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O Fator Ômega

Capítulo 01: O Funeral

Danny Buchanan gostava de pensar em si mesmo como um rapaz simples, quase nada vaidoso,
mas, pela décima vez em menos de dez minutos, ele flagrou-se conferindo seu reflexo no
espelho que se encontrava no canto de seu novo quarto.

Um rapaz impossivelmente belo encarava Danny da superfície lisa do espelho. Cabelos lisos e
prateados cuidadosamente penteados sobre um rosto delicado cinzelado em feições
inacreditáveis; lábios cheios e vermelhos e olhos grandes, púrpuras como o céu do crepúsculo,
emoldurados por longos cílios prateados. Danny vestia um terno azul-marinho, mais elegante
que todas as outras peças de roupa em seu armário, com uma camisa branca abotoada até
gola e sapatos recentemente lustrados. A gravata preta, no entanto, estava pendurada
inutilmente sobre um de seus ombros pois Danny, teimosamente, recusou as diversas ofertas
de ajuda que seu pai lhe fizera, alegando que já tinha dezoito anos de idade e era
perfeitamente capaz de dar um nó decente em uma gravata. Ele não poderia estar mais
errado.

Ternos nunca foram as roupas favoritas de Danny. Ele havia decidido há muitos anos que seu
corpo esguio simplesmente não possuía o porte necessário para deixa-lo suficientemente
elegante, ele sempre acabava se sentindo como um pinguim. Ele avaliou, porém, que o
resultado final era bom, e logo foi tomado por uma onda de culpa e vergonha. Ele não deveria
estar pensando em sua aparência, não naquele momento. Danny poderia estar vestido para
um casamento luxuoso, mas a realidade não poderia ser mais distante daquilo. Danny estava
indo a um funeral.

Duas breves batidas distraíram Danny de seus pensamentos de culpa e superficialidade e, ao


olhar novamente pelo espelho, ele viu seu pai, Thomas, parado no batente da porta aberta de
seu quarto.

- Pronto?

- Falta a gravata.

A resposta fez Thomas rir e balançar a cabeça em exasperação fingida. Com apenas alguns
poucos passos de suas longas pernas, ele cruzou o quarto de Danny e parou em frente ao filho.
Enquanto ele amarrava a gravata ao redor de seu pescoço, Danny reparou no quanto o pai
estava elegante. O doutor Thomas Buchanan era um homem alto e musculoso, de cabelos e
olhos castanho-claros e um charmoso furinho em seu queixo forte quase escondido pela
barba. Danny inevitavelmente sentiu uma pontinha de inveja: Thomas era um homem que
definitivamente sabia como vestir um terno.

- Você tá bonito!

- E você está precisando de óculos, garoto – Jackson respondeu, modesto. – Obrigado. Eu


deveria ter me barbeado, mas acabei esquecendo.

- Eu tenho certeza que o espírito do falecido não vai se ofender.


Era estranho dizer aquilo. Danny ainda não conseguia acreditar completamente que Michael
Grant, o todo-poderoso alfa da matilha de Whiteoak, estava morto. E o que era ainda mais
bizarro: assassinado, se o que os rumores sussurrados pelas ruas do vilarejo eram
verdadeiros... e eles geralmente eram.

- Sério, eu ainda não acredito que o alfa Michael morreu. Eu tinha certeza que aquele homem
ia viver para sempre.

- Ninguém vive para sempre, filho – Thomas respondeu, soando estranhamente solene. – Nem
mesmo o alfa mais poderoso do país.

- É, bom, se tem uma coisa que vai ofender Michael Grant é a minha presença no funeral dele
– resmungou Danny. – Ele nunca fez questão de esconder que não era o maior fã de ômegas
como eu.

- Todos os moradores de Whiteoak estarão lá – respondeu Thomas, suas mãos cirurgicamente


treinadas dando a última volta na gravata para completar o nó. – Seria uma grosseria imensa
se você não comparecesse, sobretudo com James.

- Pff. O pai do cara acabou de morrer. Eu duvido que a minha presença vá fazer alguma
diferença.

Thomas, sabiamente, não falou mais nada e Danny, que já se resignara com o fato de que não
conseguiria dissuadi-lo, suspirou dramaticamente, arrancando mais algumas risadas do pai.
Thomas ajustou a gravata impecavelmente no colarinho da camisa de Danny e, então, ele
virou o corpo do garoto até que ele estivesse novamente de frente ao espelho. Pai e filho
passaram alguns segundos observando o próprio reflexo no espelho e Danny não conseguiu
impedir que a frustração com o Thomas diminuísse consideravelmente ao reparar a expressão
de mais profunda devoção com o que o pai o olhava.

- Você é bonito demais, Danikins!

- E você tá precisando de óculos, coroa – Danny imitou o pai, e riu.

A beleza sobrenatural de Danny não era um assunto que ele e Thomas costumavam discutir.
Era algo que sempre pairou sobre a pequena família como uma leve névoa, nunca
reconhecida, mas jamais completamente ignorada. Danny sabia que Thomas, a partir do
momento que ele abriu os olhos pela primeira vez e revelou ser um ômega, preocupava-se dia
e noite com as dificuldades que a magia que Danny carregava em seus genes causariam. Não
era tão ruim quanto costumava ser, era verdade, ômegas já não eram obrigados a suportar,
submissos, a violência gerada pelos lobos e a cada dia conquistavam mais e mais autonomia
sobre suas próprias vidas na ainda retrógada sociedade lycana... mas Danny sabia que ele
ainda não estava completamente e seguro, e uma parte de si honestamente duvidava se
algum dia ele realmente estaria.

