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A sociedade internacional, composta principalmente por um elevado número de

países com culturas diversas e regulados pelos mais variados ordenamentos jurídicos,
teve que se adequar a uma realidade internacional de interação cada vez mais intensa
entre os mesmos nos mais diversos ramos, político, mercantil, social, bélico,
humanitário, etc. E assim como as pessoas, que tiveram a necessidade de normas para
garantirem a harmonização de seus interesses, a sociedade internacional apresenta a
mesma necessidade, sendo um assunto de grande controvérsia doutrinária e
jurisprudencial a legitimidade para o estabelecimento de uma ordem internacional e o
poder que esta teria diante dos Estados soberanos.

Com o afloramento dos direitos humanos no campo internacional, consolidou-se


a idéia de que todos os Estados têm a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus
cidadãos, não dispondo estes de poder para reduzir o domínio reservado à dignidade da
pessoa humana, apresentando-se como matéria de legítimo interesse internacional.

A dificuldade em estabelecer a relação entre o direito interno e direito


internacional se norteia sob dois prismas: os meios de introdução ao ordenamento
interno e a hierarquia assumida por estas normas. Para solucionar tal problemática
surgiram algumas teorias como a monista e a dualista.

Para a teoria monista, o Direito interno e o Internacional formam uma mesma


ordem jurídica, pois o Direito é um só, não havendo necessidade que o Estado crie uma
lei ou pratique um ato formal para recepcionar o conteúdo do tratado que ratificou como
membro da Comunidade Internacional, para que o mesmo tenha vigência interna.

A teoria monista se divide em duas correntes quando se posiciona quanto à


primazia do Direito interno ou Internacional em caso de conflito de normas: o monismo
nacionalista e o monismo internacionalista.A teoria do monismo nacionalista privilegia
o Direito interno, enquanto a teoria do monismo internacionalista dá primazia ao Direito
Internacional.

O monismo internacionalista chamado também de monismo lógico ou


normativista, justifica a unicidade do Direito interno e internacional no próprio Direito,
sustentando que o direito interno deriva do Direito Internacional, que lhe é
hierarquicamente superior, e que, as normas internacionais sempre devem prevalecer no
caso de conflito com as normas internas tendo como norma fundamental pacta sunt
servanda, dando origem e obrigatoriedade a todas as normas internas do Estado.

O monismo nacionalista defende em caso de conflito de normas internas e


internacionais, a primazia do Direito interno, pelo fato do Estado ser um ente de
soberania absoluta, encontrando, o Direito Internacional, a sua obrigatoriedade no
direito interno.

A teoria dualista, parte da concepção que o Direito interno e o Internacional são


duas ordens jurídicas autônomas e independentes, sendo que o Estado precisa criar uma
lei para recepcionar em seu ordenamento jurídico o conteúdo do tratado que ratificou na
Comunidade Internacional, para que o mesmo tenha vigência interna, ou pelo menos se
manifestar internamente, através do poder competente, realizando o procedimento
chancelador das obrigações que assumiu internacionalmente. Esse procedimento
chancelador seria um Decreto de execução ou um regulamento.

O dualismo entende que não há conflito entre normas internas e internacionais, e


sim conflito entre normas de direito interno, uma vez que um tratado incorporado ao
ordenamento jurídico de um Estado, passa a ser uma norma interna, sendo o conflito
entre o tratado incorporado e as demais normas internas, um conflito de normas que não
interessa ao Direito Internacional.

De acordo com tais ditames, para a teoria monista, celebrado um tratado


internacional, este seria de observância obrigatória na esfera interna do País, sem a
necessidade de qualquer outro ato para a sua internalização; e, para a teoria dualista,
para a introdução de normas internacionais no sistema interno é indispensável que haja
um ato de sua recepção. Assim, no caso de não incorporação de um tratado
internacional, com o qual houvesse o Estado se comprometido, não há sua imposição na
ordem interna pelos demais signatários do acordo internacional, podendo somente
ocorrer a sua responsabilização no âmbito internacional.

Assim, verifica-se que o monismo dá ensejo a possíveis conflitos entre as


normas internas e as internacionais. Para a solução de tal questão, seus adeptos
apresentam três mecanismos diversos, a saber: supremacia do Direito interno,
considerando-se as normas internacionais como desdobramento do primeiro;
supremacia das normas internacionais – corrente a qual se filiam a maior parte dos
monistas – reconhecendo que a autonomia estatal possui limite no ordenamento
internacional; e, por fim, o entendimento de que normas de Direito interno e externo são
equivalentes, devendo os eventuais conflitos ser solucionados por meio de critérios
predeterminados, tais como o da prevalência da norma mais recente – o chamado
monismo moderado.

