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Berenice de Almeida
PPGMUS - ECA-USP – beremusica@gmail.com
Resumo: Esse artigo apresenta reflexões sobre os processos criativos no ensino de piano, a
partir da experiência da própria pesquisadora como aluna e professora, assim como da
pesquisa dos principais parâmetros que compunham a formação pianística brasileira do
século XX, ainda calcada nos paradigmas do modelo europeu do século XIX. Pretende
abordar, também, o processo de criação de uma composição de um aluno de oito anos a
partir de explorações sonoras do instrumento.
Abstract: This article presents some reflections over creative processes in piano teaching,
using the experience of the researcher as a piano student and as a teacher, plus the
investigation over the Brazilian´s piano training main parameters of 20th century, still
founded on the European model paradigms of 19 thcentury. It also intends to approach the
creative process of a piece composed by an eight-year-student exploring freely the piano
sounds.
Por outro lado, interpretar e o desfrutar da música erudita, que fizeram parte
da minha formação musical desde o princípio até a graduação no Departamento de música
da ECA-USP, continuava a me encantar e a encantar meus alunos. Fato este que apontava
para a possibilidade de um “caminho do meio” no ensino de piano, onde a interpretação e a
criação acontecessem com o mesmo grau de importância e as diferentes músicas fizessem
parte de um único repertório. O que principiou como simples intuição, ao longo do caminho,
transformou-se em uma nova concepção do ensino e aprendizagem de piano, construída pela
prática e por referenciais na educação musical e na própria educação pianística. CAMPOS
(2000,p.63 ) nos alerta para a nova realidade de nossos alunos de piano, rodeados por novas
tecnologias e envoltos em um mundo cada vez mais amplo enquanto os professores
continuam a ensinar de forma desatualizada e “fechada à realidade do momento”. A mesma
autora também indica a possibilidade de um aprendizado que proporcione ao aluno a tanto a
“informação do “patrimônio musical” ( poderíamos assim chamar a tradição pianística? )
quanto as inovações da época, atendendo portanto seus interesses quanto à música popular e
erudita, aberto também aos recursos tecnológicos atuais”( CAMPOS, 200, p. 63).
À medida que sigo com a pesquisa, ainda em fase inicial, sobre os processos
criativos no aprendizado do piano, vou deslumbrando caminhos possíveis na busca desse
equilíbrio entre interpretação e criação, assim como entre as diversas possibilidades de
repertório no ensino de piano. Tomarei de empréstimo as ideias de Brito (2007) permeadas
pelos conceitos deleuzianos, ao discorrer sobre a relação da criança, sua produção sonora e
musical com os propósitos da educação musical:
O som remete à uma imagem, que faz nascer uma história e que norteia uma
composição.
O processo de criação
Observei que o glissando nas cordas graves remeteu-lhe a imagem dos passos
do gigante, e isso desencadeou o resto da pequena história que Arthur elaborou. Ele
procurava no piano os sons para completá-la. Momentos depois, seguiu para o teclado, na
região bem aguda e fez alguns ‘testes’, aprovando uma segunda ascendente com as notas sol
e la mais agudas do piano ( duas colcheias, tomando os passos do gigante como semínimas )
para a chegada “de um porquinho muito pequeno, que se assustou com o gigante que tentou
esmagá-lo, mas correu muito depressa”. Para esta parte da história, Arthur selecionou,
depois de algumas explorações, um cluster na região grave, seguido de um glissando
ascendente por todo o teclado do piano. Para finalizar, a volta aos três passos do gigante
( três semínimas, tomando-a como pulso ).
É importante ressaltar que Arthur, apesar dos oito anos, possui uma
imaginação muito grande e adora inventar e contar histórias, demonstrando uma verdadeira
necessidade de fazê-lo. Ele ficou imensamente feliz com a sua criação repetindo-a muitas e
muitas vezes, ao longo daquele ano. Respeitar essa característica de Arthur e propor um
primeiro contato com o instrumento que permitisse o espaço da criação conectado com
outras formas de expressão foi uma decisão que tomei já na primeira aula, quando
identifiquei essas características tão marcantes nele.
Gainza (s/d ) considera que o objetivo principal de todo professor deva ser,
através da música, a conexão com a “natureza profunda e com as necessidades de
desenvolvimento de seus alunos” e Brito aponta uma educação musical que considere a
criança em primeiro plano e não a música:
Conclusão
Nessa primeira fase da pesquisa, tenho encontrado ideias e conceitos de diversos autores
que vêm validando algumas premissas advindas da minha prática em sala de aula, como a
importância de propiciar às crianças um contato inicial com o instrumento que transite pelo
prazer de tocar, pela exploração, pela criação e interpretação a partir de um repertório
diversificado e que também atenda aos desejos do aluno e possam tornar-se aprendizados
significativos.
Como me encontro na fase inicial da pesquisa, ainda só posso perceber possíveis caminhos
que, com certeza, ampliarão a minha reflexão sobre a relação da criança com a música a
partir de um possíveis processos criativos no aprendizado de piano.
Referências
i
Mário de Andrade usou este termo em uma crônica, publicada na revista Klaxon em maio de 1922, como
uma crítica à elite paulistana do início do século XX, que via o piano como uma forma de status,
aproximando-se da realidade européia da época.
ii
Essa é uma expressão muito utilizada por Maria Teresa Alencar de Brito em diversas publicações
iii
Pierre Schaeffer discorre sobre as quatro escutas em seu “Tratado dos objetos musicais” ( Tratado de los
objetos musicales. tradução espanhola Araceli Cabezón de Diego. Madrid: Alianza Música.)
iv
Com o objetivo de preservar a identidade do aluno, este nome é fictício.
v
Na EMIA – Escola Municipal de Iniciação Artística, o curso de instrumento musical é paralelo ao curso de
iniciação artística. Para ter direito a cursá-lo é necessário uma inscrição no instrumento desejado e ser
selecionado de acordo com a faixa etária e o tempo de estudo na instituição.