- Nós deveríamos ir logo, já estamos atrasados. – retrucou Thomas, subitamente, e a sombra


que Danny viu rapidamente nos olhos do pai o fez imaginar se Thomas estava pensando o
mesmo que ele.
- Nós vamos de carro, né?

- Não, seu preguiçoso, nós não vamos de carro. O septo de Dorian não é distante.

- Por que o septo tem esse nome mesmo?

Enquanto desciam as escadas para o primeiro andar, Thomas contou para Danny sobre como,
há alguns séculos atrás, Dorian Grant, com suas próprias mãos, construíra em sete dias e sete
noites o mundialmente famoso templo. Era, provavelmente, a centésima vez que Danny ouvia
aquela história, mas graças ao brilho de excitação que tomou os olhos de seu pai enquanto ele
tagarelava sem parar, Danny tinha certeza de que perguntaria mais outras cem vezes, sem
pestanejar. Ele adorava o fato de que Thomas, apesar de sua altura e sua barba e seus
músculos, não passava de um grande nerd, certamente o único lobo do mundo que preferia
passar seus dias lendo livros empoeirados sobre septos antigos e alfas esquecidos a caçar
cervos e lutar com ursos na floresta. Danny estava implicando com Thomas quando este
fechou a porta da casa - sem tranca-la, aquilo não era necessário em Whiteoak – e juntos, pai e
filho começaram a andar pelas ruas do vilarejo.

Aquele era um belo dia de fim de primavera, tão agradável que era quase como se os deuses
estivessem debochando daquela comunidade de luto. O sol brilhava majestoso no céu azul,
nem ao menos uma nuvem solitária para bloquear seus raios de luz; uma brisa suave
balançando os galhos das várias árvores que ladeavam as ruas desertas.

Ainda que Danny e Thomas fossem os únicos ali – mais um lembrete de que pai e filho
estavam, de fato, atrasados – era impossível não entender porque aquela era considerada uma
das comunidades lycanas mais importantes do mundo. Guarnecida e protegida por aquela que
indiscutivelmente era a maior matilha do país, Whiteoak era um vilarejo situado a poucos
quilômetros de distância da enorme cidade de Goldwood, era um exemplo inquestionável de
que a convivência harmoniosa entre humanos e lobos era possível, ainda que os primeiros
nem suspeitassem da existência dos segundos.

Foram necessários apenas mais alguns minutos de caminhada para que eles enfim chegassem
ao septo. À distância, era possível ver mais alguns pequenos grupos de atrasados que seguiam
para o mesmo destino de Danny e Thomas e, imediatamente, o garoto aproximou-se do pai.
Thomas, já acostumado ao seu nervosismo quando se tratava de vários lobos aglomerados no
mesmo lugar, passou um braço protetor pelos ombros do filho, guiando-o em direção ao
templo em que hospedaria o funeral.

O septo de Dorian era uma maravilha arquitetônica que se erguia imponente na linha de
árvores que marcava o início da floresta que cercava boa parte da região; todo construído por
enormes vidraças que, sustentadas por pesadas vigas de madeira escura, refratavam a luz do
sol e iluminavam o septo, conferindo a ele um ar sacrossanto que até mesmo Danny, um
ateísta convicto, reconhecia como digno de reverência. As enormes portas de mogno estavam
escancaradas e mostrando o interior do templo, com as duas fileiras de bancos de madeira já
completamente lotados sobre o piso de pedra rústica. Mais além, estava o altar, elevado por
três largos degraus de mármore, diretamente em frente ao vitral de pequenas peças nas cores
do arco-íris que formavam as sete espadas que representavam os sete filhos de Thórion, o
deus metade-lobo, metade-homem que os lobisomens adoravam.

Discretamente, Danny e Thomas ficaram em pé no fundo do septo, um pouco diante dos


outros convidados que, como eles, não acharam lugares para sentar. Era, no entanto,
impossível que um ômega passasse despercebido em uma reunião de lobos, e várias pessoas
repararam na presença dos dois ali. Thomas, um eterno cavalheiro, respondeu educadamente
a todos os diversos acenos de cabeça que ele recebeu e, enquanto isso, Danny espiava os
rostos das centenas pessoas que estava ali. Ele viu Barry Dwyer, o gigantesco dono da
confeitaria que funcionava no entorno da praça da Árvore Branca e Violet Harmon, a
professora de matemática que ensinou Danny durante todo o ensino médio e, o garoto tinha
certeza absoluta, o odiava. Além disso, ele reconheceu os cabelos pretos e os olhos puxados
de Ricky Tran, e se alguém perguntasse se o coração de Danny deu um pequeno salto em seu
peito ao vê-lo, ele negaria com todas as suas forças.

- Finalmente, Buchanan, eu estava começando a achar que você ia furar comigo.

A voz melodiosa chamou a atenção de Danny, distraindo-o momentaneamente de sua patética


queda pelo jovem lobo. Ele virou-se a tempo de ver Ryan Hammond, seu único e melhor
amigo, parando ao seu lado, parecendo ainda mais desconfortável por estar ali que Danny.
Como todos os outros lobos, Ryan era um rapaz de alto e forte, mas suas semelhanças com o
resto da matilha paravam por ali. Ele era ruivo, dono de maçãs-do-rosto pronunciadíssimas e
fantásticos olhos prateados, inconfundíveis características de um descendente de ômega: no
caso de Ryan, o seu pai.

- Você sabe que eu nunca faria isso – disse Danny, empurrando Ryan levemente com um dos
ombros.

