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Jorge Amado

Vida e Obra

Nascido em 1912 em Pirangi, na Bahia. Jorge Amado já publicou inúmeras


obras, dentre as quais, 25 romances; dois livros de memórias, duas biografias - a do
poeta Castro Alves e a do comunista Luis Carlos Prestes - duas histórias infantis e
uma infinidade de outros trabalhos, entre contos, crônicas e poesias. Coincidência ou
não, mas o fato é que ao dar seus primeiros passos na carreira literária, em 1922, ano
da realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, Jorge Amado ficaria para
sempre marcado por esse movimento, que modificou o modo de pensar o Brasil não
mais como uma cópia da Europa, mas como um país de cultura própria. Enquanto em
São Paulo, escritores, pintores e poetas contextualizavam um modo de resolver o
problema da identidade nacional, a partir de uma produção artística voltada para sua
própria cultura.
Como podemos constatar, a sua obra inclui pérolas como "Mar Morto", um
retrato mágico da vida arriscada dos pescadores e canoeiros do litoral nordestino e da
magia que o mar exerce no controle da vida e no descontrole da morte; ou "Cacau"
que descreve sem estilo ou estética a vida dos assalariados do cacau, moralmente
dominados pelos coronéis, mas impulsionados por uma íntima convicção pela
melhoria de suas condições de vida, ou ainda "Tenda dos Milagres" que revela o
mundo mágico dos cultos afro-brasileiros.
É essa narrativa que fez de Jorge Amado um dos maiores escritores do século XX no
Brasil, cuja produção literária é a mais conhecida mundialmente.

Influencia Socialista Comunista

Jorge Amado conheceu Raquel de Queiroz, uma forte comunista, e com essa
relação aprofundou-se no comunismo, e algum tempo depois entrando até em um
partido comunista.
O comunismo aparece na obra de Jorge Amado – Capitães de Areia, através
de:
Aparições de Palavras como: Amigos, companheiros; muito usadas pelos capitães de
areia para designar uns aos outros. Essas palavras representam muito o comunismo
e socialismo, pois nesses dois movimentos todos se consideram companheiros e
amigos.
A atenção do Padre pelos meninos: O padre sempre visitava os capitães de
areia, fazendo o possível para ajudá-los. Queria dar aos meninos amor e moradia e
tratá-los de uma maneira igual ao com o resto da sociedade, assim como no
socialismo, onde todos são iguais.
Pedro Bala: Mostra o lado comunista através do pai, que lutava nas greves.
Pedro Bala também apreciava muito as greves, dizia que isso estava no seu sangue,
afirmando mais ainda a influencia do comunismo quando liderou a greve se tornou
líder comunista sindicalista.
Jorge Amado mostra na sua obra escrevendo como socialista a diferença de
ricos e pobres. Mostrando a todos as oportunidades que os meninos podem ter, mas
elas não se encontram no mundo capitalista.

Influencia da Teoria Determinista

É a teoria filosófica de que todo acontecimento (inclusive o mental) é explicado


pela determinação, ou seja, por relações de causalidade.
O determinismo aparece na obra sim, porém ele nao se concretiza. Se a obra
fosse guiada pelo determinismo os meninos continuariam como meninos de ruas,
porém, eles tomam rumos diferentes , e mostra na sua obra que eles podem mudar o
seu destino:
Pirulito: Acredita que o mundo pode mudar através do amor
Sem pernas: Acredita que o mundo pode mudar pelo ódio
Pedro Bala: Acredita que o mundo pode ser mudado através da greve.

Cenário

O Cenário apresentado na obra é urbano, centrado na ação da vida dos


menores abandonados, na cidade de Salvador.
Apresenta dois planos:
O Físico: Parte Alta- Ricos
Parte Baixa pobre
Que pode ser considerada uma metonímia,

Omolu mandou a bexiga negra para a cidade. Mas lá em cima os homens ricos se
vacinaram, e Omolu era um deus das florestas da África, não sabia destas coisas de vacina. E
a varíola desceu para o cidade dos pobres e botou gente doente, botou um negro cheio de
chaga em cima da cama [...] (p. 132)

O Psicológico: A visão das crianças, que, por conhecerem a cidade inteira


possuem a sensação de que um dia vão conquistá-la.

