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Conferência da ACEGE "Uma reflexão Cristã sobre o Trabalho e o Emprego em

Portugal"

25 de janeiro de 2014

O desafio da absorção do desemprego estrutural em Portugal

Carlos da Silva Costa

Governador do Banco de Portugal

Gostaria de começar por dizer que é uma honra e um prazer participar com o Senhor D.
Manuel Clemente e com o Senhor Dr. António Pinto Leite nesta reflexão organizada
pela ACEGE sobre o trabalho e o emprego em Portugal.

A minha apresentação está estruturada em quatro partes. Uma primeira parte sobre
algumas características do mercado de trabalho que considero necessário ter presente
para enquadrar a reflexão. Uma segunda parte sobre os desenvolvimentos recentes do
mercado de trabalho e os desafios que eles nos colocam. Uma terceira parte sobre a
estratégia que a meu ver deve ser seguida para absorver o desemprego estrutural da
economia portuguesa. Por último, uma quarta parte, onde teço algumas considerações
sobre os desafios imediatos que se nos colocam e sobre a necessidade de assegurar uma
saída credível do Programa de Assistência Económica e Financeira.

1. Algumas características do mercado de trabalho em Portugal

A legislação portuguesa conduziu à segmentação do mercado de trabalho em dois


grupos com características muito diferentes:

(i) Trabalhadores com contrato a prazo (com termo), que apresentam elevada
rotação entre empregos, passagens frequentes pelo desemprego e recebem
salários mais baixos. No período 2008-2012, os contratos a prazo

1
representavam cerca de 18% dos assalariados, sendo sobretudo jovens com
níveis de instrução superiores à média da população (Quadro 1).
(ii) Trabalhadores com contrato permanente (sem termo), com taxas de
rotação entre emprego muito baixas e salários mais elevados.

Quadro 1
Trabalhadores por conta de outrem: total e tipo de contrato
2008 2012

Indivíduo - Milhares % Indivíduo - Milhares %


Total 3949,7 100 3628,4 100
Contrato permanente (sem termo) 3047,4 77 2878,6 79
Contrato a prazo (com termo) 727,4 18 617,9 17
Outros (recibos verdes ou semelhante) 174,9 4 131,9 4

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego

Estimativas de Boeri (2010) sugerem que, tudo o resto igual, em Portugal os


trabalhadores com contratos permanentes recebem, em média, salários 16%
superiores aos trabalhadores com contratos a prazo. Acresce que apenas cerca de
12% dos contratos a prazo são convertidos em contratos permanentes, um valor
muito baixo tanto em termos absolutos como em comparação com outros países
europeus (Quadro 2).

Quadro 2
Disparidade entre emprego com contrato permanente e a prazo
Prémio salarial Taxa anual de
dos conversão em
contratos permanentes contratos permanentes
Áustria 20,1 47,4
Irlanda 17,8 46,3
Luxemburgo 27,6 41
Bélgica 13,9 40,4
Grécia 10,3 31,3
Itália 24,1 31,2
Espanha 16,9 28,3
Finlândia 19 22,7
França 28,9 13,6
Portugal 15,8 12,1
Fonte: Boeri (2010).

2
Neste contexto, em Portugal, os trabalhadores com contratos a prazo são os que
suportam a maior parte dos custos de ajustamento no mercado de trabalho, quer
através do emprego quer do salário. Assim, dados do inquérito ao emprego do INE
evidenciam que, nos últimos anos, a queda no emprego foi particularmente
significativa nos contratos com termo (Gráfico 1).

Esta segmentação do mercado de trabalho condiciona o potencial de crescimento


da economia portuguesa, na medida em que conduz a investimentos nos recursos
humanos inferiores aos desejáveis e a uma inadequada transmissão e reforço do
conhecimento tácito, o que determina uma menor produtividade do trabalho e
uma progressiva redução da quantidade de trabalhadores qualificados ao dispor
da economia. Com efeito, a elevada rotação dos trabalhadores contratados a termo
e a baixa taxa de conversão em contratos sem termo, por um lado, e a baixa
remuneração do capital humano, por outro, desincentivam os jovens de investir
em educação formal e, depois, quando chegam ao mercado de trabalho, de investir
na aquisição de competências profissionais específicas relacionadas com posto de
trabalho que ocupam. Paralelamente, esta situação promove a emigração dos
trabalhadores mais qualificados. Por sua vez, as empresas não têm incentivos para
apostar na formação profissional dos trabalhadores com vínculo temporário, visto
não estar garantido o retorno dessa formação. Como consequência, o
conhecimento específico e, em particular, o conhecimento tácito associado aos
processos de produção das empresas tende a ficar circunscrito ao grupo de
trabalhadores contratados sem termo, grupo que, com a passagem do tempo, tende
a estar sujeito a um processo de perda e obsolescência de competências, tanto em
termos de capacidade de revitalização da organização e natureza dos processos
produtivos como em termos de número de trabalhadores.

