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desejo viver?
Ética e dignidade
humana
Adriano José Hertzog Vieira,
Álvaro Augusto Schmidt Neto,
Juan Miguel Batalloso Navas e
Rosamaria de Medeiros Arnt
1
Como vivemos no cotidiano, nas relações familiares, na escola, no trabalho, en-
tre amigos, na vizinhança, na comunidade? O que é a felicidade? O que é dignidade
humana? Existe relação entre a felicidade e a dignidade humana? O que é ética? Como
despertar nossa humanidade, a paz e a felicidade que buscamos?
Neste fascículo você vai ser apresentado aos conceitos de felicidade, autoconhe-
cimento, dignidade humana e ética e estimulado a estabelecer conexões entre esses
conceitos. Pensar e construir referências que norteiem a sua vida, as suas condutas, a
busca pela felicidade apontam para o processo de autoconhecimento, cujo caminho
coincide com a própria existência humana.
Ao final da leitura deste material espera-se que o cursista seja capaz de:
• Elaborar questionamentos sobre a sua existência como indivíduo e vida que deseja viver;
• Propiciar um diálogo sobre os temas: felicidade, dignidade humana e ética;
• Refletir sobre o projeto de vida relacionando-o com os significados estudados de
felicidade, dignidade humana e ética;
• Despertar para a necessidade de autoconhecimento.
Acordo de manhã para mais um dia. Tomo café, me arrumo e vou para a escola, para
o trabalho, ou para outras atividades que estão entre minhas obrigações cotidianas.
Será que enquanto me preparo para viver este dia, penso na vida que
desejo ter? Penso no que significa ser feliz? Será que eu me sinto feliz?
Quais meus planos, meus projetos de vida, meus sonhos? Minhas ativida-
des de hoje estão na direção da realização de meus sonhos? O que desejo?
Como cantam os Titãs, desejo mais que comida. Será que quero saída para
qualquer parte? Qualquer parte serve? Ou não?
Estas são as questões que propomos para iniciar curso Direitos Humanos e
Geração da Paz. Estas são as questões que propomos para habitarem nossos pensa-
mentos a cada dia.
As respostas são pessoais, intransferíveis. Por isso os textos que iniciam este curso são
repletos de perguntas de três professores: Adriano J. H. Vieira, Álvaro A. Schmidt Neto e
Juan Miguel Batalloso Navas. Os estilos variam, de acordo com o jeito que cada um en-
controu de expressar-se, de comunicar seus estudos, de dialogar com vocês.
A felicidade
Álvaro Augusto Schmidt Neto
Autorretrato
Se me contemplo,
Tantas me vejo,
Que não entendo
Quem sou, no tempo
Do pensamento (...)
Cecília Meireles
Autoconhecimento
Juan Miguel Batalloso Navas Quem sou?
Como sou? Por
...Somente o autoconhecimento pode trazer tranquilidade e felicidade que sou assim?
ao homem, porque o autoconhecimento é o princípio da inteligência Você já pensou
e da integração. A inteligência não é um simples ajuste superficial; sobre isso
não é o cultivo da mente, nem a aquisição de conhecimentos. A neste ano?
inteligência é a capacidade para entender os processos da vida; é
percepção dos verdadeiros valores...
Jiddu Krishnamurti
Já era tarde quando Eduardo chegou da escola. Passou pela varanda, onde vovô Ro-
mualdo tomava um ar após o almoço. Pouco depois voltou com o prato recheado de
farofa, feijão de corda e um pedaço suculento de peixe que a vó Estelita tinha preparado.
Sentou-se no chão, perto da rede onde o avô repousava e perguntou:
– Vovô, hoje minha professora disse que a gente vai estudar ética, algo muito
necessário para nossa vida em sociedade. Mas eu estou muito curioso, acho que não
vou aguentar esperar a próxima aula para saber o que é isso. O senhor pode me dizer
que tal coisa é essa ética?
