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Portugal"
25 de janeiro de 2014
Gostaria de começar por dizer que é uma honra e um prazer participar com o Senhor D.
Manuel Clemente e com o Senhor Dr. António Pinto Leite nesta reflexão organizada
pela ACEGE sobre o trabalho e o emprego em Portugal.
A minha apresentação está estruturada em quatro partes. Uma primeira parte sobre
algumas características do mercado de trabalho que considero necessário ter presente
para enquadrar a reflexão. Uma segunda parte sobre os desenvolvimentos recentes do
mercado de trabalho e os desafios que eles nos colocam. Uma terceira parte sobre a
estratégia que a meu ver deve ser seguida para absorver o desemprego estrutural da
economia portuguesa. Por último, uma quarta parte, onde teço algumas considerações
sobre os desafios imediatos que se nos colocam e sobre a necessidade de assegurar uma
saída credível do Programa de Assistência Económica e Financeira.
(i) Trabalhadores com contrato a prazo (com termo), que apresentam elevada
rotação entre empregos, passagens frequentes pelo desemprego e recebem
salários mais baixos. No período 2008-2012, os contratos a prazo
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representavam cerca de 18% dos assalariados, sendo sobretudo jovens com
níveis de instrução superiores à média da população (Quadro 1).
(ii) Trabalhadores com contrato permanente (sem termo), com taxas de
rotação entre emprego muito baixas e salários mais elevados.
Quadro 1
Trabalhadores por conta de outrem: total e tipo de contrato
2008 2012
Quadro 2
Disparidade entre emprego com contrato permanente e a prazo
Prémio salarial Taxa anual de
dos conversão em
contratos permanentes contratos permanentes
Áustria 20,1 47,4
Irlanda 17,8 46,3
Luxemburgo 27,6 41
Bélgica 13,9 40,4
Grécia 10,3 31,3
Itália 24,1 31,2
Espanha 16,9 28,3
Finlândia 19 22,7
França 28,9 13,6
Portugal 15,8 12,1
Fonte: Boeri (2010).
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Neste contexto, em Portugal, os trabalhadores com contratos a prazo são os que
suportam a maior parte dos custos de ajustamento no mercado de trabalho, quer
através do emprego quer do salário. Assim, dados do inquérito ao emprego do INE
evidenciam que, nos últimos anos, a queda no emprego foi particularmente
significativa nos contratos com termo (Gráfico 1).
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Gráfico 1
Evolução do emprego por conta de outrem
(taxa de variação em %)
15
10
-5
Variação do emprego por conta de outrem
-10 Contrato com termo
Contrato sem termo
-15
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 até 2013T3
4
Gráfico 2
Num estudo recente para os EUA, Frey e Osborne (2013) estimam que, nas
próximas décadas, 47% das atuais profissões têm probabilidade elevada de
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automação e de consequente perda de emprego. Segundo estes autores, as
profissões com menor probabilidade de serem sacrificadas pela automação são as
aquelas: i) que requerem maiores competências de perceção e manipulação (como
a cirurgia); ii) que envolvem inteligência criativa (casos do compositor musical, do
poeta, do biólogo, do chefe de cozinha, etc.); iii) ou que exigem inteligência social
(por exemplo, as profissões que requerem grande capacidade de negociação, de
persuasão e de relacionamento pessoal, como é o caso de relações públicas,
assistente social e de várias profissões ligadas ao turismo). O Quadro 3 apresenta
probabilidades de automação estimadas para algumas profissões por Frey e
Osborne (2013).
Quadro 3
Probabilidade de automação e consequente perda de empregos por profissão
Este fenómeno tem muitas consequências tanto sobre o mercado do trabalho como
sobre o modelo de especialização internacional, bem como fortes implicações
sociais. Estas implicações serão tanto maiores quanto menos sejam antecipadas
pelas políticas que determinam a aquisição de conhecimentos formais e
profissionais e pelas estruturas produtivas/empresariais que se especializaram
nos elos das cadeias produtivas que estão mais expostos aos efeitos da automação.
