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Contribuições da psicometria
para a avaliação de respostas
psicossociais na enfer magem*
enfermagem
.
Salud de las mujeres.
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Rev Esc Enferm USP Recebido:
Contribuições da psicometria para a02/02/2004
avaliação de
2006; 40(1):98-104. Aprovado:
respostas psicossociais 03/06/2004
na enfermagem
www.ee.usp.br/reeusp/ Braga CG, Cruz DALM.
INTRODUÇÃO Há diversas formas de atribuir valores ou números às
características dos objetos. A psicometria fundamenta-se
Respostas psicossociais aos problemas de saúde e proces- na medida por teoria e para melhor compreendê-la é neces-
sos de vida são freqüentes na clínica de enfermagem. A sário uma explanação sobre os outros tipos de medida: fun-
nominação dessas respostas, processo inerente ao desenvol- damental e derivada.
vimento de sistemas padronizados de linguagem, traz o desafio Na medida fundamental, o atributo de um objeto pode ser
de tratá-las como construtos. Cada diagnóstico de enferma- medido diretamente por um outro objeto (instrumento) que tem
gem deve ser tratado como um construto para que possa ser o atributo que se quer medir. Tome-se como exemplo a medida
compreendido, refinado e útil na prática clínica. Os recursos do comprimento de uma folha de papel utilizando-se uma ré-
metodológicos da psicometria são fundamentais para o desen-
gua. A unidade de medida da régua é seu atributo de compri-
volvimento dos diagnósticos de enfermagem porque podem
mento que pode, por exemplo, ser o centímetro. Esse atributo é
auxiliar no refinamento dos construtos que eles representam.
o mesmo atributo que se quer medir na folha de papel. A medida
Construtos são abstrações, construções teóricas que do comprimento do papel será dada pela coincidência de pon-
objetivam organizar e atribuir significados ao nosso ambi- tos entre a unidade de comprimento marcada no instrumento(5)
ente(1). São exemplos de construtos: ansiedade, dor, senti- (o centímetro) e o objeto que se quer medir (o papel). Diz-se,
mento de impotência, desesperança, pesar, medo. Os nesse caso, que a régua é uma representação extensiva do
construtos não podem ser diretamente observados, mas atributo comprimento do papel. A medida fundamental também
podem ser mensurados pelos atributos ou indicadores deri- pode ser chamada de medida direta.
vados da clarificação e definição dos construtos.
A medida derivada é empregada quando não há um instru-
A psicometria é, por vezes, aplicada de mento que possua o mesmo atributo que se
forma inadequada para o desenvolvimento quer medir no objeto. Nesses casos, aplicam-
de instrumentos, sem o cuidadoso escrutí- Quando não existem se as medidas derivadas. Medida derivada é
nio teórico do construto que o instrumento leis relacionando a medida indireta por meio do estabelecimen-
pretende medir, sem o planejamento e análise atributos, recorre-se a to de uma relação com medidas fundamen-
cuidadosos dos testes a que o instrumento é teorias que fazem tais. A medida de densidade é um exemplo de
submetido. Há proliferação de instrumentos hipóteses sobre medida derivada. Sabe-se que a massa varia
que não são válidos e confiáveis no cenário em função de volume e da densidade: massa
relações entre os
da saúde(2) e que, por isso, não contribuem = volume x densidade. Como a massa permi-
para o refinamento do conhecimento. No en- atributos de um
te medida fundamental (peso, expresso em
tanto, com preparação e testes cuidadosos, é fenômeno, permitindo, quilos) e o volume também (o cubo do
possível produzir, na maioria das circunstân- assim, a medida comprimento=m3), então a densidade, que
cias, instrumentos de medidas de construtos indireta do seu atributo não possui medida fundamental, pode ser me-
que sejam válidas e confiáveis(3. dida indiretamente, em função de massa e
Este artigo apresenta os fundamentos teórico-metodo- volume (quilograma dividido por metro cúbico = kg/m3)(5).
