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Hipótese a respeito da extensão da superexploração

do trabalho no capitalismo avançado desde a


perspectiva da teoria marxista da dependência



Adrián Sotelo Valencia1

Resumo: A categoria de superexploração do trabalho é historicamente


constitutiva das economias e sociedades latino-americanas, ao mesmo
tempo que, neste momento, está se tornando operacional na economia
internacional, especialmente nos países avançados do sistema
capitalista. Isso ocorre também na suas novas periferias, que se tornam
elos das cadeias globais de produção de valor e valorização do capital
da região europeia e de suas empresas transnacionais.
Palavras-chave: lei do valor; superexploração; mais-valia.

Abstract: The category of super-exploitation of labor is historically


constitutive of Latin American economies and societies, while at the
moment it is becoming operational in the international economy,
especially in the advanced countries of the capitalist system, but also
in its new peripheries, which Become links of the global chains of
production of value and valorization of the capital of the European
region and its transnational companies.
Key-words: law of value; super-exploitation; surplus value.

1
Sociólogo, pesquisador do Centro de Estudios Latinoamericanos da FCPyS da UNAM,
México. E-mail: sotlova@gmail.com. Traduzido do castelhano por Diógenes Moura
Breda.
Introdução

Nos últimos anos, tem ganhado força uma ideia relativa


à possibilidade de que um intenso processo de superexploração
do trabalho esteja se estendendo no mundo desenvolvido
ou seja, – nas economias avançadas do capitalismo central –, em virtude
das múltiplas dificuldades que o capitalismo está enfrentando em
escala global (SOTELO, 2010). Muitos autores tem mostrado ceticismo
diante dessa ideia, outros a assumindo de maneira propositiva,
não para tomá-la como verdadeira dentro de um esquema rígido e
dogmático, mas apenas para iniciar um processo de pesquisa e reflexão
no marco teórico-metodológico da teoria marxista da dependência,
particularmente em função das teses nucleares de Ruy Mauro Marini.
Desta forma, consideramos que para ambas perspectivas ainda não
existe acúmulo de dados, informação e evidências suficientes que
possam coroar de forma exitosa esta tarefa. Talvez ainda seja necessário
esperar que a realidade e, consequentemente, o debate amadureçam.
No presente ensaio, problematizamos primeiramente este tema. Em
seguida, empreendemos sua justificação, destacando a tese de Marini
a respeito; por último, esboçamos uma hipótese que poderá servir como
linha de pesquisa para o futuro. Para tal, consideramos a bibliografia
mais relevante, ainda que devamos esclarecer que a mesma é escassa,
dada a temporalidade e a proximidade do fenômeno, que ainda está
em amadurecimento, e também devido à inexistência de debate sobre
este relevante e transcendental tema. O ensaio, portanto, situa-se em
um alto nível de abstração.

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Proposta teórica de Marini a respeito da generalização da
superexploração do trabalho

A teoria da exploração do trabalho assalariado – centro da


obra monumental O Capital e dos Grundrisse – está construída em um
nível bastante alto de abstração, onde o conceito de exploração (como
categoria relacional fundamental e constitutiva da sociedade histórica
capitalista) é fundamental para edificar a teoria da mais-valia e do
lucro dentro do modo de produção capitalista e não em outro, feudal
ou servil. Na ausência deste conceito, não se pode sequer imaginar
a elaboração e a compreensão da lei do valor-trabalho como eixo central
da teoria da produção e reprodução capitalista, como tampouco se
pode compreender a teoria marxista da dependência.
Foi Marini quem contribuiu com uma teoria específica sobre
a natureza de tais sociedades a partir das ferramentas da economia
política, em particular d’O Capital, que contém uma teoria geral sobre
o desenvolvimento, a crise e a decadência do capitalismo. Em síntese,
Marini chegou a uma concepção peculiar, a de superexploração do
trabalho, como uma categoria que se deriva da teoria do valor-trabalho
e dos preços de produção, expressando, assim, a especificidade
das relações sociais e de produção que operam nas formações
econômico-sociais dependentes inseridas na economia capitalista
mundial.
Dentro do suporte teórico, metodológico e analítico do
marxismo e da teoria do valor-trabalho de Marx, Marini proporcionou
à sociologia do trabalho importantes instrumentos teóricos e analíticos
para compreender os fenômenos mundiais a partir de uma visão crítica
e global das formações econômico-sociais dos países dependentes,
diferenciando-as das trajetórias que marcaram o desenvolvimento
histórico do capitalismo europeu. Especificamente, o autor indicou
a articulação necessária da mais-valia (absoluta e relativa) com
o desenvolvimento da produtividade do trabalho e, por conseguinte,