3
Gráfico 1
Evolução do emprego por conta de outrem
(taxa de variação em %)

15

10

-5
Variação do emprego por conta de outrem
-10 Contrato com termo
Contrato sem termo

-15
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 até 2013T3

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego

Nos últimos anos e à semelhança de outras economias desenvolvidas, verificou-se


em Portugal uma polarização do emprego e das remunerações. Centeno e Novo
(2009) encontram evidência de maiores aumentos do emprego e dos salários nas
partes inferior e superior da distribuição de qualificações a partir de 1995 (Gráfico
2). A procura de emprego pelas empresas concentrou-se em torno das
qualificações mais altas e das mais baixas e diminuiu a procura relativa por
qualificações intermédias.

4
Gráfico 2

Fonte: Reproduzido de Centeno e Novo (2009), atualização cedida pelos autores.

A criação de emprego em Portugal tem estado, assim, concentrada em ocupações


de baixas qualificações – que envolvem tarefas manuais que exigem a presença
física e a interação entre pessoas – e atividades que exigem elevada capacidade de
abstração e de resolução de problemas e que, por conseguinte, requerem elevadas
qualificações.

Esta redução da procura de qualificações intermédias reflete a automação de


diversas atividades profissionais, em resultado da introdução de novas tecnologias
nos processos de produção, e a deslocalização de partes do processo produtivo
para regiões com níveis salariais mais baixos. As atividades repetitivas e
padronizáveis estão particularmente expostas aos desenvolvimentos de
mecanização e automação, com o desaparecimento dos correspondentes postos de
trabalho, ou à prestação à distância, como é o caso dos call centers. Trata-se de uma
tendência de longo prazo que vai determinar a natureza dos processos de
produção e a configuração futura do mercado de trabalho e que, por isso, terá que
ser tida em devida consideração, desde já, na formulação das políticas de educação
e de formação profissional.

Num estudo recente para os EUA, Frey e Osborne (2013) estimam que, nas
próximas décadas, 47% das atuais profissões têm probabilidade elevada de

5
automação e de consequente perda de emprego. Segundo estes autores, as
profissões com menor probabilidade de serem sacrificadas pela automação são as
aquelas: i) que requerem maiores competências de perceção e manipulação (como
a cirurgia); ii) que envolvem inteligência criativa (casos do compositor musical, do
poeta, do biólogo, do chefe de cozinha, etc.); iii) ou que exigem inteligência social
(por exemplo, as profissões que requerem grande capacidade de negociação, de
persuasão e de relacionamento pessoal, como é o caso de relações públicas,
assistente social e de várias profissões ligadas ao turismo). O Quadro 3 apresenta
probabilidades de automação estimadas para algumas profissões por Frey e
Osborne (2013).

Quadro 3
Probabilidade de automação e consequente perda de empregos por profissão

Profissão Probabilidade elevada Profissão Probabilidade baixa

Operador de Telemarketing 0,99 Assistente social 0,0035


Contabilista e auditor 0,94 Dietista e nutricionista 0,0039
Agente de seguros 0,92 Médico e cirurgião 0,0042
Funcionário de vendas a retalho 0,92 Treinador desportivo 0,0071
Taxista e motorista 0,89 Clero 0,0081
Barbeiro 0,80 Gestor de marketing 0,014
Higienista dentário 0,68 Advogado 0,035
Mecânico 0,65 Bombeiro 0,17
Polícias de trânsito 0,57 Ator 0,37
Piloto comercial 0,55 Economista 0,43

Fonte: Frey e Osborne (2013).

Este fenómeno tem muitas consequências tanto sobre o mercado do trabalho como
sobre o modelo de especialização internacional, bem como fortes implicações
sociais. Estas implicações serão tanto maiores quanto menos sejam antecipadas
pelas políticas que determinam a aquisição de conhecimentos formais e
profissionais e pelas estruturas produtivas/empresariais que se especializaram
nos elos das cadeias produtivas que estão mais expostos aos efeitos da automação.

