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[1]Crítica de duas questões relativas ao anti-realismo epistemológico

contemporâneo
Ciro Flamarion Cardoso*
Resumo. Discute-se criticamente o anti-realismo epistemológico próprio das atitudes
teóricas pós-modernas, a partir do diagnóstico de que estas se fundam no entendimento falacioso
de que qualquer codificação significa, necessariamente, não só uma seleção ou simplificação
como também uma deformação ou deturpação da coisa codificada. Num primeiro momento, na
revisão dessa tese, pautando-se pelos ensinamentos da paleoantropologia e da neurobiologia
contemporâneas, questiona-se se o sistema nervoso humano deturpa a realidade ao pô-la ao
alcance da mente pela coordenação das informações sensoriais. Em seguida, partindo da
indagação de qual relação existe entre a narrativa e os fatos que descreve, entra-se no debate
epistemológico sobre a a veracidade das explicações dos textos históricos.
Palavras chave. epistemologia; pós-modernismo; teoria da história.

Problema antigo, luta sempre renovada

O anti-realismo epistemológico, ponto central das posições pós-modernas, não é,


entretanto, uma invenção delas: é, de fato, bastante antigo. Posturas radicais a respeito foram
defendidas muito antes que existisse o pós-modernismo.
Assim, por exemplo, para David Hume, em pleno século XVIII, a legitimidade do
conhecimento dependeria inteiramente da natureza humana e de seus princípios, isto é, as
operações mentais, aquilo cuja constância permite explicar o resto do que deve ser explicado.
Mas se, para Descartes, o sentimento de si do indivíduo é o ponto de partida, para Hume não
passa de uma crença, de uma rede de impressões cuja explicação não pode ser independente da
natureza humana. Esta última, por meio dos princípios de semelhança, contigüidade e
causalidade, promove as associações que originam idéias complexas a partir das sensações. Se a
causalidade, princípio de associação, configura unicamente uma crença, sendo ela também uma
idéia complexa, as bases metafísicas da prova da existência de Deus são destruídas, do mesmo
modo que o realismo, posto que a realidade das coisas fora de nós passa a ser percebida como
sendo, por sua vez, uma crença inferida por hábito a partir das impressões sensoriais -
comprovadamente pouco confiáveis, imperfeitas -, o que se estende, aliás, ao próprio sujeito
cognoscente. Na verdade, mesmo se Hume definia a si mesmo como um cético mitigado, é difícil
imaginar, antes ou depois do filósofo em questão, um ataque mais demolidor às bases mesmas do
racionalismo.[2]
Mais perto de nós, leiamos a passagem seguinte de um livro que Cassirer publicou
originalmente em 1944:
O homem não pode escapar de seu próprio sucesso, não lhe resta mais remédio do
que adotar as condições de sua própria vida: já não vive somente num universo puramente físico
mas, sim, num universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião constituem partes
deste universo, formam os diversos fios que tecem a rede simbólica, a trama complicada da
experiência humana. Todo progresso no pensamento e na experiência refina e reforça esta rede.
O homem já não pode enfrentar a realidade de modo imediato; não pode vê-la, digamos, frente a
frente. A realidade física parece retroceder na mesma proporção em que avança sua atividade
simbólica. Em lugar de tratar com as próprias coisas, em certo sentido conversa constantemente
consigo mesmo. Envolveu-se em formas lingüísticas, em imagens artísticas, em símbolos míticos
ou em ritos religiosos de tal forma que não pode ver ou conhecer coisa alguma senão através da
interposição deste meio artificial. (Cassirer, 1975: 47-8)
Nota-se que, muito antes de se poder falar em pós-modernismo, bastante antes
mesmo do estruturalismo de Lévi-Strauss, as conseqüências da descoberta da dimensão
semiótica para as concepções acerca da natureza humana - desembocando, nessa opção radical,
no homo simbolicus - já haviam propiciado com toda clareza um pansemiotismo que faz pendant
ao anti-realismo.
A verdade, entretanto, é que certas lutas precisam ser empreendidas uma e outra vez,
empregando as armas que cada época põe à disposição dos críticos das posições anti-realistas.
Estas últimas e o realismo epistemológico continuarão a ter de enfrentar-se, simplesmente porque
não há como provar que alguma das alternativas em combate seja certa ou errada. No máximo é
possível dizer, com Mario Bunge (1976: 319-321), que a ciência pressupõe o realismo
epistemológico; mas certamente não o prova, o que abre uma brecha suficiente àqueles que
preferem acreditar que a busca da verdade está além das possibilidades dos seres humanos.
Pode o Homem conhecer a realidade - física, social - a ele exterior?
Criticando a teoria marxista do conhecimento, variante da teoria do reflexo, escreveu
Jacques Monod (1970: 56), prêmio Nobel de Biologia:
...os progressos da neurofisiologia e da psicologia experimental começam a revelar-
nos alguns dos aspectos, pelo menos, do funcionamento do sistema nervoso. O bastante para que
seja evidente que o sistema nervoso central não pode, sem dúvida nem deve, entregar à
consciência uma informação que não esteja codificada, transposta, enquadrada em normas
preestabelecidas; em suma, assimilada e não simplesmente restituída.
