mera presunção, sem fundamentação idônea, de que o
paciente seguiria a cometer crimes, o que não se admite como fundamento para a custódia
cautelar. Outras razões invocadas pelo magistrado de primeiro grau foram o risco concreto de
reiteração delitiva e a conveniência da investigação e da instrução criminal. Quanto a esses,
embora o magistrado tenha noticiado tentativa de destruição de provas em aparelhos
eletrônicos do paciente, essa conduta teria partido de outrem. Não haveria, portanto, conduta
concreta do paciente para sustentar a existência de riscos à instrução criminal. De igual forma,
dispor de recursos financeiros e ter um dos co-investigados se refugiado no exterior, por si sós,
não constituem motivos suficientes para a decretação da prisão preventiva. Por fim, a Turma
assentou que não teria havido a indicação de atos concretos e específicos atribuídos ao próprio
paciente que demonstrassem sua efetiva intenção de furtar-se à aplicação da lei penal. HC
132233/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 26.4.2016. (HC-132233)

STF. Informativo nº 826


(Primeira Turma)

188
“Habeas corpus” e desclassificação
É incabível a utilização de “habeas corpus” impetrado com a finalidade de obter a
desclassificação de homicídio com dolo eventual (CP, art. 121, c/c art. 18, I) para
homicídio culposo na direção de veículo automotor (CTB, art. 302, § 2º), na hipótese em
que discutida a existência de dolo eventual ou culpa consciente na conduta do motorista
que se apresente em estado de embriaguez. Essa a orientação da Primeira Turma, que não
conheceu de “habeas corpus” impetrado em face de acórdão do STJ, porquanto inviável a
interposição de “habeas corpus” com caráter substitutivo de recurso extraordinário.
Destacou que a cognição do referido remédio constitucional, em matéria de verificação
probatória, seria relativamente estreita. Além disso, reiterou o que decidido do RHC
116.950/ES (DJe de 14.2.2014) no sentido de que seria “admissível, em crimes de
homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a
depender das circunstâncias concretas da conduta. Mesmo em crimes de trânsito, definir se
os fatos, as provas e as circunstâncias do caso autorizam a condenação do paciente por
homicídio doloso ou se, em realidade, trata-se de hipótese de homicídio culposo ou mesmo
de inocorrência de crime é questão que cabe ao Conselho de Sentença do Tribunal do
Júri”. Vencidos os Ministros Luiz Fux (relator) e Marco Aurélio, que, ao invocar
precedente firmado quando do julgamento do HC 107.801/SP (DJe de 13.10.2011),
conheciam do “habeas corpus” e deferiam a ordem. HC 131029/RJ, rel. orig. Min. Luiz
Fux, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 17.5.2016. (HC-131029)

STF. Informativo nº 827


(Segunda Turma)

Visita a detento e impetração de “habeas corpus”


A Segunda Turma não conheceu de “habeas corpus” no qual pleiteada a realização de
visita direta a interno em estabelecimento penal e não nas dependências de parlatório. No
caso, fora vedada a manutenção de contato direto entre detento recluso em penitenciária de
segurança máxima e sua mãe, ambos pacientes no “writ” em comento. Não sendo possível
a realização dos movimentos exigidos no procedimento de revista íntima em razão de
doença — artrose no joelho direito — de que seria portadora a visitante, o juiz de execução
penal, com fundamento em norma regimental, recomendara a utilização de parlatório. A
Turma, ao assentar a inadequação da via eleita, reiterou os fundamentos expendidos
quando do julgamento do RHC 121.046/SP (DJe de 26.5.2015) e do HC 127.685/SP (DJe
de 20.8.2015) no sentido de que, por não haver efetiva restrição ao “status libertatis” do
paciente, o “habeas corpus” seria meio inidôneo para discutir direito de visita a preso.
Ademais, na espécie, nem sequer teria havido negativa de autorização para a visita, mas sim

189
a mera restrição a que fosse realizada nas dependências do parlatório, diante da
impossibilidade de a paciente, em razão de suas condições médicas particulares, ser
submetida à prévia revista mecânica. Por fim, seria de se ressaltar que o recluso em questão
fora condenado à pena de 14 anos, 3 meses e 18 dias de reclusão pela prática de roubos
qualificados e tráfico de drogas, em penitenciária de segurança máxima. Vencido o Ministro
Gilmar Mendes, que admitia o “habeas corpus”. HC 133305/SP, rel. Min. Dias Toffoli,
24.5.2016. (HC-133305)

STF. Informativo nº 830


(Plenário)

“Habeas corpus” e trancamento de processo de “impeachment”


“Habeas corpus” não é o instrumento adequado para pleitear trancamento de
processo de “impeachment”. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou
provimento a agravo regimental em que se pretendia trancar o aludido processo movido
em face da Presidente da República. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o
agravo por não considerar cabível a negativa de seguimento a “habeas corpus” por força de
decisão monocrática tendo em conta a manifesta improcedência do pedido (RISTF, art. 21;
e CPC, art. 557). HC 134315 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 16.6.2016. (HC-134315)

STF. Informativo nº 832


(Primeira Turma)

Cabimento de prisão preventiva e concessão de “habeas corpus” de ofício


A Primeira Turma, por maioria, não conheceu de “habeas corpus” impetrado em
face de decisão monocrática proferida por ministro do STJ, que, com base em aplicação
analógica do Enunciado 691 da Súmula do STF, indeferira liminarmente “writ” lá
impetrado. Na espécie, alegava-se a existência de constrangimento ilegal, porquanto os
pressupostos da prisão preventiva decretada ao paciente não se verificariam, sendo
adequada a aplicação de medidas alternativas à prisão. Ademais, haveria um suposto
desrespeito a anterior decisão concessiva de “habeas corpus” proferida pelo STF no bojo
da mesma investigação criminal em que decretada a prisão cautelar em comento.
Inicialmente, a Turma debateu questão suscitada relativamente à eventual possibilidade de
superação do entendimento jurisprudencial segundo o qual o Colegiado, apesar de não
conhecer de “habeas corpus” substitutivo do recurso cabível, deve analisar, ainda assim, a
concessão da ordem de ofício. Entretanto, deliberou pela manutenção desse entendimento,
no momento, dado que seria preciso sopesar as implicações dessa mudança de
jurisprudência. Desse modo, a Turma, ao analisar a impetração em comento, reputou

190
inexistentes teratologia ou flagrante constrangimento ilegal, aptos a justificar a concessão da
ordem de “habeas corpus” de ofício. Quanto à alegada violação a decisão anteriormente
proferida pelo STF, ressaltou que no âmbito do HC 132.143/MT (acórdão pendente de
publicação), no qual deferida ordem de “habeas corpus”, tratar-se-ia da validade de prisão
preventiva decretada no bojo de investigação criminal a apurar fatos relativos a suposta
exigência de vantagem indevida em razão de benefícios fiscais concedidos de forma
irregular. Já nos presentes autos, discutia-se a custódia processual decretada em outra
investigação, que apura lavagem de dinheiro consistente na aquisição dissimulada de bem
imóvel adquirido mediante emprego de recursos recebidos de maneira ilícita. Haveria,
portanto, ausência de identidade entre os fatos tidos como delituosos e que motivaram a
imposição de cada uma das prisões. A força vinculante da decisão proferida pelo STF no
referido processo não alcançaria condutas porventura imputadas ao paciente em momento
futuro. Em verdade, o pronunciamento judicial teria efeitos limitados às partes e à relação
de direito material solucionada. Assim, não prosperaria o argumento de violação à decisão
da Corte, pois se trataria de segregação autônoma e que, bem por isso, desafiaria
impugnação própria. No tocante à apontada suficiência de medidas cautelares alternativas à
prisão preventiva, a Turma consignou que a deflagração de novas investigações teria
evidenciado maior envolvimento do paciente no contexto criminoso, a recomendar o
manejo de instrumento acautelatório idôneo. Outrossim, as razões empregadas no decreto
prisional teriam indicado, por minuciosos fundamentos, a periculosidade concreta do
paciente, dadas a extensão do dano supostamente suportado pelo erário e a sofisticação e
habitualidade das práticas delitivas em apuração. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que
conhecia e concedia a ordem por considerar que as premissas lançadas na decretação da
prisão preventiva não se sustentariam, tendo em conta o que disposto no art. 312 do CPP.
HC 134240/MT, rel. Min. Edson Fachin, 28.6.2016. (HC-134240)

