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“Derradeira Noite”
Trecho da peça de Hiruma Nabuko olha para sua mãe. Outro assentir. Mais BATI-
DAS na porta chocam Nichiko, mas as outras
Ato V, Cena VII duas são frias como porcelana. Sons de rachadu-
(Isoko, Nichiko e sua mãe Tomono são as únicas ras. As mãos de Tomono deslizam na naginata.)
restantes no palco. Há uma violenta BATIDA na TOMONO: Tudo que tem que fazer é se cur-
porta externa, esquerda do palco. Elas conge- var. (sem reação) Por favor… Olhe para o retra-
lam.) to.
VOZ: Isoko? Nichiko? (Outra longa pausa antes de Nichiko tomar
NICHIKO: Pai! (Ela corre em direção à por- sua decisão.)
ta. Isoko a agarra.) NICHIKO: Papaaaaaaai! (Ela corre para a
ISOKO: Idiota! Fique parada! (para sua mãe) porta.)
Consegue andar? TOMONO: IYE! (Não funciona, e a criança
TOMONO: Eu não sei. (Isoko gentilmente de oito anos corre para a porta interna e bate
examina o rasgo no kimono.) Aaaaahhh! nela, enquanto Isoko a agarra. Nichiko morde
VOZ: Nichiko… Abra a porta. seus dedos e sua irmã recua, ela fecha a porta e
(Um momento.) a barra, deitando-se contra a parede.)
ISOKO: É o bushi, mãe? NICHIKO: Papai…
(Outro momento: um terrível.) VOZ: Eu as ouvi, querida. Elas querem matar
TOMONO: Não. você. Elas têm a Mácula.
(Mais BATIDAS violentas na porta. Nichiko ISOKO: Mentiroso! Sua criatura de sangue
se esconde atrás de sua mãe.) negro! Espero que coma jade e ela queime até
ISOKO: São eles… Não são? seus intestinos!
VOZ: Isoko? Vocês estão aí? Está tudo bem, VOZ: Abra a porta, Nichiko-chan. Não vou
minha flor de cerejeira, nós vencemos. Os Hida deixar elas te ferirem.
vieram e os Hida não falham. ISOKO: Não ouse! Nichiko, ele só está usan-
NICHIKO: É o Papai! do a pele dele!
TOMONO: Esta coisa que está lá fora não é TOMONO: (Fraca, mas nunca demonstran-
seu pai. do) Isoko… Olhe para o retrato… Se você pu-
NICHIKO: (histérica) Mas eles disseram que der…
venceram. ISOKO: Eu não posso, mãe. Se você tirar a
TOMONO: Os bushis teriam apagado a fu- minha, quem tirará a sua?
maça das torres primeiro. (pausa) Isoko… Dê- TOMONO: Minha outra filha se perdeu. Ele
me. (Isoko pega a naginata e entrega a ela, e nunca terá vocês duas.
Tomono a usa para se apoiar numa perna.) Ni- ISOKO: Juntas, mãe. Sem… Sem dúvida em
chiko-chan… Você sabe o que deve ser feito. nossas mentes, podemos fazer isto juntas.
(Nichiko olha em descrença para sua mãe e irmã, VOZ: Nichiko-chan… Abra a porta.
então…) ISOKO: (meiga) É como cortar bambu. (Ela
NICHIKO: Eu não posso! Não sou uma bus- pega a outra naginata.)
hi! Não posso lutar, eu vou morrer! TOMONO: Você é uma Hiruma.
TOMONO: Você é uma Hiruma? (Elas erguem as naginatas. Tomono tenta
NICHIKO: Você disse que não posso ter controlar sua respiração. Ela anda para frente,
meu gempukku até os treze anos! testando o alcance. Elas tocam os pescoços uma
TOMONO: Esta é a torre interna, Nichiko. da outra com as lâminas. Isoko fecha os olhos,
Somos as últimas. uma vez, uma longa piscada. Elas recuam. As
NICHIKO: Pare de olhar para mim! PARE! BATIDAS e o choro de Nichiko são constantes
Não posso! (Ela está chorando.) Sensei disse que agora.)
sou a pior. Mal posso levantá-la. Ele disse que se IMONO: Só um momento. (recomposta) Em
tiver dúvida na mente, você falha, e… E eu só san.
vou me machucar de novo. Eu não posso. TOMONO: No san.
ISOKO: (calmamente) Nichiko… Ela não es- (Isoko respira algumas vezes.)
tá falando disso. ISOKO: (praticamente um kiai) Ichi!
(Pensamos de início que ela não ouviu… En- TOMONO: (tentando, mas sem respiração)
tão ela olha para cima. Sua irmã assente. Ela Ni!

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(As BATIDAS são intermitentes, parando an- NICHIKO: Caranguejos não têm segredos.
tes de golpearem. Os contrarregras apagam as VOZ: É um lugar maravilhoso onde ninguém
lanternas. As duas caem no chão com força. Uma comete seppuku. Um dos kamis me mostrou.
pausa de pelo menos doze batidas antes de uma Você não quer honrar os kamis?
vela ser acesa. Sangue está por todo o palco, e NICHIKO: Não! Eu odeio os kamis, odeio
Isoko está sem cabeça. Tomono grunhe e rola, este castelo estúpido, e odeio você!
segurando sua têmpora ensanguentada.) VOZ: Perdoe-me, minha flor. Porque eu a
TOMONO: Você… Duvidou. (Ela sente seu amo. Por favor… Nichiko-chan. Abra a porta.
próprio pescoço. Ainda está lá) Vou procurar um Por seu pai. Você sabe que pais devem amar suas
Hida. pequenas. Sempre.
VOZ: Nichiiiiiko-chan… Por favor.
TOMONO: (lúcida) Não abra esta porta. (Contrarregra apaga a última vela. Há silên-
(Os olhos dela relaxam, largos e observado- cio por três batidas do coração, e então na escu-
res. Nichiko fica parada e quieta.) ridão, ouvimos o cair de uma das barras da por-
VOZ: Nichiko… Está tudo bem. Estou aqui. ta. Ela recua com um raspado. Há um rugido e o
Os Hida não falham. grito de uma criança que dura por dez segundos.
NICHIKO: Elas estão mortas. Ele é interrompido pelo som de um corpo sendo
VOZ: Você não tem que morrer. Elas esta- jogado contra o palco. O grito continua numa
vam muito doentes. segunda respiração, até que se torna um engas-
NICHIKO: Elas estão mortas. go. Mais batidas: quatro delas. Contrarregras
VOZ: Eu posso levar você embora, Nichiko. rasgam carne.)
Há um lugar secreto que eu conheço. (CORTINAS)

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A Meu Muito Estimado Colega, Kancho Isawa Tadaka da
Isawa Tensai Tsuchi-Ryu, Kyuden Isawa, no 13º Ano do
Reinado do Filho dos Céus Hantei XXXVIII:
Escrevo a respeito de nosso encontro nas
terras Kuni, em que discutimos vasta-
Sobre o Autor
mente nossas pesquisas. Não é costumeiro Seikansha é um shugenja ronin que viaja por
nestes dias que eu fale com alguém tão Rokugan, muitas das vezes fazendo amigos
entre camponeses e samurais subordinados. Ele
educado como você sobre os caminhos das parece simpático, mas os que o conhecem des-
Terras Sombrias, e mais raro ainda é que cobrem que ele é cauteloso e às vezes implacá-
eu receba aprovação em meus métodos. vel. Ele segue grupos de magistrados inexperi-
entes, vigiando e pesquisando-os antes de se
Você disse que talvez fôssemos como raízes; aproximar para conversar sobre os perigos das
se aprofundando pela terra, nunca cien- Terras Sombrias. Ele oferece pedaços de seu
precioso conhecimento em troca de notícias e
tes da presença do outro, mas da mesma arroz, então se retira antes de se preocuparem
árvore, buscando a mesma água. com quem ele é.
Concordo com o que disse naquele dia; é Se as coisas ficarem ruins, Seikansha foge.
Ele se esconde. Ele cura suas feridas e aprende
essencial que nossos shugenjas saibam que mais sobre seus eternos inimigos. Ele os atinge
armas eles precisam na guerra contra o com fogo de shugenja e foge de novo. Ele é um
cão sem honra que precisa ficar vivo porque tem
Irmãozinho Negro dos Kamis. É necessário que continuar ajudando.
que busquemos a verdade. Porém, devo Alguns Escorpiões na corte suspeitam de
respeitosamente fazer menção à declara- quem ele é de verdade, mas de fato, por que isso
importa? Ele é apenas outro ronin agora, e nin-
ção de que “qualquer” informação que eu guém em juízo perfeito sugeriria devolver sua
possa fornecer deva ser estimada por seus antiga vida. Isto insultaria a competência de
dúzias de pessoas em altos cargos.
alunos. Entenda, quando os Magistrados de Esme-
Pois apesar de terdes deduzido correta- ralda alcançam seu novo status, espera-se que
eles exerçam os nobres ofícios a que são desig-
mente que minha bolsa estava recheada
nados. Eles agradecem ao Campeão fervorosa-
pelas obras dos Agasha, e a tsuba da wa- mente pela posição gloriosa e astutamente vão
kizashi de meu avô simbolizar casamento trabalhar.
Não se espera que eles procurem por Mácula
de um Kitsuki a esta honrada família, entre seus superiores, ou continuem a procurar
entendo sua preocupação quando desviei após os testes iniciais serem negativos.
E nunca se espera que encontrem.
minha conversa sobre o meu nome.
Ou corram do perigo.
Você sabe que todos perdem pedaços de si Ou finjam suas mortes.
próprios quando guerreiam com as Terras Ou assassinem Magistrados de Esmeralda
em nome do Trono.
Sombrias. Procurar por coisas perdidas, E vivam.
não pelo que não existe. Seikansha significa “sobrevivente”.
Os que viveram a estas histórias não
têm esperança de que suas palavras vivam para sempre após suas mortes. De fato, creio que
poucos deles negariam se associar entre si se estivessem vivos hoje. Trago-lhe as palavras de
daimyos, historiadores, ronins, heimins, hinins, etas e dos corrompidos pela Mácula. Muitos

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deles foram vitoriosos — muitos foram caídos e esquecidos. Alguns tiveram a coragem de
lendas e alguns ainda vivem pela virtude de suas sandálias.
Eles não têm nada em comum além disso: eles se aproximaram dos lacaios paridos pelo
Poço Infecto, e vieram usando jade.
Só você dentre os Fênix saberiam que não os envio, intencionalmente ou não, como
afronta à sua posição. E só você, eu creio, não só leria estas páginas, mas as veria pelo que
são.
Palavras.
O Escorpião diz que entre os cegos, até o mais honesto mente sobre a cor do céu. Achei esta
sabedoria útil, e a repito aqui para sua edificação. Os relatos de séculos atrás podem ser nos-
sa melhor fonte de informação, um colorido exagero de um artista, ou um mero rumor de
algum cortesão há muito falecido. O maior herói pode ter sido um tolo em sua própria época,
pois quando a honra está em jogo, o pincel do escriba costuma ceder ante a espada do samu-
rai. Se esta é uma feia verdade na corte de Rokugan, eu os convido a virem comigo além da
Muralha Kaiu onde podemos discutir a questão com o apropriado decoro.
É com a mesma antecipação que lhe digo do manuscrito que você encontrará no fundo
desta caixa, que devo pedir que nunca mostre aos que não ganharam sua confiança. Você
pediu que lhe contasse a fonte do rumor dos feiticeiros-demônios voadores que ganham força
para cada samurai vivo que abatem. Deles, só tenho dois relatos. Um, como você sabe, é do
famoso romance Meifumado, que reescrevo como questão de conhecimento público no primei-
ro manuscrito. O outro está no último, que encontrei colocado em minha porta quando espí-
ritos do fogo gritaram para me acordar à noite. Suspeito da natureza de suas origens.
Ele tem a informação que você pediu para saber.
Se você estiver disposto a abrir a porta.

Respeitosamente,
Seikansha

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Do Romance de Ide Tadahito, Meifumado
Raro de fato é o ano em que o Imperador pousa sua corte sob o poderoso crânio que guarda Kyu-
den Hida. Só pelo desejo de Hantei XXXI que os grandes daimyos foram à erma beira das Terras
Sombrias, silenciar seus reclames de terras e saber que são iguais no topo da Muralha do Carpinteiro.
Três daimyos e eu estávamos dormindo na bem mobiliada câmara do guarda, pois pedir tratamento
especial dos Hida era pedir por insulto, e humildade é uma qualidade essencial dos melhores líderes.
Então, esta noite, nosso séquito se ajuntou na fogueira voraz entre os reles servos do Caranguejo.
Cada daimyo passou pela janela um a um, olhando para a figura solitária envolta em aço negro. Ele
vigiava por movimento nas Terras Sombrias, como o Caranguejo sempre faz, apoiado em sua yari na
longa noite.
“Não parece que ele terá uma tarefa difícil esta noite,” Bayushi Sashiko opinou, gesticulando para
fora com uma mão delicada e talvez mais fria que a neve. “O vento está silencioso. A muralha é alta.
Os bushis que vigiam seriam Dragões, ou Garças ou Escorpiões.”
“Não zombaria do Caranguejo por seu dever,” acrescentou Kakita Toshimichi, “mas meus soldados
guardaram muros no frio do inverno, similarmente sem piscar.”
“Perdoe-me se falo de estilos de luta,” Kitsuki Masakatada contribuiu cortesmente, “mas os Kakita
e os Mirumoto sempre discutiram sobre os mais talentosos yojimbos. Se é o valor de um guarda que
debatemos, então não posso falhar em nomear o meu.”
“Então, façamos um torneio,” concluiu Sashiko, com um sorriso. “Um torneio de yojimbos. E ve-
remos como o Caranguejo guarda Rokugan.”
Os daimyos convocaram três yojimbos cada, todos nós logo rachamos o gelo sob nossos pés e fo-
mos falar com o bushi solitário.
“Repouse no fogo por um tempo,” Sashiko sugeriu, “pois tem estado há muitas horas no frio, e não
há onis por perto.”
O Caranguejo não se moveu em reverência ou sequer olhou para ela. “Ficarei no frio por muitas
horas ainda. A neve cai grossa e rápida esta noite, e os akutenshis certamente atacarão sob sua cober-
tura. Devo recusar, pois você não é meu senhor.”
Alguns olhares passaram por entre os daimyos.
“Samurai,” Kakita Toshimichi tentou, “como pode lutar se está congelado, cansado pela falta de
sono? Aqui estão nove guardas descansados para rendê-lo, e todos eles enfrentaram onis em suas pró-
prias terras.” Nisto os daimyos sorriram entre si, pois ele havia ofendido o guarda no processo de reve-
lar a verdade.
“Guardarei suas vidas melhor do que seus melhores yojimbos,” o Caranguejo grunhiu de volta.
“Devo recusar, pois você não sabe nada do meu posto.”
Kitsuki Masakatada ergueu uma mão. “Então testemos isto. Deixe-nos dormir neste lugar esta noite
e deixemos três bushis na muralha para ajuda-lo. Se um oni atacar, veremos quem o mata primeiro.”
Ele começou a andar, virando-se aos yojimbos reunidos. “Ao samurai que der o golpe mais forte, dian-
te da corte concederei um traje de armadura lacado com jade e ouro.” Houve muitos olhares entre seus
servos Mirumoto, pois certamente este era um grande prêmio.
“De minha parte, dou uma wakizashi,” Toshimichi sacou a sua própria, pois na casa do Caranguejo
sempre se mantinha suas armas o tempo todo. “Esta foi forjada pelos artistas Kakita.” Com isto, os
servos Kakita assentiram, de tão afoitos que estavam em demonstrar sua antecipação.
“Eu…” a amável Bayushi pausou. “Mal posso pensar em oferecer tais presentes mas talvez uma
gentil mão em seu queixo enquanto ajeito seu novo traje para a guerra.” E com isto todos os servos
ficaram respeitosamente em silêncio, embora seus corações pulassem com o prêmio mais amável de
todos.
O Caranguejo só desdenhou. “Seus bushis serão lentos,” ele disse, “e eles morrerão. Nenhum de
vocês sabe quão rápido os akutenshis atacam.”
Os Kakita e Bayushi destruíram seu insulto com riso.
“Ao amanhecer,” Masakatada fungou, “se viver, falarei com seu daimyo, e você duelará com nos-
sos bushis.” Ele se virou para comandar seus yojimbos. “Banhem suas espadas em pó de jade, e as
mantenham desembainhadas em seus ombros. Guardem o muro ocidental, pois o oni pode nos flan-
quear.”
Kakita Toshimichi admoestou seus homens. “Untem suas espadas em pó de jade,” ele disse pensa-
tivamente, “mas untem suas lanças também, pois o sangue de oni infecta lâminas. Guardem o muro
oriental, pois ele de fato pode tentar nos flanquear.”

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“Untem suas pontas de flechas em pó de jade,” Bayushi Sashiko ordenou, “e atirem em qualquer
oni que virem, pois eles lutam mais forte que qualquer homem. Guardem o muro norte, e olhem para o
telhado, pois o oni sem dúvidas aparecerá no último lugar que esperam.”
E com isto, fomos para dentro nos aquecer antes de nos retirarmos.
Um grito infernal do sul logo agitou a noite, chocando-nos ao despertar. Agarrei minha wakizashi,
só para encontrar o Dragão a um passo de mim. A porta de carvalho voou em lascas, e uma das crias
do Irmão Negro voou perante nós assim como o vento gélido.
Pensei certamente que era uma Fortuna ou o fantasma de um deus, pois era o mais belo homem que
eu já vira. O fogo místico de seus olhos iluminou a sala, esverdeando a pedra e enegrecendo o sangue
em suas katanas. Sua pele era o branco de Lorde Lua, e ele pendia no ar sobre calcanhares lisos, pi-
sando na névoa que soprava na direção de Lady Bayushi.
Toshimichi golpeou sem pensar em suas lâminas, quase a tempo. Seu aço na parede e na coxa de
Sashiko. Ela não teve a presença de espírito para gritar antes que o Kitsuki cravasse sua katana e wa-
kizashi juntas no cotovelo da criatura.
As lâminas penetraram, e a sala ficou paralisada. Percebemos como um só que todo o pó de jade
estava no lado de fora.
Masakatada recuou numa tempestade de espadas que se abanava e chiava e explodia com dolorosas
faíscas. Logo a porta atrás de mim se rachou e caí no chão, sua mão dividida ao meio e quebrada no
antebraço. Mas uma borrada parede de metal infernal penetrou diretamente a confusão e derrubou o
demônio com o som parecido com o de um palanque destruído.
Hida Shonojo, daimyo do Caranguejo, veio aos gritos, e golpeava um tetsubo de ferro ensanguen-
tado cravado com pontas de jade e cristal. A arma brilhante estourava contra seu corpo como um tsu-
nami. Ainda assim ele resistia mesmo após sua katana ter se partido sob seus primeiros golpes. Suas
garras negras sibilavam para rasgar a armadura ancestral de seu corpo, e ele pesava o tetsubo entre
eles, prendendo a criatura contra a parede de pedra.
Só então, seus yojimbos chegaram, afundando as lâminas de suas yaris em suas costelas. Um Kuni
em roupas negras bradou palavras de poder, clamando pela Terra num raio de luz do sol esverdeada
que rasgou sua carne. Quando o akutenshi caiu de joelhos, Shonojo se ergueu como o pico de uma
montanha, sacando a lâmina em brasas de Chikara, e a desceu em seus braços incansáveis. Uma. Duas.
Mais duas vezes, forçando a noite ao silêncio mais uma vez.
Ficamos no eco daqueles terríveis golpes, olhando para o fantasma sedoso que entortou o tetsubo
com sua carne e ossos, e nenhum de nós falava.
“Estas são criaturas terríveis,” Bayushi Sashiko admitiu enquanto o shugenja Kuni cuidava de suas
feridas. O cheiro do sangue dela estava no ar, e ele lavava o azedume remanescente de sakê.
“São,” admitiu Toshimichi. “E diria que o Caranguejo tem seus guerreiros também.”
“E o torneio?” Masakatada perguntou, recuperado do choque que faz um homem não sentir dor. “E
nossos bushis?”
Nisto Hida Shonojo só nos de uma palavra. “Que?”
Rapidamente, os outros daimyos contaram a ele. Ele mexeu sua cabeça.
“Vocês deveriam saber. Este não é lugar para jogos.”
A daimyo do Escorpião ardeu como o sol. “Não sou ingrata, Hida,” disse a Bayushi generosamen-
te, “mas neste teste, você salvou minha vida, não seu homem arrogante. Deixe-nos ver onde aquele
tolo está agora.” E caminhamos no frio da madrugada que fazia de nosso hálito vento cristalino.
No muro norte, os bushis Bayushi estavam mortos, rasgados e cobertos de sangue preto. Os servos
Hida os decapitaram, juntaram suas armaduras, e sinalizavam os códigos para baixo da muralha que
um ataque estava terminado. Os etas os colocaram nas fogueiras sinalizadoras, e os cadáveres logo
foram envoltos em chamas.
No muro leste, os bushis Mirumoto estavam mortos, pescoços rasgados por trás em golpes fundos o
suficiente para quebrar a espinha. Eles, também, receberam os ritos finais do Caranguejo e suas carnes
demoraram um longo tempo para queimar.
No muro oeste, as espadas dos Kakita estavam salpicadas de gelo e suas faces, secas com idade não
natural. Vermes se enterravam em suas veias e isto foi tudo o que pude ver deles antes de partirem.
No muro sul jazia um último cadáver armadurado, seu corpo repleto de moscas. Elas tiravam peda-
ços de sua pele com estranhas mandíbulas serrilhadas, um grupo se aventurava pelos seus olhos. Seus
ouvidos e lábios já haviam sido arrancados, deixando-o sorrindo na luz da manhã.
Kitsuki Masakatada apertou ainda mais o cobertor em seu kimono, e mexeu sua cabeça se curvan-
do. “Acredito que eu entenda a lição, Caranguejo.”

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“Assim como eu,” o Kakita disse calmamente. “Somos todos iguais diante das Terras Sombrias.”
“Não aceito,” Bayushi Sashiko disparou. “Não houve vencedor em meu torneio. Nunca direi que
este homem é igual a meus yojimbos, pois ele não lutou mais ou melhor. Na verdade, não vejo sinal de
que tenha lutado afinal.”
O daimyo Hida a atravessou com um olhar.
“Escorpião,” ele disse gravemente, “o trabalho deste homem é gritar.”

Das Cartas Coletadas de Kakita Nanmaru


“Cartas da Muralha”
Décimo dia, mês do Touro, Quinto Ano de Hantei XXXVI
Onde estou, irmã?
Juntei-me aos loucos de pedra.
Se há uma lição aqui, é a que se pode se acostumar a tudo. Há quatro meses, soube que minha vida
na corte estava terminada. Ofenda um Shosuro, e você ainda pode viver. Ofenda três, e eles não serão
gentis em lhe darem um duelo.
Eles têm um apelido para nós aqui. Pôneis. Vem da antiga prática Yasuki de enviar pôneis mancos
como presentes para os Hida ao invés de mata-los, para serem domados e usados como iscas quando
ogros procuram carne fresca.
Só os Yasuki, minha irmã. E só o Caranguejo.
Comecei meu primeiro dia correndo em armadura completa, que já coloquei atrasado, embora os
servos tenham feito o melhor que puderam. Esperava pelas provocações e minha designação com os
servos, e esperava que desmaiasse e vomitasse pelo cansaço. Não esperava o vento infernal no topo da
Muralha Kaiu, que fazia os maiores Caranguejos baixarem suas posturas enquanto corriam e me con-
venciam de que eu estava prestes a morrer quando levamos nossas pernas exaustas pelos degraus en-
charcados o mais rápido que podíamos. Não esperava a gritaria pífia dos goblins capturados, libertados
nas Terras Sombrias para serem mortos pelas costas no treino de kyujutsu.
E a suspeita! Um bushi esbarrou em mim, se desculpando. De início achei que ele fosse desastrado,
mas vi que ele tinha uma ponta de flecha de jade na palma e tocou minha pele com ela, esperando que
eu me queimasse com o toque! Rotina, eles dizem!
Hoje, nos quartéis, eles contaram aos hoheis um conto. Um shugenja Kuni vai para as Terras Som-
brias em busca de seu primo Hida perdido, e o encontra vivendo numa caverna, com cabelos e olhos
selvagens, cercado por caveiras de goblins e armado apenas com uma tanto. O Kuni o examina e in-
crivelmente, o homem está livre da Mácula.
“Como você viveu, meu primo?” Pergunta o Kuni. “Você não tinha comida ou água.”
“Foi terrível,” sussurra o Hida. “Mas me lembrei que você disse que a Terra nas criaturas vivas re-
sistem à Mácula mais do que comida. Então vasculhei as rochas até encontrar um pequeno escorpião
gordo. Arranquei suas pernas e suguei as entranhas, e isto serviu como água.”
“Você aprendeu minhas lições muito bem.” O Kuni sorri. “Os outros homens vão querer saber.
Como é o gosto de escorpião?”
“Não tão diferente de fênix.”
Todos os Caranguejos jovens na sala riem.
Os Caranguejos mais velhos não.

Décimo primeiro dia, mês do Touro, Quinto Ano de Hantei XXXVI


“Recebi ordens de levar armas,” uma heimin me falou hoje. “Elas são suas se você quiser, mas os
bakemonos veem atrás de nós às vezes, porque somos fáceis.” O cabelo dela varreu o chão enquanto
ela me mostrava sua sai sem olhar para minha face. A amiga dela tinha uma kama.
“Vocês acham que podem se defender?” Perguntei.
“Oh, não, não, Kakita-sama, os samurais nos defendem. Não podemos ser samurais. Mas os bake-
monos, os ogros… Se eles tiverem comida, eles podem ficar mais tempo. Então…” Ela se encolheu.
“Mas eles só lhes dão armas pequenas para inimigos pequenos, então está tudo bem?” Eu estava
sendo sarcástico.
A amiga olhou para ela, e elas me mostraram onde mantinha as nuntes. “Por favor, Kakita-sama,
deixe-nos chegar a eles antes que cheguem até nós.”

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Não consegui acreditar. Não há lei aqui. O Caranguejo arrancaria as estrelas do céu se achassem
que queimariam o Deus Caído com elas.
“Vocês não pensam em mais nada?”
“Nunca.”
Ela olhou nos meus olhos. A mulher heimin já foi morta.
E ainda assim, ela falava a verdade.

Décimo segundo dia, mês do Touro, Quinto Ano de Hantei XXXVI


Estou no segundo turno. Eles têm três aqui: da Lebre ao Cavalo, do Bode ao Cão e do Javali ao Ti-
gre. Eu guardo os operários.
Os túneis requerem vigilância constante. Quando goblins se infiltram, as armadilhas devem ser re-
postas ou da próxima vez eles não serão freados. Se muitas criaturas descobrissem um túnel, está tudo
selado. Se o Caranguejo precisar de outro, eles abrem um antigo e esperam que as criaturas tenham
esquecido. Ou eles abrem um antigo e colocam o dobro de armadilhas.
Esta prática é mais prática do que imaginária. Muitas armadilhas são variações de poços com espi-
nhos e câmaras trancadas com buracos assassinos. Vidro ou cristal é por vezes fundido à argamassa
para desencorajar as criaturas a escalar. Veneno tem pouco ou nenhum efeito nas criaturas das Terras
Sombrias.
Eles me disseram isto sem vergonha.
Treinamos para quando elas invadem. “Saiba onde a pedra está,” meu senpai ordenou. O nome dele
é Seiki. “Pedra não é para onis, mas lhe dá tempo. Nunca confie em madeira.”
“Não há espaço para lutar,” eu disse.
Ele pôs o punho na minha face, e o abriu, tocou suas unhas nos meus cílios.
“Há espaço suficiente para lutar.”
Terminei o treino do lado errado de um portão fechado.

Décimo quarto dia, mês do Touro, Quinto Ano de Hantei XXXVI


“Tome cuidado,” disse a Seiki, “A coisa mais macia não pode quebrada. Aprendi a usar sua força
contra você.”
Hida Seiki sorriu. “O que te faz pensar que vou dá-la a você?”
Sangrei no chão e nem soube como.
“Coisas macias,” ele riu. “Lute como água. Lute como vento. Você não é um elemento. Você é um
homem, com juntas e dobras e peso.”
Ele me mostrou. O que eles usam não é um caminho. É uma escola, kobo ichi-kai. Jujitsu, mas não
como o nosso. Seiki falou de alcance, linhas de centro, circunferências de círculos, enfrentar o ponto
de contato, distribuição de peso em termo de embate, tempo em batidas do coração.
“Imagine que somos ogros,” ofereceu Seiki.
Eles me cercaram, até aprender como lutar numa multidão.
Coloquei meus olhos em um, e eles me atacaram por trás.
Tentei atirar um, eles caíram sobre mim até que estivesse no chão em seu meio.
Girei como um Dragão enrolado, e eles atacaram minhas costas quando me virei.
Olhei para o chão, e pude ver todos os seus pés. Assim que um se moveu, saltei sobre ele para ma-
ta-lo. Embora estivesse de armadura, ainda consegui atirá-lo nos outros. O resto me golpeou por trás e
me derrubaram no chão.
Olhei para o chão, e assim que um se moveu, corri dele, forçando-o a me perseguir, golpeando-o ao
contrário do que esperava. Corri por eles, e então corri de volta, derrubando-os, sem olhar em seus
olhos.
Não renascerei como um camponês.
Eu já sou um.

Décimo sétimo dia, mês do Touro, Quinto ano de Hantei XXXVI


Hoje venta. Tiramos a armadura, e após uma hora de torcer e quebrar, eles me fazem ficar de pé.
Eles esperaram até eu tentar respirar e me acertaram de novo. Com punhos.
“Começamos ao raiar do dia,” Seiki anunciou. “Inspire, espire, mas continue tenso. O músculo es-
palha o choque pelo corpo, o corpo para as pernas, as pernas para a terra.”

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“Não seria melhor sair do caminho?”
“Claro que é,” ele disse. “Este é um treinamento para quando você falhar.”
“Eu não vou falhar.” Que ele coma o lema de sua própria família.
“Então você nunca foi ordenado a fazer o impossível mais de uma vez.”
Ele me acertou com uma boken, e eu me dobrei. Meu abdômen era água e meus membros pesados
como ouro. Eles riram de mim, mas me levantei de novo.
“Não sou cortesão,” disse a Seiki depois no salão. “Use a boken de agora em diante. Acerte-me
com golpes fortes.”
“Isto não foi forte,” ele disse, balançando seu tetsubo. “Isto é.”

Décimo nono dia, mês do Touro, Quinto Ano de Hantei XXXVI


Matei na noite passada.
Eles me deram um arco.
Acordei de armadura quando ele veio gritando pelos nossos leitos. Goblins haviam invadido para
nos matar à noite. Eles disseram para segui-lo enquanto os outros partiram para as catacumbas.
O piso explodiu, e meu senpai caiu morto. As coisinhas irritantes pisotearam os mortos, batendo
lâminas. Direcionamos nossos golpes a eles pela fumaça e fogo. Siga o gritador, eles disseram, en-
quanto corpos se partiam. Siga o gritador. Segurei um deles, como uma tigela quebrada, e toda a sopa
escorria pela minha armadura. Ele estava me abraçando. Seu nome era Nanashige.
Algo com nove cabeças se ergueu abaixo de nós e partiu para cima de uma samurai-ko. Ela não
respirava, ela era argila misturada a tinta vermelha. Os braços saíram, e a tinta só ficava lá. Continuei
atirando, e tropeçava como um bushi bêbado, como se as flechas se tornassem estúpidas, e homens
morriam me dizendo para seguir o gritador.
Eu o segui. Nos corredores. As velas se apagaram com sua passagem e corri no escuro. O ouvi gri-
tar que estavam vindo de baixo, pegar a jade de baixo. Então ele correu e gritou para topo da muralha
enquanto todos morriam no poço de pedra. Corri pela muralha no vento atrás dele e nossos Carangue-
jos investiam pelos degraus a que eu iria assim que chegasse à terceira torre, mas ele continuou cor-
rendo. Olhei de volta e algo com asas estava atrás de mim e eles estavam levando a jade para baixo e
me lembrei que tinha nove cabeças, não dez, porque ela tinha cortado, ela a cortou antes de morrer e
estavam levando a jade para baixo e a coisa com asas estava me perseguindo e não fazia som e parei e
atirei nela e ela repeliu a flecha e as sombras estavam sobre toda a lua, sombras com asas e garras co-
mo pregos que podiam escalar pedra e todas as flechas quicavam.
Atirei no gritador.
Meu novo senpai diz que fiz a coisa certa.

Não quis saber o nome dele. Ele me disse mesmo assim. É Muneru.
“Seu olhos não são firmes,” ele disse esta manhã.
“Como pode suportar isto?” Perguntei. “Cacei por três anos pelo homem que matou meu primo.
Um homem. E na noite passada a distração matou cinquenta. Ainda assim, eu…”
Eu não conseguia dizer.
Só olhei para meu chá.
Reunimos-nos para o desjejum para isto. Os Hida são tão polidos conosco. Comigo. Eles se viram
quando caminhamos para a fila. Eles sabem. Todos nós sabemos que eles sabem. Não há segredos
aqui. Segredos são para Escorpiões e onis. Não para nós. Mas eles são polidos mesmo assim.
Deixo as pétalas para Iso, que não consegue aguentar. Iso não tem boca, mas ele cutuca um buraco
onde ela costumava estar, e senpai o ajuda a engolir.
“Perdi dois primos,” Muneru disse, “um avô, um tio e dois de meus amigos. Comando homens que
viverão o resto de suas vidas bebendo chá como o seu. Nos quartéis à noite, ouço-os gritando no escu-
ro porque agora eles nunca se casarão. Mas eles devem parecer fortes pelos que precisam deles.” O
olhar dele passou pelo futon gasto, e sei que ele viu as manchas dos meus olhos.
“Eles vêm a mim.” Muneru ergueu o braço. “E pergunto a eles: ‘Você já lutou com facas?’”
Mexo a cabeça. Ou tinha minhas espadas ou estava na casa de alguém que as tinha por mim. “Não
é como kenjutsu,” ele disse suavemente. “É bagunçado. As duas mãos são ameaças; pés também. A
faca o mata, mas a mão livre o atinge e o atrai à lâmina. As pernas chutam as suas para pará-lo.”

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Observei quando ele tirou seu kote. “Quando tudo acontece rapidamente,” ele disse, “você será cor-
tado e ganhará cicatrizes. Mas você pode usá-las aqui com músculo e osso,” ele passou um dedo pelo
lado de fora do pulso, “ou pode tê-las aqui.”
Muneru segurou seu polegar sobre os tendões e artérias do lado de dentro do meu braço. Conheci
um homem que foi cortado ali uma vez. Ele não pode mais fechar sua mão.
“Um Caranguejo usa suas cicatrizes no lado de fora.”
Eles devem parecer fortes pelos que precisam deles.
Entendi mais do que ele imaginava.

Sobre as Terras Sombrias, Mácula e Vida Além, das


Teses de Isawa Ichiro e Kitsu Bantaro
Embora eu esteja certo de que você está
familiarizado com a doutrina Shintao sobre a Shinsei Sobre a
corrupção de almas, raramente vi alguém
fazer uso direto dele como o Inquisidor Isawa Primeira Guerra
Ichiro e seu assistente Kitsu Bantaro. Estou Homens pacientes e homens preguiçosos fazem
incluindo o texto de sua tese aos bushis Macu- armas terríveis.
lados atualmente buscando ajuda no Monasté-
rio do Broto Caído. Há esperança? Corrupção corrompe.
Não creio que tenhas estado no Broto Caí-
do. Eles são uma ordem monástica, nas Mon- O leão gosta do sabor do lobo até encontrar a
tanhas Yugure ocidentais, buscando um meio matilha.
de lidar com a Mácula além de tratamento por
jade e magia. Muitos monges são Fênix e Dra- Um amigo só o engana uma vez.
gões, esperando equilibrar o fluxo de chi do
Maculado pela acupuntura e medicina, inges- Você vê um homem assassinar uma criança. A
tão de minerais e sabedoria fitoterápica. Estes criança é você. Saiba o que fazer a seguir.
métodos são impressionantes na intenção, mas
questionáveis em efeito. Um homem corajoso não precisa de armas; um
Caranguejos da Muralha com problemas homem sensível quer todas elas; um homem
de disciplina costumam ser enviados à Ordem ambicioso tem planos para o sensível.
para um interlúdio tranquilo, enquanto bushis
aposentados costumam ficar para manter a Seja gentil com o fraco, o velho e o ignorante.
paz entre os monges infestados de podridão. Durante sua vida, você será todos eles.
Uma posição inglória certamente, mas é uma
fortaleza de honra à beira da Desolação. Espelhos matam aos poucos.
- Seikansha
Há três homens fortes que procuram por armas;
“Sou um maldito?” você pergunta, quando o guarda-costas, o soldado e o pai.
vê o mon dos cinco elementos e a insígnia da
lótus dos Inquisidores sobre minha manga. Em O escorpião faminto rasteja pelo campo de bata-
todo lugar, encontrei homens como você, bus- lha. O escorpião saciado dorme em sua bota.
cando minha resposta para suas perguntas as- Qual deles você teme?
sombradas. Quando a Mácula do Ente Sombrio
toca sua carne, seppuku é a única opção, ou isto é meramente outra adversidade a ser enfrentada em
nome de seu senhor?
É bom que tenha perguntado isso, pois não tenho resposta simples.
Shinsei nos ensina que tudo nasce, morre e vive de novo. Mas a Mácula come corpo e alma. O que
eles se tornam neste ciclo kármico?
Para entender isto, você deve entender que a queda de um kami criou um sexto elemento, fora de
equilíbrio com os outros cinco. Este é o elemento da Mácula, de corrupção em todas as suas formas.
Sua dor e ímpetos tenebrosos vêm da Corrupção criando desequilíbrio dos outros cinco elementos em
seu corpo, mente e espírito. Quando isto chega a um ponto crítico, você cederá para um deles. Se for o
corpo, você morrerá por doença. Se for a mente, você enlouquecerá. Só se for o espírito o status de sua
alma na Ordem Celestial mudará.

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Se todos os fracos no corpo fossem derrubados, o Império perderia muitos de seus maiores pensa-
dores. Os dentre vocês com corrupção em sua carne ainda podem servir a seu senhor e clã com pala-
vras e pensamentos e ações. Os fracos em mente ainda podem ter momentos de lucidez, e seus corpos
podem permanecer fortes o bastante para suportar as linhas de frente. São os fracos de espíritos que
devemos vigiar e eliminar.
Sem dúvida alguns dos seus sentiram o Sombrio lhes testando, sentiram a tentação de se aproveitar
de sua força. Não.
Pois assim como os que dizem que sua magia com sangue pode negar sua ligação ao Imperador das
Mentiras mas o fortalecem com suas preces, assim também fazem os que se alegram com o que ele dá.
Se o chamado se torna forte demais para resistir, na primeira oportunidade caia sobre sua espada e
mantenha seu nome honrado, pois caso contrário você arrisca seu lugar na Ordem.
Se a Mácula o perseguirá em sua próxima vida, poucos podem dizer. Nenhum Kitsu já se aventurou
no Jigoku ao sul da Muralha Kaiu e viveu. Porém, minha experiência demonstrou que a Mácula atinge
os espíritos do homem bem como a carne, pois shiryos podem ser feridos se acompanharem seus des-
cendentes a áreas corruptas. Embora estejam dentro da proteção de qualquer jade que seu descendente
carregue, meu próprio irmão assombrado certa vez encontrou o espírito de meu avô em dores pouco
antes de ele próprio estar assim que a jade acabou. A pele fantasmagórica retorcida, e um sangue ne-
gro translúcido escorrido pelas costelas, e ainda assim, ele se recusou a deixar o lado de meu irmão.
Só posso concluir que o Ente Caído pode macular todas as coisas no reino material, e sem dúvidas
corrompe a matéria primária do próprio Jigoku. Se ouvir deste poder o assombra, só posso dizer que
isto é bom, pois se você subestima o que aconteceu, você se abre para a tortura. Seja sempre vigilante,
pois ele está sempre esperando. Esperando para você perder a paciência, entrar em pânico por ser fraco
ou feio ou doente, e pedir-lhe por ajuda.
A única nota de esperança que posso oferecer é que meu aprendiz Kitsu-san se juntou a minha es-
cola após muitos anos de busca no outro mundo por almas perdidas para a Mácula. E embora elas pos-
sam portar cicatrizes sombrias, ele as viu lá, cumprindo seus deveres.
Embora o Deus Negro possa enfiar um kansen em sua caveira e retorcer seu corpo num zumbi, ele
não pode perturbar o ciclo kármico. Ele não pode tirar sua alma viva sem seu consentimento.

