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21/02/2018 Intervenção Federal no RJ: A história das operações e planos de segurança no Rio: três décadas de fracassos | Brasil | EL PAÍS

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INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO ›

A história das operações e planos de segurança no Rio: três décadas de


fracassos
Aposta pelo uso da força e apelo aos militares vem sendo constante no Estado desde 1992.
UPPs representaram tentativa estruturante e de longo prazo, mas também falhou

Militares patrulham o aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, no último sábado, um dia após a intervenção federal no Estado. AFP

FELIPE BETIM

Jornalista | Periodista - El País

Rio de Janeiro - 21 FEV 2018 - 00:22 BRT

Os holofotes sempre se centram no Estado e na cidade do Rio de Janeiro quando o assunto nacional é segurança
pública — apesar de que em outras unidades da federação as taxas de homicídios sejam inclusive maiores,
segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Durante ao menos três décadas, às vezes com
maior ou menor intensidade, o Rio vem sendo palco de fracassadas operações policiais em favelas e periferias
que, segundo especialistas da área, mais servem para encher os noticiários de imagens espetaculares do que para
alcançar resultados efetivos. Uma vez ou outra também aparecem por aqui as Forças Armadas, seja nas ruas da
nobre Zona Sul para dar uma sensação de maior segurança, seja para dar apoio às operações policiais. Grandes
planos para conter a violência no Rio foram anunciados, sendo o último deles o das Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs). Todos incluíam o uso ostensivo da força e todos, seja a curto ou médio prazo, fracassaram.

 
Com a inédita intervenção federal de caráter militar decretada pelo presidente Michel Temer
MAIS INFORMAÇÕES
(MDB), abre-se um novo capítulo na história das tentativas de estancar a violência no Rio e
resolver um problema que possui raízes históricas e estruturais. Inédito porque, apesar do uso
das Forças Armadas no Rio em outras ocasiões, é a primeira vez desde a redemocratização
que o Governo federal intervém diretamente no estadual, retirando deste suas competências
na área de segurança pública e nomeando um interventor federal — neste caso, o general do

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Exército Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste e, agora, responsável
máximo pelas polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e da Administração Penitenciária
fluminenses. Cabe ao general, e não mais ao governador Luiz Fernando Pezão (MDB), tomar
todas as medidas que achar necessárias para conter o crime no Rio, incluindo o domínio das
A conveniente
interrupção da facções criminosas de alcance nacional.
votação da reforma
da Previdência
A crise na segurança pública fluminense vem de décadas e os fatores são múltiplos, segundo
vários especialistas: expansão do crime organizado em áreas abandonadas pelo setor público,
falta de uma política séria de habitação, corrupção policial, sucateamento da capacidade
investigativa da Polícia Civil, precarização da Polícia Militar, aposta pela política de guerra às
Intervenção federal drogas...
no Rio decretada por
Temer abre inédito e
incerto capítulo "A história da criminalidade no Rio começa lá nos anos 70, quando a cocaína começa a se
expandir. Entramos pelos anos 80 e 90 com o tráfico vai aumentando seu domínio pela
cidade. No meio desse caminho aparece o fuzil nas mãos dos traficantes, e depois a polícia
acompanha e adota o fuzil também. Depois temos uma onda sequestros que deixou a cidade
virada de cabeça pra baixo e as facções foram se consolidando nesse período", explicou
Intervenção federal Fernando Veloso, ex-chefe da Polícia Civil, durante o evento Brasil do Amanhã - Segurança
no Rio, a nova cara
Pública realizando na segunda-feira. "E chegamos nos anos 2000 com as UPPs, quando todas
das ações militares
que fracassam há as esperanças se acenderam e todos nós achávamos que tínhamos achado o caminho. Parece
décadas
que não", conclui ele, durante seu breve relato histórico.

Cabe então aqui fazer um breve apanhado sobre como, durante esse período, os governos
Federal e Estadual vem tentando lidar com o assunto — ao menos aos olhos da opinião
pública.
Um ano após plano
de segurança,
nenhuma nova vaga
nas prisões
Redemocratização e Rio-92
brasileiras O início da redemocratização e a volta das eleições para governador, ainda no início dos anos
80, coincidiu com o aumento do crime organizado e da sensação de insegurança no Estado do
Rio, como explicou Veloso acima. Durante as eleições para o Governo estadual de 1982, da qual saiu vitorioso,
Leonel Brizola focou sua campanha em educação e segurança pública, tratando o primeiro ponto como solução
para o segundo. Tentou uma abordagem menos repressiva nas favelas e subúrbios, focando nas causas da
criminalidade, e apostou por combater os esquadrões de extermínio da polícia. Mas sua política de segurança não
gerou os resultados esperados. Nas eleições de 1986, o então candidato Wellington Moreira Franco — hoje
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e um dos idealizadores da atual intervenção federal — ganhou
as eleições estaduais prometendo que acabaria com a violência em seis meses. "Nós vamos enfrentar os grupos
de crime organizado, custe o que custar e doa a quem doer, que eu sou intransigente", disse na época. No final de
seu governo, em 1991, a taxa de homicídios no Estado havia aumentado para 60,3 mortes para cada 100.000
habitantes, segundo dados da Secretária Estadual de Segurança. Traficantes já usavam fuzil, armamento que
passou a ser usado pela Polícia Militar logo depois.