STF. Informativo nº 836


(Segunda Turma)

Desmembramento de processo e cerceamento de defesa


A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que pleiteado o
trancamento de ação penal instaurada em face de acusada da prática dos crimes previstos
nos artigos 288 e 317, § 1º, do CP, e no art. 90 da Lei 8.666/1993.
A impetração sustentava, em síntese, que: a) a denúncia oferecida contra a paciente
seria inepta, em razão da carência de descrição dos fatos específicos que pudessem
caracterizar os crimes imputados; b) o desmembramento do processo careceria de amparo

191
legal, pois o excessivo número de acusados somente poderia ensejar a cisão processual
“quando acompanhada do relevante intuito de não prolongar a prisão processual”,
circunstância não comprovada nos autos; e c) a separação dos autos, seguido de posterior
reunião, teria acarretado disparidade de armas e cerceamento à defesa, tendo em conta a
realização da oitiva das testemunhas de acusação em duas oportunidades.
A Turma afirmou que a jurisprudência do STF seria no sentido de que a extinção
da ação penal de forma prematura, via “habeas corpus”, somente se daria em hipóteses
excepcionais, quando patentemente demonstrada: a) a atipicidade da conduta; b) a ausência
de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou c) a presença de causa extintiva
da punibilidade.
Entretanto, a denúncia formulada na espécie exporia de forma individualizada e
detalhada como teriam se dado as condutas imputadas à paciente, correlacionando-as aos
respectivos tipos penais. Assim, observado o disposto no art. 41 do CPP, ou seja, descrito
o fato criminoso, com a indicação dos elementos indiciários mínimos aptos a tornar
plausível a acusação e, por consequência, instaurar a persecução criminal, não haveria que
se falar em inépcia da denúncia ou falta de justa causa para a ação penal.
Outrossim, a insurgência contra o desmembramento do processo também não
prosperaria. O juízo de origem justificara tal medida na necessidade de se evitar a
“procrastinação da instrução processual e delonga no deslinde da causa”, tendo em conta o
número elevado de réus e advogados, o que tornaria praticamente inviável efetivar o bom
andamento do feito. Desse modo, o desmembramento do processo, como consectário do
excessivo número de acusados, tenderia a imprimir maior celeridade processual, além de
racionalizar os trabalhos no âmbito do referido juízo, motivação que observaria o disposto
no art. 80 do CPP (“Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem
sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo
excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro
motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação”).
Com relação ao alegado cerceamento de defesa e ofensa à paridade de armas após o
desmembramento dos autos, o Colegiado destacou que a posterior reunião dos processos
teria implicado a superação dessas questões. Ademais, sobre essa matéria específica, o STJ
não teria se pronunciado. Logo, o exame no “writ” em comento implicaria supressão de
instância. HC 127288/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 23.8.2016.

STF. Informativo nº 837


(Primeira Turma)

Audiência de instrução e ausência de testemunha

192
Na via estreita do “habeas corpus” não se admite o exame de nulidade cujo tema
não foi trazido antes do trânsito em julgado da ação originária e tampouco antes do trânsito
em julgado da revisão criminal.
Com base nessa orientação, a Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por
maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pleiteava a
reabertura da instrução para oitiva de testemunhas, sob a alegação de que teria havido
cerceamento de defesa — v. Informativo 767.
Tratava-se de controvérsia relativa ao ato de magistrado que realizara audiência sem
a presença de advogado da defesa e não nomeara defensor “ad hoc”.
A Turma consignou, quanto à testemunha que fora arrolada pela defesa e
determinada sua condução coercitiva, o não cumprimento da diligência pelo oficial de
justiça porque ela encontrava-se hospitalizada. Além disso, o advogado do recorrente não
protestara pela substituição da testemunha. Assim, a referida nulidade não fora apontada
pela defesa, seja nas alegações finais do processo originário ou em qualquer outro
momento, mas somente apresentada na via do “habeas corpus”.
Desse modo, a matéria estaria preclusa, a teor do disposto no CPP (“Art. 572. As
nulidades previstas no art. 564, III, ‘d’ e ‘e’, segunda parte, ‘g’ e ‘h’, e IV, considerar-se-ão
sanadas: I - se não forem arguidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no
artigo anterior; II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim; III - se a
parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos”).
Vencido o Ministro Dias Toffoli (relator), que dava provimento ao recurso para
anular o processo a partir do encerramento da instrução. Assentava constituir nulidade
absoluta o término daquela fase processual sem a oitiva das testemunhas de defesa. RHC
124041/GO, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 30.8.2016. (RHC-
124041)

STJ. Informativo nº 574


(Quinta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HC E MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA


LEI MARIA DA PENHA.
Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida
protetiva de urgência consistente na proibição de aproximar-se de vítima de
violência doméstica e familiar. O eventual descumprimento de medidas protetivas
arroladas na Lei Maria da Penha pode gerar sanções de natureza civil (art. 22, § 4º, da n. Lei
11.340/2006, c/c art. 461, §§ 5º e 6º do CPC), bem como a decretação de prisão

193
preventiva, de acordo com o art. 313, III, do CPP (HC 271.267-MS, Quinta Turma, DJe
18/11/2015). Ademais, prevê o CPP o seguinte: "Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua
liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar". Se o paciente não pode
aproximar-se da vítima ou de seus familiares, decerto que se encontra limitada a sua
liberdade de ir e vir. Assim, afigura-se cabível a impetração do habeas corpus. HC 298.499-
AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 1º/12/2015, DJe 9/12/2015.

Recursos

STF. Informativo nº 830


(Decisão monocrática)
Decisão veiculada nas Transcrições do Informativo 830.
Texto de Márcio André Lopes Cavalcante, “Dizer o Direito”.

O prazo do agravo interno contra decisão monocrática do Ministro Relator em


matéria criminal no STF e STJ continua sendo de 5 dias contínuos
O agravo interposto contra decisão monocrática do Ministro Relator no STF e STJ,
em recursos ou ações originárias que versem sobre matéria penal ou processual penal NÃO
obedece às regras do novo CPC. Isso significa que:
 O prazo deste agravo é de 5 dias, nos termo do art. 39 da Lei nº 8.038/90 (não se
aplicando o art. 1.070 do CPC/2015);
 Este prazo é contado em dias corridos, conforme prevê o art. 798 do CPP (não se
aplicando a regra da contagem em dias úteis do art. 219 do CPC/2015). STF. Decisão
monocrática. HC 134554 Rcon, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 10/06/2016 (Info
830). STJ. 3ª Seção. AgRg na Rcl 30.714/PB, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 27/04/2016.