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com a tecnologia, no contexto da expansão do capitalismo mundial
mediante a inserção e subordinação dos países dependentes e
subdesenvolvidos aos centros hegemônicos.
Historicamente, estes países contribuíram para acelerar
a transição da mais-valia absoluta à relativa nos países desenvolvidos
do capitalismo clássico (Inglaterra), especificamente na época
da revolução industrial. Atualmente, os países dependentes, não
importando seu “grau de desenvolvimento”, seguem transferindo
valor e mais-valia aos países capitalistas hegemônicos, configurando
a troca desigual que estimula a superexploração do trabalho, ainda
que não se derive diretamente dela (MARINI, 1978, p. 63-64; para
uma discussão sobre intercâmbio desigual ver Emmanuel (1972) e
Emmanuel et al (1971)).
Por último, ao mesmo tempo e de forma contraditória, os
países dependentes, ao operarem desta maneira, contribuíam para
bloquear ou desestimular – em função da produtividade do trabalho
– o desenvolvimento da mais-valia relativa no próprio âmbito de seus
sistemas de produção e de reprodução do capital, aprofundando assim
as tendências à intensificação da superexploração da força de trabalho
por meio da redução do fundo de consumo dos trabalhadores e de sua
conversão em fonte adicional de acumulação de capital (MARINI, 1973,
p. 100).
Por outro lado, na Dialética da dependência (1973) encontramos
uma tipologia integrada por duas formações econômico-sociais
existentes na economia mundial (MARINI, 1973, p. 40): uma alicerçada
na maior exploração extensiva e intensiva da força de trabalho e outra,
de forma preferencial, baseada na produtividade do trabalho e no
desenvolvimento constante da mais-valia relativa.
Com a globalização, a partir da década de 1980, a economia
internacional entrou em uma fase caracterizada pela progressiva
diminuição das fronteiras econômicas nacionais para cobrir mercados
cada vez mais amplos, exigentes, complexos e competitivos.
Essas características, a longo prazo, intensificaram a concorrência entre

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as grandes empresas do planeta para a obtenção – e apropriação
de – lucros extraordinários, que são o motor do desenvolvimento
contemporâneo do capitalismo (MARINI, 1996, p. 49-68). Neste
contexto, aprofundou-se e difundiu-se o desenvolvimento
tecnológico para padronizar mercadorias e facilitar sua troca em
escala global, o que a longo prazo provocou uma marcada tendência
à homogeneização dos processos produtivos, da produtividade do
trabalho e, concomitantemente, da intensidade do mesmo.
A crescente homogeneização tecnológica e sua difusão em praticamente
todo o mundo impactaram também no nivelamento dos preços, na
generalização da lei do valor (MARINI, 1996, p. 64) e, evidentemente,
também no mundo do trabalho.
Colaboraram para o fortalecimento dessa abertura das
nações e do mercado mundial – que começou na década de
1980 – as práticas econômicas e políticas do neoliberalismo: abertura
externa, privatização do setor público, liberalização financeira,
desmonte das instituições sociais do Estado de bem-estar e a regulação
da força de trabalho, do emprego e dos salários pelas forças do mercado
e pela taxa de lucro extraordinários.
O aspecto peculiar deste regime de superexploração do
trabalho consiste em que obstaculiza, de maneira estrutural e social,
o desenvolvimento da capacidade produtiva e a possibilidade de uma
maior incorporação da tecnologia de ponta nos processos de trabalho
– fenômenos que impossibilitam que a mais-valia relativa se conforme
como um sistema hegemônico capaz de liderar o processo econômico
dos países dependentes. Cria-se, assim, um círculo vicioso que
a economia dependente é incapaz de superar porque nunca completou
seu ciclo de industrialização e, ademais, prevalecem os obstáculos
para que este ocorra, derivados tanto da forma que a industrialização
assumiu no passado (truncada, inacabada e insuficiente), quanto da
maneira como se articulou com o ciclo do capital, com as estruturas
de classes e o com poder político nas formações sociais dependentes
latino-americanas.