lógicos que norteiam a construção de instrumentos para Na medida por teoria, quando não existem leis relacio-
medida de variáveis psicossociais. Descreve os pólos teóri- nando atributos, recorre-se a teorias que fazem hipóteses
co, empírico ou experimental, e analítico(4), e exemplifica o sobre relações entre os atributos de um fenômeno, permitin-
pólo teórico com a experiência do desenvolvimento de um do, assim, a medida indireta do seu atributo. Não há como
instrumento para avaliar o sentimento de impotência, como estabelecer uma representação extensiva dos atributos do
um diagnóstico de enfermagem. fenômeno (medida fundamental); também é impossível medi-
lo por meio do estabelecimento de uma relação com medidas
PSICOMETRIA extensivas (medida derivada). Na medida por teoria, as con-
cepções teóricas, que explanam as relações entre um fenô-
A psicometria é um ramo da estatística que estuda fenô- meno abstrato e os atributos que lhe dizem respeito, produ-
menos psicológicos. Foi desenvolvida por estatísticos de zem hipóteses sobre o que, teoricamente, poderia ser obser-
formação e, por isso, ainda é definida como um ramo da vado quando o fenômeno ocorre. Tome-se como exemplo o
estatística. Para os psicólogos, ela deve ser concebida como sentimento de impotência como fenômeno de interesse, como
um ramo da psicologia que faz interface com a estatística(5). o “fenômeno” que se quer mensurar. O sentimento de impo-
A psicometria não trata apenas de métodos; ela se insere na tência é um fenômeno altamente abstrato, cujos atributos
teoria da medida que trata da utilização de números no estu- são teoricamente explanados. Das relações, também teorica-
do dos fenômenos naturais(5). Medir significa atribuir valo- mente estabelecidas, entre esses atributos e o sentimento
res a características ou atributos de um objeto, segundo de impotência, podem-se estabelecer hipóteses sobre o que
regras que assegurem a validade e a confiabilidade dos re- é observado quando uma pessoa se sente impotente. Tes-
sultados da medida. tes empíricos dessas hipóteses devem produzir resultados
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sobre a validade das relações teoricamente estabelecidas, sentimento de impotência é uma condição que pode afetar
entre o fenômeno - sentimento de impotência - e seus atribu- todas as pessoas ao longo de suas vidas e qualquer proces-
tos. A teoria utilizada, que fundamenta as relações fenômeno- so de doença, agudo ou crônico, pode predispor ao senti-
atributos, deve ser continuamente considerada frente aos re- mento de impotência(10- 11).
sultados dos testes empíricos das hipóteses que dela mesmo
se originaram. Ao analisar a teoria frente aos resultados dos As crianças hospitalizadas comumente experimentam o
testes empíricos, podem surgir argumentos suficientes para sentimento de impotência em relação ao ambiente hospita-
refinar, alterar, ou mesmo negar a teoria em questão. Em sínte- lar(12). Nos idosos, a vulnerabilidade para esse sentimento
se, na medida por teoria deve haver uma circularidade evolutiva aumenta devido às freqüentes perdas que geralmente expe-
entre teoria-medida-teoria por duas razões fundamentais: a rimentam e aos estressores psicológicos como a morte de
primeira é que, sem a estreita e contínua relação teoria-medi- um amado, aposentadoria, deslocamento e mudanças fisio-
da, as medidas aplicadas podem estar mensurando um lógicas que acompanham o envelhecer.
construto que nada tem a ver com o pretendido, ou então, que
podem estar medindo nada, nos casos em que o instrumento O sentimento de impotência pode ocorrer também no
não parte de alguma articulação teórica minimamente consis- indivíduo com doença aguda, especialmente durante as fa-
tente; a segunda razão é que, sem a estreita e contínua relação ses de acompanhamento diagnóstico, quando os sintomas
teoria-medida, não ocorre o refinamento da teoria e, por con- são mais prevalentes, quando a doença é mais debilitante,
seguinte, do conhecimento cientificamente articulado(5). quando o indivíduo não teve experiências com doenças ou
quando a avaliação diagnóstica é prolongada ou muito
Quando se trata de fenômenos aos quais não se aplicam invasiva(13-15).
