Você está na página 1de 3

palavra, segundo Berger, a arte vídeo nega «o

A vídeo-arte em busca de realismo» da televisão, denuncia a sua presumida


uma nova linguagem «objectividade» (e a objectividade presumida de
Marco G. Gazzano qualquer imagem). «Denuncia o facto», sustenta,
«de a televisão, que tende a fazer-se considerar e
a ser considerada como a própria ordem das
1965, em Nova Iorque: é esta a data e o local coisas, ser uma ordem fundada numa tecnologia e
oficial de nascimento dessa nova experiência em relações sociais que a dominam. Pondo o
artística que, desde então, é conhecida em todo o acento sobre a subjectividade, por vezes até à
mundo - com termos ingleses - como video-art. O exasperação, os artistas do vídeo fazem-nos
seu nascimento coincide com uma operação descobrir que a autoridade de que está investida a
comercial, mais do que com uma descoberta televisão é apenas uma questão de poder»
técnica: o lançamento no mercado, por parte da (Relatório Crea, n.Q 5, Unesco, Paris, 1983).
SONY, da telecâmara portátil e do vídeo- Também o cinema, na sua acepção artística,
gravador. Largamente desenvolvida entre os interveio - historicamente - sobre a realidade,
artistas norte-americanos (entre 1970 e 1975 através da imagem em movimento. Mas se a
foram produzidas em Nova Iorque e no Canadá «outra face» da realidade fenomenológica é
duas vezes mais obras video que em todo o resto questionada pelo cinema com a escolha (sempre
do mundo), fortemente aparentada com a body- subjectiva) do enquadramento, com a angulação e
art, a performance e as várias new-waves da East- a montagem, o uso artístico -e portanto especifico
coast, a vídeo-arte está, todavia, em divida com o das «possibilidades» do meio - do vídeo, intervém
Extremo Oriente. Foi, de facto, um artista «directamente» e exasperadamente sobre a
coreano que residia em Nova Iorque, Nam June própria «natureza» da imagem.
Paik, o primeiro a utilizar, e com antevisão, após A negociação do naturalismo (espaço, tempo,
anos de «sonhos», a nova técnica japonesa de figura humana) no cinema tem a ver sobretudo
gravação simultânea da imagem e do som sobre a com selecções de montagem, de realização, entre
fita video-magnética. E é a uma sua declaração enquadramentos e espaços, figuras, pontos de
programática, contemporânea do registo da sua vista no enquadramento. Com o tratamento
primeira obra-video (Café Gogo, EUA, 1965) que electrónico-analógico da imagem, obtém-se o
o historiador de arte Pierre Restany faz remontar mesmo resultado expressivo, com uma
o «acto de baptismo» da vídeo-arte: «Como a flexibilidade que é negada ao cinema, diluindo a
técnica da colagem superou a pintura a óleo, imagem, deformando-a, mesclando-lhe as cores,
também o tubo catódico substituiu a tela». distorcendo mais imagens e sobrepondo-as.