Embora Isawa-sama viaje entre bushis que descobrem a corrupção de espírito, falei com Kitsu-
sama. Ver as lágrimas de outro homem quando ele ouve pela segunda vez que sua vida acabou é uma
visão que não se tem todo dia; esperava que o concedessem um mínimo de privacidade enquanto es-
colhiam seu kaisakunin entre os outros condenados. Os que foram inocentados pelo Inquisidor se
juntaram a nós, perguntando a Kitsu-sama as perguntas que ansiavam em ser respondidas. O que
Shinsei pensava dos Maculados? O mais sábio homem tinha uma cura para que viraram presas da
corrupção? Por que ele não conseguiu achar um meio de matar o Deus Negro, apenas prendê-lo? Eu
parafraseio suas respostas abaixo.
- Seikansha

Nos primeiros dias da Primeira Guerra, poucos tinham a força de vontade para resistir contra o po-
der irrestrito do nono kami. Os que eram Maculados morriam rapidamente, ou entregavam suas vidas
a serviço da escuridão. Por Shinsei nunca ter encontrado um sobrevivente da Mácula, toda escola de
shugenjas e ordem monástica de Rokugan ensina diferentemente a respeito dela. Confio em Isawa-san
quando ele diz o que é e o que não é perigoso, pois os Inquisidores da Fênix não tendem ao lado da
leniência.
Embora o Tao de Shinsei contenha muitas das perguntas de Hantei sobre os exércitos de seu irmão
e se Shinsei via qualquer solução pacífica, não há respostas diretas. A mais famosa pergunta e sua
resposta — Hantei pergunta por que os kamis não podem ir e Shinsei diz que a Fortuna favorece o
homem mortal — os estudiosos interpretam como um “não”.
As crenças de Shinsei neste quesito têm sido extensamente debatidas, e muitos estudiosos têm se
perguntado por que Shinsei escolheu selar o Deus Negro ao invés de mata-lo. Em toda família e gera-
ção, uma resposta diferente surge.
Minha própria escola diz simplesmente que matar o Sombrio o enviaria de volta ao Jigoku. Ensi-
namos nossos alunos de treze anos a caminhar por partes do Jigoku; por que então nosso maior inimi-
go não faria o mesmo?
A escola Agasha focou suas atenções na primeira resposta de Shinsei quando Hantei perguntou so-
bre as táticas de seu irmão. “Um homem vê os fios do kimono, perguntando a eles porque são tão

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grossos. Um tecelão pergunta a outro sobre o padrão”. A escola Asahina por sua vez cita as palavras
de Shinsei a Shiba: “Deve-se curvar-se para oferecer ajuda a um homem caído,” e pergunta a seus
alunos se talvez o maior professor tenha usado os Doze Pergaminhos para ensinar uma lição ao não
ensinável.
Os Isawa olham para os escritos de seu ancestral, sabendo que Shinsei usou o conhecimento de
Isawa para criar os pergaminhos, e sugeriram que eles fossem um risco calculado. Matar o Decaído e
enviá-lo ao Jigoku levaria à corrupção lá, destruindo as energias do mundo de maneiras que ainda não
pensamos. Nas fronteiras entre mundos, sua mácula tocaria a Ordem Celestial, nossos ancestrais, o
Grande Ciclo ou até mesmo o Vazio até permear tudo que foi ou será.
A família Iuchi dedicou pouco tempo ao assunto. Para eles, mesmo Shinsei era apenas um homem,
e sua sabedoria, uma improvisação que fazia melhor uso do que estava disponível no momento.
Os Kuni grifam que Akodo morreu lutando com os servos do Ente Sombrio, e ninguém sabe o des-
tino de Hida… Ou Shinjo… Ou Shiba… Ou Bayushi. Como Kuni conhecido meu certa vez disse:
“Shinsei sabia que dividir Fu Leng em doze pedaços e prendê-los em manuscritos de tortura eterna era
o único meio de distraí-lo, e ainda assim, ele conserva o poder de Macular as Terras Sombrias inteiras,
de criar onis e conceder poderes como os de Iuchiban a seu servos. Agora você faz ideia de com o que
eu luto?”
De escolas do Escorpião, sei pouco. Quando perguntei a um sensei Soshi porque ele achava que
Shinsei havia criado doze pergaminhos, ele sorriu sem humor e me perguntou: “O homem mais sábio
da terra recorre a Ikoma a respeito do destino de Rokugan. Matsu arrogantemente derruba Ikoma e
toma o seu lugar, e você debate comigo por que os resultados não foram perfeitos?”. O único Yogo
que conheci simplesmente foi embora, dizendo que responder a pergunta era perigoso demais para se
discutir.
O próprio Hantei perguntou a Shinsei se seu irmão era irredimível, e Shinsei respondeu: “Um mes-
tre ensina. Um estudante aprende. Se houvesse tempo suficiente em todo o mundo, não haveria deci-
são.”
Não posso dar-lhe frase mais astuta que esta.

Sobre as Superstições das Meio-Pessoas de Rokugan,


por Yasuki Masahine
Yasuki Masahine foi, em todos os relatos, uma ajudante a todos, uma amante para alguns, e inimi-
ga de ninguém. “A Caranguejinha amigável” — uma alcunha curiosa para uma mulher que idolatra-
va sua mãe Kuni — tem um legado na corte como confidente que evitou uma guerra potencial entre
Caranguejo e Garça.
Embora não seja uma shugenja, em seus anos finais ela dedicou seu tempo a registrar superstições
camponesas para a escola Kuni, convencida de que algumas delas tinham bases reais. “Um lorde
nunca se preocupa na frente de seus samurais,” ela disse certa vez, “mas a garçonete sabe quem está
comendo.”
Infelizmente, seus testes a levaram à morte por um oni no território do Leão, mas algumas de suas
notas sobrevivem em forma de rascunho. Os ronins ainda falam dela como membro de sua otokodate
— bravos heróis que se impõem contra a injustiça.
- Seikansha

Pensei que camponeses da Fênix fossem mais bem educados que a maioria, mas não é o caso no
Vilarejo Lar Sagrado. Eles não conhecem vidro ou cristal e não podem adquirir jade, logo eles com-
pensam com cobre. O chamado “teste de cobre” perfura uma parte do corpo com um fio que deveria
escurecer se Maculada. A prática é comum entre mulheres que perfuram seus umbigos para garantir
que seus filhos nascerão sem influências sombrias.

Os trabalhadores da plantação de chá do Caranguejo portam mais cicatrizes de queimaduras. Dizem


que quando uma criança nasce com marcas, é sinal de potencial para o mal. A marca é queimada e
esfregada com cinzas quando não conseguem sal marinho.

Uma geisha Maculada nas terras da Garça tomava pequenas quantidades de pó kirei-ko para os
olhos em seu sakê, mantendo sua pele pálida e prevenindo que tumores crescessem.

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Uma grande quantidade de “histórias de casas de chá” revela dúzias de meios de detectar se um cli-
ente é um oni metamorfoseado ou maho-tsukai.
Se um samurai tem dentes particularmente brancos e olha demais no espelho, ele pode ser um oni
checando se sua forma humana está vestida corretamente. Se seus dedos dos pés são peludos, ele pode
ser um ogro. Se ele aceitar a primeira garota que oka-san oferecer, repare se ele não olha só para o
coração ou olhos, pois onis comem estas partes primeiro.
Se tentar tocar cedo demais, ele pode estar tentando espalhar a Mácula. Água salgada queima onis
com sua pureza, então prepare seu banho com sal.
Muitos onis respiram ruidosamente por seus narizes.
Se ele a levar para um passeio, ela deve virar à esquerda e distraí-lo até que façam um grande círcu-
lo. Assim que retornar ao seu ponto inicial, sua verdadeira natureza se manifestará.
Recuse se ele insistir que você deve ir ao seu castelo, pois ele a levará para ser devorada.
Embora estas histórias sejam mais comuns em terras do Caranguejo, encontrei tantas quanto perto
de Yogo Shiro e entre os etas de Ryoko Owari. O que foi exasperante, pois descobri poucos relatos de
atividades das Terras Sombrias lá. Em terras próximas como as dos Matsu e Iuchi, as geishas são tão
incultas quanto, mas ausentam estas proibições.
Curiosamente, as tradições não mencionam onis tomando formas de samurai-kos, só samurais, pre-
dominantemente dos clãs Caranguejo e Escorpião.

Uma história bem perturbadora a respeito de um oni surgido perto da Cascata Anéis de Ferro. Di-
zem que homens infiéis o atingiram com pura jade e nada ocorreu. Um shugenja Fênix consultou o
Oráculo — em alguns contos o Oráculo da Água, em outros o Oráculo do Ar — e ele disse que só um
samurai que matou antes de poder andar mataria o oni. Ele foi finalmente banido por um bushi recém-
aprovado em seu gempukku cuja mãe morrera dando-lhe a luz.

Um cremador em Toshi no Inazuma me disse que uma vez, em um vilarejo queimado, os cremado-
res encontraram o corpo de uma mulher que morreu no parto. Ainda assim, a criança vivia dentro do
caixão, nutrida pelo seu fantasma. Um dos samurais adotou a criança e a chamou de Yorei-ke, “cabelo
fantasma”, por seu cabelo translúcido.
Anos depois, um oni apareceu, e exigiu a carne de todas as crianças do vilarejo, uma de cada vez.
Os samurais não foram páreo para ele, exceto Yorei-ke, que substituiu outra criança. Quando o oni o
mordeu, ele gritou em dor. Ele untou sua espada em seu próprio sangue e matou a coisa facilmente.
Suspeito que isto seja mais uma versão evoluída da antiga lenda originada da ideia de que fantas-
mas podem ser feridos por armas com sangue humano nelas.

Entre os camponeses do Dragão e da Fênix, sextos filhos são considerados azar, pois o Ente Caído
era o sexto filho dos Céus. Pais de seis filhos darão o sexto para outra família criar na esperança de
poupá-los do destino do Ente Sombrio.

O palácio de Otosan Uchi tem vários suplicantes Maculados buscando audiência com o Imperador
na esperança de que seu perdão os cure. Os guardas os mandam embora, mas alguns pedem esmolas
nos quatro Vilarejos Centrais.

Os mercadores de Mura Sabishii dizem que toda primavera, um enorme ogro chamado namahage
desce das montanhas, vestido num hakama de grama, carregando uma boken. Embora completamente
resistente a flechas, lanças e preces às Fortunas, ele é incrivelmente tolo, e aterrorizado de onis, logo
eles fazem um festival anual para repelir o ogro usando máscaras de onis e batendo em tambores.

Os fazendeiros do Vilarejo do Viajante Amigável falam de onigo, crianças-demônio nascidas com


dentes na boca. Sua mãe é normalmente exilada em vergonha e espera-se que andem mar a dentro
carregando o demônio até que ambos se afoguem.
Os etas deste mesmo vilarejo chamam seus jovens por nomes desagradáveis (como “esterco” ou
“carne animal”) ou por nomes de meninas, para que onis que os ouçam do mundo espiritual vejam
seus filhos como inúteis e não os ataque.

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O povo das Planícies do Sol Dourado coletam bichos da seda vivos para mantê-los em caixas ao
lado de seus leitos ou nos pescoços. O bicho da seda, protegido em seu casulo, pode proteger seu dono
de maus pensamentos, e dormir sob lençóis de seda dizem prevenir bakus e gakis de comerem sonhos.

As Reviravoltas da Falsa Loucura por Kuni Mataemon


Kuni Mataemon foi o primeiro tsukai-sagasu permitido entre os Unicórnios após seu retorno. In-
cluo sua curta obra sobre como lidar com a loucura naqueles que devem enfrentar as Terras Sombri-
as todo dia. Estas lições ainda são ensinadas nas escolas de shugenjas Iuchi, para que mais samurais
possam reconhecer os primeiros sinais da Mácula e evitem futuros incidentes diplomáticos bushis na
Muralha Kaiu.
- Seikansha

Saiba O Que Eles Sentem


Enfrentei as Terras Sombrias em Rokugan e em seu lar. Retornei de quase sessenta jornadas e após
minha última você me perguntou como apenas eu dentre trinta Caranguejos sobrevivi.
Não estou vivo porque sou correto ou um bom homem recompensado pelo destino. Não estou vivo
porque tenho perícia e técnica superiores aos meus homens que morreram à minha volta, ou porque
obedeci ou desobedeci ordens. Não estou vivo porque sabia que iria vencer.
Estou vivo porque caminhei à esquerda de um tronco de árvore e não à direita.

O Momento Louco
Todos temos momentos de ação certa e irrestrita: o vazio. A mente analisa só por um momento di-
zendo: “Não sei como ou porque fiz isso”, ou “Eu comando este poder”. No momento de analisar,
podemos mudar uma situação para se parecer com outra. Tal reviravolta é uma mentira para si mesmo,
e isto inicia a loucura.

O Mentir das Ações


Você pode mentir com suas palavras, mas isto pode ser remediado por ações; você pode dizer uma
coisa é assim, mas quando ajo, vejo que não é assim, e você está errado.
O mentir das ações causa loucura. Quando sei que os mortos não andam, e você sabe que mortos
não andam, e você vê o morto não andar, e vemos um homem morto andando, podemos estar errados e
o universo certo, ou estamos certos e o universo errado. A mentira para si — dizer “estamos certos”
diante do universo — nos torna loucos.
Quando você pensa que minhas palavras são ações, minhas palavras podem deixa-lo louco.
Palavras podem resistir não ditas em sua cabeça, mas ainda são palavras.
O que deixa um homem louco é a sensação de que o mundo é uma armadilha que nunca termina.
O Mundo na Muralha
É lealdade para com seu senhor a maior virtude? Sim. Lealdade para com um oni no corpo de seu
senhor é a maior virtude? Responda na velocidade do não pensamento ou morra.
O mundo muda toda noite na Muralha. Em Rokugan, ele permanece o mesmo por mil anos. Quan-
do você golpeia seu futon com uma faca toda manhã para garantir que não é um oni disfarçado, você
não está em Rokugan. Você está na Muralha. Dizer o contrário é uma mentira para si.
Na Muralha, um samurai deve treinar até seu corpo desistir. Seu corpo deve saber o que fazer
quando a mente não está lá. Ele deve lutar na água, lutar quando derrubado no chão, lutar com um
braço quebrado, lutar no escuro contra dez homens mortos a quem a uma hora atrás ele chamava de
amigos. No momento em que algo parece estranho, ele deve quebrar ossos como se caminhasse pela
grama. Se não puder, ele logo será comida ou escravo do inimigo.
Ao acordar um Caranguejo, use uma vareta.

As Posições da Falsa Loucura


Homens sonham com o Ente Sombrio muito mais do que o Ente Sombrio aparece em sonhos. Lou-
cura pode ocorrer com ou sem sua ajuda. Falo não do toque de Lady Sol, que sabe no nascimento se
uma criança continuará simples ou se pensará que é o imperador das sépias. Falo da falsa loucura de

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Lorde Lua, do choque da guerra e da visão das hordas sobrenaturais do Pequeno Irmão. Vigie pelos
nove tipos.
O fraco em Ar não consegue perder seus hábitos. Ele pode checar para ver se a porta está trancada
vinte vezes numa só noite, ou se limpar a cada hora com banhos e sais.
O forte em Ar se importa demais consigo mesmo. “Olhe para mim!” Ele brada, como um ator no
palco, exagerando tudo na face da morte.
O fraco em Água teme uma coisa mais do que todas as outras. Ele pode ver um par de lanternas e
pensar que são olhos de oni, ou desmaiar na presença de um muro alto como a Kaiu. O muito forte em
Água vê demais e sabe que tudo é uma ameaça. Ele não pode julgar, e acredita que outros homens
tramam sua morte.
O fraco em Fogo se torna como morto ou profundo em tristeza. Ele não se importa com sua família,
seus camaradas ou até mesmo seu senhor. Ele não se move ou come e mal respira.
O forte demais em Fogo é extremamente raro: ele supera a si próprio, brilha como a Fênix e se tor-
na muitas pessoas de uma vez só.
O fraco em Terra não pode ficar parado. Ele se torna feliz, enérgico, e mesmo que deixado sozinho
ou ignorado continua sendo odioso. Seu comportamento vai de uma ponta a outra do bastão, por horas
ou dias, entre apaixonado e vingativo.
O forte demais em Terra acredita que está destinado a governar o mundo.
O muito fraco em Vazio sabe de coisas que não sabe. Ele ouve sussurros, sente cheiros que não po-
de controlar, e fala numa língua que nenhum homem fala. Ele vive num mundo próprio que não faz
sentido para nós. Tais homens devem ser vigiados.

Sobre o Tratamento do Louco


A falsa loucura é de Lorde Lua. Se matar sob sua influência é sangrar em seu nome. Isto nunca de-
ve ser feito. Se um homem mata um louco, ele deve morrer sem sangue. Afogue-o. Questione sua fa-
mília sobre seus crimes. Eles podem cometer seppuku se necessário.
Ao encontrar um samurai em que não se pode confiar, peça por suas espadas. Amarre-o e pendure-
o numa árvore por três dias. Tenha um homem que está disposto a passar fome com ele até que enten-
da e faça-os conversar, mas nunca a sós.
Se o louco parecer perigoso, construa uma gaiola de ferro, quatro tatames de largura e dois de lar-
gura. Se ele já o envergonhou, ponha-o no jardim onde está exposto aos elementos. Se for da família,
deixe-o dentro.
É bom para seu daimyo ter pelo menos duas gaiolas para uso de seus magistrados. Elas devem ser
pequenas o bastante para serem desmontadas e carregadas em duas carroças. Entre os meus, elas são
usadas quando algemar não é suficiente e execução não é desejada. A gaiola é ideal para loucos que
podem ter cúmplices, já que sem a chave, mesmo samurais Maculados não podem passar pelas barras.
Filhos e filhas que portem paixões irracionais por heimins, hinins ou Escorpiões podem ser postos
na gaiola para garantir a segurança e honra da linhagem familiar. Melhor ainda, seus amantes podem
tentar fugir com eles, permitindo que ambos sejam pegos e misericordiosamente punidos por sua do-
ença.
Quando o prisioneiro sabe que nunca ficará numa armadilha sem fim de novo, liberte-o dela, mas
não antes.

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Sei que seus deveres no Conselho dos Cinco reduziram suas oportunidades de explorar os reinos
negros pessoalmente, e sua importância para com o império deve manter estas jornadas que você faz
longe do interior. Os documentos a seguir podem ajuda-lo em sua busca pelo lorde oni Akuma, ou ao
menos dar ideias de locais específicos para evitar e examinar.
- Seikansha

Para Bayushi Shoju, Daimyo do Clã Escorpião, de Soshi


Neota, Magistrado e Visitante nas Terras do Caranguejo
Pelas Terras Sombrias periféricas, as minas de jade do Caranguejo pareciam de suficiente impor-
tância para garantir inclusão. Um conhecido encontrou este documento no cadáver de um mensageiro
Escorpião (o resultado usual quando alguém é repentinamente revelado como espião no meio de uma
casa de chá cheia de Caranguejos). Seu código foi fácil de decifrar.
- Seikansha

Saudações, Bayushi-sama, e votos de que tudo esteja bem com sua família e lar. Certamente prefe-
riria o ar perfumado de Kyuden Bayushi como
meus arredores. Os Yasuki tentam cobrir a Usando as
coação de um Caranguejo com penas de uma
Garça, e só provam que são burros e tolos. Terras Maculadas
Ainda assim, quando tanto de sua terra porta a As Terras Sombrias são uma vasta selva on-
maldição do Ente Sombrio, a mão do tolo com de o sol não brilha, fogo não queima e ferimen-
moedas é de fato forte. tos não curam. As árvores estão mortas, a terra é
Mas embora eu esteja certo de que meu se- lama e a água é veneno. Mas mesmo isso não
nhor não interesse em questões mercantis co- impressionará jogadores calejados a menos que
muns, ficaria honrado em lembra-lo do grande as descrições continuem frescas.
papel dos Yasuki em manter a guerra do Ca- Este capítulo detalha locais específicos den-
ranguejo contra as Terras Sombrias. É verdade tro ou perto das Terras Sombrias para ambientar
que poucos pegam a katana e tetsubo para se cenas, de investigações iniciais a desfechos
juntarem aos Hida na Muralha, mas algo deles dramáticos. Há também milhares de locais das
permeia todo bushi que jogou sua vida fora no Terras Sombrias que não temos espaço para
Rio Onda Retumbante. descrever, então fique à vontade. A única regra
Jade. é que as terras de Fu Leng destruirão tudo o que
Embora o Louva-a-deus não colete peque- Rokugan preza. Ele terá oratórios fazendo ofe-
nas quantias da pedra, e nossas próprias ativi- rendas de sangue, vilarejos onde homens são
dades mercantes estejam em dia, os cartéis costurados como bonsais para retorcer seu cres-
Yasuki não mostram sinais de desacelerar a cimento, até mesmo camponeses zumbis de pés
produção. As montanhas Muralha Sobre o e mãos decepados por samurais ciumentos. A
Oceano, aonde vim a me encontrar, são reple- própria existência deste lugar é um insulto deli-
tas da base ao pico de tendas e carrinhos de berado ao Filho dos Céus.
mineiros. Embora meu pobre cavalo mal possa
me carregar com eles, e as montanhas sejam grandes o bastante para nem mesmo os espíritos da terra
poderem responder quantos são, detectei cerca de uma dúzia só nas colinas ocidentais.
Eles ficam localizados muito atrás da estrada, em faixas de terra que os camponeses não podem
deixar, pois os Hida não desejam que ninguém saiba as localizações das minas. De fato, eles guardam
seus segredos bem, pois os Yasuki não veem lucro deste comércio. Ao invés disso, eles vendem a jade
minerada, Yasuki Taka (sim, aquele mascate imundo é realmente o daimyo da família como ele diz…
Se ao menos ele pudesse ter aulas de um Shosuro venerável, ele poderia aprender que disfarces só são
úteis quando podem ser abandonados) ordenou envios quatro vezes ao ano diretamente para o Castelo
Hida, tendo como recompensa proteção e favores.
Para confundir ainda mais potenciais bandidos, o sistema é decentralizado; cada mina familiar Ya-
suki é ordenada um tempo de envio, determinado por uma complexa fórmula Kaiu envolvendo a rota-
ção das trelas e o número de vezes que choveu numa estação. Um ataque bem pontuado pararia o en-
vio de uma mina, mas nunca do fluxo inteiro.
Qualquer ladrão teria uma grande surpresa, pois fiquei chocado em descobrir que os “mercadores”
que dirigem as carroças de pedra são samurais Yasuki treinados pelos Hida, empurrando carros como

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plebeus. Só os mais confiáveis Hiruma os acompanham como guardas, com ordens de investir para
repelir um ataque e conseguir tempo para fuga da caravana. Os relatórios de progresso de cada mina
são enviados por batedores disfarçados, que rasgarão as próprias gargantas ao invés de serem captura-
dos.
Mencionei a paranoia Caranguejo sobre sua jade é… Significativa, não?
O daimyo das famílias do Caranguejo viaja entre as minas, mas não é certo se eles sequer têm per-
missão de falar sobre suas descobertas. Só o próprio Hida-sama e seus mais confiáveis yojimbos visi-
taram todas as minas no território do Caranguejo, e espero que perdoe minha impertinência se digo
que considerei imprudente ver de perto a seu respeito. Ao deixar a mina Zanrui, a maior das minas
Yasuki, a expressão em sua face era um pou-
co… Infeliz.
Nenhum Trabalho é Caso as minas Yasuki se esgotem, talvez is-
to dê a nossos mercadores a ferramenta de
Grande Demais barganha necessária em conflitos futuros com
Desafio: As forças de Fu Leng irrompem na o Caranguejo. Porém, aconselho fortemente
província natal de um dos personagens (preferi- contra apressar tais circunstâncias.
velmente um com Grande Destino). Onis estão Embora eu saiba que no passado meu co-
por todo o lugar e as forças do daimyo só têm nhecimento dos elementos se provou menos
jade para aguentar uma semana antes das criatu- valioso a ti que meu conhecimento da política,
ras destruírem tudo. Eles precisam de aliados, e devo falar sobre esta questão como seu shu-
rápido. genja, não menos servo teu. Pense nisto: Jade é
Foco: Enquanto os bushis lutam, os corte- tudo o que nos protege quando enfrentamos as
sãos correm em busca de aliados, mas mesmo forças do Ente Sombrio. Se for removida, o
juntos, o exército combinado é esmagado numa que protegerá a própria terra?
horrenda derrota. As notícias críticas chegam: Meu senhor, não posso grifar este ponto
não há jade suficiente entre os Clãs para uma mais fortemente. Eu mesmo descobrir a mina
invasão como esta. perdida Dorui, uma antiga fonte familiar no
Sua única esperança é um misterioso Dragão, Deserto Kuni. Ela se esgotou, minerada até os
que pode ter depósitos secretos que poderiam últimos traços de verde a ser retirado da rocha,
usar. Após uma infernal escalada, os PJs devem e então abandonada, na confiança de que mais
convencer Yokuni em pessoa a ajuda-los. chegaria com o tempo.
Saque: Em troca de sua ajuda, Yokuni pede Estive lá, meu senhor, cavei na rocha para
que entrem nas terras do Dragão para recupe- servi-lo. A Mácula se aprofunda mais do que o
rar… Uma urna de cerâmica. Suas virtudes são bando de heimins que pode cavar num dia.
testadas ao máximo, e se retornarem com suces- Dúzias destas minas vazias temperam as
so, Togashi se recusa a ajudar mais, dizendo que terras Kuni e Hiruma, a fonte original dos de-
o que precisam está lá dentro. pósitos de jade do clã, e temo que quando fo-
Os heróis retornam ao campo de batalha, rem esvaziadas, será possível que a Mácula
aonde podem abrir a urna para liberar uma nu- devore as fundações da terra, fazendo com que
vem reluzente, uma memória preservada de caiam para o Mandíbula. Como Mestre dos
Amaterasu da época em que Onnotangu a feriu. Segredos, você sem dúvidas ouviu dos trolls da
O céu escurece quando Ela desvia sua face. Os montanha encontrados ao norte das terras do
onis rugem em triunfo. Castelos caem. O Unicórnio, e a sugestão de uma rede subterrâ-
daimyo morre. Mesmo as forças do Imperador nea de cavernas levando direto às Terras Som-
cessam quando o desastre se desvela. brias. E estou certo de que notou que muitas
A luz passa pelo eclipse, Lady Sol chora, e vezes estes relatos ocorrem perto de uma mina
até onde o olho alcança, começa a chover jade. esgotada.
É com isto em mente que chego à minha re-
comendação, Bayushi-sama. O conselho sugeriu vender jade e pedra verde para Kyuden Hida este
ano, logo nossos próprios suprimentos estão um pouco defasados. Não posso aconselhar isto. A única
coisa pior que um Caranguejo furioso é um morto. Gentilmente peço que não vendam jade falsa, e não
vendam a nossa a eles.
Porém, criei um plano para as negociações com os Shinjo que ficaria feliz em enviar.
Espero servi-lo bem, Bayushi-sama.

Seu Humilde Servo,


Soshi Neota

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A Terra Terrível
Dos Documentos de Hiruma Furososhi
Um ex associado de meus estudos em terras Kuni me permitiu examinar alguns manuscritos cha-
muscados com data um pouco após o retorno do Unicórnio. Este em particular me horrorizou, pois
suas ideias eram tão lógicas, ainda que nunca discutidas. Seus documentos geralmente desaparece-
ram de muitos campos de estudo, mas alguns senseis Hiruma ainda reconhecem esta teoria como a
única resposta para suas próprias experiências.
- Seikansha

Esta é a quarta vez que leio os mapas, temo que não possa estar enganado.
As discrepâncias que vi sempre foram culpa dos efeitos de confusão da Mácula e fome, diferenças
de estilo ou a natureza amorfa do terreno das
Terras Sombrias. É fácil dizer que uma trilha
Encontrar Jade de árvores secas se parece muito com outro, e
Nas terras natais dos PJs, mercadores ficarão em alguns graus é quase impossível dizer
felizes (sob pena de morte) a doar um ou três quando a névoa bloqueia todo sinal de sol ou
dedos de jade para negócios do daimyo. Fora de estrelas, mas segui como Kaiu ensinou: relató-
suas terras ou a curto prazo, magistrados ou seu rios são como farinha, e devem ser peneirados.
servos podem ter mais dificuldade. Quando os Eu o fiz e encontrei uma ocorrência comum:
PJs passarem por uma cidade procurando por Uma vez que se passa da divisão do Rio Dedo
jade e necessidade dramática for opcional, role Negro e o Dedo da Lua Negra, nunca houve
um dado com seguintes modificadores. Em 1-5 um só detalhe da paisagem preservado de rela-
não há jade; ela terá que ser importada. Em 6-10 to em relato.
alguma está disponível. É inacreditável que nenhum batedor foi ca-
Terras do Caranguejo: +3 paz de reunir as mais básicas perícias de ob-
Terras da Garça: -1 servação. Meus próprios alunos Yakoshi e
Terras do Dragão: Sem modificador. Mareiko, dois dos mais promissores da sua
Terras do Leão: -3 geração, entraram nas terras com não mais do
Terras da Fênix: -2 que seis semanas na exata mesma rota, e ainda
Terras do Escorpião: Sem modificador. assim retornaram respectivamente com um
Terras do Unicórnio: +1 mapa de um pântano fétido e uma detalhada
Terras dos Clãs Menores: -2 descrição de uma vastidão seca. Não posso
Terras do Louva-a-deus: +2 mais crer em qualquer explicação exceto a tão
Cidade Grande: +1 óbvia que ninguém deseja acreditar.
Vilarejo Pequeno: -1 A terra se move.
Mercadores geralmente têm um dedo de jade É a única explicação racional. Os Kuni sa-
bruto no valor de 2 a 4 kokus, e uma tigela de pó bem que o solo mais intensamente Maculado
de jade de 1-2. Bushis do Caranguejo preferem se torna pantanoso, massa líquida, e a Mácula
guardar o suprimento de jade para si, e estran- mais forte vaza de seu mestre. Imagine, então,
geiros podem precisar de testes de Sinceridade as camadas de rocha e solo que flutuam neste
ou Comércio para convencer o mercador a ven- líquido como pétalas de flor numa larga vasi-
der para eles. lha de chá. Agora beba o chá. À medida que
estas terras são atraídas ao Deus Negro, elas
orbitam, lenta mas definitivamente, ao redor de seu mestre. Isto explica porque mesmo os mais bravos
guerreiros às vezes não retornam do reino sombrio. Ainda que vitoriosos, eles ainda podem ser abati-
dos pela conveniência da própria terra, deixando-os vagarem até inanição ou morte. As áreas ao norte
parecem terem sucumbido ao empuxo (talvez ainda estejam presas ao leito rochoso de Rokugan), mas
acredito que a taxa de rotação aumente quanto mais se aproxima do centro.
Embora este movimento seja lento demais para ser detectado numa missão de reconhecimento, se
torna claro que a geografia das Terras Sombrias rotacionaram: colinas, florestas e vales estão mudan-
do. Acredito que os Kaiu poderiam calcular seu centro se pudessem medir a jornada até o limite mais
ao sul. Os estrangeiros Unicórnios não dizem se tal coisa existe, mas ouvi histórias de torres de mar-
fim e ossos do outro lado das terras negras, onde estranhos homens rezam pelas próprias mortes.
Minhas suspeitas foram confirmadas a não mais de um mês atrás, quando Geiku, um homem de
não pequena reputação, retornou de uma jornada na margem do Dedo Negro. Embora já tenha estado

21
lá antes e sabia de uma planície intercortada pelas águas negras, dessa vez ele trazia de volta o conto
de uma floresta, árvores tão espessas que podiam conter um homem adulto nos troncos. Elas eram
cinza e distorcidas, com folhas da cor do sangue seco. Precisamente o que Mareiko viu seis meses
antes… Muito mais ao sul.
Meu filho está perto do Lua Negra neste momento. Ele carrega consigo a melhor lâmina dos Kaiu e
nossos mais trabalhados mapas. Ele encontrou a saída dos labirintos negros contando com nada além
de seu próprio senso de direção. Agora só rezo para que ele não durma.
Não peço para que o recupere, ou mude as agendas de exploração para tentar saber o insondável.
Muitos mais bushis o seguirão, e eles, também vão morrer. Mas que a razão de suas mortes não seja o
fato de termos medo de aceitar as respostas que descobrimos.

Dos Diários do Hohei Hiruma Katsuhito


Você mencionou que não esteve nas ruínas Hiruma, mas com as recentes visões de Oni no Akuma
entre as abominações lá, achei que fosse se interessar neste relato de sua falha retomada. O diário de
Katsuhito, recuperado de uma urna de arroz após a famosa batalha de Hiruma Naomike pelo castelo
em 819, o tornou bastante conhecido nos dojôs do Caranguejo, onde senseis acham seus escritos bem
úteis para impedir que alunos audazes invistam nas Terras Sombrias despreparados.
- Seikansha

O Primeiro Dia
Não posso chama-lo de outro jeito, pois sem sol ou estrelas, ou feriados para honrar nossos ances-
trais, o único tempo significante é a hora em que saímos, quanto tempo suportamos o insuportável. Já
estive aqui antes. Todos nós estivemos. Mostramos que somos barras de ferro que não podem quebrar,
e eles nos escolheram para golpear o Deus Caído.
Deixamos Kyuden Hida ao amanhecer. A segunda coluna sai amanhã de Shiro Kuni, onde Tia Shi-
hime está alojada. Ouvi que posso escrever isto. Goblins não podem ler.
Algo passa pelo meu calcanhar, enterrado na lama. Nós não olhamos para baixo. Muito melhor
vem cem pés Hiruma pisarem o chão do que pensar nos milhares que estão abaixo deles.
Estamos muito tempo sem atacar. Já é quase o crepúsculo, e ainda não vimos nada. Eles sabem de
nossos planos? Eles fugiram para o castelo? Talvez isso simplificasse, ter todos em um lugar só. Mas
quantos são?

Eu sei o que o barulho é agora. As pedras do chão são mais moles do que enxofre, como cera velha,
marcando nossa rota com uma faixa preta que se estende além do alcance da visão. A Trilha de Jade
Negra, como o gunso a chama, descartada por todos os que estiveram aqui antes de nós. Nossas botas
estão encharcadas; elas deixam manchas em nossas solas.
Eu preferia pensar que eram ossos.

Não posso acreditar que só chegamos nesta manhã. Parecemos ter estado lutando por dias, mas não
podemos descansar. Eles não podem passar fome.

A segunda coluna tem nossa comida. Quando chegarem, poderemos comer nos dias quatro e cinco.
Então o comboio de suprimento chegará, e comeremos para os dias seis e sete.
O castelo é como nossas pinturas o mostram. Demolido nos cantos sul e noroeste, pequeno, porque
nunca fomos uma família grande, e retangular. Quatro andares de granito. Não tão belo quanto o dos
Yasuki, talvez, e pequeno de fato se comparado ao dos Hida, mas acima das portas de ferro, o mon
ainda é visível. As casas de camponeses e estábulos em torno dele apodreceram, mas encontrei ocasi-
onais panelas ou pedaços de ferro, meio enterrados na lama.
Ao longe, pensei que os muros fossem mais espessos no andar de baixo, mas quando nos aproxi-
mamos, eu os vi se moverem. A carne de ogros, dificilmente distinguível do granito cinza, ombro a
ombro. Quatro de cada lado. Eles sabiam que estávamos indo. O grito começou e eles responderam
com urros.
Investimos, katanas aos nossos lados, pois carne de ogro não clama por jade. Tetsubo, naginata, ya-
ri, tudo cortaria pela pele dura. Não contei quanto caíram, não na hora, mas sem fogo para queimar os

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corpos, descobriremos os nomes de cada cadáver em breve. Quando ficou muito escuro para enxergar,
nos retiramos. Nunca é tão fácil.
Tiramos o mon de ciam da porta para limpá-lo. Ele é nosso para sempre.

O esquadrão dianteiro dormiu no vale, o resto de nós nas escadas. Não encontramos a segunda co-
luna.
A noite toda, enquanto cortamos cabeças, o gunso me contou histórias dos dias antigos. Aqui ficava
o rio onde os servos limpavam as rochas pra que as roupas pudessem ser lavadas devidamente; aqui o
regente Tadateru atirou Kaiu Shio no lago por sonhar acordado no treino de kenjutsu; aqui os falcões
de caça se amontoavam nos dias ensolarados de cavalgada.
Ele me mostrou o oratório aos ancestrais. Não vi arco, nem marcadores.
Exatamente, ele disse.
Prometi matar todos eles.

Conseguimos.
Algo ainda possui o quarto do senhor. Seus pés curvaram o piso. Sacamos katanas untadas em jade
e cortamos o que podíamos, mas ninguém quer entrar num quarto onde o tatame grita e seus tentáculos
investem em qualquer passo. O shugenja finalmente manteve o fogo por tempo o suficiente para
queimá-lo; a carne queimada envenenou um homem com seu fedor.
Passamos de quarto em quarto, quebrando os braços e joelhos dos goblins que encontramos. Eles
defecaram numa pilha de katanas, então dois de nós os mantêm prisioneiros enquanto os outros lim-
pam as lâminas em seus estômagos. Minha garganta está rouca, pois disse a cada um que quando vi-
rem o Ente Negro, falem de seu erro foi tocar esta família.
Seus crânios adornam nossas paredes, sua carne se empilha em nosso piso. Fortunas nos perdoem,
não há sal suficiente para purifica-los, muito menos a nós, e pior ainda estão as paredes, onde sangue e
pus de oni ainda goteja. Muitos pararam de recitar as bênçãos da pureza. Esmagamos dedos de jade até
virar pó, e isto é tudo que precisamos.
Não há espaço suficiente, pelo menos. Nem paredes de papel mais. Cem salas se tornaram um sim-
ples buraco. O arsenal é impenetrável. Algo derreteu as armas lá dentro, e o metal selou a porta numa
massa sólida. Nenhum sinal de túnel de entrada.
Duzentos e quarenta e dois homens restam. Os vinte e cinco mais rápidos saíram esta manhã, car-
regando o mon. Eles se curvaram a todos nós. Se tudo correr bem, eles voltarão em cinco dias com
jade e suprimentos. No escuro, é impossível diferenciar um verme de um grão de arroz.
A lesma voltou de novo, uma coisa imensa que baba ácido borbulhante. Ela tentou subir as paredes
vinte vezes, e em todas a afastamos com flechas. Ela ainda não morreu.
Foi simples. Eles sabiam que tínhamos armaduras, e sabiam que tínhamos muros, mas a floresta
vomitou goblins como um enxame de moscas venenosas. No calor, logo ficamos exaustos, e sem fle-
chas e sem fogo para o piche, só podemos aguentar enquanto os shugenjas sacudissem a terra. Hiruma
não caem. Mas a poeira estava cegando.
Um shugenja sepultou um oni com jade e arrancou lascas para nós. Colamo-las em nossas armadu-
ras com piche, pois quando as bigornas vierem, eles venham em companhias. Ainda assim, quebramos
muitos tetsubos em um oni sem cabeça. Eu o atirei da murada e ele arrancou meu cabelo pela raiz. Na
brecha sul, eles não tinham mais pó, então dois homens estufaram a boca de um cadáver com seu ha-
ramaki e três outros o seguraram enquanto um quarto o espancou. Suportamos três esquadrões de onis
antes da jade se acabar. Então os cadáveres eram nossa única opção.
Tento pensar que isto é lar, mas não posso dizer onde nossa terra termina e as Terras Sombrias co-
meçam. O céu não é menos cinza por ser visto das ameias aonde Jikomi andou, e o cheiro não é mais
agradável quando se senta no salão de Kutsuko. As fileiras de estacas com caveiras e corpos se esten-
dem pela planície. Mal posso fechar minhas mãos, mas eles parecem com medo agora.
Esqueci-me do poeta da Garça que escrever sobre o sangue do herói fertilizar um campo de bata-
lha, dando significado à sua morte ao nutrir o arroz abaixo dele. Ele deveria tentar viver onde nada
cresce.

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Dia Treze?
Não pudemos arrastar os corpos longe o bastante dos muros. Eles os usam como escadas. Não pu-
demos defender os muros, então fomos para o terceiro andar. O primeiro se foi. O segundo se foi. Es-
tamos dormindo em turnos. Não há espaço para mais do que vinte homens se deitarem por vez.
Escondemos os feridos dentro de urnas de arroz enquanto lutamos. Meu braço esquerdo ainda está
bom. Esfaqueio goblins por uma janela. A visão de nossas cabeças nas ameias externas é chata. Os
tolos não viram a metade corretamente.
Os novos onis são pegajosos. Só me resta uma tanto.

Hoje vi um raio de luz do sol. Não desviei o olhar e agora não posso ver.

O piso é fino. Podemos ouvir o espaço abaixo em cada passo. Atiramos os mortos abaixo para es-
maga-los, então pulamos neles, então só temos que lutar contra dez de cada vez. Quando o cadáver
começa a tremer, atiramos ele pela janela. Ele se puxa do finco e passa pela porta. Mas não temos
espadas, e é melhor que se levantem lá fora.
Não sei o que os onis estão usando no piso, mas ele se estreita a cada dia. Erodindo até o topo.
Conquistamos Hiruma por dezesseis dias. É melhor do que muitos. Há meios piores de morrer do
que em busca de nossa terra natal ancestral.
Não posso pensar em nenhum agora.
Lady Sol chora por nós.

O Kokai-Nisshi do Navio Metora, como Escrito por Anju


O registro do navio foi encontrado amarrado à perna de um pombo correio quase morto, tão apo-
drecido pela Mácula que quase não podia voar. As outras páginas estavam rasgadas e ilegíveis, mas
a última fala eloquentemente sobre o que enfrentaram. Nunca mais se ouviu do autor de novo.
- Seikansha

[…] decidir vir aqui? Só um tolo deixaria meia garrafa de sakê e uma bela heimin o forçarem a
tal missão. Se eu pudesse ver o sol de novo eu juraria nunca mais beber. Grandes Fortunas, rasparei
minha cabeça, me juntarei a um monastério, só por favor me deixem ver as estrelas!
Não surpreende que ela risse de mim, acenando aquelas mãos brancas. Não surpreende que ela te-
nha ido ao Caranguejo com sangue de oni ainda manchando sua saya. Ao menos ele sabia no que
estava se metendo. Que infantil eu fui.
Contorne as Terras Sombrias, eu disse a eles. Veja o que há do outro lado.
Já se tentou, ele disseram.
Ah, eu disse a eles, mas nunca por um Louva-a-deus.
Não posso mais acreditar que acreditei nas minhas próprias palavras. Experiência não serve de
nada aqui. Nossos navios ainda são de madeira, nossas velas ainda são telas e nossos corações
ainda são muito humanos. Naveguei pela Costa da Névoa Negra, tão perto da costa que podia cheirar
a podridão. Estávamos a três dias da costa quando minha tripulação começou a brigar. Não posso
culpa-los. O cheiro mexe com você depois de um tempo. O suave e espesso ar que aperta a garganta e
dói nos pulmões. Ele o faz desejar por qualquer outro cheiro. Sangue fresco e quente parece uma boa
mudança.
Dois dias depois, o vento parou.
Você já tentou fazerem homens remarem por água tão espessa que parece sugar os remos? É pior
quando os remos ficam mais leves, as pás mais finas a cada vez que se levantam. Quando as gotas
abrem buracos na sua pele para competir com a madeira, isto é quase impossível.

