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ESTUDO TEÓRICO

Contribuições da psicometria
para a avaliação de respostas
psicossociais na enfer magem*
enfermagem

PSYCHOMETRIC CONTRIBUTIONS TO THE ASSESSMENT OF PSYCHOSOCIAL


RESPONSES IN NURSING

CONTRIBUCIONES DE LA PSICOMETRÍA PARA LA EVALUACIÓN DE RESPUESTAS


PSICOSOCIALES EN LA ENFERMERÍA
Cristiane Giffoni Braga1, Diná de Almeida Lopes Monteiro da Cruz2

* Extraído da Tese RESUMO ABSTRACT RESUMEN


“Construção e Este artigo apresenta os funda- This article presents the Este artículo presenta los funda-
validação de um
instrumento para mentos metodológicos que nor- methodological bases that guide mentos metodológicos que orien-
avaliação do senti- teiam a construção de instru- the development of instruments tan la construcción de instru-
mento de impotência”, mentos para avaliação de variáveis to measure psychosocial varia- mentos para la evaluación de
Escola de Enferma-
gem da Universi- psicossociais. Descreve os pólos bles. It describes the theoretical, variables psicosociales. Describe
dade de São Paulo teórico, empírico ou experimental empirical or experimental and los polos teórico, empírico o
(EEUSP), 2004. e analítico e exemplifica o pólo analytical and exemplifies the experimental y analítico y ejem-
1 Enfermeira. Doutora
pela EEUSP. teórico com a experiência do theoretical steps through the plifica el polo teórico con la
Professora da Disci- desenvolvimento de um instru- experience of developing an experiencia del desarrollo de un
plina Semiologia e mento para avaliar o sentimento instrument to measure power-
Semiotécnica da
instrumento para evaluar el
Escola de Enfer- de impotência, como um diag- lessness as a nursing diagnosis. sentimiento de impotencia, como
magem Wenceslau nóstico de enfermagem. Os proce- The most difficult procedures for un diagnóstico de enfermería. Los
Braz. dimentos mais árduos na cons- developing instruments to are the
cristianegbraga@uol.com.br
procedimientos más arduos en la
2 Enfermeira. Professora trução de medidas são os do pólo theoretical steps. They require construcción de medidas son los
Associada do teórico. Exigem desenvolver a the development of theoretical del polo teórico. Exigen desarrollar
Departamento de
Enfermagem
sensibilidade teórica, exercitando- sensitivity as a continuous going la sensibilidad teórica, ejerci-
Médico-Cirúrgica da a num constante ir e vir entre o forward and backward between tándola en un constante ir y venir
EEUSP. mais concreto e o mais abstrato; concrete and abstract issues; they entre lo más concreto y lo más
mtmllf@usp.br
exige desenvolver a tolerância à also require the development of abstracto; exige desarrollar la
ambigüidade, sem abandonar o tolerance towards ambiguity, but tolerancia a la ambigüedad, sin
exame das evidências. without abandoning the exami- abandonar el examen de las
nation of evidences. evidencias.

DESCRITORES KEY WORDS DESCRIPTORES


Diagnóstico de enfermagem. Nursing diagnosis. Diagnóstico de enfermería.
Psicometria. Psychometrics. Psicometría.
Metodologia. Methodology. Metodología.

.
Salud de las mujeres.