- Claro que sei, e é por isso que você é o meu melhor amigo. – respondeu Ryan, e então ele
esticou o pescoço para olhar para Thomas. – Oi, doutor Buchanan!

- Como vai, Ryan?

- Muito bem, e o senhor?

- Também não tenho motivos para reclamar. – Thomas sorriu gentilmente para o garoto. – E o
seu tio, como vai?

- Ele não está se sentido muito bem... o senhor sabe como é.

Thomas, de fato, sabia. Não existia uma única pessoa em Whiteoak que não sabia sobre Brian
Hammond e seu incontrolável vício em mata-lobos. Thomas, então, deixou que o assunto
morresse e Ryan, aliviado, virou-se para Danny novamente.

- Sério, por que você demorou tanto? Eu estava me sentindo um esquisito aqui, sozinho, sem
falar com ninguém.

- Problemas com gravatas – Danny respondeu, arrancando uma risada silenciosa de Thomas. –
Mas eu pensei que você nem viria.
- Honestamente, eu estou começando a me arrepender de ter vindo. Eu nunca nem falei com
o alfa Michael, não é estranho eu ter vindo no funeral dele?

- Um pouco – Danny admitiu. – Mas, se se serve de consolo, eu posso contar nos dedos de
uma mão as vezes que eu falei com ele, e eu moro em Whiteoak desde que nasci. Você só
mora aqui há alguns meses.

Ryan abriu a boca para responder, mas foi interrompido quando vários dos homens sentados
nos bancos do septo levantaram-se de súbito e, uniformemente, viraram-se na direção da
entrada do templo. Danny levou alguns segundos para identificar que aqueles eram
lobisomens pertencentes à matilha do vilarejo, e foi só quando seguiu o olhar deles que Danny
entendeu o que estava acontecendo.

O funeral estava começando.

Primeiro, entrou o septão, Franklin Smith, liderando o cortejo e trajando as tradicionais vestes
cinzentas que marcavam sua posição dentro da religião dos Sete Filhos de Thórion. Ele era
seguido de perto por cinco acólitos, cada um carregando nas mãos um incensário que exalava
fumaça branca e impregnava todo o septo com o aroma adocicado de magnólia e lírio, suas
cabeças curvadas em respeito ao alfa sendo sepultado. Então, carregado por quatro homens,
vinha o caixão de madeira de carvalho em que Michael Grant descansaria até o fim dos
tempos.

Enquanto o cortejo atravessa o corredor o septo em direção ao altar, os olhos de Danny


inevitavelmente caíram sobre o maior entre os seis homens que carregavam o caixão de
Michael Grant, e ainda que ele já estivesse à uma distância considerável, Danny o reconheceu
imediatamente: James Grant, o único filho e herdeiro de Michael, futuro alfa da matilha de
Whiteoak.

- Ele não parece muito abalado, né? – Ryan sussurrou apenas para os ouvidos de Danny
ouvirem.

- Você não deveria dar ouvido à essas fofocas horríveis. – retrucou Danny, subitamente irritado
com o amigo.

- Elas não são apenas fofocas – Michael respondeu. – James e Michael se odiavam e nunca
fizeram questão de esconder isso.

- Mesmo que seja verdade, não é da nossa conta e nós não deveríamos falar sobre isso.
Principalmente hoje, principalmente aqui.

Naquele momento, o cortejo alcançou o altar e o caixão foi cuidadosamente depositado sobre
o suporte que fora colocado ali. Quando os quatro homens viraram-se para tomar seus lugares
nos bancos, Danny examinou rapidamente o rosto de James Grant e, apesar de tudo que
acabara de dizer, foi obrigado a concordar com Ryan: não havia qualquer vestígio de tristeza
no rosto angular do futuro alfa, apenas a mesma seriedade que Danny costumava achar nas
poucas vezes que eles se cruzaram. Então, por apenas um momento, Danny teve certeza que
James estava olhando para ele também, mas antes que o garoto pudesses decidir se estava
imaginando aquilo ou não, James sentou na primeira fileira de bancos, deixando Danny com o
cérebro em dúvida e o coração batendo acelerado no peito.

- Que a luz de Aalyana ilumine nosso caminho, irmãos e irmãs! – disse o septão Franklin em
voz alta.

- Iluminada seja! – responderam, em uníssono, todos os presentes.

Foi uma cerimônia menor e muito mais simples que Danny esperava. Ele nunca fora ao funeral
de um alfa antes, mas ele certamente imaginava que haveriam discursos emocionados e
homenagens grandiosas, corais de crianças com vozes angelicais e a execução de hinos
sagrados, e descobriu que estava completamente equivocado. O septão presidiu a cerimônia,
mas ninguém abriu a boca para celebrar a vida de Michael Grant, para dizer como ele fora uma
grande líder e como sua falta seria eternamente lamentada. Na verdade, aquilo acontecendo
no septo de Dorian nem ao menos parecia um funeral: não havia pessoas chorando ou
consolando-se, tampouco aquela sensação de luto generalizado que tomava uma comunidade
que acabara de perder um líder importante. Era como se aquilo fosse meramente uma
obrigação social, como se todos ali só estavam presentes porque não estar seria, como
Thomas dissera, uma grosseria imensa.

Após o fim da cerimônia, Ryan se despediu do amigo e Danny e Thomas tomaram parte no
cortejo que, novamente liderado pelo septão Franklin, levou o caixão de Michael Grant até o
cemitério que exista nas proximidades do septo de Dorian. Aquele era, na opinião de Danny,
um dos lugares mais belos do vilarejo, com vários jardins de flores de todas as cores
imagináveis, as pequenas lápides de bronze que marcavam os túmulos dos moradores de
Whiteoak aparecendo pontualmente entre árvores que abrigavam passarinhos em seus
galhos. O alfa, então, foi enterrado à sombra de um cedro frondoso e, por fim, os três
entraram na fila que fora formada para que todos os convidados pudessem cumprimentar
James.

