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O presente manifesto foi adotado no 1º congresso da Alternativa Libertária, de 18 a 20 de maio de
1991 em Toulouse.
Queremos, certamente, nos organizar para sermos mais eficazes; mas nós
recusamos a forma e o conteúdo, a função do partido. Enfim, porque nós não
pretendemos deter a verdade e porque a unidade de forças é necessária para fazer peso,
buscamos as convergências na ação e o debate político com todas as forças anticapitalistas.
E nós avançamos o projeto de um grande movimento anticapitalista e autogestionário: uma
força pluralista, grande, da qual nossa corrente seria uma das componentes. Uma série de
convicções que fundam a identidade de nosso combate, e que este documento contribui
para clarificar.
As classes sociais são determinadas por sua posição nas relações de poder na
produção – quer se trate da produção de bens materiais, de mercadorias, de equipamentos
ou da produção de serviços, e que esta produção se efetue no setor privado ou no setor
público.
Sem ser investido de nenhum “messianismo”, mas de seu lugar nas relações de
dominação e produção, o proletariado é o portador de uma luta de classes permanente, ora
latente, ora explosiva. Esta luta de classes impõe às classes dirigentes transformações e
compromissos permanentes, determinados pela relação de força, sobre o trabalho, a
partilha de riquezas, o direito, as instituições. Mas ela traz igualmente um questionamento
global do capitalismo, que se exprime regularmente ao longo de toda a história. A luta de
classes é, então, ao mesmo tempo portadora de transformações parciais, opostas à lógica e
aos interesses capitalistas, e de uma ruptura revolucionária, lançando as bases de uma nova
sociedade emancipando o conjunto da humanidade. Nossa participação nas lutas do
proletariado não fecha os nossos olhos para a complexificação, a diversificação da
sociedade, que apresenta uma formação social heterogênea, dominada pelo capitalismo e
por suas leis (especialmente as do mercado), mas aonde coexistem outras formas de
produção (ou mesmo de outras formas de exploração das trabalhadoras e dos
trabalhadores): cooperativas, associativas, pré-capitalistas (camponeses, artesanato),
individuais. Diversos grupos sociais entram assim no campo da luta de classes:
camponeses, camadas médias tradicionais, novas camadas médias assalariadas, entre outras,
o que não deixa de colocar uma série de problemas teóricos e práticos que não poderão ser
evitados ao longo do processo de uma alternativa ao capitalismo.
. Um combate anticapitalista
Nos opomos ao capitalismo qualquer que seja a forma histórica sob a qual ele se
apresente: capitalismo liberal ou capitalismo de Estado. Nos opomos ao capitalismo liberal,
fundado sobre uma regulação “autônoma” do mercado, que se pretende “democrático”
enquanto repousa sobre um modo de produção por essência anti-democrático e que é
inteiramente voltado para a realização do lucro das classes dirigentes. Nos opomos ao
capitalismo de Estado, mesmo quando se pretende “socialista” ou mesmo “comunista”,
enquanto se sustenta sobre um modo de exploração e dominação tirânica das trabalhadoras
e dos trabalhadores e sobre a determinação autoritária do mercado, em vantagem de uma
classe privilegiada e onipotente, a burocracia e a tecnocracia de Estado. Nós não apoiamos,
por conseguinte, nem uma estatização parcial ou total do capitalismo liberal, nem uma
privatização parcial ou total do capitalismo de Estado. Nosso anticapitalismo se inscreve
imediatamente nas lutas cotidianas, as primeiras limitadas pelo quadro imposto pelas classes
dominantes, para apoiar, por uma crítica radical e um projeto de sociedade alternativo ao
capitalismo, o projeto de um socialismo autogestionário e libertário, em um vasto
movimento da luta de classes e da subversão revolucionária.
. Um combate ecologista
Nos entendamos bem: não se trata de cair no mito de uma natureza “pura”
destruída pela humanidade. A humanidade, suas atividades criadoras e produtivas, fazem
parte da natureza. O planeta Terra, sua flora e sua fauna, nunca constituíram um sistema
enrijecido, mas, pelo contrário, foram lugar de uma evolução constante, de um equilíbrio
dinâmico de seus componentes. Mas a evolução tecnológica do século XX criou uma nova
situação. Hoje, a humanidade é capaz, se ela não controla seu desenvolvimento, de criar
uma ruptura, um desequilíbrio brutal do planeta. O século XX viu a poluição “aceitável”
(quer dizer, suportável pelo ambiente) produzida pela atividade humana se transformar em
desequilíbrio, colocando em perigo o futuro da humanidade. As medidas setoriais não
podem nada contra o crescimento geral dos desequilíbrios. É a causa do mal que é preciso
atacar.