medidas fundamentais e nem medidas derivadas, essa pers-
pectiva teórica tem que ser mantida porque é a teoria que Com a doença crônica, que impõe um longo período de
alicerça a medida. Ao se desenvolver um instrumento de adaptação, há aumento do risco de sentimento de impotên-
medida, há menos interesse pelos itens do instrumento do cia(16- 17). O paciente pode experimentar flutuações no esta-
que pelo construto que ele pretende medir(3); os itens da do de saúde, com o início de deterioração, com os procedi-
escala são um meio para a avaliação do construto(6). mentos diagnósticos e tratamentos invasivos, eventos que
podem alterar a ele próprio e a seu estilo de vida.
A psicometria fundamenta-se teoria das medidas e, num
sentido restrito, trata da medida de construtos ou traços Outros fatores também contribuem para o sentimento de
latentes, representados por comportamentos observáveis(5). impotência do paciente: o meio atual de cuidados de saúde,
a tecnologia e a linguagem pouco ou nada familiares, sua
SENTIMENTO DE IMPOTÊNCIA privacidade e suas necessidades muitas vezes ignoradas,
assim como a remoção de seus objetos pessoais. O acesso
A North American Nursing Diagnosis Association ao paciente é limitado, a vigilância constante e o uso de
(NANDA) reconheceu a resposta impotência - no original equipamentos em seu território são freqüentes. Também as
powerlessness - como pertinente à enfermagem e a incluiu interações pessoais podem desencorajar o envolvimento do
em sua classificação em 1982(7). paciente no tratamento, reforçando fracassos pessoais pré-
vios, o que predispõe ao senso de fragilidade e diminui o
Na versão brasileira da Classificação da NANDA de senso de controle sobre si(13, 18).
2002(8) esse diagnóstico foi traduzido como impotência.
Observações não sistemáticas nos têm indicado que O sentimento de impotência percebido pelo paciente
freqüentemente esse termo é confundido com resposta per- guarda estreita relação com o ambiente de cuidados que
tinente à função sexual, o que nos motivou a sugerir que a pode favorecer ou, de certa forma, impor essa percepção, e
tradução para a língua portuguesa seja modificada para sen- os cuidados de enfermagem são elementos importantes para
timento de impotência. Entendemos que, enunciado dessa que os pacientes desenvolvam maior ou menor percepção
forma, o título do diagnóstico remete o conceito para a área de controle das situações(14). A supervisão contínua que as
psicossocial, distanciando-o da área de função sexual. Por enfermeiras realizam, levando o paciente a não assumir res-
essa razão, neste artigo, utilizaremos o termo sentimento de ponsabilidades em seus próprios cuidados, pode provocar
impotência para designar o original powerlessness. diminuição da auto-estima e sentimento de impotência(19).
Sentimento de impotência foi definido como Essas considerações indicam que o sentimento de impo-
tência é um construto pertinente à clínica de enfermagem, o
a percepção de que uma ação própria não afetará signifi-
cativamente um resultado; uma falta de controle percebida
que justifica investimentos no sentido de desenvolve-lo e
sobre uma situação atual ou um acontecimento imediato(9). refiná-lo. Como um diagnóstico, o sentimento de impotên-
cia tem alto grau de abstração e, além disso, compartilha
A importância desse diagnóstico e sua presença nos seus indicadores com outros diagnósticos, o que torna difí-
pacientes são observadas na literatura em enfermagem. O cil a tarefa de identificá-lo de forma acurada na clínica. De-
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senvolver e refinar esse diagnóstico trará elementos para instrumento deve representar o conjunto de atributos do
que ele seja aplicado de forma adequada. construto em estudo. A demonstração do grau com que essa
representação ocorre fundamenta-se na análise de resulta-
O sentimento de impotência é uma resposta psicossocial, dos da aplicação empírica do instrumento. Essa demonstra-
subjetiva, complexa, envolve fatores multidimensionais que ção deve ser feita por análises estatísticas dos itens indivi-
se inter-relacionam como, por exemplo, fatores culturais, dualmente e do conjunto de itens como um todo(5). Para
características da personalidade, experiências pessoais, fa- tanto, foi desenvolvida uma série de parâmetros mínimos
tores cognitivos e emocionais. Com isso, pode-se dizer que que a medida psicométrica deve apresentar para ser legíti-
o sentimento de impotência é um construto que não pode ma. Esses parâmetros referem-se à análise dos itens (dificul-
ser mensurado diretamente. No entanto, como construto, dade e discriminação), à validade e à confiabilidade (fidedig-
apresenta atributos que podem ser mensurados por teoria, e nidade) do instrumento.