Seu Romualdo que, mesmo com pouca escola, era um homem muito vivido, que
gostava de ler e saber das coisas, passou a mão pela cabeça, raspou a garganta e disse:
– Ética, Dudu, é uma coisa muito antiga, desde que existe gente nesse mundão,
existe ética. Cada povo, cada grupo, tem uma forma de nomear e compreender isso
que chamamos de ética, mas esse nome quem inventou foram os gregos antigos. No
século IV a. C., um mestre, filósofo, chamado Epicuro (341 - 270 a. C.), propôs uma
doutrina que buscava a felicidade por meio do prazer, do bem viver. Prazer era enten-
dido como um bem realizado para o outro, não um bem para si mesmo, que seria o
egoísmo. Epicuro e seus seguidores acreditavam que as sociedades deveriam ser como
os jardins, onde as pessoas se encontravam e estabeleciam laços de amizade para aju-
darem uns aos outros. O prazer estava relacionado ao bem viver, ao cuidado com as
pessoas, ao cuidado com o planeta Terra, com o ambiente onde se vive. A esse modo
de viver em comunidade, cuidando uns dos outros, na alegria e amizade, criando um
clima agradável de solidariedade e qualidade de vida, foi dado o nome de ethos pelos
epicuristas, daí surgiu a palavra ética.
– Então, retrucou Dudu, quando eu chego da escola e encontro um prato de
comida, preparado pela vovó Estelita, e vocês se preocupam com minha alimentação,
isso é ética? Porque, afinal de contas, vocês estão cuidando de mim, não é?
– De certa forma, sim, Dudu, disse o vô Romualdo. Ética é nosso modo de viver,
de nos relacionarmos com as pessoas. Sempre que fazemos coisas que ajudam as pes-
soas, promovem o crescimento humano, o desenvolvimento do bem, das boas coisas,
estamos vivendo na perspectiva da ética da felicidade, do bem viver.
– Eram só os epicuristas, voinho, que se preocupavam com a ética, ou outros
filósofos também falavam disso?
– Os epicuristas, Dudu, foram os primeiros que estudaram e desenvolveram o
conceito da ética, mas muitos filósofos, quase todos, tematizaram essa questão. Platão,
por exemplo, outro ateniense, que também viveu no século IV a. C., acreditava que a
virtude e o bem viver residiam no conhecimento. A descoberta da sabedoria através
da razão era o caminho para que os homens se tornassem bons e fizessem o bem para
todos, vivendo, assim, numa sociedade perfeita.
Ética e cultura
Quando parecia que o neto tinha ficado satisfeito com o diálogo, seu Romualdo er-
gueu-se da rede e saiu em direção ao portão, a fim de dar uma caminhada na vila. Não
demorou e Eduardo o chamou, fazendo-lhe sinal para que o esperasse. Logo, com a
agilidade de seus 16 anos, já estava ao lado do vô, abraçando-lhe os ombros e oferecen-
do sua companhia para a caminhada.
– Só quero entender mais uma coisa, vovô, disse Eduardo: o senhor me falou bem
que a palavra “ética” surgiu na cultura grega, com os primeiros filósofos, isso eu compre-
endi. Mas, então, a ética é uma coisa da cultura ocidental, europeia e que chegou até nós
por causa de nossa herança cultural proveniente da colonização portuguesa? Os outros
povos, as outras sociedades que não herdaram sua cultura dos gregos, não possuem ética?
O avô sorriu balançando a cabeça e deu uns tapinhas de leve no ombro do neto.