À medida que a fila andava, Danny imaginava o que faria quando eles chegassem ao fim dela.
Ele leu uma vez que, em ocasiões como aquela, um abraço sincero e silencioso muitas vezes
era a melhor opção, mas, honestamente, aquilo seria ainda mais constrangedor que balbuciar
algumas palavras desastradas. Apesar de terem sido vizinhos durante toda a vida de Danny, ele
e o futuro alfa nunca tiveram nada além de poucas e breves interações. A opinião que o garoto
tinha de James era muito mais favorável que aquela que ele tinha – tivera – de Michael: James
sempre fora gentil com Danny, muitas vezes até desmontando sua característica carranca para
conceder um raro sorriso para o garoto. Porém, talvez até por causa da diferença de idade
entre os dois, eles nunca foram particularmente íntimos.

Danny deu uma pequena risada quando se lembrou da queda que nutriu por James durante
quase toda sua adolescência. Fora inevitável: sua posição como futuro alfa, além do fato de ser
um dos homens mais bonitos o vilarejo, fazia com que James fosse irresistível para
praticamente todas as meninas – e boa parte dos meninos – de Whiteoak. Com Danny não
fora diferente. Ele lembrava perfeitamente das noites que passou em claro na cama,
fantasiando com o momento em que James se ajoelharia diante ele e declararia para quem
quisesse ouvir que eles eram alma-gêmeas.
Era impossível, é claro. Danny era um ômega e ômegas simplesmente não eram alma-gêmeas
de futuros alfas. Ele eventualmente acabou superando sua paixonite, principalmente quando
os garotos da idade dele começaram a desenvolver os músculos que ele tanto gostava. Às
vezes, porém, Danny se pegava imaginando quem seria a sortuda ou o sortudo que se tornaria
a Lua da matilha de Whiteoak.

Quando eles estavam quase chegando ao fim da fila, Danny decidiu que estava se
preocupando demais. James certamente não dava a mínima para a presença dele ali, e menos
ainda para o que Danny tinha a dizer. O futuro alfa tinha praticamente todos os moradores de
Whiteoak mais que dispostos a beijar seus pés se ele assim desejasse e definitivamente não
precisava de consolo oferecido por um ômega. As chances eram de que James nem ao menos
se lembrava da existência do garoto e, com isso em mente, Danny acompanhou Thomas até
onde ele estava.

- Acabou agora. – Danny ouviu Thomas dizem em voz baixa para James.

Danny estranhou a escolha de palavras do pai, mas continuou imóvel onde estava. A cabeça
dele estava ligeiramente encurvada, os olhos pregados no chão e as mãos cruzadas naquela
patética postura de submissão que os lobos tantos gostavam.

- É, acabou. – James concordou com sua voz grave ridiculamente sexy. – Obrigado por ter
vindo.

- Eu não perderia de forma alguma – disse Thomas. – Você se lembra do Danny, é claro.

Então, Thomas passou um braço pelos ombros do filho e o puxou para perto de si e Danny,
amaldiçoando o pai por coloca-lo no centro das atenções, deu alguns passos até estar frente a
frente com James.

- Eu sinto muito pela sua perda, alfa. – ele disse, e sentiu vontade de morrer quando sua voz
saiu muito mais esganiçada que o normal.

- Valeu, campeão. Mas eu ainda não sou alfa, então você não precisa me chamar assim. –
respondeu James, sem fazer questão de esconder o humor na voz. – E você pode olhar pra
mim.

Então, para a mais absoluta surpresa de Danny, dois dedos longos e surpreendentemente
gentis seguraram seu queixo e delicadamente ergueram sua cabeça até que seus olhos
púrpuras fitassem diretamente os olhos azuis de James.

Ele era tão bonito quando Danny costumava imaginar em suas fantasias de adolescente. James
era alto, ainda maior que Thomas, e era tão forte quanto um alfa deveria ser, dono de ombros
largos e braços que, apesar de cobertos pelo terno preto, era visivelmente musculosos. Seus
cabelos era castanho-escuros, ondulados e curtos, e seu rosto era perfeitamente angular, com
um maxilar quadrado que pertencia à um príncipe de contos de fadas e olhos mais azuis que o
céu acima dos dois.

- Você tem olhos lindos, sabia?


Danny imaginou brevemente se era realmente possível que um corpo entrasse em combustão
espontânea e quanto tempo levaria para que aquilo acontecesse. Ele literalmente conseguia
sentir seu corpo pegando fogo com a vergonha, suas bochechas ficando, e pelo sorriso que
James tinha no rosto, o embaraço de Danny estava óbvio para ele também. O garoto olhou de
relance para Thomas, mas ele estava com toda a atenção concentrada em algo além dos
ombros de James, um sorriso quase imperceptível brincando em seus lábios. Danny estava
entendendo nada.

- Hum... obrigado, alf – ele interrompeu-se antes que desobedecesse uma ordem direta do
futuro alfa.

- Você pode me chamar só de “James”, se quiser – James disse, e antes que Danny pudesse
dizer qualquer coisa, ele continuou: - O Tom me contou que você terminou a escola?

- Sim, eu...

- Você vai fazer faculdade, né? Fazer medicina, seguir os passos do pai.

- Ah...