Assim, e em primeiro lugar, este fenómeno vai colocar sob forte pressão a classe
média, que tipicamente exerce atividades de qualificações intermédias na cadeia
de valor.

6
Em segundo lugar, aumenta as desigualdades salariais, criando problemas de
coesão social. Rodrigues e outros (2010) mostram uma subida da desigualdade
salarial em Portugal no período 1993-2008, com um aumento progressivo da
quota do ganho total auferido pelos indivíduos de maior nível salarial.

Em terceiro lugar, este fenómeno terá implicações nas necessidades de


requalificação e nos equilíbrios futuros. A questão está em saber que empregos
ocuparão aqueles que são deslocados de atividades que deixam de se realizar com
recurso a trabalho humano: passam a desempenhar atividades menos qualificadas
- o que é problemático do ponto de vista da aceitação social – ou ficam numa
situação de desemprego latente, pouco visível?

Portanto, há que refletir sobre o desafio da requalificação dos indivíduos da zona


intermédia da distribuição de qualificações tendo em conta o nosso sistema de
formação e o nosso padrão de especialização produtiva. Parte da reposta passará
necessariamente por criar condições para alargar a proporção de trabalhadores
com qualificações mais elevadas, o que pressupõe uma alteração do padrão de
especialização da economia portuguesa através da atração de investimento direto
estrangeiro e, essencialmente, através de uma regeneração do tecido empresarial
português, nomeadamente do ponto de vista da gama de produtos, da tecnologia
utilizada e da rapidez e da intensidade da absorção do conhecimento e,
desejavelmente, de produção de conhecimento aplicado. Mas não basta: são
necessários quadros institucionais que gerem um alinhamento das atitudes e dos
valores com os novos fatores determinantes da produção e distribuição de riqueza
à escala global. Assim, Lindsey (2013) que analisou a polarização do mercado de
trabalho nos EUA, concluiu que, para ultrapassar este problema, não basta intervir
ao nível do governo e da educação: é necessária uma alteração cultural e familiar
substancial que promova a meritocracia.

2. Evolução recente do mercado de trabalho

O significativo aumento do desemprego é um dos fenómenos mais marcantes – e


negativos - do ajustamento em curso da economia portuguesa. No primeiro

7
trimestre de 2013, a taxa de desemprego atingiu um máximo histórico de 17.7%;
no terceiro trimestre de 2013, fixou-se em 15,6%, o que equivale a cerca de 840
000 pessoas desempregadas (Gráfico 3). Estes números são alarmantes do ponto
de vista social.

Gráfico 3
Taxa de desemprego: em percentagem da população ativa em cada escalão etário

45

40
Taxa de desemprego
35 15 a 24 anos
25 a 34 anos
30 35 a 44 anos
45 a 54 anos
25 55 a 64 anos

20

15

10

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego

O problema do elevado desemprego dos mais jovens

O aumento do desemprego afetou todos os grupos etários, mas foi particularmente


acentuado nos jovens (Gráfico 3). No primeiro trimestre de 2013, a taxa de
desemprego dos jovens atingiu 42,1%, nível muito acima da taxa de 18% registada
em 2008.

Estes números revelam que estamos a desperdiçar uma nova geração de recursos
humanos – muito qualificados e capazes de concorrer a nível europeu e global –,
essencial para incrementar o potencial de crescimento da economia.

Existem vários estudos que sugerem que, em períodos de recessão, as


circunstâncias que rodeiam a chegada de jovens ao mercado de trabalho tem
consequências negativas significativas e persistentes sobre a sua carreira

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profissional, o seu rendimento, a sua mentalidade e a sua inserção social. Assim, os
que chegam ao mercado de trabalho em plena recessão tendem a ficar para trás:
quando a recuperação da economia e do emprego se inicia os primeiros a serem
contratados tendem a ser os recém-licenciados e, só posteriormente, os jovens das
licenciaturas anteriores. Em termos de efeitos a longo prazo, um estudo de Kanh
(2010) para os EUA revela que, para a mesma função, os licenciados que chegam
ao mercado de trabalho num período de recessão recebem, 15 anos depois, um
salário cerca de 2,5% inferior aos que chegam ao mercado de trabalho num
período de expansão. Acresce que, em média, no longo prazo, os que chegam ao
mercado de trabalho em períodos de recessão têm ocupações inferiores.