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Globalização da superexploração do trabalho no sistema
capitalista

A globalização generaliza e estimula a lei do valor,


a determinação do valor da força de trabalho e das mercadorias
(materiais e imateriais) pelo tempo de trabalho socialmente necessário
para sua produção e reprodução, em condições verdadeiramente
internacionais. Com auxílio da computação e da internet, agora é
mais fácil conhecer e determinar o valor da força de trabalho do
operário japonês, alemão, norte-americano ou mexicano e medir suas
magnitudes quantitativas e qualitativas. Se a vigência da lei do valor e
sua extensão explicam a base da globalização do capital, uma segunda
hipótese postula que o regime de superexploração do trabalho, que
Marini circunscreveu às economias dependentes da periferia capitalista
em Dialética da dependência, começa a estender-se significativamente
aos países desenvolvidos, ainda que adotando formas particulares.
Esta hipótese se ampara no pensamento de Marini (1996, p. 49-68),
e foi ele quem a sugeriu previamente em alguns de seus escritos.
Marini suscita a necessidade de colocar em evidência
o debate sobre a questão da superexploração do trabalho no
mundo contemporâneo, como processo que já não seria apenas
exclusivo das economias dependentes latino-americanas, mas
também – devido à mundialização do capital e dos processos estruturais
e superestruturais que a acompanham – estaria se generalizando em
âmbitos laborais cada vez menos restritos e em processos de trabalho
dos próprios países industrializados, atingindo segmentos cada vez
mais generalizados da classe trabalhadora e do proletariado destes
países. Neste contexto, surgiu uma tendência caracterizada pelo fato
de que: 1) a difusão tecnológica tende a padronizar as mercadorias
para facilitar sua troca em escala global, o que, a largo prazo, 2)
provoca uma maior homogeneização dos processos produtivos e
tecnológicos, 3) e a igualação tendencial da produtividade do trabalho
e, concomitantemente, de sua intensidade.

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A FT: estratégica na produção de lucros extraordinários

Um ponto chave desta proposição de Marini consiste em revelar a


tendência à homogeneização do capital constante, fixo e circulante (Marini,
1996, p. 61), uma vez que tal fato se relaciona com a determinação da
taxa de lucro como traço distintivo que divide duas épocas históricas
do desenvolvimento capitalista mundial (MARINI, 1996, p. 61).
Como resultado disso, chega-se uma segunda conclusão estratégica
da análise marinista: “a homogeneização tecnológica, ao estimular
tendencialmente a igualação das composições orgânicas do capital na
economia mundial, aumenta a importância do trabalhador como fonte
de lucros extraordinários” (MARINI, 1996, p. 65) e, consequentemente,
a superexploração do trabalho se conforma como o fator principal para
enfrentar o agravamento da concorrência capitalista à escala mundial e
as crescentes dificuldades que o capital enfrenta em seu contraditório
processo de produção de valor e de mais-valia.
A tecnologia informática em rede aplicada à produção estende
o desemprego, provocando um aumento da taxa de exploração
dos trabalhadores empregados através do aumento da jornada de
trabalho (mais-valia absoluta), de sua intensificação (mais-valia
relativa) e da remuneração da força de trabalho abaixo de seu valor
(superexploração). De acordo com Marini, estas três condições são
essenciais para que o regime de superexploração do trabalho possa
operar em qualquer circunstância.
Este processo começa a operar nos países do capitalismo
avançado, em suas estruturas produtivas e laborais, de onde Marini
infere que “se generaliza para todo o sistema, inclusive para os centros
avançados, o que era um traço distintivo – ainda que não privativo –
da economia dependente: a superexploração do trabalho” (Marini, 1996,
p. 65, grifo e tradução nossos). Desta maneira, a superexploração do
trabalho está convertendo-se em um importante fator da economia
mundial e de seus processos de valorização e acumulação de capital

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que, no entanto – esclarecemos – não anula as relações estruturais de
dependência com os centros imperialistas.