Esta interpretação contém implicitamente uma falácia tomada como postulado: a de
que qualquer codificação signifique, necessariamente, não só uma seleção ou simplificação
como, também, uma deformação ou deturpação da coisa codificada.
Será verdade que o sistema nervoso humano deturpe a realidade ao pô-la ao alcance
da mente pela coordenação, no cérebro, das informações sensoriais? É estranho - e lamentável -
que os debates a respeito da possibilidade ou não do realismo costumem deixar de lado o que a
paleoantropologia e a neurobiologia contemporâneas possam ter a dizer sobre o assunto.
O que torna nossa espécie - o Homo sapiens sapiens ou, segundo outro sistema de
classificação, simplesmente Homo sapiens - algo à parte no mundo animal não é, acredita-se
hoje, a capacidade de fabricar instrumentos; e, sim, a linguagem sofisticada que a caracteriza,
única no quadro da zoologia terrestre (Lewin, 1988: 170-186). Mesmo se, nestas últimas
décadas, psicólogos e especialistas em primatologia constataram experimentalmente um nível de
“discurso” impressionante no relativo a chimpanzés e gorilas no cativeiro, usando linguagens de
sinais gestuais - já que o aparelho de fonação dos monos antropóides atuais não lhes permite
falar, no sentido humano do verbo -, trata-se de algo impressionante pelo fato de antes se crer na
impossibilidade de qualquer discurso da parte desses monos: fica muito aquém, no entanto,
mesmo da capacidade de falar e expressar-se de uma criança pequena.
O desenvolvimento da garganta nos humanos atuais, caracterizado por uma faringe
longa e uma laringe situada muito mais abaixo do que em qualquer outro mamífero, incluindo
todos os outros primatas, impede - e é o único caso disto entre os mamíferos - que possamos
engolir e respirar ao mesmo tempo, o que parece um problema grave (Laitman, 1984: 20-27). Por
esta razão, se tal desenvolvimento esteve ligado ao da fala, como é provável, e foi selecionado
pela evolução, que vantagens evolutivas a fala apresenta para o animal humano? O que é o
mesmo que perguntar: como pôde emergir na evolução de nossa espécie?
A resposta que primeiro vem à mente é que a linguagem humana constitui um
poderoso instrumento de comunicação, o mais sofisticado e diversificado que existe neste
planeta. Olhando para a evolução dos homínidas primitivos, no final do Terciário e durante o
Quaternário, um dos aspectos marcantes, nela, foi a emergência de um modo de vida de coleta
vegetal/animal e mais tarde de caça, mais complexo do que o de qualquer mono antropóide. A
comunicação eficiente permitiria um controle mais aperfeiçoado sobre tal modo de vida e uma
monitoração melhor do meio ambiente; propiciando, portanto, uma vantagem evolutiva que
superaria a desvantagem da possibilidade de morrer engasgado ao tentar engolir e respirar ao
mesmo tempo. Em outras palavras, a linguagem humana sofisticada seria o resultado da
economia cooperativa de coletores/caçadores e suas complexidades: seria um elemento posto a
serviço das tecnologias de subsistência (entre elas a produção de instrumentos).[3]
Esta maneira de ver, que parecia convincente, começou a ser desafiada
pioneiramente, a partir dos anos 60, por Ralph Holloway, da Columbia University. Holloway
defendeu a noção de que o desenvolvimento do cérebro se ligou ao da linguagem, e o da
linguagem, mais às demandas derivadas das interações e controles sociais do que às da
tecnologia de subsistência. Em função da complexidade das relações sociais - perceptível
também, em grau muito apreciável, mesmo nos monos antropóides atualmente existentes -, o
crescimento e a sofisticação do cérebro humano vincular-se-iam à necessidade de construir um
modelo especialmente complexo da realidade, incluindo nisto o mundo material mas talvez
sobretudo os outros membros da mesma espécie, para entendê-los melhor e jogar eficazmente o
“xadrez social”, que inclui alianças cambiantes e a tentativa de manipular alguns desses
membros, em lugar de prender-se em forma principal a injunções nascidas da comunicação com
outrem e da elaboração da tecnologia de subsistência.(Holloway, 1983:105-114; Leakey, Lewin,
1992: 252-311)
A função central do cérebro é construir um modelo de realidade que permita ao
animal existir neste mundo, nele funcionando e sendo bem sucedido. Quanto mais complexos
sejam a vida de um animal e os tipos de interação com o mundo e com outros animais nela
implicados, mais complexa, também, tem de ser a estrutura do modelo de realidade mentalmente
construído. Assim, se um dos sentidos for especialmente importante para a maneira de viver e
atuar de um animal, a(s) área(s) do cérebro associada(s) a tal sentido desenvolver-se-á(ão)