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Rev Esc Enferm USP Recebido:
Contribuições da psicometria para a02/02/2004
avaliação de
2006; 40(1):98-104. Aprovado:
respostas psicossociais 03/06/2004
na enfermagem
www.ee.usp.br/reeusp/ Braga CG, Cruz DALM.
INTRODUÇÃO Há diversas formas de atribuir valores ou números às
características dos objetos. A psicometria fundamenta-se
Respostas psicossociais aos problemas de saúde e proces- na medida por teoria e para melhor compreendê-la é neces-
sos de vida são freqüentes na clínica de enfermagem. A sário uma explanação sobre os outros tipos de medida: fun-
nominação dessas respostas, processo inerente ao desenvol- damental e derivada.
vimento de sistemas padronizados de linguagem, traz o desafio Na medida fundamental, o atributo de um objeto pode ser
de tratá-las como construtos. Cada diagnóstico de enferma- medido diretamente por um outro objeto (instrumento) que tem
gem deve ser tratado como um construto para que possa ser o atributo que se quer medir. Tome-se como exemplo a medida
compreendido, refinado e útil na prática clínica. Os recursos do comprimento de uma folha de papel utilizando-se uma ré-
metodológicos da psicometria são fundamentais para o desen-
gua. A unidade de medida da régua é seu atributo de compri-
volvimento dos diagnósticos de enfermagem porque podem
mento que pode, por exemplo, ser o centímetro. Esse atributo é
auxiliar no refinamento dos construtos que eles representam.
o mesmo atributo que se quer medir na folha de papel. A medida
Construtos são abstrações, construções teóricas que do comprimento do papel será dada pela coincidência de pon-
objetivam organizar e atribuir significados ao nosso ambi- tos entre a unidade de comprimento marcada no instrumento(5)
ente(1). São exemplos de construtos: ansiedade, dor, senti- (o centímetro) e o objeto que se quer medir (o papel). Diz-se,
mento de impotência, desesperança, pesar, medo. Os nesse caso, que a régua é uma representação extensiva do
construtos não podem ser diretamente observados, mas atributo comprimento do papel. A medida fundamental também
podem ser mensurados pelos atributos ou indicadores deri- pode ser chamada de medida direta.
vados da clarificação e definição dos construtos.
A medida derivada é empregada quando não há um instru-
A psicometria é, por vezes, aplicada de mento que possua o mesmo atributo que se
forma inadequada para o desenvolvimento quer medir no objeto. Nesses casos, aplicam-
de instrumentos, sem o cuidadoso escrutí- Quando não existem se as medidas derivadas. Medida derivada é
nio teórico do construto que o instrumento leis relacionando a medida indireta por meio do estabelecimen-
pretende medir, sem o planejamento e análise atributos, recorre-se a to de uma relação com medidas fundamen-
cuidadosos dos testes a que o instrumento é teorias que fazem tais. A medida de densidade é um exemplo de