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Se voltarmos agora, eles me disseram. Se voltarmos agora, podemos chegar em casa antes de o
alimento acabar.
É claro, eu disse a eles, certamente, concordo completamente, mas pelo amor das Fortunas alguém
me dirá qual é o caminho para casa? Você deveria ver este nevoeiro. Você não pode ver a costa. E as
estrelas? Lembro-me de ter ficado feliz quando a escuridão chegava e havia estrelas para seguir. Talvez
se eu tivesse agradecido mais a Amaterasu, ela não tivesse me abandonado assim.
Há mais faces na água agora. Enquanto olho para meu pincel eu não tenho que vê-las. Guardei
um pombo. Ninguém sabe que eu o tenho. Quando foi a última vez que viu um homem insano com
um pombo? Vê? Ainda estou são.
Não temos homens suficientes para remar de volta mesmo se soubéssemos o caminho. Tropecei
numa pilha de tripas nesta manhã. Qualquer um que tenha um amigo em que possa confiar para
decapitá-lo está cometendo seppuku. É incon-
O Shito Dama do siderável, de fato. Eles não sabem o que o chei-
Templo Ranpo ro de sangue faz para o resto de nós?
Bishamon protege o templo Ranpo, determi- Eles não vão pegar meu pombo.
nado a nunca permitir de novo corrupção dentro
de seus muros. Criaturas das Terras Sombrias Falta pouco. As águas estão quase sólidas
são atiradas por mãos invisíveis se tentarem com onis à espreita. Alguns têm espinhos co-
entrar, e lá dentro, magia funciona normalmente. mo terríveis baiacus que partem as ondas,
Quando humanos adentram o templo, o shito
dama aparece no centro, pesando seu valor. enquanto as línguas dos outros raspam o
Personagens Maculados com Honra inferior a 2 casco, espreitando como texugos procurando
devem testar Vontade contra 10 x seu Nível de mel. Os tubarões são o pior. Suas guelras são
Mácula das Terras Sombrias, ou correrem de
medo. Personagens Maculados com Honra mai- da altura da lâmina de uma katana, a face
or testam Vontade contra 5 vezes seu próprio de uma criança em sua base. Eles olham, e às
Nível de Mácula ou sofrem os mesmos efeitos vezes, quando a luz é certa, você enxerga seu
Personagens que passem a noite no templo
sofrem pesadelos horrendos. Role 1 dado + 5, reflexo em seus olhos.
menos a Honra do personagem (não re-role Os trolls do mar têm mãos, e tentamos
dez). Em 1-5, não há efeito no dia seguinte. Em
6-9, o personagem não pode usar seu maior
impedi-los de escalar, mas nem sempre funci-
dado em todas as ações no dia seguinte. Em 10 ona. Acho que há um a bordo agora. Bloqueei
ou mais, ele não pode usar seu maior dado em minha cabine, mas isto não engana ninguém.
todas as ações por 5 dias menos sua Honra. Se
personagens ficarem mais de uma noite, os efei-
Eles podem nos farejar, mesmo sob o fedor.
tos são cumulativos. Tentei rolar no sangue de oni para disfarçar,
mas só ardeu mais e eles vieram mais rápido

Oh, grandes Fortunas, estou salvo!
Posso ver as nuvens entre suas velas. Eles estão vindo por mim! Oh, por favor por favor por favor
por favor por favor casa casa casa casa casa casa

O Relato do Tempo Ranpo, por Kuni Shiki


Há cinco cópias deste conto no Império. Uma está arquivada em Kyuden Hida. Três outras são
guardadas por proeminentes shugenjas Kuni. A quinta foi deixada no próprio templo, e termina dife-
rente das outras quatro. Esta é a cópia que encontrei.
Você pediu a verdade.
- Seikansha

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Eu sou Kuni Shiki, shugenja de Kuni-ryu, treinado por Kuni Hitaru, filho de Ushishida, neto de
Kuni Chimitsu, bisneto de Kuni Hodochi, o sobrinho de Kuni Gokuren, sumo-sacerdote do templo
Ranpo de Bishamon. Por dez gerações, nossa família serviu à Fortuna da Força, usando os elementos
da terra, chama e água.
Nossos campos eram cortados por uma vasta estrada de rodas e pegadas. Quase todo bushi no exér-
cito Hida trilhava esta estrada para pedir uma prece para que pudessem golpear com o poder de dez
homens e obter glória com seus feitos ao invés do valor de suas mortes.
Foi setecentos e cinquenta e um anos após a Primeira Guerra quando meu pai disse que era hora de
retomar o templo. Duas gerações de Kuni cres-
ceram atrás do milagre Kaiu, assistindo esterco
goblin fazer de seu solo fértil lama verde e o O Jikiniki
fogo azul de bocas de onis atravessarem seus NA de Conhecimento: 15
lares por dias por vez. Sacerdotes ou shugenjas que morrem com Má-
O chão ainda estava quente quando meu pai cula maior que sua Honra às vezes reencarnam
levou consigo uma dúzia de bushis Hida, seu como jikinikis, goblins comedores de cadáveres.
irmão, esposa e minha irmã. Ninguém regis- Lembrando humanos corcundas de um metro
trou quantos eles mataram, nem quantos zum- com unhas tortas e sujas, dentes separados, tor-
bis foram postos a repousar quando se torna- tos e cegos e pele sem pelos, jikinikis não po-
ram os primeiros olhos humanos a verem o que dem suportar a luz do sol e só aparecem nas
se tornou conhecido como Desolação Kuni. sombras. Embora normalmente vasculhem por
Com corações cautelosos eles abriram a corpos recém-abatidos, eles também atacam
porta do templo, esperando uma ruína Macula- fracos, feridos e Maculados.
da, mas descobriram que o altar de pedra só O jikiniki mais conhecido, Hakirei, é mistica-
tinha marcas de poeira, não depravação. A mente ligado ao templo, atormentado pela culpa
estátua de Bishamon ainda resistia, sua pele de seus feitos toda noite. Embora não possa
brilhando com mil cortes sangrentos. Quando entrar, ele sempre retorna a seu térreo após toda
Ushishida esfregou a figura com jade, ela não excursão, onde ele se alterna entre abençoar os
escureceu, e ele sentiu apenas uma cálida paz honrados e comer os corpos de seus companhei-
em seu toque. ros; ele é meio louco.
Mas a luz não penetrava as janelas, e mes- TERRA: 4
mo ao meio dia, as soleiras permaneciam ne- FOGO: 2
gras. Quando meu pai e seus bushis passaram Agilidade: 3
pela porta, uma chama laranja avermelhada ÁGUA: 2
ganhou vida no centro da sala. Trêmula em AR: 2
passos, ela caminhou um ken-na acima do Ataque: 3k2
chão, então, como se soprada por um gentil Dano: 3k2
suspiro, ela se aproximou, tremulando. NA de Armadura: 15
Ela parou sobre a cabeça do terceiro bushi, Ferimentos: 16: 0; 24: +5; 32: +10; 48: +20;
transformando seus olhos pretos em laranjas. O 64: Morto.
homem estremeceu, como se tentasse fechar os Habilidades Especiais:
olhos, mas seus olhos continuavam abertos. Qualquer um tocado pelo jikiniki deve fazer um
Com o grito de um esquilo, ele jogou seu tet- teste de Terra, NA 15 ou ganhar 1-5 pontos de
subo e correu. A chama desapareceu com ele. Mácula das Terras Sombrias. Se tocar algo que
Naquela noite, os que ficaram pousaram o jikiniki tenha contato prolongado (sua roupa,
nos aposentos dos sacerdotes apesar do incô- seu ninho), o personagem deve fazer um teste
modo. Antes do sol se erguer, todos os quinze contra NA 10 ou ganhar um ponto de Mácula.
acordaram aterrorizados por sonhos idênticos. Personagens atacando o jikiniki não podem rolar
Um sacerdote sozinho. Uma tanto com o cabo mais dados de dano do que sua Honra.
de osso humano. Uma vítima cujos gritos per-
furavam o ar da noite como uma foice. E o oni, alto como o teto, com asas de corvo, pele preta como
suas penas, pés com garras e um só bico imenso enfiado em seu pescoço fino, uma boca escandalosa e
voraz. Conheço bem este sonho, pois já o tive, assim como todos os que dormiram dentro das paredes
de Ranpo.
Meu pai saiu no dia seguinte. Até eu voltar trinta anos depois, ninguém passou mais do que uma
noite dentro de suas paredes. Admito que eu mesmo não pudesse enfrentar os pesadelos todos de uma
vez, e fiz três jornadas para lá antes que soubesse a história toda. É uma história que envergonha mi-
nha família, mas deve se tornar conhecida.

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Kuni Hakirei, aprendiz de Gokuken, visitou sua mãe adoentada na noite em que o Mandíbula foi
visto pela primeira vez. Correndo de volta para o templo, ele o encontrou abandonado. Um oni menor
do exército do Mandíbula o descobriu acovardado atrás do oratório. Hakirei implorou por sua vida e,
espantado, ele atendeu à prece, contanto que o jovem sacerdote o trouxesse uma refeição fresca todo
dia. Hakirei sacrificou sua honra junto com a primeira vítima, acovardado e servil ao seu novo mestre
como o mais baixo eta enquanto o oni engolia o sangue do pobre homem.
Mas na segunda noite, quando Hakirei baixou sua tanto no pescoço de sua nova vítima, algo estra-
nho aconteceu. Embora a pele se partisse sob a lâmina, não havia sangue, e quando ele puxou a faca de
novo, a carne estava intacta. Ele tentou de novo e de novo, sem resultado, até que se virou e viu que
cada lugar que cortava abria uma ferida na estátua da Fortuna, deixando o aterrorizado sacrifício incó-
lume.
Mesmo quando o próprio oni usou suas garras no homem indefeso, nada aconteceu, e pelo menos
os dois foram forçados a soltá-lo. Por uma semana eles tentaram outra vítima por noite, mas todo ino-
cente era protegido pela força de Bishamon. Por fim, o oni ficou impaciente, e saciou sua fome em
Hakirei.
Ele não foi protegido.
De fato, ele nunca teve as proteções das Fortunas de novo, pois após sua morte, Hakirei retornou
como um jikiniki para sempre assombrar a região me que pecou. Rezo para que nunca veja um sacer-
dote decair tanto de novo.
Deixei o templo Ranpo para ele e sua raça. Há pouquíssimos pedintes que se importam em sentir o
toque das Fortunas tão de perto. Mas os puros de espírito podem encontrar refúgio lá, no coração das
Desolações, onde eles precisam temer apenas a própria corrupção ao invés das forças do Deus Caído.

Shinjo Naohide e o Cadáver Eterno


O mais incomum e possivelmente o mais perigoso local das Terras Sombrias de que já ouvi vem de
uma história contada por um velho ferreiro Unicórnio. Tentei preservar a narrativa deste interessante
heimin intacta, mas se a história é real, ela não é risível.
- Seikansha.

Armas usadas, sim. Mas não roubo dos mortos. Ronins como você veem aqui, eles precisam de di-
nheiro, ou o senhor diz que eles usam apenas espada e yari. O que podem fazer? Eles vendem o resto.
Tragédia. Eles olham tanto antes de largarem as armas, eles me contam histórias. Toda vez, tento per-
suadi-los a deixarem-nas para trás.
A kusari-gama ali, aquela foi de Shinjo Naohide-sama. Ele não quis nada por ela, só me contou a
história e deixou. Dinheiro cega a arma, ele disse. Esta foice tirou sangue do maior oni do mundo.
Ele sempre cavalgava com minha dama, Shimiko-sama. Pequena samurai-ko, com belo cabelo,
como Garças. Ela sempre estava ali, perguntando “E quanto a esta arma? E esta?” A família Ide a en-
viou para os Shinjo, e Naohide-sama a ensinou tudo sobre bushis. Então eles saíram uma semana para
ver as Terras Sombrias, pois ela deveria ser uma bushi durona. Eles viajam por três dias quando a co-
mida estraga, mas eles não podem encontrar caminho de volta, e eles avançam cada vez mais.
Os outros bushis começam a discutir, eles estão assustados, e Naohide-sama os manda na frente pa-
ra explorarem por trilhas enquanto ele e Shimiko-sama treinam com kusari-gama perto de uma caver-
na. Se não encontrarem o caminho, talvez passem a noite ali.
Eles ouvem um grito, e correm para frente para ver bushis jogados no ar por um oni imenso, outro
rasgado por vinte goblins. Este oni… Dez ken-na de altura, com cabeça como besouro de esterco! Ele
cheira o ar, e ele diz a goblins: “Farejo mais. Ache-os.” Goblins correm.
Naohide-sama sabe que podem enfrentar goblins e oni, mas não ambos, então ele diz a lady Shimi-
ko: “Entre na caverna. Oni não vai caber, e podemos lutar com os goblins.” Eles correm para dentro,
chutando lixo e grandes hastes. Todo lugar cheira a esterco. Naohide-sama diz: “Oh, não. É um ninho.
Venha, talvez haja um esconderijo.” Caverna fica menor após talvez cinquenta pés, e eles rasteja por
um longo túnel. Oni diz a goblins: “Tire-os de dentro!”
Então eles procuram outra saída. Túnel fica mais largo e agora eles estão numa imensa caverna, en-
tão Shimiko-sama tem espaço para tirar um pequeno cristal para talvez verem onde estão. De repente a
terra dança, e eles caem no chão.
Atrás deles, todos os goblins gritam. “Kusatte Iru! Oni no Kusatte Iru!” Shimiko-sama procura,
mas não vê nada. Eles continuam andando, encontram a parede empurrada por imenso buraco, como

27
montanha atingida por raio. E encontram rio de sangue, até os tornozelos, paredes piscando em todo
lugar.
Shimiko-sama diz: “Oh, não… Isto é sangue. Estamos numa veia. Aquilo era pulmões e isto era
garganta e devemos ter passado por sua narina! Estamos no maior oni do mundo inteiro!”
Naohide-sama diz: “Acalme-se. Devemos pensar. Bem… Esta grande veia, mas sangue só até aqui.
Ele deve estar quase morto. Se rastejarmos a ferida, podemos fugir.” Então eles vasculham, mas tudo
que encontram é rocha, porque ele cair de bruços. Mas eles passar em nervo muito grande, e a monta-
nha inteira estremece. Sangue vem escorrendo… Eca.
Então eles ouvem oni besouro de esterco rugir. Ele entra pela boca, e cristal de Shimiko acende de
novo. Eles o ouvem farejando, “Eu quero seu sangue.” Naohide-sama se corta e joga kimono ensan-
guentado para despistar seu cheiro. Mas oni trazer outro bushi, diz, “Saiam ou os matamos.” Naohide-
sama sabe que eles já estão mortos, e não diz nada. Goblins cortam garganta do bushi, espirram sangue
nas veias de Kusatte Iru, rezando para ele acordar.
“Oh, não,” diz Shimiko-sama, porque há mais agora, e eles estão na garganta, perto de sair. Então
ela e Naohide-sama conversam, e planejam, e então usam suas kusari-gamas e amarram as correntes
aos seus obis.
E investem e matam dois goblins. Corta! Corta! Sangue para todo lado. Atiram as cabeças nos ou-
tros, e correm direto para o coração. Oni os persegue todo o caminho, mas só goblins cabem na veia, e
sangue fica muito fundo para eles no coração. Eles correm, e chutam o lado do coração, e kachunk, a
sala fica pequena. Eles chutam de novo, e kachunk, a sala fica grande, e o sangue quase os leva embo-
ra.
“Aguente,” Naohide-sama diz. Ela passa
suas mãos pelo seu cinto, e então ele pega as
duas foices, e as levanta.
Os Campos de Cabelo
NA de Conhecimento: 25
THUNK! AAAAAA… Sala inteira diminui
Estes campos aparecem onde grande número
a metade de seu tamanho! Eles escalam com as
de guerreiros morreram e não foram consumidos
duas foices, e sangue vem escorrendo pela
por goblins ou onis carnívoros. Eventualmente,
artéria e manda os goblins embora para os
uma seção das terras moles os suga para baixo
dedos do pé de novo. Eles fluem gritando de
da terra líquida, deixando seus cabelos flutuando
novo, uma hora depois.
na superfície, como uma vitória régia.
Eles correm para a outra narina, e veem
grande oni besouro, agarrado na pequena veia.
[NT.: Neste ponto, aparecem estatísticas para
Pegam as foices. Fura! Fura! Oni morto. Então
“Mortos Afogado pelo Pó”. Usar os “Zumbis”
eles saem e agradecem Lorde Lua por poderem
do livro básico os substitui sem maiores pro-
ver sua face de novo. E Shimiko-sama olha de
blemas.]
volta e vê montanha com pálpebras cair sobre
árvores, e olho imenso, e casas de oni em suas costas, e minha lady pensa: “E se ele tiver sangue sufi-
ciente para acordar?”
“Mundo inteiro acaba.”
Ela diz: “Você acha que ele vai procurar por nós?”
Naohide-sama assente. “Eu vendo kusari-gama.”
Você real herói bravo, você compra esta arma.

Em Terras Inimigas, por Ikoma Daikaji


Daikaji-sama foi, devemos dizer, um bardo de mais entusiasmo do que percepção. Quando seu
conto do “valente Akodo Keikyo” incluiu menção à sua perseguição ébria por geishas, seu sensei
achou que o Caranguejo poderia ser mais ameno a um cronista tão honesto. Daikaji passou um ano
seguindo Hida Kirenai pelas Terras Sombrias. Quando, para grande surpresa de seu superior, ele
retornou, ele tinha um imenso manuscrito dos feitos do Caranguejo. O sensei Ikoma o agradeceu po-
lidamente por seus esforços, imediatamente o mandou para o Unicórnio, e arquivou seus documentos
nos fundos da biblioteca, selos inviolados. Embora sua obra faça pouco para melhorar a pobre repu-
tação de Kirenai, sua honestidade ao menos nos servem bem em suas descrições dos terrenos ocultos
das Terras Sombrias.
- Seikansha

28
Hida Kirenai é da altura de uma árvore jovem, embora talvez não tão reto de costas ou grosso de
membros. Seus olhos, peças pretas de carvão, sempre vasculham cada lado, passando por todos que
bloqueiam sua visão. Em suas mãos, retorcidas e arranhadas com marcas de pedras, qualquer objeto
pode se tornar uma arma e ele busca por todas com igual fervor quando o horizonte se enche com a
silhueta de um oni.
Suas pegadas desaceleraram quando nos aproximamos da Floresta de Lava, embora ele não pisque
com os tentáculos maléficos de vapor que lambiam sua face. O cheiro era quase insuportável: enxofre
e cinza e podridão.
É errado, este lugar, como um espelho de cobre. As árvores são vermelhas e crescem de cabeça pa-
ra baixo, suas folhas chatas cobrem o chão e raízes enroladas formam uma cobertura afiada sobre nos-
sas cabeças. Elas parecem se alimentar da lava que flui entre elas num líquido laranja e cinza, não
diferente de molho de soja no arroz.
Kirenai dá um passo, buscando a bruxa do
pântano que rastreou até a beira da floresta.
Pântano dos Sexagenários Mas embora sua espada seja rápida, estes ini-
NA de Conhecimento (Terras Sombrias ou migos são mais rápidos ainda. Assim que sua
História (Caranguejo)): 35 bota tocou uma folha, ela estalou como se com
Há muito tempo, um daimyo menor Hida terrível gozo, e raízes inertes ganharam vida,
chamado Renchi notou que onis frequentemente caindo nos nobres samurais como cobras no
imitavam anciões honrados, aproveitando-se da bote. Kirenai atravessou um galho com um só
relutância dos samurais em questionar seus pais. golpe, e seu brado quando a seiva fervente da
Para resolver este problema e livrar suas terras planta atingiu sua pele foi da mais fúria de
do fardo de centenas de pessoas velhas demais batalha.
para lutar, Renchi ordenou que todas as pessoas Um líder sábio de fato, Kirenai permitiu
com mais de sessenta anos fossem atiradas neste que seus homens destruíssem a primeira árvo-
pântano. re, demonstrando sua confiança neles para
Hida Shuhai, um velho porém ainda astuto desvencilhar sua espada das raízes em fuga
bushi, se escondeu das tropas de Renchi, então quando eles o puxaram de suas garras. Reco-
os seguiu às Terras Sombrias, onde ele observou nhecendo que a bruxa do pântano havia sido
um oni os matar, então retornou para contar a similarmente atacada e consumida, ele não
seu filho a aparência e fraquezas do oni. Juntos, desperdiçou tempo em retornar à Muralha para
eles mataram a criatura, e Renchi rescindiu a deveres mais urgentes.
ordem e cometeu seppuku. Embora os registros
desta política tenham sido apagados das histó- Incólume, Kirenai retornou às Terras Som-
rias Kaiu, os fantasmas raivosos ainda assom- brias no dia seguinte, orgulhosamente cum-
bram o pântano. prindo o comando de seu senhor de ir aonde
Quando um personagem de sangue Hida fica pudesse fazer algum bem. Desta vez ele esco-
a três metros do precipício, as vozes começam a lheu uma planície árida, aparentemente vazia
chama-lo para dividir sua juventude. Ele deve para vigiar, obviamente guiado por seus ances-
fazer um teste de Vontade, NA 15 para resistir trais a ver perigo mesmo num lugar tão pláci-
ao chamado, ou caminhar sobre o precipício. Se do.
ele andar a dois passos da beirada, os fantasmas As fibras tremulantes que ao longe pareci-
tentam puxá-lo fisicamente; teste Força, NA 20, am tufos de grama de fato eram fios pretos de
para resistir. cabelo humano, cobrindo a fria terra como um
tapete. Incapaz de conter sua fúria à visão,
Kirenai puxou um, liberando um cadáver há muito morto de um antigo guerreiro, profanamente enter-
rado aqui por séculos apesar do decreto de Hantei XXVII de cremação.
Efusivamente, Kirenai caiu sobre o homem, levado por sua paixão de libertar a alma aprisionada. E
verdadeiramente, meu respeito por ele cresceu ainda mais, pois mesmo na crise ele se lembrou de suas
táticas e correu entre vários deles até desistir em desespero.
Isto foi quase uma semana antes do grande Kirenai retornar às Terras Sombrias, desta vez, entreti-
do em procurar uma unidade de bushis Hida que saíram há vários dias antes e não retornaram. Seguin-
do suas pegadas, ele chegou por fim a um vasto pântano, enfiado na terra como um corte da espada do
próprio Akodo.
No fundo, quase invisíveis, centenas de esqueletos jaziam, dispersos aos pedaços contra duras ro-
chas. Os do topo tinham armaduras frescas e mantos com o mon Hida, e Kirenai sentiu grande dor em
seu coração por pensar no que os teria levado a suicídio tão desonrado.

29
“Hiiiiidaaa,” algo coaxou, e ele girou em direção à voz. Nada. “Queeem você nos trouxe ago-
oooooora?”
“Divida.”
“Dê-nos seus avós.”
Embora nada se mexesse abaixo, os gritos pareciam vir dos cadáveres abandonados; Kirenai sabi-
amente empregou a estratégia de Kakita Merao, permitindo que a Terra lutasse por ele. Enquanto se
esforçava para rolar uma grande pedra acima da encosta para esmagar as vozes lamuriantes, o vento
soprou fortemente contra suas pernas. Kirenai lutou violentamente, mexendo seus braços em gestos
largos enquanto a pedra cedia e ele lutava para manter o perfeito equilíbrio de corpo e alma. E obvia-
mente tal harmonia foi alcançada, pois com notável compreensão da filosofia de Shinsei sobre perdão,
Kirenai permitiu que os espíritos mantivessem seu lar sem serem perturbados.

Em seu retorno, Kirenai pensou em investigar a grande caverna que sombreava o pântano pelo ou-
tro lado. Tetsubo em mãos, ele caminhou à frente sem pensar no grande medo em seu coração. Quan-
do seus dedos do pé tocaram o chão de pedra,
porém, seu seguidor Sheiku agarrou a armadu-
ra de seu senhor. Sem se preocupar com sua
Os Túneis ao Centro do
própria segurança, Sheiku gritou: “Não, Hida- Mundo
sama! Lembre-se de suas aulas. As cavernas NA de Conhecimento: 10
deste lugar são morte certa.” Bushis Caranguejos aprendem a nunca entrar
Indubitavelmente Sheiku não quis ofender a nas cavernas ao longo do lado sul do Rio da Lua
grande bravura de Kirenai; mas a noção de sua Negra, pois ninguém saiu delas vivo. Ninguém
própria vida continuar sem tão valente figura o sabe o que há realmente lá dentro. Os que espe-
fez continuar. “Ninguém jamais retornou que ram do lado de fora rapidamente perdem a visão
tenha posto os pés lá dentro. Tudo que seus de seus companheiros, embora seus gritos sejam
companheiros podem levar para casa é o som audíveis por horas, gritando que não importa
de seus gritos, gritando até o último suspiro: para onde virem, os túneis só apontam para bai-
‘não há saída!’.” xo.
Kirenai, sabendo da vergonha que o aguar- Muitos shugenjas acham que as cavernas são
daria caso retornasse das Terras Sombrias sem projeções dos reino demoníaco. Outros acham
mortes para o seu nome, continuou a procurar que seja a entrada a uma cidade oni subterrânea,
por um oni de proporções apropriadamente uma antiga armadilha Kuni ou uma simples
impressionantes. Passando por vários brutos maldição de loucura para aqueles que entram.
imensos, Kirenai conservou sua força para um Mestres podem decidir o que eles querem
oponente mais digno, e por fim seus passos que jogadores incautos encontrem. Uma vez
rápidos o levaram diante de uma visão que dentro, eles podem escapar se conseguirem abrir
chocou mesmo um homem estoico. um buraco no teto cavarem para cima. Isto re-
O chão era plano e estranhamente silencio- quer um total de 200 Ferimentos causados na
so. Nenhum grito de goblin ecoava, nem o som pedra com uma arma que ignore armadura, en-
de pegadas na lama, e até mesmo o vento pa- tão uma rolagem de Força/Esportes contra NA
rou. Aos pés de Kirenai jazia uma fileira de 20 para se agarrar nas rachaduras e emergir nas
caveiras, suas órbitas vazias olhavam direta- Terras Mutantes.
mente à frente, todas ao mesmo ponto distante.
Algumas caveiras ainda presas quebradas, mal encaixadas em mandíbulas do tamanho dos braços de
um homem. Outras tinham garras aos lados, asas nas têmporas, ou olhos ausentes, narizes, ouvidos.
Todas tinham bocas, ainda abertas, congeladas em suas últimas preces escravas ao Imperador das
Sombras.
Parece que mesmo onis honram seus mortos.
“Esta é minha presa,” Kirenai me contou. “É uma antiga minha que ninguém jamais reconheceu.”
Não discuto com tal homem, pois seu olhar me dizia que podia mata-la se assim quisesse. Ele pegou a
maior caveira de seu repouso e retornou com ela prontamente, anunciando sua vitória aos bushis reu-
nidos de Kyuden Hida.

Após muitas semanas de nobre dever guardando as dispensas do castelo da Mácula, Kirenai retor-
nou às Terras Sombrias. Honrado pelo próprio Lorde Hida Barishu com os cuidados do inventário
amaldiçoado que shugenjas Kuni reuniram de todo o império, Kirenai adentrou o árido e rodopiante

30
nevoeiro, com ordens de jogar as coisas malditas o mais perto da própria prisão do Ente Sombrio pos-
sível.
Após uma semana de viagem ao sul, derrotando muitos goblins que desejavam aliviá-lo de seu pe-
so, Kirenai chegou às margens de um imenso lago. Líquido vermelho escuro batia contra a margem,
misturando-se à lama. O calor da água era tangível, untando a face de Kirenai com suor. Gotas de né-
voa escarlate se condensavam nas placas de sua armadura e elmo, tornando sua própria forma na de
uma temível criatura, pingando sangue humano.
No centro do lago, um castelo se erguia das ondas: seis andares de altura e construído dos ossos de
milhares de ogros, suas peles esticadas sobre janelas e portas como papel de arroz. Pelas rachaduras,
uma luz verde se mostrava, e em seu brilho, Kirenai podia ver centenas de nezumis, ligados por cor-
rentes de aço, vasculhando para construir algo para seu mestre, fora da visão.
O astuto Kirenai deixou a nemuranai amaldiçoada nas margens do lago para enganar os mestres do
castelo, e retornou com grande pressa.
Embora tenha retornado corretamente, suas pegadas haviam sumido, e o caminho de volta era es-
tranho à sua vista. Ao invés da trilha plana que escolhera, Kirenai encontrou o caminho bloqueado por
um tapete de vinhas secas que irrompia de um campo de grama verde. Sacando sua wakizashi, Kirenai
saiu à sua esquerda e direita, cortando as vinhas com facilidade. Mesmo quando ficavam mais grossas
que a coxa de um homem, Kirenai não se im-
portava com os espinhos do tamanho de uma
O Cemitério Oni tanto que cortavam sua pele como as garras de
NA de Conhecimento: 30 um gato do mato. Ele continuou a gritar seu
É aqui que as criaturas de Fu Leng honram ódio ao Deus Caído quando galhos se fecha-
seus mortos, um imenso cemitério de dois dias vam sobre sua cabeça, enquanto eu, em minha
de caminhada de um lado, cheio de caveiras covardia, tomava o caminho mais limpo.
polidas, todas apontando ao sudoeste em direção Por fim, a escuridão foi perfurada pela fraca
ao Poço Infecto de Fu Leng. Ele é totalmente luz ofuscada, e Kirenai cortou com frenesi
silencioso. Nada ataca, ameaça ou sequer se renovado, por fim chegando ao fim do emara-
aproxima. Se os personagens perturbarem os nhado. Chegamos à beira de uma estranha
crânios, não há consequência imediata. ruína. Uma construção de pedra e barro se
O Mestre de Funerais de Fu Leng é um aka- erigia nas grandes camadas do solo, muros
tasukai de 215 anos que se dedica a este dever. pintados com obras de centenas e pintados em
Se qualquer crânio estiver ausente, ele envia verdes e vermelhos.
ogros ou onis trazer mais dez para substituí-lo, Ele descrevia, em todas as coisas, trolls,
terminando com o do culpado, cuja cabeça se vestidos em mantos de cores e padrões brilhan-
junta às de outros hereges no interior de seu tes, bebendo de jarros dourados e assistindo
manto. Devolver a caveira o saciará, embora ele onis se matarem num grande poço. Peles ani-
devore qualquer ofensor que veja. mais jaziam em seus pisos e eles estufavam
Servos que falhem em recuperar a cabeça do seus futons com penas e os armavam em estru-
culpado devem pagar com a própria cabeça. turas de madeira. Suas figuras os mostravam
comendo, bebendo, e fazendo outras atividades
melhor mantidas sem menção em documentos designados a doutos olhos de nobres. Suas cidades deli-
beradamente ausentavam espaço; ruas simples cresciam e encolhiam, jardins se esticavam atrás de
cada casa, e suas casas de banho — de novo, evitarei descrever lugar de tão chocante propósito.
Gerações de esterco e detrito goblin esperava, mas nenhuma criatura viva encontrou os olhos de
Kirenai enquanto ele cautelosamente se aproximava do centro da cidade, atraído por um estranho ba-
rulho de choro. Uma construção cilíndrica de muitos arcos abrigava um vasto teatro, pisos cobertos de
areia ao invés de madeira.
Na entrada do túnel jazia uma grande estátua de um troll de armadura.
Não podíamos ver o fim do túnel, mas apenas uma negra, forte e fétida névoa e milhares de peque-
nas estrelas através dela. Uma lufada de vento e um suave brilho nos alertaram da presença de um
fantasma, chorando em miséria.
“Quem é você, honrado ancestral,” ele perguntou, “para que conte a seus descendentes para lhe dar
paz?”
Ele se virou para nós, abrindo seu cabelo. Ele não tinha face.
“Eu não sei.”
Kirenai se virou e nos ordenou à retirada. Devo ressaltar meu respeito por sua eloquência em dar tal
ordem sem palavras.

31
32
Pensei que pudesse interessa-lo em saber que itens de lendas são perdidos às Terras Maculadas, e
que portam a maldição do Deus Caído. Embora alguns destes tesouros seriam de grande uso, mani-
festo atenção ao lidar com qualquer coisa tocada pelas Terras Sombrias.
Ainda assim, para muitos que trilham o caminho sombrio, a chance de descoberta da vida de seus
ancestrais lhes dá esperança. Talvez estejam certos. Dos dezenas de milhões mortos na guerra eterna,
ninguém pode contar quantas têm poder que nos salvariam.
Listei primeiro os itens que podem se provar dignos do risco de recuperá-los, e a seguir os que
acredito serem amaldiçoados. Embora possa requerer mais magistrados que existe em toda a Roku-
gan caçar toda tanto maculada, seria sábio confiscar qualquer coisa que combine com estas descri-
ções.
- Seikansha

Dos Diários de Hiruma Uchiki


Décimo Quarto Dia, Mês do Touro, 755
O funeral de Sokokai foi esta manhã. Só uma dúzia veio, uma triste visão para o último aluno do
Hiruma-ryu. Talvez estejam cansados de verem seus amigos morrerem.
Queimamos cinquenta e duas varetas de incenso para ele. Uma para cada ano que ele viveu no
mundo, então três mais pelos anos preciosos que ele passou estudando com Mestre Otokogi. Nosso
dojô queimou naquelas varetas.
Sokokai foi o último a ver Otokogi, lutando
Usando Relíquias Perdidas com o espírito do próprio Hiruma, abrindo
Este capítulo dá aos Mestres a grande trama caminho num mar de ogros mortos para inves-
central para enviar PJs às Terras Sombrias. Per- tir perto do Mandíbula. Ele disse a Sokokai
sonagens ronins que queiram (re)entrar num clã para levar os estudantes para fora, mas não se
também podem estar interessados em encontrá- viraria. “Para deixar meu dojô, devo me cur-
las; recuperar uma nemuranai ou herança perdi- var,” ele disse. “e nunca me curvarei para es-
da de uma família pode render favores. É ainda tes.”
mais glorioso do que de fato enfrentar os Cor- Sokokai pegou o que podia, mas não foi o
rompidos. bastante, e hoje, isto se perdeu para nós, tam-
Alguns itens estão intactos, mas outros ad- bém. Estou quase pronto, ele me disse. Juntos,
quiriram Mácula, onis e maldições durante os podemos ter aprendido e se lembrado das téc-
anos. Muitas das nemuranais de outros livros já nicas antigas.
foram recuperadas. Estas não, e os lacaios de Fu Tudo repousa em mim. Ensinarei o kata que
Leng amam espalhar itens amaldiçoados para sei.
tornar miseráveis a vida de samurais.
Primeiro Dia, Mês da Garça, 770
Não entendo o significado de Flores em Alturas Inatingíveis. Por que não há postura longa, nem
postura de arco e flecha, mas apenas estas pequenas trocas de pés? Ouvi os Kaiu e tentei Asas de Coli-
bri com duas espadas ao invés de mãos nuas mas os cabos batem. Os colibris das montanhas não aju-
dam. As asas se movem em duas voltas cada, mas fazê-lo com espadas deixa o corpo aberto.
Masamori morreu ontem num desafio contra os Bayushi. Foi um duelo justo e ele usou o que lhe
ensinei para atacar ao entrar, mas ainda assim eles foram muito rápidos. Ainda assim, Otokogi já der-
rotou uma dúzia de Bayushi num dia. Que segredos estão enterrados sob seus ossos?

Décimo Sétimo Dia, Mês do Javali, 772


Um novo aluno veio a mim hoje. Ele vestia cinza simples. Ele disse que não havia artesão em sua
cidade que conhecesse o mon Hiruma, e me olhou nos olhos ao me perguntar o que eu sabia. Haverá
guerra em breve com o Escorpião pois precisamos de lares.
Seus irmãos foram para o Hida-ryu. Eles lutam com tetsubo e armadura pesada, e defendem o mi-
lagre atrasado. Sua irmã é um olho morto. Ela não conhece técnica e não se importa com nada além de
quantas abominações sua espada pode atingir.
Disse a ele para fazer o mesmo.
Estudei os ensinos de Sokokai minha vida toda. Os conheço todos de memória.
Não posso ensinar nada a ele.

33
Vigésimo Sexto Dia, Mês do Dragão, 773
Kuni Sagiri tem me ajudado. Passou trinta horas numa cabana esta semana vendo-o arrancar juntas
de dedos de goblins. Seus gritos eram agudos e mal audíveis. A primeira pilha deles não sabia de nada,
mas os últimos choraram lágrimas de Mácula e soluçavam por misericórdia.
Havia Hiruma que sobreviveram, aquilo disse, os que não tinham ninguém para cortar suas cabe-
ças. Aquilo os ofendia, guinchando suas mentiras, dizendo que recaíram à traição e aliança com o Ente
Negro. Aquilo disse que eles presentearam os servos do Decaído com o okuden que Otokogi deixou
em sua casa.
Não posso acreditar neles. Mas como um goblin sequer sabe o que um okuden é a menos que tenha
estado perto de um? O que nas Terras Sombrias se importaria em aprender as técnicas secretas? Onis
não precisam de escolas. Goblins não têm paciência. Zumbis estão mortos.
Não posso evitar em ansiar.

Sétimo Dia, Mês do Touro, 774


Agora sei onde está. Vi os fantasmas que o guardam. Eles esperam na clareira do que foi Udekura-
Mori, a floresta onde alunos deveriam provar
sua perícia num teste de força. Os manuscritos
estão lá, tenho certeza. Os fantasmas ainda Kotoku, a Yari Ancestral
treinos. Pode-se vê-los treinar com lâminas de dos Daidoji
ar. NA de Conhecimento (Clã Garça): 10
Podemos convencê-los de que os zumbis O cabo de 2,5 m da yari se encerra numa lâ-
que protegem não são verdadeiramente seus mina de 0,5 m, com o mon Doji de um lado e o
descendentes. Nós somos os Hiruma. Estou Kakita do outro (forjada por Yasurugi antes dos
certo de que podemos fazê-los entender. Tere- Daidoji existirem). Ela está apenas levemente
mos nossa escola de volta. Teremos nosso clã manchada por seus anos debaixo d’água, e um
de volta. polidor de armas mestre pode restaurá-la em
E eu saberei o significado de Asas de Coli- dias.
bri. Kotoku cria uma zona protetora ao redor do
usuário, prevenindo mais de um oponente atacá-
Os Relatos de Daidoji lo por rodada, e armazena um número de pontos
de Vazio igual à Honra do usuário mais seu
Chutei Nível de Escola Daidoji. Embora ela não au-
O sobrinho mais novo de Daidoji Uji me mente o Anel de Vazio, eles podem ser gastos
enviou esta história de sua busca por sua yari em testes e técnicas assim como pontos de Va-
ancestral, pouco antes de se aposentar a um zio normais.
monastério. Embora ainda anseie em ver a A yari está atualmente debaixo d’água, pro-
arma recuperada, ele oferece o seguinte aviso tegida pelo quase morto Oni no Kinjiro (vide
a todos os que desbravem as águas ao sudoes- página seguinte).
te da ponte.
- Seikansha

Poucos heróis da Garça são respeitados por mais clãs do que Daidoji Masashigi, que deu sua vida e
as vidas de seus homens para ajudar Hida Bokaru defendeu a ponte terrestre contra as forças de Oni no
Kinjiro. De fato, entre o Caranguejo, ele é tido em estima maior que o próprio Kakita. Um oratório ao
seu espírito fica na fronteira da ponte terrestre, guardando seu elmo, sua única posse que já veio à to-
na. Sua yari, a arma ancestral dos Daidoji, ainda está desaparecida sob as ondas. E tolo de fato é quem
tenta recuperá-la.
Eu fui este tolo.
Como o filho caçula de Daidoji Tekigun, sobrinho e segundo na linhagem de herança do daimyo
Daidoji, não foi difícil para eu acreditar que a sorte me favoreceria uma segunda vez e permitiria que
meu nome fosse gravado com o do grande Masashigi como recuperador de sua armadura, sua katana e
acima de tudo, sua lança.
Na noite de meu gempukku, a dor de minha nova tatuagem ardia fervor ao meu cérebro, me levan-
tei ante meus parentes e anunciei meu nome. “Eu sou Daidoji Chutei,” eu disse. “Meu nome significa

34
lealdade, e embora eu não seja daimyo, faço estes votos: proteger o Clã Garça, estudar sua história,
jamais trair os segredos da casa Daidoji e recuperar a yari de Daidoji Masashigi.”
E embora eu saiba que tenha havido muito riso por trás de leques erguidos e faces estoicas, nin-
guém falou, e meu coração estava leve com orgulho quando comecei minha pesquisa.
Foi simples se sentar na margem e observar a maré voltar, dia após dia, gravando os padrões de re-
tirada que a água fazia na areia, sempre ao
sudoeste em direção às praias manchadas. Re-
Oni no Kinjiro petidas vezes eu li os contos, os relatos dos
Embora longe demais de Fu Leng para se re- tenentes de Bokaru, as interpretações dos estu-
animar totalmente, e preso a uma rocha com a diosos Kakita, até que soube onde nosso co-
lança de Masashige, Oni no Kinjiro consumiu as mandante havia caído, quão fundo sua lança
energias de seu exército moribundo e se mante- estaria afundada na terra, a distância que as
ve vivo. marés a teriam arrastado por quase quatrocen-
Permanentemente preso abaixo de nove men- tos anos.
tros de lama e sem mente com que falar, o corpo Por três meses, treinei mergulho, até que
de Kinjiro é quase líquido, como se fosse uma pudesse segurar meu fôlego como um caçador
água viva gigante com tenáculos de centenas de de pérolas camponês, e nadar mais que qual-
metros de comprimento. Atingir um ponto vital quer Louva-a-deus. E no décimo sexto dia do
no oni é difícil, mas quase todo corte arrancará Dragão, após prestar meus respeitos no orató-
seus apêndices venenosos, fazendo-os caírem na rio do Garça de Ferro, fui cumprir minha pro-
lama. messa.
NA de Conhecimento: 10 ter ouvido falar Não havia mergulhado mais do que cinco
dele, 30 saber seu estado atual. metros quando elas começaram a engrossar
TERRA: 3 contra minha pele. Frias e fluidas instantes
FOGO: 1 atrás, as ondas eram quentes como arroz assa-
ÁGUA: 4 do e mais espessas que tintura fervente. Não
Força: 6 era muito abaixo da luz de Amaterasu, mas o
AR: 1 líquido pegajoso fechou-se sobre minha cabe-
Ataque: 8k3 ça, deixando-me na escuridão.
Dano: Especial Às cegas, sabia que meu coração me guia-
NA de Armadura: 30 ria, pois sou Daidoji Chutei, e não quebraria
Ferimentos: 30: +0; 45: +5; 60: +15; 90: meu voto. Para o fundo danei, lutando contra o
Morto peso que desacelerava minhas braçadas e teri-
Habilidades Especiais: Invulnerabilidade am prendido um homem menor. Minha pele
Quando Oni no Kinjiro detecta carne, ele liga estava anestesiada, mas ignorei, concentrando
dúzias de tentáculos e secreta forte ácido para nas pontas de meus dedos enquanto escavavam
arrancar a porção capturada e sugar nutrientes pela gosma escorregadia. Agarrei o cabo e o
dela, deixando uma casca como madeira podre. libertei.
Antes de Kinjiro atacar, a vítima pode fazer Pulmões ardiam, fui um ken-nan mais a
um teste de Investigação/Reflexos, NA 15, para fundo, dois, então de repente meu fôlego aca-
sentir os tentáculos perto delas e tentar sair do bou e só havia breu. Meu grito não fez som
caminho (Esportes/Agilidade, NA 20). Se Kinji- quando dor irrompeu pelo meu ombro. Treinei
ro conseguir acertar um ataque, a vítima deve como bushi toda a minha vida, ganhei cicatri-
fazer um teste de Terra, NA 15, ou ser paraliza- zes em duelos de iaijutsu e certa vez bebi um
da e quase certamente afogada. Uma vez ligado, copo envenenado destinado a Lady Doji
Kinjiro causa 3k2 por rodada. Quando excede a Ameiko; esta foi a mais excruciante agonia que
Terra x 5 para braços ou cabeça ou Terra x 6 experimentei. Mas não podia soltar.
para pernas, a parte se perde permanentemente. Sem ar restante, agarrei na corda que meus
Este processo é extremamente doloroso, dando compatriotas jogaram bem acima, e rastejei de
ao personagem um modificador de NA +10 a volta à superfície, precisando do gosto de ar e
todas as ações. do calor honesto de Lady Sol. Demorei a subir,
e a escuridão ficou comigo por toda a subida.
Suguei um bocado do breu. Não tinha escolha. Embora ele me engasgasse com sua sujeira, minha
cabeça logo rompeu à superfície. O ar era doce, e por um momento, até a dor era menor.
E não importava, pois eu tinha a arma de meu ancestral em minha mão.
Levantei meu braço para romper a superfície com a lâmina, e notei minha falha. Pois embora ja-
mais tenha deixado minha mão, a yari ainda jaz no fundo do oceano. Em meu ombro mutilado, onde

35
osso branco e pele vermelha sangrenta deveriam estar à mostra, apenas uma ponta marrom estava, da
cor e consistência da madeira podre.
Entreguei minha vida a Shinsei. Não posso servir a meu clã de novo.