Assim, e em primeiro lugar, este fenómeno vai colocar sob forte pressão a classe
média, que tipicamente exerce atividades de qualificações intermédias na cadeia
de valor.
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Em segundo lugar, aumenta as desigualdades salariais, criando problemas de
coesão social. Rodrigues e outros (2010) mostram uma subida da desigualdade
salarial em Portugal no período 1993-2008, com um aumento progressivo da
quota do ganho total auferido pelos indivíduos de maior nível salarial.
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trimestre de 2013, a taxa de desemprego atingiu um máximo histórico de 17.7%;
no terceiro trimestre de 2013, fixou-se em 15,6%, o que equivale a cerca de 840
000 pessoas desempregadas (Gráfico 3). Estes números são alarmantes do ponto
de vista social.
Gráfico 3
Taxa de desemprego: em percentagem da população ativa em cada escalão etário
45
40
Taxa de desemprego
35 15 a 24 anos
25 a 34 anos
30 35 a 44 anos
45 a 54 anos
25 55 a 64 anos
20
15
10
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Estes números revelam que estamos a desperdiçar uma nova geração de recursos
humanos – muito qualificados e capazes de concorrer a nível europeu e global –,
essencial para incrementar o potencial de crescimento da economia.
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profissional, o seu rendimento, a sua mentalidade e a sua inserção social. Assim, os
que chegam ao mercado de trabalho em plena recessão tendem a ficar para trás:
quando a recuperação da economia e do emprego se inicia os primeiros a serem
contratados tendem a ser os recém-licenciados e, só posteriormente, os jovens das
licenciaturas anteriores. Em termos de efeitos a longo prazo, um estudo de Kanh
(2010) para os EUA revela que, para a mesma função, os licenciados que chegam
ao mercado de trabalho num período de recessão recebem, 15 anos depois, um
salário cerca de 2,5% inferior aos que chegam ao mercado de trabalho num
período de expansão. Acresce que, em média, no longo prazo, os que chegam ao
mercado de trabalho em períodos de recessão têm ocupações inferiores.
Por estes motivos, a redução do desemprego dos jovens deve ser uma prioridade
da economia e da sociedade portuguesas.
9
Gráfico 4
Taxa de desemprego: contributo por duração
18
12
10
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Este fenómeno é particularmente gravoso, tendo em conta que nos últimos anos se
registou em Portugal uma redução quer da população ativa quer da taxa de
atividade (Gráfico 5).
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Torna-se, deste modo, mais difícil alcançar a sustentabilidade tanto da dívida
pública como do modelo social, com efeitos nefastos sobre os mecanismos de
equidade intergeracional, sobre a rede de segurança contra os riscos de exclusão e
sobre a igualdade de oportunidades no acesso à educação, base de num sistema
socioeconómico que tira pleno proveito do talento e do mérito.
Gráfico 5
Taxa de variação da população ativa
Em percentagem
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
-0,5
-1,0
-1,5
-2,0
-2,5
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
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trabalho no setor dos bens não transacionáveis, em resultado de uma forte
dinâmica da procura interna alimentada por crédito abundante e barato. Esta
alimentação da procura desvaneceu-se quando a crise financeira veio revelar que
os presentes níveis de endividamento de todos os agentes económicos se
encontravam no limite da sua sustentabilidade. A crise precipitou a necessidade de
desendividamento dos agentes económicos nacionais e tornou visível a
insustentabilidade dos níveis de procura dos setores produtores de bens não
transacionáveis; e, por arrastamento, revelou a artificialidade de parte dos postos
de trabalho que tinham sido criados nestes sectores durante o boom do
endividamento das famílias e do Estado.