A doutrina majoritária posiciona-se no sentido de que o ordenamento jurídico


pátrio adotou a doutrina dualista para todos os tipos de tratados internacionais, inclusive
aqueles que tratam de direitos humanos, pois não há a sua recepção imediata diante do
que prevê o artigo 5º, §3º, da Constituição Federal.

Superado o ponto da incorporação dos tratados internacionais, surge outro


questionamento: o status hierárquico que estes passam a ocupar após a sua incorporação
no sistema pátrio. A doutrina e a jurisprudência não são unânimes, podendo-se
identificar quatro teorias que se destacam de acordo com o caráter que conferem às
normas internacionais, em especial para os referentes a direitos humanos: caráter legal,
supralegal, constitucional e supraconstitucional.

Os adeptos da teria do caráter legal das normas internacionais sustentam que os


tratados internacionais – inclusive os referentes a direitos humanos – e as leis federais
possuem paridade hierárquica. Eventuais conflitos devem ser solucionados tendo-se em
vista o princípio de que lei posterior derroga lei anterior com ela incompatível. Assim, a
lei posterior prevaleceria, pois é expressão última da vontade do legislador.

Este era o posicionamento do STF, desde 1977 até a edição da Emenda


Constitucional n. 45, de 2004, inclusive em relação aos tratados que dispunham sobre
direitos humanos. Saliente-se que, em 1995, julgando habeas corpus em demanda que
tratava de prisão civil de depositário infiel na alienação fiduciária em garantia, o
Supremo Tribunal Federal manteve este posicionamento.

Para a teoria que defende o caráter supralegal das normas internacionais, os


tratados de direitos humanos possuiriam hierarquia infraconstitucional, mas supralegal.
Ou seja, estariam subordinados à Constituição Federal, mas possuiriam hierarquia
superior às normas infraconstitucionais brasileiras. Haveria, ainda, a possibilidade de
aplicação direta de suas regras. A edição de uma lei ordinária posterior teria a função de
especificar as regras internacionais, bem como ampliá-las, complementando-as.
No julgamento do RHC 79.785/RJ pelo STF, o Ministro Sepúlveda Pertence
defendeu tal tese, realçando que igualar os tratados referentes a direitos humanos à
legislação infraconstitucional ocasionaria um esvaziamento do sentido do §2º do artigo
5º da Constituição, que traduziu uma abertura significativa ao movimento de
internacionalização dos direitos humanos.

Refutando tal teoria, a doutrina especializada em direitos humanos, defende o


caráter constitucional dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos.
Até mesmo antes da edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, esta corrente já
sustentava que o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal pode ser caracterizado como
uma cláusula constitucional aberta, permitindo a incorporação desses direitos na ordem
constitucional pátria, incluindo-os no rol das normas que possuem aplicabilidade
imediata. Ou seja, seria desnecessário o processo legislativo de incorporação dos
tratados internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro.

Tal interpretação decorrre, principalmente, do caráter de prioridade que o


legislador constitucional atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade
da pessoa humana. As normas internacionais fariam parte, assim, do chamado “bloco de
constitucionalidade”, até mesmo pela natureza materialmente constitucional dos direitos
humanos e, principalmente, pelo fato de que estes tratados integrariam o chamado jus
cogens – direito cogente e inderrogável.

Para essa tese, os eventuais conflitos entre a norma internacional e a


Constituição deveriam ser resolvidos pela aplicação da norma mais favorável ao
indivíduo protegido – por meio da ponderação de valores em conflito –, havendo, assim,
uma constante interação entre esses dois sistemas jurídicos em prol da máxima
efetividade e proteção do valor dignidade da pessoa humana. Aqui, portanto, abstrai-se
das soluções propostas pelas teorias monistas e dualistas. Em contrapartida, sustentam
seus aptos que nos demais tratados internacionais, em especial aqueles que versem
acerca de matéria comercial e diplomática em geral há uma paridade hierárquica com a
lei ordinária federal.