Desde o inicio, pois, a arte video, que numa Restany escreve que as características da
primeira aproximação se poderia definir como o imagem vídeo são «a velocidade, a flexibilidade,
uso artístico da reprodução analógico-electrónica a sfntese, a duração»: de facto, a imagem de
da realidade, teve mais estreitas relações com as vídeo consegue conter os opostos. Pode-se passar
artes plásticas (pintura, escultura) do que com o de uma imagem absolutamente definida e
cinema e a TV. Com esta, pelo contrário, a vídeo- «reconhecível» para uma outra que não o é,
arte, embora co-dividindo inteiramente a exactamente no âmbito do mesmo
tecnologia, sempre teve relações mais do que enquadramento; cenas imagens são «pulsantes» e
conflituosas. Nem uma só televisão, de Estado ou outras corpóreas, quase sólidas; algumas são
privada - excepto a belga, com o programa etéreas e ambíguas como a água, e outras gélidas
Videographie, inaugurado há um par de anos- e luminosas como o vidro. O infinitamente longo
encontrou nos seus palimpsestos espaço para o e o infinitamente breve coexistem no tempo de
vídeo de arte, embora nada pareça mais distante, uma sequência. Dificilmente a estrutura
no plano expressivo, de uma transmissão «narrativa» do cinema poderia, por exemplo,
televisiva do que uma obra de vídeo. suportar as rapidfssimas sucessões de pormenores
René Berger (provavelmente, a máxima das obras de vídeo de Laurie Anderson, ou das de
autoridade mundial no âmbito da critica de vídeo) Anthony Ramos, ou os estupendos planos ao
é mesmo impelido a aventar, cúmplice da vídeo- retardador de Fabrizio Plessi ou de Madna
arte, uma entrada em crise e uma contestação Abramovid-Ulay; no vídeo, é normal. Para as
radical da televisão, enquanto meio. O uso cores e as músicas, em seguida, o «grande jogo»
artístico das tecnologias de vídeo, de facto, mina electrónico oferece as infinitas «possibilidades»
o imperativo que constitui, junto do público, a desconhecidas que fascinaram Michelangelo
força do sistema de teletransmissão das imagens: Antonioni. A vídeo-arte valoriza em definitivo e
a clareza, a nitidez, a «credibilidade» e procura utilizar a fundo - contra as banalizações e
reconhecibilidade da imagem televisiva. Numa subutilizaçòes televisivas- as características

1
«especificas» do meio electrónico; assim, joga italiano Fabrizio Plessi e do francês Robert
exactamente sobre aquilo que a televisão oficial Cahen.
considera «erros» técnicos (granulosidade, Existe, inversamente, uma relação
nebulosidade, hipercoloração, deformação da privilegiada da vídeo-arte com as artes plásticas
relação espacial entre as linhas) e que a (pintura, escultura, teatro gestual, dança)
comercialização selvagem da imagem electrónica determinada pela caracterfstica peculiar da
está a reduzir a «efeitos especiais». imagem electrónica (o seu ser «táctil»), o seu
Dai a tese que, muitas vezes recordar a matéria, como explicou McLuhan, e
inconscientemente, serve de fundo ao trabalho que a toma mais imediatamente compreensível a
dos vídeo-artistas (e, ao invés, está bem presente pintores e escultores do que aos cineastas: uma
em crfticos de arte como René Berger e Vittorio «materialidade» da qual, mesmo no léxico, a
Fagone) e segundo a qual a vídeo-arte - ainda crftica se deve dar conta. Existe também uma
mais do que o cinema ou, pelo menos, daquele relação privilegiada do vídeo com os musicólogos
baseado na química - está em condições de e com as vanguardas contemporâneas que se
demonstrar que o verdadeiro referente de uma iqteressam pelo «para além» da realidade através
imagem (de qualquer imagem, portanto) não é «a do estudo do fragmento, do inautêntico, do
realidade» naturalisticamente entendida, mas a infinitamente pequeno ou da sensação. Relação
subjectividade e a «cultura» de cada artista determinada por aquela outra característica, desta
singular ou de cada (ainda que inconsciente) vez da «narração» electrónica, que René Berger