especialmente. Um sapo vive num mundo sobretudo visual, uma serpente num mundo
principalmente olfativo. Um cão elabora com alguma complexidade visão (não-estereoscópica
nem em cores), olfato e audição. Cada sentido oferece uma avenida de acesso ao mundo: quantos
mais sentidos forem importantes para um animal, mais complexas têm de ser as avenidas
correspondentes mas, também, os circuitos mentais que permitam integrá-las num todo, num
modelo complexo do mundo. O modo de fazer isto, entre os animais, é por meio do
desenvolvimento do cérebro. Ora, a passagem de anfíbio para réptil, de réptil para mamífero -
como formas surgidas sucessivamente na evolução das espécies - significou, em cada caso,
cérebros maiores e mais complexos. De modo análogo, entre os mamíferos, o cérebro dos
primatas é em média duas vezes maior em relação ao tamanho e ao peso do corpo do que os
cérebros dos outros mamíferos; e, entre os primeiros homínidas conhecidos, os australopitecos, e
o homem atual, o cérebro em média triplicou. (Leroi-Gourhan, 1983; Leakey, 1994: 139-157)
O grande cérebro dos primatas não parece poder explicar-se, seja porque sua
subsistência exija uma intelectualidade tão mais desenvolvida, seja porque explorem melhor seu
meio ambiente no sentido da subsistência. Quanto ao primeiro ponto, cada primata do passado ou
do presente partilha o(s) meio(s) ambiente(s) em que vive e atua com muitas espécies não-
primatas; e não pode ser demonstrado que sua exploração da natureza para a busca de alimentos
seja superior a de tais espécies. O mesmo quanto à relação, por exemplo, entre mamíferos e
dinossauros: se a possibilidade de explorar nichos ecológicos fosse maior nos mamíferos, o
número de espécies deles deveria ser superior, nicho a nicho, ao das espécies de dinossauros; ora,
tal número é grosso modo similar. E, no entanto, não há qualquer dúvida de que os mamíferos
tenham uma capacidade superior à dos dinossauros de construir um modelo do mundo, ou de que
tal capacidade seja maior, nos primatas, do que nos outros mamíferos, ou ainda que, nos
humanos, esteja muito acima da dos demais primatas.
O que hoje se crê é que, embora a relação de subsistência com o meio ambiente
natural não seja mais eficiente ou exigente no caso dos primatas do que nos dos outros
mamíferos, a coisa muda se a comparação versar sobre o meio ambiente social. O “xadrez
social” jogado pelos primatas é mais complexo do que o xadrez comum, já que as regras,
derivadas de alianças e antagonismos mutáveis no tempo, se transformam ou até se invertem, o
mesmo se aplicando ao papel e à hierarquia das “peças” intervenientes no jogo. A importância
desse jogo nas relações sociais, ao estabelecer-se, leva à necessidade de uma infância protraída -
de que os filhotes passem muito tempo aprendendo o modelo mental do mundo, no tocante à
subsistência mas também à interação social -, sendo isto indicador de uma retroalimentação entre
diferentes níveis das interações sociais. Assentada esta “escola de vida” entre os primatas como
mecanismo de sucesso, biologicamente falando, ela introduziu mecanismos de seleção próprios.
Os primatologistas estão de acordo em que não são os espécimes mais fortes e mais agressivos
aqueles que, entre primatas, conseguem mais acasalamentos: são os mais capazes de jogar com
sucesso o “xadrez social”.
Em função do anterior, alguns especialistas chegam a inverter o que se afirmava
antes: a necessidade de ganhar mais tempo para a socialização é que teria forçado a melhorar as
técnicas de subsistência entre os primatas, ainda mais no caso dos humanos; por exemplo, quanto
a estes últimos, introduzindo carne na dieta, o que aconteceu, no tocante à caça de animais de
tamanho considerável, 1,6 milhão de anos atrás, na fase do Homo erectus; ou talvez ainda antes,
com o Homo habilis (Lewin, 1988: 178-180).
A psique humana compreende três componentes básicos. A cognição inclui
aprendizagem, lógica, raciocínio, capacidade de resolver problemas. A emoção envolve coisas
como sofrimento, depressão, excitação, alegria. E a consciência é aquilo que permite ao homem
dar-se conta do que ele sabe, bem como tentar prever o futuro, o que inclui o conhecimento de
sua mortalidade: com a consciência, a vida percebe-se a si mesma no mundo, domesticando
simbolicamente o tempo e o espaço. A consciência provê o “olho interior” que possibilita a auto-
análise e em seguida a aplicação do que nela se aprenda, estendendo os seus resultados ao
esforço de inteligência e previsão das motivações de outrem - esforço este que informa os
antagonismos, as alianças, as defesas, as manipulações, no complexo jogo social humano
(Leakey, 1994: 139-157).