Em 1992, o Rio de Janeiro sediaria a conferência da ONU sobre meio ambiente, a chamada Rio-92, que foi
realizada entre os dias 3 e 14 de junho. O então presidente, Fernando Collor, assinou uma Garantia da Lei e da
Ordem (GLO) e enviou tropas federais para ajudar na segurança pública do Rio. Homens do exército, jipes e
 
tanques passaram a fazer parte da paisagem urbana e ficaram estacionados sobretudo em ruas onde passavam
as delegações estrangeiras. O esquema contou com a presença de 17.000 homens e teve como um dos alvos as
favelas da Rocinha e do Vidigal. A partir de então, todos os presidentes democraticamente eleitos passaram a
usar este dispositivo para acionar as tropas.

Os anos 90 e 2000

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Os índices de violência não paravam de piorar e, em 1994, a taxa de homicídios no Estado atingiu um pico de 64,8
mortes por 100.000 habitantes, segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança. Foi nessa época que o
então governador Nilo Batista, substituto de Leonel Brizola, que havia renunciado ao seu segundo mandato para
concorrer à vice-presidência na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, assinou um convênio com o Governo Itamar
Franco na área de segurança pública. O acordo subordinava a estrutura policial do Estado ao Comando Militar do
Leste. O então general Câmara Senna ficou responsável por comandar um órgão central que coordenava e
planejava as ações das polícias Militar e Civil, da Defesa Civil e da Secretaria Estadual de Justiça, segundo noticiou
na época o jornal O Globo.

Seis meses depois, após a posse do novo governador Marcello Alencar (PSDB), em 1995, foi deflagrada a
Operação Rio II. Mais uma vez, o Comando Militar do Leste, chefiado na época pelo general Abdias Ramos,
mobilizou 20.000 homens para levar a cabo um pacote de medidas elaboradas com o fim de conter a onda de
sequestros e "ampliar as propostas para combater o crime organizado como um todo", segundo explicou o então
ministro da Justiça, Nelson Jobim. A ação conjunta contou com Exército, Receita Federal, Polícias Federal, Civil,
Militar e Rodoviária Federal, além de Marinha e Aeronáutica.

Ainda que as taxas de homicídio tenham diminuído nessa época, variando entre 54 e 45 mortes para cada
100.000 habitantes, os problemas de segurança pública não arrefeceram. Voltaram a piorar no início dos anos
2000 e atravessaram os governos de Anthony e Rosinha Garotinho, além dos meses em que Benedita da Silva
esteve no lugar do primeiro, em 2002, ano de eleições gerais. Favelas do Rio tinham chefes do tráfico que
atuavam no varejo de drogas e a lógica de então era a de enfrentamento a partir de operações da Polícia Militar
paliativas. Benedita chegou a dizer na época: "Hoje o que nós estamos mais uma vez fazendo é criando ações
emergenciais para combater uma situação que está ainda localizada".

UPPs e milícias
Foi só quando o peemedebista Sérgio Cabral Filho assumiu o governo do Estado, em janeiro de 2007, que uma
solução estruturante e de longo prazo para a segurança pública passou a estar em cima da mesa. As Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs) foram inauguradas no final de 2008 com uma operação no morro Dona Marta, no
bairro de Botafogo. A estratégia, que logo foi replicada em outras comunidades, consistia em expulsar o tráfico e
instalar bases da Polícia Militar com agentes de preferência novos, sem antigos vícios da corporação, e treinados
para manter uma relação de proximidade com os moradores do local. A ideia, segundo dizia-se, era primeiro fazer
uma ocupação policial da favela e, paralelamente, levar serviços públicos e obras de saneamento. Os tiroteios
cessaram em comunidades, atividades econômicas floresceram e as taxas de homicídio diminuíram em todo o
Estado, chegando a 28,7 mortes para 100.000 habitantes em 2012. "Isso aconteceu porque a polícia parou de
trocar tiro. Quem é o administrador da morte? O Estado. A polícia entrava para impedir disputas entre facções,
mas ela depois passou de produzir o confronto e a ocupar o território. Mas o efeito disso é provisório, porque há
um rearranjo da economia criminosa", explica a antropóloga Jaqueline Muniz, especialista de segurança pública
da UFF.