STF. Informativo nº 845


(Primeira Turma)

Inadmissibilidade de RE em matéria penal e prazo recursal


A Primeira Turma, por maioria e em razão da intempestividade, não conheceu de
agravo regimental interposto contra decisão que inadmitiu, na origem, recurso
extraordinário sobre matéria penal.
De início, o ministro Edson Fachin (relator) destacou que a decisão de
inadmissibilidade foi publicada em 26.4.2016 (terça-feira), com início do prazo recursal em

194
27.4.2016 (quarta-feira) e fim em 11.5.2016 (quarta-feira), mas o agravo somente foi
interposto em 17.5.2016 (terça-feira), quando já expirado o prazo de quinze dias corridos.
Observou que o prazo previsto para a interposição de agravo de instrumento contra
decisão que inadmite recurso extraordinário era de cinco dias, conforme o art. 28 da Lei
8.038/1990. Com as alterações do Código de Processo Civil pela Lei 8.950/1994, a Corte
pacificou o entendimento de que o art. 28 da Lei 8.038/1990 não havia sido revogado em
matéria penal, permanecendo o prazo de cinco dias para interposição do agravo.
Relembrou que o novo Código de Processo Civil (CPC) alterou a sistemática
recursal e, especificamente quanto ao recurso extraordinário, revogou expressamente os
arts. 26 a 29 e 38 da Lei 8.038/1990, conforme disposto no art. 1.072 do novo diploma
instrumental. Entretanto, foi mantido o art. 39 da Lei 8.038/1990 (“Da decisão do
Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à parte,
caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de cinco
dias”), que cuida de agravo interno, distinto do agravo cabível para destrancamento de
recurso extraordinário. Por sua vez, o agravo destinado a destrancar recurso extraordinário
criminal era regulamentado pelo art. 28 da Lei 8.038/1990, revogado.
Feitas essas considerações, o ministro verificou que, em razão da alteração da base
normativa, inexistindo previsão específica no Código de Processo Penal (CPP) e no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), à luz do preconizado no art. 3º
do CPP, o prazo a ser observado na interposição do agravo destinado a impugnar a decisão
de inadmissibilidade do recurso extraordinário é o da regra geral do art. 1.003, § 5º, do
novo CPC, ou seja, de 15 dias.
A despeito do que dispõe o art. 219, “caput”, do novo CPC, que determina a
contagem do prazo recursal em dias úteis, o caso concreto trata de agravo em recurso
extraordinário em matéria criminal. Nessa hipótese, as regras do processo civil somente se
aplicam subsidiariamente. Dessa forma, sempre que em conflito regras formalmente
expressas em lei, há de ser aplicado o critério da especialidade. No caso, a contagem dos
prazos no processo penal está prevista no art. 798 do CPP (“Todos os prazos correrão em
cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou
dia feriado”). Portanto, o novo CPC não regula o processo penal nesse particular. Logo,
diante da nova sistemática processual, o prazo para interposição do agravo que almeja
destrancar recurso extraordinário criminal inadmitido na origem passou a ser de 15 dias,
com a contagem regida pelo CPP.
A ministra Rosa Weber e os ministros Luiz Fux e Roberto Barroso acompanharam
o relator quanto à intempestividade do recurso para não o conhecer, uma vez que a
interposição se deu 21 dias após o início do prazo, mas não quanto aos fundamentos.

195
Vencido o ministro Marco Aurélio, que afastava a intempestividade, por considerar
ter havido a uniformização dos prazos em 15 dias úteis, exceto para embargos
declaratórios. ARE 993407/DF, rel. Min. Edson Fachin, 25.10.2016. (ARE-993407)

STJ. Informativo nº 576


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. PROIBIÇÃO DE AGRAVAR A PENA EM


RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA.
No âmbito de recurso exclusivo da defesa, o Tribunal não pode agravar a
reprimenda imposta ao condenado, ainda que reconheça equívoco aritmético
ocorrido no somatório das penas aplicadas. Isso porque, não tendo o Ministério
Público se insurgido contra o referido erro material, o Tribunal não pode conhecê-lo de
ofício, sob pena de configuração de reformatio in pejus. Precedentes citados: HC 115.501-
MG, Sexta Turma, DJe 3/8/2015; e AgRg no HC 264.579-RS, Sexta Turma, DJe
1º/8/2013. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe
5/2/2016.

STJ. Informativo nº 579


(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E


VEDAÇÃO DE ANÁLISE DO MÉRITO DA AÇÃO PENAL EM APELAÇÃO.
No julgamento de apelação interposta pelo Ministério Público contra sentença de
absolvição sumária, o Tribunal não poderá analisar o mérito da ação penal para
condenar o réu, podendo, entretanto, prover o recurso para determinar o retorno
dos autos ao juízo de primeiro grau, a fim de viabilizar o prosseguimento do
processo. O enfrentamento antecipado do mérito da ação penal pela segunda instância
afronta a competência do Juízo de primeiro grau, com clara supressão de instância, em
violação ao princípio do juiz natural - pois ninguém poderá ser processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII, CF) -, violando, ainda, os
princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Mutatis
mutandis, o STJ já entendeu que "Viola os princípios do juiz natural, devido processo legal,
ampla defesa e duplo grau de jurisdição, a decisão do tribunal a quo que condena,
analisando o mérito da ação penal em apelação ministerial interposta ante mera rejeição da
denúncia" (HC 299.605-ES, Sexta Turma, DJe 1º/7/2015). HC 260.188-AC, Rel. Min.
Nefi Cordeiro, julgado em 8/3/2016, DJe 15/3/2016.

196
STJ. Informativo nº 580
(Sexta Turma)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO


CRIMINAL INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A matéria suscitada em apelação criminal interposta pelo Ministério Público deve
ser apreciada quando, embora não tenha sido especificada na petição de
interposição, fora explicitamente delimitada e debatida nas razões recursais. De
fato, já firmou a jurisprudência do STF e do STJ entendimento no sentido de que a
extensão da apelação se mede pela petição de sua interposição e não pelas razões de
recurso. No entanto, nas hipóteses em que o referido entendimento foi consignado,
tratava-se de situação contrária à presente, na qual o MP havia impugnado toda a sentença
e, nas razões recursais, estabeleceu restrições, o que não se admite, porquanto acarretaria
ofensa ao art. 576 do CPP, segundo o qual ao MP não se permite desistir de recurso que
haja interposto (HC 70.037-RJ, Primeira Turma do STF, DJ 6/8/1993 e EDcl no HC
109.096-RS, Quinta Turma do STJ, DJe 29/3/2012). Na espécie, embora no momento da
interposição do recurso de apelação o Órgão Ministerial não tenha especificado a matéria,
ela foi explicitamente debatida nas razões de recurso, merecendo, por conseguinte,
conforme entendimento do STJ, ser analisada pelo Tribunal de origem por força do
aspecto da profundidade do efeito devolutivo. Em outros termos, são as razões recursais
que corporificam e delimitam o inconformismo, e não a petição de interposição do recurso,
considerando a função precípua de esta cumprir o requisito formal de apresentação da
insurgência recursal. Precedentes citados: HC 139.335-DF, Quinta Turma, DJe 3/11/2011;
e REsp 503.128-SP, Quinta Turma, DJ 22/9/2003. HC 263.087-SP, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, julgado em 17/3/2016, DJe 5/4/2016.