A linguagem dos homens - sem paralelo em sua complexidade no mundo animal
deste planeta - é acima de tudo um instrumento de construção de um modelo complexo do
mundo físico e social, mais ainda do que um modo de comunicar e passar adiante instruções. O
estudo paleoantropológico das origens e evolução da linguagem articulada humana é dificultado
pelo fato de que o cérebro não se conserva nos fósseis - tem de ser estudado através de moldes
do interior dos crânios, o que é muito imperfeito, pois não basta uma idéia de como é a superfície
do cérebro para compreender como funciona, onde nele se localizam as diferentes funções -, o
mesmo se aplicando ao aparelho fonador, que é cartilaginoso ou de carne e tem de ser inferido
indiretamente, por exemplo, analisando-se a formação progressiva de uma base cranial curva nos
homínidas, em contraste com uma base do crânio reta nos outros primatas. A origem da fala
articulada , no entanto, não tem por que ocupar-nos aqui.[4]
O neurobiólogo Harry Jerison (1991) estudou a trajetória da evolução cerebral e, em
função dela, da mente, desde o início da vida em terra firme. Baseando-se em seu estudo, eis
aqui as conseqüências tiradas por Richard Leakey (1994:144):
Qualquer dono de cachorro sabe que existe um mundo olfativo aberto ao ser canino,
mas não ao humano. As borboletas podem ver a luz ultravioleta: nós não podemos. O mundo
dentro da cabeça - no caso do Homo sapiens, do cão ou da borboleta - é, pois, formado pela
natureza qualitativa do fluxo de informação do mundo exterior para o mundo interior, e pela
capacidade que tiver o mundo interior de processar a informação. Há uma diferença entre o
mundo real ‘lá fora’ e aquele percebido na mente, ‘aqui dentro’.
E ainda:
“Na medida em que os cérebros aumentaram no curso do tempo da evolução, mais
canais de informação sensorial puderam ser manipulados de maneira mais completa, sua
informação integrada mais cabalmente. Os modelos mentais, por tal razão, passaram a
equacionar as realidades ‘lá fora’ e ‘aqui dentro’ mais de perto, embora, como foi mencionado há
pouco, com lacunas inevitáveis na informação.”
Assim, voltando à opinião de Jacques Monod com que comecei, ela está em
desacordo com a corrente principal do raciocínio tanto paleontológico quanto neurobiológico da
atualidade. E, dada a tendência explicativa que domina agora nessas áreas, seria ainda menos
válido afirmar que estejamos pouco capacitados ao conhecimento adequado da realidade social.
Narrativa e mundo real: continuidade ou descontinuidade?
Que relação existe entre a narrativa e os fatos que descreve? Este é um importante
debate epistemológico, tendo a ver diretamente com a veracidade (ou não) das explicações que
assumem a forma de um relato, como ocorre freqüentemente no caso dos textos históricos.
Portanto, com os debates envolvendo realismo e anti-realismo (neste caso acompanhado de uma
tentativa de estetização) no domínio específico do conhecimento histórico: trata-se de decidir se
a história produz textos científicos ou, meramente, textos da mesma ordem dos da literatura
ficcional.
Os historiadores tradicionais praticavam o realismo do objeto e acreditavam na
veracidade das narrativas históricas, desde que estas seguissem certas regras de elaboração. Em
anos recentes, porém, num assalto a tal posição que não é o primeiro mas usa um vocabulário e
argumentos por vezes diferentes dos anteriores, filósofos, teóricos da literatura e certos
historiadores partem do princípio de que os fatos reais humanos não se agrupam como nas
narrativas, pelo qual, qualquer texto narrativo que deles pretender dar conta os falseia
necessariamente pela sua própria forma narrativa de ser. Em história, este é um dos caminhos
que conduzem ao ceticismo epistemológico, habitualmente por meio do que se convencionou
chamar de “virada lingüística”, configurada na França pela “desconstrução” propugnada por pós-
estruturalistas como, por exemplo, Jacques Derrida e Gilles Deleuze, nos Estados Unidos, em
especial, pelas propostas filosóficas de Richard Rorty, em seguida por autores como Hayden
White e Dominick LaCapra. (Kelley, 1996: 39-43) Neste texto, estarei seguindo as opiniões,
contrárias a tal posição, de David Carr, o qual afirma que, longe de deformar os fatos que relata,
a narrativa prolonga seus traços fundamentais. Em outras palavras, existiria uma comunidade
formal de características entre a narrativa e a realidade humana, tanto a individual quanto a
coletiva.[5]
As teorias que afirmam a descontinuidade entre narrativa e realidade argumentam
com freqüência que a organização do texto em forma de relato impõe aos fatos a que se refere
uma estrutura em forma de relato com começo, meio e fim - estrutura que procede do fato de
narrar, não dos próprios fatos vividos no mundo real. A narrativa não passa de produto de uma
construção do imaginário (da “imaginação histórica”, diz Hayden White); não tem qualquer
veracidade, mesmo quando apoiada em fontes, pois não se trata de uma questão de
documentação: tratar-se-ia de uma descontinuidade profunda. Não há começo, meio e fim na
vida individual ou coletiva: há mera seqüência de eventos que “terminam” onde se quiser, mas
nunca concluem, posto que sempre existem um antes e um depois. Se acreditarmos nas
reconstruções narrativas, transformar-nos-emos em prisioneiros de um mito. A narrativa
simplifica - elimina ruído, no sentido dado ao termo pela teoria da comunicação - e estrutura as
coisas, mas isto nada tem a ver com o real, não o representa adequadamente. Trata-se de uma
característica do texto, de um efeito textual: pertence unicamente aos textos, não à realidade.