Hegemonia da mais-valia relativa e a superexploração do


trabalho
Um dos fios condutores da teoria da dependência consiste em
determinar a relação entre a mais-valia relativa e a superexploração
do trabalho, já que “o problema está, portanto, em determinar o
caráter que assume na economia dependente a produção de mais-valia
relativa e o aumento da produtividade do trabalho.” (MARINI, 1973, p.
100, tradução nossa). Por isso, é de vital importância considerar dois
problemas essenciais: primeiro, por que e devido a que causas, na
economia dependente, a mais-valia relativa tem tantas dificuldades
para abrir caminho e conformar-se como regime hegemônico nos
sistemas produtivos e de trabalho, como ocorreu nos países de
capitalismo clássico e ao longo do seu desenvolvimento. Em segundo
lugar, como é que, particularmente quando surge e se desenvolve
a industrialização substitutiva de importações na América Latina,
a superexploração do trabalho continua subsumindo a mais-valia
relativa, evitando, assim, que esta se torne hegemônica no sistema.
Nesta problemática radica, a nosso ver, a essência do processo da
dependência e da superexploração do trabalho. Consideramos que
o elemento específico e característico que prevalece historicamente nas
economias dependentes é a constituição de um modo de produção
dependente – articulado-subordinado ao sistema capitalista mundial,
como disse Marini – alicerçado em um regime de superexploração do
trabalho que obstaculiza sistematicamente a implantação da mais-
valia relativa como eixo do processo de acumulação e reprodução
do capital. Por isso, a diferença substancial do capitalismo avançado
em relação ao dependente consiste em que, no primeiro, a mais-valia
relativa é hegemônica no sistema produtivo, enquanto que, neste
último, a mais-valia está subordinada às antigas formas de produção

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capitalistas: a mais-valia absoluta e a superexploração do trabalho,
que precederam historicamente a mais-valia relativa.
O exposto acima se deve a que desde o princípio o capitalismo
avançado articulou e subordinou a mais-valia absoluta – extensão da
jornada de trabalho, intensificação da força de trabalho – à mais-valia
relativa, pelo menos desde o longo período da revolução industrial na
Inglaterra, e incorporou paulatinamente os trabalhadores no consumo
de bens produzidos pelas fábricas da grande indústria. Foi isso que
influenciou o próprio Marx (2000, p. 235) a vislumbrar a possibilidade
empírica da superexploração do trabalho – a redução do salário
abaixo do valor da força de trabalho – mais como um fenômeno de
concorrência e conjuntura, encaminhado a enfrentar a queda tendencial
da taxa de lucro, do que como um comportamento estrutural de longo
prazo e como regularidade da análise geral do capital. Isso, porém,
é congruente com sua premissa metodológica sustentada ao longo
d’O Capital e que consiste no suposto de que o valor da força de trabalho
(como o de qualquer outra mercadoria) corresponde sempre a seu preço
de mercado.
O mérito e a novidade da proposta de Marini a respeito
da teoria da dependência radica em que ele forjou a categoria de
superexploração como o núcleo duro e princípio reitor do desenvolvimento
capitalista nas formações econômico-sociais subdesenvolvidas da
periferia do sistema mundial, permitindo diferenciá-lo histórica
e estruturalmente do desenvolvimento dos países do capitalismo
chamado clássico. Aplicando tal diferença à análise do capitalismo
contemporâneo e, em particular, à nova etapa histórica que se abriu no
final da década de 1980 – com a queda do muro de Berlim em 1989, a
desintegração da União Soviética e a invasão imperialista dos Estados
Unidos ao Iraque na chamada Guerra do Golfo (1991); pela aplicação
generalizada e em grande escala da informática, na produção material
e imaterial, e das telecomunicações (terceira revolução industrial) –
Marini aponta três condições que o capital teve que reunir previamente
para abrir esta nova etapa da história.

