Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Victor Sena
1
A cultura da mobilidade e o consumo de notícias: uma análise d as
estratégias digitais mobile do jornal O Estado de São Paulo
Seropédica
Julho, 2017
2
A cultura da mobilidade e o consumo de notícias: uma análise das estratégias
digitais mobile do jornal O Estado de São Paulo
Grau:
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, meu agradecimento é à minha orientadora Simone Orlando, que desde o
início da minha graduação contribuiu para o meu crescimento intelectual e interesse pelos
temas relacionados ao jornalismo e novas tecnologias. Agradeço à sua paciência, carinho,
cuidado, conselhos, ouvidos, direcionamento e por me fazer acreditar capaz de concretizar
esse trabalho.
O agradecimento especial vai para a minha família, que sempre apoiou as minhas escolhas
profissionais e pessoais. Sem seu suporte, não seria possível iniciar, me manter e concluir a
minha graduação. Obrigado mãe, pai, dinda, cunhada e tia, por terem sido sempre um porto
seguro.
Aos amigos e colegas que passaram, passam ou ficaram na minha vida deixando alguma
marca positiva minha vida acadêmica, um obrigado cheio de saudades de cada momento
vivido em sua companhia.
Agradeço também à banca escolhida para avaliar meu trabalho, que é referência nos temas
do curso e sempre estiveram na vanguarda do nosso corpo docente.
Não posso deixar de agradecer à Universidade Rural, por ter me acolhido e feito com que eu
vivesse os melhores anos da minha vida.
Por fim, agradeço ao universo e ao acaso, que sempre trazem para nossa vida o resultado
das nossas escolhas e ensinam da maneira que a gente precisa que é caminhando que se faz
o caminho. A gratidão, aqui, é por tudo. Não abro de nada vivido, nem do que é áspero.
5
"No momento em que nos comprometemos, a providência divina
também se põe em movimento. Todo um fluir de acontecimentos surge
ao nosso favor. Como resultado da atitude, seguem todas as formas
imprevistas de coincidências, encontros e ajuda, que nenhum ser
humano jamais poderia ter sonhado encontrar. Qualquer coisa que
você possa fazer ou sonhar, você pode começar. A coragem contém em
si mesma, o poder, o gênio e a magia.”
Goethe
6
RESUMO
Este trabalho aborda, em um primeiro momento, a alteração cultural e social provocada pela
disseminação de smartphones, entendendo a contemporaneidade como um contexto onde
uma nova dinâmica de comunicação surge. Isso leva por consequência a indústria jornalística
a acompanhar o perfil cognitivo do consumidor de conteúdo, apostando nos dispositivos
móveis como suporte e focando seu modelo de negócio em assinaturas digitais. No segundo
nível, esmiuçamos a expertise adquirida do jornal O Estado de São Paulo na produção do
jornalismo mobile.
ABSTRACT
This essay firstly discusses a cultural and social evolution caused by the daily dissemination
of smartphones, understanding contemporaneity as a context where a new dynamic of
communication emerges. This leads the journalistic industry to follow the consumer's
cognitive profile, betting on mobile devices as platform and focusing their business model on
digital subscriptions. In the second part, we explore the experience acquired by the
newspaper O Estado de São Paulo in the production of mobile journalism.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 12
2.5 Potenciais e desafios do mobile como suporte de notícias e os caminhos do jornalismo ...67
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................94
8
9
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 2 – Imagens de palmtops e celulares de primeira geração - Fonte: Google Images. ................29
Figura 4 –Ipad Pro (Apple, 2016) - Galaxy Tab S3 (Samsung, 2016) – Fonte: Google Images. .............33
Figura 5 – Site do Jornal Folha de SP, que exemplifica a estrutura do tridente. ..................................44
Figura 7 – Mesmo artigo, sobre atentado no Reino Unido, aberto no Instant Articles (à esquerda) e no
navegador do celular. .......................................................................................................................56
Figura 8 - Gráfico retirado da pesquisa State of News Media 2015: “Receitas de propaganda em
jornais vindas do digital e impresso” ....................................................................................... 58
Figura 9 – O gráfico mostra o percentual de queda na circulação de jornais impressos nos Estados
Unidos ano após ano ............................................................................................................. 59
Figura 10– Os gráficos mostram o crescimento do investimento publicitário nos ambientes digitais e
o crescimento do interesse pelos dispositivos móveis .......................................................................60
Figura 12– O gráfico mostra que pessoas mais velhas tendem a confiar mais nas notícias. ...............69
10
Figura 21 – Opção de permitir notificações por push no aplicativo ......................................... 81
Figura 22 – Lista dos arquivos das edições impressas para download ................................... 82
11
INTRODUÇÃO
12
Uma das marcas dessa transição é a decaída de venda dos jornais impressos, com
queda da receita das empresas com um movimento em que a publicidade online em sites
não jornalísticos cresceu e o perfil do leitor mudou. Ele, hoje, usa as redes sociais como
central de informação, consome pelo celular e não está muito interessado em pagar por
informação. O que os jornais fizeram com essa mudança de cenário? Essa é uma das
perguntas da pesquisa. Vamos adiantar algumas respostas: os jornais investiram em
interfaces sofisticadas para dispositivos móveis — e com uma boa usabilidade tentam
garantir audiência — e admitiram que a publicidade online não seria suficiente para
compensar o que foi perdido com a diminuição de leitores e anúncios dos jornais impressos.
Com isso, pode-se encarar como definitiva a estratégia de cobrar assinaturas digitais dos
leitores.
No primeiro capítulo, discutimos o sentido da mobilidade no aspecto mais amplo e
procuramos mostrar como dispositivos móveis alteram a geografia da rede com a sua
disseminação. Ela passa a ser fluída, distendida, mutável. O acesso não é mais a partir de
pontos fixos. Vivemos a era da ubiquidade. Como pano de fundo, esmiuçamos como
acontece a adoção de novas tecnologias, como os dispositivos móveis ultrapassaram os
desktops na venda e utilização e as diferenças entre as gramáticas de suas interfaces.
Em seguida, no segundo capítulo, a discussão começa em entendermos quem é esse
leitor de conteúdo ubíquo, que acessa, por exemplo, o conteúdo digital a caminho do
trabalho. Aqui, começamos a discutir como o jornalismo é afetado por essa dinâmica e
precisou orientar suas estratégias para estar em sintonia com esse paradigma. Vamos
também olhar para o percurso do jornalismo digital e do webjornalismo, além de entender
que o trabalho jornalístico é intrinsecamente móvel (afinal, um repórter usando um
telégrafo no começo do século XX já experimentava a mobilidade). O que vivemos é a última
fase dessa mobilidade — na qual não só repórteres durante a apuração, mas o material
jornalístico disponibilizado, são configurados de acordo com os suportes digitais móveis
atuais (Firmino, 2015) .
Finalizamos o trabalho, no terceiro capítulo, com uma análise do site mobile do jornal
O Estado de São Paulo. Além dessa análise, estão presente nessa parte da pesquisa
fragmentos da entrevista feita com o Editor de Produtos Digitais do jornal, Luís Fernando
Bovo, realizada na sede do jornal na capital paulista, em 8 de julho de 2016.
Assim, neste trabalho, o corpus de análise para esse projeto é o site mobile utilizado
pelo jornal, além de termos como referência para reflexão a entrevista com o jornalista
13
sênior mencionado. O Estado de São Paulo surgiu como corpus de estudo a partir do sucesso
do site mobile, colocado no ar em 2015. Na época, o desejo de estudar a produção
jornalística para mobile já era forte. Após a implantação do site, fiz uma visita com um grupo
de estudos à redação do jornal em setembro de 20151, onde pudemos conhecer os novos
processos editoriais da empresa causadas pelas novas tecnologias e observar a dedicação da
empresa aos dispositivos móveis. Essa primeira visita nos influenciou para escolher o jornal
como foco de atenção e voltar à redação em 2016 para entrevistar o Editor de Plataformas
Digitais.
A dedicação desse trabalho ao aspecto sociocultural da mobilidade é justificado
devido à necessidade da produção de uma pesquisa menos efêmera. Aqui, discute-se o
contexto cultural e jornalístico da prática de jornalismo para dispositivos móveis pelas
redações em 2017, antes de qualquer análise de design de interface ou de conteúdo
editorial do objeto.
Como objetivos, os principais são: discutir o significado cultural e social do paradigma
da mobilidade, o levantamento de dados sobre o cenário de transição dos modelos de
negócios dos jornais impressos e a análise dos produtos digitais móveis do jornal Estadão.
Outros pontos relacionados, mas que deixo a discussão para próximas pesquisas, são
a análise da composição das receitas dos jornais – para que possamos compreender algumas
hipóteses que surgem com novos modelos de negócios – e a manutenção da profissão do
jornalista em tempos de notícias falsas, pós-verdade e crise de confiança na mídia
tradicional. Mais um assunto interessante que surge em um cenário de enxugamento de
redações causadas por essa transição, é o surgimento de projetos independentes e start-ups
com financiamento direto de leitores. Mas, por ora, vamos à cultura da mobilidade, ao
jornalismo móvel e à análise das estratégias do Estadão.
1
Em visita feita à redação, em ocasião de pesquisa de campo realizada com o grupo de laboratório de convergência,
ministradopela profa. Simone Orlando(2015/1 e 2015/2),já havíamos realizado uma breve entrevista com Bovo.
14
CAP. I - A CULTURA DA MOBILIDADE
Mas o que nos traz a essa nova dinâmica de comunicação? André Lemos traça uma
pequena cronologia, ao afirmar que antes dessa radicalização tecnológica, conhecemos a
informatização da sociedade nos anos 70 e, agora, o que há é a ubiquidade da conexão e a
mobilidade.
2
Em um momento pré-internet, a comunicação acontece de forma vertical. É a era das mídias de massa (TV, rádio, jornais
e revistas), na qual a produção ocorre de poucos (ou um) para muitos. Com o formato de rede da Internet, onde há o
potencial de produção de conteúdo em qualquer ponto de acesso, passamos para um momento pós-massivo, com uma
rede desenhada de forma horizontalizada.
15
as relações se estabelece através da informação e da sua capacidade de processamento e de
geração de conhecimentos.” (SIMÕES, 2009, p.1)
O autor Pierre Lévy (1997) avança nesse processo e, voltando-se mais que Castells
ao aspecto comportamental da Sociedade em Rede, traz os primeiros referenciais teóricos
sobre a Cibercultura, que surge como a cultura que evidencia a mediação tecnológica nas
relações.
De acordo com Lemos, há definida uma era pós-desktops porque é consequência dessa
mudança de paradigma “novas práticas e usos da informática” (p.15). Assim, ainda de acordo com o
autor, agora, a “internet móvel está aproximando o homem do desejo de ubiquidade” (p.15). Apesar
do cenário, é importante ressaltar a permanência do uso de desktops como estações de trabalho e
para “entrada” de dados. O paradigma móvel é mais relacionado ao consumo de conteúdo, como
veremos mais à frente no trabalho.