submetido. Há proliferação de instrumentos hipóteses sobre medida derivada. Sabe-se que a massa varia
que não são válidos e confiáveis no cenário em função de volume e da densidade: massa
relações entre os
da saúde(2) e que, por isso, não contribuem = volume x densidade. Como a massa permi-
para o refinamento do conhecimento. No en- atributos de um
te medida fundamental (peso, expresso em
tanto, com preparação e testes cuidadosos, é fenômeno, permitindo, quilos) e o volume também (o cubo do
possível produzir, na maioria das circunstân- assim, a medida comprimento=m3), então a densidade, que
cias, instrumentos de medidas de construtos indireta do seu atributo não possui medida fundamental, pode ser me-
que sejam válidas e confiáveis(3. dida indiretamente, em função de massa e
Este artigo apresenta os fundamentos teórico-metodo- volume (quilograma dividido por metro cúbico = kg/m3)(5).
lógicos que norteiam a construção de instrumentos para Na medida por teoria, quando não existem leis relacio-
medida de variáveis psicossociais. Descreve os pólos teóri- nando atributos, recorre-se a teorias que fazem hipóteses
co, empírico ou experimental, e analítico(4), e exemplifica o sobre relações entre os atributos de um fenômeno, permitin-
pólo teórico com a experiência do desenvolvimento de um do, assim, a medida indireta do seu atributo. Não há como
instrumento para avaliar o sentimento de impotência, como estabelecer uma representação extensiva dos atributos do
um diagnóstico de enfermagem. fenômeno (medida fundamental); também é impossível medi-
lo por meio do estabelecimento de uma relação com medidas
PSICOMETRIA extensivas (medida derivada). Na medida por teoria, as con-
cepções teóricas, que explanam as relações entre um fenô-
A psicometria é um ramo da estatística que estuda fenô- meno abstrato e os atributos que lhe dizem respeito, produ-
menos psicológicos. Foi desenvolvida por estatísticos de zem hipóteses sobre o que, teoricamente, poderia ser obser-
formação e, por isso, ainda é definida como um ramo da vado quando o fenômeno ocorre. Tome-se como exemplo o
estatística. Para os psicólogos, ela deve ser concebida como sentimento de impotência como fenômeno de interesse, como
um ramo da psicologia que faz interface com a estatística(5). o “fenômeno” que se quer mensurar. O sentimento de impo-
A psicometria não trata apenas de métodos; ela se insere na tência é um fenômeno altamente abstrato, cujos atributos
teoria da medida que trata da utilização de números no estu- são teoricamente explanados. Das relações, também teorica-
do dos fenômenos naturais(5). Medir significa atribuir valo- mente estabelecidas, entre esses atributos e o sentimento
res a características ou atributos de um objeto, segundo de impotência, podem-se estabelecer hipóteses sobre o que
regras que assegurem a validade e a confiabilidade dos re- é observado quando uma pessoa se sente impotente. Tes-
sultados da medida. tes empíricos dessas hipóteses devem produzir resultados