O que diabos estava acontecendo ali? Como James Grant, futuro alfa da matilha de Whiteoak,
sabia que Danny, de fato, pretendia cursar Medicina quando começasse a faculdade? Ainda
mais, por que diabos ele se importava com o futuro de Danny? O garoto olhou novamente
para Thomas, que continuava olhando, fascinado, para o nada, e naquele mesmo momento ele
ouviu sussurros vindos do restante da fila atrás dele, que ainda aguardava sua vez para
cumprimentar James. Eles queriam saber o que estava causando a demora, e ao perceberem
que o motivo se chamava Danny Buchanan, todos ficaram tão confusos quanto o garoto. Por
que o ômega estava recebendo tanta atenção de alguém tão importante?

- Nós não deveríamos continuar monopolizando sua atenção, James. – Thomas finalmente
falou, para o alívio infinito de Danny.

A reação de James foi imediata. Para a – ainda maior – surpresa de Danny, o lobo deu um
passo em sua direção e segurou com firmeza em seu braço direito. Os olhos, entretanto,
estavam fixos em Thomas, e a expressão de amigável divertimento que ele exibira para o
garoto fora bruscamente substituída pela mais pura hostilidade, tão feroz que Danny se
assustou. Thomas, porém, não se intimidou. Ele colocou uma mão sobre um dos ombros de
Danny e ergueu as sobrancelhas, devolvendo o olhar com a mesma determinação, e o garoto
pôde jurar que ouviu um rosnado soando pela garganta de James.

Todos os olhos estavam pregados nos lobos, confusos e curiosos com a repentina
agressividade. Os dois permaneceram naquele impasse por mais alguns segundos até que,
lentamente, como se nada no mundo pudesse causar menos satisfação, James soltou o braço
de Danny. Ele desviou novamente os olhos para o rosto do garoto e, numa velocidade
assustadora, aquele sorriso gentil que criava borboletas no estômago de Danny retornou,
quase como se nunca tivesse saído ali.
- Foi muito bom te ver – falou James, sorrindo como se os últimos minutos jamais tivessem
acontecido. – Espero que a gente se esbarre por aí.

- É, claro. Eu também.

- Por que você não aparece lá em casa, algum dia desses? – sugeriu Thomas, e Danny teve
certeza que ele estava se divertindo com aquela situação absurda. – Danny e eu iríamos
adorar.

James olhou para Danny como uma expressão estranha, quase como se ele quisesse ver o
garoto confirmando o que Thomas acabara de dizer, e quando ele assentiu rapidamente com a
cabeça, James abriu um sorriso tão largo, tão luminoso, que foi impossível para Danny não
sorrir também. Era como se o lobo tivesse esquecido completamente de onde eles estavam.

- Okay, eu vou fazer isso. – James afirmou, e seu entusiasmo era inegável. – Se cuida, beleza,
Danny?

- Você também.

Thomas guiou Danny para longe da sombra do cedro, do túmulo de Michael Grant e de se
filho, que havia, em questão de minutos, instaurado o mais completo caos na cabeça de
Danny. O garoto não teve coragem de olhar para trás, mas tinha certeza que conseguia sentir
aqueles olhos azuis fulminando suas costas enquanto seguia o pai. Ele reproduziu os últimos
momentos em sua cabeça, o modo como o lobo que por anos cultivara uma fama de sério
parecia genuinamente feliz em vê-lo, a delicadeza com que aqueles dedos tão fortes ergueram
seu rosto e a sinceridade na voz que elogiou os seus olhos. Aquele sorriso brilhante que
ameaçava ofuscar o próprio sol.

A mente de Danny estava à mil por hora, rapidamente criando e descartando teorias que
explicassem o que acabara de acontecer, mas sem considerar aquela que insistia em se
esgueirar pelos seus pensamentos, sem nem mesmo ousar cogitar aquela possibilidade... e
quando pai e filho cruzaram o portão de ferro que guardava o cemitério, Danny não conseguiu
mais controlar a boca.

- Você acha que ele vai mesmo aparecer lá em casa?

- Sim, eu tenho certeza que sim, se ele não estiver ocupado. – respondeu Thomas. – Você
gostaria que ele fosse?

Danny hesitou por vários segundos.

- Sim – ele, então, admitiu. – Eu acho que sim.


Capítulo 02: Dançando com lobos

Nos dias que sucederam o funeral de Michael Grant, Danny aguardou ansiosamente pelo
momento em que James cumpriria sua promessa de visita-lo. Como de costume, ele passava
os dias em seu quarto, assistindo séries e lendo livros, e sempre que ouvia a campainha
tocando, Danny transformava-se em uma menina de doze anos sofrendo sua primeira paixão:
seu coração disparava, as palmas de suas mãos suavam descontrolas e ele prendia a
respiração, sem ousar fazer o menor dos ruídos, tentando ouvir o que estava acontecendo no
andar de baixo.

Em nenhuma daquelas vezes era James quem estava na porta. Era Derek Chilton, ou Tony
Rhodes, ou aquela mulher que fazia parte do conselho de Whiteoak que Danny suspeitava que
estava apaixonada por Thomas, ou qualquer uma das dezenas de pessoas que decidiram visitar
o pai de Danny naquela semana – sério, quando ele se tornou um homem tão popular? -, mas
nunca James Grant. E sempre que aquilo acontecia, inevitavelmente, Danny sentia-se a pessoa
mais estúpida da face da Terra.