16
“(...) depois do PC (computador pessoal) isolado dos anos 60-70, da
popularização da internet fixa com o CC (computadores coletivos) nos
anos 80-90, estamos vendo, no começo do século 21, a emergência da
era do CCM (computadores coletivos móveis)”. (LEMOS, 2004, p.15)
Hoje, o celular deixa de ser um telefone móvel para ser o painel de controle de uma
vida já configurada pela sociedade em rede e suas especificidades, na qual o conhecimento e
a informação circulam de forma invisível. Essa invisibilidade é potencializada pela mobilidade
do dispositivo que, mesmo quando ainda era apenas um telefone móvel, já transformava a
distribuição de pessoas pelos espaços em uma rede com pontos passíveis de contato,
perdendo a rigidez. A rede, então, se torna flexível, móvel. Os pontos de acesso se deslocam
com os usuários, impedindo a ideia de uma rede com nós estáticos.
Esse novo paradigma de comunicação entre os atores da rede pode ser observado
em diversas áreas do conhecimento. Da Sociologia à Psicologia, das Ciências da Computação
ao Jornalismo. Na abordagem proposta por André Lemos, podemos visualizar essa nova
dinâmica em várias esferas da vida contemporânea.
O que vivemos hoje, como já foi citado, é “apenas” uma exponenciação do processo
de cibercultura e da convergência digital asseverada por uma dinâmica de comunicação
móvel pautada pela ascensão dos dispositivos de comunicação móveis. Como mostra Lemos
em “A Cultura da Mobilidade”, a sociedade vive a mobilidade há séculos em diferentes
aspectos. O que é protagonista, hoje, é o aspecto da comunicação e da informação.
18
Podemos ver, igualmente, como propõe Kellerman (2006) sobre o trabalho de
Bonss & Kesselring (2001) outros formatos na história desta mobilidade: uma de caráter
tradicional (até o fim do século XVIII); depois territorial (surgimento do Estado Nação no
século XIX); globalizada (com os meios de transporte e comunicação do século XX); e, hoje,
virtualizada, com as redes e os dispositivos de conexão móvel e sem fio. Assim, cada formato
produz uma nova forma de relação específica com o lugar.
A “invisibilidade” e a mobilidade da rede sem fio dão mais uma característica a essa
era: a ubiquidade3 da rede transforma os pontos de acesso em um ambiente de acesso, “que
coloca o usuário em seu centro”. “Se o usuário ia à rede de forma fixa, na era da conexão e
das smartmobs, é a rede que vai até o usuário”. (LEMOS, 2004, p.16)
Essa situação pode ser exemplificada com hábitos que temos no nosso cotidiano
que eram diferentes no começo da ascensão da cibercultura, como, por exemplo, passar um
fim de semana na praia. Quando o nosso acesso à rede era restrito aos acessos fixos dos
computadores em casa, quando não havia rede wireless em massa e smartphones, a
presença do usuário e o compartilhamento do conteúdo, das fotos, das impressões do fim
de semana na beira do mar precisavam esperar. A rotina era: fotografar com a máquina
3
Ao pé da letra, de acordo com o dicionário Priberam, a ubiquidade é onipresença, a capacidade de estar presente em
toda parte, a todo tempo. No sentido da mídia, Pavlik (2014) a define assim: “(...) ubiquidade implica que qualquer um, em
qualquer lugar, tem acesso potencial a uma rede de comunicação interativa em tempo real”. (p.2)
19
digital, chegar em casa e descarregá-la no computador. Aí sim o usuário fazia um upload a
partir do acesso fixo à rede: o computador, muitas vezes compartilhado por mais de um
membro da família.
Dessa perspectiva, pode-se criar uma imagem mental de como era a rede. Era
reduzida à localização das residências e computadores dos ambientes de trabalho. Era fixa.
Com a mobilidade, a produção e o consumo de conteúdo ocorrem em qualquer espaço,
reconfigurando-os e flexibilizando-os.
Para Castells (2000), que estrutura o conceito de sociedade em rede como uma
organização das nossas práticas sociais compartilhadas de forma temporal com um
funcionamento de fluxos, estamos diante de novas práticas que se aproximam de uma
“sociedade em rede móvel”. Em torno dela, orbitariam todas estas perspectivas
desencadeadas de forma mais massiva a partir do início do século XXI com a formatação da
estrutura da Web 2.0, das plataformas móveis e das conexões sem fio.
Em uma rede móvel, os nós desse ciberespaço são outros. Enquanto na Internet
fixa, os computadores, roteadores e servidores são os nós fixos, na rede alterada pela
cultura da mobilidade e pelo desenvolvimento tecnológico desterritorializante observados
nos últimos tempos, os celulares se tornam esses nós. Eles se deslocam pelos lugares junto
com os usuários. (SILVA, 2006).
20
As alterações dessa dinâmica de comunicação chegam à geografia da rede. Ela deixa
de ser fixa e o seu mapa se torna sempre mutante. Isso acontece devido às
Tanto Barbosa (2013) como Lemos (2004) entendem que a era da mobilidade é a
característica do novo ciclo tecnológico por que passamos. Mas como as novas tecnologias
são adotadas pelas pessoas? A partir da admissão de que o ponto em que a cibercultura e o
desenvolvimento que os computadores chegaram são construídos pela ampla utilização do
uso dos dispositivos móveis no nosso cotidiano, é preciso entender como funciona essa
adoção da inovação tecnológica pelos usuários.
O desenvolvimento da tecnologia caminha como um jogo de proposições e
respostas entre a indústria, a pesquisa e o público. Nessa comunhão, os pontos de interesse
são só o que costumam garantir a adoção daquela inovação.
O processo de adoção da inovação é explicado dentro da Teoria de Difusão de
Inovações (ROGERS, 1995). De acordo com a teoria, uma inovação “envolve novo
conhecimento, mas pode ser também expressada em termos de persuasão ou uma decisão
para adotar determinada inovação”. (ROGERS, apud BARBOSA, 2013, p. 55).
21
A estrutura que forma a Teoria de Difusão de Informações é formada por quatro
elementos: a inovação em si, os canais de comunicação onde existe divulgação, o tempo e o
sistema social. Esses elementos se relacionam no formato que o autor chama de “curva de
modelo de adoção de inovação”. Nela, a difusão é vista como um processo em que “uma (1)
inovação (2) é comunicada através de certos canais (3) sobre o tempo (4) entre os membros
e um sistema social” (ROGERS, 1995, p.11).
Entre os membros desse sistema social, vão existir os indivíduos que provavelmente
adotarão a inovação prontamente. Essas pessoas seriam os early adopters, que vão exercer
influência sobre outros grupos. Há os céticos que poderão resistir em alguma medida, mas
vão adotar o movimento no futuro. Em seguida, vêm os late adopters. De acordo com o
autor, essas ondas caminham até a inovação alcançar um ponto máximo, que pode ser
entendido por saturação. O resultado da saturação é a formação de uma massa crítica.
22
1.2. Os dispositivos, suas gramáticas e a relação corpo-objeto
23
Neste trabalho, vamos utilizar a perspectiva de Love (2005), que entende o
smartphone como algo além da evolução da telefonia, como um híbrido entre os celulares e
os PDAs (Personal Digital Assistants). Os dispositivos móveis podem ser entendidos como
parte da quarta geração de computadores. De acordo com Kaamersgard (1998), esses
aparelhos passaram por quatro etapas de evolução na sua interação com o homem: uma em
que o usuário é entendido como máquina; em seguida, o computador é visto como pessoa;
depois o computador vira ferramenta (e aí nascem as proposições de usabilidade e design
agradável nas interfaces) e por último o computador é encarado como mídia. Nasce, então,
nesse cenário uma nova proposta de interação.
A partir da ideia de se entender esses aparelhos híbridos como CCM (Computadores
Coletivos Móveis), de acordo com Lemos (2005), é preciso voltar um pouco no tempo e
entender como essa máquina saiu dos laboratórios do Pentágono durante a Guerra Fria –
como computadores e suas redes - e chegou aos nossos bolsos, e como a relação desse
objeto com o nosso corpo foi construída pelas décadas, tanto de forma propositiva pela
indústria da tecnologia, como de forma reativa dessa mesma indústria, em resposta ao
comportamento humano.
Para Pedroza & Nicolau (2015), a tela, entendida como suporte até mesmo
analógico, se tornou fluida, onde podemos imergir4 com um toque, criando caminhos em
sintonia com as vontades do usuário.
4
Quando falamos de mídias, o conceito de imersão vai tratar das alterações sensoriais vividas enquanto entramos em
contato com o conteúdo. No caso de ambientes digitais, ela se caracteriza por ser interativa, decorrente da própria
estrutura digital em rede, onde o leitor faz escolhas de caminhos nas teias do hiperlink. Essa alteração sensorial acontece
com um protagonismo da experiência virtual e mental sobre a corporal-física. Como vimos há pouco, isso acontece sobre o
intermédio de interfaces, que “transportam o aparato sensorial e perceptivo aumentado do corpo para uma jornada
imersiva em um mundo espectral”. (SANTAELLA, 2003, p.313)
24
Essa imersão e essa “liberdade” de caminhos trazidos pelas mídias digitais
demonstra a existência de uma navegação não linear, na qual o antigo receptor se
transforma em usuário (alguém empoderado), que pode organizar sua navegação (Santaella,
2004). Um dos principais diferenciais que a mídia digital trouxe para o relacionamento com o
usuário é essa capacidade proativa de traçar seus caminhos, fazer buscas e construir sua
dinâmica de consumo de conteúdo. Não há mais só a recepção.
25
com a ajuda do mouse, os elementos computacionais representados na
tela por um símbolo gráfico.” (NOVAIS, 2008, p. 26.)
Citando Lévy (1993), Novais (2008) aponta que o estipulado por essa primeira
interface se manteve na gramática desses dispositivos. A tela de múltiplas janelas de
trabalho, as conexões associativas (hipertextuais) em bancos de dados ou entre documentos
escritos por autores diferentes; as representações gráficas, estruturas conceituais e os
sistemas de ajuda ao usuário, integrados aos programas são os pontos que permanecem
desde Engelbar.
Engelbar é o primeiro nome da linha cronológica, mas a ideia da representação em
tela com possibilidade de manipulação daqueles objetos digitais foi absorvida por diversas
empresas e pesquisadores, como a Xerox, Apple e Microsoft. O pesquisador do Xerox PARC
(Palo Alto Research Center) Alan Kay deu continuação ao trabalho de Engelbart e apresentou
o conceito de metáfora. Assim, nas telas haveria uma representação de uma mesa de
trabalho. A partir dali, a relação entre homem e máquina passa a levar em conta fatores
humanos e tem como fundamento a democratização do acesso. Assim, há uma a valorização
do humano, do que os usuários podem fazer com as máquinas e satisfazer suas
necessidades.
Com esse pontapé, o computador vai deixando de ser uma calculadora para um
dispositivo de representação no ambiente digital e com possibilidade de convergência de
mídia, além de editor de textos.
Assim, a principal diferença na gramática e no design de um computador com os
dispositivos móveis se dá no contato. Nos computadores (desktops), geralmente os ícones
respondem a um cursor de mouse. No contato touchscreen, os ícones respondem a dedos.