Um Trecho do Famoso Romance “Masiko”, de Hida


Nareiko
É infeliz que o decreto de Hida sobre nunca
mencionar o nome de sua primeira esposa tenha
levado o Caranguejo a ignorar o impressionante
O Kaiken de Hida Masiko
NA de Conhecimento (Clã Caranguejo): 25
relato de Nareiko. Mesmo assim, Nareiko foi uma
Mulheres nobres não samurai-kos usam um
grande samurai-ko e exploradora antes de ter
kaiken, uma longa e fina aiguchi, para defende-
escrito o romance, e acredito que os eventos nele
rem sua honra e corpo. Ele é normalmente usado
sejam a mais literal verdade que ela pode desco-
contra atacantes, mas quando cercadas por um
brir, embora envolto em ficção numa vã tentativa
exército maior, muitas esposas e filhas leais
de evitar o desprazer de seu senhor.
usam-no para cometer jigai, um tipo menos
- Seikansha
doloroso de seppuku feito abrindo-se a garganta.
Hida Masiko cometeu jigai, salvando seu es-
Os exércitos estavam vindo.
pírito da fúria dos exércitos de Fu Leng, mas
Todo dia, Masiko dizia isso a ela mesma.
mulheres do Caranguejo têm preferido decapita-
Mesmo agora, não parecia real. O castelo estava
ção por naginata, pois lendas dizem que sua
vazio, o pânico dos refugiados bem atrás dela, e
casca mortal ainda serve a Fu Leng ainda hoje.
ainda assim ela não podia acreditar. Os exércitos
Seu último ato foi incendiar o castelo, e apenas
do kami negro estavam aqui. Os exércitos do ir-
algumas pedras espalhadas ainda permanecem
mão de seu marido.
após dez séculos.
Eles a assustavam, sua família, todos guerrei-
O kaiken de Masiku é uma lâmina Kaiu de
ros, orgulhosos e coloridos brilhantemente ou
cabo de prata e marfim. Ele causa 2k3 de dano
encapuzados na mais funda sombra. Mesmo a
se usado como arma, mas seu maior poder é
amável Doji usava seu assustador brilho com a
remover Mácula de uma pessoa infectada, fisi-
confiança de um soldado. Juntos, eles pareciam
camente cortando áreas apodrecidas para preve-
segurar o mundo inteiro. Ela nunca pensou que
nir maior difusão.
havia outro, nunca pensou que abandonariam um
O usuário deve fazer um teste de Inteligên-
dos seus.
cia/Medicina, NA 25, para detectar onde a Má-
Ela checou a porta de novo. O espesso carva-
cula está. Conhecimento de como a Mácula foi
lho blindado na armação não lhe daria mais tempo
adquirida (“um zumbi infectado me arranhou na
do que as vidas de todos os seus súditos, mas sua
coxa esquerda…”) dá um Incremento Livre.
força a confortava, a lembrava de um tempo em
Cortar a Mácula um teste de Medici-
que tudo que ela precisava era o toque de sua mão
na/Agilidade, NA 10 x Nível de Mácula das
para curar todas as preocupações. Quando Hida
Terras Sombrias, mínimo de 10. Este processo
olhava para ela, tudo que ele via era a perfeição e
permanentemente reduz os pontos de Ferimento
isto era tudo do que ele falava: a perfeita beleza
pelo número de pontos de Mácula removidos.
que capturou o coração do mais forte dos kamis, o
Ele também é extremamente doloroso sem ópio
perfeito filho que eles geraram, o mundo perfeito
medicinal, e espasmos podem aumentar o NA
que eles criaram para ser seu lar.
da cirurgia. Requer um número de testes de
Embora muitos questionassem sua combina-
Vontade, NA 20, igual ao número de níveis de
ção, Masiko sabia que ele não mudaria isso. Ele
Mácula removidos do paciente para ficar parado
precisava de seu oposto — suave em voz, delica-
e não gritar. Falhar nesta rolagem causa 3k3 de
do em mão e pele, pequena e polida, com um riso
Ferimentos adicionais à cirurgia.
como o tilintar dos sinos. Com ela, ele não viveria
cada momento à sombra de sua obra. Em seus
braços, ele podia esquecer o horror de seu dever.
Há muita feiura no que eu faço.
As lágrimas dela caíram, escurecendo o fino grão do piso de madeira. Ela não olhava, imaginando
se estas eram as primeiras lágrimas que ela vertia no palácio que ele construíra para ela, ou se os ser-
vos já estiveram descontentes alguma vez no passado. O shoji atrás dela mostrava a imagem colorida e

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esfumada de um pássaro em voo, gracioso, quieto, delicado, e ela chorou pelo cuidado que ele teve em
pintá-lo para ela.
Eu nunca quero voltar para casa para ver feiura.
O maior guerreiro do império passou cada momento vago supervisionando carregamentos heimins
de pedras de mármore rosa que guardavam a entrada. Os toques dela se mostravam no incenso de sân-
dalo que perfumavam cada sala, e no tecido prata-azulado que drapeava o oratório, mas este era o lar
de Hida, e Masiko nunca desejou que fosse de outro.
Nada nesta terra ousará ataca-la.
Ele não a ensina seu caminho, ou fala do que houve quando retornava de armadura ainda enferruja-
da do sangue do campo de batalha. Cada vez que ele saía, uma centena de seus mais fortes bushis fi-
cava para trás para guardar o muro inferior e os jardins verdes de Kyuden Masiko.
Ela contou seus gritos, agora, separando a voz de cada homem dos uivos ululantes lá fora. Nenhum
implorava misericórdia nem emitia nada além de ódio. Seu marido os escolhera bem, todos legítimos
samurais, bem algum isto fizera a eles.
O incenso era quase todo cinzas, inútil em mascarar o odor vindo de baixo. Masiko observou cal-
mamente enquanto a brasa vermelha trilhava o fim de sua jornada, a pequena oferenda era tudo que ela
podia fazer pelas almas daqueles que morreram para falhar em salvá-la.
Ela rezou, aonde quer que Shinsei os levasse, que o incenso não queimasse por Atarasi também.
Ela puxou o kaiken com cabo de marfim de sua bainha. Fora um presente de casamento de um fer-
reiro desconhecido, e Hida exigiu que ela o jogasse fora, pois via a lâmina afiada como um insulto à
sua força, e gritou até estremecer as paredes que ela não precisaria lutar. Mas ela amava o cuidado que
o homem teve em esculpir seu amado castelo em seu cabo, e não permitiria que tal arte fosse em vão.
Ela agradeceu às Fortunas por sua perícia.
A lâmina brilhou em verde com a luz atrás das janelas, indo de seu pulso à ponta de seu dedo mé-
dio. Não havia mais gritos agora, nem mais batidas de aço contra casco. Tudo que ela ouvia, abaixo
dos uivos, eram centenas de milhares de passos.
Ele não viria. Ele não deveria. Ele devia sua vida a Rokugan, aos exércitos que ele liderava cin-
quenta milhas ao sul, ao seu irmão caçula que todos juraram proteger.
As lágrimas formavam um padrão na suave seda cinza, corvos negros abriam suas asas sob seus jo-
elhos. Uma acerto o kaiken e foi dividida em duas, meia gota correndo por cada lado da lâmina, como
se a abençoasse.
Nunca quero voltar para casa para ver feiura.
Eles estavam quase à porta.
Masiko amarrou a corda em seus joelhos com força. Ela não envergonharia seu senhor se debaten-
do e chutando. Que a primeira pessoa que visse seu corpo a visse composta como uma dama, não uma
mulher.
A ponta beijou sua garganta, e Masiko manteve os olhos abertos, fixos no piso enquanto suas mãos
empurravam para dentro e para baixo. Calor banhou seus dedos, pingou em seu kimono, sobre suas
pernas. Ela tentou tossir com a dor, mas não conseguiu até libertar a lâmina. Sua boca permanecia
selada num sorriso escarlate enquanto ela inspirou sua primeira nova respiração.
A visão brilhou em vermelho-prata. Tudo que ela ouvia era sangue entrando em seus ouvidos, afo-
gando os sons pela primeira vez em dias. Com suas últimas forças, ela se deitou sobre a vela, fazendo
seu kimono começar a queimar. Ela dobrou suas mãos juntas.
Um fim adequado.
Não pior do que ela poderia esperar.
Ele ficaria orgulhoso.

O Sino do Templo Eikisaku


Este relato foi encontrado na coleção de Daidoji Nazoko, supostamente adquirido por sua mestra
Kuni Mokuna. Nazoko-sama nunca tornou a história publicamente conhecida, pois qualquer um douto
em falar com os elementos notaria que as queimaduras e manchas portam a Mácula de um toque de
oni. Parece que a curiosidade de Mokuna superou sua honra nesta questão (e talvez em outros), se ele
chegou a invocar uma criatura simplesmente para interroga-la em sua terra natal.
- Seikansha

37
Era um homem, andando. Sua espada pingava sangue, sua carne também. Fazia tempo que ele es-
tava lá, e ele já começava a cheirar como a terra. Mas não o bastante. Na lama, ele era óbvio, pano
cinza e violeta. Tantas pequenas figuras em suas roupas, tantos caranguejos, mas nenhum podia ajudar
quando ele era perseguido.
Muitos, muitos o perseguiam, pois a caça era deles e eles sabiam que sangue quente e ossos os es-
peravam. A lama pouco significava para eles. Suas garras se abriam e pele os continha, muitas pernas
para cair. Mas o homem era lento. O chão prendeu suas botas, e ele caiu, debatendo mãos e pés, longo
e belo kimono sujo e destruído.
Estas eram terras com feitiços e espíritos imundos, e eles já a haviam recuperado, mas ainda não
era deles, e quando viram o templo, ninguém esperou. Mas lá dentro era mais seguro, ele pensou, e ele
correu para trás de paredes de papel. A trilha era fácil, passos de sangue para a horda seguir.
Ele podia chamar ajuda, ele pensou, com o sino. Jade, ele era, verde e fino, com um martelo de pe-
dra perto dele e garras cruzadas esculpidas na frente. O homem queria trazer salvadores, e abaixou sua
espada e pegou o martelo e bateu nele.
Ele soou suavemente, mas os uivos foram altos para detê-lo. Ele bateu apenas uma vez, mas ele
continuou soando, cada vez mais alto. Gritos vieram do lado de fora quando garras singraram no ar
para deter o barulho, mas não havia nada para atacar e eles fugiram.
O homem sorriu com jade em seus olhos, e
sabia que havia encontrado a razão pela qual an-
dou até aqui, pois ele queria uma arma sem san- O Sino Eikisaku
gue. Ele pegou o sino e o colocou debaixo de seu NA de Conhecimento: 30
braço e saiu. Tudo que via ficava longe porque o Ninguém sabe ao certo quando esta relíquia
sino era ouvido de uma grande distância e nin- foi criada, e poucos Kuni já ouviram de sua
guém queria ouvi-lo de novo. existência. Muito provavelmente, onis reconhe-
“É incrível,” o homem disse com palavras de ceram o poder do sino e o arrastaram para o
orgulho quando chegou em casa com outro samu- fundo das Terras Sombrias aonde ele não pudes-
rai. “Onis correm com medo do som.” E todos se ser usado de novo.
sorriram e agradeceram às Fortunas e se prepara- O sino tem o dobro do tamanho da cabeça de
ram para celebrar com guerra. uma pessoa, e esculpido a partir de uma peça
Então chegou o dia em que trouxeram mil única de jade com espessura tão fina que parece
pernas ao campo de batalha com katanas e tetsu- ser transparente. Se golpeado com uma pequena
bos e flechas e eles correram e cortaram e atira- rocha ou martelo de rocha, o sino grita para ser
ram e berraram, e aguardando na retaguarda esta- levado ao templo Eikisaku. Ele grita cada vez
va o homem num carroça. Ele sorria largo quando mais alto por uma hora rokugani, e então se cala
batia no martelo com jade, esperando pelo som e não fala até ser atingido de novo. Atingi-lo
doloroso do sino. com outras substâncias não causa efeito.
Mas a voz do sino era apenas um grito, soando Se os PJs puderem encontrar o templo de Ei-
como garras na pedra: “Leve-me de volta! Tem- kisaku (o sino não responde perguntas), e pen-
plo Eikisaku! Templo Eikisaku! Leve-me de vol- durarem o sino em seu devido lugar, eles rece-
ta!” bem um ponto de Honra. Bater o sino agora
E com jubilante raiva pelo sino não ferir, gar- produz uma simples nota pura, durando por um
ras voaram e cortaram e dentes morderam aço até número de minutos igual à Honra do persona-
samurais gritarem em retirada e a fome ser satis- gem. Todas as criaturas das Terras Sombrias no
feita. O homem agarrou o sino e correu com ele, alcance audível (ou vibracional, para onis ofí-
gritando que não havia mais Fortunas e que ele dios sem orelhas) sofrem (Honra de quem bateu
estava amaldiçoado. o sino)k1 de dano por rodada, e devem resistir a
Ele não chegou ao templo ou voltou, e até ho- um efeito de Medo igual à Honra do persona-
je, o sino não grita, e o templo jaz vazio e seguro gem ou correrem em terror.
sem proteção.

De Kaiu Hochi, Shihan, Kaiu-Saku-Ryu, para Kuni


Yori, Daimyo da Família
Yori-sama foi de grande ajuda na preparação deste volume, e me permitiu reusar várias de suas
cartas que ele não tinha tempo de endereçar. Parece que o Caranguejo muitas vezes pergunta sobre

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suas heranças, parentes ou qualquer outra coisa que eles creem ter perdido entre suas jornadas ao
reino do Ente Sombrio, e ele se cansa de tais perguntas.
- Seikansha

Que esta primavera veja brotos em suas árvores e grama em seus campos, e as bênçãos de Amate-
rasu sobre você, Kuni-sama. Espero que suas recentes viagens ao reino Daquele Que Não Deve Ser
Nomeado tenham tido sucesso, pois desejo inquirir se vieste a encontrar certa katana ancestral em suas
jornadas. Entendo que isto seja como procurar uma pegada num campo de batalha Unicórnio, mas é
uma questão de grande potencial para sua obra e a nossa.
Kakk-fudo, a katana usada por nosso próprio ancestral Kuni, continua perdida para o Ente Sombrio,
como estou certo que você já sabe. Porém,
notícias chegaram recentemente de Hiruma
Kakko-Fudo Kisaru de que ele a viu nas mãos do ex daimyo
NA de Conhecimento (Clã Caranguejo): 15 Moto. Embora tenha sido apenas um olhar de
Kakko-fudo foi destinada a ajudar os Kuni momento, as marcas da lâmina são inconfun-
em sua pesquisa nas Terras Sombrias, prevenin- díveis. Forjada por Kuni e Kaiu, suas camadas
do o usuário de adquirir Mácula enquanto por- de puríssima jade e negríssima obsidiana são
tasse a espada. Embora a katana de 5k3 de jade fundidas ao aço, ainda brilhando com a pureza
incorruptível possa ser usada por qualquer um, da neve e do sal abençoado em que a lâmina
seu poder é destinado a shugenjas. Após usar foi temperada. A tsuba que ele viu era folheada
Kakko-Fudo, o usuário pode sofrer dois Feri- a prata, com os símbolos dos cinco elementos a
mentos para “recuperar” um feitiço invocado de rodeando, e a saya de madeira preta era deco-
cada Anel. rada apenas com ferro fundido.
Embora entendamos que você certamente
deseje tomar posse imediata de tal herança
Kishu caso fosse descoberta, minha escola pede uma
NA de Conhecimento (Clã Caranguejo): 35 chance de estudar a espada, pois muitas técni-
A katana de Hiruma dá uma cruel ferroada cas de Kaiu foram perdidas com sua morte e
de fato; encrustada com jade incorruptível, ela poucos de nossos alunos estudaram uma arma
ignora Invulnerabilidades e armaduras de onis, feita no ápice de sua perícia (nossas oportuni-
com ND de 5k2. Ela se sintoniza ao subconsci- dades de empréstimo da grande Chikara foram
ente do usuário, permitindo-lhe gastar todos mínimas).
seus pontos de Vazio em dano. Além disso, o Em notícias mais inesperadas, estive lendo
portador da espada não gera cheiro (jamais) e sobre uma pequena fortaleza Hiruma descober-
sempre pode ver como se estivesse em plena luz ta numa recente exploração das terras perdidas.
do dia. É de fato infeliz que estas histórias tenham
Porém, a natureza bravia de Kishu subtrai ficado esquecidas por tanto tempo, pois seus
2k1 de testes de Meditação feitas para recuperar relatos dos feitos de Hiruma estão entre as
Vazio, muitas vezes colocando o usuário em mais precisas que já encontrei.
problemas sérios em missões prolongadas nas A cerimônia é bem registrada onde Hiruma
Terras Sombrias. presenteou Hida com a espada que matou Oni
Pesquisadores que usem Conhecimento (Clã no Hatsu Suru, a lâmina posteriormente conhe-
Caranguejo) podem reconhecer outo meio de cida como Chikara. Algum tempo depois,
diferenciar Kishu de fraudes: os pinos do cabo Hiruma se aventurou nas Terras Perdidas para
estão posicionados para a espada ser usada pela fazer sua parte contra o irmão perdido de seu
mão esquerda. senhor, e sua própria espada foi deixada enter-
rada num oni.
Mas curiosamente, ninguém discute este relato, ninguém pode dizer como Hiko foi recuperada,
nem esmo os daimyos Hiruma. As histórias de sua família dizem apenas que a lâmina foi perdida, e
que Hiko foi entregue por Hiruma para seu filho, certamente uma curiosa falta de detalhe para uma
katana tão famosa.
Se estes novos documentos estão corretos, porém, Hiko nunca foi dada como substituta a Chikara,
mas para a própria espada de Hiruma, feita por Kaiu antes dos dois jurarem aliança a Hida. Esta lâmi-
na original é a que se perdeu nas Terras Sombrias, e lá jaz!
Há poucas descrições da arma, embora as histórias concordem que não porte a estampa de Kaiu, e
apenas símbolos Caranguejo nela onde os pinos dourados do cabo foram presenteados por Hida após a

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Primeira Guerra. Ela é normalmente chamada simplesmente de “espada de Hiruma”, embora eu sus-
peite de uma referência a seu notório “ataque surpresa” possa de fato ser o nome da arma — Kishu.
Embora Hiruma só tivesse louvores à espada, Kaiu aparentemente continuou insatisfeito com sua
primeira obra, considerando-a “antiquada” e “estruturalmente perfeita”. Diferente da katana que mui-
tas peças e poemas retratam, a espada usava o método arcaico e quase não tinha curva. Sua lâmina era
aço, posteriormente reforçada com jade.
Naturalmente, não podemos presumir pedir-lhe favores, e entendemos que você tenha muitas obri-
gações mais urgentes. Porém, a recuperação de tais finas armas faria apenas o melhor para nosso clã e
famílias, e esperamos que esta informação permita que seus questionamentos entre os nezumis rendam
doces frutos.
Respeitosamente seu,
Kaiu Hochi

O Maravilhoso Soroban de Kaiu Haruko


O relato a seguir é de meu próprio punho. Perguntei a vários bushis na Muralha Kaiu que nemu-
ranais espetaculares foram perdidas às Terras Sombrias e cuidei em registrar a conversa quando
voltei ao pincel e tinta. Os três bushis que encontrei naquele dia já faleceram, mas creio que o Kaiu
cujo nome jamais descobri ainda vive.
- Seikansha
Soroban de Kaiu Horuko
Hoje, passei o dia entre os hohei no topo da NA de Conhecimento (Clã Caranguejo): 25
muralha. Fazia frio; muito claro para onis, Um simples quadro de madeira com dese-
muito quieto para goblins, e assim fizemos nhos de um sol e uma lua em lados opostos, o
nossa própria “corte de inverno”. Eles interpre- ábaco é feito com fios de cobre e pequenas fi-
taram daimyos, e eu interpretei Kakita. chas de coral. Notavelmente, ele não apodreceu
“De todas as nemuranais perdidas para as apesar de anos nas Terras Sombrias, pois sua
Terras Sombrias,” perguntei, “qual é a mais magia calcula e ajusta para manter seus elemen-
nobre?” tos em perfeito equilíbrio. Ele dá a qualquer
Hiruma Sensaichi bateu sua tanto em seu usuário um Incremento Livre todos os cálculos
braço esquerdo, e a fina lâmina resvalou. “Vê — engenharia, astronomia, estratégias de bata-
esta armadura?” Ela perguntou. “Isto é lixo. O lha, etc. Além disso, para membros da escola
outro traje de minha família foi com minha Kaiu, ele permite que o usuário substitua qual-
bisavó para o sul. Ele tinha estilhas de cristal quer perícia de escola por qualquer outra. Por
em todas as mangas.” fim, há uma roda de códigos na armação, dando
Houve um murmúrio impressionado dos ao usuário dois dados rolados e mantidos adici-
bushis reunidos, e então Hida Rairaku repou- onais ao usar a perícia Caligrafia (Cifra) para
sou seu tetsubo contra a parede. “Verdade, sua codificar ou decodificar passagens.
família é grande,” ele disse, “mas respeitosa-
mente diria que a armadura de Doji Komatsu, o Campeão de Esmeralda perdido, seria um prêmio mui-
to maior se eu a retornasse. O insulto a nosso Imperador seria por fim vingado.”
“Ainda assim,” interrompeu Yasuki Kaiseki, um homem pequeno que se ofende muito por sua an-
cestralidade mercante, “diria que as posses dos Sete Trovões seriam ainda mais valiosas.” E nisto to-
dos concordaram, embora houvesse debate entre a bolsa de manuscritos de Isawa, o tetsubo de Atarasi,
e qualquer coisa tocada por Shinsei. Então uma figura pequena, encapuzada pela escuridão das esca-
das, falou. Sua voz era leve, e um pouco frágil, mas sua mão era firme quando ele ergueu uma arma-
ção de madeira, amarrada com miçangas de porcelana e arames.
“Os Trovões não precisaram de grande magia,” ele disse quando veio à luz, “além da de suas al-
mas. O dispositivo de maior bem a nosso Império é o soroban de Kaiu Haruko que preservou a todos
nós contra o Mandíbula.”
Os olhos de Rairaku se arregalaram perigosamente. “Lady Osaku nos preservou lá.”
“Verdade.” A voz do homem anônimo era ininterrupta como se estivesse instruindo crianças na
corte, não como se insultasse um Hida a um tiro de arco de distância das Terras Sombrias. “Durante a
Batalha da Onda Retumbante a magia de Osaku manteve as forças do Sombrio ao longe. Mas foi
Haruko projetou esta Muralha.”
Com isto, deixamos o ponto ser explicado.

40
Kaiu Haruko despejou seus bastões de contas diante de Hida Banuken, e jurou que a tarefa que pe-
diu não podia ser feita. Ele a expulsou da reunião antes que ela terminasse, pois não podiam obter nada
além do sucesso.
Mas Haruko sabia que ninguém conseguiria isto. A tarefa era enorme. Em sessenta dias, ela tinha
que criar um plano para meio milhão de pessoas construir uma murada eficaz. Ela tinha que determi-
nar os ângulos precisos de cada suporte de pedra para suportar o mais forte terremoto, se tornar a fun-
dação de um muro ainda maior, ainda nunca rompido por um momento de fraqueza e nunca permitir
às criaturas uma fácil escalada. Por seu projeto, centenas de equipes de shugenjas trabalhariam se re-
vezando, coordenando seus rituais para que um terminasse precisamente no momento em que o último
terminara. Por suas estimativas de terreno e das forças das Terras Sombrias, os postos de guarda seri-
am arranjados, armadilhas construídas assim que o muro pudesse suportar estruturalmente. Seus nú-
meros determinaram as quantias de rochas que os camponeses cortaram, quão rápido e quantas tonela-
das chegariam às seções devidas da muralha, e determinar as rações de alimentos que precisariam para
trabalhar num ritmo tão excruciante.
E isto ela não podia fazer com varetas de contas dispostas num tapete.
Tomando uma pilha de nozes, ela as perfurou em grupos em suas varetas, dispondo-as em seu redor
e colocando-as numa armação de madeira: o primeiro soroban. Após quatro terríveis dias de nozes,
conchas e sementes se batendo enquanto Osa-
ku envelhecia e bushis morriam às centenas,
Itens Amaldiçoados ela emergiu com um plano, mãos duras demais
Itens amaldiçoados nunca devem ser fáceis para segurar o pincel de um calígrafo. Ela es-
de se livrar. Samurais raramente, se muito, sim- palhou seus cálculos entre os Kaiu, que os
plesmente esmagam coisas malditas com seus copiaram precisamente e rezaram para que
dai tsuchis e vão embora. Na melhor das hipóte- estivessem certos. Sessenta e seis dias depois,
ses, o golpe resvalará. Na pior, libertará o oni quando os onis atacaram, o milagre não foi só
residente e liberará nuvens de Mácula em pas- a muralha ter aguentado, mas ela ter existido
santes inocentes. afinal.
A menos que especificado o contrário, pre- Haruko desapareceu na luta, mas três de
suma que itens amaldiçoados só podem ser des- seus alunos aprenderam o uso do dispositivo e
truídos numa circunstância em particular: enter- mantiveram o soroban de cobre e coral que ela
rados numa tumba de jade, jogados no Poço usou pela maior parte do trabalho. Ele se per-
Infecto de Fu Leng, imersos numa fonte de água deu no Castelo Hiruma duzentos anos atrás,
pura por um Hantei, etc. O Caranguejo normal- levado lá para ajudar nas futuras fortificações
mente envia seus membros de menor nível ao assim que o castelo fosse retomado.
sul com sacos cheios de coisas para jogar nas
Uma Carta de Bayushi
Terras Sombrias, mas entre outros clãs os samu-
rais que adquirem o item costumam acabar
Meibuko, Esposa do
guardando-o para sempre, passando-os de pai
para filho até que chegue ao PJ.
Daimyo do Clã Escorpião
Bayushi Dokata, a Hida Zempai, Daimyo do Clã
Caranguejo
Saudações, meu lorde Hida-sama. Espero que o inverno o encontre em humor melhor que o da úl-
tima vez. Por favor, perdoe meu marido por não enviar-lhe um convite à corte deste ano. Embora eu
possa nunca intimar que você seja menos que um visitante perfeito, e embora seus comentários sobre a
funcionalidade de nossos pequenos jogos políticos sejam bastante iluminadores, estou certa de que sua
devoção a seu dever o mantém perto de casa.
Ao invés disso, por favor, aceite os seguintes presentes como mostra de apreciação pelo belo servi-
ço que o clã Caranguejo desempenha em proteger nossa fronteira ao sul. Talvez com esta ajuda, você
possa um dia retomar nossas festividades de inverno, embora devamos certamente entender se tais
exceções não puderem ser feitas.
Os servos que acompanham esta carta portam quatro cortes de crisântemos. Embora eu me lembre
bem de seu desdém por frivolidades como flores, lhe imploro que encontre um jardineiro que tome
devido cuidado de tais arbustos, pois eles podem ser de mais uso que você ou seus inimigos prevejam.
Estes crisântemos foram criados e designados por um humilde shugenja de minha corte, Yogo Na-
gori, filho de Yogo Tunago e Asahina Nateko. Combinando o dom de seu pai por proteções com o de
41
tsangusuri de sua mãe, Nagori despertou os espíritos destes quatro crisântemos (embora sua explica-
ção do método tenha sido o suficiente para fazer minha cabeça girar), e os primou para notar inimigos
próximos, particularmente aqueles tocados pelas Terras Sombrias.
Quando em tal presença, as plantas se animam, tornando-se plantas guardiãs que lutam para prote-
ger seu senhor. Eu mesma vi uma demonstração de sua tenacidade. Contanto que o arbusto principal
seja protegido, os guardas individuais podem ser derrubados, apenas para se levantarem de novo com
força total quando o próximo broto aparecer.
Sinceramente espero que tal mísero presente possa prestar algum pequeno serviço à sua grande ba-
talha. Por favor, lembre-se do clã Escorpião tão gentilmente quanto nós lembramos de você. Que
Amaterasu favoreça seus passos.
Com máxima sinceridade,
Bayushi Meibuko Crisântemos de Nagori
NA de Conhecimento (Escorpião, Garça ou
A carta e os presentes de Meibuko foram Caranguejo): 25
enviados no ano seguinte a um longo e emba- Só um dos arbustos originais sobrevive, doa-
raçoso rompante de Hida Zempai, durante o do ao templo Asahina como exemplar da obra
qual o daimyo do Caranguejo deixou claro seu de Nagori. Os arbustos testam Percepção contra
desdém pelo Escorpião, seu castelo, seus jar- NA 20 menos o Nível de Mácula das Terras
dins e até mesmo a amável aparência de Mei- Sombrias (10 para criaturas das Terras Sombri-
buko. Engalfinhados numa guerra com o Leão, as). Se bem sucedidos, eles formam um número
os Bayushi não tinham homens para vingar o de guardiões igual ao número de brotos na plan-
insulto, e preferiram comprar o apoio Hida ta (1-19), com as seguintes habilidades:
por um presente único. Embora Zempai tenha TERRA: 2
se impressionado com os guardas crisântemo e FOGO: 2
por todos os relatos os tenha usado intensa- Agilidade: 3
mente em suas defesas em Kyuden Hida, sua ÁGUA: 4
gratidão não o impediu de declarar guerra ao AR: 2
Escorpião no ano seguinte e tomar uma boa Ataque: 4k3
porção de suas terras ao sul para os desaloja- Dano: 5k2
dos Hiruma. NA de Armadura: 15
As flores em si foram posteriormente ar- Redução: 5
rancadas e roubadas por um maho-tsukai que Ferimentos: 8: +0; 12: +5; 16: +10; 20: +15;
disfarçou sua Mácula o suficiente para evitar 28: Morto
as proteções das flores. Embora as salvaguar- Os guardiões se parecem com bushis de 2,5
das de Yogo Nagori prevenissem que qualquer m de altura em armaduras feitas de brotos bran-
um Maculado ganhasse a lealdade de suas cos, carregando pequenos tetsubos feitos de
criações, vários exploradores do Caranguejo madeira e espinhos. Quando mortos, eles se
relataram terem visto arbustos similares cres- dissolvem em pétalas espalhadas. A planta em si
cendo do lado de fora das moradias de onis, só pode ser destruída por fogo, embora demore
aparentemente alertando as criaturas à pre- 1 dado de meses para recuperar seu primeiro
sença humana lá dentro. broto quando todos os seus guardiões forem
- Seikansha mortos. Os descendentes Maculados das plantas
originais podem ser encontrados em toda as
Uma Carta de Hida Terras Sombrias. Embora não sejam mais capa-
zes de se animar, as plantas automaticamente
Binuboku a Shosuro Ijin mostram um número de brotos igual ao número
Esta carta foi dada a mim pela bisneta de de humanos Maculados dentro de uma casa.
Ijin, junto com um pedido para recuperar a
herança da família das Terras Sombrias, tive pouco tempo ou inclinação em buscar um item tão mun-
dano, mas os que o encontraram certamente receberiam a gratidão da família.
- Seikansha

À família de Shosuro Itode:


Seu filho está morto.

42
Não sei o que vocês ouviram de sua vida aqui, pois se ele teve quaisquer comunicações convosco
ele não falou de tais assuntos detestáveis entre seus amigos. Escrevo-lhes agora apenas por respeito a
ele e porque vocês deveriam saber que seu lugar de repouso final não estará entre vocês.
Itode viveu entre o Caranguejo desde sua adoção aos cinco anos de idade, e um Caranguejo ele se
tornou. Embora tenha chegado como refém para garantir a paz em nossa fronteira do norte, foram
necessários vários anos para que visse suas esparsas memórias das cortes do Escorpião apenas com
escárnio.
Ninguém o tratou de qualquer outro modo que não seja como um irmão enquanto ele e eu crescía-
mos, exceto que ele tenha insistido em usar aquela berrante máscara vermelha e dourada. Os diaman-
tes kabuki sobre os olhos e as sobrancelhas desenhadas em ônix o tornavam um farol para todo grupo
de guerra goblin. Embora eu tenha insistido por anos para que ele descartasse a coisa, ele recusou,
dizendo que a usaria para honrar seus ancestrais.
Embora ele tenha treinado como um bushi Hida, seus colegas e sensei não tinham simpatia por ele.
Ainda assim, seu filho provou sua força quando necessário e lutou com eles contra inimigos, e recebeu
honras sob nossos mais duros instrutores. Por quinze anos ele treinou com nossos homens e foi com
nossos homens que ele morreu.
Cerca de setenta trolls vieram pelo lado da
A Máscara de muralha, e Itode estava na frente do esquadrão
que desacelerou sua subida. Sua máscara cap-
Shosuro Itode tou a luz do sol, mesmo por trás do parapeito, e
NA de Conhecimento (Caranguejo ou Escor- uma rajada de pedras atiradas o afetou o sufici-
pião): 30 ente para que sua defesa hesitasse e o primeiro
A máscara de ouro brilhante muito prova- atravessasse.
velmente será encontrada num ninho de ogro ou Embora eles tivessem arrancado os braços
nezumi. As palavras “seja o que quiser” estão de seu corpo, Itode miraculosamente ainda
gravadas em sua linha de seda. Seus anos nas vivia quando a batalha terminou, o suficiente
Terras Sombrias a imbuíram de magia maligna; para que ele soubesse que tenha nos dado uma
se usada, ela dá ao usuário a aparência e voz de vitória.
em quem ele estiver pensando. Qualquer um que Nossos shugenjas o abençoaram, e Itode
o veja quando o personagem coloca a máscara o bradou suas últimas palavras em alta voz, pe-
vê e ouve como seu novo personagem. dindo que suas cinzas fossem enterradas no
Personagens fora da proximidade, porém, solo que ele morreu para proteger. Poucos
veem o usuário como um oni insectóide mons- outros na história foram honrados em repousar
truoso, com seis pernas com garras, duas cabe- para sempre com nossos ancestrais, e jamais
ças de lagarto e três caudas de escorpião. Isto é um Escorpião. Mas quando meu pai falou,
uma ilusão, mas certamente causará caos (“Ah ninguém questionou sua decisão.
sim, veja bem, encontrei esta máscara Maculada “Você irá,” ele disse, “se morrer como um
nas Terras Sombrias… Ah, não, não se preocu- Caranguejo.”
pe, é inofensiva. Inofensiva, eu lhe asseguro.”) Ele estava sorrindo quando tirou a máscara
Usar a máscara inflige um ponto de Mácula de sua face e a atirou pela muralha, e quando
por uso. retornamos, ele estava morto. Mas ele morreu
como um homem honesto, sua face aberta a
seus irmãos e à luz de Amaterasu, e nós honraremos seu desejo final.
Que vocês sejam fortes diante de seu luto.
Hida Binboku

Um Pedido de Shiba Fukade a seu Senhor, Shiba


Ikkiyoku
Esta carta vem dos registros de seu próprio clã, Tadaka-sama, mas como concerne a um yojimbo
Shiba que falhou para com sua protegida, suspeito que tenha sido mantido em segredo pela família.
Certamente não tenho desejo em desenterrar antigas vergonhas e causar atrito em seu clã, mas a
magia de previsão é poderosa, e creio que o Conselho deva estar informado.
- Seikansha

43
Meu senhor, peço-lhe permissão para limpar o nome de minha família. Falhei com você, falhei com
minha dama Isawa-sama e falhei com o pacto que nosso reverenciado ancestral fez há oitocentos e
cinquenta anos.
Quando você me honrou em oferecer meus serviços à Senhora do Ar, passei a noite inteira no ora-
tório de meus ancestrais, agradecendo por sua orientação e pedindo que abençoassem minhas ações,
pois certamente não há posição mais digna do que guardar e honrar um Mestre Elemental. Não quis
nada além de servir sob a mulher que, aos dezessete, já merecera seu lugar no Conselho dos Cinco.
E nunca em meus quinze anos ao lado dela Yasuko-sama falhou em minhas expectativas. Seu en-
tendimento do elemento do vento e respiração era avassalador; da uivante tempestade à meiguíssima
palavra sussurrada, ela controla todos sem necessidade de abaixar o biwa ou pincel.
As próprias Fortunas sorriam sobre ela, como estou certo de que já ouviu. Fui eu quem esperei ao
pé da colina quando ela prosseguiu em sua famosa meditação e retornou com um punhado de grama
amarrado num graveto, e a paisagem pintada em seu próprio kimono. Ela era tão movida pela graça
das Fortunas ao criar tanta beleza que ela teve que devolver seu presente. Ela ofereceu a pintura ao
oratório naquela noite, e desde aquele dia, pincel tem sido abençoado com a verdadeira visão, e tudo
que pinta se torna verdade.
É minha culpa que não tenhamos visto seus
avisos quando Hida Chomen pediu pelos servi-
ços de Yasuko-sama. Suas pinturas não mos- Pincel de Isawa Yasuko
travam perigo, apenas paz de sono, e ela acei- NA de Conhecimento (Fênix): 20
tou seu pedido. Segui cegamente, sentidos Este pincel ainda se parece com o simples
cegos, pois dificilmente imaginaria que qual- galho e grama de que foi feito, requerendo um
quer um desejasse ferir a Senhora do Ar. A teste de Investigação/Percepção, NA 25 (20 se
vergonha é minha. Deveria saber que o único olhando ativamente), para notá-lo. Seus anos
sono que a esperava nas terras do Caranguejo nas Terras Sombrias não danificaram fisicamen-
fosse eterno. te o pincel.
Não foi culpa do Caranguejo, meu senhor, Quando o personagem deseja usar o pincel,
logo não junte suas tropas para vingar o insul- ele deve fazer um teste de Medição/Ar, NA 15
to. Os feitiços de Yasuko-sama foram de gran- (Incrementos aumentam a clareza da previsão).
de uso para Lorde Hida, pois ela podia ouvir os Se tiver sucesso, o usuário entra em transe, e a
planos dos exércitos sombrios e derrota-los pintura sai com grande perícia, sempre contendo
com suas próprias palavras. Só posso pensar uma visão nublada do futuro, envolta em símbo-
que eles descobriram quem era responsável, los das Fortunas.
pois isto ocorreu apenas dois dias após a gran- Felizmente, a corrupção deturpou permanen-
de batalha. temente suas previsões: agora ele só mostra
Yasuko-sama estava pintando, eu me ajoe- futuros negativos de onis e maho atacando o
lhava aos seus pés quando a tinta ganhou vida. pintor. As pinturas ainda invariavelmente se
Duas pinceladas para baixo, quatro pinceladas realizam, porém, pois as pinturas agem como
rápidas para o lado; a figura se tornava um um farol às criaturas das Terras Sombrias,
monstruoso oni de seis braços, rasgando a for- atraindo-as para atacar o artista.
ma indefesa da fortuna Tenjin.
Enquanto ela ainda afundava seu pincel uma última vez, a parede atrás de nós se mexeu, e embora
eu tenha ficado instantaneamente alerta, era tarde demais. O preciso ser que Yasuko-sama acabara de
pintar saltou da parede, suas garras se fecharam sob sua amável face.
Com a ajuda dos bushis Hida, eu o matei, mas a Senhora do Ar nunca abriria seus olhos de novo.
Os médicos Kuni disseram que ela morreria em quatro dias.
Por favor, meu senhor, permita-me estar lá esperando por ela.