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Em primeiro lugar, acentuou-se o grau de exploração do trabalho
em todo o sistema para incrementar a massa de mais-valia – o que
foi possível, agrega o autor, com as derrotas do movimento operário
e popular nos países do centro e da periferia capitalista, incluindo
a América Latina. Em segundo lugar, intensificou-se a concentração
de capitais nas economias avançadas para garantir os investimentos
no desenvolvimento científico-tecnológico e na modernização
industrial, o que implicou fortes transferências de valor a partir dos
países dependentes da América latina (a chamada troca desigual),
incrementando assim a acumulação do capital e, consequentemente,
agravando os problemas de emprego, salário, marginalidade e
miséria social de amplos setores de sua população. A terceira condição
é a ampliação da escala de mercado para a realização dos numerosos
investimentos necessários à modernização do aparato industrial. Tudo
isso, conclui Marini, reatualizou as leis e os mecanismos básicos do
sistema:
especialmente a lei do valor […] que opera por meio da
comparação do valor real dos bens, ou seja, do tempo de trabalho
consumido em sua criação, incluídos o tempo de trabalho que
demandam os insumos e os meios de produção, assim como
a reprodução da força de trabalho (MARINI, 1990, tradução
nossa).

Proposta de método de interpretação para abordar a pesquisa e


a análise do fenômeno emergente da extensão da categoria de
superexploração do trabalho no capitalismo avançado

A superexploração do trabalho se configura como uma


realidade cada vez mais presente em todos os países industrializados
do capitalismo global. A nova morfologia deste sistema se assenta na
superexploração do trabalho, porém, como afirmamos, esta assume
formas distintas nos diferentes países e regiões, em função do regime
que predomine: o de mais-valia relativa ou a superexploração.

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O mundo de hoje é muito mais complexo que o de décadas
passadas. Por esta razão, nos países dependentes, a superexploração
do trabalho determina a dinâmica da produção de mais-valia relativa,
apesar dos avanços em matéria de industrialização e incorporação
de tecnologia nos processos produtivos e de trabalho através da
industrialização, do desenvolvimento da agroindústria e da mineração
moderna, os quais incorporam componentes da informática.
No entanto, nos países avançados – convulsionados pela crise e pela
severidade das políticas de austeridade praticadas por seus governos
neoliberais contra sua população – a superexploração é uma categoria
que depende das dinâmicas de produção e reprodução da mais-valia
relativa, além de determinações político-institucionais referentes
à dimensão do Estado, na medida em que barateia o valor da força de
trabalho e incide na redução dos bens e serviços que conformam seu
fundo de consumo para colaborar com aumento da massa e da taxa de
mais-valia.
A compreensão da possibilidade de se estender
a superexploração do trabalho aos países avançados ainda permanece
incipiente e restrita a certas expressões teóricas, algumas empíricas
e a um reduzido núcleo de autores que a perceberam à luz das
problemáticas do capitalismo contemporâneo (MARTINS, 2011). Isso
se explica, em parte, pelo caráter recente do fenômeno que se estende
paulatinamente através de uma série de medidas econômicas e de
políticas públicas implementadas atualmente nos países imperialistas.
Apesar disso, já existem alguns temas e conteúdos sobre estas
problemáticas que nos permitem abordá-las no contexto da crise do
capitalismo, independentemente das diversas interpretações que
foram feitas sobre ela, e que se expressa no aspecto social e no mundo
do trabalho mediante uma série de medidas que afetam negativamente
os salários, o tempo de trabalho e o consumo da sociedade nos países
da União Europeia, nos Estados Unidos e em outros, como o Japão.
Estes países, nos últimos anos, viram suas condições de vida e de
trabalho diminuídas, evidenciando que, aparentemente, não há outra