Ora, não é esta a ação prioritária nas instituições politiqueiras, nem apenas a
intervenção dos especialistas, que podem regular os problemas urgentes levantados pela
ecologia. Grandes mobilizações de massa são necessárias. E os temas da ecologia devem
ser retomados em conta pelo movimento das trabalhadoras e dos trabalhadores. E isto
tanto mais quanto elas e eles são os primeiros atingidos pelos desastres ecológicos, na
produção e em sua vida cotidiana. A humanidade deve controlar seu crescimento
demográfico, sua produção industrial, seu consumo de energia fóssil, e reinventar uma
agricultura que não esgote os recursos de águas e solos. O produtivismo é
fundamentalmente incompatível com tal evolução. Por um lado, porque necessita de um
crescimento explosivo da produção, do consumo e da população. Por outro, porque se
sustenta em sociedades profundamente desigualitárias, incapazes de gerir coletivamente
uma repartição harmoniosa das riquezas disponíveis. O combate ecológico, porque não
tem sentido sem afirmação da necessidade de um outro tipo de desenvolvimento, é
inseparável do combate por uma democracia direta e por uma igualdade econômica. As
mobilizações ecológicas são chamadas a tomar desenvolvimentos importantes. As vitórias
parciais que elas podem obter são importantes, mas elas só ganharão todo o seu sentido se
permitirem enfraquecer o empreendimento ideológico do produtivismo sobre as
populações, se elas se acompanharem do desenvolvimento da democracia e da
solidariedade na base da sociedade, se elas são um passo em direção a um outro modelo de
desenvolvimento.
Em toda parte em que terreno foi conquistado, se exerce uma pressão contrária
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“Interruption volontaire de grossesse”, interrupção voluntária da gravidez, i.e. aborto.
ainda mais. Em toda parte em que terreno foi ganho, se exerce a pressão contrária, que visa
retirar das mulheres o controle de sua vida, de seu corpo e de sua sexualidade, e que busca
deixar para elas um lugar subalterno e submisso conforme à imagem tradicional da mulher.
Uma pressão que encontra nos sistemas disponíveis, e especialmente nas Igrejas de diversas
confissões, apoios ativos. Assim, a luta contra a opressão das mulheres é um de nossos
combates maiores, dentro e fora dos locais de trabalho, ligado à luta de classes.
. Um combate anti-imperialista
O decolar do capitalismo nos séculos XIX e XX não pôde ser fazer sem a pilhagem
sistemática dos recursos dos países do Sul. A exploração do proletariado responde àquela
dos povos da Ásia, da África, da América. O capitalismo se sustenta no desenvolvimento
desigual em escala planetária, sobre uma ordem mundial imperialista na qual as metrópoles
se impõem seja diretamente sob a forma do colonialismo, ou pela intermediação de regimes
corrompidos, ou pela arma dos auxílios interessados e do endividamento.
Apoiamos todas as lutas dos povos contra o imperialismo e por sua independência.
Este apoio de princípio é, ao mesmo tempo, lúcido, crítico. A experiência histórica
demonstrou que as lutas de independência, sempre legítimas em sua recusa da dominação,
e nisto devendo sempre ser apoiadas, gestaram regimes burocráticos militarizados, ou
implicados em diversas formas de neo-colonialismo. Nem todas as lutas se sustentam nos
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Territórios de soberania francesa fora do continente europeu, nova nomeação dos territórios coloniais
da França de além-mar.
mesmos componentes sociais e nosso apoio vai primeiramente para os campesinatos
pobres e aos proletariados. Nem todos os movimentos de liberação tem os mesmos
objetivos, com as mesmas armas, as mesmas formas. Nós apoiamos prioritariamente as
forças mais democráticas, as mais representativas, e as mais suscetíveis de questionar o
capitalismo e o estatismo.
A luta reivindicativa passa no mais das vezes nas empresas pela ação sindical.