O Ensho Colecionado de Shosuro Hojiako


Adquiri estas cartas de amor ao investigar o desaparecimento de Shosuro Tokazu e Shosuro Ho-
jiako. O par nunca foi encontrado, e seu crime, se há, permanece insolúvel até hoje. Muito provavel-
mente, eles simplesmente fugiram juntos, mas a nemuranai aqui descrita é suficientemente incomum
que imagino ser de alguma forma responsável. Desculpo-me pelo conteúdo impróprio.
- Seikansha

44
22º Dia do Mês da Garça
Tozaku-chan,
Meu irmão trouxe-me terríveis notícias, pois sabes que meu pai não compartilha tais coisas. Seus
pais rejeitaram sua proposta de casamento, pois souberam de minhas origens várias noites atrás. Não
percebi que ainda havia Shosuro que não soubesse, ou eu não o incentivaria.
Sou samurai, meu amor. Lorde Shoju e o Imperador, abençoado seja seu nome, viram isto, mas o
estigma de meu nascimento permanece. Meu pai não foi tão feliz quanto nós, por ter encontrado amor
em seu clã e casta. Mesmo que tenha se casado fielmente, seu coração pertencia à gentil música de sua
geisha favorita, Man-etsu.
Meu irmão e eu somos produto de seu amor.
A esposa de meu pai fez vista grossa às su-
as transgressões, pois ela sabia que só podia
Os Grampos Borboleta pedir por seu nome e lar, nunca seu coração.
NA de Conhecimento (Maho): 30 Por dez anos, eles não tiveram filhos, e quando
Man-etsu era na verdade uma maho-tsukai soube do estado de minha mãe, a esposa de
que se disfarçou de geisha para seduzir um lorde meu pai comprou seu contrato e meu irmão e
Shosuro, pretendendo matá-lo e assumir sua eu fomos criados como servos no lar de nosso
posição com magia de metamorfose. Ela frus- pai.
trou os próprios planos quando se apaixonou e Quando eu tinha quatro anos, Man-etsu
desistiu de suas magias negras por amor a ele. provou que gentileza dada não a faz ser retri-
Seu oni escapou de seu controle enfraquecido e buída, pois ela foi a única a acordar quando
quando ele atacou sua família, ela se sacrificou meia dúzia de onis invadiram o pátio e ela
para salvá-los. morreu detendo-os enquanto os guardas se
Os grampos que ela deixou para a filha são armavam com jade. Em honra ao sacrifício de
um dos vários itens amaldiçoados similares sua amante, meu pai pediu para adotar seus
(incluindo uma garça de origami, um kimono filhos como totais samurais. Seu pedido foi
bordado com libélulas, um leque decorado com concedido e desde então, temos vivido como
um colibri), que transformam o usuário na cria- herdeiros do daimyo.
tura representada. Fui a última a ver minha mãe viva, e ela me
O usuário deve desejar fortemente estar em deu sua mais valiosa posse, os grampos ador-
outro lugar, então fazer um teste de Vazio; o nados que ela usava para seus clientes. Embora
resultado é o número de minutos que o efeito os grampos sejam de bronze e as decorações de
dura. borboletas apenas laca e verniz, para mim eles
Sem que o usuário saiba, cada ativação causa são tesouros, pois apesar de sua posição ela era
três pontos de Mácula, embora isto não tenha uma mulher verdadeiramente nobre.
efeito físico imediato. Acompanhe isto numa Só espero que você consiga mudar a mente
ficha separada, só revelando se o personagem de seu pai, pois não posso viver com o pensa-
vir a descobrir isto. Quando o Nível de Mácula mento de você se casar com outra.
das Terras Sombrias igualar seu Anel de Vazio, Hojiako
ele se transforma numa versão do tamanho de
um pônei desta criatura. Se o Vazio não for seu
maior Anel, ela mantém consciência em sua 14º Dia do Mês do Cão
nova forma, mas quando sua Mácula exceder Casei-me esta noite, Hojiako-chan. Não pu-
seu maior Anel, sua consciência desaparece e de ir contra os desejos de meus pais. Ela é uma
ela se torna a criatura em todos os aspectos. Bayushi: bela, bem vestida, com pele como
marfim e cabelo até as costas dos joelhos. Sua
voz era suave quando falou meu nome, e não me olhava nos olhos nem mesmo quando me deitava
com ela.
Você era tudo no que eu podia pensar. Sinto falta do jeito como seus lábios se curvam, o aroma de
jasmim e mel que deixa por onde passa. O toque de sua manga em minha palma era mais sensual do
que carícias desta garota, e o suave sussurro de quando me chama de “amor”, o mais perfeito de todos.
Foi estranho, amada, tão forte é sua presença em meu coração, que quase pensei que estivesse lá es-
ta noite, na janela. Se ousasse, teria lhe chamado, mas quando olhei, não foi sua face que flutuava lá,
mas uma borboleta escarlate.
Pensei que meu coração quebraria.
Preciso vê-la de novo. Não posso suportar esta vida sem você.

45
Tozaku

28º Dia do Mês do Cão


Tozaku-chan,
Seu coração não estava só em sua noite de núpcias, pois realmente eu estava lá contigo. Isto soará
difícil de acreditar, mas o nascimento de minha mãe nos separou, sua herança nos manterá juntos.
Ouvi por meu irmão de seu casamento apressado (sem dúvidas seus pais temiam a força de nossa
paixão), e fiquei afundada em lágrimas naquela noite, desejando, embora isto me condene para sem-
pre, que eu pudesse tirar a gata magrela de seus braços.
De repente, senti cheiro de cabelo queimado e senti uma dor em meu escalpo. Agarrei os grampos
de minha mãe, mas eles estavam quentes demais para tocar, e pensei de início que estava louca de
tristeza, pois senti asas de borboleta tremular contra meus dedos.
Amedrontada, me lembrei das últimas palavras de minha mãe: “use-as com cuidado, pois eles têm
grande poder quando necessário,” e a esperança cresceu rapidamente quanto o pensamento de seu
toque. Ousando confiar em minha intuição, pus os grampos de volta.
A dor foi imediata, mas quando ela passou,
me encontrei no corpo de uma borboleta escar-
late, não maior que minha mão, mas rápida o
Oni no Chocho
bastante para chegar ao seu castelo antes da lua (Demônio Borboleta)
surgir. TERRA: 3
Era eu na janela, meu amor, enquanto aque- FOGO: 3
la mulher deitava em sua cama. Prepare-se ÁGUA: 3
para mim hoje à noite. AR: 5
Hojiako Ataque: 6k4
Dano: 2k2 (6k2)
3º Dia do Mês do Javali NA de Armadura: 25
Ferimentos: 20: +0; 30: +5; 40: +10; 50:
Não posso crer que realmente lhe segurei +20; 60: Morto
em meus braços. Cada dia que acordo, sabendo Habilidades Especiais: Medo 2
que era apenas um sonho, que você ainda está Ao atacar, o demônio borboleta tenta esten-
atrás das paredes de seu pai, mas então vejo a der sua língua de dois metros em sua vítima,
trilha de beijos vermelhos que você deixou em sugando seu sangue e vísceras e deixando uma
meus ombros, e sinto dores ansiando pelo cair casca seca para trás. Ataques da criatura com
da noite. sucessos marginais só causam 2k2 de dano pois
Não há visão mais bela em toda Rokugan a criatura bate em seu alvo com asas imensas.
do que o bater de suas asas contra minha jane- Quaisquer ataques que excedam seu NA por 10
la. Você foi modesta em descrever sua magia, ou mais penetraram e causam 6k2. Ferimentos
pois raramente vi um inseto maior que minha causados desta maneira curam à metade do rit-
face. A forma certamente lhe serve bem, meu mo normal, e a perda de fluidos aumenta em 15
amor, pois com seus grampos e longas mangas o NA de Trilha à Paz Interior.
do kimono, você poderia facilmente se passar
pela mais bela borboleta de todas.
Sentirei sua falta terrivelmente esta semana, mas entendo que você deva viajar à corte com seu pai.
Eu meu egoísmo, espero que não haja homem lá cujo pai seja mais misericordioso que o meu, pois não
posso suportar o pensamento de outras mãos em sua pele ou nome em seus lábios.
Sonhe comigo, como eu sonharei com você.
Tozaku

15º Dia do Mês do Rato


Tozaku-chan,
Não posso ir hoje à noite. Estou assustada.
Quando voltei para casa esta manhã, descobri o futon como usual e esperei pela mudança em meu
corpo. Mas nada ocorreu, e lutei contra o instinto de simplesmente bater minhas asas e fugir do confi-
namento. Vi a mim mesma no espelho e não posso acreditar que não tenhamos descoberto isto antes,
mas a borboleta está crescendo. Ela é maior que um cão de caça agora, e mal consegue passar pela
janela.

46
Não sei o que está acontecendo, meu amor. Finalmente retornei à minha forma, mas pouco antes
das aias chegarem com o desjejum. Ainda posso sentir as asas em minhas costas, e mais de uma vez
me surpreendi ao perceber que ainda tenho mãos. Talvez tenhamos usado o presente demais em nossa
paixão.
Verei-te de novo apenas quando não conseguir mais ficar sozinha.
Hojiako

O Poder e Maldição da Obsidiana


Incluo a seguir as anotações do notório pesquisador Kuni Mokuna, pois elas foram encontradas
separadamente do resto de seus diários e po-
O Saco da dem não lhe terem sido entregues por Yori-
sama. Embora qualquer estudioso casual saiba
Floresta Andante da vulnerabilidade de criaturas Maculadas à
Este é um bom item para PJs receberem co- jade, poucos direcionam seus estudos aos efei-
mo herança: um inocente saco de arroz que fo- tos da obsidiana, e considerei os comentários
ram ditos a nunca cozinharem, comerem, plantar de Mokuna iluminadores. Minhas desculpas
ou queimar. por permitir que veja o nome do Decaído im-
O “arroz” é de fato milhares de ovos de oni presso; creio que seja importante preservar a
que permanecem inertes na maior parte das con- autenticidade do trabalho de Mokuna.
dições, mas se plantado (ou jogado no chão), - Seikansha
criam raiz e crescem em 1-10 horas em pés de
arroz da altura de árvores. Quando totalmente Apesar não tenhamos encontrado substân-
crescidos, as “árvores” se levantam do chão e cia de pureza e pura eficácia maior do que a
vão embora, colocando mais ovos insidiosos jade, minha família conduziu vários experi-
aonde quer que vão. Se queimados, esmagados mentos sobre as propriedades de outros materi-
ou fervidos, o ovo racha prematuramente, libe- ais quando expostos à Mácula. Muitos cristais
rando minúsculos (do tamanho de grãos de ar- naturais e o “vidro” do Unicórnio podem ser
roz) bebês onis, que correm para o solo mais usados com bons efeitos, assim como obsidia-
próximo para se plantarem (testes de Investiga- na.
ção/Percepção, NA 35, para descobrir todos os O efeito da obsidiana nos habitantes das
grãos antes de escaparem). Se comidos, os bebês Terras Sombrias é similar ao da jade; uma vez
onis criam raízes no corpo, causando 1k1 de que tenha penetrado, ela pode causar morte aos
dano no primeiro dia, 2k1 no próximo e assim imunes a armas normais. Apenas por esta ra-
por diante, por dez dias (sem mencionar enjoos, zão, acredito ter potencial. Porém, quando
vômito com sangue e falta de fôlego). No quarto meramente carregada por uma pessoa, a obsi-
dia, galhos começam a sair pela pele, e no séti- diana tem poucas propriedades benéficas. Em-
mo, eles criam raízes pelos pés ou costas da bora superior à jade por sua habilidade de con-
vítima, prendendo-a no chão. Não há meio fácil servar sua potência mesmo após o longo conta-
de se livrar deles sem matar o hospedeiro, em- to com as Terras Sombrias, ela não é divina-
bora comer grande quantidade de pó de jade mente pura, tornando-se incapaz de absorver
possa desacelerar seu crescimento. Mácula ou proteger seu portador.
Proteção Contra o Mal ou outras magias que Muitos dos poetas chamam a jade “Lágri-
afetem as Terras Sombrias não têm efeito nos mas de Amaterasu”, obsidiana é vista como
ovos. Quaisquer magias destinadas aos bebês “Sangue de Onnotangu”, espalhado pela terra
engolidos causam o dano do feitiço no hospedei- quando Hantei tirou seus irmãos e irmãs da
ro. barriga de seu pai. Onde o sangue se misturou
com as lágrimas, a humanidade surgiu, mas em
outros locais ela permaneceu como depósitos de pedra, espalhados por toda a Rokugan. Acredito que
haja muita verdade neste conto, pois a mão de obsidiana com que Shosuro retornou após prender Fu
Leng provavelmente é a própria mão de Lorde Lua, arrancada e jogada na terra junto com seu oitavo
filho.
Pelo que li dos artefatos do Escorpião, a mão carrega a maldição da loucura, o que meus próprios
estudos da obsidiana parecem confirmar. Embora muita obsidiana seja inofensivo para uso ou posse,
certos depósitos parecem causar uma degradação lenta, semelhante à própria Mácula. Os que carregam
armas desta pedra acabam se tornando de temperamento curto e invejosos, selvagemente possessivos
ou amarguradamente paranoicos de seus amigos mais próximos e familiares. Tais pessoas costumam

47
direcionar sua ira a seus próprios filhos, e ocasionalmente seus rompantes terminaram em canibalismo,
o que apoia a ideia de que a maldição vem de Lorde Lua.
Acredito que a variedade amaldiçoada venha não do sangue derramado do estômago de Onnotangu,
mas de sua mão decepada. Tocada pela crueldade de Lorde Lua e Fu Leng, ela pode ferir onis e ho-
mens. Embora tal obsidiana ainda possa ter valor pelas feridas que faz em criaturas das Terras Som-
brias, seu toque pode destruir a vida de um samurai, e aconselho que seja usada apenas em circunstân-
cias urgentes.
Felizmente, tais efeitos eventualmente somem se a arma for descartada, e o antigo portador pode
gradualmente retornar aos seus deveres normais. Os lordes do Escorpião tolos o suficiente para anexar
um pedaço de Onnotangu a seus corpos não se recuperam, e nunca ouvi de caso no qual um usuário da
mão de obsidiana encerrou sua vida pacificamente.

O Saco da Floresta
Andante Oni no Morei
Quando morei nas terras do Dragão, o ser-
vo de um lorde distante me pediu por abrigo
(Demônios Grãos)
Os “galhos” de Oni no Morei são encerrados
por uma noite em seu caminho ao oratório de
em garras que vazam pus, e suas “folhas” cons-
Osano-Wo. Ele carregava um grande saco, e
tantemente geram ovos aonde quer que vão.
perguntei se continha suas oferendas. Ele sus-
Números entre parênteses são para a forma “be-
pirou e relatou o conto a seguir de seu bisavô.
bê oni”.
Shinsei falou corretamente quando disse
NA de Conhecimento: 20
que o mal não precisa de gosto de mel ou ve-
TERRA: 2 (1)
neno; farinha é mais comum que ambos.
FOGO: 1
- Seikansha
ÁGUA: 2 (1)
Força: 3 (1)
Agasha Orosha era um bom samurai que
AR: 2
serviu a seu lorde fielmente em todas as coisas.
Ataque: 3k2
Ele cuidava bem de sua esposa, e criou suas
Dano: 2k2 (1k1)
filhas como mulheres virtuosas que seguiam as
NA de Armadura: 20 (30)
leis do Imperador e os ensinos de Shinsei.
Ferimentos: 8: +0; 16: +5; 24: +10; 32:
Numa noite, quando sua esposa levara suas
Morto (4: +0; 8: Morto)
filhas para visitar seus pais, Orosha estava se
Habilidades Especiais: A coisa mais assus-
preparando para passar uma quieta noite em
tadora sobre Oni no Morei é simplesmente seus
meditação. Sua calma foi interrompida por um
números. Adultos podem por quase mil ovos por
grito de horror e correria do lado de fora. Te-
dia, e qualquer solo em que possam frutificar
mendo que bandidos estivessem no vilarejo de
permanece árido pelas próximas três estações de
novo, ele arrebentou a porta. Mas não eram
safras, tornando-o talvez o mais devastador oni
meros bandidos o que ele viu.
para a economia geral de Rokugan.
Uma velha mulher, cabelo cinza arrancado
A melhor maneira de se livrar de Oni no Mo-
abaixo das orelhas como se em luto, estava no
rei é antes de racharem — ferver os ovos-arroz
piso de pedra do caminho. Suas roupas esta-
em cristal líquidos (ex.: vidro), matando-os as-
vam rasgadas como que por garras de algum
sim que emergirem.
grande felino e sua pele enrugada gotejava
com espuma. Pus vazava das feridas ainda frescas o bastante para sangrar, mas infectas como que por
semanas de infecção. Enquanto ela tentava reunir seus joelhos abaixo dela, colocando sua face sobre o
chão numa polida saudação, Orosha teve que engolir seco para impedir que sua janta voltasse. Embora
tivesse visto homens gravemente feridos na guerra, nada podia se comparar ao sofrimento daquela
mulher.
Ele acenou para ela ignorar as formalidades e para seu horror, ela pareceu se erguer. Ajoelhando-se
ao lado dela, ele a deitou no chão, embora soubesse que não podia salvá-la.
“Por favor…” Ela disse com voz trêmula; ele imaginou como seus pulmões ainda podiam ter fôle-
go para falar. “Por favor, guarde… Não deve…” Sua mão estremeceu e ele notou pela primeira vez
que ela tinha um saco de linho ao lado dela, o tipo de tecido que camponeses usam para carregar arroz
e farinha.

48
“O que é isto?” ele perguntou. “Você tem família? Alguém a quem eu deva contar?” Mesmo um
camponês merecia saber da passagem de seus ancestrais.
“Vá para dentro” Sua voz era mais alta, aterrorizada, e depois de um segundo, ele percebeu o por-
quê. Havia barulhos nas matas distantes, estranhos ruídos farfalhados, como vento por incontáveis
galhos. “Eles estão vindo. Por favor.” Suas mãos apontavam contra o saco de farinha. “Ninguém deve
libertá-los. Proteção contra o mal.” Suas palavras sumiram em tosses, e o homem tirou o saco de seus
dedos fracos.
Ao assentir dela, ele abriu o saco. Dentro havia apenas brancura em pó de arroz seco. “Isto?” ele
perguntou. “O que há aqui para ser liberto?”
A Boken Persistente Ela tremeu, e o vermelho em seus lábios era
de escuro sangue interno. Orosha soube que ela
“Uke” estava morta antes de enrijecer. Logo ele des-
NA de Conhecimento: 20 cobriu a verdade em suas palavras, e começou
Essas bokens costumam ser feitas por maho- as proteções contra o mal, pois a floresta esta-
tsukais e vendidas a bushis inocentes. Uke abri- va se aproximando. E nunca houve uma flores-
ga um pequeno oni que anima a espada a cada ta em seus campos de arroz antes.
manhã e luta com o dono disfarçada como um É assim que minha família conta a história.
luta prática. Na manhã seguinte, ela revive de
novo, mais forte do que antes. Ela não espera até
seu dono acordar para começar. Uma Carta a Lorde
No primeiro dia, o oni começa com Reflexo Akodo Teihon de seu
1, um Nível de Ferimento de 10 pontos, e ataque
e dano de 1k1. O NA de Armadura é 5. No dia Vassalo Akodo Riawa
seguinte, seu ataque e dano aumentam para 2k1; Enquanto o servo do Caranguejo que me
então 3k1, 4k1, e assim por diante. No começo deu esta carta (escolhi não perguntar como ele
da segunda semana, ele ganha um Nível de Fe- encontrou uma mensagem privada entre dois
rimento de dez pontos, um nível de Reflexos, o Leões) ria sobre a condição de Riawa, devo
NA de Armadura se torna 10, e seu ataque e avisá-lo de que a ameaça imposta por este
dano mantêm outro dado: 1k2 (efetivamente item é bem real. Ouvi relatos de pelo menos
1k1) no primeiro dia, e então 2k2, 3k2, etc. Este três outros, e creio que as forças do Decaído
padrão continua por sete semanas. Quando al- gostem de usá-los para tentar e atormentar
cançar a quinta semana, o oni começa a se tor- samurais superconfiantes.
nar visível como uma forma sombria agarrando - Seikansha
o cabo da katana. A boken amaldiçoada e indes-
trutível infesta seu dono até o sétimo dia da Meu senhor, falhei convosco de novo.
sétima semana: com Reflexos 7, NA 35, com A vergonha ardeu em mim desde que meu
sete Níveis de Ferimentos de 10 pontos cada, e kenjutsu se provou insuficiente para apagar o
7k7 de ataque e dano. As penalidades de feri- sorriso da face daquele Garça insolente, e pen-
mentos além da segunda semana incluem um sei em usar meu tempo em Mura Sano Eiyu ni
Nível livre, logo, na sétima semana, eles são: Suru para praticar minha esgrima. Sou um
10: +0; 20: +5; 30: +10; 40: +15; 50: +20; 60: Leão afinal, e um Leão que não pode usar suas
+40; 70: Morto. Se morto neste dia, ela continu- garras não é digno do nome. Porém, com tão
ará inerte até ser ativada de novo. O ni só pode poucos bushis no oratório, e com os presentes
ser saciado com o nome de seu dono, que só menos experientes do que eu, tornou-se difícil
pode ser tomado após a quinta semana; uma vez julgar minha perícia. Embora Akodo tenha dito
nomeado, ele está livre. Se a vítima morrer, ele que cada homem deva saber sua própria medi-
começa novamente em seus atributos atuais com da, ele também disse que a medida de um ho-
a próxima pessoa que sacar um katana em sua mem é mais bem testada no embate de inimi-
presença. gos; sem parceiros dignos, meu kata se tornou
mais decorativo do que útil.
Quando um mascate parou no oratório dizendo ter uma boken mágica que lutava sozinha, fiquei
imediatamente intrigado. Embora naturalmente eu estivesse cético de tal dispositivo maravilhoso (e
lamentar que minha cautela não tenha prevalecido), o mascate simplesmente deitou a boken no chão e
pediu que eu tomasse uma postura diante dela. Assim que minha mão tocou minha katana, a boken se
levantou do chão, apontando para mim.
Golpeei e ela evitou meu golpe, cortando à minha cabeça ao nível de eu precisar usar minha própria
lâmina para bloqueá-la. Não desejando ferir a espada de meu avô, a rembainhei e a boken repousou no

49
chão. Admito que minha falha foi aqui, pois embora Akodo tenha dito que qualquer vitória que pareça
fácil demais está fácil demais, esqueci de sua sabedoria e cri que meus problemas estavam resolvidos.
Ordenei a meus servos que pagassem as moedas que o homem exigia e fui para casa.
Da hora do Bode à hora do Galo, treinei, primeiro passando por meus movimentos de kata, gradu-
almente trabalhando até o combate. A boken, a quem chamei de “Uke” pois era minha única parceira,
era versátil, mas eu a derrotava rapidamente. Para minha decepção, assim que era jogada para o lado e
eu golpeava para “matar”, ela permanecia inerte no chão.
Furioso, busquei o mascate, mas ele tinha sumido pela estrada ocidental, e meus deveres não me
permitiam segui-lo. Na manhã seguinte, estava feliz por não tê-lo feito (mais tolo ainda), pois quando
acordei, Uke estava planando ao lado de meu futon, esperando para começar o treino matinal. Atirei-
me à rotina com boa vontade.
Pelas próximas duas semanas, acordei cada dia com meu parceiro persistente. Toda vez, ele funci-
onava até que a espada cedesse aos meus golpes. E em cada manhã, sentia a força e perícia da boken
crescerem junto com a minha.
Só depois de tê-la por quase um mês que comecei a notar o problema. Confesso que na noite ante-
rior as perícias de minha nova espada me serviram bem contra um ronin andarilho, e várias moças do
vilarejo estavam mais do que dispostas em brindar meu sucesso. Na manhã seguinte, tendo bebido
mais sakê do que deveria, pretendia pular minha seção matinal. Uke tinha ideias diferentes.
Ela achou-me de algum modo (pois na noite passada não havia me deitado na minha própria cama),
e acordei com um tapa afiado em meu ombro. Sem esperar a boken, saquei minha espada instintiva-
mente, e o treino matinal começara, passando pelo quintal de minha infeliz companheira e às ruas do
vilarejo.
De início, cri que meus ancestrais estivessem me vigiando para evitar que caísse novamente em
desgraça, mas na manhã seguinte, não impressionados pela minha derrota de seu líder, a gangue do
ronin atacou ao amanhecer, esperando saquear as ricas oferendas do oratório Zocho. Embora eu tenha
acordado rapidamente e saltado à batalha, Uke tinha ideias diferentes. Interpondo-se entre eu e os ban-
didos, a boken foi para o treino matinal habitual, atacando por trás quando tentei ignorá-la em favor de
meus reais alvos. E desta vez ela se tornou bem forte de fato.
Vencemos tanto a boken e os bandidos, mas alguns escaparam com bens valiosos. Intui que qual-
quer magia que guiasse meu parceiro não era das Fortunas e tentei queimar a coisa maldita, mas as
chamas não a tocaram.
No dia seguinte, a enterrei numa cova e busquei ajuda de meus colegas guardas, pois mesmo
Akodo sabia que precisava de ajuda para lutar contra as forças de seu irmão. Mas todos os nossos es-
forços só atrasavam a “morte” temporária da coisa, e na manhã seguinte ela acordou-me com golpes
acima e abaixo de meu corpo. Meus seis doshis a puxaram e a empurraram, e se não tivessem, ela não
pararia por nada senão minha morte.
Escrevo-lhe pedindo ajuda de todo bushi e shugenja que puder, pois hoje vi o contorno sombreado
do monstro guiando a espada. Suas mãos têm garras como uma águia, e coberto com escamas doura-
das de carpa. Ele tem cauda de lagarto e duas bocas de raposa, com olhos vermelhos que riam quando
quebrou minha katana. Meu senhor, cometerei seppuku com minha wakizashi se desejar, mas meus
braços estão tão fracos que agora meus servos me alimentam. Nada do que fiz até agora o feriu; sabem
as Fortunas se alguém irá. Meu senhor, faça o que puder.
Seu Servo Obediente,
Akodo Riawa

A Armadura do Filho Leal


A seguir está uma história apócrifa muitas vezes contada nas terras do Dragão. Embora muitos a
dispensem como um conto exagerado, meus estudos demonstram que mesmo os rumores mais absur-
dos giram em torno de um grão de verdade. Não posso dizer se a armadura descrita seria de maior
uso para nós ou nosso inimigo; certamente valeria a pena estuda-la caso fosse encontrada.
- Seikansha

Era uma vez um lorde Mirumoto que viu muitas batalhas e sobreviveu a dúzias de duelos. Ele regia
suas terras e era amado e respeitado por todos, de seu karo a seu mais baixo eta. Quando se aproxima-
va da aposentadoria, ele chamou seu filho para casa do treino, desejando garantir que seu filho fosse

50
capaz e amado como ele. Por um mês, o homem vigiou e guiou seu filho, gradualmente dando-lhe
mais e mais deveres: ouvir petições, receber diplomatas e preparar o dízimo do Imperador.
Embora o garoto sempre obedecera seu pai sem questão, o lorde prestou íntima atenção a o que
seus homens diziam sobre seu futuro governante. O que ele ouviu o preocupou, pois parecia que o
garoto não refletia a gentileza de seu pai para com seus súditos nem sua relutância em usar a guerra
como solução para diplomacia.
Quando a sós com seus súditos, o garoto os tratava friamente, importando-se apenas com o serviço
que lhes proviam. Ele começou a reunir um exército contra os apoiadores de seu pai, pois era jovem e
agressivo e desejava expandir suas terras até as terras do Unicórnio em sua fronteira ocidental.
O lorde chamou seu filho e falou tudo o que ouvira. “Por que você está contra mim?” ele pergun-
tou. “Governei estas terras por trinta anos, e não tomo decisões levianamente.” Seu filho não respon-
deu, e ele amaciou as palavras. “Você é meu
filho,” ele disse. “Diga-me a razão para você
A Armadura do Filho Leal querer esta guerra, e se tiver razão, então o
NA de Conhecimento (Dragão, informação apoiarei.”
da história principal apenas): 25 Seu filho o garantiu que não tinha tais pla-
Esta bela armadura tem um mon em branco nos, mas o lorde viu pelos olhos do garoto e
nas costas, que se torna o mon da família do sabia que ele falava mentiras. Descontente, ele
usuário. A armadura é efetivamente invulnerá- foi no dia seguinte a um shugenja de seu séqui-
vel — embora não afete o NA de Armadura do to, e perguntou se havia alguma magia que
personagem, o dano simplesmente não penetra. podia garantir a lealdade de seu filho.
Técnicas como Caminho do Leão podem igno- “Nenhuma magia muda o coração de um
rar a armadura, mas sem tal precisão, o usuário homem,” o shugenja disse a ele, “mas dê-me
está simplesmente imune a lâminas e feitiços. três dias e um cabelo da cabeça de seu filho e
Porém. verá com quem está sua fidelidade.”
Como tudo shugenja aprende, tudo invocado O lorde concordou, e três dias depois ele re-
ou banido por magia vem ou vai para outro lu- tornou para encontrar um belo traje de armadu-
gar. O dano feito ao “filho leal” é dado a um ra, adornado com figuras de cada animal do
novo alvo. Quaisquer Ferimentos sofrido vai calendário, entrelaçados com caligrafia preta,
para seus filhos, pais, irmãos, avós, tias e tios, e formando vinhas enroladas e raios. No elmo de
assim pela família e se necessário, clã. Um sa- dragão com chifres estava escrito: “A Armadu-
murai que saia ileso da batalha pode voltar para ra do Filho Leal.”
casa para encontrar seu castelo inteiro morto “Dê isto a seu filho,” disse o shugenja, “e
com as feridas que deveriam tê-lo matado. você logo verá suas lealdades.” O lorde con-
Embora ninguém em Rokugan saiba como cordou com felicidade, e retornou para casa
isto funciona, personagens podem perceber que com seu belo prêmio.
esta armadura “invulnerável” tem um truque. Dois dias depois, houve uma batalha com o
Feitiçaria/Inteligência (ou Nível de Escola para Unicórnio. No fim, a família inteira jazia mor-
shugenjas), NA 40, permite que personagens ta, sequestrada em seus quartos. O filho foi
saibam que o dano vai para outro lugar, e um encontrado com suas vísceras derramadas por
teste de Caligrafia/Inteligência, NA 15 mostra o sua própria wakizashi, jogada diante do cadá-
kanji de “família”, “sangue” e “parentesco”, ver desmembrado de seu pai. Ninguém foi
trabalhados em arabescos. Filhos realmente leais capaz de explicar o que houve.
a darão a seus pais; filhos sábios usarão os trajes Alguns estudiosos acreditam que o shugen-
de suas famílias. ja usou maho para criar a armadura que inten-
sificou a deslealdade do filho, fazendo-o matar
seus pais. Outros argumentam que o filho era realmente leal e cometeu seppuku só quando se viu inca-
paz de salvar sua família dos invasores do Unicórnio. Outros ainda pensam que a armadura em si o
eviscerou quando seus pensamentos não se provaram puros o suficiente, e sem o jovem lorde a família
ficou à mercê de seus atacantes.
A única coisa que todos concordam é que a armadura nunca foi encontrada.

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Recentemente tornei-me ciente de um festival anual ilícito em territórios do Caranguejo, chamado
kankai kijitsu. Supostamente negado por Hida Kisada devido à promoção de virtudes indignas de um
samurai, o que diria um pouco sobre o caráter desta revelia. Creio talvez que Hida-sama desaprove
apenas quando diretamente perguntado por membros da Corte Imperial.
Os bushis se reúnem em Jadoku Toshi, uma cidade em vale perto do Castelo Gume da Manhã, pa-
ra encenar o maior oni morto naquele ano e famosas vitórias de séculos anteriores, uma lista estra-
nhamente semelhante à dos Matsu nomeando seus ancestrais. O festival é por vezes sombrio e outras
sóbrio, pois com cada oni vem a inevitável lista de suas vítimas.
Destes relatos, pode-se ter ideia da variedade e fraquezas de onis; assim, pedi a Kaiu Narumi, uma
das historiadoras do Caranguejo, para reunir seleções dos registros dos anos anteriores.
- Seikansha

Onikage
Um relato de Hida Teruo, 988
Achei que seria mais fácil quando chegamos às planícies devastadas. A rocha seca deu lugar a po-
eira que nos fez vomitar quando paramos para comer, mas isto foi melhor que o muco. Você pode
saber do muco. É como a bile de um estômago que dissolve comida, e você logo aprende a não andar
nele quando sua tabi derrete. Mas estávamos cavalgando, e achamos que os cavalos estavam apenas
assustados da perseguição. Ouvimos os cascos dos cavalos e demos a volta para ver se era outro grupo
de reconhecimento, mas eles voltaram também.
E assim foi pelo muco. Quando chegamos à planície, vimos os cascos de nossos cavalos. Dissolvi-
dos. Carne viva. Maiko não vai trotar de novo.
O chiado veio do sangue, um fino choro canino que alcançou centenas de metros. Então os baru-
lhos de cascos ficaram mais altos, e desmontamos para untar nossas flechas com jade, quando pelo
crepúsculo cavalgou um Moto solitário, guian-
do seis cavalos-demônios na frente dele e uma
[N.T.: A esmagadora maioria das criaturas
matilha de cães de caça. Seus olhos eram arre-
aqui citadas já aparece atualizada no livro básico
galados e amarelos, e não percebi que tinham
da 4ª edição, ou no suplemento Inimigos do
garras nos cascos até que correram até Maiko e
Império. Por isso, suas informações mecânicas
saltaram sobre ela como leões enquanto as
não aparecerão aqui.]
outras montarias fugiam. Ela estava gritando o
tempo inteiro, e eles esmagaram seus ossos e
deslocaram suas mandíbulas para rasgar partes dela e engolir seus órgãos sangrentos.
Mas eles foram distraídos pelas flechas. O Moto caiu, e quando os onikages investiram, Eiichi es-
tava lá cortando suas pernas com uma no-dachi. Três das coisas fugiram, parecia, até percebermos que
só buscavam presa fácil. Investimos atrás de nossas montarias, mas os onikages foram mais rápidos e
chegamos lá para encontrar nossos cavalos, nossas bolsas de viagens e nossas armas reservas aos pe-
daços.
Quando voltamos a Maiko, os dentes de seu esqueleto estavam se alongando, e sua crina começava
a se tornar tentáculos. Eiichi tirou sua cabeça antes que ele se levantasse de novo.
Viramo-nos. Se continuássemos a pé, a jade teria amaciado antes de chegarmos a um dia depois do
Rio da Lua Negra. Tivemos sorte de não contrairmos a Mácula quando chegamos.
Pelo menos desta vez, ninguém tentou levar o onikage para casa.

Oni no Tobehifu
A história de Hida Tetsu-Kintama, como contada por Hida Masao, 967
Falarei por meu irmão aqui, pois ele deseja que seus feitos sejam gritados aos céus, e seus pulmões
não são mais o que eram! Ele é um grande bushi ainda, e nenhum oni vivo pode mata-lo! Mesmo ago-
ra, com seis deles vivos em seu corpo, ele arde suas partes cada manhã para mantê-los em silêncio!
Como você deseja que eu comece, irmão?
Ele diz que viu o Poço Infecto do Grande Covarde Caído, que mesmo agora não ousa enfrenta-lo!
Sua história começa no Rio da Lua Negra, do qual nenhum homem caiu e retornou vivo… Até agora!
Quando nosso barco virou, ele enfrentou monstros abaixo da superfície da água, até que ambos vi-
essem à tona numa floresta morta, onde Kintama arrastou a criatura para a terra e a partiu ao meio. A

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no-dachi de nossa família devorou o sangue de trinta e dois onis e vinte Moto, e isto foi como andar
pelo esterco para um homem como ele!
Nossos homens viram faixas de pele arrancada nas árvores que tremiam quando eles se aproxima-
vam. Então provaram o ar, e como abelhas raivosas no verão, voaram sobre nossos samurais. Onde
cada uma pousava, abriam uma ferida, até um ken-na de comprimento. E embora o resto de nós cor-
resse, meu irmão não temia nada tão pequeno. Ele correu à frente para encontrar seu mestre, um baixo
demônio com presas, que arrancava a própria carne de seus ossos, e os costurava com cabelo para
fazer os pedaços voarem.
Aquilo pensou que ele estava derrotado quando dez de suas cicatrizes voadoras pousaram sobre ele
e seu sangue deixou a terra negra vermelha, e seus braços e pernas se tornaram inúteis. Tolo! Kintama
esperou até que se aproximasse dele, então mordeu sua garganta com os dentes, e as cicatrizes caíram
em sua face e boca! Kintama o cortou, e para irritar o cão, ele arrancou o resto e o engoliu, rindo do
Pequeno Pútrido!
Como você pode ver, mesmo agora as juntas de seu crânio tentam se partir, as crias lutam para ra-
char e empurram seus olhos contra as pálpebras para contê-los, mas Kintama-sama nunca gritará! Tet-
su-Kintama nunca pode ser derrotado, nem o clã do Caranguejo!

Oni no Kommei
A história de Yasuki Taira (ou possivelmente Doji Notsuke), 956
Muitos de nós falamos dos Shinjo, e a potencial sabedoria que pode ser aprendida com eles. Encon-
trei dois problemas nisto; o primeiro, que seus aliados da Garça visitem durante o inverno, e segundo,
que quando um oni está na corte, todos os olhos se viram para o Caranguejo.
Quis dizer a eles que uso a katana por meu avô e não pela Muralha, mas sou um mediador, não um
covarde, então vasculhamos pelo oni em pares. Eu, é claro, de algum modo encontrei Doji Notsuke em
minha manga. Ele podia conversar com nossos suspeitos enquanto eu observava a maestria da técnica
de combate da Garça: enfadar o inimigo até a morte.
Após uma noite de rapapés e seu interrogatório sobre para que eu servia, encontramos uma pista.
Havia corpos guardados em celeiros — um sinal claro de que ele podia tomar a forma de homens — e
um bushi Otaku louco, bradando de que eles eram lordes, e exigindo que os Kakita matassem os guar-
das Shinjo por sua desonra. Os Shinjo e eu os trancamos antes que pudessem atacar mais homens, e
ordenaram seus seppukus quando não podiam mais controlar sua raiva e briga.
Arrependimento é um pecado. Eu não me arrependo.
Ao amanhecer, seguimos uma samurai-ko Shinjo e Notsuke sacou sua espada, exigindo que ela as-
sumisse sua forma verdadeira. Suas unhas cresceram como hastes de sai, e ela foi até ele. Quando ele
caiu, sangrando, saltei sobre suas costas pela nuvem de cabelo quando ela voou até o teto, e vi face do
homem louco nas costas de sua cabeça. Seus joelhos se dobraram para permitir que ela me perseguis-
se, cortando minha perna, braço e ventre, arrastando Notsuke atrás dela.
“Vamos ver você sem sua casca, Caranguejo,” aquilo sibilou, e suas bocas sopraram névoa amarela
sobre nós. Tentei não respirar, mas ela me estrangulou até minha garganta abrir e o mundo sumisse.
Mas eu não me renderia, e invocando uma força que não sabia que possuía, cortei com minha wa-
kizashi em meu cinto num impecável saque e golpe. Seu corpo caiu, e ria cruelmente enquanto morria,
e logo percebi porque.
A força não era minha.
As garras do oni ainda agarravam o corpo morto de Yasuki Taira.

Baku
Como relatado por Hiruma Iku, 785
Não aceito duelos de traidores, Kenichi-san. Antes do resto de vocês me matar, ouçam o que tenho
a dizer.
A criatura com que este homem se associa não tem relação à Fortuna da Misericórdia. Não é um
animal selvagem ou espírito travesso inofensivo. É o Baku, saído das profundezas do Jigoku pelo pró-
prio Kuni Kenichi!
Ele apareceu nos sonhos de Kuni Satoshi: uma criatura com a face de um leão, o corpo de um cava-
lo, patas de tigre, cauda de vaca e uma juba de cabelo cinza. Ainda assim não o perturbava, pois os

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sonhos eram pacíficos, e ele pensou que talvez a estranheza da criatura representasse os enigmas de
sua obra. Ainda assim, ele acordava toda manhã insone e dolorido.
Não conectamos isto a nossa investigação de início. Mas quando Satoshi não conseguia se lembrar
dos nomes de nossas testemunhas, eu o lembrei. Quando ele não conseguia se lembrar de como usar
sua espada, eu o ajudei. Quando começou a ficar fraco, temi por ele e não deixei o seu lado. Foi bom
não tê-lo feito, pois naquela noite, vi uma forma fantasmagórica passar pela parede e se sentar em seu
peito.
Ela pôs a boca em sua testa e começou a pastar.
Atirei uma moeda de jade, para prendê-la como faria a um fantasma, mas ela ricocheteou ao atingir
a criatura, que galopou para longe. Cortei pela tela shoji, mas ela se fora.
Na noite seguinte, enquanto Satoshi estava pálido e fraco, enrolei minha jade nos fios de minha
corda, e quando a criatura veio para se alimentar de seus sonhos, lancei meu nó em seu pescoço e se-
gurei firme. Ela atravessou janela e parede, estrangulada por meu enlace, até que fui arrastado ao está-
bulo, onde meu nó afrouxou e o baku entrou no corpo de um cavalo que estava entre os outros.
Mas o honesto Kuni estava em serviço, e um deles abençoou o ar com nebulosas gotas que fizeram
o alazão reluzir com magia. Descoberto, a criatura assumiu sua verdadeira forma, e apenas pela força
dos braços perseveramos.
Satoshi não estava morto, Kenichi. E ele ainda se lembra, apesar de seus esforços, quem saiu à
frente do grupo de busca naquela viagem às terras maculadas, e qual shugenja assinou a ordem negan-
do o chá de jade a seu irmão. Rendição e uma morte misericordiosa aguardam.