Trapiche: O trapiche é onde a maior parte da história acontece, é uma


construção abandonada suja, com ratos, onde os meninos vivem e se escondem.
Localizada na beira da praia, onde muitas vezes é mencionado o quebrar das ondas.
Casas: As casas da parte alta da cidade, são casas de grande porte, quase como um
palecete (citação do livro) todas com grandes jardins, e objetos valiosos em que os
capitães de areia armavam planos para roubá-los..

O 611 era uma casa grande, quase um palacete, com árvores na frente. Numa mangueira, um
balanço onde uma menina da idade de Dora se divertia. [...] (p. 159)

Reformatório: O reformatório era um local onde os meninos de ruas eram


colocados, porém com péssima estrutura. Podemos citar uma parte do livro onde
Pedro Bala, ficou em quarto muito pequeno, onde nem conseguia nem ficar em pé,
localizado em baixo de uma escada, sem luz e com pouca ventilação.

Pesadas cortinas, cadeiras de alto espaldar, um retrato de Santo Inácio numa parede. Na
outra, um crucifixo. Uma grande mesa, custosos tapetes. [...] (p. 140)

Religiosidade e Seus Representantes.

A Religião na obra é um apoio ou um refugio para a miséria humana. Na obra


podemos citar duas religiões: O Candomblé e o cristianismo.

O cristianismo é mostrado na obra de forma simples, executado pelo padre


José Pedro, e seguido por Pirulito, em que sua fé esta muito abordada. Padre José
Pedro De origem humilde, seu maior sonho era tentar resgatar os meninos da miséria. Mostra
também uma igreja católica capitalista, que favorecem somente aos burgueses.

- O senhor sabe que a viúva Santos é uma das melhores protetoras da religião na Bahia? Não
sabe dos donativos... (p. 142) 
Pareciam adora-lo e o padre José Pedro se revoltou. Em verdade ele sabia que a grande
maioria dos padres não se revoltava e ganhava bons presentes de galinhas, perus, lenços
bordados e por vezes até antigos relógios de ouro que passavam através de gerações na
mesma família. [...] (p. 67)

 Jorge amado era da religião do candomblé, e foi autor da lei em que todas as
religiões são aceitas no país.

O candomblé pode ser citado na obra com mais valorização, e tem como
representante a Don’aninha, que mostra como realmente se preocupa com os
capitães de areia e seguidores: Pedro Bala, João Grande, Querido-de-deus e Boa
vida.

Por último Don’Aninha veio aonde estavam os Capitães da Areia, seus amigos de há
muito, porque são amigos da grande mãe-de-santo todos os negros e todos os pobres da
Bahia. Para cada um ela tem uma palavra amiga e maternal. Cura doenças, junta amantes,
seus feitiços matam homens ruins. [...] (p. 86-7)
 
Jorge Amado mostra também em sua obra, além da oposição de ricos e
pobres, a discriminação de religiões não oficiais, como mostra na passagem:

[...] Os candomblés batiam em desagravo a Ogum e talvez num deles ou em muitos


deles Omolu anunciasse a vingança do povo pobre. Don’Aninha disse aos meninos com uma
voz amarga:
 
- Não deixam os pobres viver... Não deixam nem o deus dos pobres em paz. Pobre
não pode dançar, não pode cantar pra seu deus, não pode pedir uma graça a seu deus – sua
voz era amarga, uma voz que não parecia da mãe-de-santo Don’Aninha.
 
- Não se contentam de matar os pobres a fome. Agora tiram os santos dos pobres... –
e alçava os punhos. (p. 87)

Linguagem
Jorge Amado pertence a uma geração de escritores “regionalistas”. A principal
característica de estilo dessa geração foi a de contrapor uma linguagem mais espontânea,
coloquial, popular, à linguagem rara, escolhida, herdeira dos vícios parnasianos e
representativa da classe social dominante.O escritor consegue registrar as falas de diferentes
camadas sociais, como se poderá verificar nos exemplos abaixo:

 - Tu quer esse Deus Menino para tu? – perguntou ele de repente. (p. 175)
 
- Tu não vai hoje ao Gantois? Vai ser uma batida daquelas. Um fandango de primeira.
É festa de Omolu.
 - Muita bóia? E aluá?
 - Se tem... mirou Pedro Bala. – Por que tu não vai, branco? Omolu não é só santo de
negro. É santo dos pobres todos. (p. 79)