Essa diferença no tamanho do ponto de contato foi uma das coisas que balizaram o design
de interfaces para dispositivos móveis. Na tela de um celular, a lógica de distribuição de
opções de toques é diferente. Há menos camadas e opções mais objetivas. Ambas, porém,
trazem a interação como pilar:
5 O experimento da tela touchscreen existe há mais tempo, mas a popularização comercial de celulares com telas
dedicadas aos dedos – e não a canetas – acontece com a alta convergência dos smartphones, que trouxeram a inclusão do
teclado e expansão da tela à toda área frontal do aparelho como diretriz.
27
Essa lista a que me referi é formada por pontos elencados por Love (2005), Ballard
(2007) e Cybis et al. (2007) que tratam do perfil do usuário de smartphones, diferenciando-o
do computador. Esses usuários têm, então:
Assim, vemos que esse o usuário interage de forma diferente e tem necessidades
diferentes. A facilidade de distração está relacionada com a simplicidade e a objetividade no
acesso ao que se quer acessar nos celulares. De acordo com Maeda, isso se reforça no
smartphones devido à tela reduzida.
28
de dados. Assim, a possibilidade do surgimento de efetivos smartphones e, mais adiante, de
tablets só foi possível devido a essa tecnologia de transmissão.
29
Não é só de celular que é feita a cultura da mobilidade e a vida contemporânea.
Dentro do que chamamos de dispositivos móveis, que trazem uma perspectiva mais
interacional de meio tecnológico, os tablets também fazem parte dessa esfera. Como no
celular, eles têm a perspectiva da convergência tecnológica, com uma confluência de “telas”.
Hoje, há inserido nos celulares e tablets o livro, a revista, a fotografia, a TV, o cinema. Eles
fazem parte da quarta dela (PEDROZA & NICOLAU, 2015).
30
tablet: o uso para consumir conteúdo multimídia e de forma mais imersiva. Ganhou a
praticidade. Para Barbosa (2013), o smartphone é o aparelho que representa mais a ideia de
Mc Luhan de meios como extensão do corpo. De acordo com autora, ele é “mais extensão
da mão do que o tablet”. (BARBOSA, e SEIXAS, 2013, p. 66)
No Brasil, segundo a empresa de consultoria IDC – Analyze the future6, a venda dos
aparelhos caiu 38% em 2015 na comparação com 2014. Desde 2010 em onda crescente, os
dispositivos apresentaram no ano a primeira queda em relação ao ano anterior. A venda foi
de cerca de 5,7 milhões de unidades. Em 2014, foram vendidas cerca de 9,5 milhões de
dispositivos. Para o ano de 2016, a previsão era de que fossem vendidos 29% a menos que
em 2015: 4,1 milhões de unidades.
De acordo com a pesquisa The State of Mobile 20167, do Instiuto Flurry, da Yahoo,
os usuários de smartphones estadunidense passaram em média 5 horas por dia nos seus
aparelhos. O protagonista na vida contemporânea virou o celular, que inerentemente
convergente, absorveu os interessados em investir em tablets.
O Programa Nacional de Análise de Domicílios do IBGE e seu braço de pesquisa na
área da tecnologia começou a estudar o acesso à Internet no Brasil por meio de outros
dispositivos além dos desktops e notebooks em 2013. Há, no país, domicílios onde o acesso
à rede é feito exclusivamente por smartphones e tablets. Em 2014, 8,6 milhões das 36, 8
residências que têm acesso à Internet têm moradores que acessam a internet em casa por
dispositivos móveis. Em 2013, eles eram apenas 3,6 milhões, segundo o documento Acesso à
Internet e à Televisão e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal. A pesquisa foi
feita pelo IBGE em parceria com o Ministério das Comunicações8.
O estudo também mostrou que, apesar de ter invertido para baixo as projeções de
venda no ano de 2014, como mostra a pesquisa da IDC, o tablet está em cerca de 16,5% dos
domicílios brasileiros. Segundo dados do Suplemento TIC 2014, 11,1 milhões (16,5%) de
domicílios particulares permanentes do País tinham tablet, o que representa um aumento
de 5,7 pontos percentuais em relação a 2013. Dentre aqueles com tablet, mais da metade
(6,1 milhões) situava-se na Região Sudeste, onde a proporção de domicílios com esse
6
Informações da IDC disponíveis em http://br.idclatin.com/releases/news.aspx?id=1973
7
Informações disponíveis no blog do Instituto http://flurrymobile.tumblr.com/post/157921590345/us-consumers-time-
spent-on-mobile-crosses-5
8
Disponível em ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet2014/default.shtm
31
aparelho era de 20,8%, o mais alto registrado entre as Grandes Regiões. A menor proporção
foi estimada para a Região Norte (8,6%).
Neste cenário dúbio entre tablets e smartphones, quem ganhou foi o segundo.
Nenhum outro dispositivo passa tanto tempo na rotina do cidadão contemporâneo como o
celular. O sucesso do aparelho pode ser atribuído à ubiquidade, em que podemos sempre
estar disponíveis para interagir, garantida pelo aparelho e pela colaboração que o dispositivo
tem na construção – e reafirmação – da identidade individual de cada um (Canavilhas, 2012).
A constituição da personalidade também é fortalecida pelo caráter de “acessório de moda”
que os aparelhos têm (Ling, 1998; Lasen, 2002).
Em pesquisa sobre como o brasileiro acessa a Internet, o Plano Nacional de Análise
de Domicílios (PNAD), do IBGE, mostrou que em 2014 o “contingente de pessoas com 10
anos ou mais de idade que tinham telefone móvel celular para uso pessoal era de 136,6
milhões, o que corresponde a 77,9% da população do País nessa faixa de idade.” (PNAD,
2016, p.50)
Hoje, o mercado de smartphones é ocupado principalmente pelas empresas de
tecnologia Apple e Samsung. A primeira delas pode ser considerada a percursora em
delimitar os formatos com que os novos dispositivos móveis deveriam seguir em frente,
ainda de acordo com Pedroza e Nicolau. Em pesquisa de análise de mercado de celulares no
mundo, a IDC apontou que, em 2014, 24,8% do smartphones mundiais são da marca
Samsung. A Apple ocupa o segundo lugar com uma fatia de 11,7%.
Se voltarmos ao cenário descrito anteriormente nesse capítulo, em que citamos o
exemplo de uma família que decidiria passar seu final de semana na praia por volta do ano
de 2007, podemos reconhecer como os meios de acesso a uma estrutura de rede fixa eram
coletivos. Havia pouca margem para personalização, causada pela imobilidade dos desktops
e mobilidade restrita de notebooks e laptops. Aí, entra a capacidade imersiva que os
dispositivos móveis apresentam em maior grau ao usuário.
Figura 4 –Ipad Pro (Apple, 2016) - Galaxy Tab S3 (Samsung, 2016) – Fonte: Google Images.
33
CAP.2 – OS DISPOSITIVOS MÓVEIS E O JORNALISMO
O ritual de consumo de notícias está relacionado com a forma com que o leitor
percorreu as mídias enquanto a tecnologia dos suportes se desenvolvia. Se há uma
comunicação ubíqua, uma cultura da mobilidade estabelecida, como abordamos no primeiro
capítulo, há também outro tipo de consumidor de signos, significados e textos (no seu
sentido mais amplo). Há, então, um leitor ubícuo (Santaella, 2014).
Santaella traz essa nomenclatura 10 anos depois de ter descrito os perfis cognitivos
dos leitores: contemplativo, movente e imersivo. Antes de abordarmos a quarta – e mais
recente – definição da autora, é importante esclarecer nesse trabalho como, em paralelo ao
desenvolvimento tecnológico das mídias, a cognição9 e a formas de leitura se modificaram.
A leitura contemplativa é aquela que perdurou como única forma da Renascença –
quando houve uma explosão das ideias, dos livros, da arte e da ficção - até a revolução
industrial. Era um leitor que parava, se dedicava ao texto – ainda como uma unidade de
sentido - com entrega, com uma prática quase reclusa. Era uma leitura individual, solitária e
fixa, sem muitas alterações da atenção.
Neste contexto, a escolha pela leitura é deliberada pelo leitor. Ele não é
“surpreendido” pela informação como começa a acontecer quando a revolução industrial
alastra os suportes de informação e o cotidiano fica com uma velocidade de fluxo de
informações em um grau maior do que o vivido nas épocas e contextos fora da vida urbana.
É aí que surge um novo perfil de leitor: o leitor movente. De acordo com a autora,
há uma “fragmentação das coisas” quando surgem as metrópoles, o capitalismo avança e a
tecnologia altera a relação com o tempo e o espaço do ser humano. Os estímulos passam a
ser muito maiores e a instabilidade e o excesso viram parte da dinâmica pós-revolução
industrial. A atenção, então, é instável e começa a se mover – porque aí os suportes não são
mais fixos. As cidades ganham placas, outdoors, as vitrines têm cartazes, os jornais nascem e
fazem sua miscelânea de histórias.
Assim nasce um leitor “de memória curta, mas ágil”, capaz de alternar sua leitura por
diversas linguagens. Esse é um leitor que começa a esbarrar nos textos pelo seu cotidiano e
9
Nesta parte do trabalho, vamos entender “cognição da leitura” como experiência sensorial.
34
aprende a transitar por eles. De acordo com a autora, isso se acentua com o surgimento da
televisão. Santaella afirma que o leitor dos livros, que é meditativo e “observador ancorado”
começa a viver com o leitor movente, que é “leitor de formas, volumes, massas, interações
de forças, movimentos; leitor de direções, traços, cores”. (Santaella, 2014, p.4)
Essa dinamização do perfil do leitor prepara o leitor para mais uma transformação,
quando a tecnologia apresenta a Internet. Surge o leitor imersivo. Esse novo leitor traz um
hábito de leitura completamente diferente dos anteriores porque ele faz seu consumo sobre
a espacialidade virtual, em um ambiente projetado, abstrato e que tem a geografia de uma
rede sem início ou fim, simplesmente estabelecida.
Para entender esse comportamento, é importante entender um dos fundamentos da
Web, que é a estrutura do hipertexto. Na Internet, de acordo com Canavilhas, “o texto
transforma-se numa tessitura informativa formada por um conjunto de blocos informativos
ligados através de hiperligações” (CANAVILHAS, 2014, p.10). Os links são, portanto, todas as
opções de caminhos. É importante ressaltar que esses três tipos de leitores não se excluem,
mas se complementam e coexistem.
O leitor ubíquo, por sua vez, tem uma fiel conexão com os dispositivos móveis,
segundo Santaella. É um perfil cognitivo possível por causa deles. Entendem os aparelhos
como composição de sua personalidade e os colocam na prática da leitura contemporânea.
Como vimos no primeiro capítulo, eles viraram protagonistas e a representação tecnológica
da cultura da mobilidade. De acordo a autora, é um leitor que acaba misturando o perfil
cognitivo de leitor imersivo com o movente.
35
abstém da fragmentação informacional em que seu corpo está e com um toque penetra no
ciberespaço informacional (SANTALLEA, 2014).
Nesse leitor, a atenção terá uma característica de ser parcial e contínua e tem um
perfil cognitivo que não deixa espaço para a contemplação. Como os celulares são “o”
aparelho da convergência midiática hoje e são inerentemente móveis, eles encaixam como o
par perfeito do leitor ubíquo. Um não vive sem o outro.