construtor de imagens. Naturalmente, nem toda a descreve assim: «À análise [quer dizer
vídeo-arte. Trocando a flexibilidade do meio pela psicanálise] feita num discurso racional por meio
facilidade da linguagem, hordas de vídeo-makers de conceitos, aquela substitui construções de
propuseram nestes anos quilómetros de fastidiosa imagens, de sons, de objectos, de movimentos que
fita de vídeo (é o próprio Restany a admiti-lo) ou atingem a nossa sensibilidade, mais do que a
enfadonhas banalidades visuais dadas por nossa inteligibilidade, como se o artista, com o
vanguarda. Mas nem sempre pacificamente. A seu trabalho (e a expressão «obra do artista»
nascente crftica de vídeo deve, com efeito, equivaleria assim a «obra do sonho») nos fizesse
enfrentar os preconceitos de sempre, contra os ver aquilo que a análise se esforça por
quais também a crftica cinematográfica, a seu conceptualizar» (o sublinhado é de Berger). °
tempo, se bateu. Além da habitual acusação de É o motivo pelo qual Marie André fala,
«jogo baixo» no âmbito artístico, um dos referindo-se aos seus vídeos, de «fluxo do
preconceitos mais difíceis de eliminar é o que desejo», ou Robert Cahen de «tempo do sonho»;
pretende que a linguagem das imagens é mas é também o motivo por que, no outro
«universal»: afirmação tão mais perigosa quanto, extremo da produção electrónica, no mundo da
na verdade, a vídeo-arte está de algum modo a indústria, os produtores discográficos que
regressar ao «mudo», à imagem «pura» conseguiram controlar a música rock e as suas
entrecortada por música ou por sons primordiais: filiações em tempos erosivas, e os publicitários
uma experiência claramente pós-sonora (ou pós- mais atentos, estão a apostar todas as suas cartas
falado), mas que dificilmente o cinema poderia na sensorialidade pura, na inteligibilidade
admitir. racional que o vídeo consente. Saido com
Não existe, todavia, uma linguagem veemência, entre o final dos anos Setenta e o
«universal» do vídeo, como é facilmente inicio dos Oitenta, do circuito das galerias de arte
demonstrável confrontando os testemunhos em às quais estivera confinado por mais de um
profundidade; não têm sentido as afirmações de decénio, o vídeo conquistou de facto um espaço
muitos sobre as presumíveis especificidades próprio em todos os âmbitos da produção da
«femininas» do vídeo ou da sua congenialidade imagem, do artístico ao industrial. Há também
com os «jovens». Entre a obra de duas mulheres, que dizer que, através do vídeo, a Europa está a
por exemplo, ambas muito avançadas na pesquisa reconquistar um espaço cultural próprio nos
expressiva- a mexicana Pola Weiss e a belga confrontos com os Estados Unidos, mesmo se a
Marie André- existem diferenças linguísticas preponderância dos seus usos comerciais
patentes, que remetem para culturas diferentes. (publicidade televisiva e video-music, sobretudo)
Assim, a propósito do tempo interior- um dos é por certo limitativa.
argumentos mais estimulantes para os vídeo- Em 1983, só em Itália, houve pelo menos uma
artistas- são evidentes as enormes diferenças que dezena de mostras vídeo, de Turim a Roma, de
existem entre as imagens, ambas profundamente Salsomaggiore a Ravena, de Milão a Bolonha, e
significativas no plano da «exploração» do meio e todas, ou quase - excepto a organizada pelo CRT
ambas de grande plasticidade e rigor formal, do de Milão - com o mesmo defeito: o de misturar
obras com obras (em geral, às centenas) e de

2
confundir os géneros e as pesquisas (video-art, Danielle Jaeggi, França, 1982); sobre as relações
video-music, vídeo amador, vídeo como interactivas entre cinema e vídeo (Interference de
componente central dos novos espectáculos Luisa Cividin/Robert Taroni, Itália, 1981, 1982;
gestuais e «multimedia», vídeo-instalação, vídeos Passioni fredde de Maurizio Camerani, Itália,
produzidos pelas televisões oficiais e assim por 1983; Pandemonium de Saskia Lupini, Bélgica,