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sobre a validade das relações teoricamente estabelecidas, sentimento de impotência é uma condição que pode afetar
entre o fenômeno - sentimento de impotência - e seus atribu- todas as pessoas ao longo de suas vidas e qualquer proces-
tos. A teoria utilizada, que fundamenta as relações fenômeno- so de doença, agudo ou crônico, pode predispor ao senti-
atributos, deve ser continuamente considerada frente aos re- mento de impotência(10- 11).
sultados dos testes empíricos das hipóteses que dela mesmo
se originaram. Ao analisar a teoria frente aos resultados dos As crianças hospitalizadas comumente experimentam o
testes empíricos, podem surgir argumentos suficientes para sentimento de impotência em relação ao ambiente hospita-
refinar, alterar, ou mesmo negar a teoria em questão. Em sínte- lar(12). Nos idosos, a vulnerabilidade para esse sentimento
se, na medida por teoria deve haver uma circularidade evolutiva aumenta devido às freqüentes perdas que geralmente expe-
entre teoria-medida-teoria por duas razões fundamentais: a rimentam e aos estressores psicológicos como a morte de
primeira é que, sem a estreita e contínua relação teoria-medi- um amado, aposentadoria, deslocamento e mudanças fisio-
da, as medidas aplicadas podem estar mensurando um lógicas que acompanham o envelhecer.
construto que nada tem a ver com o pretendido, ou então, que
podem estar medindo nada, nos casos em que o instrumento O sentimento de impotência pode ocorrer também no
não parte de alguma articulação teórica minimamente consis- indivíduo com doença aguda, especialmente durante as fa-
tente; a segunda razão é que, sem a estreita e contínua relação ses de acompanhamento diagnóstico, quando os sintomas
teoria-medida, não ocorre o refinamento da teoria e, por con- são mais prevalentes, quando a doença é mais debilitante,
seguinte, do conhecimento cientificamente articulado(5). quando o indivíduo não teve experiências com doenças ou
quando a avaliação diagnóstica é prolongada ou muito
Quando se trata de fenômenos aos quais não se aplicam invasiva(13-15).
medidas fundamentais e nem medidas derivadas, essa pers-
pectiva teórica tem que ser mantida porque é a teoria que Com a doença crônica, que impõe um longo período de
alicerça a medida. Ao se desenvolver um instrumento de adaptação, há aumento do risco de sentimento de impotên-
medida, há menos interesse pelos itens do instrumento do cia(16- 17). O paciente pode experimentar flutuações no esta-
que pelo construto que ele pretende medir(3); os itens da do de saúde, com o início de deterioração, com os procedi-
escala são um meio para a avaliação do construto(6). mentos diagnósticos e tratamentos invasivos, eventos que
podem alterar a ele próprio e a seu estilo de vida.
A psicometria fundamenta-se teoria das medidas e, num
sentido restrito, trata da medida de construtos ou traços Outros fatores também contribuem para o sentimento de
latentes, representados por comportamentos observáveis(5). impotência do paciente: o meio atual de cuidados de saúde,
a tecnologia e a linguagem pouco ou nada familiares, sua
SENTIMENTO DE IMPOTÊNCIA privacidade e suas necessidades muitas vezes ignoradas,
assim como a remoção de seus objetos pessoais. O acesso
A North American Nursing Diagnosis Association ao paciente é limitado, a vigilância constante e o uso de
(NANDA) reconheceu a resposta impotência - no original equipamentos em seu território são freqüentes. Também as
powerlessness - como pertinente à enfermagem e a incluiu interações pessoais podem desencorajar o envolvimento do
em sua classificação em 1982(7). paciente no tratamento, reforçando fracassos pessoais pré-
vios, o que predispõe ao senso de fragilidade e diminui o
Na versão brasileira da Classificação da NANDA de senso de controle sobre si(13, 18).
2002(8) esse diagnóstico foi traduzido como impotência.
Observações não sistemáticas nos têm indicado que O sentimento de impotência percebido pelo paciente
freqüentemente esse termo é confundido com resposta per- guarda estreita relação com o ambiente de cuidados que
tinente à função sexual, o que nos motivou a sugerir que a pode favorecer ou, de certa forma, impor essa percepção, e
tradução para a língua portuguesa seja modificada para sen- os cuidados de enfermagem são elementos importantes para
timento de impotência. Entendemos que, enunciado dessa que os pacientes desenvolvam maior ou menor percepção
forma, o título do diagnóstico remete o conceito para a área de controle das situações(14). A supervisão contínua que as
psicossocial, distanciando-o da área de função sexual. Por enfermeiras realizam, levando o paciente a não assumir res-
essa razão, neste artigo, utilizaremos o termo sentimento de ponsabilidades em seus próprios cuidados, pode provocar
impotência para designar o original powerlessness. diminuição da auto-estima e sentimento de impotência(19).
Sentimento de impotência foi definido como Essas considerações indicam que o sentimento de impo-
tência é um construto pertinente à clínica de enfermagem, o
a percepção de que uma ação própria não afetará signifi-
cativamente um resultado; uma falta de controle percebida
que justifica investimentos no sentido de desenvolve-lo e
sobre uma situação atual ou um acontecimento imediato(9). refiná-lo. Como um diagnóstico, o sentimento de impotên-
cia tem alto grau de abstração e, além disso, compartilha
A importância desse diagnóstico e sua presença nos seus indicadores com outros diagnósticos, o que torna difí-
pacientes são observadas na literatura em enfermagem. O cil a tarefa de identificá-lo de forma acurada na clínica. De-