10 O determinismo tecnológico se refere a como o desenvolvimento da tecnologia afeta, configura, influencia e altera as
relações sociais, se consolidando como fator de causalidade na vida em sociedade. É uma perspectiva que afirma que a
tecnologia é um pilar de sustentação do padrão de organização social.
36
de Manuel Castells. De acordo com o autor, a consolidação dessa dinâmica contemporânea
modifica a cultura, a economia, o tempo e as relações sociais das comunidades que possuem
uma determinada base tecnológica (CASTELLS, 1999).
De acordo com Palacios, a Web estabeleceu de forma definitiva uma relação de fluxo
de consumo jornalístico. O autor aponta que, antes do rádio e da TV, a informação chegava
às pessoas em doses marcadas pelo jornalismo do dia após dia.
11
Ao pé da letra, HTML é a linguagem do hipertexto ( HyperText Markup Language). É com ela que se constrói uma página
do web. Quando documentos são finalizados nesse formato, podem ser interpretados por navegadores e podem ter
recursos interacionais.
37
No Brasil, a pesquisadora Luciana Mielniczuk (2003) apresentou uma taxonomia
definitiva para os estudos da área. Assim, a autora decide propor um processo em que os
meios tecnológicos nos quais as informações são trabalhadas seriam um critério para se
elaborar a nomenclaturas da prática jornalística. Com o princípio definido, a autora
caracteriza as cinco nomenclaturas mais utilizadas: jornalismo eletrônico, digital,
ciberjornalismo, jornalismo online e webjornalismo.
38
A autora nomeia a segunda fase como a fase da metáfora, com as primeiras
experimentações dos recursos da Internet, como os hiperlinks e a comunicação via e-mail
com leitores e assinantes.
Essas duas primeiras fases ainda se caracterizam como um jornalismo digital e não
eram propriamente um webjornalismo, segundo Mielniczuk. Quando as experiências das
mídias chegam ao fim da terceira fase é que se pode chamar essa indústria de
webjornalismo, onde há originalidade, independência, inovação e regras próprias.
Para Susana Barbosa e Lia Seixas, esse cenário de inovação atual, no qual surge o
jornalismo mobile tem como norma a convergência. De acordo com a autora, nesse cenário
de convergência jornalística, o que se vive é a comunicação móvel e os dispositivos móveis
como celulares, smartphones, e-readers e tablets são “os objetos principais da mobilidade,
12
No livro “Webjornalismo – 7 características que marcam a diferença”, Canavilhas organiza sete artigos que expandem a
discussão sobre essas características.
39
os quais, como vetores de mudança, afetam sobremaneira os conteúdos informativos, as
formas de produção, distribuição e consumo.” (BARBOSA & SEIXAS, 2013, p.7)
Citando diversos autores como Briggs (2007), Srivastava (2008), Pardo Kuklinski,
Brandt & Puerta (2008), Firmino (2009) também aponta essa naturalidade, lembrando que
em um contexto histórico, o jornalismo sempre foi construído com a tecnologia como pano
de fundo. Além disso, o caminho em direção à mobilidade também já faria parte
intrinsecamente da mídia.
De acordo com a pesquisa Digital News Report 201613, mais da metade das pessoas
(53%) entrevistadas afirmaram usar smartphones para acessar as noticiais. Em alguns países,
como Suécia, a taxa chega a 69%. Neste ponto da pesquisa, é demonstrado a curva
ascendente desses dados. Nos Estados Unidos, em 2013, quem dizia utilizar o smartphone
para acessar noticiais eram 30% dos entrevistados. No relatório de 2016, o número é de
46%.
Quando perguntados quais entre os três aparelhos listados (computador,
smartphone ou tablet) as pessoas usaram para acessar notícias na semana em que a
pesquisa foi feita, a média global foi de 53%. Comparando com os dados das pesquisas
anteriores, o acesso via computador caiu e por tablet estabilizou.
13
Digital News Report 2016 está disponível em http://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/sites/default/files/Digital-News-
Report-2016.pdf. Vale ressaltar que a pesquisa excluiu pessoas que afirmaram não consumir notícias de qualquer natureza
nos últimos 30 dias anteriores do levantamento.
40
Mas que diferenças a prática jornalística mobile trouxe depois dessa consolidação do
webjornalismo?
Há dois pontos dos quais partiremos para abordar a questão: o jornalismo mobile
tem, de um lado, o leitor que lê notícias de forma ostensiva pelo seu celular (aí, já
completamente imerso no contexto social da cultura da mobilidade) e a indústria jornalística
e de entretenimento, por isso, alteram sua produção de conteúdo para essas plataformas e
para um novo comportamento de consumo.
Como aponta Firmino (2015), há alteração de dinâmicas nessas duas esferas da
prática jornalística, tanto no âmbito da produção da notícia, como no que se refere à
disseminação e representação do conteúdo de mídia dentro das plataformas, sempre
acompanhando o leitor.
O jornalismo móvel não seria, então, um último estágio do webjornalismo, mas tem
seu desenvolvimento em paralelo a ele porque não diz respeito à apenas linguagem.
Esta prática da relação entre dispositivos móveis e o jornalismo também teve suas
fases e é caracterizada por uma lista que demonstra que o jornalismo móvel se constrói em
cima de três pilares: a expansão da mobilidade através das tecnologias móveis, a
geolocalização e a mobilidade do consumidor de informações. Firmino (2015) explica que
essa expansão com as tecnologias móveis e sem fio:
O autor também ressalta, quando apresenta as cinco fases do jornalismo móvel, que
esse termo engloba os primeiros movimentos de mobilidade da prática jornalística, como o
uso de aparelhos analógicos e rudimentares móveis ainda na década de 70, como câmeras e
maquinas de escrever. Há que se perceber uma progressão na absorção da mobilidade na
41
prática jornalística. Portanto, o jornalismo móvel vai além dos smartphones. O autor separar
as três primeiras fases como pertencentes de um jornalismo móvel. A quarta e a quinta
fazem parte de um jornalismo móvel digital.
Na terceira fase (década de 90) há uma mobilidade expansiva, garantida graças aos
primeiros celulares, computadores móveis, como notebooks, câmeras digitais, além da
conexão à rede. Aqui, os fundamentos atuais da mobilidade começam a surgir.
Neste trabalho, vamos nos ater à quarta – onde começam os sinais da ubiquidade –
e quinta fase. É no início da quarta fase, por volta do ano 2000, que surgem as redes sem
fios e os smartphones emergem.
Até aqui, abordamos de forma teórica o universo do jornalismo online, passamos por
conceituações de suas nomenclaturas, suas fases de transição, citamos a características do
webjornalismo e compreendemos que ao largo disso havia uma linha do tempo relacionada
à ubiquidade. São dois caminhos diferentes, mas que se apoiam e se alimentam. Um é mais
relacionado ao webjornalismo e ao jornalismo digital. O outro trata da mobilidade na
produção e no consumo de informação, em uma maneira móvel de ser jornalista e consumir
de notícias – não nos últimos anos, mas há algumas décadas.
14
Como já explicado, a usabilidade está relacionada com a facilidade de encontrar o que procura, com simplicidade e
objetividade. Como acréscimo dessa definição, vale enumerar a lista feita por Nielsen (1994) com os princípios que se
identifica um projeto com boa usabilidade: visibilidade do status do sistema; linguagem familiar ao usuário; controle do
usuário; consistência; prevenção de erros; memorização mínima; uso eficiente e flexível; projeto minimalista, simples; boas
mensagens de erro; ajuda e documentação.
43
O site da Folha de São Paulo ilustra essa perspectiva (quando pensando para
desktop), sobretudo tendo em vista que as zonas ópticas na leitura digital diferem das que
se estruturam para o papel15.
15
Na leitura impressa, a experiência de escaneamento óptico passa por uma comunhão com os movimentos de passar,
dobrar e escolher as páginas. A hierarquia acontece no sentido: capa, página 2 e 3 em direção às outras, com mais
valorização das páginas impares, que ficam à direita quando a edição é aberta.
44
A escolha por inserir fotos nas chamadas também acrescentam grau de importância
às matérias da home, além de variações no tamanho da tipografia.
Os sites na Internet, hoje, também têm outro modelo que vai além da perspectiva
do tridente, presente em portais de notícias e sites de jornais. Há um caminho e uma
distribuição multimídia distribuídos em camadas de informação, onde conforme você segue
os caminhos dos links, “entra” em contato com o detalhamento. Bruno Rodrigues chama-a
de metáfora da cebola:
16
Texto retirado da Cartilha para Redação Web do Governo Federal, elaborado por Bruno Rodrigues. Disponível em
http://epwg.governoeletronico.gov.br/cartilha-redacao.
45
tem sua estratégia digital como parte do objeto desta pesquisa -, que criaram um design de
uma coluna principal.
O entusiasmo da academia e das redações dos jornais com o aparelho foi notável
pelo grande número de publicações acadêmicas feitas e de produtos jornalísticos autóctones
46
destinados à plataforma. Os produtos costumavam ser, inclusive, vespertinos ou noturnos
porque pesquisas apontavam uma utilização maior do suporte durante a noite.
47
As principais investidas em produtos e linguagens da indústria jornalística nos
dispositivos móveis residem em dois tipos de micro-contextos: os sites mobile e responsivos
e os aplicativos. Neste trabalho, vamos definir como esses os formatos jornalísticos nos
ambientes.
Os sites mobile e responsivos são página da web abertas nos navegadores dos
smartphones. Como os primeiros anos de jornalismo feito para mobile focava nos apps, a
atenção para a adaptação dos sites foi relativamente tardia.
Os sites responsivos são aqueles que na sua programação tem uma orientação para
se ajustar às telas do mobile. Eles autodistribuem seus elementos naquele espaço reduzido e
excluem o “desnecessário”. Funcionam bem, mas não são completamente originais.
48
Figura 6 – Capturas de tela feitas em 18 de maio de 2017, às 23h33 . É possível ver a presença das
diretrizes do design para smartphones, como a simplicidade. Há apenas uma coluna, diferentemente
das três dos desktops
Além dessas duas formas de webjornalismo mobile, é possível acessar uma terceira
nos celulares, que é a reprodução do site como ocorre no desktop. Essa opção tem ficado
para trás. Hoje, é raro navegar em sites que não sejam minimamente adaptados para as
telas menores dos nossos smartphones. Há ainda casos nos smartphones de reprodução
exata da estrutura hiper-detalhada, distribuída, com seus muito menus e caminhos de uma
primeira camada de um site tradicional na web. Nesse caso, há uma falha de usabilidade. A
experiência do usuário é desgastante e fica nítido como é difícil traçar seu caminho naquele
ambiente em uma plataforma que não é adequada para aquilo. Os ícones e textos clicáveis
são, por exemplo, muito pequenos.
49
possibilidades de desenvolvimento e ainda existem definições acerca de
elementos indispensáveis para uma interface. As recomendações de
design variam de acordo com as plataformas nas quais os aplicativos são
desenvolvidos, gerando experiências muito distintas do mesmo app
(...)”. (MELLO et al, 2015, p.10)
17 A ideia de gatekeeper se refere ao jornalista como “dono” da escolha do que é notícia; o único com a capacidade de
validar um fato como de interesse social e merecedor de cobertura jornalística.