Gráfico 6
Taxa de desemprego: observada e estrutural
(em percentagem)
18,0
16,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
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Por isso, num quadro em que a quebra da procura dos setores não transacionáveis
tinha carater permanente, e foi percebido como tal, assistiu-se a uma destruição de
emprego claramente superior àquele que decorreria da redução do produto ou do
rendimento disponível das famílias. Este é o caso da construção, um setor mão-de-
obra intensivo e dependente da capacidade de endividamento dos compradores,
onde a redução do emprego nos últimos anos foi muito elevada e superior à da
indústria transformadora (Gráfico 7). O que significa que parte do emprego que foi
perdido no setor dos não transacionáveis não será recuperado com a retoma
económica, tanto mais quanto parte da procura correspondia a investimento não
produtivo, como é o caso de equipamentos de lazer sem capacidade de gerar
retorno, ou a áreas onde se regista já uma situação de sobre equipamento, como é
o caso das infraestruturas rodoviárias, ou ainda uma situação de saturação
duradoura do mercado, como acontece no mercado de novas habitações.
Gráfico 7
Variação acumulada do emprego nos principais setores de atividade
desde 1999
130,0
120,0
110,0
100,0
Índice 1999=100
90,0
80,0
70,0 Total
Indústria
60,0 Construção
Serviços
50,0
40,0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
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não transacionável para o transacionável. A transferência de capital humano não
será nunca instantânea: requer investimentos economicamente viáveis, isto é,
assentes numa procura revelada e na competitividade da oferta, e requer a
adequação dos trabalhadores que estão hoje no desemprego aos requisitos de
qualificação e atitude inerentes à viabilidade desses mesmos investimentos. O que
significa que vai levar tempo, certamente muito mais do que o desejável do ponto
de vista da gestão do impacto do desemprego de longa duração. E que, por esse
motivo, impõe o reforço ou a criação de mecanismos que mitiguem os efeitos do
ajustamento estrutural da economia sobre a coesão da sociedade portuguesa, para
além do reforço e da criação de mecanismos de apoio à requalificação dos
desempregados de longo prazo. Há que os requalificar para que se ajustem às
novas oportunidades de emprego e para evitar que passem para a inatividade, por
obsolescência de conhecimentos anteriormente adquiridos.
Em suma, temos que definir e pôr em prática políticas que favoreçam a criação de
postos de trabalho nos setores produtores de bens transacionáveis, que absorvam
o desemprego resultante do ajustamento do setor de bens não transacionáveis e
que absorvam os jovens que estão no desemprego e os que vão chegar ao mercado
de trabalho. Paralelamente, é necessário criar postos de trabalho que compensem
a perda de emprego nos setores hoje viáveis, como reflexo de melhorias da
produtividade e da introdução de processos automatizados inerentes à
necessidade de se manterem competitivos. Isto é, temos que criar emprego e,
simultaneamente, melhorar o padrão de especialização internacional da economia
portuguesa, o que significa reduzir a incorporação de trabalho por unidade de
produto e melhorar o posicionamento na cadeia de valor – isto é, reforçar a
competitividade e gerar emprego. Ou seja, não podemos encarar o problema do
desemprego jovem e estrutural sem nos interrogarmos sobre a qualidade e a
vitalidade do nosso tecido empresarial.
A solução para o desemprego tanto jovem como estrutural passa, pois, por
assegurar um crescimento económico sustentado, o que exige um aumento
significativo do investimento.
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A estratégia a adotar deverá assentar em quatro pilares: i) otimização da
capacidade de produção instalada; ii) evolução para segmentos superiores da
cadeia de valor nos setores onde já estamos instalados; iii) diversificação setorial
por meios endógenos; iv) atração de investimento estrangeiro.
No setor dos serviços, tem que ser potenciada a utilização da capacidade instalada.
Existe ainda margem de produção e, por consequência, de absorção do
desemprego na área dos serviços e, em particular, nos serviços ligados ao turismo.
É necessário tornar Portugal um país fornecedor de serviços de turismo ao longo
de todo o ano e tirar partido de uma série de equipamentos que hoje se encontram
subutilizados ou porque entraram em situação de insolvência ou por ausência de
capacidade de exploração ou, ainda, por falta de capacidade de colocação no
mercado. São potencialidades de criação de emprego e de produção que, pelo facto
de não se materializarem, significam desperdício de capital.
