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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E


FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE HISTORIA

Disciplina: Pesquisa e Prática de Ensino IV


Professor: Ubiratan Rocha
Aluno: Flavia Silva Barros Ximenes

Homeschooling – Ensino domiciliar no Brasil

O termo homeschooling ou home school, que se refere à educação das crianças


realizada em casa ao invés do ambiente escolar, vem surgindo com cada vez mais
freqüência na mídia. Uma rápida busca na internet aponta várias entrevistas, pesquisas e
blogs sobre o assunto. Nos Estados Unidos estima-se que mais de um milhão e meio de
crianças receba educação domiciliar, e esse número vem aumentando. O homeschooling
é legal nos Estados Unidos, embora cada Estado tenha uma legislação própria para
regulamentar a prática.
No Brasil a prática não é legalizada e os pais estão sujeitos a responder processo
por abandono intelectual. O código penal brasileiro, no artigo 246 define o abandono
intelectual como “Deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em
idade escolar”, tendo como pena a detenção de quinze dias a um mês e multa. O Estado
brasileiro entende que, havendo escolas, é dever dos pais enviar o filho a elas. O que
tem levado pais brasileiros a enfrentar a lei para tomar a frente da educação das suas
crianças?
Queda da qualidade de ensino, aumento da violência escolar, sexualização
precoce das crianças e desejo de oferecer uma educação condizente com os valores
ideológicos e religiosos dos pais estão entre as razões apontadas pelos pais adeptos da
prática. O ensino domiciliar pode ser realizado totalmente fora do ambiente escolar,
com os pais ou professores particulares se responsabilizando pelo ensino, mas há pais
que optam por um modelo híbrido, ou seja, as crianças freqüentam a escola regular mas
recebem acompanhamento educacional intenso em casa. Na página da internet
homeschoolingbrasil.com pode-se ler que “O site é editado por pais preocupados com o
estado da educação brasileira, que foi integralmente infectada por ideologia do mais
baixo nível e, além disso, por pura e simples ignorância.”
O professor Luiz Carlos Faria da Silva, doutor em educação e professor
universitário, casado com uma pedagoga e pai de um casal de filhos optou por manter as
crianças em casa. Assustado com a queda do desempenho escolar e cognitivo dos
alunos e com a queda de valores como o respeito aos pais e professores, decidiu manter
os filhos fora da escola pelo menos até a sétima série do ensino fundamental. Após uma
tentativa de colocá-los na escola, resolveu educá-los em casa. Sobre a decisão, ele diz:

“Tirei porque o estado brasileiro me informa oficialmente, por


intermédio do sistema de avaliação da educação básica, que a
probabilidade do meu filho chegar à 4º série com desempenho
inferior ao mínimo desejado ou necessário é muito alta,
independentemente dele estudar em ma escola da rede municipal,
estadual ou privada. (...) O menino ficou dois anos, a menina um ano
e meio. Tirei porque não dava mais. Não quero que a escola eduque
meus filhos. Quero que a escola instrua.” 1

Atualmente os filhos do professor Luiz Carlos tem 10 e 12 anos e continuam


fora da escola. Após idas e vindas entre o Ministério Público e o Conselho Tutelar, as
crianças fazem regularmente testes em estabelecimentos de ensino para avaliar o
aprendizado, o que não foi conseguido nem é efetuado com facilidade. Segundo ele, o
fato dele e a esposa serem educadores pesou na concessão da avaliação periódica. Sobre
as dificuldades para o ensino das matérias escolares ele diz não é obrigatório que os
próprios pais assumam toda a tarefa e que para o aprendizado da matemática, por
exemplo, matriculou os filhos no método Kumon2.
Os gaúchos Camila e Gustavo Abadie, pais de três filhos dos quais apenas a
mais velha está em idade escolar, tem utilizado o modelo híbrido: a pequena Chloe, de
sete anos, freqüenta a escola, mas tem o aprendizado cuidadosamente monitorado pela
mãe. Camila é formada em filosofia e mantém um blog sobre homeschooling3, além de
ter um horário num programa de rádio da internet4 sobre o mesmo assunto.