STJ. Informativo nº 585


(Terceira Seção)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZO PARA


INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE
MINISTRO RELATOR DO STJ.
No âmbito do STJ, mesmo após a vigência do CPC/2015, em controvérsias que
versem sobre matéria penal ou processual penal, a contagem do prazo para
interposição de agravo contra decisão monocrática de relator continua sendo feita
de forma contínua (art. 798 do CPP), e não somente em dias úteis (art. 219 do
CPC/2015). Isso porque, diferentemente do que ocorreu com outros artigos da Lei n.
8.038/1990 - norma especial que institui normas procedimentais para os processos que

197
especifica perante o STJ e o STF -, não foi revogado o art. 39, o qual prevê: "Da decisão do
Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à parte,
caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de cinco
dias."Ademais, tal previsão legal é secundada pelo disposto no caput do art. 258 do RISTJ,
cujo teor prescreve que: "A parte que se considerar agravada por decisão do Presidente da
Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator, poderá requerer, dentro de cinco dias, a
apresentação do feito em mesa, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se
pronuncie, confirmando-a ou reformando-a." Além disso, importa lembrar que o art. 798
do CPP, em seu caput e § 1º, determina, respectivamente, que "Todos os prazos correrão
em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo
ou dia feriado" e que "Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o
do vencimento". AgRg nos EDcl nos EAREsp 316.129-SC, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, julgado em 25/5/2016, DJe 1°/6/2016.

Recurso Ordinário Constitucional

STJ. Informativo nº 579


(Quinta Turma)

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. INTERPOSIÇÃO DE


RECURSO ORDINÁRIO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE ORDEM DE
HABEAS CORPUS.
É admissível a interposição de recurso ordinário para impugnar acórdão de
Tribunal de Segundo Grau concessivo de ordem de habeas corpus na hipótese em
que se pretenda questionar eventual excesso de medidas cautelares fixadas por
ocasião de deferimento de liberdade provisória. Ainda que o acórdão recorrido não
tenha sido denegatório, como prevê o art. 105, II, "a", da CF, eventual excesso contido na
concessão da ordem do habeas corpus pode ser impugnado. Vale dizer, ainda que a liberdade
provisória tenha sido concedida, caso sejam excessivas as medidas cautelares diversas da
prisão aplicadas, presentes estão o interesse e a adequação do recurso ordinário. RHC
65.974-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016, DJe
16/3/2016.

Revisão Criminal

STJ. Informativo nº 578


(Terceira Seção)

198
DIREITO PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL NA HIPÓTESE EM QUE
A QUESTÃO ATACADA TAMBÉM TENHA SIDO ENFRENTADA PELO STF EM
HC.
O julgamento pelo STF de HC impetrado contra decisão proferida em recurso
especial não afasta, por si só, a competência do STJ para processar e julgar
posterior revisão criminal. Inicialmente, destaca-se que não pode subsistir o recente
posicionamento adotado pela Terceira Seção do STJ, no sentido de ser inviável que o STJ,
ao julgar revisão criminal, revise questão por ele decidida que também fora enfrentada pelo
STF em HC (AgRg na RvCr 2.253-RJ, DJe 28/4/2014). Isso porque a perpetuidade desse
entendimento significaria obstáculo intransponível ao manejo de revisão criminal nessas
hipóteses. De fato, quando o STJ julga determinada questão em recurso especial, afasta-se a
competência do Tribunal de origem para o processamento e julgamento de revisão criminal
quanto ao tema, competência que passa a ser exercida pelo Tribunal Superior. Ademais,
compete ao STF processar e julgar, originariamente, a revisão criminal de seus julgados (art.
102, I, "j", da CF), sendo que, no Regimento Interno desse Tribunal, existe a previsão de se
admitir a revisão criminal dos processos findos cuja condenação tenha sido proferida ou
mantida no julgamento de ação penal originária, recurso criminal ordinário (art. 263) ou, se
o fundamento coincidir com a questão federal apreciada, recurso extraordinário (art. 263, §
1º). Assim, o STF não seria competente para o julgamento de revisão criminal proposta
contra julgado proferido em HC. O que, aliás, já foi reconhecido pela própria Suprema
Corte, por ocasião da apreciação da RvC 5.448-MG (DJe 2/10/2015) e da RvC 5.426-DF
(DJe 15/2/2011). Portanto, desde que observados os demais requisitos, conclui-se que o
fato de a questão haver sido julgada pelo STF em HC não afasta a possibilidade de que seja
apresentada no STJ a revisão criminal. RvCr 2.877-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria,
julgado em 25/2/2016, DJe 10/3/2016.

Indenização por Erro Judiciário

STJ. Informativo nº 590


(Quinta Turma)

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INDENIZAÇÃO EM RAZÃO DE


EQUÍVOCO NO RECONHECIMENTO DE REINCIDÊNCIA.
No caso em que o reconhecimento da reincidência tenha origem em infração
anterior cuja pena tenha sido cumprida ou extinta há mais de 5 anos, deferido o
pedido revisional para diminuir a pena equivocadamente fixada, será devida a
indenização ao condenado que tenha sofrido prejuízos em virtude do erro
judiciário. É que tendo sido reconhecido que o acusado foi considerado indevidamente

199
reincidente, há clara contrariedade ao disposto no art. 64, I, do CP. Sobre o assunto,
pondera doutrina: "o conceito de erro judiciário deve transcender as barreiras limitativas da
sentença condenatória impositiva de pena privativa de liberdade, para envolver toda e
qualquer decisão judicial errônea, que tenha provocado evidente prejuízo à liberdade
individual ou mesmo à imagem e à honra do acusado [...]". E, nessa perspectiva, outra
doutrina arremata: "é importante notar que, tal como a sentença condenatória - que serve
como título judicial para a execução do dano praticado pelo agente em favor do ofendido
(art. 63, CPP) -, também o acórdão rescindido em que se tenha reconhecido o direito à
indenização servirá unicamente como título executivo para o réu condenado injustamente
demandar o Estado, cujo quantum deverá ser apurado na esfera cível." REsp 1.243.516-SP,
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 22/9/2016, DJe 30/9/2016.

200
DIREITO E PROCESSO PENAL MILITAR

Competência

STF. Informativo nº 831


(Segunda Turma)

Justiça Militar: crime praticado por civil, competência e contraditório


A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” impetrado em favor de civil
denunciada pela suposta prática de furto simples em continuidade delitiva, nos termos da
legislação penal militar (CPM, art. 240, c/c art. 80). No caso, ela realizara saques bancários
da conta corrente de militar inativo falecido e, por essa razão, o Ministério Público Militar
ofertara denúncia perante a Justiça Castrense. Após a rejeição da peça acusatória, fora
interposto recurso em sentido estrito, ao qual fora dado provimento tanto para não
considerar a Justiça Militar competente quanto para receber a denúncia. A defesa
sustentava: a) a prescrição em perspectiva da pretensão punitiva; b) a incompetência da
Justiça Castrense; c) a inviabilidade do recebimento da denúncia pelo STM, por suposta
supressão de instância; e d) a oportunidade de apresentar defesa prévia, na forma do art.
396-A do CPP. A Turma asseverou que o STF já fixara orientação no sentido de ser
incabível o reconhecimento da prescrição em perspectiva. Ademais, no que toca à
incompetência da Justiça Militar, lembrou haver casos semelhantes em que as Turmas
afirmaram a competência da Justiça Castrense, tendo em conta a existência de dano à
Administração Militar. Muito embora o tema da compatibilidade do julgamento de civil
pela Justiça Militar da União esteja pendente de análise pelo Plenário, na espécie, não trata
da questão do ponto de vista constitucional, mas apenas diz respeito ao eventual
enquadramento do fato como crime militar, nos termos da lei. No que se refere a hipotética
supressão de instância, tendo em vista a existência de teses apreciadas em sede recursal,
mas não em primeira instância, o Colegiado invocou o Enunciado 709 da Súmula do STF
(“Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a
rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela”). No entanto, há precedente
da Corte afastando o entendimento sumulado, nas situações em que o juiz de primeira
instância se limita a afirmar sua própria incompetência. Nesse caso, o Tribunal deve
determinar o retorno dos autos para que o magistrado prossiga na análise da
admissibilidade da acusação. Sucede que, nesses autos, o fundamento para rejeitar a
denúncia não fora a incompetência do juízo, porque o magistrado desclassificara a
imputação de furto para estelionato militar (CPM, art. 251). Assim, a hipótese não foge ao
âmbito do entendimento sumular. Por fim, a respeito da possibilidade de apresentação de