Queremos a participação ativa no sindicalismo compreendida em primeiro lugar como uma
certa prática de massas e da classe das trabalhadoras e dos trabalhadores, mas sem antecipar
as formas de organização que elas e eles poderão dar a si mesmos no quadro de um
processo alternativo. A organização sindical sendo, ou devendo ser, uma ferramenta a
serviço desta prática de terreno. Estamos conscientes de que o movimento sindical é por
natureza – como todas as lutas contra o capitalismo em um período não revolucionário –
atravessado por uma contradição entre integração e ruptura. E de que a integração gera
uma tendência forte aos compromissos sociais e à burocracia. Defendemos um
sindicalismo revolucionário oposto às práticas, às orientações, às estruturas dominantes nas
organizações sindicais. Queremos a independência sindical, a democracia interna e o
federalismo, o apoio à autogestão das lutas e o respeito da unidade das trabalhadoras e dos
trabalhadores, uma prática interprofissional, a solidariedade internacional e uma finalidade
de transformação autogestionária da sociedade.
A escolha de aderir a tal ou tal sindicado pertence com toda a liberdade a cada um
de nós. Podemos ser conduzidos a inscrever nosso sindicalismo revolucionário em quadros
muito diferentes: grandes confederações de orientação reformista, estruturas sindicais
menores ou mais setoriais de luta de classes, coletivos de trabalhadoras e trabalhadores
tendo uma prática de natureza sindical. O essencial é, para nós, a possibilidade real,
oferecida por tal ou tal estrutura, de fazer um sindicalismo de massas no local de trabalho e
a existência de coletivos militantes.
Afirmamos que as lutas reivindicativas – cujos objetivos não são, por definição,
revolucionários – podem levar à mobilização maciça das exploradas e dos explorados e
permitir tomadas de consciência e experimentações concretas de autogestão portadoras de
rupturas anticapitalistas. Grandes objetivos de transformação, projetos alternativos, levados
pelos movimentos de massas, podem fazer avançar a aspiração de uma mudança global da
sociedade. Do mesmo modo as realizações alternativas de cooperativas e atividades
associativas autogeridas podem ser portadoras de um questionamento global da sociedade,
se elas sabem continuar em ligação com as trabalhadoras, os trabalhadores, a população, as
lutas de classe.
Nós não nos opomos nem às reivindicações nem às reformas em si. A linha de
demarcação entre “reformismo” e “luta de classes” se situa, aos nossos olhos, entre as
reformas arrancadas por lutas autônomas e as reformas concedidas deliberadamente pelos
poderes ou negociadas a frio. Não poderíamos, todavia, denunciar o suficiente a faculdade
de recuperação do sistema capitalista e sua capacidade a recolocar em questão
posteriormente tudo o que as relações de força puderam lhe impor.
. Um combate anti-estatista
. Um combate revolucionário
Ser revolucionário também não significa se desligar das condições de vida e de luta
necessariamente limitadas que impõe o cenário capitalista enquanto não o invertemos.
Recusamos o “tudo ou nada” e afirmamos, ao contrário, que a via que pode preparar uma
revolução futura se encontrará através das contradições da sociedade real, e de todas as
lutas parciais que devemos travar nela.
Para concluir, digamos que o limite da ação dos revolucionários não se mantém em
termos de respeito da legalidade imposta pelo Estado, mas evolui em função da consciência
das massas no que diz respeito à legitimidade da ação.
A SOCIALDEMOCRACIA
O LENINISMO E O STALINISMO
Se o leninismo não se confunde com o stalinismo, ele abriu a via aos crimes contra a democracia e
contras as trabalhadoras e os trabalhadores
Por socialização dos meios de produção, não entendemos sua concentração nas
mãos do Estado, mas a posse coletiva pelo conjunto da sociedade, autogestão da produção
em sua globalidade, e autogestão de casa unidade por aquelas e aqueles que se empregam
nela. Por autogestão entendemos o poder de decisão coletivo das assembleias de
trabalhadoras e trabalhadores, com liberdade total de expressão e votos democráticos. A
autogestão abole as relações de produção capitalistas dirigentes/dirigidos, com a
organização hierarquizada e parcelada do trabalho que implicam. Na autogestão os
responsáveis, coordenadores e coordenadoras, delegados, são eleitos por assembleias de
base; elas e eles podem ser destituídos por elas a todo momento, elas e eles estão
submetidos à direção coletiva da base, obrigados a apoiar as escolhas, os mandatos
imperativos adotados e regularmente renovados por assembleias de base e conselhos locais.