Outra marca estilística típica de Jorge Amado é a sem-cerimônia com que se utiliza de
termos chulos, freqüentemente extirpados da língua oficial ou ocultados por meio da
linguagem eufemística:

 [...] Boa-Vida ficou espiando os peitos da negra, enquanto descascava uma laranja
que apanhara no tabuleiro. 
- Tu ainda tem uma peitama bem boa, hein, tia? (p. 75)
- Quem tirou teu cabaço?
- Ora, me deixe... – respondeu pederasta rindo. (p. 96)

 O narrador também assimila um modo de falar mais natural, mais simples. E isso é
conseguido, por exemplo, com o uso sistemático da frase curta, incisiva, econômica:
Outro recurso de que se serve Jorge Amado para conseguir um efeito natural,
espontâneo, é a repetição de uma palavra ou expressão, ao longo de um parágrafo,
que acaba por ter um surpreendente efeito plástico, musical.
 
Polícia e Reformatório

No início da obra podemos perceber através das cartas mandadas aos jornais,
que ninguém se responsabiliza pelos capitães de areia, deslocando a culpa. As cartas
mostram como a sociedade burguesa deseja “se livrar” ou aplicar um justo castigo aos
malandros criminosos que não deixam a cidade em paz.

O que se faz necessário é unia urgente providência da policia e do juizado de menores no


sentido da extinção desse bando e para que recolham esses precoces criminosos, que já não
deixam a cidade dormir em paz o seu sono tão merecido, aos Institutos de reforma de crianças
ou às prisões.
Urge uma providência Os moradores do aristocrático bairro estão alarmados e receosos de
que os assaltos se sucedam, pois este não é o primeiro levado a efeito pelos "Capitães da
Areia". Urge uma providência que traga para semelhantes malandros um justo castigo e o
sossego para as nossas mais distintas famílias. Esperamos que o ilustre Chefe de Polícia e o
não menos ilustre dr. Juiz de Menores saberão tomar as devidas providências contra esses
criminosos tão Jovens e já tão ousados

Referentes a estas cartas a polícia diz por sua vez que não é responsável
pelos atos dos capitães da areia, e deveriam receber ordem do Juiz de menores para
executar seu trabalho, e ainda cita que:

Irá tomar sérias providências para que semelhantes atentados não se repitam e para
que os autores do de anteontem sejam presos para sofrerem o castigo merecido

Porém o Juiz de Menores, não considera a desculpa da polícia com a seguinte


justificativa:

Não procede, sr. Diretor, porque ao juizado de menores não compete perseguir e
prender os menores delinqüentes e, sim, designar o local onde devem cumprir pena, nomear
curador para acompanhar qualquer processo conta eles instaurado, etc. Não cabe ao juizado
de menores capturar os pequenos delinqüentes. Cabe velar pelo seu destino posterior. E o sr.
doutor Chefe de Polícia sempre há de me encontrar onde o dever me chama, porque jamais,
em 50 anos de vida impoluta, deixei de cumpri-lo.

E complementa com a visão de um reformatório pacifico e não entende a razão


das crianças fugirem, deixando a responsabilidade a um psicólogo:

Não tenho culpa, porém, de que fujam, que não se impressionem com o exemplo de trabalho
que encontram naquele estabelecimento de educação e que, por meio da fuga, abandonem um
ambiente onde se respiram paz e trabalho e onde são tratados com o maior carinho. Fogem e
se tornam ainda mais perversos, como se o exemplo que houvessem recebido fosse mau e
daninho. Por quê? Isso é um problema que aos psicólogos cabe resolver e não a mim, simples
curioso da filosofia. O que quero deixar claro e cristalino, sr. Diretor, é que o doutor Chefe de
Polícia pode contar com a melhor ajuda deste juizado de menores para intensificar a
campanha contra os menores delinqüentes.

Após a carta do Juiz de Menores, recebe-se a carta de uma Mãe onde ela
relata a situação do reformatório vivida pelo seu filho:

Queria que seu jornal mandasse uma pessoa ver o tal do reformatório para ver como são
tratados os filhos dos pobres que têm a desgraça de cair nas mãos daqueles guardas sem
alma. Meu filho Alonso teve lá seis meses e se eu não arranjasse tirar ele daquele inferno em
vida, não sei se o desgraçado viveria mais seis meses. O menos que acontece pros filhos da
gente é apanhar duas e três vezes por dia. O diretor de lá vive caindo de bêbedo e gosta de
ver o chicote cantar nas costas dos filhos dos pobres, há de ver que comida eles comem, o
trabalho de escravo que têm, que nem um homem forte agüenta, e as surras que tomam. Mas
é preciso que vá secreto senão se eles souberem vira um céu aberto. Vá de repente e há de
ver quem tem razão.