Adicionalmente, Giuliano e Spilimbergo (2009) concluem que a chegada ao


mercado de trabalho de jovens adultos (entre os 18 e os 25 anos) em períodos de
recessão económica tem importantes consequências psicológicas para estes
indivíduos. Estes jovens tendem a considerar que o sucesso individual depende
mais da sorte do que do esforço e tendem a apoiar mais as políticas redistributivas
do Estado e a ter menos confiança nas instituições.

Por estes motivos, a redução do desemprego dos jovens deve ser uma prioridade
da economia e da sociedade portuguesas.

A resolução deste problema requer um alinhamento de esforços entre o governo,


os setores da educação e da formação profissional e as empresas tendo em vista
promover a aquisição das qualificações e das competências que permitam aos
jovens tirar maior partido dos seus talentos e responder às necessidades do setor
produtivo de uma economia competitiva.

Aumento do desemprego de longa duração

O desemprego de longa duração (mais de 12 meses) aumentou significativamente,


representando, nos três trimestres de 2013, cerca de 62% do desemprego total.
Trata-se de um valor muito elevado quando comparado com a média de 46%
observada na década passada (Gráfico 4).

9
Gráfico 4
Taxa de desemprego: contributo por duração

18

16 Desempregado há mais de 12 meses


Percentagem da população ativa

Desempregado há 12 ou menos meses


14 Taxa de desemprego (percentagem pop. ativa)

12

10

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego

A elevada duração do desemprego gera graves problemas económicos e sociais e


cria dificuldades acrescidas de empregabilidade. É preciso ter presente que muitos
dos desempregados têm níveis de rendimentos baixos e restrições de liquidez
particularmente ativas.

A duração do desemprego também tem efeitos na produtividade e na evolução


futura do mercado de trabalho, dado que o capital humano tende a depreciar-se.
Muitas vezes, criam-se estigmas que podem afetar severamente as ligações ao
mercado de trabalho e culminar no desencorajamento e na passagem à inatividade.

Este fenómeno é particularmente gravoso, tendo em conta que nos últimos anos se
registou em Portugal uma redução quer da população ativa quer da taxa de
atividade (Gráfico 5).

À primeira vista, a redução da população ativa poderia ser percebida como


positiva, já que diminui a pressão sobre o emprego. Seria uma visão míope, dado
que, no longo prazo, a redução da população ativa tem efeitos devastadores sobre a
economia e sobre a sociedade. A redução da população ativa, acompanhada por
uma redução da taxa de atividade, reduz o potencial de crescimento do PIB e reduz
de forma ainda mais pronunciada o potencial de crescimento do PIB per capita.

10
Torna-se, deste modo, mais difícil alcançar a sustentabilidade tanto da dívida
pública como do modelo social, com efeitos nefastos sobre os mecanismos de
equidade intergeracional, sobre a rede de segurança contra os riscos de exclusão e
sobre a igualdade de oportunidades no acesso à educação, base de num sistema
socioeconómico que tira pleno proveito do talento e do mérito.

Gráfico 5
Taxa de variação da população ativa
Em percentagem
2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

-0,5

-1,0

-1,5

-2,0

-2,5
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego

O aumento do desemprego não é apenas cíclico; há uma subida acentuada do


desemprego estrutural

Desde 2000, houve um aumento acentuado e contínuo da taxa de desemprego


estrutural (Gráfico 6). Estimativas do Banco de Portugal apontam para uma taxa de
desemprego estrutural acima dos 11,5% em 2013. Este é um dos fenómenos mais
gravosos da evolução da economia portuguesa na última década e revela
disfuncionalidades e desajustamentos entre a oferta e a procura de emprego.

A absorção do desemprego estrutural não será alcançada com a mera retoma da


atividade económica. Durante mais de uma década, foram criados postos de

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trabalho no setor dos bens não transacionáveis, em resultado de uma forte
dinâmica da procura interna alimentada por crédito abundante e barato. Esta
alimentação da procura desvaneceu-se quando a crise financeira veio revelar que
os presentes níveis de endividamento de todos os agentes económicos se
encontravam no limite da sua sustentabilidade. A crise precipitou a necessidade de
desendividamento dos agentes económicos nacionais e tornou visível a
insustentabilidade dos níveis de procura dos setores produtores de bens não
transacionáveis; e, por arrastamento, revelou a artificialidade de parte dos postos
de trabalho que tinham sido criados nestes sectores durante o boom do
endividamento das famílias e do Estado.

