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Introdução
No final do século XIX surge uma nova forma de arte no mundo que não apenas
inaugurou uma nova era, como tambémse tornou umas das mias importantes expressões
visuais da humanidade. As cenas e imagens movimentadas adentraram a vida e o imaginário
das pessoas e o mundo nunca mais foi o mesmo. Esta forma de arte, o cinema, vem sendo
tema de recorrentes discussões não só no meio acadêmico como nas mais variadas esferas
sociais.
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Aluna de Graduação em História da Universidade Federal de Goiás e bolsista do PIBID – UFG/CAC
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Professora Doutora do Departamento de História e Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás –
UFG/CAC.
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desse novo meio de propagação de imagens com movimento e nova forma de narrar
histórias.Vale pontuar que apesar da existência do debate sobre a autoria da invenção e sua
data exata, o seu nascimento ocorreu na Europa, esta ressalva é fundamental em virtude de
que nos dias atuais o cinema mais conhecido na atualidade é o hollywoodiano, e por isso cria-
se a imagem no senso comum de que é lá o berço do cinema, lá estão as maiores e melhores
produções e que só Hollywoodé capaz de fazer bons filmes. Esta fama do cinema
estadunidense não é exatamente uma verdade e só será alcançada no meio do século XX.
Visando expandir esse possível mercado lucrativo, lançou-se uma busca pela expansão
e melhores condições para a realização das produções cinematográficas. Isso marcou arápidae
constante transformação da indústria cinematográfica que investiu grande capital para
produzir mais filmes e com melhores técnicas. Se antes as imagens eram rústicas e sem muita
elaboração, logo a indústria passou a se preocupar com a produção dos filmes, melhor foco,
visual, roteiros e uma série de modificações no sentido de melhorar e ampliar as produções e
público.
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Um dos primeiros e mais emblemáticos filmes históricos produzidos é de direção de
D. W. Griffith, “O nascimento de uma nação” (1915). É importante pontuar o mérito das
técnicas para a produção deste filme, porém nãopodemos deixar de nos reportar às
problemáticas questões históricas e sociais que o filme aborda. A produção retrata a Guerra
Civil Americana com ênfase em glorificar a raça branca e frisandoa inferioridade dos negros,
utilizando um conhecido discurso racista da época. Tratando de um tema do século anterior, a
Guerra Civil e narrando um momento histórico a partir de uma dada leitura do mundo. Eis o
que é um filme histórico, uma representação de um passado, uma releitura de um determinado
contexto.
Assim, desde muito cedo os filmes históricos tem sido fonte inesgotável para produção
de filmes com aceitação em escala mundial e atingindo bilheterias milionárias.Mas vale
ressaltar que ao mesmo passo que o cinema foi se apropriando da história,a história também
vem se apropriando do cinema, utilizando-o como forma de inovação no campo didático. A
utilização do cinema como recurso e documento remonta do final do século XX, e não apenas
a História enquanto disciplina, mas o ensino de forme mais ampla se apropriou e passou a
utilizar esse novo instrumento em sala de aula. Neste artigo, nos interessa especificamente a
problematização sobre o uso do cinema nas aulas de história e as questões inerentes nessa
relação.
Marc Bloch (2001) nos permite um grande respaldo teórico quando diz que a História
é a ciência dos homens no tempo, suas práticas, nas suas relações, quaisquer que
sejamtambém são fontes para o historiador. “O cronista que narra os acontecimentos, sem
distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia
aconteceu pode ser considerado perdido para a História”. (BENJAMIN, 1994: 223)
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Tudo que é produto humano e das suas relações é objeto da história, e o cinema tem se
apropriado disso, representando tanto o passado mais distante como o mais recente como
forma de interpretar, reelaborar, explicar, investigar, apresentar e debater questões do nosso
passado. Trata-se, portanto de um recurso didático as produções cinematográficas podem ser
pensadas como uma representação do social, da história.
História e Cinema
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Não é de hoje o debate que destaca a necessidade das escolas e dos educadores se
adequarem às novas demandas da sociedade contemporânea. O cinema é a primeira arte que
se auto representa como imagem e representação da realidade, podendo contribuir de forma
decisiva na interpretação e reelaboração do real. No entanto, não se trata apenas do uso do
cinema como ilustração de conteúdos históricos ou de análises críticas, e sim aprender a
pensá-lo como recurso didático com critérios e metodologia na direção do conhecimento e de
uma práxis reflexiva. Para tal, é fundamental compreender a relação que se estabelece não só
do cinema na sala de aula e todas as implicações que isso carrega, como também apreender
como o cinema utiliza a história como matéria prima nas produções do chamado gênero
histórico. Assim, partimos da compreensão de que além de recurso, o cinema é também fonte,
objeto e problemática.