Em outros termos: textos e realidades se situam em planos distintos, que não há
como aproximar. Ao se operar uma assimilação dos planos, cai-se na ilusão, no escapismo, no
desvio; ou mesmo, tal operação pode constituir um instrumento de poder e manipulação.
Os que pensam assim dividem-se em suas opiniões quanto ao mundo real. Alguns
acreditam numa realidade contingente, aleatória, na qual agem quando muito probabilidades
estocásticas. Outros crêem numa realidade determinada e causal. Mas, em qualquer hipótese,
tratar-se-ia de uma realidade externa ao conhecimento humano ou, pelo menos, estranha às
tentativas de reduzi-la a uma narrativa que de fato a representasse, reproduzisse ou imitasse.
A estratégia, na crítica às posições derivadas da “virada lingüística”, pode variar.
Convém, então, esclarecer em que sentido vão as contribuições de David Carr de que aqui nos
ocupamos. Trata-se acima de tudo de uma resposta a teorias como as de Louis O. Mink e Hayden
White, autores que, para Carr (1991:89),
...propõem ser a coerência narrativa uma superposição extravagante mas estranha e
deturpadora [em relação à realidade social - C.F.C.], um sonho de coerência onde de fato ela
absolutamente não existe. Para eles, a loucura consiste em supor que o mundo real tem coerência
narrativa, quando o realista convicto deveria supostamente reconhecer que não a tem.
Diante de teóricos que, como Hayden White e (ainda mais radicalmente) Hans
Kellner, neguem a existência, lá fora, de uma história que precise ser contada (White, 1994: 23-
48; Kellner, 1989), uma forma possível de crítica consiste em demostrar que a história em
questão existe sem dúvida lá fora, isto é, no relativo aos indivíduos e grupos humanos; e que,
portanto, pode e deve ser contada. É esta a estratégia de Carr. Seus argumentos contra a
descontinuidade e a favor da continuidade entre a narrativa e o mundo social real se organizam
em dois níveis: o dos indivíduos e o das coletividades. Tratemos de resumir, de início, o que tem
a dizer no tocante ao patamar individual.
Segundo Husserl, mesmo a experiência mais passiva inclui a retenção do passado
imediato e a antecipação tácita do futuro, que chama de “protensão”. Não é possível viver algo
como presente se não for em confronto com aquilo a que tal momento sucede e com o que
antecipamos que sucederá ao momento em questão. Na vida ativa, com maior razão, consultamos
experiências passadas e prevemos o futuro: o presente é só um trânsito do passado ao futuro. Se
o que ocorre na experiência é um instrumento ou um obstáculo a nossos projetos, desejos e
esperanças, a vida não se configura como uma seqüência desestruturada de eventos isolados.
A estrutura da ação (passado/presente/futuro, começo/meio/fim) é comum ao texto e
à vida, à narrativa e à realidade. Quem propõe a descontinuidade, afirmando que na vida real não
há começo, meio e fim, esquece não só o nascimento e a morte como, também, inúmeras formas
menos definitivas de estruturações dotadas de inícios e conclusões. Por que um início não seria
real, na vida, só pelo fato de que antes dele aconteceram outras coisas? Ou por que não o seria
um fim, só porque depois vieram outros eventos?
A estrutura dos acontecimentos da vida é complexa quanto às estruturações
temporais: configurações imbricam-se em durações distintas, que se entrelaçam e recebem
definição e significado a partir da própria ação. O fato de que haja diferenças entre os projetos
humanos e o que deles de fato resulta traz suspense; mas não faz da ação ordinária um caos
desconexo.
Outro modo de argumentar a favor da descontinuidade consiste em dizer que na vida
não há um narrador (um historiador), nem um público leitor. O relato não só organiza: escolhe,
simplifica, elimina as interferências e o ruído. Unicamente uma minoria de fatos e ações se
incorpora ao relato. Na vida, nada disso é verdadeiro: permanecem todas as interferências e
incoerências, todo o ruído. Outrossim, a posição ex post do narrador que escreve um texto
permite correlações e deduções totalmente invisíveis (e impossíveis de estabelecer) para os que
viveram o processo que se pretende estar narrando ou relatando. Por isso mesmo, retrospectivas e
antecipações são possíveis no relato, não na vida real. Na verdade, três pontos de vista acerca da
seqüência de que se estiver tratando são os que interferem: 1) do narrador; 2) do público; 3) dos
personagens. No caso da história, os personagens não têm acesso à organização dos eventos que,
a posteriori, é proposta pelo historiador: na vida real, ninguém narra os eventos nem os
transforma num relato, posto que narrar supõe um conhecimento externo e superior.