Dokufu
Como declarado pelo tsugai-sagasu Kuni Chojun, 956
Sou Kuni Chojun, e devo minha vida aos ensinos de meu sensei. Neste inverno, viajei pelas Mon-
tanhas Espinha do Mundo, onde encontrei uma reunião moribunda de ronins Bayushi nas encruzilha-
das. De início suas palavras foram ameaçadoras — eu, um Kuni, em terras do Escorpião com docu-
mentos de viagens apenas temporários — mas olhei para o tecido e não para a roupa, e descobri a cau-
sa de seu alarde. Viajantes estavam morrendo, e era sua missão procurar na chuva gélida por um oni.
Juntei-me a eles, e me retirei ao crepúsculo numa pousada de uma mulher tão acabada e gasta que
parecia ter duzentos e noventa anos de idade. Pedi um banho quente, e, apesar de seus protestos, man-
tive meu daisho por perto, como meu sensei me ensinara. Ferrugem é melhor que sangue.
Meus compatriotas ronins queriam mais fogo para aquecê-los, e se lançaram às diversões escanda-
losas de apostas e ópio. Pensando no oni, segui apenas o suficiente para verificar meus novos associa-
dos e se as garrafas estavam livres de Mácula.
Mas sem o frio para nublar meu pensamento, notei que algo estava errado. Um oni não caçaria na
escuridão nevada; iria aonde há presa. Descalço e com minha lâmina enegrecida, ousei acusações e
saltei no corredor. Embora apenas os únicos sons fossem aqueles que eram melhor deixar de lado,
sabia que não podia simplesmente me virar, pois onis prosperam em segredos. Espiei por um buraco
que cortei no shoji.
A velha mulher lançara um tubo de seu estômago deslocado e o afundou na boca do ronin esmaga-
do debaixo dela no banho. Seus braços estavam colados à banheira por um muco parecido com teia, e
sua mandíbula se partira e engasgava um saco de ovos que ela empurrava pela garganta dele.
E como meu sensei me ensinou, fui embora.
Acordei os outros bushis.
E investimos sobre ela.
Ela gritou às espadas, sangrou leite fedido no chão, e saltou pelas paredes. Mas ela não pensou em
sua trilha e a cercamos na caverna escura na colina onde ela desapareceu. Na manhã seguinte ela
emergiu, uma aranha feita da própria montanha.
Caímos sobre ela, lutando contra a prole que ela lançou sobre nós. Com fogo e jade e as vidas de
trinta homens, ela morreu. Mil cento e noventa caveiras humanas jaziam em seu intestino. Este é o
custo de deixar sua espada para tomar banho.

Oni no Ryokaku
Como contado por Hida Yasunori, que rastejou, sangrando e exausto para o festival, 890

55
Retorno do mundo sem sol com terríveis notícias para Hida Naoyoshi. Há uma semana, sua filha
deveria ter se casado com o famoso Hida Toshiro, filho de Hida Toyotomi, veterano da campanha
setentrional contra os Shinjo, herdeiro das plantações de chá Nandan e senhor de duzentos bushis.
Guardei a entrada frontal no dia em que Chizuko removeu sua armadura, e desejou a ela os mais
brilhantes destinos com Toshiro, pois nos conhecemos desde seu gempukku e muitas vezes falamos da
hora em que ela vestiria vermelho. Devo me desculpar, pois eu era pobre demais para dar-lhe um pre-
sente de jade que poderia tê-la poupado do luto.
Quando a nuvem negra desceu sobre ela, atirei minha wakizashi a Toshiro para que atacássemos
juntos, mas não era sólido, e enquanto ele prosseguia o corpo de Chizuko se dissolveu em fumaça até
que seus dedos sumissem de sua mão e seus gritos se perdessem no vento.
Reunimos armas e fomos para fora, onde o rastreamos pelo céu. A perseguição terminou naquela
noite quando perdemos seu rastro e nossos cavalos não podiam correr mais. Estávamos nas profunde-
zas das Terras Sombrias, sem comida ou água, e Toshiro ordenou que voltássemos à Muralha Kaiu,
para montar uma expedição mais forte ao amanhecer.
Devo me desculpar por meu cavalo ser tão rápido, Naoyoshi-sama, pois não ouvi sua ordem.
Julguei que o oni boiasse e flutuasse pelo vento, e o rastreei a uma fortaleza de afiadas rochas ne-
gras, cercada por um bosque de árvores podres. Tomei refúgio numa poça imunda de carpas sujas
quando ele se aproximou, não mais nuvem, mas um guerreiro armadurado com duas bocas.
Com tom de cavalheiro, ele falou com seus servos trolls da pureza e das teimosas recusas e eles a
trouxeram seu véu, que ele atirou numa panela fervente de sangue podre, que se avermelhava ao seu
toque. Ele lambeu o véu com as duas línguas, e anunciou: “Ela é digna.”
Meu senhor, não tive como reportar de volta à tropa, então andei pela fortaleza como um ladrão.
Chizuko foi enfiada num kimono preto externo, ajudada por trolls que seguravam seu corpo enquanto
ela lutava.
Mas ela deixara suas espadas, Naoyoshi-sama, e havia dúzias de trolls, acendendo incenso e lou-
vando-a com preces. Ela se tornaria parte da família do Deus Caído, que aprovara seu matrimônio
profano em pessoa.
Perdões por minha braveza, meu senhor, pois interrompi os procedimentos desafiando-o a um due-
lo. Sabia que violava as regras do bushidô e etiqueta, mas estava num lugar onde a esperança jazia
morta. E vi sua postura e soube que sua perícia e técnica eram melhores que as minhas.
Logo, devo me desculpar por ter jurado completa honestidade em meus relatórios de batalhas, meu
senhor, pois desejo poder amaciar minhas notícias amargas.
Chizuko está segura, e o espera num vilarejo não longe daí.
Ela permanece livre de Mácula.
Mas não é com Toshiro com quem ela deseja se casar.

Oni no Tsukakoro
Da história de Kuni Hitomi, sobre a Batalha do Mandíbula, 716
Dos tipos de onis reunidos pelo Mandíbula, as multidões dos falecidos foram classificadas em sete
ordens: a família da anatomia adicional, a família da anatomia ausente, as bruxas, as bestas, os incor-
póreos, os feiticeiros e os onis de formas similares aos elementos. Um espécime de grande debate foi a
“caixa rolante de ossos” que foi vista quicando nos campos de batalhas e descoberta ainda vivendo nas
águas criadas por Kuni Osaku.
Este oni parece ser uma trama de estruturas ósseas cobertas por quitina, criando uma forma quase
esférica, unidas num nexo por uma junta não diferente de um tendão protuberante, com um ferrão ou
talvez uma garra no fim. O oni rola atrás da presa, prendendo indivíduos dentro de sua estrutura, onde
são segurados por garras em ganho e tendões, e mantidos no lugar enquanto o oni injeta um imundo
líquido digestivo em suas veias.
A caixa inteira então para de se mover e se comprime à metade de seu tamanho anterior, ossos
formando uma bola impenetrável de espinhos que o mantém quase invulnerável enquanto se alimenta.
Até onde nossos experimentos puderam descobrir, a vítima é esmagada e sufocada pelos ossos constri-
tores, então dissolvida pelas injeções do oni e absorvidas por uma abertura no centro da criatura. Veri-
ficamos não se trata apenas de uma boca invisível, pois atacar esta área em sua forma maior não o
perturba, e não pudemos encontrar órgãos digestivos.
A criatura parece não ter fraquezas salvo aço e paciência, pois apenas destruindo o bastante de suas
juntas conectoras pode-se deixa-la imóvel. A classificação deste oni pode levar algum tempo. É feliz-

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mente incomum, e não detectamos variantes relacionadas. Vários de meus superiores sugeriram que
pode ser invenção deliberada de um maho-tsukai, pois sua forma é extremamente incomum para uma
criatura das Terras Sombrias.

Yamauba
Relatado por Kaiu Yukio, 602
Encerrei o Mês das Crianças Mortas.
Matei a enganadora que matou meu filho, Kaiu Hiroshi. Matei o demônio que matou os três filhos
de Hida Toyo, o filho e a filha de Hida Yoshitaka, o filho de Kaiu Yutaka, os filhos de Hida Yasushi,
Hida Haruye, Hida Gidayu e Hida Takeshi. E não haverá mais ordens de seppuku, pois o daimyo per-
cebeu o engano. Nunca vamos nos esquecer.
Chama-se Yamauba.
Ela tem uma segunda boca atrás de seu pescoço.
Não importa quem olha para ela, ela parece ser sua mãe.

Oni no Haino
Como contado por Hida Renko, magistrado de Hida Atsushige, 533
Levei cem bushis à cidade durante nossa demonstração de força em Ryoko Owari, e saí com cem
bushis.
Fiz isto sem jamais esquecer meu dever. As sedutoras sub-humanas desta cidade nos lembram de
todas as tentações que levam samurais ao estupor e depravação. Propinas, shochu, sakê — meus ho-
mens nunca os tocaram, pois os policiei como os policiava na Muralha. E embora a pureza da jade
equilibre seus elementos, a pureza da honra mantém meus bushis a salvo.
No quinto dia, alguns começaram a se desviar. Eles tinham geishas em seus quartos. Decapitei-as
na frente deles.
Chega de geishas.
É assim que se mata onis. Você os mata vivendo para enfrenta-los, mesmo quando não podem ser
vistos. Quando um de meus Kuni adoeceu, algo estava errado. Ele ficou vermelho nos olhos e pálido
na língua, mas não era Mácula. Encontrei seus amigos escondendo shochu em seu prédio. Eu o destruí
na frente deles e decapitei o homem que o vendeu.
Chega de shochu.
Quando continuou a adoecer, o observei cuidadosamente. O shugenja tentou preces a Jurojin, mas
Jurojin não responde a tolos. Ele não estava dormindo de armadura — ele disse que era quente e úmi-
do demais nas terras baixas. Disse a ele para fazê-lo; este lugar estava cheio de veneno Escorpião. No
dia seguinte, ele pareceu melhorar.
Cansado, assim como na noite seguinte, e na manhã seguinte estava vomitando, bebendo o máximo
de água que podia, comendo desesperadamente. Piorou. Ele não podia cuspir. Nada vinha de seu nariz
ou pulmões quando tossia.
Esperei em seu quarto naquela noite, e patrulhei descalço, espada e face escurecidas. Encontrei-a
no teto. Ela se parecia com qualquer travesseiro-eta de dois zenis da cidade: o disfarce perfeito. Sua
língua era fina, como corda, e flexível como um rabo de macaco, cinco ken-na de comprimento e saía
pelos bambus da casa barata.
Atirei nela com flechas de jade e a estrangulei com a própria língua.
Chega de onis.

Mamono
Como relatado por Kuni Kaji, Magistrado de Esmeralda, 991
Meu coração se aquece com as palavras de Hida Renko e a sabedoria que possuem até hoje. Meus
alunos me perguntam se onis realmente se escondem nos luxos de outros Clãs.
Sim.
Porém, dizer isso em suas faces atrita alianças. Se você seguir várias práticas simples, você pode
manter a si e talvez três outras pessoas vivas. Sempre se lembre que em outras terras, você é yojimbo
assim como shugenja.
Estive na corte Soshi este ano. Eles sorriram e me deram presentes e me ofereceram amizade, mas
ficaram chocados quando pedi para dormir no porão e colocar proteções contra o mal em meu quarto,

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no jardim e no portal do castelo em cada noite. Os Soshi fofocaram e pareceram insultados e pergunta-
ram por que eu queria fazer tal coisa.
“Porque não há proteções lá agora,” eu disse.
“Oh, e quantos onis invisíveis você está esperando?” Eles riram, como se fosse uma piada. Naquela
noite fui apresentado a vários visitantes Daidoji e me comportei ao meu melhor, pois só se pode cortar
poucos Garças em duelos antes da corte expulsá-lo. Então para ser polido, pus minhas proteções após
eles terem entrado, banhei-me em meu quarto, e apareci para o jantar. Vários deles ouviram de minha
posição, e se disseram ser homens e mulheres com posses e acordos comerciais e outras coisas para se
falar.
Isto era conversa. Conversa é ar.
Eu os agradei, e os levei ao jardim um por vez. O segundo — não me lembro de como se chamava,
mas a proteção sabia a verdade — irrompeu em chamas. Sua pele queimou e uma criatura sangrenta de
músculo e gordura ficou em seu lugar, com um só olho e presas de aranha saindo de seu estômago.
Suas mãos eram lâminas serrilhadas de ossos.
E então ele sumiu.
Eu pausei, ele poderia ter ido à multidão e começado a matar. Então fiz o que Hiruma faria em si-
tuação similar. Investi diretamente na fumaça, o levei à proteção, e cuspi em sua face.
Pude sentir sua fúria, embora meus olhos ainda vissem chão vazio. E eu corri, assim como Hiruma.
Eu sabia onde ele estaria pelo resto da noite — ele me seguiria aos confins da terra. Então corri direto
para o portal do castelo. Desacelerei quando ouvi suas pegadas atrás de mim, e ele queimou até a mor-
te na segunda proteção.
Convidei o único Daidoji em quem confiava para ficar comigo em minha câmara. Nenhum de nós
dois dormiu, pois a hora em que há mais chances de morrer é após sua primeira batalha. Esperei pelo
maho-tsukai que o invocou viesse atrás de nós em vingança, mas quando ouvi o grito fora de minha
porta, era o mesmo corpo queimado, correndo em terror quando tocou a terceira proteção. Agarrei
minha jade e o persegui à cozinha onde o abati. Os yorikis logo me cercaram, soltando perguntas e
gratidão, enquanto o cadáver com esforço se recompôs. Ignorei suas palavras e o abati novamente.
Sangrar, queimar e jade aparentemente fazia pouco, então cortei o corpo em dois, empalei cada par-
te numa sai, dei-as para dois bushis e disse a eles para enterrá-las sob uma imensa rocha, imersos na
terra. Peguei a cabeça eu mesmo, e a pus em sua cova com a face para baixo, para que cavasse para
baixo quando rastejasse com seus dentes.
E embora eu não saiba como estas criaturas sejam mortas, os Soshi me garantem que ele não inco-
modou ninguém desde então.

Oni no Satsujinko
Como registrado por Yasuki Komadori, 855
Sou Yasuki Komadori, e digo-lhe que a causa de grande problema na Muralha este ano foi uma cri-
atura invocada por um maho-tsukai dentro do pessoal perto do Túnel 22. As armadilhas Kaiu pouco
fizeram em deter seu progresso, e os investigadores Kuni que vieram para ajudar acreditaram que todo
o necessário era jade. Mas os Kuni ficaram nauseados no primeiro passo no saguão e não puderam
nem entrar para purifica-lo.
Após seu ataque de dentro da Muralha, ele se retirou para o rio Seigo. Nossos batedores encontra-
ram sua trilha mesmo através da água, pois a jade que carregavam apodreceu num só mergulho. Sem
dúvida ele cruzou rio acima para curar os pequenos arranhões que nossos bushis infligiram.
Acreditamos que ele perseguiu o eta depois e se escondeu nas cozinhas por pelo menos dois dias
antes de se mover para Muralha, pois a Mácula lá é tão forte que ninguém pode entrar. Fomos incapa-
zes de purificar as paredes com água, areia ou jade, e muitos Kaiu Maculados se voluntariaram para
desmontá-la e levar as pedras para o fundo das Terras Sombrias.
Ele foi visto ao norte de Shiro Kuni pela trilha de árvores e arbustos mortos, e embora saibamos de
mais do que sua presença, nosso exército poderia ter salvado o vilarejo ao invés de condená-lo. Nossa
jade apodreceu antes de atingir a carne, mas quando nossas armas de cristal perfuraram sua pele, sou-
bemos que a luta terminara.
Faço saber que o Oni no Satsujinko parece um ogro esquelético com braços de quatro garras e asas,
com um campo negro como uma nuvem de tempestade onde deveriam haver olhos, e uma névoa negra
de corrupção que vaza constantemente de sua boca. A luz cinza que brilha daqueles olhos deve ser
evitada a todo custo, e os tocados pela nuvem não podem inalar, pois sua respiração pode matar só

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pela Mácula. De algum modo, seu corpo deve ser banido para o Jigoku, pois parece ter sido invocado
de lá.
Sou o milésimo ducentésimo vigésimo primeiro a ser morto por um oni morto. Minha família fará
seu dever em prover a argila e pedra e trabalhadores necessários para o poço. Devo ser o último a ser
selado lá dentro.
Dei a ordem de queimar o cadáver.
Meu único pedido é que nunca se esqueças de meu engano.

O Shuten Doji
Como contado por Kuni Kaneo, renshi, Kuni shugenja-ryu, 654
Esta noite lhes falarei dos Chuda, uma nobre família cujo único serviço era ao Imperador. Suas ter-
ras ficam na Planície Coração de Dragão, certamente o lugar mais calmo da terra além do próprio lar.
Embora treinassem nas artes da guerra, eles não lutavam com ninguém. O daimyo Chuda Choro tinha
dois irmãos leais, uma esposa fiel, um castelo de bushis corajosos e um filho e uma filha que o ama-
vam mais do que tudo no mundo.
Eles se achavam seguros.
Eles não existem mais.
Ouçam-me, e lembrem-se do Clã Serpente, pois a criatura que matou um Clã não hesitará em matar
outro.
Minha história começa há muito tempo, quando o Manchado lutou abaixo da terra. Dizem que três
homens se aventuraram naquele mangue com misericórdia em seus corações, e eles comeram seus
corpos para ganhar o retorno ao nosso mundo.
“Fortunas não têm misericórdia de mim,” ele chorou, “então criei minhas próprias Fortunas.” Ele
gotejou o próprio sangue sobre eles e prendeu um vento maligno em seus crânios vazios e clamou
pelos Pecados do Medo, Desejo e Arrependimento. E deste dia em diante, estas Fortunas deturpadas
exigem sangue a ser derramado e uma prece feita em nome de um dos Três Pecados, e em troca, elas
podem conceder poder como você e eu nunca desejamos ver.
O Manchado nomeou estes três de Shuten Doji, os três Reis Espíritos, os verdadeiros senseis da
maho.
Medo tem o poder de nos paralisar, nos impedir de agir. Ele concede o desejo de mudar nosso futu-
ro e nos faz ser o que seríamos homens mais fortes.
Desejo tem o poder de nublar nossas mentes. Ele muda nosso presente nos fazendo fingir que sa-
bemos o que há para saber, e nos justificamos com o mal. Ele concede desejos de corrupção e licenci-
osidade.
Mas o mais astuto Pecado, que tortura os mais bem sucedidos e leais homens, é Arrependimento. À
medida que nossa memória falha, à medida que a memória de nosso pai falha, Arrependimento passa
por bons feitos passados e torna os maus maiores. É o Pecado do vitorioso que pensa que falhou. O
poder do Arrependimento é mudar o passado.
Não sei qual Shuten Doji matou o Clã Serpente.
Sei que Chuda Choro estava doente, e seu filho Tamihei revirou os mistérios do universo na escola
Isawa para ajuda-lo. Mas as preces a Jurojin e a suspensão das maldições não surtiram efeito; quando
ele se fortalecia, a doença também. Tamihei viu seu pai sofrer e espirou uma prece meio proibida: por
medo de que ele morreria, por arrependimento em não poder ajuda-lo, e pelo desejo em ser reconheci-
do como poderoso shugenja. Em sua frustração, Tamihei golpeou um eta com sua espada.
Naquela noite, o Shuten Doji apareceu e prometeu a ele poder para salvar seu pai, se ele apenas
completasse a prece. Ele foi aprisionado entre este mundo e o próximo, e por sete dias, no primeiro dia
de cada mês, ele oferecia a Tamihei algo novo. Ele ofereceu a ele sua vida. Ofereceu a ele seu perdão.
Ofereceu a ele terras e bons casamentos. Ele gritou e arranhou e implorou por misericórdia e falou
palavras doces e ainda assim toda noite terminava igual. Ele pedia a ele para completar seu pedido, e
ele recusava.
Por sete anos.
Então, certa noite, seu pai o convocou. Choro ficou tão leve de corpo e sua pele tão fina que mesmo
o lençol que o cobria lhe causava dor. Choro pediu a seu filho para ser misericordioso e finalmente
dar-lhe paz.
“Farei tudo o que eu puder, Pai,” Tamihei prometeu, e completou sua prece.

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O Shuten Doji o levou a uma caverna por sete dias para ensina-lo o segredo. Quando retornou, seu
pai havia morrido, e Tamihei, agora daimyo, jurou que o conhecimento negro que convocara não seria
em vão. Ele se tornaria imortal e aprenderia os verdadeiros segredos, os que trariam seu pai de volta
dos mortos, e completaria sua promessa. Ele contou a sua irmã Shinobu sobre seus planos, e por sabe-
rem que seria maligno matar outra pessoa por estas razões, ela se voluntariou como sacrifício.
Ele a esfaqueou com sua wakizashi e quando o sangue de seu coração caía sobre ele, ele perguntou
se ela podia ouvir. Com estas palavras, ele se tornou parte do espírito dela. Quando o eta o ouviu orde-
nar que o corpo dela fosse levado à pira funeral, ele se tornou uma parte do eta. Quando o eta disse ao
guarda o que estava fazendo, Tamihei ouviu tudo, e se tornou parte do guarda.
Ele viajava pela fala.
Pela manhã, Tamihei era parte de quase todo samurai, heimin e hinin do vilarejo. E o Shuten Doji,
claro, era parte de Tamihei.
A única exceção era um jovem garoto hinin que servia aos monges no templo tocando sino toda
manhã e noite. Todo dia, o garoto rezava para Jizo, a Fortuna da Misericórdia, para deixa-lo ouvir o
sino uma vez e não apenas sentir o som; pois nascera totalmente surdo.
Naquela manhã, após sua prece, uma mulher que ele nunca viu lhe entregou o martelo, e ele ouviu
o sino.
Assim como os cinco Mestres Elementais em Kyuden Isawa. O Mestre da Água vislumbrou numa
poça congelada de pura água da chuva de uma tempestade invernal, e viu uma terrível visão: o mundo
que ocorreria se os Mestres não agissem agora.
Em três dias, o exército Shiba marchou à Planície Coração de Dragão, aonde um grupo de merca-
dores vinha do vilarejo perto de Shiro Chuda. Um só bushi foi à frente deles para detê-los, o Mestre da
Terra os varreu com um olhar de magia e viu os sinais da Mácula sobre eles.
O Mestre do Fogo comandou Osano-Wo para ensurdecê-los com seu trovão, e ordenou aos Shiba
em torno dele bradarem seu kiai o mais alto que pudessem para abafar os gritos que vieram. Ele cha-
mou trovão dos céus sobre os mercadores e os bushis que ouviram suas vozes.
Antes que chegassem à cidade, eles viram as bandeiras do exército Serpente, todo homem mar-
chando sem a batida de um tambor para guia-los. E quando o arauto da Fênix cavalgou à frente em
saudação, o Mestre do Ar examinou suas mentes e sentiu o toque de suas palavras já sobre o arauto.
Pouco antes de eles darem um brado de batalha, ele congelou o ar em seus pulmões e os cercou com
silêncio. Na terrível quietude que se seguiu, ele sacou uma espada e investiu, os exércitos atrás dele.
Três mil samurais morreram sem um som sequer.
O Campeão da Fênix se reuniu com os Mestres Elementais, e suas forças cercaram o vilarejo. Eles
enviaram uma patrulha para ver se havia inocentes para salvar, furando seus ouvidos quando entra-
vam, cientes de que uma mísera respiração bastava para coloca-los nos tentáculos de Tamihei.
Só um retornou. Ele estourou os próprios tímpanos.
Eles costuraram seus lábios e o forçaram a escrever seu relatório. Os Shiba pausaram em choque na
cidade quando os etas os olharam nos olhos… E marcharam juntos, cercando-os.
“Todo soldado que lá entrar não deve ter medo,” adiantou o Mestre do Vazio, pois estava falando
com os oráculos, e lembrou que o Shuten Doji que derrubou Isawa Ariminhime e quase destruiu Gisei
Toshi. “E nem desejo, ou arrependimento, pois cada lampejo destas coisas torna o Shuten Doji mais
forte.”
O que se seguiu é chamado de Cinco Noites de Vergonha, pois atacavam à noite, quando o Shuten
Doji assombrava os corredores do castelo. E o que fizeram provou que todo samurai dentre eles viveu
sem pecado, até que todos eles morreram.
Eles sabiam da enormidade da tarefa, mas não tiveram medo.
Eles não tiveram misericórdia e não cometeram seppuku, pois não tinham arrependimento.
Eles não tinham desejos, mas só seguiam ordens.
Soube disto por algo que parecia ser um garoto surdo que não pode me contar seu nome.

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Você sabe, sem dúvidas, que Hantei XVII decretou após a Batalha das Tumbas Roubadas que toda
questão de maho seja mantida em segredo. Caso as pessoas aprendessem sobre os poderes dos maho-
tsukais, homens desonrados poderiam buscar por tais feiticeiros, e honrados temeriam. Neste assunto,
creio que o Filho dos Céus não tenha sido sábio.
O próprio engano de que “não houve maho em trezentos anos” permite que estes shugenjas detur-
pados floresçam. Muitos samurais se preocupam pouco com a maho, crendo que seja rara, restrita a
províncias ermas e rapidamente corrigida por um magistrado civilizado. Minha própria experiência
me levou a oito feiticeiros de sangue nos últimos sete anos.
Se você não acredita que isto seja preocupante, pergunto isto, Mestre da Terra:
Você sabe dos bushis que usam maho?
Creio que entenda meu ponto.
A Mácula é involuntária, e um homem pode ainda fazer o bem sob sua influência. Maho é uma
prece ao oitavo kami e apenas o mal pode vir do sangue derramado em seu serviço. Maho-tsukais não
merecem misericórdia, pois eles não demonstram nenhuma ao mundo que destroem.
Estão anexos alguns relatos que encontrei de feiticeiros passados e várias cartas que os tsukai-
sagasus receberam em tempos recentes. Use cautela se investigar estas questões, pois feiticeiros ra-
ramente agem sozinhos, e é muito fácil para a mais perversa doutrina encontrar seguidores. Mesmo
os há muito mortos podem ter descendentes ainda restantes.
- Seikansha

Do Romance de Asako Seisha “Pedras Ardentes”


Poucos Isawa leem as obras dos artistas Asako, e menos ainda se importam com histórias onde
homens de seu próprio nome cedem ao mal. Porém, Seisha estudou história com os Asako e Ikoma
antes de ir para a literatura, e creio que haja mais verdade nestes eventos do que se possa supor. Eu
mesmo já vi paredes queimando com fogo maculado mesmo hoje.
- Seikansha

A neve caía, sem esforço, do céu negro, passando intocada e sem se derreter pelas chamas azuis.
Por cinco dias, os muros de granito do monastério queimaram, com chamas mais frias que a neve,
embora não o bastante para arrancar a alma dos homens de seus corpos.
A mão de Shiba Sazaku estava em sua espada, seu calor derretia o gelo na tsuba. Ao redor dele, a
geada se amontoava pelo sode da armadura do soldado, fazendo-os sumir em fantasmas desformes.
Cada face pálida era de um samurai, preparado para matar e morrer para cumprir a promessa de
Shiba; mas o que os esperava de maneira alguma podia ser entendido, e mesmo o mais bravo sim-
plesmente olhava às chamas sem fumaça e esperava pelo comando do rikugunshokan.
Sakazu se virou, olhando para as partes chatas da colina atrás dele. Dúzias de acres que deveriam
estar abundantes de arroz agora pareciam cantos marrons afiados por sua cobertura nevada. Seus pró-
prios vagões de suprimentos estavam quase vazios, ele sabia, e nenhum cavalo cruzaria as trilhas ne-
vadas.
Duzentos bushis, metade disto em auxiliares, e sabe-se lá quantos camponeses esperavam abaixo,
implorando silenciosamente por sua cota de grãos que não foram capazes de fornecer. Ele imaginou
quantos já haviam sucumbido à comida Maculada e falsas promessas do monastério.
“Está aumentando, meu senhor.” Ele não se virou para ouvir o comentário de Urachu. “Se não ata-
carmos em breve, esta terra nunca mais dará frutos.”
“Assim você diz.” A voz de Sakazu era calma, mesmo ele tendo passado tempo suficiente entre os
shugenjas para saber o que significava quando Urachu lhe contou que os maho-tsukais entre os mon-
ges Pedra Azul mantinham seus talentos Isawa. Muitos feiticeiros de sangue desistiram dos elementos
em favor da corrupção do Kami Negro, mas os homens que o esperavam haviam usado sua Mácula
para ganhar ainda maior domínio sobre o mundo.
Ishikens aposentados e shugenjas Isawa, de algum modo recorriam à tentação do Perdido. Não ha-
via nada na terra, mar, ar, chama, vazio ou sombra que não pudessem controlar, e nenhum respeito
pelas Fortunas ou Ordem Celestial para manter poder tão incrível em xeque.
“Como você os impedirá?”
O silêncio cresceu enquanto Sakazu olhava para o raio de luz azul na face de seu conselheiro. Cin-
co dias atrás, ele reuniu um exército grande o suficiente para assassinar quinhentos homens.

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Quatro dias atrás, os Isawa os lideraram a um ataque de magia, e foram repelidos pelas chamas que
saíam dos muros. Shugenjas e bushis morreram pelo seu toque e os céus cheios de neve.
Três dias atrás, eles tentaram com força, lançando linha após linha de homens contra fogo impene-
trável, assistindo sem medo enquanto eles queimavam e caíam e morriam, e seus cadáveres queima-
vam antes de escalarem.
Dois dias atrás, eles tentaram com astúcia, usando truques de espião para voar pelas copas das ár-
vores, e túneis pela terra fofa. Mas os feitiços maho viraram os elementos dos intrusos contra eles,
sepultando seus corpos na terra e usando o ar para rasga-los em pedaços por dentro.
Noite passada, eles tentaram com preces, sem atacar e pedindo pela misericórdia das Fortunas que
lhes concedessem a coragem e astúcia de que precisavam. Mas não houve resposta, e esta manhã os
muros ainda ardiam.
Esta noite, Sakazu decidiu, ele tentaria com pensamento.
Quanto mais fortes eram os ataques de seus homens, mais fortes as magias dos feiticeiros ardiam
em proteção, e ele perdeu metade de suas forças contra a força simples de fogo e terra do templo, o
que não custou nada aos maho-tsukais. De fato, com o poder do sangue, a morte de seus homens ape-
nas abasteceu seus inimigos.
Ele respirou fundo, batendo a mão no ar para limpar a neve de sua visão. Mas os grãos sem peso só
dançavam, intocados.
Assim como as chamas não os tocavam.
“Com neve,” ele por fim respondeu a Urachu. “Seus feitiços não os protegem contra o que não é
ameaça.” Ele podia sentir as questões nos olhos de seus homens enquanto ele tirava sua armadura, mas
ele não respondeu, focando seus dedos na tarefa em questão. Elmo primeiro, e então kote e do-maru,
postos aos seus pés. O daisho foi para Urachu levar a seu filho. Tremendo, Sakazu desamarrou seu
obi, deixando seu kimono aberto. Ele desamarrou suas botas, então tirou suas meias, seu hakama, seu
shigati e fundoshi até que ficou nu, no ar frígido, mãos e mente vazias de toda ameaça.
Com pernas que tremiam com frio e não medo, ele cruzou os cinquenta passos aos portões do mo-
nastério, e embora o calor negasse o vento de
[N.T.: Por funcionarem com mecânicas bem sua pele e sopro de seus pulmões, sua carne foi
diferente na atual edição, regras para maho, intocada e ele desapareceu entre as pedras
feitiços de maho, Poderes das Terras Sombrias e flamejantes.
Ancestrais não aparecerão nesta versão.]
O romance termina aqui, embora vários
dramaturgos tenham tentado continuar a história. Cada versão tem uma conclusão diferente, pois
ninguém sabe de fato o que ocorreu lá dentro, só que Sakazu entrou incólume, e desde então ninguém
mais viu ninguém entrar ou deixar o monastério. Embora alguns digam que ele falhou, pois o monas-
tério ainda está perdido, a terra e os elementos se recuperaram e assim muitos consideram Sakazu um
grande herói.
- Seikansha

Da Peça “Virtude”, de Ikoma Jijo


Esta peça é um dos sermões do Leão sobre os males da luxúria, vingança e a Garça, não necessa-
riamente nesta ordem. Os personagens Garças são caricaturas, é claro, mas tenho evidências de que
os eventos aqui descritos são reais (embora eu não diga isso a um duelista Kakita). Esteja avisado:
certo Caranguejo que nós dois conhecemos diz que a beleza de Doji Nashiko era tão grande a ponto
de parar a própria idade, e que ela ainda espalha seus favores Maculados.
- Seikansha

Cena: Na Corte do Campeão de Esmeralda


(Doji Komatsu, o Campeão de Esmeralda, está diante das mulheres reunidas da corte, incluindo
Doji Nashiko, uma comum e ricamente vestida cortesã, e Kakita Nenko, uma bela garota de kimono
simples. Os servos de Komatsu seguem cada passo seu.)

KOMATSU: Entrai, meus amigos, minha corte a todos saúda


Vós que buscais meu favor. Noivas em forte vermelho
Estão diante de mim, todas em sedoso esmero

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No suave tecido de artista, o melhor que seus clãs podem tecer.
Quem dividirá meu coração e quarto,
Eu, Komatsu, o braço direito de Hantei?
(à Primeira Garota) Teus olhos são negros como jade, fundos como anoitecer,
Bela, modesta, pudica, a perfeita mulher.
(Vira-se) Teu pai esperava que estes lábios beijassem minha justiça
Para seus crimes eu esquecer.
Vá embora!
(Primeira Garota chora e sai do palco)
(à Segunda Garota) Teu leque é tecido em azul e prateado,
Mas teu coração é rubro de ardil e insaciado
Assim como a Escorpião que a luz lhe tem dado.
(Segunda Garota se irrita e sai do palco)
Ninguém aqui se provará digna de meu toque?

NASHIKO: Grande lorde, o saúdo em nome de meu pai


Doji Osenshi, e eu, Nashiko.
Meus anos desde que o vi tenho pensado
Sob a tutela de Enshei, tenho dominado
As regras dispostas por Doji há muito passado,
Aprendendo os caminhos da honra e do dom,
A arte da suave persuasão. Em minha mão
Biwa canta para encantar a multidão
Nenhuma face na corte é estranha a mim
Tudo o que a esposa perfeita deve saber, aprendi.
(Komatsu olha para Nenko, estupefato)
Meu senhor, por anos regi a casa de meu pai
E os filhos de minha irmã, como se fossem meus, os criei.
Tudo que precisardes ou quiserdes, (mais alto), farei.
(Nenko finge um sorriso e se esconde atrás de um leque.)

KOMATSU: (para Nashiko) Suas palavras são verdadeiras, tu dominas as artes femininas
É inenarrável, quão triste é para um varão,
Retornar para casa com honra conquistada
E com perícia, mas frio, sem amada
Cujo encantador esplendor aquece olho e coração.
Beleza a si só recompensa,
Brancas mãos que aos lírios pede passada.
Olhos negros, de olhares baixos, e cabelos de cascata.
Quanto mais alta a virtude, mais digna a empreitada.
(para Nenko) Deste dia em diante, tu és minha amada.
(Sorrindo, todos menos Nashiko saem. Ela cai de joelhos.)

NASHIKO: Que valor tem a vida com beleza perdida?


Todo pensar, toda perícia, toda energia consumida
Diante da mais insossa elegância.
Nunca ficarei contida à sombra,
Eclipsada sob o sorriso vazio de outra.
(Ela saca seu kaiken.)
A beleza delas abre caminhos; devo cortar o meu,
Cortada da rocha com mãos indelicadas
Demais para sua carne tocar. Digo que assim será.
Se ele diz que beleza é virtude, que eu seja
A mais virtuosa mulher de Rokugan.
Na vida, na honra, nada venci ou ganhei.
Agora, escolhi morrer.

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(Ela leva o kaiken à garganta, então o vira para rasgar seu braço inteiro. Sangue escorre pelo palco.
Contrarregras choram.)
NASHIKO: A morte da honra. Este é meu sacrifício.
Sua beleza agora é minha.
(Trovoadas e fumaça. Ela sai, deixando sua antiga máscara no chão. Entra um grupo de homens com
barulhos de conversa. Silêncio quando Nashiko entra, trajando uma espetacular máscara nova. Os
homens observam.)

HOMENS: O que eu fiz para as Fortunas me sorrirem assim?


Pele como a nova neve, e cabelo da seda das aranhas,
Caindo aos joelhos em dobras de cetim.
Devo eu cair de joelhos para simplesmente sentir
Tal toque gentil. Oh, Céus, concedam-me o pedido meu,
E abram as tuas portas.
(para Nashiko) Minha dama, minha vida, minha honra, tudo é teu.

NASHIKO: (ao público) Que tolos são os homens. Como borboletas gracejam,
Perseguindo as brilhantes e coloridas asas,
Uma face anseiam, ainda que não saibam,
Que a moeda que pagam é forjada com almas.
(Ela olha para um homem e deixa cair seu leque. Ele o pega e a segue à saída.)

HOMENS: Quão triste é não sentir aqueles lábios


Em minha pele, aqueles dedos pelo meu cabelo,
À luz das velas que a noite afasta
Para o amor já basta. Quem será o próximo?
(Nashiko retorna e leva outro embora.)
Inveja se espalha. Aonde foi a favorita?
Não mais ficam ao lado de seus senhores.
Ao invés de espadas, suas mãos empunham pincéis e tinta.
(Ela retorna e leva um terceiro.)
Linhas de haiku, netsukes de puro dourado.
Atrás de seus olhos, seu sorriso arde, e sangue
Jorra nas pedras para cada palavra dada ao amado.
(Ela leva um quarto.)
Por que restei sozinho? Não sou tão belo
Quanto os outros? Não são meus presentes
Escolhidos com mais zelo, minha honra envolta
Em papel, oferecida numa bandeja de prata?
(Ela retorna, considerando o restante.)
Leve-me!
(Eles caem de joelhos diante dela. Nashiko se vira ao público.)
NASHIKO: Só há um presente que ganha minha mão,
Um só, simples preço exijo,
O mimo perfeito, para comprar meu amor, amantes meus.
A única coisa que peço não tem joias nem ouro,
Nem bandejas prateadas, nem o mais fresco broto da primavera,
Nem música, dança, nem verso de admiração,
Nem passeios à luz da lua, promessa, jura ou voto.
Só uma palavra, eu peço, a ser lembrada
E dita nas gargantas de paixão, quando nossos corpos
Entrelaçados como cordas. Seu nome é tudo o que peço.
Digam sim, e todos os seus desejos serão seus.

(Um a um, os homens dizem seus nomes enquanto ela corta seu braço direito, atraindo onis mascara-
dos das coxias. Quando cada homem fala, o oni se ergue atrás dele.)

65
HOMENS: Hirao! Roka! Kango! Ajimi! Shosuke! Naoji! Yone!

KOMATSU: Komatsu.

NASHIKO: Embora um dia vocês entendam


O prazer de meu toque lhes veio a tal custo
Não preciso esperar. Tudo o que quero de vocês
Está feito. Só sua dor. Meu amor está em outro lugar
Ligado a mim em sangue, e não em beleza,
E a ele, vou retornar.
(Ela gesticula, e um a um, os onis levam os homens em gritos.)
Guardem bem suas memórias, que elas restem,
Para confortá-los quando braços e almas forem nus.
Vinde a mim, amantes, quando suas camas forem frias,
E deem-me o presente final para fazerem-se meus.
Eu estarei lá.
(Ela pega a mão do último oni e sai do palco.)

(Fim.)

A Breve e Trágica História da Família Shimizu, das


Altas Histórias da Biblioteca Ikoma
Poucos de fora do Leão viram esta vergonhosa porção de suas histórias, mas creio que o texto fale
por si sobre sua importância. A maho poder passar por famílias como uma herança é de fato temível.
Não mais nossas batalhas podem cessar com a morte do feiticeiro, pois todos os que portam seu nome
podem compartilhar de seus caminhos malignos.
- Seikansha

No septigentésimo quadragésimo terceiro ano desde a Primeira Guerra, quatro anos e sete meses do
reinado de Hantei XXII, as filhas reunidas de Doji e Kakita povoaram Otosan Uchi como um jardim
de flores azuis e prateadas, esperando a escolha do Imperador. Mas em toda a multidão, seus olhos
viram apenas um rosto — Kakita Edako, cuja beleza de olhos verdes encantara toda a corte. Mesmo o
General Akodo Gunhiko aprovou sua noiva.
Antes que o anúncio pudesse ser feito, uma mensagem urgente chegou para Gunhiko. Akodo Shi-
mizu, seu mais confiado magistrado, retornara da missão sem sucesso, e desejava pela permissão de
seu senhor para cometer seppuku. Gunhiko permitiu que o homem caído adentrasse e fizesse o pedido
diante de todos, pois um Leão que não cumprisse seu dever não merecia misericórdia, especialmente
um encarregado de rastrear e destruir o maho-tsukai que aterrorizara as cidades das Planícies Osari.
Shimizu entrou na sala com passos comedidos e se atirou aos seus joelhos. “Gunhiko-sama, eu fa-
lhei-”
Seus olhos se arregalaram quando Edako adentrou a sala, e sem sequer respirar, Shimizu sacou sua
katana e cortou a cabeça de seu corpo. A sala congelou quando trinta e uma espadas deixaram suas
bainhas, só contidas pela mão erguida de Gunhiko. Ele falou uma palavra. “Explique.”
“Completei a tarefa a que me designou. Matei o maho-tsukai, Agasha Enshoku. Se meu esforço o
desagradou, minha wakizashi espera.” Shimizu não piscou às lâminas quando deixou sua mão em seu
cabo.
Quando a magia da bruxa sumiu com o calor de seu corpo, Hantei percebeu o serviço prestado a ele
por este simples magistrado, que vira pelas palavras agradáveis que esconderam seu coração maligno
de seus mais confiáveis conselheiros. Entregando ao homem ajoelhado o obi esmeralda que ele daria a
Edako, Hantei declarou que daquele dia em diante ele não mais seria Akodo Shimizu, mas Shimuzu
Gochoku, pois sua integridade salvou a linhagem Imperial.
Até a quarta geração, a família Shimizu viveu pacificamente sobre a terra que lhes foi concedida
pelo Imperador, servindo à corte de seu clã quietamente e bem. Mas em 827, o daimyo Shimizu Ta-
mayu invejou as grandes riquezas e prestígio concedidos aos Akodo e Ikoma e não à sua pequena fa-
mília.