Um dos grandes trunfos para a legitimação da escola tem sido sua contribuição na
formação de identidades, sejam estas individuais, sociais e/ou culturais. [...] No
caso da história, e de seu ensino, a análise da trajetória da construção do campo
disciplinar permite perceber o quanto ele está estreita e explicitamente imbricado
com questões axiológicas, relativas à construção da(s) identidades(s)
coletiva(s).(GABRIEL, 2005, p. 44)
No caso de trabalho didático com filmes que abordam temas históricos é comum a
preocupação do professor em verificar se a reconstituição das vestimentas é ou não
precisa, se os cenários são ou não fiéis, se os diálogos são ou não autênticos. Um
filme abordando temas históricos ou de ficção pode ser trabalhado como
documento, se o professor tiver a consciência de que as informações extraídas estão
mais diretamente ligadas à época em que a película foi produzida do que à época
que retrata. É preciso antes de tudo ter em mente que a fita está impregnada de
valores, compreensões, visões de mundo, tentativas de explicação, de
reconstituição, de recriação, de criação livre e artística, de inserção de cenários
históricos construídos intencionalmente ou não por seus autores, diretores,
produtores, pesquisadores, cenógrafos etc. Para evidenciar o quanto os filmes estão
impregnados de valores da época com base na qual foram produzidos tornam-se
valiosas as situações em que o professor escolhe dois ou três filmes que retratem
um mesmo período histórico e com os alunos estabeleça relações e distinções, se
possuem divergências ou concordâncias no tratamento do tema, no modo como
reconstitui os cenários, na escolha de abordagem, no destaque às classes oprimidas
ou vencedoras, na glorificação ou não dos heróis nacionais, na defesa de idéias
pacifistas ou fascistas, na inovação ou repetição para explicar o contexto histórico
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etc. Todo esforço do professor pode ser no sentido de mostrar que, à maneira do
conhecimento histórico, o filme também é produzido, irradiando sentidos e verdades
plurais. São valiosas as situações em que os alunos podem estudar a história do
cinema, a invenção e a história da técnica, como acontecia e acontece a aceitação
do filme, as campanhas de divulgação, o filme como mercadoria, os diferentes
estilos criados na história do cinema, a construção e recriação das estéticas
cinematográficas etc. O mesmo tipo de trabalho pode ser feito no caso de estudos
com gravuras, fotografias e pinturas. (BRASIL, 1998, p.88-89)
Vale lembrar, como já assinalado anteriormente, a relação cinema e história não é uma
inovação, como assinalado na epígrafe de Marc Ferro que já postulava “resta agora estudar o
filme, associá-lo com o mundo que o produz.” (FERRO, 2010, p.32)
Dessa maneira, entendemos que a reflexão sobre o uso do cinema como instrumento
do trabalho didático colabora e fornece material para a construção de novas práticas tão
essenciais para a renovação de nossas escolas. Assim, também é uma necessária contribuição
ao campo historiográfico nacompreensão de como o cinema se apropria dos temas históricos
na atualidade, as suas transformações e permanências, e como isso requer leituras sempre
atualizadas por parte dos profissionais da história. Não é mais possível encarar o cinema
apenas como recurso auxiliar que demonstra ou ilustra o que foi trabalhado. O cinema é um
elemento de trabalhopara suscitar indagaçõese auxiliar no processo investigativo próprio do
ensino de história.
O cinema vem sendo frequentemente utilizado em sala de aula, mesmo fora dos
grandes centros urbanos. As condições de acesso, superação de alguns obstáculos crônicos na
educação brasileira e a diversificação e atualização na formação contínua dos professores,
(apesar de algumas tristes permanências nas escolas brasileiras) têm contribuído para esse
aumento desejável no uso dos filmes nas salas de aula. Entendemos isso como algo positivo
que auxilia os professores propiciando aos alunos uma melhor compreensão do tema
abordado. No caso da história, especificamente, aproxima o aluno do conteúdo trabalhado,
sugere novas indagações, promove o debate através da relação passado/presente.
Aqui, vale ainda mencionar que quando nos referimos à preparação necessária do
professor, falamos não apenas de seu conhecimento eatualização sobre as discussões que
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Aqui nos referimos ao cinema 3D que dá a sensação ao espectador de imersão no filme.
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permeiam a utilização e problematização do uso do cinema nas aulas de história, mas também
sua capacidade técnica e preparo para utilização de todos os aparelhos audiovisuais.