50
Neste ponto do trabalho, vamos nos dedicar a entender como os espaços de
discussão e consumo de informação dentro dessas redes – chamados de feed de notícias –
viraram o espaço em que dedicamos a nossa atenção e por onde somos informados. O feed
virou a central de informação na vida contemporânea com uma miscelânea de publicações
de caráter pessoal, divulgações de marcas com abordagens do marketing digital e notícias.
Como vimos no início do capítulo, o leitor ubíquo se depara com a chance de ler
conteúdos (anyway/anytime), ele tem possibilidades de imersão em seu feed com os
conteúdos a que pode se dedicar. São pequenos os momentos reservados exclusivamente
ao consumo de notícias, e a dinâmica atual não é como há 20 anos, quando recebíamos as
edições das notícias “embaladas” nos jornais impressos, revistas e nas edições dos
programas de TV. O processo de se informar se diluiu dentro do cotidiano.
51
interconectados, levando a um espalhamento de informações e
conferindo visibilidade às notícias”. (CONDE, 2016, p.9)
Ainda de acordo com o Digital News Report 2016, 18% dos entrevistados brasileiros
afirmaram que sua principal fonte de notícias são as mídias sociais. Junto da Austrália, é a
taxa mais alta dos países com pessoas que identificam esses meios como os prioritários na
sua rotina. Nos Estados Unidos, a taxa é de 14%. Quando perguntados se na última semana
eles usaram alguma vez as mídias sociais como fonte de notícia, o número de respostas
positivas dos brasileiros chega a 72%.
Quanto ao uso em geral, sem considerar qual é a principal fonte, 52% dos
pesquisados usam mídias sociais para acessar notícias toda semana no Brasil. De acordo com
pesquisa, o Facebook é o principal meio para isso, com 49% dos usuários usando a rede para
consumir e compartilhar as notícias. É possível justificar a perspectiva de que o feed é a
central de informação contemporânea com o fato de que o acesso às notícias nos sites dos
jornais acontece dessa forma.
Outro dado interessante é o que aponta as redes sociais como a maior via de acesso
às notícias (39%). Além das mídias sociais, os caminhos de leitura online são principalmente
os sites de buscas e o tão valorizado acesso direto, geralmente feito por leitores fidelizados.
No próximo capítulo, quando vamos analisar os caminhos de relacionamento com os
usuários para o mobile, do Jornal Estadão, discutiremos os tipos de clientes dessa marca e
seus comportamentos.
52
Tabela 2 - Caminhos da audiência online, de acordo com o Digital News Report 2016
Agregadores 18% 9%
Assim, definimos o modo de consumir notícia hoje: ele é principalmente via redes
sociais, em um smartphone, como já vimos momentos atrás. Vemos também como a
mobilidade é desafiadora e reconfigura os aspectos da prática de produção de conteúdo e as
cadeias industriais relacionadas, como afirma Barbosa (2013):
Com esses dados que demonstram qual é o principal caminho para se chegar a um
site de notícias, completamos a discussão do ponto anterior onde vimos o percurso dos sites
mobile e sua sobreposição ao uso dos aplicativos. As pessoas estão dentro das redes sociais,
e os links oferecidos ali para o acesso ao conteúdo remetem aos navegados dos dispositivos
móveis. Assim, vemos a pertinência do site mobile na atual dinâmica de comunicação.
53
Assim, o percurso “feliz” do usuário começa com ele dentro da sua característica de
cidadão ubíquo, que decide aleatoriamente sacar seu smartphone, depois checar seu feed e
clicar no link de uma notícia, dentro do site mobile de um jornal.
No Brasil, portais como R7 e G1, além da maioria dos jornais, como O Globo, Estado
de São Paulo, Folha de São Paulo, Zero Hora, e todas as revistas do grupo Abril, como Veja e
Exame aceitarem participar do Instant Articles. É válido ressaltar que nem todas as
publicações são intermediadas pelo sistema. As páginas desses veículos continuam com a
proposta de levar os usuários para dentro de seus sites mobile via os navegadores, onde
18
Informações disponíveis em instantarticles.fb.com e developers.facebook.com/docs/instant-articles.
54
poderiam imergir em mais conteúdo, sem simplesmente consumir aquele único artigo e ser
“forçado” a voltar ao ambiente do Facebook.
De acordo com Conde (2016), essa parceria simboliza alterações nos processos
tradicionais do jornalismo industrial.
Esse número justifica o “sim” dado pelas empresas jornalísticas quando o Google
propôs uma ferramenta parecida com o Instant Articles. Nesse caso, o carregamento rápido
acontece a partir da abertura de “cards” com notícias que aparecem disponíveis na busca do
Google de acordo com sua pesquisa, levando o usuário a esses ambientes simplificados do
site do jornal.
19
Dados disponíveis em https://www.doubleclickbygoogle.com/articles/mobile-speed-matters/.
55
A seguir, vemos a mesma matéria do portal de Notícias G1 fora do site do portal e
dentro do ambiente do Instant Articles e do Google Amp. Em análise rápida, no segundo
caso é nítido que o acesso – via a primeira página de buscas do Google pelo termo “Ariana
Grande” – não acontece dentro do Portal G1, como vemos na barra de endereço. A primeira
imagem é uma reprodução do Instant Articles dentro aplicativo do facebook, onde ele
nativamente opera. É válido notar a seta indicativa de que é você pode voltar ao feed.
Essas estratégias são apenas dois exemplos de que como o consumo mobile alterou a
dinâmica jornalística de distribuição. Neste trabalho, não há intenção de discutir a fundo as
estratégias do jornalismo nas mídias sociais ou diagnosticar problemas na mídia causadas
pelas empresas de tecnologia californianas, mas mapear como é acesso mobile às notícias.
Figura 7 – Mesmo artigo, sobre atentado no Reino Unido, aberto no Instant Articles (à esquerda) e
no navegador do celular.
Como vimos que é pelas redes sociais o caminho percorrido pelo usuário, não
podíamos deixar de nomear as estratégias dessas redes sociais – no caso o Facebook – para
impactar esse acesso. Vamos agora aos abalos de todas essas revoluções vistas até aqui no
modelo de negócio dos jornais.
56
2.4 A crise no modelo de negócio da mídia impressa e os novos investimentos
Com a Internet, o valor (no sentido amplo, de importância) do jornal impresso caiu
porque – mais do que nunca – ele ficou datado e já saía velho das gráficas. As notícias eram
publicadas assim que aconteciam nos portais de notícias, muitas vezes desses próprios
jornais.
57
No gráfico a seguir, que é parte da pesquisa State Of News Media 201520, podemos
ver como a receita anual do mercado estadunidense dos jornais com publicidade no jornal
impresso caiu, comparado com um leve crescimento da receita gerada pela propaganda
online.
Figura 8 - Gráfico retirado da pesquisa State of News Media 2015: “Receitas de propaganda em
jornais vindas do digital e impresso”
Podemos ver o início da queda em 2006, com a receita gerada pelo jornalismo
impresso com publicidade perdendo US$ 0,8 bi depois de anos de crescimento e pico de US$
47,4 bilhões no ano anterior. Quase dez anos depois, em 2014, o número é muito menor:
US$ 16,4 bilhões. Assim, há a justificativa quantitativa para se afirmar que a crise está
relacionada ao modelo de negócio.
20
Disponível em http://www.journalism.org/files/2015/04/FINAL-STATE-OF-THE-NEWS-MEDIA.pdf.
58
2000 e vai até 2014, tanto nas edições de dias úteis, como de fim de semana. É importante
ressaltar que o gráfico não retrata o percurso dos números das vendas, mas do percentual
da queda.
Figura 9 – O gráfico mostra o percentual de queda na circulação de jornais impressos nos Estados
Unidos ano após ano.
A queda da receita digital até 2014, mostrada na Figura 8, é explicada por dois
principais pontos, que já tratamos anteriormente: o preço da publicidade digital online, que
é baixo, e o surgimento de outros espaços para o desenvolvimento da propaganda.
59
Esses sites de mídias sociais fizeram com que surgisse um novo tipo de anúncio
publicitário de contato mais eficaz com a audiência e que não entra no subsídio do conteúdo
jornalístico. Anderson, Bell & Shirky (2013) sinalizam que:
Figura 10– Os gráficos mostram o crescimento do investimento publicitário nos ambientes digitais
e o crescimento do interesse pelos dispositivos móveis
No gráfico a seguir, a pesquisa mostra como a força de trabalho nas redações caiu.
Figura 11 – A linha marrom do gráfico mostra o – principalmente a partir de 2008 – o aumento das
demissões em redações de jornais.
21
Tradução nossa.
61
2.4.1.O paywall, a cultura do acesso gratuito e as saídas no financiamento
Fica claro com os dados apresentados no State of News Media 2015 e 2016 que o
jornalismo online não se mantem se é baseado apenas na publicidade como financiadora.
Para finalizar esse ponto do capítulo, vamos observar quais foram as alternativas
encontradas por grandes jornais e projetos independentes – e menores – para se sustentar e
quem é o leitor disposto a pagar para consumir notícias online.
22
Aqui, vale citar rapidamente mais um motivo além da preferência da indústria da propaganda por anunciar em redes
sociais e nas pesquisas do Google: a publicidade nos portais de notícia “incomoda” e o percurso do leitor por eles é
escapando de clicar nos banner e pop-ups que os abordam. Em um jornal impresso, por exemplo, onde o espaço
publicitário ainda é caro e só teve o faturamento diminuído devido ao alcance que também caiu com as quedas nas vendas
dos jornais, há até uma contemplação e uma dedicação à publicidade. É fácil se lembrar de grandes páginas de anúncios
em jornais e revistas que admiramos esteticamente.
62
A questão sobre quem vai pagar a conta desse buraco no orçamento jornais impera
desde que essa crise deu as caras, trazendo à tona o debate entre conteúdo pago versus
conteúdo gratuito.
Camargo (2015) e Júnior (2013) concordam quando afirmam que não há uma
cultura de fácil aceitação em pagar por notícias. Júnior (2013) ressalta que “os brasileiros
não estão acostumados a pagar para ter acesso a notícias” (P.2) e Camargo (2015) ressalta
que o pagamento por outros tipos de conteúdo não passa por esse estranhamento do leitor:
“(...) atualmente, os leitores/usuários estão dispostos a pagar por entretenimento e não por
notícia”. (Camargo, 2015, p.6)
Mas bem antes do NYT, o primeiro jornal a adotar o modelo foi The Wall Street
Journal em 1997, ganhando cerca de 200 mil assinantes em pouco mais de um ano. O
sucesso dessa publicação em específico pode estar relacionado com especialização do jornal,
voltado para a área de economia e negócios.
O The Wall Street Journal adota o modelo de paywall chamado de rígido, onde
nenhum artigo pode ser lido de forma completa se você não for assinante. O modelo menos
radical dessa estratégia de negócio é chamado de “poroso”, onde um leitor não assinante
tem um limite de artigos que pode ler em determinado tempo. A maioria dos sites faz a
utilização dele.