No fundo, ele sabia que não deveria ter colocando tanta fé na palavra de James. Ele era um
homem legal, mas ele ainda era um lobo, o futuro alfa da matilha de Whiteoak e, para homens
como ele, ômegas como Danny serviam para apenas um propósito: sexo. Danny não ficaria
tremendamente surpreso se, afinal, a suposta gentileza que James demonstrara no funeral
fosse apenas um modo de leva-lo para a cama. Aquela certamente não seria a primeira vez
que um lobo fora simpático com Danny apenas para, depois, mostrar o que realmente queria
do garoto.

Mas, ainda assim, o garoto não conseguia impedir-se de espiar pela janela de seu quarto na
esperança de ver um homem alto e de olhos azuis seguindo em direção à sua casa.

Então, Danny fez o possível para simplesmente esquecer aquela situação com James e, em
alguns momentos, ele até conseguiu. Naquela manhã, Danny estava aninhado na
ridiculamente confortável poltrona de estimação de Thomas, absorto num livro velho de
Agatha Christie que ele achara esquecido na bagunça de seu quarto quando os as quatro notas
musicais da campainha ecoaram pela sala de estar da casa dos Buchanan. O garoto considerou
uma evolução notável o fato de ele ter sentindo-se esperançoso por apenas alguns segundos
antes de levantar-se para receber seja lá quem estava visitando o pai daquela vez.

Era Ricky Tran.

Ricky era, na opinião de Danny, o garoto mais bonito da escola que ambos estudaram durante
toda adolescência. Danny nem sabia que o ele mais gostava no lobo; se eram os músculos que
ameaçavam rasgar a camisa branca que ele usava naquele dia; ou se eram os cabelos lisos,
bem pretos, caprichosamente penteados; ou aqueles olhos puxadinhos absolutamente
adoráveis que o garoto descobrira ser herança de seus antepassados do sudeste asiático e que
imediatamente destacavam Ricky da massa de garotos brancos que era majoritária em
Whiteoak.

A primeira coisa que Danny fez ao ver o garoto que ele meio-que-gostava parada na porta d
sua casa foi dizer repetidamente para si mesmo que aquilo muito provavelmente não
significava nada. Ricky certamente estava lá para uma consulta com Thomas; ou para pedir
uma xícara de açúcar; ou para qualquer outra coisa que não fosse ver Danny, e ele não poderia
esquecer aquilo. O garoto descobriu, no entanto, que quando Ricky Tran exibia aquele já
infame sorriso de lado que conquistara o coração incauto de diversos garotos, era impossível
permanecer realista.

- E aí, Buchanan? – Ricky o cumprimentou. – Eu queria trocar uma ideia contigo... é uma hora
ruim?

Hora ruim?, Danny pensou consigo mesmo. A casa de Danny poderia estar em chamas e ainda
assim não seria uma hora ruim para conversar com Ricky Tran.

- Não, não. Eu não tô fazendo nada importante... como você tá?

- Tudo tranquilo, e contigo? Curtindo muito as férias?

- Sim, bastante! Eu até perdi a conta de quantas séries eu maratonei nesses últimos dias.

Assim que aquelas palavras saíram de sua boca, Danny arrependeu-se profundamente de tê-
las dito. Ele percebeu, tarde demais, que quando falava daquele jeito ele parecia um fracasso
sem qualquer resquício de vida social... o que não era falso, mas que também era algo que
Ricky definitivamente não precisava saber. O lobo, porém, deu uma risada aparentemente
genuína, e quando ele falou novamente, não havia qualquer vestígio de malícia em sua voz.

- Você não é de sair muito, né?

- É, eu sempre fui mais na minha. – Danny concordou, aliviado por não ter estragado o
momento com sua boca enorme.

- É uma pena que a gente nunca tenha se falado direito desses anos todos estudando juntos. –
disse Ricky. – Mas nunca é tarde pra começar, né?

Danny hesitou por um momento.

- Acho que não.

Ricky subiu para o segundo dos três degraus que davam acesso à porta da casa dos Buchanan e
Danny, ao ver o lobo aproximando-se dele, teve que resistir ao impulso de dar um passo para
trás. Ele não é uma ameaça!, Danny ralhou consigo mesmo, mas Ricky continuava sorrindo
para ele, quase como se estivesse se divertindo com o nervosismo do garoto, e Danny não
sabia dizer se aquilo era positivo ou não.

- Você sabe que o James vai ser coroado hoje, né? De noite?

Era claro que Danny sabia. Thomas era um dos membros do conselho do vilarejo, o que
significava que ele estava diretamente envolvido com todos os detalhes dos preparativos da
cerimônia que oficializaria James como alfa da matilha de Whiteoak. Com o fim do buzz
causado pela morte inesperada de Michael, aquele se tornara o assunto preferido de
praticamente todos e nem mesmo Danny, que fazia o possível para não se envolver com as
fofocas de Whiteoak, passara incólume.
- Sim, claro. Você vai na cerimônia?

- Nem a pau, essas cerimônias são chatas pra caralho. – respondeu Ricky, fazendo Danny rir. –
Mas a festa que vai rolar depois, essas eu não perco por nada.

- É, elas são bem animadas mesmo.

- Quer ir comigo?

Demoraram alguns segundos até que Danny compreendesse o significado daquelas palavras,
mas então caiu a ficha de que, de alguma forma, Ricky estava o chamando para sair. Danny
sentiu o rosto ficando corado, o que fez o lobo dar um sorriso inegavelmente afetuoso e
aproximar-se ainda mais dele. Ricky segurou uma das mãos de Danny, brincando com seus
dedos num gesto de intimidade que causou a erupção de vários arrepios no corpo do garoto,
os músculos do braço flexionando-se maravilhosamente sob sua pele bronzeada.