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Não foi meu nome honrado pelo próprio Imperador? Ele pensou. Por que direito suas terras são tão
vastas e as minhas tão miseráveis?
Reunindo seus servos e os ronins que podia contratar, ele levou um exército contra Ikoma Kuni-
omi, seu vizinho mais próximo. O exército maior o derrotou facilmente, e vingança escureceu o cora-
ção de Tamayu. Quando as Fortunas não res-
ponderam suas preces por vitória, Tamayu se
Oni no Tamayu virou a outro lugar, derramando seu sangue
Oni no Tamayu possuiu Agasha Ens- num pedido ao Decaído.
hoku/Kakita Edako na esperança de destruir a Invocando um oni para fortalecer os braços
linhagem Hantei. Quando Shimizu frustrou seu de seus soldados, Tamayu prometeu seu nome
plano, o oni se tornou obcecado em corromper o por sua ajuda. Esporadas pela magia negra,
homem justo, e embora tenha demorado gera- suas tropas caíram sobre os exércitos de Kuni-
ções, ele finalmente conseguiu. Ao acondicionar omi, aniquilando-os até o último porta-
seus vassalos Shimizu, o oni construiu um exér- bandeiras.
cito particular de maho-tsukais, e chegou perto O sangue fortaleceu Oni no Tamayu, mas
dos números necessários para outra tentativa ele esperou, sabendo que Tamayu viria a ele de
contra o Imperador… Até Giri arruinar seus novo, pois embora suas novas posses o satisfi-
planos. Desde então, Oni no Tamayu se deter- zessem de início, a chama da inveja não é tão
minou a retomar o que é seu “por direito”, em- facilmente apagada.
bora os descendentes de Giri tenham se provado Quando Tamayu buscou a seguir sua ajuda
incorruptíveis até agora. contra Akodo Oko, o oni exigiu outro preço,
NA de Conhecimento (Maho): 30, 25 (Clã outro nome. Tamayu deu o de sua filha mais
Leão) velha, então de seu filho mais novo, então o de
TERRA: 6 sua esposa e filhos, vendendo suas almas para
FOGO: 5 pagar por suas próprias ambições.
ÁGUA: 3 As terras Shimizu cresceram até chegarem
Força: 5 às terras de Akodo Nage, Akodo Kitako- [Edi-
AR: 5 tei os registros de propriedade e genealogias
Ataque: 8k4 que os Ikoma se sentem obrigados a incluir em
Dano: 7k3 toda história – Seikansha]
NA de Acerto: 20 Por cinco gerações, a família Shimizu ser-
Redução: 15 viu ao seu oni. Seus filhos eram alimentados
Ferimentos: 40: +0; 60: +5; 80: +10; 100: com leite Maculado e aprendiam preces ao
+20; 130: Morto irmão negro dos kamis antes de darem os pri-
Oni no Tamayu é único por poder tomar vá- meiros passos. Eles aprendiam a ler em ma-
rios nomes de uma vez, formando elos dominan- nuscritos de magia de sangue, e juravam leal-
tes com dúzias de maho-tsukais. O nome da dade a seu mestre negro antes de dizerem as
vítima precisa primeiro ser oferecido voluntari- mesmas palavras a seu senhor e Imperador.
amente (normalmente quando são novos demais E por cinco gerações, sua maho lhes deu vi-
para entenderem melhor). O oni então faz um tória em quase toda batalha, embora sua astú-
teste de Ar contra a Terra x 5 da vítima. Um cia superasse suas aspirações e mantinham
sucesso com quatro Incrementos torna a vítima suas atenções a províncias pequenas, assim
uma concha ambulante, vivendo apenas para suas vitórias não naturais passaram desperce-
agradar seu mestre. Um sucesso menor indica bidas.
um elo ainda estabelecido, embora ainda con- Mas a liderança de Akodo Miyawa, doutri-
serve a função independente da vítima. Tamayu nado sob Akodo Jigo na octogentésima septua-
tem um número de braços igual ao seu número gésima turma do Colégio de Guerra Akodo,
de vítimas ligadas. provou-se superior mesmo a seus encantos.
O oni ensina maho às suas vítimas, que pode Embora os exércitos de Miyawa não pudessem
aumentar por seu elo, somando sua Terra em derrotar as forças Shimizu, também Shimizu
dados rolados a qualquer invocação de maho Otori não podia superar a defesa de Miyawa e
que a vítima fizer. chegar a seu castelo.
Todo verão por dez anos eles lutaram até
um impasse, encharcando a Planície Shireki com sangue e queimando campos de arroz em todo lado.
E em todo inverno, os Shimizu substituíam seus depósitos com grãos importados e Miyawa chamava
seus aliados para alimentar seu povo, embora ele aceitasse sua ajuda em batalha.

67
Shimizu Riko, esposa de Otori, estava grávida quando a guerra começou, e Otori a enviou para fi-
car com uma prima até que a criança nascesse e a guerra terminasse. Seu quarto filho, Ohoshi, nasceu
em terras Akodo, a cem quilômetros de seu lar Maculado.
Todo verão, Riko tentava retornar a seu marido, mas as batalhas entre Otori e Miyawa ficavam tão
ferozes que ela temia viajar. Ohoshi cresceu como um Akodo, fora das garras do oni, que não sabia de
sua existência. Criado com a honra e lealdade de um verdadeiro Leão, Ohoshi já havia começado a
treinar como um bushi quando chegaram as notícias de que Otori e Miyawa chegaram a um trégua
temporária.
Riko regozijou-se em retornar ao lar, e ela e Otori imediatamente começaram a tramar sobre dedi-
car seu novo filho ao oni, e garantir que sua influência Akodo não germinasse bondade nele. Mas
mesmo aos dez anos Ohoshi absorvera bem seu treinamento, e ele soube de uma vez que algo terrível
espreitava na casa que sua mãe tanto ansiava em ver de novo.
Escondendo-se nos porões, ele viu o contorno reluzente do oni, mais alto que um homem com uma
cabeça lisa e sem face, e uma dúzia de braços com bocas em cada mão. Seus pais e irmãos ajoelhados
diante dele, e ele colocava uma mão dentada em cada uma das cabeças curvadas.
Pegando apenas seu fino kimono, a criança saiu instantaneamente, e caminhou cinquenta milhas à
casa deu seu primo. Quando chegou e contou o que viu, a família desejou atacar a monstruosidade
imediatamente, mas atendeu ao pedido fervente de Ohoshi pelo direito à dívida de sangue, pois era seu
futuro que eles barganharam por poder.
Por mais seis anos, Ohoshi treinou entre os Akodo, destacando-se nas artes da guerra. Na manhã de
seu gempukku, ele tomou o nome Giri, significando “dever”, e se juntou a Akodo Miyawa para liderar
um exército contra seu lar ancestral. Protegido por magias Kitsu, eles caíram sobre a família Shimizu e
os mataram até o filho mais novo.
Jurando fidelidade aos Akodo, Giri aboliu seu nome de família. O amaldiçoados Shimizu não mais
existem, e Akodo Giri queimou suas propriedades antigas às cinzas, construindo seu próprio castelo
para sua nova esposa, Usako, filha de Miyawa.

A Rebelião Yogo
O texto a seguir foi transcrito por meu servo a partir de uma conversa que tive com os moradores
de Hobokuchi Mura quando investigava possível presença de maho na fronteira Yogo/Unicórnio.
Embora poucas histórias do Escorpião mencionem problemas na área, seus camponeses contam uma
história diferente… Após certa persuasão.
- Seikansha

Ah, não, honrado daikan-sama, nunca houve nada como isto aqui. (Concordância em massa) So-
mos muito leais, meu senhor. Você precisa de arroz? Sua espada brilha?
Não. Não. Entendo que sejam leais. Seu daimyo não tem queixas de seu comportamento. Só estou
pedindo por histórias. Sua avó já disse algo sobre maho ocorrendo aqui há muito tempo?
Ah, sim, meu senhor. Houve maho aqui, mas Lorde Yogo-sama, ele lutou contra ela. (Outro acres-
centa) Sim, ele nos protegeu. Todos os que foram parte disso estão mortos, daikan-sama, eu juro.
Sim, Lorde Yogo disse que nenhum descendente do exército de Kaido foi deixado vivo, e estou
certo de que foi o bastante. Mas deve ainda haver histórias. Vocês sabem como Kaido fez tantas pes-
soas se juntarem a ele, ou onde ele aprendeu a invocar onis? Vocês não vão ter problemas se me conta-
rem.
(Muito hesitante olhando em volta. Um homem finalmente vem à frente, curvando-se rapidamen-
te.) Por favor, senhor, eu me lembro, meu avô, ele disse que seu avô conheceu Kaido.
Sim. Prossiga.
Ele disse que Kaido era grande, muito forte. Ele podia erguer um samurai de armadura sozinho,
sem ajuda, então Lorde Yogo-sama queria que ele trabalhasse no castelo. Para levar os corpos quando
samurais lutavam. (Abaixa a cabeça, parece culpado) Por boas razões, estou certo, daikan-sama.
Claro.
Um dos shugenjas de Lorde Yogo-sama, ele voltou das Terras Sombrias (Todos fazem gestos para
repelir o mal), e cometeu seppuku no dia seguinte. Meu avô serviu sakê lá. Ele diz que já havia três
vermes nas tripas quando elas bateram no chão. Kaido levou o tapete e o cadáver. Ele não tinha medo
da Mácula. Ele não… Foi sábio, daikan-sama.
Você sabe quando ele demonstrou pela primeira vez sinais de ter a Mácula?

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(Conferem) Depois. Ele estava bravo o tempo todo. Ele dizia que samurais tinham duas caras. Eles
matam, mas não pensam na morte que dão. (Cabeças mexem com medo) Ele estava louco pela Mácula.
(Concordância em massa) Ele disse isto para Yogo Haigu-sama, mas quando os bushis ergueram suas
mãos para puni-lo, Kaido bateu de volta. Ele era terrível, meu avô diz, como lobo louco, até a boca
espumava. Ele rasgou a pele de Lorde Haigu com unhas e dentes, e sorriu depois, meu avô diz, pois
agora ele podia se voltar contra os samurais que o feriam. (Pausa) Só o que ele merecia, é claro—
O que aconteceu depois? Como ele aprendeu maho? Alguém ensinou a ele?
(Aterrorizados) Não sei, daikan-sama. Meu avô não sabia. Por favor, perdoe minha ignorância —
(Outro fala de trás) Ouvi que um oni o encontrou. Ele gostava de ser forte, Kaido, e ele não sabia o
que fazia ao pedir força do mal. (Sinais de proteção de novo) O oni o viu. (Todos assentem) Foi o oni.
Ninguém aqui podia ensinar maho. Nunca houve maho aqui antes. Nunca.
Você sabe como o oni se parecia? Alguém o viu?
Grande, meu senhor. (Outro) Tinha quatro cabeças, cada uma com uma boca que podia engolir um
cavalo inteiro. (Outro) Não, meu senhor. Só havia duas cabeças, como gafanhotos, e cuspiam fogo.
(Outro) Era mais alto que três cavalos e duas de suas cabeças apontavam para trás. (Muitas vozes para
registrar)
Vocês pegaram esta informação dos julgamentos da Vigília Negra?
Não tivemos permissão de entrar.
Quantos hinins foram julgados e executados por conspirar com ele? (Uma pausa) Entendo. E sobre
o exército? Quando Kaido estabeleceu seu exército?
Muitos homens viram o que ele fez a Haigu-sama e viveu. Eles queriam fazer isso também. Eles
vieram a ele e pediram para ser como ele.
E o oni lhes ensinou maho, também?
Sim. (Outro) Todos eles. (Outro) Não muitos. Eles precisavam de pessoas demais para o sangue. O
resto do vilarejo, se escondeu. Minha avó disse que pediram a Yogo-sama por proteção, mas ele não
pensava que etas podiam ferir alguém. (Líder do vilarejo olha para ele) O oni estava… “Nublando seu
julgamento”, meu senhor. Foi isto o que minha vó disse. Quase uma centena de homens se juntou a
Kaido. Eles moravam nas matas, e o oni os escondia e protegia. (Outro se intromete) Eles ficaram
fortes o bastante para atacar o castelo. Eles mataram muitos Yogo. (Outro) Samurais não sabiam como
lutar com um oni.
Mas eles não foram atrás apenas dos samurais que os maltratavam, não é? Eles foram além do cas-
telo principal, ao prédio da escola nos fundos. Quem disse a eles para fazer isto? Do que estavam
atrás?
(Longo silêncio, então o líder do vilarejo olha diretamente, sério) Oh, daikan-sama, tenho certeza
de que não sabemos.
Totalmente de repente, tomei muita consciência de quantos camponeses havia.

As Confissões de Kitsu Ichiosu


Este transcrito vem da biblioteca de registros Ikoma. Diferentemente das históricas encerradas
que são, digamos, cuidadosamente fraseadas, a biblioteca de registros mantém as confissões originais
de criminosos em suas próprias palavras, muitas das vezes mais úteis para nossos propósitos. Esta
confissão foi feita após apenas dez dias de tortura, e Ichiosu ainda revelou apenas a superfície de seus
planos.
Não tenho certeza de quão familiarizado você está com a prática Kitsu de lidar diretamente com
os espíritos dos ancestrais. Embora muitos shugenjas classifiquem qualquer atividade com o Jigoku
como proibida simplesmente a princípio, o Leão a aceita e crianças Kitsu que podem alcançar os
reinos espirituais são altamente valorizadas.
- Seikansha

O que você quer ouvir? Que minha mãe concordou em se casar com um Kitsu que qualquer filho
com o dom se tornaria sodan-senzo ao invés de juntar-se a ela na escola Matsu? Que ela se arrependeu
da decisão quando seu único filho demonstrou talento para os caminhos da guerra e dos espíritos?
Talvez ela tenha me criado por vingança secreta contra meu pai, me ensinado a me perder na fúria da
batalha e rasgado minha alma contra as reais magias para sempre? Isto é uma boa história para suas
“histórias”? Outra falha para culpar os Matsu-
Por favor, não o rato! Da última vez ele quase chegou no meu pulmão.

69
O que devo dizer então? Eu odiei a escola Kitsu. Não via sentido em memorizar genealogias como
se eu não fosse melhor que um casamenteiro Garça, quando as vidas plenas de ancestrais estavam lá
para perguntar. Ah, meus professores tinham palavras belas para isto. Afoitamente eles nutriam meus
dons com parábolas e contos para me escravizar ao Clã Leão, e as enxurravam com elogios ao poder
de minha técnica.
Mas você parece chateado, eta. Talvez eu deva entretê-lo. Você já ouviu um sacerdote falar da pe-
quena ponte que vai para o reino dos ancestrais? Eles falam como se estivessem fazendo um passeio
de verão. Como se você casualmente tecesse uma máscara e parasse para visitar um velho amigo. Eles
se esquecem de quão perto eles estão do reino dos demônios.
Ninguém jamais menciona que sua “ponte” é uma corda fina esticada por uma caverna de almas
gritantes, ou quão perto seus pés estão dos uivos de onis, ou do cheiro de maldição tão forte que você
não pode andar se respirá-lo. Eles nunca falam do que fazer quando você cai.
Sim, eu, Kitsu Ichiosu, neguei os avisos de meu professor e tentei chegar ao Jigoku por conta pró-
pria. Aí está sua confissão. Foi realmente tão difícil assim?
Devo dizer mais? Talvez eu deva expandir sua educação, eta. Os shugenjas a quem vocês servem
passam suas vidas tateando uma pálida e mórbida Rokugan, ainda mais incolor que a real, quando a
um passo à direita poderia leva-los ao brilho de Fu Leng. A morte é simples proteção para afastar os
que não têm a força de espírito para ir além. Você se juntaria a mim lá?
Por que isso? Eu disse o que queria, não? Ainda tenho que dizer mais? Demora tempo para apren-
der as lições dos demônios.
Não sei quanto tempo passei nas terras do Leão depois. Nunca contei. Mas lembro dos lares em que
fiquei. Todos tinham um oratório que recebiam as bênçãos de meu toque. Eles ficavam ainda mais
agradecidos quando pensavam que eu invocava os mortos. Imagine só! Eles me agradeciam por trazer
os amigos em seus lares!
Você me pergunta por que estou rindo? Eu rio de vocês, dos dois, que pensam que suas torturas
podem me fazer falar. Seu medo fortalece meu senhor.
Você acha que quando os Kitsu me “prenderam” entre eles e os exércitos de seus ancestrais, eu não
teria escapado? Você é um tolo, e seus mestres são ainda piores. Eu conheço partes do Jigoku onde
vocês gritariam até suas gargantas explodirem. Estou aqui porque desejo, e nenhuma punição que pu-
der conceber me tocará. O pior que você pode imaginar é morte, e eu estive morto há anos.
Com estas palavras, Ichiosu simplesmente caiu morto. Muitos Kitsu acreditam que ele voluntaria-
mente abandonou seu corpo, devolvendo seu espírito ao seu mestre negro. Seus descendentes frequen-
temente relatam sentir sua presença, e mais de uma vez um deles enlouqueceu por estas atenções.

Pretensos Maho-Tsukais
As cartas a seguir foram coletadas para mim por Kuni Norichika, sensei sênior dos Kuni tsukai-
sagasu. Embora os caçadores de bruxas recebam centenas de convocações por ano pedindo sua aju-
da, muitas acusações acabam vindas de mera ignorância e medo exagerados e aplicados a vizinhos.
Estas cinco, porém, preocuparam Norichika, então tenha cuidado se você enviar subordinados a estas
áreas, e fique alerta a quaisquer sinais futuros.
- Seikansha

De Matsu Kokanshi, Yoriki de Matsu Orono


Embora o Clã Leão ostente grande vigilância na punição dos indignos em seu meio, eles parecem
ter tantos, se não mais, membros que recorrem ao Decaído quanto qualquer outro clã. Talvez seja
como Akodo disse: qualquer coisa forte demais certamente quebrará.
- Seikansha

Grande sensei Kuni-sama, escrevo-te sem urgência alguma, pois meu senhor me garantiu que nada
está errado. Seu mais novo conselheiro, Matsu Taneji, é um shugenja de uma escolha indistinta, embo-
ra ele certamente tenha sido eficaz em ganhar a lealdade de grande parte da corte. Meu senhor ordenou
que jamais questionasse seu mais confiável subordinado, logo é com máximo respeito que escrevo
sobre seu estilo único, que estou certo que interessará um estudioso das artes elementais como tu.
De fato, imediatamente pensei nestes interesses particulares a que você tão gentilmente comparti-
lhou conosco em sua visita no ano passado. Embora não tenha encontrado nada para ocupar seu tempo

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naquela ocasião, estou certo de que caso retorne agora, você encontrará Taneji-san muito disposto em
se apresentar ao seu lado. Ele, de fato, tem ensaiado pela maior parte das últimas trinta noites, e estou
certo de que uma visita tua viria como grande surpresa.
Quando com meu senhor, Taneji-san se comporta com perfeito decoro, mas é quando está sozinho
que seus reais talentos são vistos. Fui honrado em ter os aposentos ao lado da porta dos do sempre
vigilante shugenja. Realmente, ele é dedicado aos seus deveres, pois na parte mais escura de toda noite
eu o ouço se aproximar do oratório do outro lado do corredor. Eu o vi lá também, e posso garantir que
é com extremo zelo que ele corta a pele de seus antebraços enquanto lê de um manuscrito que ele não
usa à luz do dia.
Certamente não sugiro que suas motivações são menos do que honradas, pois seu serviço a meu se-
nhor tem sido exemplar. Sob seu conselho, meu senhor foi à guerra contra Akodo Kyukei: certamente
uma decisão sonora, pois embora tenha perdido uma centena de homens, ele ganhou um campo de
arroz suficiente para alimentar um décimo deste número. E o ímpeto para com meu senhor por parte
de Taneji em executar seu mais sacro servo, momentos antes de evidências serem encontradas mos-
trando que não fora ele quem roubara uma espada como foi acusado, certamente foi um engano hones-
to feito na zelosa busca da justiça.
Realmente ele é tudo o que um samurai deve se esforçar em ser. Mesmo no canto sua voz soa pelos
nossos corredores com harmonias sobrenaturais, e suas letras clamando pelo Lorde Negro para lhe
conceder poder trazem um ritmo inesperado e exótico para muitos numa noite de inverno. Jamais
questionaria a pureza de suas ações ao derramar sangue, pois ele é um médico treinado muito melhor
que eu, e cuida bem de nossa saúde e bem estar. De fato, mesmo os vermes que rastejam em suas veias
parecem gordos e bem alimentados.
Caso venha para uma visita casual, estou certo de que Taneji-san será capaz de poupar um momen-
to de cortejar a filha do senhor para falar contigo. Eu recomendaria um pequeno presente de boas vin-
das representando os artesãos de suas amáveis terras do Caranguejo — um bracelete de jade, talvez.
Certamente não direi a ele de sua vinda, para que a surpresa aqueça seu coração e aqueles com quem
ele regularmente tem por companhia possam preparar presentes maiores que os seus.
Espero que esta carta o encontre bem, e interessando numa curta viagem ao norte. Mais uma vez,
aprecio sua discrição e velocidade neste assunto puramente casual.
Seu servo obediente,
Matsu Kokanshi

De Agasha Chueisu, Yoriki de Agasha Dorachi


Honrado senhor, por favor perdoe minha imprudência em contatá-lo diretamente, mas meu senhor
Dorachi-sama tem estado indisposto há algum tempo. Embora seu luto seja insuportável, acredito que
algo mais sinistro que mero infortúnio esteja por trás da praga de má sorte que tem pendido sobre este
castelo por treze meses.
Não desejo nublar seu julgamento (pois admito que certa falta de objetividade oriunda de minha
preocupação para com meu senhor), então começarei onde notei pela primeira vez coisas estranhas.
Começou com a morte de lady Rieko. Embora ela sofresse da doença dos pulmões desde o nasci-
mento de seu primeiro filho, o mizugusuri que meu senhor preparou para ela repeliu os piores efeitos.
De fato, desde o nascimento de seu quinto filho no outo passado, ela tossiu menos frequentemente e
até mesmo voltou a viajar.
Então quando os primeiros brotos começaram a aparecer, ela de repente indisposta, recolhendo-se
mais cedo a cada noite, e não se interessando mais no que costumava agradá-la. Até mesmo ver seus
filhos só trouxe mais tristeza. Só o mais velho, Ichiro, trazia-lhe algum conforto, e mesmo ele não
bastava, pois n primeiro dia do mês do Cavalo, suas aias a ouviram gritar apenas uma vez. Quando
elas entraram na sala, ela jazia morta, semblante congelado em angústia.
Meu senhor raspou seu cabelo, pois toda a sua magia não foi capaz de prever que sua melancolia
poderia ter um efeito físico. Mas embora ele tenha examinado seu corpo e itens com um olho bem
treinado para observações espirituais e mundanas, ele não conseguiu encontrar indicação do que matou
sua amada.
E embora ele tenha recrutado a ajuda de todo shugenja treinado, ele não podia deter o mesmo des-
tino de ceifar cada um de seus filhos depois. Jiro, Saburo, Sanko, todos morreram nos braços do pai,
todos com o mesmo terrível grito, como se fossem arrancados do mundo enquanto ainda tentavam se

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segurar a ele. Só espero que seus
Agasha Ichiro ancestrais possam lhe dar algum
conforto, pois nós não pudemos
O culpado por trás da má sorte da família de Dorachi é seu
fazer nada.
jovem herdeiro, Ichiro, de dez anos, que tolamente invocou
Dorachi-sama só tem seu fi-
um oni enquanto vasculhava os manuscritos de seu pai (usado
lho mais velho para continuar
para pesquisa; seu pai não admite sua existência). Embora uma
seu nome, e ele colocou o garoto
pequena porção do espírito de Ichiro permaneça intacta, o oni
sob uma dúzia de guardas dia e
está tão ligado a ele que os dois não podem ser separados sem
noite, cercou-o de proteções e o
matá-lo. Convencer Agasha Dorachi que seu único filho res-
tratou toda manhã com elixires
tante é um maho-tsukais requer delicada interpretação e vários
para repelir venenos. Meu se-
acusadores de alta Glória e Status com sólida evidência.
nhor não pode aguentar ver o
Ao comando do oni, Ichiro amaldiçoou sua mãe e irmãos,
filho, pois acha que seus pró-
fazendo-os definharem e morrerem, deixando-o como o único
prios pecados trouxeram tal
herdeiro. Os personagens podem encontrar mechas de seus
infortúnio para sua família, e ele
cabelos entre suas posses. Ele também amaldiçoou muitas
não quer ferir seu último filho
porções do castelo para causar caos e despistar investigadores.
importando-se demais com ele.
Ichiro pode silenciar espíritos usando sua Terra/Nível de
Em outros dias, ele culpa o
Terras Sombrias, NA 15. Isto duro um número de meses igual
Escorpião, dizendo que apenas
ao seu nível de Terras Sombrias. Para cada Incremento, ele
seus terríveis assassinos poderi-
pode silenciar um espírito adicional na mesma área. Todos os
am matar tão irrefreavelmente;
espíritos do castelo já foram afetados, logo PJs investigadores
isto foi tudo o que pude fazer
terão que encontrar um meio diferente.
para impedi-lo de reunir seus
Os atributos abaixo são para Ichiro. Atributos entre parên-
bushis para um ataque tolo ao
teses são para quando o oni ativamente habitar seu corpo.
castelo Bayushi que fica próxi-
TERRA: 1 (4)
mo de nós. Embora não tenha
Vontade: 2 (4)
amor pelo clã Escorpião, não
FOGO: 2 (4)
acredito que suas mãos estejam
Inteligência: 4
por trás de nossos lutos. Ao in-
ÁGUA: 2
vés disso, sinto os esforços de
VAZIO: 2
um antigo inimigo que sua esco-
Perícias: Caligrafia 2, Defesa 1, Etiqueta 1, Jiujutsu 1,
la conhece bem.
Adivinhação 2, Conhecimento: Maho 3, Conhecimento: Ter-
Os elementos em si sugerem
ras Sombrias 1, Conhecimento: Shugenjas 3, Conhecimento:
que um shugenja vive dentro de
História (Clã Dragão) 2
nossas paredes, pois questiona-
Vantagens: Posição Social (filho de daimyo)
mos todo espírito do fogo e ar:
Desvantagens: Segredo Sombrio, Pequeno
mas os muros do castelo estão
Mácula das Terras Sombrias: 3,2
silenciosos e a água, escura.
Algo os comandou não revela-
Habilidades de rem nada.
Testamos todo guarda e visi-
Oni no Ichiro tante com jade, e não encontra-
Ataque: 7k4 mos sinais de Mácula, mas não
Dano: 7k3 posso evitar em suspeitar do
Habilidades Especiais: Medo 3, Invulnerabilidade, Redu- fedor de maho. Acordei duas
ção 8, Atacar Como Ação Simples vezes neste mês ao som de gri-
Oni no Ichiro é um espírito semi etéreo permanentemente tos, só para ouvi-lo silenciado
ligado ao seu invocador. Dano feito a um fere o outro, tornan- por uma terrível voz dissonante,
do o oni extremamente possessivo à criança. Se ameaçado, ele como aço batendo em pedra.
se enfia no corpo de Ichiro, fazendo a pele inchar como um Outros o ouviram também, e lhe
balão. Se cortado (oito ou mais Ferimentos), a pele se rompe, garanto, nenhuma mente huma-
espirrando sangue Maculado. Qualquer um a três metros de- na poderia imaginar tão terrível
vem fazer um teste de Reflexos, NA 15, ou ficar respingados. som.
Personagens atingidos devem testar sua Terra contra NA 15 ou Há mais que poderia contar
receber 1-5 pontos de Mácula. “acidentes” que ocorrem com
crescente frequência em nossas
forjas, e os pesadelos que têm

72
mantido meu senhor acordado por semanas, mas prefiro fazê-lo pessoalmente. Sem sua ajuda, temo
que os ancestrais de Dorachi-sama logo não terão ninguém na terra para lembrarem-se deles.
Agasha Chueisu

De “Yogo Tokuma”, uma Tradução Doada


Norichika-sama compartilhou suas dúvidas sobre a validade deste manuscrito em particular. Ele
foi enviado por um espião Escorpião confesso, que parecia esperar que os Caçadores de Bruxas
acreditassem que o documento não era dele, mas de fato a tradução de um manuscrito roubado dos
documentos de um diplomata. Supostamente, o código era comumente usado por alguma conspiração
de muitos clãs, um grupo que não hesita em
usar assassinato, maho e coisa pior para cum-
Yuki-Oro prir seus objetivos. Norichika foi cético, mas
Yuki-Oro sempre se sentiu mal sobre a desi- acredito que cautela seja adequada.
gualdade de Rokugan, e desejava o luxo que os - Seikansha
samurais tinham. Quando enfrentou a pobreza, Comecei meus negócios no quadrante mer-
ela não hesitou em tentar as magias que sempre cante de Toshi no Aida ni Kawa há pouco
quis usar. Ela não sabe nem se importa com o tempo, mas já notei uma interessante nova
que a maho faz à sua alma. Isto a tem servido magia que seria de grande vantagem nossa
bem, e isto basta. A morte de seu marido para refinar. Na noite de minha chegada, testemu-
pagar o preço de sacrifício de sangue foi um nhei um lorde local receber um presente de um
preço pequeno a se pagar. diplomata visitante Ide. O Ide presenteou a
Yuki-Oro é uma verdadeira sociopata, des- netsuke da maneira adequada, e não pressenti
preocupada com qualquer coisa que não seja ela que estivesse mentindo ou ocultando nada
mesma, e seus jogos cruéis já teriam levado a quando disse que era um símbolo da grande
sua descoberta se não fosse por uma coisa. Os estima que tinha pelo daimyo.
representantes Kolats na Cidade Entre os Rios Porém, quando a caixa se abriu, ela não
agora a controlam, e eles são muito mais caute- continha papel de arroz ou terços de reza. O ar
losos e meticulosos. Eles desejam aprender os gelou levemente, e o lorde repentinamente
segredos de suas técnicas e decidem quão peri- jogou a caixa no chão. Rugindo, o daimyo
gosas elas realmente são. Assim que aprende- saltou sobre o Ide, rasgando sua garganta como
rem, eles a matarão bem como todo maho-tsukai uma besta enlouquecida, lambendo o sangue
da organização; magia negra é um inimigo, não de seus lábios e rolando como cão raivoso.
importa que forma tenha. Cinco fortes bushis agarraram o frágil lorde e
TERRA: 3 foi necessário todos eles para impedi-lo de
FOGO: 2 matar de novo.
ÁGUA: 2 O frenesi passou, mas o lorde cometeu
Percepção: 3 seppuku quando a extensão de sua vergonha o
AR: 3 atingiu. Embora sua família tenha levantado
VAZIO: 1 dúvidas se o Ide teria usado magia negra para
Perícias: Atuação 2, Comércio 3, Criação: induzir sua fúria, o homem era favorito da
Esculturas 3, Etiqueta 1, Conhecimento: Maho corte de Shinjo Yokatsu e acima de repreensão.
2, Conhecimento: Shugenja 1 As investigações posteriores realizadas em seu
Vantagens: Sorte (6) pessoal após o duplo funeral não mostraram
Desvantagens: Segredo Sombrio, Desvanta- sinais de shugenja ou maho.
gem Social (Heimin), Superconfiante Minha pesquisa particular, para minha sur-
Mácula das Terras Sombrias: 3,8 presa, também não encontrou nada entre os
Ide. Eles foram honestos e simples quanto
pareciam. De fato, a única coisa de útil que disseram foi onde o presente foi comprado, uma pequena
loja um pouco afastada da estrada principal da cidade, chamada Yuki-Oro, ou Vento Nevado, nome de
sua proprietária.
A magia veio desta simples mercadora. Meus exames das muitas netsukes que ela mantinha em es-
toque demonstraram que muitas delas já sentiram o toque da maho. Os olhos vigilantes que convoquei
depois mostraram o resto da história, pois embora a mulher tenha notável noção de maho, ela tomou
poucas precauções contra outros de habilidade similar.
Embora a técnica geral seja parca, ela pode invocar kansens, mesmo em áreas imaculadas pelas
Terras Sombrias, e induzi-los a atar outros feitiços dentro de caixas para serem liberados quando aber-

73
tos. Uma habilidade notável, e que ela usou para bom efeito para se livrar da competição; várias lojas
maiores fecharam devido ao que só pode ser descrito como má sorte.
Abordei-a pessoalmente. Sua vontade é rudimentar e sua ambição é larga, uma combinação admi-
rável para uma camponesa tão talentosa, tenho certeza de que concordará. Ela já foi uma dama de um
shugenja Iuchi, talvez a fonte de seu conhecimento estranho. Quando os negócios de seu marido co-
meçaram a perder dinheiro, ela tentou magicamente sabotar seus competidores. Falhando, ela se lem-
brou dos avisos do Iuchi sobre a capacidade do sangue de ampliar magia usando o Obscuro. Ela fez o
sacrifício necessário sem medo e agora parece inebriada de poder.
De fato, acredito que ela goste do pensamento de servir ao Deus Caído, pois que outro mercador
tem tal distinção? E seus feitiços tomam a forma de preces diretas aos kansens e ao oitavo kami.
Como ela induz os espíritos a esperarem dentro da netsuke, eu não sei, mas estou certo de que você
pode ver usos para tais caixas de presentes, com magia irrastreável ao invocador. Já Yuki-oro tem se
entretido em humilhar nobres locais, mas ela falha em entender as consequências de induzir o caos.
Ofereci-me para ensina-la uma maior variedade de feitiços e fornecer um pagamento em troca do uso
das netsukes nos alvos que eu escolher, e ela ficou feliz com o acordo.
Aguardo mais instruções.

Da Fonte Anônima a Respeito da Organização Chamada


“Os Servos dos Céus”
Eu estava com Norichika-sama quando ele Os Servos dos Céus
recebeu esta carta, e ele ficou visivelmente Embora muitos suplicantes do oratório de
paralisado. Os tsukai-sagasus dificilmente são Tenno Heika sejam bons cidadãos rokuganis, os
bem-vindos na cidade do Imperador, pois nin- níveis superiores são os mais perigosos indiví-
guém duvida da Guarda Imperial faça a mais duos do Império. Yaeko já foi Moto Yaeko, uma
cautelosa revista naqueles permitidos à Pre- shireikan sob Moto Tsume durante sua mal fa-
sença. Tadaka-sama, se este culto existe, en- dada investida sobre as Terras Sombrias. Após
contre-o por todos nós. Se for meramente uma um século vivendo como akutenshi, Yaeko re-
mentira para distrair os Kuni, matarei os res- tornou para Rokugan e fundou o templo, reu-
ponsáveis. nindo os monges e sacerdotes que vivem no
- Seikansha oratório para se tornarem um núcleo de maho-
tsukais. Os cultistas reconhecem que devem ser
Escrevo isto porque não tenho ninguém muito cautelosos, e só um ou dois membros
mais. Estou enviando cópias para os quatro desaparecem por ano, muito poucos para se
homens que podem acreditar em mim. Talvez notar amenos que avisados. Estes recrutas são
eles não interceptem todas. iniciados na maho e logo transferidos para as
Ouso não dar meu nome, mas saiba isto. Terras Sombrias para se tornarem akatsukais.
Até o ano passado, eu era um bushi de boa
posição, com recomendações de meu sensei e meu senhor para viajar a Otosan Uchi como contribui-
ção de nosso clã à Guarda Imperial. Agora não sou ninguém. Durmo toda noite abaixo dos muros da
cidade, ao relento, sozinho, escondido. O inverno está vindo, mas encontrarei um meio de sobreviver.
Devo.
Minha chegada à corte foi marcada sem fanfarra, pois a Guarda Imperial recebe uma dúzia de can-
didatos por dia, muitos dos quais são retornados nos portões. Mas vesti o mon de minha escola orgu-
lhosamente, e os guardas checaram meu nome e postura, e então me enviaram direto aos quartéis de
treinamento. Por seis meses treinei dentro dos portões frontais, mantido longe do olho do Imperador e
sua família, que Amaterasu os protejam.
Por seis meses sofri abuso de meu novo sensei sem questionar, pois ser confiado à segurança do
Imperador é a maior honra e responsabilidade que um homem pode ter, e era dever dele garantir que
eu fosse forte o bastante. Porém, não pude evitar em sentir o ferrão do orgulho enquanto outros recebi-
am louvores por esgrima e vigilância muito inferiores aos pelos quais eu era criticado, e quando o
terceiro destes saiu do treinamento para os níveis inferiores, dediquei-me a descobrir o que os diferen-
ciava.
Para minha surpresa, foi bem simples, pois eles não ocultavam seu status. Cada um dos prediletos
vestiam um obi marcado nas costas com um sol e uma lua sobrepostos, o símbolo de membresia aos
Servos dos Céus. A mesma faixa que meu sensei usava.

74
Os que perguntei foram bastante voluntários em me dizer do grande templo no portão de trás, onde
os fiéis veneravam o Oratório do Tenno Heika, rezando para e pelos Imperadores. Eles meditavam tão
perto da luz divina de Seu palácio que lhes dava paz, os membros me disseram, e os capitães Imperiais
respeitam sua piedade e confiam na sua clara devoção ao deus vivo.
Devo admitir que a ambição me tocou, pois o título de guarda Imperial poderia trazer grande fortu-
na ao casamento de minha irmã, e manter meus pais confortáveis em sua velhice. E nos primeiros me-
ses em que rezei lá, senti os mesmos benefícios que outros. Meu sono foi tranquilo em sonhos, e acor-
dava cada manhã com fresca disposição para servir. Embora meus reflexos estivessem fracos, notei
que meus problemas não mais me incomodavam, pois simplesmente eu os resolvia e prosseguia sem
me preocupar. Nos braços do Filho dos Céus, encontrei a paz que Shinsei desejava que todos os ho-
mens alcançassem.
A sacerdotisa chefe, Yaeko, é uma velha mulher de voz meiga, com bochechas largas e olhos gran-
des que demonstram um ar de ancestralidade Unicórnio, embora ninguém duvide que sua alma esteja
ligada a Rokugan. Ela é filha adotiva do fundador do templo, que se uniu aos ancestrais há quase cin-
quenta anos. Yaeko dedicou sua vida em espalhar a palavra da paz dos Céus por Otosan Uchi, e pou-
cos na cidade não a amam por isso. Já vi damas da Garça se ajoelharem em chão sujo por uma bênção
sussurrada de seus lábios. Sua aura de poder divino é tangível; eu mesmo tenho uma marca branca de
queimadura solar por esperar demais por sua
presença.
Moto Yaeko Por seis meses, sua aprovação era minha
NA de Conhecimento (Unicórnio): 40, 20 vida, e minha mente estava vazia de todas as
(Corte, já ter ouvido da pessoa) preocupações salvo quando eu podia mais uma
TERRA: 6 (4) vez repousar na paz do templo.
FOGO: 5 (2) Mas agradeço aos verdadeiros filhos do Sol
ÁGUA: 5 (2) e da Lua por ter ido para casa para o casamento
AR: 6 (3) de minha irmã. Longe do templo, meu ego
VAZIO: — (2) normal reemergiu, e percebi que minha recém-
Perícias: Atuação 4 (2), Batalha 3, Defesa 5 descoberta paz era apenas a ausência de sensa-
(1), Etiqueta 5 (3), Falsificação 3, História 4, ção, como se eu vivesse um sonho desperto.
Cavalaria 5, Investigação 4, Kenjutsu 5 (1), Quando retornei, garanti que minha mente se
Conhecimento: Lei 3, Conhecimento: Maho 5 enchesse de preocupações mundanas, embora
(4), Conhecimento: Terras Sombrias 5 (4), Co- ainda rezasse, desejando saber sob que in-
nhecimento: Teologia (Shintao) 5 (3), Sinceri- fluência vivi.
dade 4 (2), Furtividade 4 Não sei se teria sido melhor morrer igno-
Mácula das Terras Sombrias: 7,1 (3,5) rante.
Glória: 2,9 (0) O culto dos Servos de fato fortalece o Filho
Vantagens: Resistência a Magia (6), Propó- dos Céus, o único filho do Sol e da Lua ainda
sito Maior, Voz vivo.
Desvantagens: Segredo Sombrio Fu Leng.
Há quase duzentos membros em Otosan
Uchi. Eles ganham mais a cada dia.

A Respeito do Homem Conhecido como Kakita Yuchihito,


pelo ex Doji Naruto
Não estou certo sobre o que fazer com isto. Embora meu instinto seja dispensar as acusações do
homem como meramente fingimento por suas falhas, isto lhe dá pouca razão para recusar seu próprio
clã, muito menos para os caçadores. Por ele ter levado suas preocupações a eles sugere que ele ho-
nestamente acredita na culpa de Yuchihito.
- Seikansha

“Uma clara e fina linha. É sangue? É vinho?