Essa opção mais branda garante que continue havendo visualizações e tempo gasto
dentro da página no jornal pelas pessoas que não são assinantes. É uma postura híbrida,
63
porque esses números de visualização são importantes para a publicidade. O leitor entra em
contato com o conteúdo e pode ser conquistado.
Algumas experiências com o paywall rígido não deram certo, como nos casos da
revista The Atlantic Monthly (norte-americano) e do jornal The Times (inglês). No caso do
jornal britânico, conseguiu-se 120 mil assinaturas assim que se instituiu a barreira, mas a
publicação perdeu quatro milhões de leitores no site. O Atlantic Monthly desistiu do paywall
depois de a inciativa ser mal recebida pelos leitores. (JÚNIOR, 2013)
23 Informações retiradas de reportagem de matéria do site especializado em discutir o jornalismo nas Américas, Knight
Center https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-
24 Matéria publica pelo jornal disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1816633-folha-e-o-1-
jornal-do-pais-a-ter-circulacao-digital-maior-do-que-a-impressa.shtml?cmpid=comptw.
64
Americas ouviu representantes desses jornais para entender como a implantação do paywall
acabou por incentivar as assinaturas.
Assim como Junior (2013), para o diretor de circulação e marketing da Folha, Murilo
Bussab, o sucesso do paywall o caracteriza como “divisor de águas”.
25
Declaração retirada de artigo do site especializado em discutir o jornalismo nas Américas, Knight Center
https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-17750-adocao-de-paywall-faz-aumentar-audiencia-de-jornais-no-brasil-e-
estimula-venda-de-assi?????
26
Declaração também retirada de artigo do site especializado em discutir o jornalismo nas Américas, Knight Center
https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-17750-adocao-de-paywall-faz-aumentar-audiencia-de-jornais-no-brasil-e-
estimula-venda-de-assi?????
27
Ver em: https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-17750-adocao-de-paywall-faz-aumentar-audiencia-de-jornais-
no-brasil-e-estimula-venda-de-assi.
65
tamanho desse público que tem aceitado ingressar nesse modelo de negócio? A pesquisa
Digital News Report 2016 mostra que no Brasil, 22% das pessoas pagaram por notícia online
em algum momento no último ano. A pesquisa não aborda apenas assinantes de versões
online de jornais impressos, mas consumidores de notícias online no aspecto geral.
Around one in five (22%) urban Brazilians say they paid for some
kind of online news content during the past year. That’s the third
highest rate among the 26 countries analysed, with demand
highest for premium content such as financial news and on-
demand video. (Digital News Report 2016, p.82)
Não existem respostas prontas para aumentar as assinaturas digitais. O que se tem
definido é que o caminho passa pelo conteúdo mobile. Para Camargo (2016), os
smartphones devem exigir um olhar mais atento das direções dos jornais, “já que transforma
a audiência, a interação e o consumo do conteúdo noticioso” (P.4).
De acordo com Camargo, o The New York Times entendeu como diretriz para a
estratégia a diferenciação dos produtos digitais com a versão impressa.
66
necessidade de justificar ao leitor que a assinatura é válida, o ambiente onde novos
conteúdos para esse público serão desenvolvidos são os dispositivos móveis.
67
conteúdo sintonizado com as plataformas utilizadas em massa. Isto já se é feito de forma
consistente. O jornalismo já sabe como fazer conteúdo para dispositivos móveis e como
trazer tráfego para seu site, além de ter admitido qual modelo de negócio seguir.
O ponto, entretanto, que merece ser considerado desafiador tem a ver com uma
outra crise – mais sútil – e menos mensurável por que passa o indivíduo jornalista, a mídia, e
o produto com valor social conhecido como notícia.
28
Em 2016, a Universidade de Oxford elegeu o termo pós-verdade como a palavra do ano. A ideia se refere a
um momento que as versões – e boatos – ganham força sobre a objetividade e o fato, recursos tradicionais do
método jornalístico. Acrescido a isso, a capacidade das mídias pós-massivas de conferir “poder” de produção
de informação por qualquer um com acesso à rede, cria um contexto onde notícias falsas se alastram. No
próximo capítulo, vamos discutir rapidamente o papel do jornalismo nesse cenário onde nem tudo o que se
publicado na rede é verídico.
68
jovens dentem a confiar menos nas notícias (as empresas de mídia entram como sinônimo
de notícias) do que os mais velhos.
Figura 12– O gráfico mostra que pessoas mais velhas tendem a confiar mais nas notícias.
No próximo capítulo, vamos olhar para a expertise que o jornal brasileiro O Estado
de São Paulo conseguiu juntar nos últimos cinco anos de investimento em mobile.
69
CAP. 3 – O ESTADÃO E OS INVESTIMENTOS MOBILE
O ano era o de 1993 quando o jornal paulista O Estado de São Paulo começou a
experimentar formas de ocupar os suportes digitais. Como vimos no capítulo anterior, o
momento era o da digitalização e informatização de processos editoriais, mas ainda bem
distante do paradigma de consumo de notícia online como vemos à partir da segunda
metade dos anos 2000. Neste contexto de experimentação, desconfiança e amadorismo nas
iniciativas jornalísticas, o Estadão foi um dos primeiros a investir nas plataformas digitais
para distribuição do seu conteúdo e em processos.
A história do veículo começa em 1875, quando a cidade de São Paulo passava por um
processo exponencial de urbanização. O jornal nasce com o nome de “A província de São
Paulo”, que é alterado em 1890 com a mudança da regra para a nomeação dos estados
brasileiros. Uma característica do veículo foi o apoio aberto à Republica e à abolição da
escravatura. Neste momento, ainda havia uma prática jornalística pré-industrial, onde um
contexto histórico em que os jornais eram abertamente inclinação panfletária e sem a
diretriz da objetividade linguística no gênero jornalístico31.
29 Formato de jornal impresso com 55 centímetros de altura. Geralmente, são jornais para às classes A e B.
30 Informações disponíveis em http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/.
31 Informações retiradas de http://www.estadao.com.br/historico/resumo/conti1.htm.
70
Antes de desenvolver sua representação na web, as alterações que as novas
tecnologias trouxeram aos processos editoriais fizeram surgir serviços de fax e boletins
eletrônicos. Aqui, como vimos no capítulo anterior, é uma fase de digitalização do
jornalismo, como parte mais elaborada de um jornalismo eletrônico (MIELNICZUK, 2001). Em
agosto do mesmo ano, o Grupo Estado começou a explorar novas ferramentas, como o fax e
os boletins eletrônicos em formato BBS (Bulletin Board System).
De acordo com Quadros (2002), o jornal digital do Estadão, na época com o nome de
NetEstado, foi estruturado em março de 1995, mas só foi publicado no dia 8 de dezembro
daquele ano. Assim, “o Jornal do Brasil é considerado o primeiro diário digital do País ‘a fazer
cobertura completa no espaço virtual’ (MOHERDAUL, 2000, apud QUADROS, 2002).
Agora, vamos ao salto que o jornal deu nesses mais de 20 anos de experiência online
e olhar quais são os produtos digitais do jornal em 2017, cerca de 130 anos depois de sua
fundação, e suas investidas nos ambientes dos dispositivos móveis. Mais à frente no
capítulo, vamos olhar para a expertise adquirida pela empresa, principalmente no que se
refere à questão mobile, e analisar seu site para dispositivos móveis.
71
3.2 Análise do site mobile do Estadão
Além das premiações, na época em que foi lançado, era nítida a sua originalidade na
interface perante os sites mobiles dos outros grandes jornais brasileiros. O site foi finalista
nos prêmios Digiday Publishing Awards e Pixel Awards, nas categorias “Melhor Estratégia de
Desenvolvimento de Audiência” e “Notícias e Publicações”, respectivamente.
Em matérias publicadas em 2015 para divulgar o novo site mobile, o jornal cita a
mudança como algo que se destaca pela curadoria – por parte dos editores, personalização –
por parte do leitor – e pelo foco na experiência do usuário.32 O site do jornal, à época,
também publicou vídeos com o guia de apresentação da nova interface.
O editor Luís Fernando Bovo reforça que a grande mudança se refere à curadoria e
personalização. No projeto anterior, o site mobile “puxava” e organizava automaticamente
as informações nos detalhes dos dispositivos.
Em 2015, a gente lançou nosso site mobile porque a gente percebeu que
a nossa audiência estava migrando para o mobile. A nossa e de todo
De acordo com Bovo, que forneceu a entrevista na véspera de o novo site geral ir ao
ar, como o site mobile e geral foram feitos pela mesma empresa, a unidade nas interfaces se
destaca.
Para Bovo, foi importante o Estadão contratar uma empresa com experiência em
design de interfaces focado na experiência do usuário.
“A gente pensou no que seria legal para o usuário. Eles trouxeram muito
de sua expertise para gente, como: tem que ser limpo, tem que ter foto,
fácil de compartilhar, curadoria e aí entrou as nossas premissas de que
tinha que ter ‘temperatura’. Não pode colocar uma foto só pela foto.
Tem o jornalismo que diz que a foto tem que ser quente. A nossa
premissa foi curadoria e edição.”
33
A partir deste ponto, as informações oferecidas por Luís Fernando Bovo foram todas obtidas em uma entrevista
realizada na sede do jornal O Estado de São Paulo, no bairro Limão, São Paulo (SP), em 8 de julho de 2016. A entrevista
aconteceu no contexto em que o Estadão aplicava seu novo site para desktops, feito pela mesma empresa que
desenvolveu a versão mobile dele, disponibilizada um ano antes.
73
identificar também a presença das estratégias do jornal, como a forma com que a
publicidade aparece, como a barreia do “paywall” surge no ambiente mobile, etc.
Capa e apresentação
A primeira tela do site mobile do jornal tem seu espaço geral ocupado geralmente
por um fotografia de impacto, com uma barra superior transparente com a marca do jornal,
o ícone para o acesso à previsão do tempo, um ícone para buscas e um ícone de menu.
74
Embaixo do título e subtítulo, pode-se acrescentar bullets com matérias relacionadas
ao tema, ou mesmo secundárias, como galerias ou artigos com análises de colunistas.
As quatro primeiras notícias dessa lista compõem o design da home do site. Caso se
queira olhar a lista completa é preciso clicar no botão “Carregar mais”. Quando clicado, não
se abre uma nova página, mas o site se alonga, com o prolongamento da seção Saiba Agora.
Até o fim do site – e depois do Saiba Agora, toda a hierarquia do conteúdo seguinte é
personalizável. No acesso feito em 6 de junho de 2017, às 23h39, assim que se passava pela
sessão, tinha-se acesso ao um “carrossel” com artigos da equipe de colunistas do jornal.
Todos sempre com a possibilidade de compartilhamento, com a fotografia e o nome dos
colunistas em destaque na tela.
Figura 14 – Grupo de prints do layout do aplicativo (2) – espaço das chamadas para textos dos
colunistas (imagem 1). Na imagem 2, espaço para as chamadas dos blogs. A imagem 3, espaços
com as chamadas dos editoriais do Estadão.