Para criticar esta postura, Carr retoma Husserl: o presente é um ponto de vista que se
abre para o passado e para o futuro. O futuro figura, na experiência, como uma potencialidade do
que ainda vai acontecer. As ações humanas são teleológicas, orientadas a um fim; isto é,
orientadas para um futuro que se projeta. O centro da atenção, na vida ativa, longe de residir no
presente, está no futuro. Na visão de Heidegger, não se trata das ferramentas mas, sim, do
trabalho a realizar.
Isto acontece tanto quando estamos em plena ação quanto ao haver um
distanciamento reflexivo e deliberado, como por exemplo ao formularmos projetos, avaliarmos e
revisarmos as circunstâncias que mudam, o já realizado e o que falta em dada seqüência de
tarefas, etc. A deliberação é antecipação do futuro, é o que unifica a ação em passos, etapas,
meios e fins. É óbvio que ela não pode estar limitada ao presente. É claro, também, que na vida
há incoerências e ruído ou estática que, ao deliberarmos acerca do que fazer, não temos como
eliminar; simplesmente, nós reconhecemos a sua existência e os descartamos das análises.
O futuro é aqui só imaginado ou planejado: não se trata, obviamente, da posição ex
post do historiador, pois esta última é real, não aparece limitada por circunstâncias que, na vida
real, podem furar toda e qualquer previsão ou projeção do futuro. O que importa, porém, para o
argumento, é que mesmo um futuro projetado ou previsto cria, na vida real, a possibilidade de
transformá-la em relato coerente - para nós mesmos ou para outros com que falemos - e em
função do qual se possa agir. A atividade narrativa, neste sentido, é parte inseparável do plano de
ação, não é só algo incidental ou externo. A vida não somente se vive, ela se relata, se conta o
tempo todo: vivemos o relato, relatamos a vida. Com freqüência mudamos o relato, ou seja,
nossa visão acerca da vida, para levarmos em conta novos eventos incidentes; mas também
tentamos, na medida do possível, mudar os eventos para salvar o relato, isto é, o plano, a versão,
o futuro projetado. É absolutamente falso pretender que primeiro vivamos e só depois contemos
o que fizemos - falseando-o ao narrá-lo -, já que a narração retrospectiva não é oposta à visão do
agente, é apenas um refinamento e extensão de um ponto de vista que está embutido na própria
ação anteriormente efetuada. Em suma, a ação narrativa é prática antes de ser cognitiva ou
estética. Minha história de vida é contada - a mim mesmo ou a outros - já enquanto vou vivendo
e, não, unicamente depois; ela é contada no decorrer do próprio processo de viver.
Uma posição similar à de Carr foi exposta por Eric Hobsbawm (1997: 38):
...a parte maciçamente predominante da ação consciente humana que se baseia na
aprendizagem, na memória e na experiência constitui um vasto mecanismo para confrontar
constantemente o passado, o presente e o futuro. As pessoas não podem deixar de tentar prever o
futuro através de alguma forma de ler o passado. Elas têm de o fazer. Os processos ordinários da
vida humana consciente, para não mencionar a tomada pública de decisões, exigem-no.
Vou agora tratar dos argumentos de David Carr, no tocante à continuidade entre
narrativa e mundo social real, quanto ao nível coletivo.
A palavra “nós” às vezes significa só uma forma abreviada de reunir atores
individuais. Mas nem sempre. A vida social inclui casos importantes em que os indivíduos
participantes atribuem, mediante a própria participação, a sua experiência e as suas ações a um
sujeito maior, a um agente coletivo de que cada um deles faz parte.
Podemos, então, estender do eu para o nós o que se disse anteriormente: o tempo
social humano, tal como o tempo individual, constrói-se tendo como base seqüências
configuradas ou estruturadas que integram fatos e projetos da ação e da experiência comuns.
Também neste caso, a estrutura do tempo social real é narrativa. Em cada presente, é a projeção
prospectiva/retrospectiva que lhe dá sentido e configuração, unificando os fatos e ações num
projeto reconhecível quanto aos objetivos.
Há, por certo, uma particularidade, ao se tratar de coletividades: a divisão do trabalho
multiplica os pontos de vista e os papéis. Narrador, público e personagens podem ser pessoas
diferentes. Certos indivíduos podem falar em nome do grupo e relatar o que “nós” estamos
querendo ou fazendo. É preciso, sem dúvida, que o relato em questão seja aceito pelo grupo.
Nem todos os grupos são um “nós” consciente: pode tratar-se de um “eles” somente estatístico,
unificado por residência, sexo, etnia, posição numa estratificação econômica, etc. Entretanto, as
próprias características objetivas que configuram um “eles” estatístico - alguma(s) dessa(s)
característica(s) - em certas circunstâncias podem servir de base ao surgimento de uma
comunidade, de um “nós” consciente e disposto a uma ação concertada: nós os socialistas, nós os
negros, nós as mulheres, nós os democratas etc.