201
defesa prévia, a Turma consignou o seu cabimento no processo penal ordinário, a ser
oportunizada após o recebimento da exordial. Contudo, o dispositivo em questão não
assegura defesa prévia à admissibilidade da acusação, de maneira que, ainda que fosse
aplicável ao processo penal militar, a tese não favoreceria a paciente. Além disso, a paciente
tivera oportunidade de se pronunciar previamente sobre a admissibilidade da acusação,
quando das contrarrazões apresentadas perante o STM. HC 125777/CE, rel. Min. Gilmar
Mendes, 21.6.2016. (HC-125777)

STF. Informativo nº 840


(Primeira Turma)

Fixação de competência e Justiça Militar


Compete à Justiça Castrense julgar ação penal destinada à apuração de crime cujo
autor e vítima sejam militares caso ambos estejam em serviço e em local sujeito à
administração militar. Esse foi o entendimento da Primeira Turma, que indeferiu a ordem
em “habeas corpus”.
A Turma reafirmou a jurisprudência consolidada na matéria. Assim, compete à
Justiça Castrense o julgamento de delito cometido por agente contra vítima também militar
nos casos em que haja vínculo direto com o desempenho de atividade militar (HC
121.778/AM, DJe de 1º-7-2014).
Haja vista que, no momento do crime, paciente e vítima, ambos militares, estariam
em atividade no interior da caserna, seria necessário ratificar a competência da Justiça
Militar para processar e julgar a ação penal de origem, nos termos do art. 9º, II, “a”, do
Código Penal Militar (CPM). HC 135019/SP, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 20-9-
2016.

STF. Informativo nº 842


(Segunda Turma)

Fixação de competência e Justiça Militar


Compete à Justiça Castrense processar e julgar ação penal destinada à apuração de
delito de apropriação de coisa havida acidentalmente [Código Penal Militar (CPM), art.
249], praticado por militar que não esteja mais na ativa. Esse foi o entendimento da
Segunda Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus”.
Na espécie, o paciente foi denunciado perante a Justiça Militar porque, após seu
licenciamento, continuou a receber remuneração da Administração Militar por não ter sido
excluído do sistema de folha de pagamento de pessoal do Exército.

202
A Turma reafirmou a jurisprudência consolidada sobre a matéria. Dessa forma,
compete à Justiça Castrense o julgamento de crimes militares, assim definidos em lei (CPM,
art. 9º, III, “a”), praticados contra as instituições militares, o patrimônio sob a
administração militar, ou a ordem administrativa militar, ainda que cometidos por militar da
reserva, ou reformado, ou por agente civil (HC 109544/BA, DJE de 31-8-2011).
HC 136539/AM, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-10-2016.

STJ. Informativo nº 586


(Terceira Seção)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM


FEDERAL PARA JULGAR MILITAR DA ATIVA.
Compete à Justiça Comum Federal - e não à Justiça Militar - processar e julgar a
suposta prática, por militar da ativa, de crime previsto apenas na Lei n. 8.666/1993
(Lei de Licitações), ainda que praticado contra a administração militar. A CF
preceitua no art. 124 que "À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares
definidos em lei". Os arts. 9º e 10 do CPM são normas de interpretação de quais são
exatamente os crimes militares. Quanto ao inciso II do art. 9º, são crimes militares os
"previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum,
quando praticados: [...] e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra
patrimônio sob administração militar, ou a ordem administrativa militar". O crime
licitatório, no caso, não está previsto no CPM e, embora supostamente praticado por
militar da ativa contra a administração militar, não encontra respaldo jurídico no Código
Penal Militar para se atribuir a competência à Justiça Castrense, uma vez que o art. 9º, II, e,
do CPM exige que o crime esteja expressamente previsto nesse código. Desse modo, para
configurar crime militar com base no art. 9º, I e II, necessariamente o delito deve constar
do rol de crimes previstos expressamente no CPM, sob pena de não ser considerado crime
militar e, por sua vez, ser afastada a competência da justiça especializada. Interpretar de
forma diversa é ampliar os crimes militares quando o legislador expressamente inseriu nos
incisos I e II que crime militar é aquele expresso no Código Penal Militar. CC 146.388-RJ,
Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/6/2016, DJe 1/7/2016.

Legitimidade do Ministério Público Militar

STF. Informativo nº 814


(Segunda Turma)

Mandado de segurança e legitimidade ativa do Ministério Público Militar

203
A Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança
interposto pelo Ministério Público Militar, em face de decisão que reconhecera a prescrição
no tocante a militar acusado da suposta prática de ato libidinoso com menor de idade. No
caso, em razão desse fato fora instaurado, contra o militar, procedimento administrativo
em que alegada, desde o início, a prescrição. Esta, no entanto, somente fora declarada pelo
STM, que concedera “habeas corpus” de ofício. O recorrente sustentava que o direito
líquido e certo a fundamentar o “mandamus” seria o direito à ordem democrática e à
ordem jurídica, e que a concessão de “habeas corpus” de ofício teria sido aplicada
equivocadamente porque em sede administrativa. A Turma assinalou que o “Parquet”
militar, atuando como “custos legis”, não teria legitimidade ativa no tocante ao mandado de
segurança. Os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não seriam de titularidade
do Ministério Público, mas de toda a sociedade. O mandado de segurança, na espécie, se
insurgiria contra decisão judicial, e não administrativa. Além disso, não houvera usurpação
de competência que pudesse ser considerada ilegalidade ou abuso de poder, mesmo porque
o acusado fora absolvido em sede penal. RMS 32970/DF, rel. Min. Cármen Lúcia,
16.2.2016. (RMS-32970)

Interrogatório

STF. Informativo nº 816


(Plenário)
Processo penal militar e interrogatório ao final da instrução
A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o
art. 400 do CPP, é aplicável no âmbito de processo penal militar. Essa a conclusão do
Plenário, que denegou a ordem em “habeas corpus” no qual pleiteada a incompetência
da justiça castrense para processar e julgar os pacientes, lá condenados por força de
apelação. A defesa sustentava que eles não mais ostentariam a condição de militares e,
portanto, deveriam se submeter à justiça penal comum. Subsidiariamente, alegava que o
interrogatório realizado seria nulo, pois não observado o art. 400 do CPP, na redação
dada pela Lei 11.719/2008, mas sim o art. 302 do CPPM. No que se refere à questão da
competência, o Colegiado assinalou que se trataria, na época do fato, de soldados da
ativa. De acordo com o art. 124 da CF e com o art. 9º, I, “b”, do CPM, a competência
seria, de fato, da justiça militar. Por outro lado, o Tribunal entendeu ser mais
condizente com o contraditório e a ampla defesa a aplicabilidade da nova redação do
art. 400 do CPP ao processo penal militar. Precedentes com o mesmo fundamento
apontam a incidência de dispositivos do CPP, quando mais favoráveis ao réu, no que