diante), com o único resultado de confundir as 1983); auto-reflexões sobre a imagem electrónica
ideias, de constranger a uma fruição tão nevrótica (Machine Vision de Steina Vasulka, EUA,
e desatenta quanto é nevrótica a própria televisão 1972/1980); Light-Electricity and uniflied field
e, em definitivo, de prestar um péssimo serviço theory de Anthony Ramos, EUA, 1983; Le bruit
aos autores. Seria necessária igualmente maior de l'image de Michcl Bonnemaison, França,
selectividade para abordar adequadamente este 1983); sobre a «femininidade» e sobre a
mundo em movimento por parte dos «latinidade» possíveis da imagem (Exoego 8, Ei
organizadores de exposições. eclipse de Pola Weiss, México, 1981, 1982); sobre
Este foi também o defeito dos dois mais as tão difíceis quanto extraordinariamente
importantes encontros europeus sobre a matéria: prometedoras relações entre imagens electrónico-
a mostra de Locarno e a de Lovaina, que este ano analógicas e electrónico-numéricas (dos trabalhos
teve a sua primeira edição. Em Lovaina, em ao longo de duas décadas de Woody e Stcina
particular, quis-se fazer coexistir demasiados Vasulka até ao delicioso Blue Dance, do colectivo
géneros. E foi um erro, porque as inicicativas londrino After Image, 1983); sobre video e poesia
«colaterais» (mas não por menor importância) à (Valeriascopia, Incatenata alia pellicola,
mostra de vídeo- as «instalações» de Anthony Videopoesia de Gianni Toti, Itália, 1980, 1983);
Ramos, o seminário sobre a imagem digital dos sobre as tentativas de subverter os módulos de
dois mais criativos artistas norte--americanos que narração ielevisiva (La peinture cubiste de
se ocupam da electrónica, Woody e Steina Thierry Kuntzcl/Phillipe Grandieux, França,
Vasulka, a psico-performance dos vienenses Ide 1981; Rusky Umetnicki Eksperiment de Boris
Hintze e Emil Siemeister, o jazz visualizado e Milkovid/ /Branimir Dimitrijevié, Jugoslávia,
revelado por Toni Rusconi, os vídeos produzidos 1983).
no próprio âmbito da manifestação por artistas de A impressão geral, todavia- também
todo o mundo, e sobretudo a tentativa - ambiciosa corroborada pela opinião de um critico de arte tão
e corajosa - das televisões de Lovaina e de atento à problemática do vídeo como Vittorio
Belgrado de derrubar os estereotipos televisivos Fagone - é a de que o estádio actual da pesquisa
fomecendo aos seus telespectadores «serviços» vídeo artística é ainda a da pesquisa linguística.
sobre a manifestação na linguagem da vídeo-arte- Os artistas procuram as «palavras» da nova
deveriam ter merecido mais atenção. O Vídeo língua, «colonizam» o meio na acepção de
Festival de Locamo e o Video Cankarjev Dom '38 McLuhan, constroem fragmentos estéticos-e
de Lovaina, ainda assim, fomeceram uma enorme também estereótipos e maneirismos - mais do que
quantidade de material de reflexão. significativos. Estão ainda à procura de um tempo
Reflexão sobre as possibilidades no real (da obra) e de um tempo metafórico que lhe
tratamento expressivo da imagem vídeo, sobre a seja adequado, de um «espaço» do vídeo. A
sua ambiguidade, «liquidez» e hiper-definição montagem electrónica, na maior parte dos casos,
(Water Fan, Up Down, Surf Control de Fabrizio está ainda subvalorizada, em prejuízo do registo e
Plessi, Itália, 1982; Nuage Noir e Juste le Temps do tratamento da imagem; não soube ser ainda,
de Robert Cahen, França, 1982, 1983; City of conscientemente, lucidamente, «sintaxe» das
Angels, de Marina Abramovid-Ulay, EUA, 1983; palavras electrónicas. E, todavia, o significado
reflexões sobre o novo tempo da narração que o profundo do vídeo está, para além dos próprios
vídeo consente (Galerie de Portraits, Como te artistas, exactamente no seu ser substancialmente
amo de Marie André, Bélgica, 1982, 1983; «diferente» de tudo aquilo que é arte neste
Grimoire Magnetique de Joelle De La Casiniere, momento.
Bélgica 1983; Tout prés de la frontiére de

Você também pode gostar