Para pôr em prática esta estratégia, é crucial que as empresas tenham capacidade
para aumentar a sua escala de produção e tirar partido de novos conhecimentos e
qualificações sobre os produtos e os processos de produção. Isto é, trata-se de um
objetivo que pressupõe uma escala que permita sustentar uma organização dotada
das funções estratégicas, produção, abordagem de mercados e absorção de
conhecimento e inovação, que pressupõe investimento e capacidade de
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financiamento; e, por último, mas não menos decisivo, capacidade de gestão. São
estes os elementos que importa escrutinar no tecido empresarial português.
Quadro 4
Indicadores da situação financeira das empresas não financeiras
A reduzida autonomia financeira das empresas, uma das mais baixas da área do
euro, constitui hoje a maior fragilidade e o primeiro grande obstáculo à
regeneração do tecido empresarial português. Os presentes níveis de
endividamento limitam a capacidade de investimento e, por consequência, tanto a
sua resposta à concorrência como o aumento da sua escala, condição necessária
para a passagem para um estádio superior de organização, gestão e orientação
estratégica.
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proprietários e o capital emprestado pelos bancos, mas, mais importante,
desaparece o capital social que representam, por exemplo, as rotinas e os
conhecimentos tácitos existentes.
No que toca às empresas viáveis que se encontram hoje sob stress financeiro, há
que assegurar a observância de processos que salvaguardem a sua continuidade,
com preservação do capital de conhecimento tecnológico e de mercado que
incorporam. Adicionalmente, é necessário garantir uma estrutura financeira
sustentável, a melhoria da respetiva eficiência, e, em particular, procedimentos que
assegurem a eficácia e a oportunidade do próprio processo de reestruturação, a
saber:
17
O desenvolvimento de uma dinâmica de escala implica uma gestão
profissionalizada, claramente separada da propriedade, que seja capaz de fornecer
informação transparente e fiável aos diferentes stakeholders. Não é sempre
verdade que o proprietário do capital da empresa tenha capacidade de gestão,
muito embora tal não exclua casos de donos de empresa com visão estratégica e
capacidade de gestão - o que acontece com grande frequência nas empresas
detidas pelo fundador ou pela segunda geração. Nas empresas familiares, a
qualidade da gestão tende a degradar-se, primeiro, na passagem da gestão do
fundador para a segunda geração e da segunda para a terceira geração; segundo,
quando registam um processo acelerado de crescimento e atingem uma escala que
requer um modelo de organização, uma definição de funções e uma delegação de
competências e responsabilidades que não são compatíveis com o modelo
centralizado de gestão; e, terceiro, quando o equilíbrio da estrutura de
financiamento requer um volume de capitais próprios que ultrapassa a capacidade
de financiamento dos donos.
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inovação: e, em segundo lugar, porque o sistema nacional de inovação, por seu
turno, também manifesta deficiências ou mesmo ausência de articulação com o
setor empresarial, por dificuldades próprias e por falta de interlocutores
habilitados do lado empresarial. O sucesso dos setores do calçado, dos moldes e da
metalomecânica em Portugal são excelentes exemplos das vantagens da
articulação entre o sistema de inovação, nacional ou regional, e o tecido
empresarial tendo pontos de aplicação claramente delimitados e projetos bem
organizados.
4. Considerações finais
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A saída credível do Programa exige um compromisso alargado entre as forças
políticas do arco da governação que garanta:
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Referências:
Boeri, Tito (2010), “Box 3.1. The Dualism between Temporary and Permanent
Contracts: Measures, Effects and Policy Issues”, IMF World Economic Outlook, April.
Centeno, Mário e Novo, Álvaro (2009), “When Supply Meets Demand: Wage
Inequality in Portugal”, Discussion Paper 4592, IZA.
Frey, Carl Benedikt e Osborne, Michael A. (2013), “The future of employment: how
susceptible are jobs to computerisation?”, Oxford University.
Lindsey, Brink (2013), Human Capitalism: How Economic Growth has made us smarter
and more unequal, Princeton University Press.
Kanh, Lisa (2010), “The long-term labor market consequences of graduating from
college in a bad economy”, Labour Economics 17 (2010) 303–316.
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