204
diz respeito ao rito da Lei 8.038/1990. Além disso, na prática, a justiça militar já opera
de acordo com o art. 400 do CPP. O mesmo também pode ser dito a respeito da justiça
eleitoral. Entretanto, o Plenário ponderou ser mais recomendável frisar que a aplicação
do art. 400 do CPP no âmbito da justiça castrense não incide para os casos em que já
houvera interrogatório. Assim, para evitar possível quadro de instabilidade e revisão de
casos julgados conforme regra estabelecida de acordo com o princípio da especialidade,
a tese ora fixada deveria ser observada a partir da data de publicação da ata do
julgamento. O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, também denegou a ordem, mas ao
fundamento de que a regra geral estabelecida no CPP não incidiria no processo penal
militar. A aplicação subsidiária das regras contidas no CPP ao CPPM somente seria
admissível na hipótese de lacuna deste diploma, e o CPPM apenas afasta a aplicação das
regras nele contidas se houvesse tratado ou convenção a prever de forma diversa, o que
não seria o caso. HC 127900/AM, rel. Min. Dias Toffoli, 3.3.2016. (HC-127900)

STF. Informativo nº 824


(Primeira Turma)

Crime militar: expedição de carta precatória e interrogatório de réu solto


Ante o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, a Primeira Turma
concedeu “habeas corpus” de ofício para a extinguir a punibilidade do paciente (CPM,
art. 125, VI). Tratava-se de “writ” em que se sustentava a nulidade do processo a partir
do interrogatório realizado via carta precatória, assim como a aplicação da atenuante da
confissão espontânea, cujo reconhecimento constituiria direito subjetivo do paciente à
redução de pena. O impetrante argumentava não haver previsão legal ou qualquer
fundamentação no despacho em que determinada a realização do ato deprecado.
Apontava a ocorrência de constrangimento ilegal decorrente da flexibilização do
princípio da identidade física do juiz. O Colegiado considerou que o paciente
respondera ao processo em liberdade. Uma vez solto, não é ônus do Estado
providenciar o transporte até a sede do órgão julgador para, lá, ser interrogado.
Acrescentou que, embora o Código de Processo Penal Militar não preveja a expedição
de carta precatória para inquirir acusado, e sim citá-lo, tampouco a veda. Presente a
lacuna observa-se a incidência subsidiária da legislação de processo penal comum,
quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar
(CPM, art. 3º, “a”). Além disso, entendeu que a atenuante da confissão, nos termos do
Código Penal Militar, está vinculada à revelação da autoria criminosa ignorada ou
imputada a outrem. Por outro lado, tal atenuante de pena prevista no art. 65, III, “d”,
do CP exige apenas a espontaneidade, mas não alcança a legislação militar, em virtude

205
do critério da especialidade. Isso porque não afasta a razão de ser da minorante, qual
seja, elucidar a verdade real. HC 115189/AM, rel. Min. Marco Aurélio, 3.5.2016. (HC-
115189)

Incidente de Sanidade Mental

STF. Informativo nº 838


(Segunda Turma)

Incidente de insanidade mental e obrigatoriedade


O incidente de insanidade mental é prova pericial constituída em favor da defesa.
Logo, não é possível determiná-lo compulsoriamente na hipótese em que a defesa se
oponha à sua realização.
Essa é a conclusão da Segunda Turma ao conceder a ordem em “habeas corpus”
que discutiu a legitimidade de decisão judicial que deferira pedido formulado pelo
Ministério Público Militar determinando a instauração de incidente de insanidade mental,
com fundamento no art. 156 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), a ser realizado
por peritos médicos de hospital castrense.
A Segunda Turma afirmou que o Código Penal Militar (CPM) e o Código Penal
(CP) teriam adotado o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do
acusado. Assim, a circunstância de o agente ter doença mental provisória ou definitiva, ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico), não seria suficiente
para ele ser considerado penalmente inimputável, sem análise específica dessa condição
para aplicação da legislação penal.
Havendo dúvida sobre a imputabilidade, seria indispensável que, por meio de
procedimento médico, se verificasse que, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era
totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento (critério psicológico).
Contudo, no caso em comento, a defesa não solicitara a realização do mencionado
exame. Tendo isso em conta, o Colegiado asseverou que o paciente não estaria obrigado a
se submeter a esse exame. HC 133.078/RJ, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 6-9-
2016.

Recursos

STF. Informativo nº 812


(Segunda Turma)

Ministério Público Militar e ausência de contrarrazões

206
A renúncia do Ministério Público Militar ao direito de contrarrazoar — na condição
de parte —, em primeira instância, não impossibilita que a Procuradoria-Geral da Justiça
Militar atue em segundo grau de jurisdição. Com base nesse entendimento, a Segunda
Turma denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se sustentava a nulidade do feito pela
ausência de contrarrazões ao recurso de apelação. A Turma registrou a possibilidade de a
Procuradoria-Geral da Justiça Militar se manifestar nos autos. HC 131077/PE, rel. Min.
Cármen Lúcia, 15.12.2015. (HC-131077)

207
DIREITO ELEITORAL

Ministério Público Eleitoral

STF. Informativo nº 817


(Plenário)

ADI e designação de promotor eleitoral


O Procurador-Geral da República detém a prerrogativa, ao lado daquela atribuída ao
Chefe do Poder Executivo, de iniciar os projetos de lei que versem sobre a organização e as
atribuições do Ministério Público Eleitoral. Assim, a designação, de membro do Ministério
Público local como promotor eleitoral, por Procurador Regional Eleitoral, que é membro
do Ministério Público Federal, não afronta a autonomia administrativa do Ministério
Público do Estado. Com base nessa orientação, o Plenário, em conclusão de julgamento e
por maioria, reputou improcedente pedido formulado em ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada em face do art. 79 da LC 75/1993 (“Art. 79. O Promotor
Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido
do serviço eleitoral de cada Zona. Parágrafo único. Na inexistência de Promotor que oficie
perante a Zona Eleitoral, ou havendo impedimento ou recusa justificada, o Chefe do
Ministério Público local indicará ao Procurador Regional Eleitoral o substituto a ser
designado”) — v. Informativo 773. A Corte enfatizou que apesar de haver a participação
do Ministério Público dos Estados na composição do Ministério Público Eleitoral,
cumulando o membro da instituição as duas funções, elas não se confundiriam, haja vista
possuírem conjuntos diversos de atribuições, inclusive, de remuneração. Um recebe pelo
Tesouro Estadual, em virtude da função estadual, e o outro, também recebe pelo Tesouro
Federal, em razão da atribuição eleitoral. A subordinação hierárquico-administrativa não
funcional do promotor eleitoral seria estabelecida em relação ao Procurador Regional
Eleitoral, e não em relação ao Procurador-Geral de Justiça. Ante tal fato, nada mais lógico
que o ato formal de designação do promotor eleitoral para a função eleitoral seja feita
exatamente pelo Ministério Público Federal, e não pelo Ministério Público local. A
designação do promotor eleitoral seria ato de natureza complexa, resultado da conjugação
de vontades tanto do Procurador-Geral de Justiça, responsável por indicar um membro do
Ministério Público estadual, quanto do Procurador Regional Eleitoral, a quem competiria o
ato formal de designação. Dessa maneira, o art. 79, “caput” e parágrafo único, da Lei
Complementar 75/ 1993, não teria o condão de ofender a autonomia do Ministério Público
Estadual, porque não incidiria sobre a esfera de atribuição do “parquet” local, mas sobre

208
ramo diverso da instituição, o Ministério Público Eleitoral. Por consequência, não interviria
nas atribuições ou na organização do Ministério Público Estadual.
Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux que julgavam a ação procedente.
Consideravam atípica e heterodoxa a designação de promotor estadual pelo procurador
federal. Entendiam haver vício de iniciativa quanto ao disposto no parágrafo único do
artigo 79 da LC 75/1993. Apontavam que a designação de membros para o exercício de
atribuições seria tema típico de organização de cada Ministério Público e, por isso, não
caberia ao Procurador-Geral da República a iniciativa de projeto de lei concernente a
normas gerais de organização do “parquet” nos Estados. Não obstante o vício formal,
asseveravam também haver vício material, porque a norma questionada afrontaria a
autonomia funcional e administrativa do Ministério Público dos Estados. Para o Ministro
Marco Aurélio, o caráter unitário do Ministério Público não poderia servir como
fundamento para permitir a ingerência administrativa do Chefe do Ministério Público da
União nos quadros de órgão estadual, sob pena de violação ao princípio federativo. Apesar
de inquestionável a existência de um Ministério Público nacional, composto por órgãos
federais e estaduais, a unidade da instituição não se confundiria com a estrutura
organizacional, garantida pela autonomia de cada unidade federada. ADI 3802/DF, rel.
Min. Dias Toffoli, 10.3.2016.