Gráfico 6
Taxa de desemprego: observada e estrutural
(em percentagem)

18,0

16,0

14,0 Taxa de desemprego estrutural


12,0
Taxa de desemprego
10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: INE e cálculos do Banco de Portugal

O que significa que a crise determinou não só uma flutuação da produção e do


emprego, resultante da contração da procura determinada pela redução do
rendimento disponível, como um ajustamento de natureza estrutural, determinado
pela redução da procura alimentada pelo endividamento das famílias e do Estado.

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Por isso, num quadro em que a quebra da procura dos setores não transacionáveis
tinha carater permanente, e foi percebido como tal, assistiu-se a uma destruição de
emprego claramente superior àquele que decorreria da redução do produto ou do
rendimento disponível das famílias. Este é o caso da construção, um setor mão-de-
obra intensivo e dependente da capacidade de endividamento dos compradores,
onde a redução do emprego nos últimos anos foi muito elevada e superior à da
indústria transformadora (Gráfico 7). O que significa que parte do emprego que foi
perdido no setor dos não transacionáveis não será recuperado com a retoma
económica, tanto mais quanto parte da procura correspondia a investimento não
produtivo, como é o caso de equipamentos de lazer sem capacidade de gerar
retorno, ou a áreas onde se regista já uma situação de sobre equipamento, como é
o caso das infraestruturas rodoviárias, ou ainda uma situação de saturação
duradoura do mercado, como acontece no mercado de novas habitações.

Gráfico 7
Variação acumulada do emprego nos principais setores de atividade
desde 1999

130,0

120,0

110,0

100,0
Índice 1999=100

90,0

80,0

70,0 Total
Indústria
60,0 Construção
Serviços
50,0

40,0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Notas: Quebra de série em 2011 devido à alteração na metodologia do Inquérito ao


Emprego. Os valores para 2013 são calculados utilizando a variação homóloga do
emprego nos três primeiros trimestres do ano.
Fonte: INE – Inquérito ao Emprego

Assim, a resolução do problema do desemprego estrutural estará necessariamente


dependente da restruturação da economia e da transferência de recursos do setor

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não transacionável para o transacionável. A transferência de capital humano não
será nunca instantânea: requer investimentos economicamente viáveis, isto é,
assentes numa procura revelada e na competitividade da oferta, e requer a
adequação dos trabalhadores que estão hoje no desemprego aos requisitos de
qualificação e atitude inerentes à viabilidade desses mesmos investimentos. O que
significa que vai levar tempo, certamente muito mais do que o desejável do ponto
de vista da gestão do impacto do desemprego de longa duração. E que, por esse
motivo, impõe o reforço ou a criação de mecanismos que mitiguem os efeitos do
ajustamento estrutural da economia sobre a coesão da sociedade portuguesa, para
além do reforço e da criação de mecanismos de apoio à requalificação dos
desempregados de longo prazo. Há que os requalificar para que se ajustem às
novas oportunidades de emprego e para evitar que passem para a inatividade, por
obsolescência de conhecimentos anteriormente adquiridos.

Em suma, temos que definir e pôr em prática políticas que favoreçam a criação de
postos de trabalho nos setores produtores de bens transacionáveis, que absorvam
o desemprego resultante do ajustamento do setor de bens não transacionáveis e
que absorvam os jovens que estão no desemprego e os que vão chegar ao mercado
de trabalho. Paralelamente, é necessário criar postos de trabalho que compensem
a perda de emprego nos setores hoje viáveis, como reflexo de melhorias da
produtividade e da introdução de processos automatizados inerentes à
necessidade de se manterem competitivos. Isto é, temos que criar emprego e,
simultaneamente, melhorar o padrão de especialização internacional da economia
portuguesa, o que significa reduzir a incorporação de trabalho por unidade de
produto e melhorar o posicionamento na cadeia de valor – isto é, reforçar a
competitividade e gerar emprego. Ou seja, não podemos encarar o problema do
desemprego jovem e estrutural sem nos interrogarmos sobre a qualidade e a
vitalidade do nosso tecido empresarial.