E ainda a concordância do padre e a distorção do Juíz:

Quanto à carta de uma mulherzinha do povo, não me preocupei com ela, não merecia a minha
resposta.
Um Estabelecimento Modelar onde Reinam a Paz e o Tratado - um Diretor que é um Amigo -
ótima comida - crianças ladronas em Caminho da Regeneração - Acusações Improcedentes -
só um Incorrigível reclama - o Reformatório Baiano é uma grande Família - onde deviam estar
os Capitães da Areia. (Títulos da reportagem publicada na segunda edição de terça-feira do
jornal da Tarde, ocupando toda a primeira página, sobre o Reformatório Baiano, com diversos
clichês do prédio e um do diretor.)

A situação como podemos observar era totalmente distorcida pelo juiz de


menores, podemos verificar isso quando Pedro Bala é capturado pelo juizado e a carta
do juiz diz que ele ira ser reformado ou regenerado e afirma que não é fácil fugir do
reformatório, e conseguirão tirar a informação do local onde os capitães de areia
moram:

Agora os jornalistas já foram, moleque. Tu agora vai dizer que sabe queira ou não queira. O
diretor do reformatório riu: -- Ora, se diz... O investigador perguntou: --... Pedro Bala
sentiu duas chicotadas de uma vez. E o pé do investigador na sua cara. Rolou no chão,
xingando. -- Ainda não vai dizer? -- perguntou o diretor do reformatório. -- Isso é só o começo...

Pedro Bala foi trancado numa cafua, um quartinho pequeno, onde não podia
estar de pé nem deitado, comia feijão salgado e tinha pouca água,tudo era escuro e
suas vezes eram colocadas em uma vasilha. O odor era imenso.

. Aquilo é castigo para um homem, não para um menino. O ódio não cresce mais em
seu coração. Já atingiu o máximo.

Assim podemos ver porque os meninos fugiam como foi abordado na primeira
carta. Como menciona Pedro Bala, isso é castigo para um homem não para um
menino. Pedro Bala sai da cafua sem condições de ficar em pé, e é designado para
lavra terra.

Na policia podemos notar também o total desinteresse dos guardas pelos


meninos de rua, eles só se preocupam mesmo em capturar os ladrões e não tem a
mínima compaixão por eles assim como mostra o trecho:

A policia não é hotel, malandro. Desaperta, desaperta... - e fez sinal para que Pedro se
afastasse. Pedro tentou novamente puxar conversa, mas o guarda o ameaçou com o
cassetete: -- Vai dormir num jardim... Vai embora...

No, “Reformatório” e “Orfanato”, o narrador trata das terríveis condições de vida


nessas duas instituições. Presos num assalto frustrado a uma casa, Pedro Bala e
Dora, sacrificando-se para que o grupo possa fugir, são recolhidos a um reformatório e
a um orfanato respectivamente. Resistindo de forma heróica às torturas, o menino não
delata os companheiros e, por isso mesmo, passa alguns dias na solitária. Dora, por
sua vez, não sendo “uma flor de estufa” e amando “o sol, a rua, a liberdade”, acaba
adoecendo. Com a ajuda dos meninos, Pedro Bala e Dora conseguem fugir
Sociedade Burguesa (elite)

Desse modo, é possível ler a obra dentro de suas vertentes temáticas. A


primeira diz respeito ao confronto entre classes sociais que se antagonizam, levando a
um desfecho mais ou menos previsível. De um lado, temos os desprotegidos da sorte
que se tornam senhores de um espaço vazio, a areia em que dorme. Assim, o título do
romance tem um sentido metafórico: os meninos são capitães da areia, da terra
devoluta, em que se ergue o seu quartel-general, um trapiche abandonado. O fato de
eles viverem na orla do mar acentua ainda mais a sua marginalização e, ao mesmo
tempo, paradoxalmente, a posse da cidade, visto que dispõem de ampla liberdade
para percorre-la em todos os sentidos. O mesmo não ocorre com os burgueses:
fechados em suas mansões, vestidos em grossos capotes, distanciam-se da natureza
e tornam-se vítimas do próprio sistema que criaram.
 