Crimes Eleitorais

STF. Informativo nº 826


(Segunda Turma)

Crime de desobediência eleitoral e não enquadramento


Não comete crime de desobediência eleitoral o candidato que, proibido de ingressar
em órgãos públicos com o intuito de realizar atos inerentes à campanha eleitoral, adentra
prédios da Administração Pública para filmar e fotografar. Com base nessa orientação, a
Segunda Turma julgou improcedente a acusação contra o denunciado, nos termos do art.
6º da Lei 8.038/1990, c/c o art. 386, III, do CPP (Lei 8.038/1990: “Art. 6º - A seguir, o
relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia
ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas”
e CPP: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde
que reconheça: ... III - não constituir o fato infração penal”). Na espécie, magistrado
eleitoral determinara que os integrantes da coligação a que pertencia o denunciado não
entrassem nos prédios onde funcionavam as repartições públicas municipais, com o intuito
de realizar atos inerentes à campanha eleitoral, sob pena de responderem por crime de
desobediência (Código Eleitoral, art. 347). Conforme depoimentos de testemunhas, o

209
representante da coligação fora notificado dessa ordem judicial e a comunicara ao
denunciado. Este, em seu interrogatório, sustentara ter conhecimento de denúncia de que o
prefeito, adversário político da coligação, cooptava servidores da prefeitura para que
participassem de seus comícios nos horários de expediente. Com a finalidade de checar
essas informações, deslocara-se às repartições públicas para filmar e fotografar os
servidores que estivessem a trabalhar. Após a diplomação do denunciado como deputado
federal, a competência fora declinada ao STF. A Turma apontou que, ainda que o evento
pudesse ter causado transtorno às atividades públicas, não se narrara pedido de voto ou
outra manifestação que pudesse ser enquadrada como ato de campanha eleitoral. Destacou
que a conduta em questão fora um ato de fiscalização da Administração Pública, ainda que
praticado em persecução aos interesses eleitorais do grupo ao qual o denunciado era
vinculado. Inq 3909/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.5.2016. (Inq-3909)

Debate Eleitoral

STF. Informativo nº 836


(Plenário)

Minirreforma eleitoral: debate eleitoral e exclusão de candidato


Candidatos que têm participação assegurada em debate eleitoral não podem
deliberar pela exclusão de participantes convidados por emissoras de rádio e televisão, cuja
presença seja facultativa.
Essa é a conclusão do Plenário que, por maioria, julgou parcialmente procedente
pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade para conferir interpretação
conforme a Constituição ao § 5º do art. 46 da Lei 9.504/1997, com a redação dada pela Lei
13.165/2015 [“Art. 46. § 5º Para os debates que se realizarem no primeiro turno das
eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de
participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos
candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos
partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”].
O Tribunal afirmou que a alteração promovida pela minirreforma deveria ser
interpretada no sentido de somente possibilitar que dois terços dos candidatos aptos
acrescentassem novos participantes ao debate ― candidatos que não tivessem esse direito
assegurado por lei e nem tivessem sido previamente convidados pela emissora. Assim, seria
possível minorar o risco inverso, o de que o conflito de interesses estivesse na própria
decisão da emissora em convidar ou não um candidato para o pleito.
Observou que em pequenas cidades brasileiras ainda seria comum que os veículos
de comunicação social estivessem concentrados nas mãos de oligarquias ou de políticos

210
locais. Dessa forma, a solução evitaria tanto que os candidatos quanto as emissoras
pudessem intervir de modo ilegítimo na conformação dos participantes dos debates,
garantindo-se, de modo pleno, a liberdade de informação, a paridade de armas e a
legitimidade do pleito.
Vencida a Ministra Rosa Weber (relatora) e os Ministros Ricardo Lewandowski
(Presidente) e Teori Zavascki, que rejeitavam o pedido.
Reputavam que o preceito, no contexto da desigualação, realizaria a igualdade
material na disputa política ao valorizar as agremiações detentoras de maior
representatividade, enquanto melhor capacitadas a despertar o interesse do eleitorado,
acerca dos seus compromissos, programas e ideias, em maior amplitude.
Inverter essa lógica contrariaria a realidade, bem como não se justificaria sob a ótica
dos critérios interpretativos da razoabilidade e da proporcionalidade.
Vencidos, também, os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que acolhiam o
pleito.
Mencionavam que a regra legal questionada teria caráter excludente que vulneraria
os postulados fundamentais do sistema político-eleitoral consagrado pela CF. Violaria,
ainda, o princípio da igualdade de oportunidades que representaria a garantia básica de igual
competitividade, que deveria prevalecer nas disputas eleitorais sob a égide de um modelo
democrático. Ponderavam que essa cláusula de exclusão ou restrição atingiria o direito das
minorias.
ADI 5487/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ acórdão Min. Roberto Barroso, 24 e 25. 8.2016.
(ADI-5487)
O Plenário iniciou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto
é o mesmo da ADI 5.487/DF (acima noticiada), porém, com pedido de interpretação
conforme a Constituição para que o art. 46, “caput” e § 5º, da Lei 9.504/1997 fosse
interpretado no sentido de que “ao elaborar as regras aplicáveis aos debates realizados antes
do primeiro turno das eleições, os candidatos e partidos aptos a deliberar, nos termos da
lei, poderão definir o número de participantes, ainda que em quantitativo inferior ao de
partidos com representação superior a nove deputados”.
Com base nos mesmos fundamentos enunciados na mencionada ação direta, os
Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Edson Fachin e Celso de Mello julgaram
improcedente o pedido formulado. Por sua vez, os Ministros Dias Toffoli (relator), Luiz
Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia acolhiam-no parcialmente. Já o Ministro Marco
Aurélio julgou-o procedente na íntegra.