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senvolver e refinar esse diagnóstico trará elementos para instrumento deve representar o conjunto de atributos do
que ele seja aplicado de forma adequada. construto em estudo. A demonstração do grau com que essa
representação ocorre fundamenta-se na análise de resulta-
O sentimento de impotência é uma resposta psicossocial, dos da aplicação empírica do instrumento. Essa demonstra-
subjetiva, complexa, envolve fatores multidimensionais que ção deve ser feita por análises estatísticas dos itens indivi-
se inter-relacionam como, por exemplo, fatores culturais, dualmente e do conjunto de itens como um todo(5). Para
características da personalidade, experiências pessoais, fa- tanto, foi desenvolvida uma série de parâmetros mínimos
tores cognitivos e emocionais. Com isso, pode-se dizer que que a medida psicométrica deve apresentar para ser legíti-
o sentimento de impotência é um construto que não pode ma. Esses parâmetros referem-se à análise dos itens (dificul-
ser mensurado diretamente. No entanto, como construto, dade e discriminação), à validade e à confiabilidade (fidedig-
apresenta atributos que podem ser mensurados por teoria, e nidade) do instrumento.
a psicometria é um referencial teórico-metodológico adequa-
do para esse fim. Um instrumento é válido quando, de fato, mede o que
supostamente deveria medir; ou seja, ao se medirem os itens,
REFERENCIAL TEÓRICO- que são a representação comportamental do construto,
METODOLÓGICO PARA O mede-se o próprio construto. Para a demonstração da vali-
DESENVOLVIMENTO DE MEDIDAS dade de um instrumento, utilizam-se técnicas diversas e, a
rigor, a validação de uma medida é um processo cumulativo.
O ponto de partida para a construção de instrumentos A confiabilidade da medida é apresentada sob uma série
para medir uma variável psicosssocial é a operacionalização heterogênea de nomes: precisão, fidedignidade, estabilida-
de seus indicadores clínicos. Como outras de, constância, equivalência e consistência
variáveis psicossociais o sentimento de im- interna(5). A fidedignidade ou precisão de um
potência é uma resposta complexa e com alto O sentimento teste diz respeito à característica que ele deve
grau de abstração. Para mensurá-la, faz-se ne- de impotência, possuir - a de medir sem erros – razão dos
cessário, portanto, movê-la do abstrato para como uma variável nomes precisão, confiabilidade e fidedigni-
o concreto, através da identificação e de interesse para a dade(5).
operacionalização das propriedades, ou atri- enfermagem clínica, é
butos, que caracterizam esse construto. Nes- Esses são alguns dos principais funda-
um conceito que não
se contexto, operacionalizar atributos signifi- mentos teóricos do método de construção de
ca especificar indicadores empíricos que se-
pode ser observado instrumento para medir variáveis psicos-so-
rão usados para comunicar um significado, diretamente, mas é ciais. O método é composto por três conjun-
assim como os procedimentos que serão usa- representado por tos de procedimentos: teóricos, empíricos ou
dos para medi-lo. O foco da mensuração é comportamentos experimentais e analíticos (estatísticos)(4).
quantificar as características do conceito a observáveis
ser mensurado e a psicometria, fundamenta- A seguir, apresentaremos uma breve ex-
da nas teorias da medida, guia o alcance des- plicação de cada procedimento(4-5).
se foco.
No pólo teórico, é enfocada a explicitação da teoria so-
O sentimento de impotência, como uma variável de inte- bre o construto para o qual se quer desenvolver um instru-
resse para a enfermagem clínica, é um conceito que não pode mento de medida e a operacionalização do construto em
ser observado diretamente, mas é representado por compor- itens. Nesse pólo, o pesquisador que desenvolve o instru-
tamentos observáveis. Considerando a estreita relação teo- mento deve explicitar a teoria sobre a variável em questão,
ria-medida, a aplicação da psicometria ao conceito de senti- sobre o construto. Como parte dessa explicitação, deve tam-
mento de impotência pode fornecer argumentos que funda- bém identificar os comportamentos que constituem uma re-
mentarão o refinamento desse construto, bem como maior presentação adequada do mesmo construto. Geralmente,
acurácia em sua aplicação na prática clínica. esses comportamentos são expressões verbais capazes de
caracterizar a presença ou a magnitude da variável em estu-
A construção de um instrumento, segundo a psicometria, do. Na explicitação teórica do construto, o pesquisador deve
tem como base a explanação teórica do construto que se considerar também a dimensionalidade do construto que
quer medir. Essa explanação teórica deve permitir enunciar pode ser uni ou multidimensional. Essa definição deve ser
as propriedades que caracterizam o construto em questão. explorada no pólo teórico de modo que o construto fique o
Com base nessas propriedades são definidos comportamen- mais claro possível e que seja suficientemente preciso para
tos observáveis que as representam que, por sua vez, darão a construção dos itens do instrumento de medida. Nesse
origem aos possíveis itens do instrumento de medida. Um pólo estão implícitas as definições constitutivas e
item pode ser uma frase, uma afirmação cujo conteúdo ex- operacionais do conceito. Definir constitutivamente um
pressa um atributo do construto. O conjunto de itens do construto significa definir os termos, a semântica do