1
http://escolasempartido.org/midia/288-nao-coloco-meus-filhos-na-escola
2
Método de ensino criado no Japão. Ver www.kumon.com.br
3
www.encontrandoalegria.blogspot.com.br
4
www.radiovox.org
Um caso que ficou famoso foi o de Cleber de Andrade Nunes e sua esposa
Bernadeth Nunes, condenados pelo Ministério Público a pagar uma multa por manter os
filhos fora da escola. Segundo Cléber “O Estado não tem nenhuma moral para exigir
dos pais que renunciem àquilo que podem fazer de melhor para se submeter a esse lixo
que o Estado oferece para as famílias” 5. O casal não pagou e multa e sofre sanções da
justiça, enquanto os filhos mais velhos, já atuam nas profissões que escolheram – um é
programador e outro webdesigner – e a mais nova já está alfabetizada – em português e
inglês. Cleber criou uma associação que reúne pais que tomaram a decisão de educar os
filhos em casa a Aliança Nacional para Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender
(ANPLIA). Em 2011, a entidade contava com cerca de cem famílias. Além dessa
associação existe a ANED6 (Associação Nacional de Ensino Domiciliar) onde os
interessados na educação domiciliar podem tirar dúvidas e se informar sobre os diversos
aspectos do homeschooling, inclusive os jurídicos.
O pastor evangélico Jose Jehoshua Bueno, denunciado ao Ministério Público
juntamente com sua esposa em 2005, em vista das penalidades impostas preferiu sair do
Brasil e vive no Paraguai. Em São Paulo, mães adeptas do ensino domiciliar se
conheceram pela internet num grupo de discussão sobre a modalidade, decidiram se
conhecer e se reúnem semanalmente para que as crianças brinquem enquanto elas
trocam idéias. Elas concordaram em dar entrevista ao site BBCBrasil, mas tendo o
anonimato preservado para evitar denúncias.
O assunto é polêmico e a adesão ao ensino domiciliar vem crescendo apesar da
oposição de especialistas. Um dos principais argumentos é que o contato escolar é
fundamental para a socialização da criança, sendo o ambiente onde ela aprenderá a
conviver com pessoas e situações diferentes, onde poderá dividir experiências com
crianças da mesma faixa etária e amadurecer como indivíduo. Assim, essas crianças
teriam dificuldade de interagir socialmente e se integrar em ambientes diversos, tendo
um grande prejuízo na formação da sua personalidade. Este é o principal argumento
utilizado contra o ensino domiciliar, os extensos males causados pela privação do
ambiente escolar na formação infantil. Questiona-se também a competência dos pais
para ensinar os filhos, já que os professores de uma escola tem uma formação específica
que os capacita para este fim.

5
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/02/condenado-pela-justica-casal-de-mg-mantem-filhos-fora-
da-escola.html
6
www.aned.org.br
Os adeptos do ensino em casa rebatem as acusações dizendo que os pais não têm
a obrigação de ministrar toda a grade curricular aos filhos, o que pode ser feito por
professores particulares. O professor Luiz Carlos Faria da Silva, como já foi dito,
matriculou os filhos no método Kumon para estudarem matemática e suas crianças
também freqüentam um curso de inglês. Além disso, as aulas não se restringem ao
ambiente doméstico e incluem visitas a museus, exposições e afins, além de contar com
o uso ativo da informática, por exemplo, com o uso de aplicativos para o ensino de
línguas e outras matérias. Outra possibilidade é que pais praticantes se reúnam e se
revezem nas matérias que dominam, o que é possível quando famílias de pais
educadores moram próximas e mantêm contato.
Quanto ao problema da socialização, as famílias são unânimes em afirmar que as
crianças não deixam de ter contato com outras crianças por estarem fora da escola. Os
estudantes domiciliares têm amigos na comunidade, freqüentam cursos e praticam
esportes, o que proporciona um convívio social. Os filhos do casal Cléber e Bernadeth
Nunes dizem que a falta da escola não lhes causou nenhum problema: “Moramos em
uma cidade pequena. Conheço quase todos os jovens da cidade. É normal. Pratico esportes,
saio, vejo meus colegas à noite. Jogo bola, ando de skate. Não me senti prejudicado nessa
área”7, disse o mais novo.
Camila Abadie, em seu blog, defende a primazia da família sobre a formação das
crianças, que ainda não têm idade para discernir sobre o que é ou não nocivo e que,
dependendo do tipo de influência a que estarão expostas as conseqüências podem não
ser boas.