211
Em seguida, o Tribunal deliberou aguardar a manifestação do Ministro Roberto
Barroso, tendo em vista o voto por ele proferido na ADI 5.487/DF. ADI 5488/DF, rel.
Min. Min. Dias Toffoli, 24 e 25.8.2016. (ADI-5488)

STF. Informativo nº 837


(Plenário)

Minirreforma eleitoral: debate eleitoral e exclusão de candidato


Candidatos que têm participação assegurada em debate eleitoral não podem
deliberar pela exclusão de participantes convidados por emissoras de rádio e televisão, cuja
presença seja facultativa.
Essa é a decisão do Plenário que, em conclusão de julgamento e por maioria,
acolheu parcialmente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade para
conferir interpretação conforme a Constituição ao § 5º do art. 46 da Lei 9.504/1997, com a
redação dada pela Lei 13.165/2015 [“§ 5º Para os debates que se realizarem no primeiro
turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o
número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços)
dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos
partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”] — v.
Informativo 836.
O Tribunal consignou que as emissoras poderiam convidar outros candidatos não
enquadrados no critério do “caput” do art. 46 (“Independentemente da veiculação de
propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por
emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional,
sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação superior a
nove Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte: ...”), independentemente
de concordância dos candidatos aptos, conforme critérios objetivos, a serem
regulamentados pelo TSE, que atendessem os princípios da imparcialidade e da isonomia e
o direito à informação.
Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que julgava o pedido procedente, e
vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Teori Zavascki, Rosa Weber,
Edson Fachin e Celso de Mello, que o rejeitavam. O Ministro Roberto Barros reajustou o
voto. ADI 5488/DF, rel. Min. Min. Dias Toffoli, 31.8.2016. (ADI-5488)

Propaganda Eleitoral

STF. Informativo nº 836


(Plenário)

212
Minirreforma eleitoral: participação de minorias em debate e propaganda eleitoral
O Plenário, por maioria e em julgamento conjunto, reputou improcedentes pedidos
formulados em ações diretas que questionavam os artigos 46, “caput”, e 47, § 2º, I e II, da
Lei 9.504/1997, com a redação dada pela Lei 13.165/2015 e, por arrastamento, o art. 32, §
2º, da Resolução 23.457/2015 do Tribunal Superior Eleitoral [Lei 9.504/1997: “Art. 46.
Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido
nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as
eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos
partidos com representação superior a nove Deputados, e facultada a dos demais,
observado o seguinte: ... Art. 47. As emissoras de rádio e de televisão e os canais de
televisão por assinatura mencionados no art. 57 reservarão, nos trinta e cinco dias
anteriores à antevéspera das eleições, horário destinado à divulgação, em rede, da
propaganda eleitoral gratuita, na forma estabelecida neste artigo. ... § 2° Os horários
reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do § 1º, serão distribuídos entre todos
os partidos e coligações que tenham candidato, observados os seguintes critérios: I - 90%
(noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na
Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coligação para eleições majoritárias, o
resultado da soma do número de representantes dos seis maiores partidos que a integrem e,
nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado da soma do número de
representantes de todos os partidos que a integrem; II - 10% (dez por cento) distribuídos
igualitariamente” e Resolução 23.457/2015 do TSE: “Art. 32. Os debates, transmitidos por
emissora de rádio ou de televisão, serão realizados segundo as regras estabelecidas em
acordo celebrado entre os partidos políticos e a pessoa jurídica interessada na realização do
evento, dando-se ciência à Justiça Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 46, § 4º) ... § 2º São
considerados aptos, para os fins previstos no § 1º, os candidatos filiados a partido político
com representação superior a nove parlamentares na Câmara dos Deputados e que tenham
requerido o registro de candidatura na Justiça Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 46)”].
O Tribunal, de início, converteu a apreciação de referendo da cautelar em
julgamento de mérito (ADI 5.577 MC-Ref/DF). Na sequência, afirmou que o art. 46,
“caput”, da Lei 9.504/1997 asseguraria a participação, nos debates eleitorais, dos
candidatos dos partidos políticos com mais de nove representantes na Câmara dos
Deputados. Observou que esse seria um critério razoável de aferição da representatividade
do partido, pois não obstaria a participação de legendas com menor representatividade nos
debates. De fato, a facultaria, a critério das emissoras de rádio e televisão. Frisou que o
direito de participação em debates eleitorais ― diferentemente da propaganda eleitoral

213
gratuita no rádio e na televisão ― não teria assento constitucional e poderia sofrer restrição
maior, em razão do formato e do objetivo desse tipo de programação.
Consignou que os incisos I e II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/1997 estariam em
consonância com a cláusula democrática e com o sistema proporcional. Tais preceitos
estabeleceriam regra de equidade e resguardariam o direito de acesso à propaganda eleitoral
das minorias partidárias, além de assegurar situação de benefício não odioso àquelas
agremiações mais lastreadas na legitimidade popular. Ademais, o tempo outorgado
proporcionalmente à representatividade, embora dividido de forma distinta entre as
agremiações, não nulificaria a participação de nenhuma legenda concorrente.
Além disso, a consideração, na distribuição do tempo de propaganda eleitoral
gratuita, da representatividade dos seis maiores partidos políticos de determinada coligação,
formada para as eleições majoritárias (Lei 9.504/1997, art. 47, § 2º, I), seria critério que
objetivaria equilíbrio na distribuição do tempo de horário eleitoral gratuito. Evitaria, assim,
a concentração, em uma coligação majoritária, de dada quantidade de tempo de forma a
monopolizar o horário ou a ter um tempo muito maior do que os outros candidatos
adversários. A norma impugnada, também, desestimularia a criação de legendas de ocasião,
isto é, partidos políticos criados sem nenhuma motivação ideológica, com o único escopo
de angariar tempo de propaganda eleitoral.
Na ADI 5.423/DF e na ADI 5.491/DF, ficou vencido, em parte, o Ministro Edson
Fachin, que julgava procedente o pedido quanto ao “caput” do art. 46 para aplicar-lhe
efeito repristinatório. Aduzia que a constitucionalidade do dispositivo somente se
confortaria com a expressão “com representação na Câmara dos Deputados”, e não com o
critério superior a nove deputados. Vencidos, também, os Ministros Marco Aurélio e Celso
de Mello, que acatavam o pleito na integralidade. O Ministro Marco Aurélio pontuava que
somente a Constituição poderia criar cláusula de barreira. Sublinhava que o tempo de
propaganda eleitoral teria sido dividido em benefício da maioria. O Ministro Celso de Mello
enfatizava que a Lei 9.504/1997, em sua anterior redação, assegurava a participação de
candidatos de partidos com representação na Câmara dos Deputados. Realçava que as
cláusulas de exclusão previstas na nova formulação efetivamente atingiriam de modo grave
o direito de grupos minoritários.
Na ADI 5.577 MC-Ref/DF, ficaram vencidos os Ministros Edson Fachin, Marco
Aurélio e Celso de Mello, que assentavam a procedência do pleito.
ADI 5423/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 24 e 25.8.2016. (ADI-5423)
ADI 5491/DF, rel. Min. Dias Toffoli 24 e 25.8.2016. (ADI-5491)
ADI 5577 MC-Ref/DF, rel. Min. Rosa Weber, 24 e 25.8.2016. (ADI-5577)

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Eleição Suplementar

STJ. Informativo nº 586


(Primeira Turma)

DIREITO CIVIL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR GASTOS


DECORRENTES DE ELEIÇÃO SUPLEMENTAR.
O candidato ao cargo de prefeito que obtém o deferimento do registro de sua
candidatura no juízo eleitoral de primeiro grau, mas, depois de eleito, tem o
registro indeferido pelo TSE, não deve indenização à União por gastos decorrentes
de eleição suplementar. O art. 188 do CC, ao estipular as causas excludentes de ilicitude,
admite hipóteses em que o dano experimentado pela vítima não será indenizado, porquanto
a conduta do agente estará abonada pela lei. Uma dessas situações, descrita no inciso I do
mencionado artigo, será aquela em que o agente tenha agido "no exercício regular de um
direito reconhecido". Assim, ainda que o indeferimento do registro da candidatura -
proferido a destempo pelo TSE - tenha dado causa à eleição suplementar do Prefeito, não
se configura a ilicitude da conduta do candidato eleito, capaz de ensejar o ressarcimento
pecuniário almejado pela União, visto que exerceu regularmente o direito de invocar a
tutela jurisdicional para garantir presença no pleito, tendo alcançado, inclusive, inicial
deferimento do registro de candidatura pelo juízo eleitoral de primeira instância. REsp
1.596.589-AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 16/6/2016, DJe 27/6/2016.

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