a psicometria é um referencial teórico-metodológico adequa-
do para esse fim. Um instrumento é válido quando, de fato, mede o que
supostamente deveria medir; ou seja, ao se medirem os itens,
REFERENCIAL TEÓRICO- que são a representação comportamental do construto,
METODOLÓGICO PARA O mede-se o próprio construto. Para a demonstração da vali-
DESENVOLVIMENTO DE MEDIDAS dade de um instrumento, utilizam-se técnicas diversas e, a
rigor, a validação de uma medida é um processo cumulativo.
O ponto de partida para a construção de instrumentos A confiabilidade da medida é apresentada sob uma série
para medir uma variável psicosssocial é a operacionalização heterogênea de nomes: precisão, fidedignidade, estabilida-
de seus indicadores clínicos. Como outras de, constância, equivalência e consistência
variáveis psicossociais o sentimento de im- interna(5). A fidedignidade ou precisão de um
potência é uma resposta complexa e com alto O sentimento teste diz respeito à característica que ele deve
grau de abstração. Para mensurá-la, faz-se ne- de impotência, possuir - a de medir sem erros – razão dos
cessário, portanto, movê-la do abstrato para como uma variável nomes precisão, confiabilidade e fidedigni-
o concreto, através da identificação e de interesse para a dade(5).
operacionalização das propriedades, ou atri- enfermagem clínica, é
butos, que caracterizam esse construto. Nes- Esses são alguns dos principais funda-
um conceito que não
se contexto, operacionalizar atributos signifi- mentos teóricos do método de construção de
ca especificar indicadores empíricos que se-
pode ser observado instrumento para medir variáveis psicos-so-
rão usados para comunicar um significado, diretamente, mas é ciais. O método é composto por três conjun-
assim como os procedimentos que serão usa- representado por tos de procedimentos: teóricos, empíricos ou
dos para medi-lo. O foco da mensuração é comportamentos experimentais e analíticos (estatísticos)(4).
quantificar as características do conceito a observáveis
ser mensurado e a psicometria, fundamenta- A seguir, apresentaremos uma breve ex-
da nas teorias da medida, guia o alcance des- plicação de cada procedimento(4-5).
se foco.