3. Estratégia para absorção do desemprego estrutural

A solução para o desemprego tanto jovem como estrutural passa, pois, por
assegurar um crescimento económico sustentado, o que exige um aumento
significativo do investimento.

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A estratégia a adotar deverá assentar em quatro pilares: i) otimização da
capacidade de produção instalada; ii) evolução para segmentos superiores da
cadeia de valor nos setores onde já estamos instalados; iii) diversificação setorial
por meios endógenos; iv) atração de investimento estrangeiro.

Em primeiro lugar, é necessário otimizar a utilização da capacidade produtiva


instalada, tirando partido do investimento já realizado, aumentando a produção e
procurando novos mercados e novos clientes. Beneficiamos hoje de uma resposta
notável do setor dos bens transacionáveis, que se desviou do mercado doméstico
para o mercado de exportação e aí aumentou as suas quotas de mercado. É
essencial continuar a redirecionar a produção dos setores transacionáveis para os
mercados externos, o que requer o aumento da capacidade instalada.

No setor dos serviços, tem que ser potenciada a utilização da capacidade instalada.
Existe ainda margem de produção e, por consequência, de absorção do
desemprego na área dos serviços e, em particular, nos serviços ligados ao turismo.
É necessário tornar Portugal um país fornecedor de serviços de turismo ao longo
de todo o ano e tirar partido de uma série de equipamentos que hoje se encontram
subutilizados ou porque entraram em situação de insolvência ou por ausência de
capacidade de exploração ou, ainda, por falta de capacidade de colocação no
mercado. São potencialidades de criação de emprego e de produção que, pelo facto
de não se materializarem, significam desperdício de capital.

Adicionalmente, há que promover a melhoria endógena do padrão de


especialização intrassectorial, por via da indução de um processo sustentado de
inovação incremental. Este processo terá impacto significativo no valor
acrescentado gerado por cada setor, e consequentemente, na capacidade de pagar
salários compatíveis com o estádio de desenvolvimento do país.

Para pôr em prática esta estratégia, é crucial que as empresas tenham capacidade
para aumentar a sua escala de produção e tirar partido de novos conhecimentos e
qualificações sobre os produtos e os processos de produção. Isto é, trata-se de um
objetivo que pressupõe uma escala que permita sustentar uma organização dotada
das funções estratégicas, produção, abordagem de mercados e absorção de
conhecimento e inovação, que pressupõe investimento e capacidade de

15
financiamento; e, por último, mas não menos decisivo, capacidade de gestão. São
estes os elementos que importa escrutinar no tecido empresarial português.

O desenvolvimento das empresas portuguesas está hoje dependente de várias


restrições que o bloqueiam, designadamente, o elevado nível de endividamento, a
fraca qualidade de gestão e a escala da produção que se traduzem numa ausência
de estratégia e em limitações funcionais da organização, nomeadamente na falta de
capacidade endógena para acompanhar os mercados e a inovação.

A generalidade das PME portuguesas tem níveis de autonomia financeira


extremamente baixos, o que compromete a sua capacidade de investimento e
crescimento (Quadro 4).

Quadro 4
Indicadores da situação financeira das empresas não financeiras

Autonomia Juros em % Dívida Financeira


Financeira do cash-flow % do EBITDA

2008 2012 2008 2012 2008 2012


1.º Quartil 0,8 -6,8 4,2 1,3 110,1 143,5
Mediana 23,0 23,9 18,3 10,7 281,0 367,2
3.º Quartil 56,1 60,8 55,4 38,4 680,0 859,5
Média Ponderada 39,3 36,3 49,0 64,1 670,4 1111,5

Fonte: Banco de Portugal (Central de Balanços)

A reduzida autonomia financeira das empresas, uma das mais baixas da área do
euro, constitui hoje a maior fragilidade e o primeiro grande obstáculo à
regeneração do tecido empresarial português. Os presentes níveis de
endividamento limitam a capacidade de investimento e, por consequência, tanto a
sua resposta à concorrência como o aumento da sua escala, condição necessária
para a passagem para um estádio superior de organização, gestão e orientação
estratégica.

Neste contexto, é urgente resolver o problema do excesso de endividamento. No


imediato, temos de procurar diminuir a taxa de mortalidade de empresas
economicamente viáveis ou viabilizáveis dado que representam um capital social
importante. Quando uma empresa desaparece, é destruído o capital investido pelos

16
proprietários e o capital emprestado pelos bancos, mas, mais importante,
desaparece o capital social que representam, por exemplo, as rotinas e os
conhecimentos tácitos existentes.