Para que aconteça algo assim, é preciso um relato articulado, aceito e interiorizado
que diga das origens e destinos da comunidade de que se tratar e interprete o presente em função
do passado reconstituído e do futuro projetado. Sem isto, não há como conservar o grupo coeso
contra ameaças externas e eventual fragmentação interna, nem como mantê-lo agindo como
grupo. De novo, a função narrativa é prática antes de ser cognitiva, é parte e condição sine qua
non das ações sociais organizadas. Não se trata, também aqui, de uma reconstituição ex post, mas
de algo embutido na própria ação. Obviamente, as comunidades em questão, os grupos de que se
falava, podem ser efêmeros ou duráveis, mais ou menos vastos e importantes: nações-Estado,
grupos lingüísticos ou religiosos, uma igreja, uma faculdade, um partido ou facção etc.
O “eu” e o “nós” de que se falou não configuram realidades físicas: mas têm
existência real, não são meras ficções; e se baseiam sempre em relatos ou narrativas. Por isto, os
textos históricos, narrativas eles também, não são um desvio ou deturpação da estrutura dos fatos
ou processos de que falam, que narram: são uma extensão legítima de suas características
intrínsecas.
O processo narrativo prático de primeiro nível, constitutivo de uma pessoa ou de uma
comunidade, pode converter-se legitimamente em processo narrativo de segundo nível,
cognitivo. Isto acarretará mudanças no conteúdo. Um historiador pode contar a história de uma
comunidade de um modo muito diferente de como a comunidade narrava-se a si mesma por meio
de seus dirigentes, cronistas, jornalistas, clérigos, etc. Mas a diferença não residirá na forma. As
narrativas de segundo nível não refletem ou reproduzem, simplesmente, as de primeiro nível que
tomam como tema: elas as mudam e melhoram o relato, mesmo porque sem dúvida se
aproveitam da posição ex post do historiador. Mas não é verdade que a forma narrativa, própria
do segundo nível, inexista no primeiro e que, por isto, narrativa e realidade vivida sejam
irreconciliáveis, existam em planos distintos que não façam intersecção.
Até aqui os argumentos de Carr. Recordarei que há outras formas - preferidas por
Paul Ricoeur num nível filosófico e retórico, ou por Roger Chartier numa discussão intrínseca à
“operação histórica” - de opor-se aos efeitos anti-realistas da “virada lingüística”. Ricoeur, por
exemplo, propõe reformular o realismo espontâneo do objeto que, na sua maioria, praticam
implícita ou explicitamente os historiadores, mediante a ligação da história-disciplina com uma
teoria da ação e por uma consideração, à maneira de Michel de Certeau, dos elementos que
justificam a continuidade entre a práxis dos historiadores e a práxis humana em geral
(desembocando num “realismo crítico”) (Ricouer, 1994: 7-24). Roger Chartier, que também
invoca de Certeau, defende o status da história como prática científica devido à existência, nela,
de regras que permitem controlar operações por meio das quais se produzem determinados
enunciados científicos (Chartier, 1994: 111; Hobsbawn, 1997: 266-277). Por fim, há aqueles que
escolhem o caminho da ética, enfatizando os efeitos socialmente deletérios decorrentes, sem
escapatória, da evacuação nos estudos históricos da noção de verdade - evacuação resultante da
“desconstrução” e da “virada lingüística” (Vidal-Naquet, 1987; Himmelfarb, 1995: 122-161).
À guisa de conclusão
Em seu último livro, o historiador Christopher Lasch, falecido em 1994, traça os
contornos do que chama de “novas elites”, de natureza profissional e gerencial, baseadas mais na
manipulação de informação e de conhecimentos profissionais do que no controle da propriedade
ou do capital; fascinadas, no entanto, pelo jogo do mercado e engajadas numa luta frenética para
aumentar os seus ganhos. Intelectualmente, caracteriza-as uma “cultura do discurso crítico” - e,
eu acrescentaria, do “politicamente correto”. Estas novas elites também se distinguem das do
passado por se reconhecerem muito mais como integrantes de um sistema internacional que não
aceita fronteiras do que como estando ligadas a um Estado-nação específico.