A voz da honra, o que ela diz?
Que encanto pode haver num toque na tez?
Ou um quieto abraço, palavra de ardor?
Que importa se ela é casada com seu senhor?

75
Quando sakê corre claro, quem pode dizer o que quer?
Todo homem joga, mas muitos sabem as regras:
Homens sábios não fazem perguntas tolas.”

Estas foram as palavras que me mataram.


A corte estava cheia e vívida, como apenas a primeira semana de inverno pode ser. Meu senhor Ki-
chi-sama estava lá, e Akodo Haruo. Kachiko-sama falava com Yoshi-sama do outro lado da sala, e
não posso me lembrar das dúzias de faces que lotavam as paredes entre elas.
As rotas comerciais do Louva-a-deus eram assunto de discussão naquele dia, mas as propriedades
de meu senhor são muito continentais e o assunto em questão pouco lhe concernia. Ao invés disso, nos
vimos assistindo as anedotas de Yuchihito. Já vi o bufão muitas vezes na corte, embora meus gostos
fossem mais ver as jovens damas ao invés de um patife fantasiado que desperdiçava o privilégio da
Academia Kakita para contar piadas insossas e deturpar o Tao. Dificilmente ouvia a sua ladainha, mais
interessado em aprender quem poderia se favorecer da riqueza de Yoritomo-san.
Virei-me e curvei-me quando ouvi meu nome, pois esperava que meu senhor me chamasse para
meus serviços. Ao invés disso, me vi olhando para a rasa face pintada de branco de Yuchihito, perto o
bastante para eu sentir o cheiro de seu doce e pesado hálito. Ele sorriu, e seus dentes eram limpos e
tortos, um estranho contraste ao seu artisticamente borrado kimono.
Foi quando ele me provocou com esta estranha e torta rima, seus olhos distantes, como se as pala-
vras lhe fossem alimentadas de algum outro lugar. Estava preparado para rir de início, mas com cada
sílaba, minha fúria crescia.
Sacando minha wakizashi com mãos fechadas e trêmulas, atirei-me àquela voz murmurante para
cortar sua face pintada de seu crânio. Embora eu não tenha erguido uma espada em ira desde antes de
meu gempukku, foram precisos quatro dos servos de meu senhor me segurarem enquanto eu berrava
com lágrimas furiosas que ele morreria por revelar meu segredo.
Quando minha visão clareou, meu senhor havia tirado minha espada de mim. E meu nome. Não
poderia esperar a misericórdia de seppuku, ele disse, por trair de tal maneira a confiança que ele depo-
sitou em mim. Se eu não tinha morais como um animal, então ele me faria viver como um.
A sua esposa, ao menos, ele concedeu a misericórdia do kaiken. Chorei por ela.
Nunca a conheci na minha vida.
Implorei pelo perdão de meu senhor por meu rompante, e jurei que não havia lhe feito mal algum,
mas era tarde demais. A corte riu dos comentários de Yuchihito quando Kichi-sama rasgou minha
honra, aplaudindo como se fosse tudo parte de seu ato. Não sei o que veio a mim para me comportar
assim por um insulto que poderia ter sido repelido com outro comentário semelhante. Só magia pode-
ria ter alimentado tal ira que senti por suas palavras, e pouco sei do que poderia ser.
Mas temo que você possa, pois vasculhei por minhas memórias de outros homens que foram leva-
dos da corte pelas pisadas de Yuchihito, e creio que você possa encontrar muitos nomes familiares.
Kuni Nobuyoshi, Hida Sangoro, Yogo Masumi, Inquisidor Isawa Otoka. Todos que podem reconhecer
as obras da maho, ou direcionar os pensamentos da corte à ameaça das Terras Sombrias.
Não sei onde me encaixo no plano de Yuchihito, pois não sei mais do Decaído do que aquilo que
meu sensei ensinou, e não posso impor-me contra Yuchihito ou qualquer mestre sombrio que puxe
suas cordas. Mas o pai da esposa de meu senhor, Akodo Yuzo, está furioso de fato pela morte de sua
filha, e suas tropas tem treinado visivelmente perto da fronteira de onde meu senhor Kichi-sama con-
vocou em seu favor o exército Daidoji. Não sei como impedir sua guerra.
Há um método nas vítimas de Kakita Yuchihito, meu senhor, um propósito muito maior do que
simplesmente entreter a rainha dos Escorpiões. Ele o mais perigoso maho-tsukai no Império, eu digo.
Ele está no alcance de ataque do Filho dos Céus, e o Campeão de Esmeralda meramente ri quando seu
nome é mencionado.
Homens sábios não fazem perguntas tolas.

Do Dossiê do Ginso Bayushi Seijuro


Embora tenham havido longos rumores de bushis cujo talento sobrenatural em batalha venha do
Obscuro, sua existência tem sido impossível de ser provada. Suas habilidades não requerem sacrifício
de sangue, e os sinais de sua Mácula provavelmente permanecem ocultos e internos: os mortos não se
levantam ao seu comando, nem samurais honrados se tornam enlouquecidos vetores de fúria. Ao invés

76
disso, eles lutam com a perícia de uma dúzia de homens, e suas espadas se alimentam do sangue que
derramam, atacando como víboras primeiro os oponentes mais honrados.
Infelizmente, se tal criatura existe, uma pilha de cadáveres mutilados é o que costuma restar para
contar história, e tais contos costumam ausentar detalhes. Este dossiê, porém, registra a experiência
de uma legião Bayushi com o que Kuni Yori chama de “maho-bujin”, guerreiros da magia negra.
Embora ninguém possa estar certo ao lidar com o Escorpião, meu instinto é acreditar. O Decaído não
é tolo. Se ele não fez bushis para o servirem, então a única pergunta é, o que ele tem para ser pior?
- Seikansha

Atividade Seis: Bem sucedida. Presença não comprometida. Possível resgate.


Baixas sofridas: 33 fatais, 1 ferido, 16 desconhecidos.
Baixas impostas: 1 provável

Relatório:
A lâmina Agasha está em minha posse.
Informação inicial se provou precisa. Não precisamos verificar nossos documentos no portal, nem
ninguém perguntou se somos de uma unidade desconhecida. O único exame foi por Mácula. Todos
estávamos limpos no ponto de entrada.
Nossos registros diziam que Mirumoto Gempin caiu a certa distância do rio Seigo no Kamae pro-
curando pelo corpo perdido de seu ancestral. O cadáver que encontramos vestia armadura rasgada,
corroída pela Mácula, mas com o mon laminado de dragão ainda visível, confirmando a identificação
dada por Hiruma Chodai.
Não encontramos espadas na metade superior do corpo. Marcas de arrastões nos levaram ao leito
do rio, e a encontramos a leste, onde rastros e alguns ossos descartados indicavam uma toca de troll.
Um homem foi ferido na verificação, mas recuperamos as espadas de Gempin, e as encaixotamos cui-
dadosamente para ficarem livres de Mácula.
Nossos batedores notaram movimento no pântano e relataram dois bushis se aproximando, vestindo
armadura Caranguejo. Os saudamos usando costumes Hida, pensando que nossos disfarces serviriam.
Eles se aproximaram.
Eles não eram mais Caranguejos do que nós.
O primeiro se identificou como Hiruma Masatsugu, e nos deixou cerca-lo enquanto seu companhei-
ro removia uma caveira de troll com sua espada. Ele a entregou para o hohei Sadako, que manteve sua
personagem por tempo suficiente para gracejar sobre a morte da criatura. Sua risada foi cortada junto
com sua cabeça.
Ataquei o silencioso imediatamente, e ele se desviou de meu golpe, a lâmina deslizou pelo ombro.
Seus sangue era amarelo e fino, lembrando urina negra. Quando meus homens se interpuseram entre
nós, o guerreiro silencioso chicoteou sua katana de sua bainha e atravessou a armadura do hohei Keian
até o seu coração. Quando o sangue drenou de sua mão, eu claramente vi seu ombro aberto e a pele
selar como se assumisse sua posição normal. Quando um soldado fintou, nosso inimigo seguiu, e três
de nossos homens caíram sobre ele por trás, ele caiu com gritos abafados abaixo de suas espadas.
Não posso explicar o outro. Meu nikutai pegou o tetsubo destinado a mim, e meus homens mais le-
ais fecharam o vazio deixado pela sua morte, katanas reluziram contra a pele do bushi tão inofensivas
como grama no vento. Fintando para afastá-lo de minha garganta, contra-ataquei. Minha lâmina atin-
giu pele macia nas duas vezes, mas só consegui um arranhão escuro por meus esforços, que se esgota-
vam quando seu tetsubo caía. Não vi isto claramente, mas ele quebrou meu braço naquele momento.
Do chão, vi dois homens caírem ao meu lado, seus crânios rachados. Sangue jorrou pelo ar, eu vi
isto. O que não vi foram os golpes.
Você sabe que os Hida ensinam a tomar um golpe devastador e amaciá-lo com terra. Mas quando
cortam com katana e lutam contra trinta bushis, eles ainda se cansam. Eles sangram. Masatsugu não
fazia nada disso, mas uivava como um lobo, até abafar o bater e quebrar de aço na carne. Meus ho-
mens lutaram valentemente, mas tal qual a grama cai aos pés que esmagam sua base, assim meus bus-
his se juntaram a mim na lama.
Sabia que devia completar minha missão e corri para a Muralha, deixando seus servos leais amon-
toados ao seu redor, salvando-me com seus corpos. Mantendo meu disfarce, implorei a ajuda de um
grupo de busca do Caranguejo, para que estes homens não se erguessem pelo Inimigo. Quando retor-
naram, eles decapitaram trinta e três corpos dos dois esquadrões. Nenhum dos outros retornou.

77
Desde então conversei com o sensei Caranguejo e procurei por registros do traidor Masatsugu.
Seus documentos listam uma vergonhosa história de brigas e apostas, e uma patrulha de rotina ao sul
de Shiro Kuni da qual ele retornou com a Mácula. Ele foi preso por roubo e assalto a um mercador. O
magistrado que fez a prisão disse que ele estava bêbado demais para resistir. Seu daimyo teria exigido
seppuku, mas ele invocou o costume Caranguejo de permitir aos desonrados irem “procurar por Hida”.
Privado de seu daisho, carregando uma machadinha e vestindo apenas um manto branco, Masatsu-
gu adentrou as Terras Sombrias, para se redimir retornando com a cabeça de oito ou mais zumbis. Isto
foi a treze anos atrás.
O que me atingiu não foi um fantasma.
E ele não estava bêbado.
Espero que os favores que trocamos na corte por esta lâmina tenham valido o preço.

78
79
Este último manuscrito me foi passado por partes desconhecidas no meio da noite. Tenho poucos
fatos a respeito da veracidade de sua origem, mas acredito no seguinte:
Este não é um documento fictício. Ninguém ganharia me enganando, pois meu poder é de fato li-
mitado, e escrevê-lo para enganá-lo seria impossível, já que o recebi há dois anos antes de nosso
encontro na cachoeira… Que por si só foi uma coincidência.
O pacote chegou no fim de uma de minhas jornadas às terras do Unicórnio, onde entrei em muitas
bibliotecas de shugenjas. Em uma delas, fui descoberto por um homem que nunca vi, pois ele soprou a
luz e ficou de costas para mim.
“O que você está fazendo aqui?” Ele perguntou numa voz rouca que soava como se sua garganta
tivesse sido cortada.
“Preciso saber mais sobre os perdidos,” sussurrei. “Preciso saber tudo.”
“Por quê?”
Pensei em mil respostas, mas vasculhei minha alma até falar a verdade.
“Porque o Obscuro deve ser destruído,” eu disse, “e eu nunca farei isto.”
Ele ficou em silêncio por algum tempo antes de se virar. Seus olhos eram o vermelho fogo que eu e
você conhecemos bem. Ouvi a mais leve lufada de ar, a bufada que vem antes de um sorriso, e não
pude evitar em sentir que havia passado em algum tipo de teste.
Não muito depois estes documentos apareceram em meus aposentos. E concluo que o homem com
quem falei naquela noite não podia dizer mais, mas desejava ajudar. Por que não falar diretamente?
Assim eu saberia de sua identidade, e poderia envergonhá-lo com malícia ou intromissão. Ele não
sentiu medo de um estranho shugenja ronin, e nenhuma necessidade de relatar a seus superiores so-
bre mim. Portanto, aquele com quem falei era poderoso na família. Ele obviamente esteve nas Terras
Sombrias, mas não era servo do mal, pois um oni teria me matado sem pensar quando estivéssemos
sozinhos no escuro.
Há uma resposta provável. Esta é a história do sobrinho do daimyo Iuchi, Karasu.
Se isto parece de início rabiscos loucos, por favor, seja paciente, pois acredito que esta narrativa
conte mais sobre as Terras Sombrias do que estas páginas combinadas… Se alguém resolver os enig-
mas nela. Ela parece ir e voltar entre seu tempo nas Terras Sombrias, após e possivelmente antes,
ainda mais confundido por sua tendência em se referir a seu pai, Kuni Yori, seu raptor e o Deus Som-
brio como “ele”, sem maiores explicações.
Há histórias aqui que causarão choque, repulsa e talvez amedronta-lo, mas peço que a leia mesmo
assim. O que quer que seja dito são as palavras de um homem, seja Karasu ou seu adversário, e estou
certo de que os sombrios inventam seus próprios contos para zombar dos esforços de nossos heróis.
Eles não têm devoção à verdade, e não tomaria suas palavras como mais do que uma possibilidade.
No fim, acredito que apenas Karasu sabe o que realmente aconteceu. E Fortunas façam com que
continue assim, pois podemos descobrir muito em breve.
- Seikansha

Estou acordado de novo.


Acho que foram as lágrimas. Elas queimam minha pele, misturadas com sangue, ardendo. Elas es-
correm pelo canto de minha boca, e minha língua prova o sal. É um gosto familiar, grosso e doce e
metálico. Meu estômago ronca, e o silencio com mãos trêmulas, segurando a pele entre meus dedos e
apertando.
Eu não vou comer!
A carne que colocam à minha frente ainda pinga. Sinto cheiro de sal, molho quente que lambe mi-
nha face como o sopro de uma amante. Não há água suficiente em minha boca para salivar, mas o faço
mesmo assim. Não posso contar os dias desde que provei algo além de suor e pele arrancada de meus
lábios. Jogo fora meus bolos de arroz quando vazam o muco Maculado que se forma em tudo. Eu não
vou comer. Eu preferiria morrer.
“Morrer?” Ele pergunta, e vejo o riso em seus olhos. Eles brilham, vermelhos como brasas ou
brancos como estrelas distantes, iluminando a escuridão. Poças de sangue entre seus punhos. Ele não
as limpa, e admiro sua contenção. Eu não teria me contido. “Morrer?” ele diz de novo, e sua voz é
mais macia que a manga de uma geisha. “Primo, o que você acha que isso resolveria?”
Pego a carne.
Os servos trazem palitos, mas já a engoli. Minha face está pegajosa com sangue, e passo minha lín-
gua sobre ele como um cão, sugando as gotas que restam. Os servos esperam, inexpressivos por trás de
suas máscaras. Eles não têm olhos.

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Eu como, porque a carne ainda não está Maculada, e toda refeição me impede de juntar-me a eles,
pois não há ninguém aqui para me conceder paz. Se eu morrer, os servirei para sempre. Doze horas é
um tempo curto demais para descansar, e muitos cadáveres se levantam em menos do que isso.
“Então por que ainda estou vivo?” Meus lábios racham. Está seco hoje, e posso respirar sem engas-
gar. Minha sujeira escorre constantemente por minha perna agora. Ninguém parece notar. Minha ar-
madura se rachou em folhas de papel que rasgam quando me movo.
“Por que você é fraco.” Suas faces são esticadas demais para sorrisos, mas os sinto mesmo assim.
Centenas de centenas de dentes que reluzem sem respiração para nublar seu brilho.
Esses dentes! Tantos dentes! Eles são mais longos que minha sai. Eles brilham, racham, como pe-
dra, como aço. O metal encrava, mas eu forço pela sua boca abaixo. Se eu devo morrer, ao menos ele
sofrerá também. Sua respiração troveja por meus ouvidos, altos demais de se ouvir, mas seu coração
bate mais forte ainda, até o chão tremer e gemer abaixo de mim.
Barulhos de cascos! Estou salvo. O Caranguejo está aqui! Eles vieram por mim. Os Hiruma! Seus
cavalos são mais rápidos que os onis e eles me levarão embora.
Eu volto, deixando a sai encravada como um pino de cabelo, e balanço meus braços. Sobre a coli-
na, eles cavalgam, saltando os troncos de árvores podres. Uma companhia, uma legião deles.
Reconheço a formação primeiro. Só Unicórnios cavalgam assim. Cavalaria pesada, yari empunhada
à frente e abaixo, uma onda de armadura violeta e armaduras escamadas. Mas os cascos dos cavalos
deixam marcas de garras na terra e as escamas continuam por sua pele e seus olhos brilham amarela-
dos como a lua e então vejo as bandeiras e não posso chorar mais porque as lágrimas foram vertidas há
dez gerações.
Vermelho sobre púrpura. O crisântemo parece um beijo de sangue.
A bandeira rasga o vento em sua passagem. “Morrer,” eu vejo antes de ser rasgada. “Mas não se
render.”
O oni curva sua cabeça perante eles, e eles a rasgam em carne moída com suas lanças. Eu espero,
cabeça curva, para que façam o mesmo comigo. Mas seus dedos sobre meu ombro parecem com os de
minha mãe, macios e brancos, e os cavalos demônios têm músculos como nós de madeira que incham
e endurecem entre minhas coxas.
Ela não andará para frente, e bato meus calcanhares no lado dela. Suas narinas flamejam e estapeio
seu ombro e me inclino para trás, puxando sua boca para mantê-la equilibrada. Ela não pode se mover
exceto indo para trás. Mas quando a solto, ela ainda recusa, e com palavras gentis e a firme pressão de
meus calcanhares eu a faço andar. Uma. Duas vezes. Então ela empina de novo e luto com ela até pa-
rar.
O cheiro a assusta, e seus flancos tremem e pulsam como uma lula quando ela tenta limpar seus
pulmões do ar cinzento que prende em nossa pele e transforma seu cabelo de baio para preto. Nós dois
estamos suando.

Fui convidado a me banhar com meus primos esta noite. Eles me garantem que a água é fresca e li-
vre de Mácula, então concordo… Como se houvesse escolha.
Ele está lá, e eu quase corro, mas há muitos atrás de mim, e eles se atiraram de cara no muco. Eu o
faço também. Não é pior do que o fedor de meu próprio detrito, e logo ficarei limpo.
Sua armadura reluz com o polimento de dois mil anos. Sua face é tão gentil, a pele quase macia
demais para um soldado. Ele tem um dente torto. Não se o confunde com nada além de um nobre, pois
seus ombros ficam retos contra o vento e seu cabelo flui de uma alta e real testa. Ele não tem barba.
Seus servos se ajoelham ao lado dele. Suas asas rasgaram a armadura, e riscam o chão como as
mangas de uma mulher, vermelhas como o mon sangrento em seus ombros, com ossos brancos à mos-
tra. Os seis braços de seu yojimbo estão vazios. Não sou ameaça a eles.
Ninguém me fala para levantar, e fixo meus olhos em seus pés, mas não posso fechar meus ouvi-
dos. Um grito, e alguém geme de prazer. Ouço o estapear de pele sobre pele, mãos suadas. Não quero
ver. Sei muito bem o que eles fazem com capturados.
Ninguém me toca, e por isto fico grato, obediente ao lado das garras de marfim em seus pés. Ele as
deixa à mostra, pois ele quer que todos saibam de seu controle. Ele pode ser qualquer coisa. Uma cri-
ança. Um gato. Uma bela mulher. Mas ele prefere esta, a marca de seu mestre impressa em sua cabeça
e mãos, brilhando através de seus olhos, falando com aquela bela voz.
“Observe,” ele me diz, e eu obedeço. Três dúzias de garotas estão presas num altar. Os cabelos es-
tão soltos sobre seus ombros e úmidos pelas lágrimas. A mais velha ainda não pode ter chegado ao

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gempukku. Os gritos ficam mais altos quando mãos esqueléticas curvam suas cabeças para trás. Facas
correm e a banheira de granito se enche.
“Sem garras,” ele diz, “Prometi que não haveria Mácula.”
Curvo minha cabeça. “Obrigado, Tsume-sama.”
“Realmente precisamos de agradecimentos entre nós, primo? Tudo o que fiz foi dar-te o que que-
ria.” Suas mãos me seguram firme quando olhamos para a beirada juntos. Daqui, vejo as terras giran-
do. Não consigo sequer ver o sol daqui. Pelas nuvens. É negro e fundo e escuro, e é assim por um lon-
go caminho.
“O grande explorador.” O ar é calmo, mas ainda assim sua voz sai forte de sua garganta, e não pos-
so ouvir. Mas sei o que ele diz. “Os corcéis e corações do Unicórnio são fortes. Os quatro ventos não
podem nos dividir, nem mares nos desviarem. Carregamos nossos lares em nossos corações, pois o
melhor de Rokugan está em nós.”
Que vazio isto soa agora.
“Não,” ele me diz. “Sempre foi vazio. Você só deixa os ecos esconderem isto.” Seu sorriso é tão
gentil. Repouso minha cabeça em seu ombro e ele acaricia meu cabelo. “Há tantos ecos em Rokugan
não é? Tantos…”
Tantos cortes que eu já fiz. Minha garganta sangra de tanto gritar, e engasgo com o sal, mas ele só
assente. “De novo.” Minhas mãos tremem, mas as uso e a faca está pronta. Corto a pele, e enfio por
baixo, e depois para fora de novo, começando pelo escalpo, e então para baixo, pelo nariz, sobre os
lábios e queixo, garganta abaixo. Um dedo de espessura, como uma lâmina de wakizashi. Cerro meus
dentes para me impedir de gritar, mantendo meus lábios parados como pedra. Se for menos do que
perfeito, devo começar de novo, no músculo desta vez.
A faixa se junta às outras. Não sei para que ele as quer. Começo a próxima.
Elas doem! A dor arde por músculo e pele e osso, e não posso impedir de gritar. Chuto e contorço e
tento correr, mas ele me segura. Suas mãos são brancas e grandes, e elas esfregam minha face com
babosa e jade e ele observa.
Seus olhos são tão escuros! Como céu sem estrelas. Eles não têm luz. Nem chama. Todos são assim
aqui. Isto me assusta, mas ele segura minha mão e fala meu nome. Não o ouvi por tanto tempo, mas
ainda é meu. Reconheço isto finalmente, e durmo.
É meu castigo continuar acordado.
Por quê?
“Porque você é fraco,” ele me diz. “Porque você não tem coragem para seppuku.” Ele está certo.
Envergonhei meus ancestrais. Eles não iriam me querer. “Você viverá,” ele diz, “e você me dirá o que
encontrou, explorador. Orgulhe-se. Você viu o mundo. O único mundo que importa.”
Por um só momento, ele baixa sua face e vejo o que há por debaixo.
Ele sorri, aquele belo e terrível sorriso, e seus olhos são lava e cinza, e onde deveria haver pele só
há vento e vazio. “O que você vê?” ele pergunta.
“Morte,” digo. “Destruição. Aniquilação. Tudo que é terrível para a humanidade.”
Sua resposta é um tapa doído. “O que você vê?”
Curvo-me. “Meu senhor. Meu mestre. Aquele a quem servirei de mil maneiras.”
“O que você vê?”
Tremo quando seus dedos me viram para ele e seus olhos encaram os meus. “Vejo o futuro,” sus-
surro. “Vejo meu destino.”
“Você se juntará a nós?”
Estamos diante de uma jaula zashikiro feita em ossos de ogro. Três homens e uma mulher sibilam
no chão lá dentro, e de início eu acho que é só isso, mas eu vejo sua pele mexer e mudar. Primeiro
rosa, então verde, caroços surgem de dentro e se movem pela superfície como criaturas escondidas
escavando. Às vezes elas desaparecem. Às vezes eles crescem. Na mulher, um brota uma segunda face
que grita uma vez como uma criança antes da carne se fechar sobre ela de novo. Nos outros, eles se
tornam asas, caudas, braços. Suor dourado, grosso como resina de árvore, jorra da pele de um homem
e endurece como armadura.
Não consigo responder.
É a mão esquerda que me bate. Não acho que ele esperava mais. “Eles estão esperando,” ele diz.
“Eles estão esperando receberem o que lhe dou livremente. Ascender aos akatsukai.”
Endureço meu coração. Banhei-me no sangue de inocentes e comi sua carne. Essas pessoas são as-
sassinos, servos de Fu Leng, a quem eu mataria sem uma prece sequer se os encontrasse lá fora. Não
posso me importar com seus sofrimentos.

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“Qual devemos escolher?” Ele me pergunta. “Só uma coisa pode curá-los. Eles devem sentir o san-
gue dos Céus em suas veias. Isto os salvará. Dará-lhes a eternidade.”
Eu não vou escolher. Que morram todos.
Ele escolhe todos eles.
Ele me mostra a cicatriz na base de sua garganta onde o Deus Negro gotejou. Ainda está aberta,
uma janela para suas veias, mostrando a reluzente galáxia de poder.
“O que é você?” Pergunto.
Akutenshi.
Anjos malignos.
Eles beberam seu sangue, carne de sua carne, vida de sua vida. Akutsukais servem a seu mestre.
Eles compram sua vitória com suas vidas e vestem suas máscaras sobre suas peles e línguas. Akutens-
his se juntam à sua corte. Seus amantes. Seus filhos. Seu destino.
Ele ri quando me arrasta para trás dele, leve como um furoshiki vazio. No campo à frente, os exér-
citos Moto cavalgam. Duzentos fortes, cores brilhantes como no dia em que saíram. Outros se junta-
ram a eles. Vejo o cinza Hida pontilhando seu meio. Um lampejo de azul aqui, uma faixa dourada lá.
Observamos da colina quando eles cavalgam de encontro a batedores do Caranguejo. A luta termina
numa tempestade de cascos e aço, mas seus gritos ecoam por dias. Não sabia quanto tempo um ho-
mem pode viver enquanto sua carne foi arrancada e seus ossos partidos na espinha.
Eles estariam procurando por mim? Rezo a meus ancestrais para que não.
“Você tem pena deles?” Ele pergunta. “Não deveria. Suas mortes agradam aos seus senhores.”
Ele me leva aonde planícies tremem e as montanhas gritam com bater de aço. Dois homens blo-
queiam as nuvens, ombros como de bois e pernas grandes como um leque aberto. Suas espadas se
encontram numa torrente de faíscas e buracos se abrem na terra onde as brasas caem. Eles recuam,
olhos travados, distraídos de todos que não sejam um do outro.
“Atarasi-sama,” ele diz e se curva. “Ele foi o primeiro,” ele explica. “Quando os Trovões morre-
ram, foi o filho de Hida quem cortou as cabeças de seus ombros.” Ele sorri e acho por um momento
que o triste guerreiro o imita, mas é apenas a inspiração antes de investir, colidir uma lâmina com mil
dentes minúsculos contra a outra. “Não havia ninguém restante para fazê-lo por ele.”
O chão treme tanto para nós aguentarmos quando correm um para o outro, o suor escorre até o chão
onde um riacho já se forma. “Embora ele tenha lutado até passar um pé para a Morte, o Grandioso
comandou seus servos a ficarem longe do filho de seu irmão, e deixou Atarasi lá, mente banhada na
mesma poça que condenou seu mestre. E quando ele curou, ele soube que havia lutado pelo lado erra-
do.”
“Não acredito em você!” Grito, mas ele não pausa.
“Meu mestre abriu seus braços ao sobrinho. Ele finalmente tinha uma família. Atarasi sabia como
seu pai se importava pelo povo que o servia. Nenhum kami viveria contente sem pessoas para reger e
ensinar. Ele nos criou para seu tio, trazer os caminhos da maho para sua raça, e ensinar o melhor que
Rokugan a qual senhor eles deveriam servir.”
“Então quem o enfrenta?” Grito. “Ninguém vivo poderia suportar tanto tempo contra o filho de um
kami.”
“Hida entrou nas Terras Sombrias para procurar seu filho,” ele diz. “Ninguém achou que ele o en-
controu?”
Sua luta tem se travado por quase nove séculos, perfeitamente párea. O Moto diz que quando um
deles vencer, começará a próxima grande guerra.
Rezo para que o braço de Hida continue forte.

Ele é tão forte. Seus braços parecem esculpidos de bronze, pois ele não usa armadura para esconder
sua forma, e sua pele brilha com o sol de dois séculos. Por um momento, não posso dizer onde seu
braço termina e o aço reluzente começa. Ele puxa a vara do fogo, ainda escarlate do calor, e a entrega
para a camponesa chorosa. “Continue,” ele fala gentilmente, “Toque… Então empurre.” O outro Moto
ri quando a mulher para gentilmente ao lado de meu yojimbo. Ele grita enquanto sua carne é violada.
Não posso me desviar, pois sou o próximo e as cordas me seguram, queimando minha pele nua en-
quanto torço e gemo, olhos fechados contra a visão enquanto o camponês começa a rir.
“Incomodo lhe, primo?” Ele me pergunta, e não consigo responder, desesperadamente sugando o ar
sujo para conter meus soluços. Ele pergunta de novo, e ainda não consigo dizer nada, ouvir nada além
de meu sangue batendo como a maré. Ele suspira, mais meigo que o sibilar de carne assada.

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“Olhos,” ele diz, e por um momento fico grato. Deixem-me cego. Sem luz, poderia ver a face de
meu pai enquanto me desejava a velocidade de Shinjo em minha jornada. Sem olhos, talvez eu possa ir
a algum lugar que não seja aqui.
Suas facas são cegas, tortas pela ferrugem, e o veneno de suas garras mancha minha pele enquanto
agarram uma dobra da pele. Acaba antes de eu conseguir gritar.
Eles tiraram as pálpebras.
Não há como fugir.
“Por que iriam querer?” ele responde. “O que Rokugan tem que não temos aqui?” Uma dúzia de
homens lambem a carne cozida de seus dedos enquanto bushis se matam por entretenimento. “Um
senhor para quem se curvar? Clãs que nos chamam de bárbaros e então imploram por nossas perícias?
Amantes que não podemos tocar e comida que não podemos comer? Palavras que ninguém quer que
falemos ou ouçamos?”
Seus dedos descem minha espinha, contando cada costela com unhas curtas. “Nunca desejamos es-
capar, primo. Viemos aqui porque é onde queremos estar.”
Ouvi as histórias. Lembro-me dos votos de Moto Tsume de destruir toda criatura das Terras Som-
brias que veria sua lâmina.
Ele diz que são uma mentira, que o que há agora é tudo o que haveria.
Nunca acreditarei nele.

“Sua fé é tocante, primo, mas suas crenças não interessam. Só a verdade pode afetar o mundo.”
Minha agulha é branca contra minha mão. Ela é mais dura que o osso e mais macia que metal.
Acho que é um dente. Ela é mais longa que meu braço.
Costuro com ela outra faixa de pele. Reconheço a cicatriz da primeira vez em que um pônei me
derrubou. Ela costumava ficar acima da minha sobrancelha.
“Hantei,” ele diz, e a palavra dói como sal. “Muitos acreditam que ele foi imperador, que seu ‘tor-
neio’ foi mais do que a noite que ele gastou. Muitos estão errados.”
Empurro a agulha pelas faixas. Por cima. Por baixo. A pele na armação ainda está úmida. Observei
ele arrancá-la de seu peito e pernas há não mais de três horas. Nenhuma cicatriz aparece.
“Que significado teria um torneio, quando ninguém teve coragem de enfrentar o único irmão mais
forte que todos?” Ranjo de raiva negra que transforma cada palavra em flechas. “Ele retornou, quando
ninguém pensou em ajuda-Lo onde Ele caiu. Ele retornou e vestiu uma máscara de porcelana para
esconder sua face e sua corte. ‘Sou um estranho em sua terra,’ ele disse a Hantei. ‘Por que você gover-
na?’
“‘Enfrentamos um ao outro num torneio,’ foi a resposta. “Cada um deles caiu por suas falhas. Ape-
nas eu triunfei.’
“‘Então não há homem que você possa derrotar?’
“‘Não sou homem, mas a Criança do Sol e da Lua,’ declarou Hantei.
“‘Então vejo que tem uma falha,’ disse o deus enquanto atirava fora a máscara, e eles recuaram em
nojo de sua face. ‘Você ainda é um filho. Enfrente-me, se você se chama imperador, pois sou seu ir-
mão, e desafio seu título.’”
O tatame está feito pela metade. Limpei o sangue dele o máximo que pude. Mas ainda está man-
chado de vermelho e marrom, prendendo uma tira à próxima. Não posso mais dizer o que é meu e o
que é dele.
“‘Você não pode,’ Doji respondeu. ‘Hantei é imperador, e juramos obedecê-lo.’
“Shiba ficou ao seu lado, sempre tentando se intrometer. ‘Não quebraremos nossos votos. Escolha
um de nós para lutar ao invés dele.’ Akodo apenas rosnava.” Suas mãos se fecharam, e vejo o buraco
em sua garganta se apertar. Sangue escorria para baixo, sem ousar espirrar. “Ele viu que estavam todos
com medo de deixa-lo enfrentar Hantei, e foi por isso que o deixaram por tanto tempo. E Ele lembrou
de que antes, da covardia de um irmão que quase O destruiu e o transformou no traidor de agora.
“‘Escolho Togashi.’”
Pego outra faixa de pele da pilha. Quando terminar, terei onde dormir.
“‘Escolha uma arma, irmão. Desta vez você aprenderá o que sei sobre destino.’” Sua pele mexe e
contorce enquanto seu tom enegrece. Os caroços de chifres rompem seu escalpo e seus olhos se alar-
gam, estreitam, o negro rodopiante de redemoinhos e constelações. “‘Os outros protestaram, mas Ele
não ouviria nada. ‘Vocês me negam o direito de enfrentar Hantei. Não podem me negar isso.’”
“‘Togashi então falou, ainda esperando ao lado, sem olhar. ‘Você pergunta por minha arma. Esco-
lho tudo que vive em Rokugan.’”

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Errei um ponto. Solto a pele de minha agulha. E agarro-a com minhas unhas. Ela se solta, e começo
de novo. Por baixo. Por cima. Por baixo.
“Ele foi enganado, mas o ardil seria para eles, por caírem na terra, os outros perderam seu direito
aos Céus. Eles eram mortais, e a guerra que Togashi pediu os destruiria. Ele apenas tocara o Jigoku.
‘Começou,’ ele disse a seu irmão, e ninguém desafiou sua decisão.”
Sua face está normal de novo e paro de costurar quando ele olha para mim. “Pense nisso, primo, se
você se perguntar de novo por que servimos. A covardia de Togashi trouxe a guerra dos kamis ao seu
povo, e não um dos que vocês reverenciaram para pará-la.”
Desejo que eu pudesse esquecer.
O tapete é duro contra minha pele. Quinze anos e as manchas de sangue ainda continuam. Bato ne-
le, arranho com minhas unhas, esfrego-o contra o duro piso de pedra, mas ele não rasga.
Ele contém minhas memórias, ele me diz. Posso ficar livre delas.
Mas não ouso.
Eles me deixarão ir, ele diz, para espalhar o que aprendi aqui. Se outros souberem, eles temerão o
que os espera. Eles ansiarão pela morte das trevas, e seu desejo trará guerra. E quando perderem, eles
se arrependerão de suas escolhas.
Não posso fazer o que ele pede.
Não posso suportar isto sozinho.
Nunca estou sozinho. Reconheço faces, e o toque de dedos em minhas cicatrizes, ainda cruas e
úmidas. Esta lambe com a língua de um gato, grossa com agarras para puxar a carne dos ossos. Sua
pele é dura e cor de cobre, e seu cabelo cai numa cortina ao nosso redor. Seu estômago me toca por
trás enquanto ela baixa a cabeça entre minhas espáduas e seus dentes encontra minha pele. Ela lambe o
sangue, ainda delicada.
Meu pai acaricia minha mão com dedos trêmulos e a puxo com um grito tão alto que seu yojimbo
corre da outra sala. Estou tremendo. Não posso deixa-lo me tocar. Ele morre sem me dizer uma pala-
vra.
Estou de pé em sua pira e tudo que sinto cheiro é carne queimada e incenso suave. Desejo que fosse
eu. Quão pacíficas parecem as chamas. Quão brilhantes.
Brilhantes demais para se olhar. Mantenho o pano apertado em minha face, pois o sol pode quei-
mar. Devo me acostumar lentamente, ele me diz. Posso olhar para ele, todo de preto; ele está calmo.
Um dia, a dor parará, ele diz. Agarro meu tatame e não digo nada. Gosto de andar com ele sobre a
muralha. O ar lá não me faz engasgar. Acho que ele entende.
Pessoas se desviam quando passamos.
Caminhamos por um casco de árvore podre que rasga o céu como mão e me encolho, pensando ser
sua mão, se estendendo da onde os Trovões o prenderam.
Mas é só uma árvore, e ele ri para mim.
Um haramaki-dô pende de um galho do alto, preso com correntes de ferro que perfuram as mangas.
Ele está rachado na frente, preciso como um chefe do imperador, mas nenhum osso jaz próximo.
Ele me conta a história como se não significasse nada.
Hayaku, filho de Doji, seguiu a mesma trilha que sua irmã, entre o deserto e as planícies de poeira.
Por quase um mês, ele lutou com o que restou do exército de Fu Leng. Eles eram poucos e distancia-
dos entre si, seu líder aprisionado e adormecido, Atarasi ainda não se levantara para tomar o comando
de seu tio.
O sangue de sua mãe repelia a Mácula em suas veias e ele comia grãos de arroz com pó de jade e
bebia água de uma jarra de cristal. Ele buscava sua irmã Konishiko, a Trovão perdida, pois diziam que
sua voz pararia as lágrimas de Lady Doji. Ele seguiu sua trilha até onde jazia Atarasi, mas pensava que
ele estava morto, e pensou que considerara retornar para dizer a seu tio onde seu primogênito caíra, a
voz de sua irmã o atraiu e ele deixou seu primo lá.
Por isto, Daidoji, eu o tomo como o pior de todos os vilões.
A voz vinha do próprio Jigoku, pois quando ela morreu, a alma de Konishiko se juntou à de seu ir-
mão na espada que ele forjou, caída no buraco que Isawa abriu na terra. Com sua tanto purificada, ele
cortou a própria garganta, e se aventurou atrás deles.
Os cantos do corte ainda são claros na armadura, e mesmo o tecido ainda não apodreceu. É quieto
aqui e o ar é livre do fedor de goblins. Não me surpreende que Hayaku tenha escolhido aqui para re-
tornar.
Quando ele libertou a espada do reino dos demônios, o espírito de Hayaku não podia sair sem um
corpo para carrega-lo, e quando retornou, ele estava aqui. O corpo de uma samurai-ko estava acorren-

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tado à árvore, espírito quase ido. Hayaku a tomou, e a sensação de seu espírito a assustou a despertar.
Ela lutou, mas ele prendeu as mãos dela na espada e libertou seu corpo da armadura que a prendia.
Ela ouviu ao invés de lutar, e eles retornaram como uma pessoa onde seu cadáver jazia, e ela cla-
mou pelos espíritos para retorná-lo a si. E ele chegou a ama-la tanto que nunca perguntou onde ela
aprendeu tal arte, ou porque seu clã a aprisionara assim.
E foi aí que ela riu, como ele diz, pois seus poderes eram maho, antes de ela ter um nome, e sua
alma ser de Fu Leng. E ele a trouxe para as Terras Sombrias, e fez dela sua esposa, e passou a mancha
de sua família para sempre.
E por isto, Daidoji, eu não o vilanizo de todo. Eu fiz muito pior.
“Pior que o que?” Seu golpe parte minhas costas como um graveto, mas nenhuma lágrima cai, pois
meus olhos estão cheios de luz.
“Isto nos destruirá todos nós.”
A chama é tão brilhante. Não consigo enxergar.
Desejo que não pudesse enxergar.
As palavras se entrelaçam e se torcem com as chamas e quase posso lê-las.
Suas garras são escorregadias e fedem a Mácula. Elas se aproximam. Não posso controlar isto.
“O que?” Elas apertam minha garganta, o veneno acumula nas pontas. “O que destruirá a todos
nós?”
Nunca o ouvi gritar antes.
“Palavras,” sussurro, ou talvez algo mais. Não posso dizer, pois tudo que ouço são as palavras que
prendem meus pensamentos e corpo como uma cobra se alimentando. A chama viva que se estendia
no horizonte.
“Palavras? Você ousa fugir, e tudo o que traz para compensar são palavras? O que você viu lá fora,
primo?” Sua voz muda no meio da frase, doce e suculenta como uma ameixa podre. “Foi meu mestre?
Sua noiva?”
O coração da chama é escuro e brilhante, como um buraco pelo sol, e abro minha boca para respirar
seu calor e ele penetra, preenchendo-me. Ele sai agora, não posso pará-lo, e esfrego meus dedos em
meu rosto para abrir as cicatrizes, pois se não posso chorar, choro lágrimas de sangue pelo nosso povo.
“Aquele que salvará o mundo.” As palavras untam meus lábios como veneno.
“Quem?”
“Aquele que o destruirá.”
Minha cabeça roda, e minha mandíbula se fecha quando sua palma encontra meu queixo. Mas o
sangue é salgado e o fresco e quase o suficiente para apagar o fogo, e encaro seus olhos, tão estreitos
que o brilho quase os faz uma simples linha, pois não o neguei antes.
“Você me dirá, primo, ou tudo o que fiz a você parecerá uma célebre fantasia. Quem destruirá o
mundo?” Fico em silêncio pelos próximos seis golpes, e ouço sua respiração por entre seus lábios,
rápida e doída como uma mulher em parto quando sua raiva luta para escapar. “Vou perguntar uma
última vez, primo. O que você viu lá fora?”
Demora um longo tempo para encontrar coragem para responder.
“Nada,” eu digo.

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