No que toca às empresas viáveis que se encontram hoje sob stress financeiro, há
que assegurar a observância de processos que salvaguardem a sua continuidade,
com preservação do capital de conhecimento tecnológico e de mercado que
incorporam. Adicionalmente, é necessário garantir uma estrutura financeira
sustentável, a melhoria da respetiva eficiência, e, em particular, procedimentos que
assegurem a eficácia e a oportunidade do próprio processo de reestruturação, a
saber:

• Celeridade do acordo entre as partes envolvidas - a tendência das


autoridades públicas para adiar as decisões implica muitas vezes a
falência da empresa, com a consequente perda de capital social;
• Neutralização de comportamentos de free riding por parte de alguns
credores, que perturbam ou inviabilizam o processo como forma de não
partilhar o fardo da reestruturação;
• Penalizações para os credores que não cooperem;
• Separação clara entre as negociações e decisões de restruturação das
dívidas acumuladas e as decisões relacionadas com a continuação da
operação da empresa;
• Soluções de recapitalização das empresas, isto é, que incentivem o
reforço dos capitais próprios, em alternativa a mais endividamento.

Assim, importa atuar em duas frentes: conversão de dívida em capital ou quase-


capital, nomeadamente pela correta afetação dos recursos comunitários do
próximo QREN e pela venda dos créditos bancários a fundos especializados na
tomada de risco nas designadas mid-caps; e, em segundo lugar, reforço de capitais
próprios pelos atuais proprietários ou por terceiros. Qualquer solução de
recapitalização requer um reforço da transparência das contas, que devem ser
auditadas por entidades certificadas, um modelo de governação adequado,
prevendo, nomeadamente, a profissionalização da gestão das empresas e, no caso
de empresas de média dimensão, com a abertura à participação de terceiros no
capital, a separação entre a propriedade e a gestão.

17
O desenvolvimento de uma dinâmica de escala implica uma gestão
profissionalizada, claramente separada da propriedade, que seja capaz de fornecer
informação transparente e fiável aos diferentes stakeholders. Não é sempre
verdade que o proprietário do capital da empresa tenha capacidade de gestão,
muito embora tal não exclua casos de donos de empresa com visão estratégica e
capacidade de gestão - o que acontece com grande frequência nas empresas
detidas pelo fundador ou pela segunda geração. Nas empresas familiares, a
qualidade da gestão tende a degradar-se, primeiro, na passagem da gestão do
fundador para a segunda geração e da segunda para a terceira geração; segundo,
quando registam um processo acelerado de crescimento e atingem uma escala que
requer um modelo de organização, uma definição de funções e uma delegação de
competências e responsabilidades que não são compatíveis com o modelo
centralizado de gestão; e, terceiro, quando o equilíbrio da estrutura de
financiamento requer um volume de capitais próprios que ultrapassa a capacidade
de financiamento dos donos.

A transmissão intergeracional das empresas familiares é um dos maiores desafios


com que estamos confrontados no curto prazo. Há que encontrar mecanismos que
agilizem a transmissão das empresas entre herdeiros ou para terceiros, por
exemplo, através de Management Buy-Out Operations (MBO). Nesse sentido,
deverão ser estabelecidos incentivos corretos ao nível da transparência das contas,
da tolerância dos bancos em relação à má gestão das empresas e, em especial, ao
nível da fiscalidade, definindo um quadro fiscal que não premeie o endividamento.

Temos também de melhorar a especialização interssetorial, com novos setores


de produção, através do recurso à inovação radical. Nas economias de hoje,
baseadas no conhecimento, a inovação é a chave dos ganhos de produtividade, do
crescimento económico e do bem-estar a longo prazo.

Estas alterações deverão realizar-se a partir da capacidade empreendedora


existente e através do diálogo entre o sistema nacional de inovação – composto
pelos subsistemas de educação, de formação profissional e de investigação – e as
empresas. Portugal tem uma grande carência neste domínio, porque os
subsistemas de educação, formação profissional e investigação têm uma deficiente
articulação, facto que determina uma redução da eficiência do sistema nacional de

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inovação: e, em segundo lugar, porque o sistema nacional de inovação, por seu
turno, também manifesta deficiências ou mesmo ausência de articulação com o
setor empresarial, por dificuldades próprias e por falta de interlocutores
habilitados do lado empresarial. O sucesso dos setores do calçado, dos moldes e da
metalomecânica em Portugal são excelentes exemplos das vantagens da
articulação entre o sistema de inovação, nacional ou regional, e o tecido
empresarial tendo pontos de aplicação claramente delimitados e projetos bem
organizados.