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construto. Definir operacionalmente um construto diz res- Descrevem-se, a seguir, as dimensões da impotência,
peito à elaboração dos itens, expressões da representação conforme a proposta(15). A perda de controle fisiológico
comportamental do construto. refere-se aos sintomas físicos que, muitas vezes, impõem
limites que a pessoa não pode controlar. A perda de contro-
Ao se elaborarem os itens, há alguns critérios a serem le cognitivo está presente quando o paciente não consegue
observados para que o construto seja bem representado. A compreender as sensações físicas que experimenta. Envol-
elaboração dos itens é seguida por análises teóricas que ve a avaliação que o indivíduo faz e as conclusões a que
têm a finalidade de julga-los quanto a aspectos semânticos, chega a partir das informações obtidas pelos sentidos. O
aspectos de inteligibilidade e quanto à pertinência dos itens controle cognitivo refere-se tanto à sensação quanto à ava-
ao construto(4). liação. O controle cognitivo sensorial consiste na percep-
ção de ter poder para criar uma imagem mental e sobre que
No caso do desenvolvimento de um instrumento para a
sensações esperar dos eventos que estão ocorrendo. A to-
mensuração do sentimento de impotência o pólo teórico
tal falta de conhecimento de que sensações esperar origina
constituiu-se da análise de publicações de pesquisas e tex-
sentimentos de impotência. O controle cognitivo referente à
tos didáticos que tratavam do assunto. Nesse processo
interpretação capacita o paciente a focalizar a atenção no
observou-se que outros construtos fazem interface com o
evento ameaçador, buscar pistas sobre um possível dano e
de sentimento de impotência e, por vezes, a ele se
enfatizar a qualidade da experiência. Quando o paciente ob-
surperpõem, como por exemplo, a desesperança, auto-eficá-
tém informações sensoriais, ele as interpreta e faz uma ava-
cia, ansiedade e auto-estima. Realizou-se então a revisão
liação subjetiva de seu controle sobre a situação.
desses conceitos frente às definições encontradas de senti-
mento de impotência com o propósito de identificar os limi- A perda de controle ambiental é a percepção que a pes-
tes do construto de sentimento de impotência. soa tem de não poder controlar um espaço físico que consi-
dera como seu território. O ambiente lhe é estranho e, se
Na literatura sistematicamente pesquisada foi identifica-
eventualmente conhecido, pode parecer-lhe hostil e impes-
do um modelo representativo do sentimento de impotên-
soal. Percebendo-se incapaz de explorar o meio ou mudá-lo
cia(15). Apesar de esse modelo não ter sido desenvolvido
por imposição de outros, ou por qualquer outra razão, o
após a sua proposição, julgou-se que ele era suficientemen-
paciente pode perceber-se impotente.
te consistente com o restante da literatura sobre o assunto,
que permitia razoável delimitação do sentimento de impo- A perda de controle decisório ocorre quando a pessoa
tência frente aos outros construtos com que faz interface, não tem mais o poder para tomar decisões sobre si e seu
que era pertinente à perspectiva de saúde-doença e consis- cuidado. O controle decisório depende da diversidade de
tente com a definição de sentimento de impotência da North opções de escolha em determinada situação e do “poder
American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Como escolher”.
resultado dos procedimentos do pólo teórico, assumiu-se o
modelo de White, Roberts(15) para nortear a construção do Nas dimensões desse modelo de impotência está sempre
instrumento. Nesse ponto de desenvolvimento havia clare- presente a idéia de perda de controle. Esse modelo teórico
za de que o instrumento a ser construído serviria também foi assumido como a base para construir um instrumento de
para confirmar, ajustar ou negar esse modelo teórico. medida do sentimento de impotência. A definição
constitutiva de sentimento de impotência para o instrumen-
Neste modelo(15) propõem-se quatro dimensões de per- to é: um estado em que a pessoa percebe perda de controle
da de controle pessoal como componentes do conceito de pessoal sobre como lidar com as limitações físicas decorren-
impotência: fisiológica, cognitiva, ambiental e decisória. A tes de problemas de saúde, sobre o ambiente físico de cui-
Figura 1 representa essa proposta. dados à saúde, sobre as decisões relativas à própria saúde
ou sobre os significados das sensações físicas que experi-
menta. Essa definição constitutiva circunscreve o sentimento
Impotência de impotência ao contexto de saúde-doença.
Áreas de Perda de Controle Pessoal