“A criança não nasce de crianças nem entre elas, mas de adultos e


entre eles, entre mãe e pai. É na relação com eles e na observação da
relação entre eles que a criança aprenderá a relacionar-se. Se vem de
um lar violento, a criança muito provavelmente será violenta com os
demais. Se vem de um lar amoroso, muito provavelmente será
amorosa. (...) Aos pais é que cabe a decisão de quando e como as
crianças devem participar de um convívio social mais amplo, não ao
Estado. Socialização obrigatória não é socialização. É prisão.” 8

7
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/02/condenado-pela-justica-casal-de-mg-mantem-filhos-fora-
da-escola.html
8
http://encontrandoalegria.blogspot.com.br/2013/07/o-mito-da-socializacao.html
Para muitos pais o atual quadro de violência escolar torna a socialização no
ambiente da escola mais temida que desejada. São cada vez mais freqüentes os casos de
bullying, agressões entre alunos e agressões de alunos contra professores. Dependendo
do lugar onde a escola está localizada as crianças convivem com a influência direta do
tráfico de drogas, com alunos reproduzindo o comportamento, vocabulário e gestual de
traficantes, que presenciam nas suas comunidades. Uma rápida busca pela internet
revela o aumento de casos de venda de drogas próximo a escolas em todo o Brasil. O
Estado tem se mostrado ineficiente em proteger as crianças, os pais querem ter o direito
de fazê-lo.
Um consenso entre todos os praticantes do ensino domiciliar é a proximidade
entre pais e filhos que essa modalidade de ensino proporciona. Quando os pais passam o
dia inteiro no trabalho e os filhos em escolas e inúmeras atividades extracurriculares
muitas vezes as relações familiares são prejudicadas. Ensinar os próprios filhos torna
possível uma ligação íntima entre os membros da família, já que passam grande parte do
tempo juntos.
Decidir manter os filhos fora da escola exige uma grande determinação. Além
das complicações jurídicas que possivelmente serão enfrentadas, exige tempo, paciência
e abnegação. Para muitos pais a escola continuará sendo a melhor opção, e mesmo que
o ensino domiciliar cresça ainda mais não ameaçará a instituição escolar. O deputado
Wilson Picler, do PDT, apresentou uma proposta de emenda à Constituição que
regulamenta o ensino domiciliar, a PEC 444/2009, que está em tramitação. Essa PEC é
uma esperança para muitos pais que retiraram ou pretendem retirar os filhos da escola,
mas a batalha promete ser longa.
Se as crianças desenvolvem a inteligência e adquirem conhecimento, provando
isso em exames oferecidos pelos órgãos competentes, por que punir os pais? Uma
criança que domina os conteúdos escolares, muitas vezes de um nível superior ao
apropriado para sua idade, não sofreu abandono intelectual e, devido ao esforço
conjunto que os pais precisam fazer para dar conta dessa educação em casa, essa família
deve ser bem estruturada. É importante que todos tenham acesso a educação e que o
Estado proporcione uma escola de real qualidade, mas ao mesmo tempo ofereça uma
opção, regulamentando e fiscalizando quem deseja e pode ficar de fora do sistema atual.

Referências:
ANED – Associação Nacional de Ensino Domiciliar; http://www.aned.org.br/

http://escolasempartido.org/midia/288-nao-coloco-meus-filhos-na-escola

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/134/artigo234386-1.asp

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/02/condenado-pela-justica-casal-de-mg-
mantem-filhos-fora-da-escola.html

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131104_educacao_domiciliar_abre_
vale_mdb.shtml

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=14EAEC0F
279C3D4357B1F13F003CF750.node1?codteor=723417&filename=PEC+444/2009

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=463248

http://desescolariza.blogspot.com.br/2012/01/urgente-pela-legalizacao-do.html

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/134/artigo234386-1.asp

http://encontrandoalegria.blogspot.com.br/

http://www1.folha.uol.com.br/saber/1102649-cresce-adesao-de-familias-brasileiras-ao-
ensino-domiciliar.shtml

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131104_educacao_domiciliar_famili
a_vale_mdb.shtml

http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/conteudo.phtml?tl=1&id=1389244&tit=O-
segredo-e-ter-organizacao-e-controle

https://www.youtube.com/watch?v=WQKAiEHvC8E#t=1023
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/cresce-a-adesao-a-educacao-domiciliar-nos-
estados-unidos/n1597354516094.html

Páginas acessadas em 07/12/2013

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