4. Considerações finais

Em suma, para resolver o problema do desemprego estrutural e do desemprego


jovem necessitamos de um crescimento económico sustentado, suportado por
aumentos da produtividade e do emprego.

O crescimento económico é, portanto, crucial para o sucesso do ajustamento


económico de Portugal. Temos de promover o investimento, criando um ambiente
fiscal, concorrencial e regulatório favorável ao empreendedorismo. Temos também
de assegurar a afetação eficiente dos recursos. Não podemos gastar mal o dinheiro,
repetindo os erros do passado. O investimento tem de ser produtivo. As empresas
devem investir na melhoria contínua da produtividade para que possam adaptar-
se às exigências competitivas do mercado globalizado. Nesse sentido, é necessário
dotar a economia de empresários, gestores e trabalhadores com elevadas
qualificações. A qualificação é um instrumento-chave para enfrentar um mercado
em constante mutação.

No que respeita ao investimento público, é necessário introduzir um mecanismo de


avaliação custo-benefício, hierarquizando os projetos em função do respetivo
retorno social e económico. Não se pode fazer investimento público só porque há
uma aspiração não satisfeita: o retorno social e económico deve ser demonstrado e
deve justificar a prioridade atribuída.

Mas, antes de mais, temos de assegurar uma saída credível do Programa de


Assistência Económica e Financeira.

Como podemos assegurar uma saída credível do Programa?

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A saída credível do Programa exige um compromisso alargado entre as forças
políticas do arco da governação que garanta:

• Uma trajetória sustentável das finanças públicas a médio prazo;


• O cumprimento das nossas obrigações europeias estabelecidas no quadro
do Pacto Orçamental;
• O financiamento da economia com spreads de taxas de juro baixos, que
suportem o crescimento económico;
• A solidariedade dos nossos parceiros internacionais em caso de
necessidade.

A experiência irlandesa mostra que o grau de credibilidade da saída do programa


determina o custo do financiamento da economia, isto é os níveis de spreads de
taxas de juro baixos, e, desse modo, condiciona a sustentabilidade da trajetória das
finanças públicas a médio prazo. Uma maior credibilidade induz um menor custo
de financiamento e, em consequência, uma maior margem de manobra, embora
reduzida, para assegurar a sustentabilidade a médio prazo da trajetória das
finanças públicas.

Tendo em conta que o custo do financiamento constitui uma condicionante


importante do investimento e do crescimento económico e que este, por seu turno,
é fundamental tanto para a sustentabilidade das finanças públicas como para a
absorção do desemprego estrutural e para a coesão social, compreender-se-á que o
grau de credibilidade da saída do programa de ajustamento vai ser um dos fatores
mais determinantes não só da intensidade da retoma como da trajetória de
desenvolvimento da economia portuguesa a médio prazo.

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Referências:

Boeri, Tito (2010), “Box 3.1. The Dualism between Temporary and Permanent
Contracts: Measures, Effects and Policy Issues”, IMF World Economic Outlook, April.

Centeno, Mário (2013), O Trabalho: Uma Visão de Mercado, Ensaios da Fundação


Francisco Manuel dos Santos.

Centeno, Mário e Novo, Álvaro (2009), “When Supply Meets Demand: Wage
Inequality in Portugal”, Discussion Paper 4592, IZA.

Frey, Carl Benedikt e Osborne, Michael A. (2013), “The future of employment: how
susceptible are jobs to computerisation?”, Oxford University.

Giuliano, Paola, e Spilimbergo, Antonio (2009), “Growing Up in a Recession: Beliefs


and the Macroeconomy”, NBER Working Paper No. 15321, September.

Lindsey, Brink (2013), Human Capitalism: How Economic Growth has made us smarter
and more unequal, Princeton University Press.

Kanh, Lisa (2010), “The long-term labor market consequences of graduating from
college in a bad economy”, Labour Economics 17 (2010) 303–316.

Rodrigues, Carlos Farinha, Figueiras, Rita e Junqueira, Vítor (2011), Desigualdades em


Portugal, Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, maio.

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