A análise do construto, que deve sustentar uma defini-


Fisiológica Cognitiva Ambiental Decisória ção constitutiva como já apresentado, é a base para a defini-
ção operacional que se refere à construção dos itens capa-
Sensação Interpretação
zes de expressar a representação comportamental do
construto. Considerando a definição constitutiva e cada di-
mensão do sentimento de impotência, tal como definidas
no modelo adotado, o passo seguinte é a criação de enunci-
Figura 1 - Modelo de Impotência
ados representativos desse sentimento. Construíram-se,
Fonte: White BS, Roberts SL. Powerlessness and the pulmonary alveolar então, frases cujos conteúdos seriam pertinentes à per-
edema patient. Dimens Crit Care Nurs. 1993;12(3):129. cepção de controle pessoal sobre a saúde nas dimensões

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cognitiva, ambiental, fisiológica e decisória. Essa constru- das análises estatísticas planejadas. Como regra geral, para
ção, inicialmente, é realizada sem limite em termos de quanti- a análise fatorial, recomenda-se o cálculo com base em 10
dade de itens, num esforço de se obter a representação de sujeitos por item(20). Assim, se o instrumento piloto ficou
toda a amplitude de cada dimensão. Já nessa fase deve-se com, por exemplo, 20 itens o ideal é um total de 200 respos-
levar em conta o perfil da população a que o instrumento se tas. Os procedimentos de coleta dos dados devem favore-
destinará e o tipo de escala de respostas que se desejará e cer a obtenção de respostas completas e válidas. É melhor
se o instrumento será auto-aplicável ou aplicável por entre- despender mais tempo para a coleta dos dados que obter
vista. Sabe-se que nas etapas seguintes os itens serão cri- respostas incompletas ou com validade questionável. São
vados, selecionando-se os que melhor atendem critérios de coletados também dados para caracterização da amostra,
pertinência às dimensões do construto, de adequação se- escolhendo-se variáveis que permitam futuras comparações
mântica e de inteligibilidade. O julgamento dos itens é reali- de resultados. Os dados coletados são verificados quanto à
zado pelo exame cuidadoso de cada um deles por um painel completude e lançados em planilhas ou banco de dados
de especialistas que, além de experiência com o conceito, eletrônicos de acordo com plano de análises e testes esta-
devem também ter familiaridade com a psicometria. tísticos que serão realizados no pólo analítico.