- Eu gosto de você, Buchanan – disse Ricky em voz baixa. – E eu sei que você vai pra faculdade
e que lá vai ter uma fila enorme de caras querendo te conhecer, então essa é a minha última
chance... o que você me diz?

- Sim – Danny respondeu num sussurro, porque aquela era a única resposta que ele poderia
dar. – Sim, eu adoraria ir contigo.

- Valeu, Buchanan. Ah, o pessoal vai fazer um esquenta num bar em Rochester, você tá afim de
ir?

Daquela vez, Danny hesitou.

- Eles não vão se incomodar se eu for? – ele questionou, porque sabia que as chances daquilo
acontecer não eram inexistentes.

- Não, claro que não. Mas se algum mexer contigo, é só me falar que eu do um jeito, beleza?

Danny queria dizer que sim. Ele passara os últimos meses cultivando silenciosamente aquela
quedinha por Ricky, observando- à distância e desejando mais do que tudo que conseguir sua
atenção, mas sem jamais ousar tomar qualquer atitude por causa das barreiras sociais que
existiam entre os dois. E agora Ricky estava ali, chamando-o num encontro, e por mais que o
garoto estivesse animado ele não conseguir não pensar no quanto ficaria desconfortável na
presença de outros lobos.

Até que Danny teve uma ideia.

- O Ryan pode ir também?

- Ryan Hammond? – Ricky perguntou, e deu uma risadinha quando Danny assentiu. – Claro! O
Aaron vai adorar ver ele lá.

Danny não sabia quem era Aaron e, naquele momento, não fazia a menor ideia de descobria
quem era. Ele deu o número do celular para Ricky, que prometeu que entraria em contato em
breve e, para a decepção de Danny, disse que tinha que ir embora. Ricky explicou que
prometera à mãe que a acompanharia ao supermercado para ajuda-la a carregar as sacolas, o
que deixou Danny um tantinho mais apaixonado, pois além de lindo e carinhoso, Ricky Tran
também era um filho atencioso. O lobo despediu-se, mas só foi embora após dar um beijo
estalado no rosto de Danny, e o garoto teve certeza que nenhuma humano chegara tão perto
de ser capaz de flutuar quanto ele naquele momento.

Ele, no entanto, não ficou suspirando ali por muito tempo. Volytou para dentro de casa por um
momento apenas para calçar rapidamente uma sandália qualquer, e logo saiu também. Ryan
precisava saber o que acabara de acontecer.

-----

- De jeito nenhum, Danny.

- O que? Por que não?

Era de tarde e Ryan estava cozinhando o próprio almoço quando Danny apareceu em sua casa,
praticamente saltitando de alegria. Ele estava cortando uma cenoura em rodelas quando jogou
um balde de água fria na animação de Danny que, de onde estava sentado no banco que ficava
junto ao balcão da cozinha, lançou para o ruivo um olhar de profunda indignação. Ryan, no
entanto, não pareceu se importar tanto assim.

- Você parece um filhotinho de cachorro quando faz essa cara de mal, Danny – Ryan brincou,
mas logo viu que não ia conseguir distrair o ômega. – O Ricky convidou quem? Eu ou você?

- Eu, mas ele disse que você pode ir também!

- E por que eu iria querer ficar segurando vela no seu encontro?

- Não vai ser assim! – exclamou Danny. – O Ricky disse que vai ter uma galera lá, os amigos
dele. Ele até disse que um tal de Aaron ia adorar que você fosse!

- Aaron? Aaron Crawford?

Danny deu de ombros.

- Se Aaron Crawford quer sair comigo, ele que venha me chamar, não pedir pro amigo dele
pedir pra você falar comigo.

- Por favor, Ry! – Danny choramingou. – Eu não posso ir sozinho, eu não conheço nenhum dos
amigos do Ricky!

- E eu conheço? – replicou Ryan. – Você pelo menos vai ter o seu namorado pra ter dar
atenção, e eu? Vem cá, vem me ajudar com essas batatas.

Relutantemente, Danny juntou-se a Ryan na pia da cozinha e aceitou a faca que ele o oferecia.
Desde que fora morar com o tio, Ryan tornara-se o responsável pelas refeições dos dois, e
Danny imaginou que, se o ajudasse, as chances do amigo mudar de ideia sobre o encontro no
bar em Rochester aumentariam.

- Eu fico meio surpreso que você esteja querendo arrumar um namorado logo agora que você
vai começar a faculdade. – comentou Ryan.

- Ei, ninguém falou nada sobre namoro – respondeu Danny, apesar de são completamente
contra a possibilidade. – Eu só quero me divertir um pouco com um cara gosto enquanto eu tô
de férias, que mal tem nisso?

- Mal nenhum. E eu tenho certeza absoluta que você e Ricky são capazes de se divertir sem
mim.

Danny bufou.

- Você sabe que não vai morrer se fizer alguns amigos aqui em Whiteoak, né?

- Eu já fiz um amigo – Ryan respondeu prontamente. – E ele é tão legal que eu não preciso de
mais nenhum.

Danny revirou os olhos com a óbvia tentativa de puxa-saquismo de Ryan, mas foi impossível
para ele não sorrir com a declaração exagerada do amigo. Sim, Danny estava extremamente
animado com Ricky e todas as possibilidades que o futuro guardava à eles, mas a melhor coisa
que acontecera ao garoto naquele ano, sem a menor dúvida, fora conquistar a amizade de
Ryan.