Não demorou para que o programa apresentasse suas falhas. A segunda parte, que incluía obras de infraestrutura
e serviços públicos de qualidade, nunca se concretizou. A relação entre moradores e policiais se manteve tensa e
logo alguns abusos se fizeram evidentes. Em julho de 2013, o pedreiro Amarildo foi detido, torturado e morto por
policiais da UPP da favela da Rocinha. Seu caso foi repercutido nacionalmente e internacionalmente. Além disso,
as UPPs se mostraram de fácil implementação em favelas pequenas como o Vidigal e Dona Marta, mas de difícil
 
aplicação em outras maiores como a própria Rocinha e o Complexo do Alemão, ambas com cerca de 100.000
habitantes. Foi nesta última comunidade que, em 2010, uma ambiciosa megaoperação envolvendo a Polícia
Militar e as Forças Armadas tentou expulsar o tráfico e instalar uma UPP. O plano para o Alemão nunca foi cem
por cento bem sucedido: tiroteios e abusos continuaram sendo parte da rotina dos moradores, tendo se
intensificado nos últimos dois anos.

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Uma das críticas recorrentes dos especialistas e da oposição ao programa das UPPs é que ele focou nas favelas
próximas dos principais pontos turísticos do Rio e das áreas nobres da cidade — que, do asfalto, enxergou uma
melhoria na segurança. Paralelamente, dizia-se que territórios das periféricas Zona Norte e Zona Oeste cidade,
além dos municípios da Baixada Fluminense, foram abandonados à própria sorte.

Foi também nessa época que as milícias entraram em cena. Elas consistem em agentes do Estado, como policiais
e bombeiros, que controlam determinado território e serviços como o fornecimento de gás. Políticos importantes
do Rio chegaram a dizer no passado que elas eram uma espécie de proteção comunitária, mas logo ficou claro o
regime de terror que era implantado nesses territórios e a relação umbilical com esses políticos. Cabia a
milicianos, por exemplo, autorizar ou não a distribuição de panfletos de campanha ou comícios em determinados
bairros. Muitos deles inclusive eram deputados estaduais ou vereadores. As milícias foram alvo de uma CPI na
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em 2008, comandada pelo deputado estadual Marcelo Freixo,
e muitos milicianos chegaram a ser presos e condenados. Mas o problema nunca deixou de existir.

O Rio dos grandes eventos


O projeto das UPPs foi se enfraquecendo à medida que seus problemas ficavam evidentes e a crise financeira do
Estado aumentava. Paralelamente, o Rio passou a abrigar grandes eventos, como a Jornada Mundial da
Juventude, em 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Para todos, a presidência da
República, chefia nesse período por Dilma Rousseff (PT), emitiu Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para que as
Forças Armadas apoiaram a segurança no Rio. Entre abril de 2014 e junho de 2015, militares ocuparam o
Complexo da Maré a um custo mínimo estimado de 350 milhões de reais, mas que pode ter chegado a 600
milhões, para os cofres públicos. "Com 10% daquilo, 3,5 milhões de reais, você restruturava as áreas de
inteligência e investigação, que são baratas. Capacitaria policiais e desenvolveria programas de prevenção
situacional e social na favela. E com isso conseguiria um impacto maior na economia criminosa", explica a
antropóloga Muniz. "A gente está gastando muito dinheiro para pouco resultado e pouca operacionalidade. E por
isso eu cobro os relatórios. Qual é a taxa de êxito? A cocaína ficou mais cara? Qual é o efeito na economia
criminosa? Não está tendo efeito e não terá".

Em 2016, milhares de homens do exército e da Força Nacional patrulharam as ruas do Rio enquanto aconteciam
os Jogos Olímpicos. A sensação geral era de segurança, enquanto que nas favelas e subúrbios a violência não
cessou durante um minuto. Finalmente, no segundo semestre de 2017, o Governo Temer enviou mais uma vez os
militares. "Gastou-se 10 milhões de reais na Rocinha para apreender algumas armas", lembra Muniz. Com o
projeto das UPPs em decadência, as operações policiais de caráter paliativo voltaram aos noticiários, enquanto a
taxa de homicídios aumentava mais uma vez para 40 mortes para 100.000 habitantes no ano passado. E assim
chegamos a 2018, com uma intervenção federal que, embora de caráter inédito, tem muitas semelhanças com
outras medidas tomadas ao longo das três décadas passadas.

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