75
No acesso citado, o conteúdo seguinte a esse fazia uma divulgação do pacote digital
do Estadão com informações dos benefícios do pacote. Esse card com a divulgação do
pacote digital aparece em outras camadas e em outras espaços dentro do ambiente do site
mobile. Mais à frente, vamos discutir melhor o conteúdo relacionado ao modelo de negócio
do Estadão presente no site, como propaganda (incluindo conteúdo patrocinado), estímulos
às assinaturas digitais e os bloqueios do paywall.
Em seguida, os conteúdos das editorias vêm à tona. No acesso citado havia uma
matéria de Esportes. Já no acesso feito em 11 de junho de 2017, às 17h37, o conteúdo dessa
segunda parte da home (após o Saiba Mais, Opinião, Colunistas) começava com o da editoria
de cultura com o título Fim de Semana, seguido por Esportes, Economia, E+.
76
à uma editoria, e não a um artigo, há sempre cabeçalho com o nome da seção e um menu
horizontal. É possível perceber que esses espaços funcionam como uma nova home dentro
do site, com personalização. Não é, puramente, uma lista das matérias.
O ambiente das editoriais também ganha individualidade devido às cores que cada
uma tem. No caso da “Economia e Negócios”, a cor predominante é um marrom claro. A de
política tem um azul acinzentado.
Figura 15– Imagem 1 - editoria de esportes do site. Imagem 2 - Funções mostradas quando aparece
a opção menu no site.
77
De acordo com Bovo, não há revoluções em como se escrever um bom texto
jornalístico. A revolução estaria em “entregar o conteúdo de outra maneira”.
Para o jornalista, também é questionável dizer que o texto não pode ser grande,
porque “se for interessante, o sujeito vai ler.”
“Se fosse assim, a Eliane Brum não ia ser lida e, segunda ela me diz, a
coluna dela é lida até o fim. E a gente percebe que ele lê porque o
engajamento no celular é alto. Então, isso para a gente é besteira. O
tempo de acesso no desktop é 11, 12 minutos, mas no celular o cara fica
6 minutos no site”.
Dois pontos que se destacam no site mobile do Estadão são características fortes de
presença de interatividade no ambiente. Elas são as funções de Previsão do Tempo e
Trânsito e as opções de compartilhamento em redes sociais dos artigos. O link para a
previsão do tempo está disponível na home do site mobile como um ícone. Já o trânsito fica
“dentro” do menu, acessado via as três barras horizontais.
Figura 16– Imagens 1 e 2 – Editoria de Economia, com menu superior. Imagem 3 - Função previsão
do tempo.
78
As funções de compartilhamento em redes sociais se destacam por já estarem
disponíveis na home, ao lado dos títulos. Os ícones em destaque são Facebook e WhatsApp,
o que também “merece” um destaque, já que a rede se consolidou no Brasil como a
principal forma de troca de mensagens instantâneas entre usuários de smartphones, com
76% dos usuários de smartphone fazendo uso do aplicativo de forma regular.34
34
http://exame.abril.com.br/tecnologia/brasil-e-um-dos-paises-que-mais-usam-whatsapp-diz-pesquisa/
79
Um ponto em comum dos jornais que lançam mão desse anúncio tem servido
também de “álibi” para os jornais usarem esse tipo de anúncio travestido de notícia: sempre
se avisa com algum elemento gráfico que aquele conteúdo é patrocinado por um
anunciante. Se isso é suficiente ou não, não pretendo discutir nesse trabalho. Fica aqui um
ponto que merece atenção em outros estudos acadêmicos.
Na figura 16 ainda, podemos ver uma peça de publicidade online com formato mais
tradicional. O destaque aqui é para o movimento do texto sobre a imagem, dando
dinamismo à publicidade, mas aproveitar as especificidades da gramaticalidade mobile e da
dinâmica interacional do touchscreen vai além disso. A imagem com autopropaganda das
assinaturas digitais do Estadão são frequentes no site e fazem parte do estabelecimento do
novo modelo de negócios.
Os aplicativos do Estadão
80
O que é interessante de se observar é a escolha do investimento nesses produtos em
sintonia com o comportamento dos leitores. Como já vimos, ele acontece principalmente via
o feed das redes sociais, enquanto a pessoa está usando seu celular. Com essa dinâmica,
ficaria claro que o direcionamento ideal deveria ser a valorização dos sites, abertos ao
acesso conquistado via rede social. Além disso, o conteúdo de um aplicativo não é indexado
(rastreado, passível de ser buscado). É como se aquele material estivesse “fora” da rede. É
uma comunicação mais direcionada.
Além do site mobile analisado até este ponto, neste trabalho vamos descrever
rapidamente os outros produtos digitais para celulares do Estadão, que são os aplicativos. O
Estadão tem três aplicativos para smartphones: eles são o “Estadão”, “Estadão Digital” e o
“Você no Estadão”. Cada um tem uma interface e um objetivo diferente.
35
Preço conferido no dia 20 de junho de 2017.
82
Mas, de acordo com Bovo, a estratégia é usar as duas formas de distribuição.
Até aqui, neste capítulo, analisamos os produtos digitais do Estadão, usando como
informação de contexto e de extensão a entrevista feita com o editor Luís Fernando Bovo. O
conteúdo da entrevista relacionado às estratégias do jornal menos relacionadas à descrição
desses produtos serão discutidas agora.
83
3.3 As estratégias e a expertise do Estadão na área digital e mobile
Como vimos no capítulo anterior, existem muitos caminhos possíveis para se chegar
ao conteúdo jornalístico digital, seja em um ambiente mobile, ou não. De acordo com Bovo,
o jornal decidiu lançar mão de uma estratégia para aumentar o tráfego direto assim que o
novo site mobile foi lançado.
84
Bovo afirma que o leitor que vêm pelo tráfego direto digitando em sua barra de
endereços o link da home do jornal “quer confirmar uma informação, basicamente”. Aqui,
entra o comportamento permanente de o leitor buscar a confirmação de fatos na indústria
jornalística.
“Ninguém vem ao site do Estadão para ler uma matéria de dieta. Ele
vem ao site para ler sobre a crise política, sobre como está a economia,
para ler algum colunista. E aí obviamente ele topa com outros
conteúdos e vai ficando e navegando. Por isso que ele navega bastante
aqui dentro. Porque as pessoas tem esse habito de procurar o Estadão
‘sozinhas’, do que vindo por outros meios.”
“Não é que o assinante não vai chegar por rede social. Ele vai. Os caras que são
assinantes, que são leitores mais fieis, são mais propensos a digitar
Estadão.com.br do que aqueles que não são. Mas entre todos que entram, a
gente também tem uma grande parte que a gente sabe que é a primeira vez
que está entrando no site do Estadão.”
“Hoje em dia não tem como você ficar fora disso. Hoje em dia o jornalismo é
distribuição. Se você não tiver distribuição, acabou. Então você tem que estar
no Instagram, no Facebook, no Twitter, no Google, no Snapchat. Tem que estar.
Não tem jeito. Uma vai trazer marca, um vai trazer experiência, um vai trazer
recall, mas você tem que estar.”
Segundo Bovo, o Estadão foi o primeiro jornal brasileiro a adotar a parceira com o
Facebook e aceitar a utilização do Instant Articles e ele “compensa” a perda de trafego
direto ocasionada pela mudança no algoritmo do Facebook, que vêm privilegiando as
postantes de amigos, e menos de páginas.
No caso do Google Amp, Bovo ressalta que o a empresa norte-americana quer uma
experiência de usuário de qualidade na dinâmica de busca do leitor. Se os links oferecidos
demoram para carregar a partir dos resultados, tanto o Google como o site “perdem”
qualidade nessa experiência.
Ainda de acordo com Bovo, a audiência não é afetada, “muito pelo contrário.” A
parceria favoreceria os veículos que lançam mão dela. Apesar dos benefícios dessas duas
ferramentas, como há perda de tráfego direto, o jornalista afirma que o veículo precisa
investir nesse tipo de audiência para não ser dependente.
“Obviamente, a gente sabe todos os riscos que isso traz, de você ficar na
dependência de todos eles e tal, por isso que é importante você ter um
86
trafego direto como a gente tem. Então a gente fica menos vulneral
quando, como por exemplo, o Facebook vai lá e resolve mexer no
algoritmo. O impacto na gente é menor, apesar de a gente sentir
também. É menor porque a gente tem um tráfego direto muito forte.
Quem depende 80% do Facebook morreu nessa hora, porque a
audiência do cara despenca”.
De acordo com Bovo, apesar da importância do tráfego que vem de redes sociais e de
estratégias para conseguir engajamento nas publicações dentro desses ambientes, o “clique
pelo clique” não é um caminho positivo: “o usuário fica puto com título caça clique.”
“A gente não produz nada voltado para rede social. A gente faz porque é
bacana. A gente acredita que a gente define a audiência e não o oposto.
Logo, a audiência vem. A gente está atento às redes sociais, ao que
pessoas estão vendo. E aí isso cabe em algumas editoriais, mas isso não é
premissa. Todas essas coisas novas, como lista, a gente usa para o nosso
tipo de conteúdo. Isso você está dando uma informação relevante. Então
a gente usa essas novas maneiras, adequando ao nosso tipo de
conteúdo.”
Ainda falando sobre distribuição, a perspectiva de Bovo sobre a queda no uso dos
tablets é pragmática: esses aparelhos tinham nascido “meio sem função” e foram engolidos
pelo aumento das telas dos celulares. Para o jornalismo, o leitor também não estava muito
interessado em conteúdo “ultramultimídia”.
“Os celulares ficaram cada vez maiores e melhores. Com isso, eles
praticamente ofuscaram os tablets, que até então a grande novidade da
indústria. As possibilidades do tablete eram muitas, mas só que o
usuário não tava a afim de pirotecnias editoriais. A nossa edição tem
galeria de fotos, vídeo. O usuário não respondeu positivamente. O tablet
virou um aparelho para ficar em casa. Eu nem trago mais o meu para cá.
Tenho três tablets que ficam em casa e quase não uso. Antes, eu usava
para baixar o jornal e ler de manhã antes de vir para cá. Agora, eu baixo
no celular e pronto. Mais prático. Eu acho que o que aconteceu é que o
tablet já nasceu meio sem função. Ele não era um notebook, não era um
celular, ficou uma coisa meio hibrida. Estava pedindo para morrer. Aí,
vem o celular e aumentou sua tela”.
87
Como o celular já é o protagonista no que se refere a dispositivo convergente a nos
acompanhar, não haveria espaço para outro aparelho. “Está todo mundo no celular. A
pessoa está o tempo todo com o celular. É com ele que ela anda. É com ele que ela se
comunica, onde ela tira foto, ouve musica e é ali que ela vai ler noticia também.”
“Sim. Mais do que nunca. Curadoria parece uma palavra antiga, mas ela
tá super na onda. No período de impeachment, de cada cinco noticias,
três eram falsas no Faceboook. É muito importante o jornalismo de
qualidade feito com o método jornalístico, seja de verdade. Que não
seja informação disfarçada de jornalismo, seja boato disfarçado de
jornalismo. A gente bate muito nessa tecla. Nem tudo que tá na rede é
peixe, porque tem muita porcaria que cai na rede. Quando você tá
navegando, você topa com tudo. O jornalismo nunca teve um papel tão
importante. Se não, você tá ferrado. Eu, por exemplo, não clico em nada
que eu não conheço a fonte”.