Em maio de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça no julgamento do RHC


18.799, decidindo questão referente à prisão de depositário infiel, posicionou-se no
sentido de que, embora o Pacto de São José da Costa Rica tenha sido aprovado com
quorum de lei ordinária, com a inclusão do §3º no artigo 5º da Constituição Federal –
que tem, na visão deste Tribunal Superior, eficácia retroativa – este passou a ter força de
emenda constitucional. Ou seja, aderiu ao caráter constitucional dos tratados
internacionais que versem sobre a matéria de direitos humanos. Salientou, ainda, o
Tribunal nesta decisão que o referido Pacto nunca foi revogado ou retirado do
ordenamento pátrio.

Ressalte-se que o citado artigo 5º, §3º, ao instituir o rito especial para a
incorporação das normas internacionais sobre direitos humanos à Constituição, reforça
o entendimento do Supremo Tribunal Federal de os tratados que não se submetem ao
rito especial terão hierarquia legal.

Por fim, os defensores da teoria do caráter supraconstitucional dos tratados


internacionais o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal confere, ainda que de forma
implícita, grau supraconstitucional a todo Direito Internacional dos Direitos Humanos,
derivados tanto de fonte consuetudinária como convencional. A expressão “não
excluem” contida no §2º não seria meramente quantitativa, significando que, em caso de
eventuais conflitos, as normas internacionais de direitos humanos prevaleceriam sobre
as normas constitucionais. Ressaltam que isso não significa que o poder do Estado seja
uma delegação do Direito Internacional, mas que este constitui um limite jurídico ao
dito poder.

Com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 buscou-se pacificar esse


dissenso doutrinário e jurisprudencial, na medida em que a incorporação do §3º ao art.
5º propõe justamente que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas
constitucionais”. Desse modo, a reforma constitucional ressaltou o caráter especial dos
tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os
Estados pactuantes, apontando para a insuficiência da tese da paridade dos primeiros
com as leis ordinárias, bem como ressaltando a necessidade de incorporação dos
tratados sobre direitos humanos mediante do processo legislativo semelhante ao das
emendas constitucionais.

Diante dessa reforma constitucional, passou-se a discutir, ainda, a questão do


status que é conferido às normas internacionais de direitos humanos incorporadas ao
sistema jurídico brasileiro antes da Emenda Constitucional n. 45/2004. Há quem
defenda que estes não possuem caráter constitucional se não foram submetidos ao
processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional. Contudo, o
legislador ordinário não estaria impedido de submeter tais normas ao processo
legislativo especial de aprovação previsto no §3º do artigo 5º.

Ressalta-se, por fim, que o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE


466.343/SP, decidiu pela insubsistência das normas constitucionais e
infraconstitucionais atinentes à prisão civil do depositário infiel. Nesse julgado a Corte
Suprema assentou que, mediante interpretação do artigo 5º, inciso LXVII e §§1º, 2º e 3º,
da Constituição federal à luz do art. 7º, §7º, da Convenção Americana de Direitos
Humanos, é ilícita a prisão civil de depositário infiel em qualquer que seja a modalidade
de depósito.

Conclui-se que após a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, passou-se a


ter três níveis hierárquicos de tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro,
conforme a interpretação do Supremo Tribunal Federal: os tratados de direitos humanos
aprovados pelo quorum qualificado, após a emenda, que têm hierarquia de norma
constitucional; os tratados de direitos humanos aprovados pelo quorum simples, antes
da emenda, que têm hierarquia de norma supralegal; e os tratados comuns ou
tradicionais que têm hierarquia de norma infraconstitucional.

Desse modo, verifica-se a tendência de evolução da jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal no sentido conferir hierarquia supralegal aos tratados internacionais
que versem sobre matéria de direitos humanos – conferindo máxima efetividade ao
princípio da dignidade da pessoa humana – e mantendo o entendimento do status de
paridade com as leis ordinárias quanto às demais normas internacionais.

A realidade internacional contemporânea está exigindo a adequação do


ordenamento jurídico brasileiro às suas transformações, de modo que internamente seja
garantida a efetividade das normas previstas em tratados pactuados pelo Brasil, normas
essas que refletem todas as mudanças ocorridas no cenário internacional.

Conforme foi ressaltado, a efetividade das normas internacionais no


ordenamento jurídico brasileiro depende de uma tomada de decisão do legislador
constituinte neste sentido. A Constituição brasileira deve prever de forma expressa qual
é a hierarquia dos tratados, sejam eles de direitos humanos ou tradicionais, a fim de
acabar com a lacuna referente ao relacionamento entre as normas internas e
internacionais, lacuna essa que “resultou numa doutrina desencontrada e numa
jurisprudência vacilante”.

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