No pólo teórico, é enfocada a explicitação da teoria so-
O sentimento de impotência, como uma variável de inte- bre o construto para o qual se quer desenvolver um instru-
resse para a enfermagem clínica, é um conceito que não pode mento de medida e a operacionalização do construto em
ser observado diretamente, mas é representado por compor- itens. Nesse pólo, o pesquisador que desenvolve o instru-
tamentos observáveis. Considerando a estreita relação teo- mento deve explicitar a teoria sobre a variável em questão,
ria-medida, a aplicação da psicometria ao conceito de senti- sobre o construto. Como parte dessa explicitação, deve tam-
mento de impotência pode fornecer argumentos que funda- bém identificar os comportamentos que constituem uma re-
mentarão o refinamento desse construto, bem como maior presentação adequada do mesmo construto. Geralmente,
acurácia em sua aplicação na prática clínica. esses comportamentos são expressões verbais capazes de
caracterizar a presença ou a magnitude da variável em estu-
A construção de um instrumento, segundo a psicometria, do. Na explicitação teórica do construto, o pesquisador deve
tem como base a explanação teórica do construto que se considerar também a dimensionalidade do construto que
quer medir. Essa explanação teórica deve permitir enunciar pode ser uni ou multidimensional. Essa definição deve ser
as propriedades que caracterizam o construto em questão. explorada no pólo teórico de modo que o construto fique o
Com base nessas propriedades são definidos comportamen- mais claro possível e que seja suficientemente preciso para
tos observáveis que as representam que, por sua vez, darão a construção dos itens do instrumento de medida. Nesse
origem aos possíveis itens do instrumento de medida. Um pólo estão implícitas as definições constitutivas e
item pode ser uma frase, uma afirmação cujo conteúdo ex- operacionais do conceito. Definir constitutivamente um
pressa um atributo do construto. O conjunto de itens do construto significa definir os termos, a semântica do
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construto. Definir operacionalmente um construto diz res- Descrevem-se, a seguir, as dimensões da impotência,
peito à elaboração dos itens, expressões da representação conforme a proposta(15). A perda de controle fisiológico
comportamental do construto. refere-se aos sintomas físicos que, muitas vezes, impõem
limites que a pessoa não pode controlar. A perda de contro-
Ao se elaborarem os itens, há alguns critérios a serem le cognitivo está presente quando o paciente não consegue
observados para que o construto seja bem representado. A compreender as sensações físicas que experimenta. Envol-
elaboração dos itens é seguida por análises teóricas que ve a avaliação que o indivíduo faz e as conclusões a que
têm a finalidade de julga-los quanto a aspectos semânticos, chega a partir das informações obtidas pelos sentidos. O
aspectos de inteligibilidade e quanto à pertinência dos itens controle cognitivo refere-se tanto à sensação quanto à ava-
ao construto(4). liação. O controle cognitivo sensorial consiste na percep-
ção de ter poder para criar uma imagem mental e sobre que
No caso do desenvolvimento de um instrumento para a
sensações esperar dos eventos que estão ocorrendo. A to-
mensuração do sentimento de impotência o pólo teórico
tal falta de conhecimento de que sensações esperar origina
constituiu-se da análise de publicações de pesquisas e tex-
sentimentos de impotência. O controle cognitivo referente à
tos didáticos que tratavam do assunto. Nesse processo
interpretação capacita o paciente a focalizar a atenção no
observou-se que outros construtos fazem interface com o
evento ameaçador, buscar pistas sobre um possível dano e
de sentimento de impotência e, por vezes, a ele se
enfatizar a qualidade da experiência. Quando o paciente ob-
surperpõem, como por exemplo, a desesperança, auto-eficá-
tém informações sensoriais, ele as interpreta e faz uma ava-
cia, ansiedade e auto-estima. Realizou-se então a revisão
liação subjetiva de seu controle sobre a situação.
desses conceitos frente às definições encontradas de senti-
mento de impotência com o propósito de identificar os limi- A perda de controle ambiental é a percepção que a pes-
tes do construto de sentimento de impotência. soa tem de não poder controlar um espaço físico que consi-
dera como seu território. O ambiente lhe é estranho e, se
Na literatura sistematicamente pesquisada foi identifica-
eventualmente conhecido, pode parecer-lhe hostil e impes-
do um modelo representativo do sentimento de impotên-
soal. Percebendo-se incapaz de explorar o meio ou mudá-lo
cia(15). Apesar de esse modelo não ter sido desenvolvido
por imposição de outros, ou por qualquer outra razão, o
após a sua proposição, julgou-se que ele era suficientemen-
paciente pode perceber-se impotente.
te consistente com o restante da literatura sobre o assunto,
que permitia razoável delimitação do sentimento de impo- A perda de controle decisório ocorre quando a pessoa
tência frente aos outros construtos com que faz interface, não tem mais o poder para tomar decisões sobre si e seu
que era pertinente à perspectiva de saúde-doença e consis- cuidado. O controle decisório depende da diversidade de
tente com a definição de sentimento de impotência da North opções de escolha em determinada situação e do “poder
American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Como escolher”.