De acordo com Bovo, o leitor que utiliza o aplicativo Estadão Digital e baixa o pdf do jornal
em seu dispositivo móvel é um leitor que “preza à edição e quer saber como o jornal está
empacotando aquela informação”.
3.3.1 A cultura das assinaturas digitais e a relação entre assinaturas e independência dos
jornais
Uma hipótese que surgiu durante a entrevista, foi sobre a mudança da cultura de se
pagar por conteúdo na Web. Júnior (2013) e Camargo (2015) comentam que o leitor paga
por entretenimento, mas não gosta de pagar por notícia. De acordo com Bovo, os serviços
de música e vídeo on demand “ajudam” na travessia para esse novo modelo de negócio.
88
“Esses serviços tipo Spotify, Apple Music, Netflix... Isso tem ajudado a
incutir na cabeça da pessoa que compensa você pagar um pouquinho,
mas ter acesso a um conteúdo, a musicas, a filmes. Tem ajudado
bastante a gente, só não sei quanto tempo essa travessia vai demorar.”
Outra característica do público pagante por informação é que ele sempre foi de
nicho e mais praticado por classes mais abastadas, de acordo com Bovo: “O brasileiro acha
que tudo é de graça. Nós nunca tivemos como uma cultura geral isso de pagar assinatura de
jornal. Sempre foi uma cultura de nicho. E acham que é de graça.”
Mas como se convence esse público que hesita em pagar? Para o jornalista, “a
estratégia é informar um cara que pra continuar lendo, ele tem que colaborar para manter o
jornalismo de qualidade.”
Para Bovo, “essa travessia vai acontecer”, mas o desafio é “o que você vai fazer
enquanto isso não acontece.”
A permanência do jornal impresso dentro do portfólio dos produtos dos jornais vai
além do seu peso simbólico. Ele parou de trazer o lucro que trazia, mas ainda tem uma
relação de espaço publicitário-lucro significativa. De acordo com Bovo, o anunciante ainda é
interessado nessa mídia, mas não desembolsa tanto quanto antes porque não somos mais
aqueles leitores que consomem notícia folheando páginas impressas no café da manhã.
Segundo o editor, o caminho é o da diversificação das fontes de receita em um modelo de
negócio, à partir da consolidação da Internet, mais focado nas assinaturas digitais.
Bovo destaca que essa é a dinâmica já adotada pelo jornal espanhol El País e pelo
nova-iorquino The New York Times. Para o editor “esse é o caminho” e estaria até se
demorando para fazer isso: “Estamos discutindo como vai ser essa redação, onde o impresso
vai ser um produto e não mais o centro da produção. Você tem que produzir conteúdo e ter
um grupo que fecha o impresso.”
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo a revolução tecnológica e editorial trazida pelos smartphones tem a ver com a
interface, com o surgimento de dispositivos com gramáticas próprias. Tudo isso é o
fundamento para qualquer investida de produtos jornalísticos sobre esses aparelhos.
91
Há duas principais conclusões: encontramos uma dinâmica do consumo de notícias
em tempos de smartphones e identificamos um padrão no pensamento estratégico dos
grandes jornais, ilustrado pela entrevista de Luis Fernando Bovo.
O leitor médio consome notícias dos portais dos jornais quando encontra com ela
em seu feed na rede social, em seu smartphone. Esse é um perfil que vem crescendo e está
estabelecido como o alvo das estratégias digitais dos jornais, como vimos nos dados das
pesquisas State of News Media e Digital News Report. De acordo com o Digital News Report
2016, 52% dos pesquisados usam mídias sociais para acessar notícias toda semana no Brasil.
Outro ponto emque, tanto autores usados na referência, como o editor do Estadão
Luís Fernando Bovo concordam, é a sobre a falência dos tablets como suportes ideais para o
conteúdo jornalístico digital móvel. Ganhou a praticidade do smartphone.
Onde vamos consumir conteúdo? E notícia? O texto vai sobreviver? Qual será o
92
paradigma do consumo de conteúdo jornalístico daqui a 10 anos? A narrativa será construída
sobre a gramaticalidade da realidade aumentada? A Internet das coisas e os dispositivos
vestíveis devem vingar? Haverá algum que servirá como suporte de mídia?
Sempre haverá um trabalho sem fim da indústria da mídia de fazer conteúdo para
um novo suporte que surge. O curioso é que a sensação é que sempre estamos um passo
atrás da tecnologia, porque o tempo de entender a relação cognitivo-mercadológico-
corporal dos leitores que rapidamente aderem a novos gadgets é lento. O exemplo do
tablet, que não vingou, pode ilustrar essa situação.
O que temos de concreto é a consolidação do acesso via mobile nos próximos anos,
junto da consolidação de assinaturas digitais e as receitas dos jornais pulverizando. Com esse
novo modelo de negócio estabelecido, os jornais que investiram nos ambientes digitais
devem encontrar sua sustentabilidade.
93
BIBLIOGRAFIA
BALLARD, B. Designing the mobile user experience. West Sussex: John & Sons, 2007.
CAMARGO, Isadora Ortiz de. Mobilidade Como fator diferencial dos Modelos de Negócios em
Jornalismo: O Caso Do Nytimes. In: CANAVILHAS, João; Rodrigues, Catarina (orgs.).
Jornalismo Móvel: linguagem, géneros e modelos de negócio. Portugal: Labcom books,2017.
CASTELLS, Manuel. Comunicação Móvel e Sociedade: Uma Perspectiva Global. Rio de Janeiro:
Fundação Calouste Gulbenkian. 2009, 392 p.
94
CONDE, Marina Guedes. Jornalismo no feed de notícias: a relação entre jornalismo e redes
sociais através do Instant Articles do Facebook. In: CANAVILHAS, João; Rodrigues, Catarina
(orgs.). Jornalismo Móvel: linguagem, géneros e modelos de negócio. Portugal: Labcom
books, 2017.
DÍAZ NOCI, Javier et alli. New trends in content and design at the Spanish cybermedia. In:
SALAVERRIA, Ramon. SADABA CHALEZQUER, Charo (orgs.). Towards new media paradigms: II
Int. Conference. Navarra: Eunate, 2004.
DIGITAL NEWS REPORT 2016. Reuters Institut for the Study of the Journalism.
JÚNIOR, Paulo Pinheiro Gomes. Paywall: a notícia de cara contra o muro. Anais do XIV
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, S. Cruz do Sul – RS, 30/05 a
01/06/2013. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/sul2013/resumos/R35-0869-
1.pdf.
KERCKHOVE, D. O senso comum, antigo e novo. In: PARENTE, André (org). Imagem máquina:
a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
KERCKHOVE, Derrick de. A Pele da Cultura. Uma Investigação Sobre a Nova Realidade
Electrónica. Relógia D´água. Lisboa. 1997
LASEN, A. A Comparative Study of Mobile Phones Use in Public Places in London, Madrid and
Paris, 2002.
LEMOS, André. Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão. Revista Razon Y Palabra, 2004.
Disponível em: http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n41/alemos.html,
LEMOS, André. Cultura da mobilidade. Revista FAMECOS , Porto Alegre, nº 40, dezembro de 2009.
95
LEMOS, André. CUNHA, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina: Porto Alegre,
2003, pp. 11-23.
LING, R. (1998). One can talk about Common Manners! The Use of Mobile Telephones in
Inappropriate Situations. In: HADDON, L. (ed.) Communications on the Move: The Experience
of Mobile Telephony in the 1990s, COST248 Report, Telia, Farsta.
MORIMOTO, Carlos E. Smartphones – Guia Prático. GDH Press e Sul Editores, 2009.
NIELSEN, Jakob. Usability Inspection Methods. New York: John Wiley & Sons, New York, NY
ISBN 0-471-01877-5, 1994.
NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer um jornal diário. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2004.
NOVAIS, Ana Elisa Costa. Leitura nas interfaces gráficas de computador: Compreendendo a
gramática da interface. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos
Lingüísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre em Linguística, 2008.
OLIVEIRA, Vivian Rodrigues de; PAULINO, Rita de Cássia. Interfaces jornalísticas em tablets: o
design digital da informação nos aplicativos móveis. Disponível em:
http://www.academia.edu/11832948/INTERFACES_JORNAL%C3%8DSTICAS_EM_TABLETS_O
_DESIGN_DIGITAL_DA_INFORMA%C3%87%C3%83O_NOS_APLICATIVOS_M%C3%93VEIS.
96
(org.). Webjornalismo: 7 caraterísticas que marcam a diferença. Livros LabCom Covilhã,
2014.
PADOVANI, Stephania. PUPPI, Maicon Bernert. Mobile learning apps no ensino de alemão como língua
estrangeira: uma survey com alunos e professores. 7º Congresso nacional de Ambientes Hipermídia para
Aprendizagem (anais 2015). Disponível em: http://conahpa.sites.ufsc.br/wp-
content/uploads/2015/06/ID220_Puppi-Padovani.pdf.
PALACIOS, Marcos. Memória: Jornalismo, memória e história na era digital. In: CANAVILHAS,
João (org.). Webjornalismo: 7 caraterísticas que marcam a diferença. Livros LabCom Covilhã,
2014.
PAVLIK, John V. Journalism and new media. New York: Columbia University Press, 2001.
QUADROS, Claudia. Uma breve visão histórica do jornalismo on-line. In: Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação, 2002, Salvador (Anais).
ROGERS, Rogers, Everett M. Diffusion of innovations. Canada: Macmillan Publishing Co,1971. Disponível
em: https://teddykw2.files.wordpress.com/2012/07/everett-m-rogers-diffusion-of-innovations.pdf.
SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo:
Paulus, 2004.
SANTAELLA, Lucia. O leitor ubícuo e suas consequências para a educação. Revista Ensino Superior
(Unicamp), 2013. Disponível em: https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/desafios-da-
ubiquidade-para-a-educacao.
SANTAELLA, Lucia. Revisitando o corpo na era da mobilidade. In: LEMOS, André (org.).
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação
no Brasil. EDUFBA: Salvador, 2009.
97
SCOLARI, Carlos. Hacer Clic hacia una sociosemiótica de lasinteraciones digitales. Barcelona:
Gedisa, 2004.
SILVA, Andrey Hespanhol. VILHEGAS, Viviani Priscila Piloni. IHC em Dispositivos Móveis –
Análise do Aplicativo Whatsapp. Revista ETIC - ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - ISSN
21-76-8498. Vol. 9, No 9 (2013).
SIMÕES, Isabella de Araújo Garcia. A Sociedade em Rede e a Cibercultura: dialogando com o pensamento de
Manuel Castells e de Pierre Lévy na era das novas tecnologias de comunicação. Revista Eletrônica Temática,
2009. Disponível em: http://www.insite.pro.br/2009/Maio/sociedade_ciberespa%C3%A7o_Isabella.pdf.
The Pew Research Center’s Project for Excellence in Journalism. The State of the News Media
2015.
98