Além disso, a maior autonomia se exprime na base, nas comunas, nas regiões
federadas. O federalismo é uma forma de organização e de centralização/descentralização
que permite evitar o fracasso do centralismo burocrático e o da atomização da sociedade. É
o equilíbrio entre a iniciativa e a autonomia das unidades federadas, e a solidariedade entre
todas: uma interdependência sem hierarquia, em que as escolhas coletivas sobre as questões
comuns são tomadas e aplicadas por todos. O federalismo implica uma concepção aberta,
dialética, da sociedade como lugar em que podemos tender a equilibrar o campo do geral e
o do particular, mas sem nunca reduzir um ao outro.
Nossa organização não pretende se tornar, contando apenas com suas próprias
forças, a única alternativa ao capitalismo. Rejeitando todo o sectarismo e todo
isolacionismo, queremos ser uma força unificadora no movimento revolucionário e no
movimento operário. Queremos contribuir para um renascimento do combate
revolucionário de massas, uma refundação do socialismo no horizonte do século XXI. Para
atingir este meta, nossa estratégia política se apoia em uma dialética entre dois níveis de
expressão e de organização distintos e complementares:
- a organização e o desenvolvimento de uma nova corrente libertária de luta de
classes;
Práticas comuns nas bases, porque para nós uma alternativa de massas, implantada
nas cidades, nos locais de trabalho, entre a juventude, partirá dos problemas concretos
vividos pela população. Novas ações são necessárias para permitir a expressão e a
organização das revoltas da base da sociedade. Estas práticas comuns permitirão as
respostas necessárias, diante das ameaças da extrema direita e às mentiras da
socialdemocracia. São por elas que a alternativa ganhará novas forças. A emergêcia deste
grande movimento é uma das tarefas prioritárias de nossa corrente. Não se trata, para nós,
de desaparecer de corpo e alma e uma congregação futura. Queremos ser forças
iniciadoras, umas das forças unificantes. E nos tornar no amanhã uma componente maior e
escutada, em um movimento revolucionário, um movimento operário refundado e
renovado.
. Um combate contra todas as alienações
Nosso combate não é apenas voltado contra uma certa forma de produção material
e sua dominação sobre o trabalho, a sociedade, o mundo e a natureza. Trazemos aspirações
libertárias que ultrapassam a luta apenas de classes. A emancipação de cada indivíduo não é,
para nós, uma perspectiva secundária, mas o objetivo maior da luta social. Longe de as
opor, afirmamos que a luta pela liberação, a liberdade individual, não pode avançar sem o
concurso das lutas coletivas. Desde milhares de anos, as opressões e as alienações entravam
a expansão de cada indivíduo e de numerosos grupos sociais: o racismo, a xenofobia, a
opressão das mulheres, a ordem moral que se exerce especialmente contra a
homossexualidade, os conformismos culturais... Estas alienações, o capitalismo não as
gerou, mas elas servem como tantos e tantos meios para cimentar sua dominação,
oprimindo as faculdades criadoras e vitais de cada, destilando os ódios e as divisões na
população. As religiões estão entre os principais vetores das alienações: pela visão do
mundo que elas propõem pelas formas hierarquizadas que construíram, por sua pretensão
em encerrar a vida de cada um em uma rede de dogmas, de tabus, de regras impostas.
Certamente, somos a favor da liberdade de culto, respeitamos as escolhas de cada um e
denunciamos as perseguições e as interdições. Mas recusamos toda empreitada das religiões
sobre a sociedade e queremos fazê-las passar por uma crítica radical.
Somos, então, partidários de uma luta global que toma partido contra todas as
formas de alienação e de opressão, que toma como finalidade o respeito absoluto da
identidade de cada uma e de cada um, que todos possam viver, amar, trabalhar, criar, se
exprimir livremente, sem barreira de raça, sexo, nacionalidade, idade ou de modo de vida,
que todas e todos possam encontrar um lugar na sociedade humana, crescer nela e dispor
de meios de existência satisfatórios. Se o capitalismo sustenta, ao mesmo tempo em que as
renova, alienações multimilenares, ele próprio carrega alienações específicas. No trabalho,
em que o indivíduo é dividido, dominado, e reduzido ao estatuto de mercadoria. Na relação
da humanidade com a natureza. Na vida cotidiana, em que o modo de consumo é
determinado pela lógica dos lucros. Então, somos a favor do apoio mútuo das lutas de
classe e das diversas lutas contra as alienações, sem reduzir estas às condições das
primeiras. A destruição da ordem capitalista, a construção de novas relações sociais
igualitárias e libertárias, trarão as bases necessárias – mesmo se elas não exclusivamente
suficientes – para uma era de emancipação.