A partir do julgamento dos especialistas, os melhores O pólo analítico inclui os procedimentos de análises es-
itens, segundo os critérios estabelecidos, são selecionados tatísticas a serem efetuadas sobre os dados para estimar a
e os outros são descartados. Os itens selecionados são en- validade e confiabilidade do instrumento produzido e, se per-
tão apresentados a sujeitos, ou grupos de sujeitos, com tinente, para estabelecer sua normatização. Esses três con-
características semelhantes aos da população alvo. Apre- juntos de procedimentos indicarão a solidez psicométrica da
sentam-se a eles os itens, um a um, e pede-se que eles os ferramenta e permitirão avaliar a coerência do seu conteúdo
reproduzam com as suas próprias palavras, com o conceito - sentimento de impotência(4).
permitindo que teçam comentários sobre os Há diversas formas para se estimar a validade e
Se os índices de confiabilidade de instrumentos de medidas e
conteúdos dos itens. O pesquisador observa confiabilidade e as
e registra se algum item é mal compreendido, apresentá-las foge ao objetivo deste artigo. O
estimativas de validade pesquisador que pretende trabalhar com o de-
se há dificuldade em entender o que querem
dizer, se os sujeitos precisam, sistematicamen-
forem aceitáveis, o senvolvimento de instrumentos de medida
te, de esclarecimentos adicionais. Com as ob- pesquisador deve deve se reportar à vasta literatura sobre o as-
servações que vai obtendo, o pesquisador vai retornar ao modelo sunto, antes de iniciar o empreendimento. É
ajustando os itens e reapresentando-os a ou- teórico para verificar a possível que as análises estatísticas indiquem
tros sujeitos, até que não haja mais indicativos consistência entre ele a inadequação ou a irrelevância de algum item
de necessidade de outros ajustes. Durante e os resultados que do instrumento piloto. Nesse caso, o pesqui-
essas discussões, pode-se também avaliar a sador é que vai decidir pela manutenção ou
obteve com o exclusão de itens. Se houver a decisão por ex-
adequação das orientações para responder o instrumento
instrumento, caso ele seja auto-aplicável, as- clusão de itens, as análises de confiabilidade e
sim como a compreensão sobre como traba- validade são repetidas com os itens que final-
lhar com as alternativas de respostas (escala de freqüência, mente permanecerem no instrumento.
de intensidade, de concordância, numérica, visual análoga Se os índices de confiabilidade e as estimativas de vali-
etc). Os itens que resistirem até o final dessa etapa são en- dade forem aceitáveis, o pesquisador deve retornar ao mo-
tão preparados para compor um instrumento piloto. Essa delo teórico para verificar a consistência entre ele e os resul-
preparação inclui decidir a ordem dos itens e a formatação tados que obteve com o instrumento. Isso pode mostrar
propriamente dita, considerando detalhes que podem facili- limitações atribuíveis à teoria ou à medida. O próprio pes-
tar a obtenção de respostas válidas e completas. Nos pólos quisador deve identificar as possíveis limitações e apresen-
subseqüentes – empírico e analítico – esse instrumento pi- ta-las à comunidade profissional que disporá de um instru-
loto é submetido a testes e análises que fornecem outros mento em fase inicial de desenvolvimento. Isso significa
indicadores de propriedades de cada item e estimativas de que o processo de validação do instrumento é contínuo;
validade e confiabilidade do instrumento como um todo. hipóteses sobre o construto medido pelo instrumento de-
vem ser submetidas a testes em outros estudos, construin-
No pólo empírico ou experimental definem-se as etapas
do-se a circularidade evolutiva entre a medida e a teoria que
e técnicas da aplicação do instrumento piloto e da coleta da
a fundamenta.
informação para proceder à avaliação da qualidade
psicométrica do instrumento(4). Nesse pólo seleciona-se a
população e define-se a amostra dos sujeitos que serão con- CONSIDERAÇÕES FINAIS
vidados a participar do estudo. É importante que a amostra
escolhida permita ampla variação de respostas. O tamanho Os procedimentos da psicometria são extremamente úteis
da amostra deve ser estimado de acordo com as exigências para o desenvolvimento do conhecimento da enfermagem.

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A disponibilidade de instrumentos para avaliar respostas desenvolver a sensibilidade teórica, exercitando-a num cons-
psicossociais, tão freqüentes no cenário clínico, contribuirá tante ir e vir entre o mais concreto e o mais abstrato; exige
para a acurácia dos diagnósticos que as enfermeiras reali- desenvolver a tolerância à ambigüidade, sem abandonar o
zam, para a validação clínica desses diagnósticos e para o exame das evidências. Espera-se que o conteúdo deste arti-
teste de intervenções. go motive os pesquisadores a aprofundar conhecimentos
sobre a psicometria para aplicá-los não só no desenvolvi-
A experiência de iniciar a construção de um instrumento mento de medidas, mas também na escolha de instrumentos
para avaliar o sentimento de impotência mostrou que os para medir variáveis de pesquisa que não podem ser medi-
procedimentos mais árduos são os do pólo teórico. Exigem das diretamente.

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Rev Esc Enferm USP Correspondência:
Contribuições da psicometria para a Giffoni
Cristiane avaliação de
Braga
2006; 40(1):98-104. respostas psicossociais
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