Parou à sombra de uma mangueira e explicou:
– Olha, Dudu, todas as culturas, de alguma forma, têm seu jeito de manifestar a
ética, o cuidado com as pessoas, a compaixão com os seres. Vou te contar uma história,
muito interessante, que ouvi do seu Carlos Alberto, aquele vizinho que é bisneto de
africanos e tem muita sabedoria que herdou de seus ancestrais. Uma vez, ele me con-
tou uma história que dizia mais ou menos assim:
“Uma orixá, de nome Nanã, teve um filho chamado Omolu. Por causa da saú-
de frágil e o corpo débil de Omolu, sua mãe Nanã o deixou na beira do mar para ser
morto e servir de alimento aos peixes e animais marinhos. Iemanjá, a deusa dos mares,
Síntese do fascículo
Neste fascículo abordamos alguns conceitos que consideramos fundamentais
para o respeito aos Direitos Humanos e à Geração da Paz. Em primeiro lugar, a
felicidade. Compreendemos a felicidade como um jeito próprio de atribuirmos
sentido à nossa vida, percebendo que ela está muito mais relacionada à maneira
como encaramos os acontecimentos, oportunidades e aprendizagem do que a fato-
res externos. Como um meio de entrarmos em contato mais profundo com nosso
cotidiano, com nosso jeito de ser, sentir e agir, mergulhamos no autoconheci-
mento, sua importância e significado. O autoconhecimento vai além da simples
observação de nossos pensamentos e sentimentos. É uma conexão profunda com
nossos valores, nossos propósitos, nossas emoções, reações. Para esta busca, preci-
samos também estar atentos às relações que mantemos com as pessoas de nossa fa-
Atividades
1. Para você, a felicidade é um estado permanente do ser humano ou momentos dife-
renciados da vida? Justifique sua resposta com um exemplo pessoal.
2. Vimos no texto que o autoconhecimento exige disciplina, esforço e introspecção.
Por que é importante o autoconhecimento, e de que forma ele pode ajudar a pessoa
a ser feliz?
3. A dignidade é um direito universal de todo ser humano. Mas ser digno para uma
pessoa pode não coincidir com ser digno para outra pessoa. E aí? Como você faria
para conciliar pontos de vista diferentes?
4. Na sociedade brasileira, hoje, é comum se ouvir pessoas afirmando que temos falta
de ética. Você concorda com essa afirmação? Que ética nos faltaria? Você pode ilus-
trar com exemplos recentes?
Autores
Adriano José Hertzog Vieira: Educador, doutorando em Educação na Universidade Católica
de Brasília, mestre em Educação (Unisinos), filósofo, pastoralista e psicoterapeuta. Professor no
Curso de Pedagogia da Universidade Católica de Brasília. Trabalha com formação de professores
na perspectiva da transdisciplinaridade, complexidade e ecoformação. Membro do Grupo de Pes-
quisa Econtansd/CNPq, palestrante e conferencista. Autor do livro Eixos Significantes: Ensaios de Um
Currículo da Esperança na Escola Contemporânea (Brasília: Universa, 2008) e Organizador do livro A
Esperança da Pedagogia: Paulo Freire – Consciência e Compromisso (Brasília: Liberlivro, 2012).
Álvaro Augusto Schmidt Neto: Pedagogo com mestrado em Filosofia da Educação pelo Centro
Universitário Nove de Julho (2005), mestrado em Gestão Educacional pelo Centro Universitário
Salesiano de São Paulo (2000) e doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universida-
de Católica de São Paulo e Universidade de Barcelona (2009), com os temas “Complexidade e
Transdisciplinaridade”. Educador Corporativo da SPDM/Unifesp e membro do grupo de pesquisa
Ecotransd/CNPq.
Juan Miguel Batalloso Navas: Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Sevilla
(Espanha). Graduado e licenciado em Filosofia e Ciências da Educação. Orientador escolar e for-
mador de professores. Colaborador da Revista de Diálogos, especializada em Educação de Adultos.
Membro da secretaria técnica do Instituto Paulo Freire da Espanha. Foi professor de Ensino Fun-
damental e chefe do Departamento de Orientação de Institutos de Educação Secundária na Espa-
nha. É autor de livros e diversos artigos, além de conferencista nacional e internacional, atuando
especialmente no Peru e no Brasil. Integrante do Grupo de Pesquisa Ecotransd/CNPq.
Rosamaria de Medeiros Arnt: Doutora em Educação pela PUC/SP, pós-doutorado na Univer-
sidade de Barcelona com o tema “Cenários de Aprendizagem e Docência Transdisciplinar”. Mem-
bro do Grupo de Pesquisa Ecotransd/CNPq e pesquisadora visitante na Universidade Estadual do
Ceará (UECE), junto à Pró-Reitoria de Extensão, coordenando o projeto “Rede de Agentes de
Cidadania: caminhos para a vivência dos direitos humanos e geração da paz”.
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