Para acentuar a disparidade entre as classes, o narrador mostra que os
poderosos ainda dispõem de certas forças que os protegem e que servem para
marginalizar ainda mais os desfavorecidos. Essas forças são a polícia (conjuntamente
com instituições como os reformatórios e orfanatos) e a Igreja. A primeira constitui-se
no cão-de-guarda das classes dominantes e, por isso mesmo, ostensivamente se
presta a expurgar do sistema social todos aqueles que possam representar ameaça à
manutenção da ordem. Esse comportamento repressivo da polícia pode ser visto na
visão crítica que o narrador tem dela e, mais especificamente, em certas cenas em
que se mostra o autoritarismo, como a da prisão forjada de Pedro Bala e a do
reformatório. Não é à toa que o narrador transfere aos poderosos certas qualidades
que são inerentes ao policiais. Observe-se no fragmento abaixo a referência à jóia, ao
charuto e à entonação de voz do comissário de polícia como índices de prosperidade,
autoritarismo e, por conseguinte, de adesão a uma casta superior:
 
O comissário era um jovem advogado que reluzia um rubi no dedo e um
charuto no queixo.
 
Quando Pedro entrou com o guarda, pediu café em voz alta. [...] (p. 97)
 
A Igreja, por sua vez, à exceção do padre José Pedro, faz a opção pelos ricos,
ignorando os desvalidos da sorte:
 
- O senhor sabe que a viúva Santos é uma das melhores protetoras da religião na Bahia? Não
sabe dos donativos... (p. 142)
 
Em outros momentos, essa adesão da Igreja aos ricos e poderosos pode-se
traduzir num desprezo pelas classes humildes e numa crítica, de caráter ideológico,
aos que fizeram a opção pelos pobre. Essa crítica, como não poderia deixar de ser,
serve-se de um estereótipo muito comum na época, que era o de “comunista”.
 
- Cale-se – a voz do cônego era cheia de autoridade. – Quem o visse falar diria que é
um comunista que está falando. E não é difícil. No meio dessa gentalha o senhor deve ter
aprendido as teorias deles... O senhor é um comunista, um inimigo da Igreja... (p. 144)

Donos do dinheiro, de bens materiais e das forças policiais, as classes


dominantes desprezam e exploram as classes menos favorecidas sem que, contudo,
isso implique possibilidade de felicidade ou de realização pessoal. É muito comum no
romance a referência às solteironas ricas, solitárias, incapazes de amar. Como
contraponto à solidão dos burgueses, o narrador acentua a lealdade, o
companheirismo dos meninos abandonados, o profundo amor que liga Pedro Bala a
Dora.
A estupidez, a falta de humanidade do homem passa, então, a ser
representada pela veste, um índice não só de seus status, de sua posição social,
como também da sua inadequação ao meio em que vive, pois o capote seria mais
adequado a um clima frio ou temperado. É por isso que o Professor elegerá o
sobretudo símbolo da arrogância burguesa – ao rouba-lo do homem, acaba por criar
um símbolo que o perseguirá vida afora:
 
[...] Foi assim que o Professor tinha conseguido aquele sobretudo, que nunca quis vender.
Adquirira um sobretudo e muito ódio. E tempos depois, quando as suas pinturas murais
admiraram todo o país (eram motivos de vidas de crianças abandonadas, de velhos mendigos,
de operários e doqueiros que rebentavam cadeias), notaram que nelas os gordos burgueses
apareciam sempre vestidos com enormes sobretudos que tinham mais personalidade que eles
próprios. (p. 92)
 
Esse expediente narrativo será retomado em outras passagens, como naquela
em que uma velha senhora recrimina o padre José por ele estar em meio às crianças.
Neste caso, a prepotência, a desumanidade da mulher serão representadas por um
lorgnon (palavra de origem francesa que designa um tipo de óculos, sem hastes,
montado numa armação com um cabo), pois, além de ser um objeto de luxo, indicando
a classe social superior da senhora, é também um símbolo irônico de seu modo azedo
de analisar criticamente a realidade: “E o lorgnon da velha magra se assestou contra o
grupo como uma arma de guerra” (p. 72).

Transformações

Pobres

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