resultado dos procedimentos do pólo teórico, assumiu-se o
modelo de White, Roberts(15) para nortear a construção do Nas dimensões desse modelo de impotência está sempre
instrumento. Nesse ponto de desenvolvimento havia clare- presente a idéia de perda de controle. Esse modelo teórico
za de que o instrumento a ser construído serviria também foi assumido como a base para construir um instrumento de
para confirmar, ajustar ou negar esse modelo teórico. medida do sentimento de impotência. A definição
constitutiva de sentimento de impotência para o instrumen-
Neste modelo(15) propõem-se quatro dimensões de per- to é: um estado em que a pessoa percebe perda de controle
da de controle pessoal como componentes do conceito de pessoal sobre como lidar com as limitações físicas decorren-
impotência: fisiológica, cognitiva, ambiental e decisória. A tes de problemas de saúde, sobre o ambiente físico de cui-
Figura 1 representa essa proposta. dados à saúde, sobre as decisões relativas à própria saúde
ou sobre os significados das sensações físicas que experi-
menta. Essa definição constitutiva circunscreve o sentimento
Impotência de impotência ao contexto de saúde-doença.
Áreas de Perda de Controle Pessoal
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cognitiva, ambiental, fisiológica e decisória. Essa constru- das análises estatísticas planejadas. Como regra geral, para
ção, inicialmente, é realizada sem limite em termos de quanti- a análise fatorial, recomenda-se o cálculo com base em 10
dade de itens, num esforço de se obter a representação de sujeitos por item(20). Assim, se o instrumento piloto ficou
toda a amplitude de cada dimensão. Já nessa fase deve-se com, por exemplo, 20 itens o ideal é um total de 200 respos-
levar em conta o perfil da população a que o instrumento se tas. Os procedimentos de coleta dos dados devem favore-
destinará e o tipo de escala de respostas que se desejará e cer a obtenção de respostas completas e válidas. É melhor
se o instrumento será auto-aplicável ou aplicável por entre- despender mais tempo para a coleta dos dados que obter
vista. Sabe-se que nas etapas seguintes os itens serão cri- respostas incompletas ou com validade questionável. São
vados, selecionando-se os que melhor atendem critérios de coletados também dados para caracterização da amostra,
pertinência às dimensões do construto, de adequação se- escolhendo-se variáveis que permitam futuras comparações
mântica e de inteligibilidade. O julgamento dos itens é reali- de resultados. Os dados coletados são verificados quanto à
zado pelo exame cuidadoso de cada um deles por um painel completude e lançados em planilhas ou banco de dados
de especialistas que, além de experiência com o conceito, eletrônicos de acordo com plano de análises e testes esta-
devem também ter familiaridade com a psicometria. tísticos que serão realizados no pólo analítico.
A partir do julgamento dos especialistas, os melhores O pólo analítico inclui os procedimentos de análises es-
itens, segundo os critérios estabelecidos, são selecionados tatísticas a serem efetuadas sobre os dados para estimar a
e os outros são descartados. Os itens selecionados são en- validade e confiabilidade do instrumento produzido e, se per-
tão apresentados a sujeitos, ou grupos de sujeitos, com tinente, para estabelecer sua normatização. Esses três con-
características semelhantes aos da população alvo. Apre- juntos de procedimentos indicarão a solidez psicométrica da
sentam-se a eles os itens, um a um, e pede-se que eles os ferramenta e permitirão avaliar a coerência do seu conteúdo
reproduzam com as suas próprias palavras, com o conceito - sentimento de impotência(4).