Computador, data show, internet, blu-ray, download, multimídias não são apenas novas
palavras no vocabulário, são ferramentas fundamentais que os professores devem dominar
para seu trabalho pedagógico. Desconhecer, evitar ou ignorar esses elementos causa
oafastamento entre o universo do aluno e a sala de aula e colabora com a desvalorização e
falta de credibilidade das escolas atuais.
Sobre essa questão, ainda, vale ponderar que uma parte da culpa desse despreparo do
professor é da Universidade brasileira. Muitos cursos de licenciatura ignoram tais questões e
não preparam os futuros profissionais para essa atuação, deixando o aprendizado a cargo da
vida prática na escola. Entendemos que a Universidade, instituição responsável pela formação
dos profissionais da educação, e com a função educativa de prepara-los para ação docente não
pode se esquivar ou ignorar de sua função social. É preciso oferecer esse debate e preparo em
seu conteúdo curricular ou disciplina especifica que auxiliem o futuro professor a utilizar
todos os recursos disponíveis. É preciso reavaliar como os cursos de formação de professores
estão se atualizando de acordo com as novas demandas das escolas e da sociedade
contemporânea afim de que essas lacunas sejam corrigidas.
Existem inúmeras formas de utilizar o cinema como recurso, as mais comuns são
como elemento incentivador ou motivacional para acabar com o desinteresse do aluno,
demonstrativo ou ilustrativo para atestar a autenticidade do conteúdo dado, ou para uma
atividade pseudo-crítica onde se pede para o aluno “retirar o que entendeu”.
Os filmes colaboram na leitura da realidade e pode ser visto como fonte geradora de
problematizações e debates, sendo importante recurso para ensino desde que ligado ao
planode ensino e os objetivos propostos. O papel do professor é de ser o mediador entre a
obra, o objetivo e o aluno, é ele o responsável por dar sentido e logicidade ao trabalho. Assim,
o professor deve observar dois elementos essenciais: aarticulação do filme com o conteúdo
discutido e a adequação à faixa etária e etapa em que se encontra a turma. É válido que o
professor faça algumas questões para orientar e adequar o trabalho, exemplo:
Dessa forma, fica claraa necessidade de preparar previamente os alunos para o uso do
cinema. É interessante que o professor selecione um filme que faça sentido e colabore com o
conteúdo exposto, elabore um roteiro com informações e orientações, se organize, caso seja
necessário exibir apenas alguns trechos e não a sequencia inteira.
Conclusão
Os livros didáticos hoje, em sua maioria, trazem ao final dos capítulos, trechos de
documentos históricos e listas de filmes relacionados aos conteúdos trabalhados. Além disso,
a internet e a facilidade de acesso às produções na atualidade devem ser aproveitadas pelos
professores para fugir das aulas esquematizantes e fechadas, em nome de uma aula de história
mais aberta, interativa, atrativa e por que não, prazerosa. O esquema texto, questionário e
prova perdeu espaço na sala de aula. Não se ensina mais história como antigamente, ainda
bem. Dessa forma, usar filmes na produção de conhecimento é um excelente recurso, desde
que usado com cuidado e planejamento.
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Existe na atualidade um número infinito de filmes que retratam acontecimentos
históricos do mundo, épocas e situações, sua utilização é um elemento cada vez mais comum
como fonte para superproduçõescinematográficas. É interessante percebermos a contradição
existente, pois ao mesmo tempo em que muitos rechaçam a história ensinada, dizendo que
estudar o passado é perda de tempo, lotam as salas de cinema para assistirem filmes que
trazem em seu roteiro elementos históricos, situações ambientadas em outros tempos ou
histórias reais retratadas na tela.
Portanto, ensinar história a partir do cinema pode suscitar um novo olhar dos alunos
para a história, pode estimular novas formas de análise e debate sobre a realidade passada e
vivida, pode despertar a criticidade, elemento essencial do processo de ensino-aprendizagem.
Para tal, não basta passar o filme, ele deve ser trabalhado de fato pelo professor. Muitos
filmes contem sérios erros históricos, distorções, misturam fantasia com a realidade, são
tendenciosos, elaborados para servir a um determinado interesse. Por isso filmes que são
realizados como ferramenta política de manipulação, controle e propaganda ideológica devem
ser tratados com atenção redobrada e trabalho pedagógico adequado.
No entanto, toda produção fílmica é conveniente para que o aluno possa perceber que
todo filme é uma possibilidade de representação, um recorte de uma realidadesocial, portanto,
não está livre da ideologia e do contexto em que está inserido. Aí reside à riqueza da
linguagem cinematográfica como recurso, um instrumento inesgotável de debate, formação e
construção da criticidade.
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