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A PEC das Domésticas

Com 66 votos favoráveis e nenhum contrário, o Senado aprovou a Proposta de


Emenda à Constituição (PEC 66/2012) que estende aos empregados domésticos todos
os direitos dos demais trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Um avanço nas leis trabalhistas, mas que gerou diversas dúvidas.

Em linhas gerais, a proposta amplia direitos trabalhistas das domésticas, que


passam a poder receber horas extras e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS). Diaristas, no entanto (empregados que trabalham na casa até duas vezes por
semana), não se enquadram nas novas regras.

É importante frisar que a PEC das Domésticas apresenta direitos que passam a
valer imediatamente, como a fixação da jornada de trabalho em oito horas diárias e 44
horas semanais, e uma folga no domingo, além do direito a horas extras de 50% a mais
do valor da hora normal, em caso de o serviço se prolongar para além da jornada fixada.

Mas e as consequências desta regulamentação? Entre elas, podemos destacar a


necessidade de mudanças culturais desenvolvidas durante muitas gerações, tanto pelos
empregados como pelos empregadores, em que ambos se tratavam de maneira
totalmente informal. A norma exige um tratamento profissional por parte dos
envolvidos na relação contratual: por parte do empregado, este deverá cumprir regras
exatas em relação à jornada. Já o empregador estará atrelado a uma série de regras e
atividades administrativas que terá de desenvolver de imediato.

Aliás, referidas atividades administrativas serão intensificadas quando forem


aplicados os demais direitos, que irão exigir a elaboração de guias para recolhimento do
FGTS, do seguro-desemprego, auxílio-creche, o cumprimento de normas de acordos
coletivos e a contratação de seguros contra acidentes.

Claro que será grande o impacto econômico devido à exigência do cumprimento


destas normas mais explícitas e à determinação de pagamento de outros encargos. Por
isso, muitos insistem em dizer que a PEC irá contribuir para a informalidade. O que se
observa de imediato é que o legislador, de uma forma democrática, almeja a inclusão
social do trabalhador doméstico elevando-o ao patamar de profissional qualificado.
Precisamos evoluir. A PEC das Domésticas é o primeiro passo para reconhecer o valor
do trabalho deste profissional.

Ronald Silka é professor de Direito Trabalhista do Centro Universitário Uninter.

O trabalho doméstico no Brasil apresenta-se como uma atividade pouco


valorizada e que possuí diversos problemas que precisam ser ajustados. A classe mais
afetada com condições precárias nessa profissão são as mulheres, sobretudo negras. A
gênese da desvalorização de tais empregos se encontra no período colonial, onde
escravas do sexo feminino desempenhavam, sobretudo, tarefas cotidianas dentro da
Casa Grande, garantindo assim a boa manutenção, com enfoque na limpeza, das
residências de seus senhores. Sendo assim, foi criado um estereótipo de que a mulher
negra está condicionada a servir, algo que foi reforçado pelo senso comum e reafirmado
pela mídia. As marcas sociais que a escravidão carimbou no negro também
contribuíram para tal infortúnio, o negro não teve direito a uma política de inserção na
sociedade pós-abolição, pelo contrário, foi excluído e menosprezado de formas
inumanas.

Um ponto agravante na péssima imagem e remuneração do trabalho doméstico no


Brasil é a grande disponibilidade de mão de obra para tal, com isso a lei da oferta e
procura é verdadeira já que com a avultosa oferta de empregadas diminuem-se os
salários. Isso ocorre, pois para a maioria das mulheres de classes baixas e pouca
escolaridade a única opção de emprego “digno” é o labor em residências familiares. Há
também uma considerável taxa de imigração rural-urbana que propicia mulheres a irem
para cidade com intuito de melhoria de vida, estas acabam por vezes preferindo a
“comodidade” de morar no quartinho dos fundos da casa de seus patrões.

De forma oposta ao Canadá, que oferece melhores condições de empregos


domésticos, as empregadas brasileiras enfrentam diversos gargalos. Ainda é vigente
uma grande dominação por parte da elite branca, com acordos irregulares e informais
mascarando uma relação de coleguismo e favores. Diante disso, apesar de ter sido visto
um considerável avanço com a PEC das domésticas, ainda assim existem muitos patrões
que burlam as leis e resistem a ter vínculos empregatícios com o empregado, dados
comprovam que apenas uma pequena parcela destes trabalhadores possui carteira
assinada.
O emprego doméstico é todo aquele que não apresenta rentabilidade ao seu
empregador, ou seja, não há fins lucrativos. Este pode apresentar-se como um dos
pontos que desvalorize esta profissão, tendo em vista que, com a inserção do
capitalismo na sociedade e consequente busca desenfreada por maiores produções e
aumento exponencial de lucros, o trabalho doméstico por sua vez é visto como algo sem
valor.

Diante disso, a desvalorização e não reconhecimento do trabalho doméstico se dá


pela perpetuação de uma sociedade de base patriarcal com pensamentos defasados, a
segregação sexual também atua como uma das principais desvantagens, a mulher é vista
apenas como um objeto submisso. O pensamento ilusório de que a escravidão acabou
não deve ser reproduzido, visto que os mecanismos de coerção se tornaram apenas mais
sofisticados e camuflados.

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