permitindo que teçam comentários sobre os Há diversas formas para se estimar a validade e
Se os índices de confiabilidade de instrumentos de medidas e
conteúdos dos itens. O pesquisador observa confiabilidade e as
e registra se algum item é mal compreendido, apresentá-las foge ao objetivo deste artigo. O
estimativas de validade pesquisador que pretende trabalhar com o de-
se há dificuldade em entender o que querem
dizer, se os sujeitos precisam, sistematicamen-
forem aceitáveis, o senvolvimento de instrumentos de medida
te, de esclarecimentos adicionais. Com as ob- pesquisador deve deve se reportar à vasta literatura sobre o as-
servações que vai obtendo, o pesquisador vai retornar ao modelo sunto, antes de iniciar o empreendimento. É
ajustando os itens e reapresentando-os a ou- teórico para verificar a possível que as análises estatísticas indiquem
tros sujeitos, até que não haja mais indicativos consistência entre ele a inadequação ou a irrelevância de algum item
de necessidade de outros ajustes. Durante e os resultados que do instrumento piloto. Nesse caso, o pesqui-
essas discussões, pode-se também avaliar a sador é que vai decidir pela manutenção ou
obteve com o exclusão de itens. Se houver a decisão por ex-
adequação das orientações para responder o instrumento
instrumento, caso ele seja auto-aplicável, as- clusão de itens, as análises de confiabilidade e
sim como a compreensão sobre como traba- validade são repetidas com os itens que final-
lhar com as alternativas de respostas (escala de freqüência, mente permanecerem no instrumento.
de intensidade, de concordância, numérica, visual análoga Se os índices de confiabilidade e as estimativas de vali-
etc). Os itens que resistirem até o final dessa etapa são en- dade forem aceitáveis, o pesquisador deve retornar ao mo-
tão preparados para compor um instrumento piloto. Essa delo teórico para verificar a consistência entre ele e os resul-
preparação inclui decidir a ordem dos itens e a formatação tados que obteve com o instrumento. Isso pode mostrar
propriamente dita, considerando detalhes que podem facili- limitações atribuíveis à teoria ou à medida. O próprio pes-
tar a obtenção de respostas válidas e completas. Nos pólos quisador deve identificar as possíveis limitações e apresen-
subseqüentes – empírico e analítico – esse instrumento pi- ta-las à comunidade profissional que disporá de um instru-
loto é submetido a testes e análises que fornecem outros mento em fase inicial de desenvolvimento. Isso significa
indicadores de propriedades de cada item e estimativas de que o processo de validação do instrumento é contínuo;
validade e confiabilidade do instrumento como um todo. hipóteses sobre o construto medido pelo instrumento de-
vem ser submetidas a testes em outros estudos, construin-
No pólo empírico ou experimental definem-se as etapas
do-se a circularidade evolutiva entre a medida e a teoria que
e técnicas da aplicação do instrumento piloto e da coleta da
a fundamenta.
informação para proceder à avaliação da qualidade
psicométrica do instrumento(4). Nesse pólo seleciona-se a
população e define-se a amostra dos sujeitos que serão con- CONSIDERAÇÕES FINAIS
vidados a participar do estudo. É importante que a amostra
escolhida permita ampla variação de respostas. O tamanho Os procedimentos da psicometria são extremamente úteis
da amostra deve ser estimado de acordo com as exigências para o desenvolvimento do conhecimento da enfermagem.
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A disponibilidade de instrumentos para avaliar respostas desenvolver a sensibilidade teórica, exercitando-a num cons-
psicossociais, tão freqüentes no cenário clínico, contribuirá tante ir e vir entre o mais concreto e o mais abstrato; exige
para a acurácia dos diagnósticos que as enfermeiras reali- desenvolver a tolerância à ambigüidade, sem abandonar o
zam, para a validação clínica desses diagnósticos e para o exame das evidências. Espera-se que o conteúdo deste arti-
teste de intervenções. go motive os pesquisadores a aprofundar conhecimentos
sobre a psicometria para aplicá-los não só no desenvolvi-
A experiência de iniciar a construção de um instrumento mento de medidas, mas também na escolha de instrumentos
para avaliar o sentimento de impotência mostrou que os para medir variáveis de pesquisa que não podem ser medi-
procedimentos mais árduos são os do pólo teórico. Exigem das diretamente.
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Braga
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