Declarando-se tolerantes por princípio, os membros dessas novas elites,
Quando confrontados com resistência a [suas] iniciativas, traem o ódio venenoso que
jaz não muito abaixo da face sorridente da benevolência de classe média. A oposição (...) [lhes]
faz esquecer as virtudes liberais que afirmam defender. Tornam-se petulantes, auto-justificativos,
intolerantes. No calor da controvérsia política, acham impossível ocultar seu desprezo por
aqueles que teimosamente se recusam em ver a luz: aqueles que ‘simplesmente não entendem’,
na linguagem satisfeita consigo mesma do politicamente correto. (Lasch, 1995: 28)
Isto se ajusta como uma luva aos pós-modernos. Também eles pretendem estar
combatendo a intolerância, a “evacuação de saberes alternativos” a partir de discursos que, dos
“lugares de onde falam”, exercem um “poder do saber” que revela um “saber do poder” - ou do
“desejo de dominação”. Sim, mas... Mas, farisaicamente, ninguém costuma ser mais intolerante
do que um pós-moderno no debate intelectual. Mesmo porque, para quem jogou o racionalismo
às urtigas, seja com os argumentos que for, o remédio é tentar calar o adversário a golpes de
afirmações apodíticas e retóricas. Ou a golpes de ironia: recorde-se, a respeito, o “riso filosófico
silencioso” recomendado por Foucault diante dos que insistam em falar do homem depois de ter
o filósofo francês proclamado a sua morte. Não me parece, outrossim, que a semelhança com o
que diz Lasch sobre as novas elites seja casual: pelo contrário, elas são a base social fundamental
do pós-modernismo, sobretudo em partes do mundo que contam mais na emergência e
reprodução da corrente, como os Estados Unidos ou os países da Europa Ocidental. (Callinicos,
1991: 170-171)
A arrogância pode ocultar debilidades ou aporias insolúveis. Isto é verdade também
no plano epistemológico. Vou exemplificar. Lawrence Cahoone inclui, entre os fundamentos da
postura dos pós-modernos, o que chama de crítica da transcendência das normas, levada a cabo
em favor da afirmação de sua imanência. Seria falso pretender que uma categoria de coisas - as
normas - possa independer da semiose, da experiência, ou de interesses sociais delimitados. Isto
os leva a responder às pretensões normativas de outros mediante a exposição dos processos de
pensamento, escrita, negociação e poder que, segundo eles, as produziram. Ocorre, entretanto,
que os pós-modernos não se privam de ter suas próprias pretensões normativas: pelo contrário,
são bastante vociferantes a respeito. Como impedir, então, que o feitiço se volte contra o
feiticeiro e seu discurso normativo seja submetido a uma análise crítica metodologicamente de
corte pós-moderno, mas que torne impossíveis todas as pretensões pós-modernas ao
estabelecimento de normas (as que partam do multiculturalismo como valor, por exemplo)?
(Cahoone, 1996: 15-16).
Este artigo teve objetivos limitados. Quis mostrar, escolhendo dois pontos bem
delimitados no campo do debate atual entre realismo e anti-realismo, que as posições pós-
modernas a respeito são, no fundo, bastante débeis. No tocante aos itens especificamente
abordados, num caso ignoram de todo a questão das bases do conhecimento do mundo e do
social pelos primatas e pelo homem atual como vem sendo enfocada recentemente pela
paleoantropologia e pela neurobiologia: um enfoque que vai em sentido contrário ao que seria
necessário para apoiar o anti-realismo. No outro, os argumentos de David Carr - que,
ironicamente, volta contra os pós-modernos uma parte de seu próprio arsenal filosófico, ao usar
na crítica a eles Husserl e Heidegger - mostram carecer de substância o divórcio entre narrativa e
realidades humanas (individuais e coletivas) que alguns integrantes da “virada lingüística”
pretenderam estabelecer, por meio de uma abordagem retórica parcial - trópica e, no âmbito da
trópica, concentrada na ironia - da história escrita pelos historiadores.
O anti-realismo, nas ciências sociais, não é politicamente inocente.
Independentemente das intenções - e a sabedoria popular afirma que o caminho do inferno está
atapetado de boas intenções -, conduz à idéia de que todas as versões se equivalem, enquanto
qualquer pretensão a um horizonte mais holístico ou geral seria ilusória, impossível, perversa ou
voltada para a manipulação. Não é possível enfrentar o establishment para valer, isto é, num
sentido que não seja o de meras lutas parcializadas, sem uma visão holística do social a partir da
qual se proponham alternativas. Concluirei citando uma passagem de Eric Hobsbawm (1997:
277) que conta com minha total aprovação:
Uma história destinada unicamente aos judeus (ou aos afro-americanos, ou aos
gregos, ou às mulheres, ou aos proletários, ou aos homossexuais) não pode ser boa história,
embora possa ser uma história consoladora para os que a praticam.
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[1]
* Professor Titular de História Antiga da Universidade Federal Fluminense.
[2] Para um bom resumo das questões envolvidas, ver Aurox, Weil, 1975: p. 115-117.
[3] Esta visão do processo foi adotada, por exemplo, em Leakey, Lewin, 1977: p.
148-177. Os autores posteriormente adotaram a opinião de Holloway, de que se falará a seguir.
[4] Ver, entretanto, para algumas das variadas opiniões a respeito: Bunak,1973: p.
127-134; Lieberman, 1975; Lyons, 1988: p. 141-166; Tattersall, 1995: p. 245; Leakey, 1994: p.
119-138.
[5] Sintetizaremos as opiniões do autor segundo dois textos: Carr, 1986: p. 15-27 e
Carr, 1991. Não vemos razão de multiplicar as notas de rodapé ao proceder a tal síntese: fique
claro que, cada vez que mencionamos as noções defendidas por Carr, a base são estes dois textos.

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