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saída possível pelo lado do capital senão o aprofundamento desta
situação, sustentando, consequentemente, a introdução do regime
de superexploração em tais sociedades – abrindo a possibilidade de
construir, pela primeira vez na história, um autêntico proletariado
internacional capaz de propor tarefas comuns de transformação social.
Para os propósitos deste artigo, o importante é constatar
se a superexploração do trabalho se implanta e se desenvolve sob
a hegemonia da mais-valia relativa e com os limites estruturais que
esta lhe impõe – como parece estar ocorrendo nos países de capitalismo
avançado –, ou se ela se configura ao mesmo tempo que subordina
e bloqueia, como nós supomos, a mais-valia relativa, como sucedeu
durante a industrialização substitutiva de importações nos países que
elevaram seus coeficientes de industrialização e desenvolveram os
mercados internos de consumo e de trabalho na América Latina.
De qualquer maneira, estão sendo criadas as bases econômicas,
políticas e institucionais para que a superexploração da força de trabalho
possa operar, de forma que este regime deixaria de ser exclusivamente
um regime próprio das economias dependentes, para estender seu raio de
ação aos países desenvolvidos, como propôs corretamente Marini. Desta
forma, a superexploração se converte no elo que ata os novos sistemas
de organização do trabalho como o pós-fordismo, o toyotismo e outros,
como a reengenharia organizacional.
Quando afirmamos que a superexploração do trabalho se
projeta na economia internacional, de forma alguma afirmamos
que já não constitui a característica definidora da economia
dependente – questão absurda que não leva a nenhum resultado
e, mais que isso, gera confusão e prejudica o desenvolvimento
da teoria. Se fosse assim, o próprio Marini não teria feito esta
proposição. Significa, ao contrário, que o capital, em seus afãs
de lucro, não tem inibição nem limites para explorar a força de
trabalho, inclusive em redobrar a exploração (hiper-exploração do
trabalho, poderíamos dizer) para manter sua reprodução numa escala
crescente de acordo às suas prerrogativas de rentabilidade. Inclusive,

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isso é congruente com esta outra afirmação de Marini, que articula a
lei do valor com a tendência à universalização da superexploração nos
países avançados:

Deve-se levar em conta que a tendência que caminha no sentido


de aumentar a superexploração não vale somente para os capitais
que cedem valor, no processo de transferência, mas também para
os que se apropriam do valor, já que é evidente que isto lhes
permite obter quantidades de valor superiores às que poderiam
incorporar normalmente. Em outras palavras, a universalização
da lei do valor, ao inclinar-se a permitir tão somente as
transferências de valor que, em seu contexto, podem ser
consideradas legítimas, não caminham no sentido da supressão
da superexploração do trabalho, mas ao seu aprofundamento
(MARINI, 1993, p. 12, tradução nossa)

Como vemos, a universalização da superexploração permite


ao capital global, tanto nos países dependentes quanto nos
países de capitalismo avançado, obter mais-valia adicional para os
capitais hegemônicos dos países imperialistas. O único limite está
marcado pelas lutas de classes e pelas determinações estruturais e
político-sociais de ambas formações da economia capitalista mundial.

A título de recapitulação para novos caminhos de pesquisa

A superexploração do trabalho, que antes era reservada às


economias dependentes, hoje está se convertendo num mecanismo
articulado com os métodos de produção da mais-valia relativa, da
qual lançam mão as empresas transnacionais e o Estado nos países
do capitalismo central com o impulso que lhes conferem as reformas
estruturais de carácter neoliberal em andamento – como as trabalhistas
–, ao contrário do que ocorre no capitalismo dependente, onde a

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generalização da mais-valia relativa é bloqueada sistematicamente
pela prevalência do regime de superexploração do trabalho, o qual
opera como base estrutural da reprodução de capital em escala global
(Smith, 2016). Neste contexto, a superexploração do trabalho se implanta
nos países do centro do sistema mundial como mecanismo de contenção
da queda da rentabilidade e dos investimentos de capital, sem alterar
sua essência ou substituí-la nos países dependentes. Portanto, não se
apaga a relação de dominação centro/periferia, metrópole/satélite ou
império/dependência. A diferença substancial, em ambos “tipos” ou
modalidades de capitalismo, consiste em que nos países dependentes
a superexploração funciona sob a égide de processos de produção e de
trabalho fundados na mais-valia absoluta, na intensificação do trabalho
e, por último, na redução do fundo de consumo do trabalhador. No
capitalismo avançado, ao contrário, a superexploração se circunscreve
aos ciclos dominantes do capital – que funcionam em termos regionais
e internacionais – sob a hegemonia da mais-valia relativa, o incessante
aumento da capacidade produtiva do trabalho, a aplicação da ciência e
da tecnologia aos processos produtivos e de trabalho e, por último, em
função das processos internos dos mercados de consumo que exigem
certo poder de compra das classes trabalhadoras para dinamizá-los,
ainda que em muitas frações delas os níveis salariais estão sendo
reduzidos, engendrando populações trabalhadoras de baixos salários,
pobres, precárias, polivalentes, com baixo poder de compra e acesso
limitado para adquirir os meios de consumo básicos para a vida.

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