Crescer como um ômega em uma comunidade lycana não fora fácil. Danny aprendera desde
muito jovem a separar os moradores de Whiteoak em duas categorias: aqueles que achavam
que ômegas eram criaturas abomináveis e indignas de viver no mesmo lugar que lobos puros e
suas famílias perfeitas; e aqueles que eram incapazes de enxergar além de sua beleza
excepcional. Portanto, é claro, Danny fora uma criança solitária e um adolescente mais ainda,
tendo apenas Thomas como a única presença constante em sua vida, até a chegada de Ryan
no vilarejo.

Danny interessara por Ryan desde a primeira vez que o vira. Era bastante óbvio que o então
recém-chegado era um lobo, tão alto e forte quanto Ricky ou qualquer outro membro da
matilha; mas, ao mesmo tempo, Danny tinha certeza que havia algo de sobrenatural na beleza
do ruivo. Ryan não era um ômega, mas era o mais próximo de um semelhante que Danny já
encontrara e ele não conseguiu segurar a curiosidade. É claro que o garoto nunca fora capaz
de reunir a coragem necessária para tentar uma aproximação, então coube a Ryan dar o
primeiro passo.

A verdade que Ryan estava tão desesperado por um amigo quanto Danny, talvez até mais.
Todos em Whiteoak sabiam que os Hammond eram uma família tradicional e antiquada que
jamais aceitara o envolvimento da mãe de Ryan com o pai dele, um ômega, mas havia a
expectativa geral de que as circunstâncias terríveis que causaram a ida do lobo para a casa de
Robert fossem capazes de reparar quase duas décadas de mágoa e ressentimento. Entretanto,
vários meses haviam se passado, tio e sobrinho ainda eram estranhos morando sob o mesmo
teto e Danny continuava sendo a única pessoa com quem Ryan criara algum tipo de vínculo.

Os pensamentos de Danny foram subitamente interrompidos quando a porta da frente da


casa de Ryan abriu e fechou com um estrondo que assustou os dois garotos na cozinha. Danny
deixou a faca que ele usava cair na pia com um clangor ensurdecedor no cômodo
repentinamente silencioso; e sentiu o sangue congelando nas veias, pois Robert Hammond
estava em casa e ele definitivamente não deveria estar ali.

- Você disse que ele trabalhava durante o dia! – sibilou Danny, tentando controlar o pânico
que começava a crescer dentre ele.

- Ele trabalha – respondeu Ryan. – Merda. Okay, relaxa. Ele não é doido de fazer alguma coisa
contra você.

Qualquer resposta que Danny pudesse dar, porém, foi esquecida no momento que ele ouviu o
som de botas pesadas que indubitavelmente seguiam na direção da cozinha onde ele estava, e
teve tempo apenas para apertar o braço de Ryan com força antes que as a figura corpulenta
de Robert aparecesse na frente dele.

No passado, Danny teve certeza que Robert fora um homem atraente e desejado pelas
mulheres, mas alguma coisa – provavelmente o vício – apagara qualquer vestígio de beleza
que ele pudesse ter. O rosto do tio de Ryan era repleto de rugas e muito envelhecido além dos
cinquentas anos que ele tinha, quase completamente oculto por uma barba espessa e grisalha
e com olhos castanhos de escleras avermelhadas envoltos por profundas olheiras. Além disso,
Robert trazia consigo o inconfundível perfume florar de acônito, e Danny perguntou-se
quantos copos de mata-lobos Robert tomara naquela manhã.

- Aconteceu alguma coisa, Robert? – perguntou Ryan, a hostilidade em sua voz tão clara que
Danny se encolheu aonde estava.

- Nada com que você deva se preocupar – o tio dele resmungou, e apontou para Danny com o
queixo. – O que ele tá fazendo aqui?

Ryan abriu a boca, mas antes que ele pudesse dar uma resposta que obviamente seria
extremamente grosseira, Danny decidiu intervir.

- O senhor não precisa se incomodar, eu já tô de saída. Eu nunca quis incomodar o senhor,


desculpa.

- Você não precisa...

Ryan foi novamente interrompido, dessa vez por Robert.

- Ele sabe que não deve trazer os amigos sem a minha permissão. – disse o lobo. – É melhor
você ir embora mesmo, garoto.

Danny assentiu respeitosamente, mas teve que morder a língua para não ceder à vontade de
retrucar que quando Robert dizia “amigos”, ele queria dizer “ômegas”. Ao menos o lobo foram
surpreendentemente educado ao expulsá-lo de lá, e foi com aquilo na cabeça, que a situação
poderia ter sido mil vezes pior, que Danny despediu-se de Ryan, rapidamente assegurando o
amigo que tudo estava bem e prometendo que o ligaria no dia seguinte para contar os
detalhes do encontro com Ricky, e foi embora, mas mal havia deixado a varanda da casa de
Robert quando sentiu o celular vibrando no bolso do short que usava.

Desculpa por isso tudo, lia a mensagem que Ryan mandara para ele.

Não esquenta, não é culpa sua, Danny respondeu, e pensando que não custava nada fazer uma
última tentativa, ele adicionou: Mas se você estivesse sentido muito culpado, você pode me
compensar indo comigo hoje de noite!

Danny não esperava que a pequena chantagem emocional fosse funcionar, então quase deu
um grito quando recebeu a resposta de Ryan.

Tá, que merda, eu vou contigo! Eu odeio você, Daniel.

Rindo, Danny escreveu de volta que amava Ryan e que o veria às 19 horas em ponto, e quando
o garoto estava de volta à sua casa, novamente sentado na poltrona preferida de Thomas com
o livro de Agatha Christie aberto em suas mãos, ele pensou que, talvez, deveria mandar uma
garrafa de mata-lobos para Robert Hammond como agradecimento.

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