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Situações limítrofes
Luana Aguiar
“Hyperventilation”, “Tribute to the Eye” and “How to avoid death” are performance practices of
my own that confront body and matter and evoke threshold situations. These are actions that
defy the first necessity of man: the breath. The purpose of this communication is to draw links
between the materialistic thought of Georges Bataille, philosopher of surrealism, and my artistic
practices.
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Bataille e o surrealismo
O pensamento racional era o maior inimigo das vanguardas dadaístas e surrealistas
no contexto destrutivo da I Guerra Mundial. O que aqueles artistas pretendiam era se opor
à velha atribuição de identidades às coisas como forma de ordená-las, ou seja, pretendiam
atacar a maneira racional de enxergar o mundo sob modelos universais.
O movimento surrealista tem como base a desordem proclamada pelos
dadaístas, aliada ao poder do inconsciente descoberto por Freud. Existem, no entanto,
diferenças fundamentais entre o surrealismo de Bataille e o de André Breton. Segundo
Eliane Robert Moraes, Breton idealizava a figura da mulher, defendia passionalmente
o amor e visões sublimadas da realidade e buscava ultrapassar os horrores da
guerra com uma utopia redentora. Em contrapartida, Bataille, através da bestialidade,
propunha sustentar o insustentável e pensar o impensável. As imagens bestiais deste
é o que ele próprio chama de matéria baixa e que faz deslocar a atenção do sujeito de
um mundo ideal para o mundo cruel de vivências reais que se apresentam à sua volta.
Bataille e Breton ultrapassam os limites impostos pela razão, mas o primeiro
percebeu em Breton um surrealismo disfarçadamente idealista.
As revistas Documents e Minotaure (cujos responsáveis são respectivamente
Bataille e Breton) divulgam a partir da década de 30 imagens monstruosas referente
à sacrifícios, torturas e assassinatos, que representariam, além de uma reação à arte
fascista da época, uma tentativa de refletir sobre tudo que suscita o mal no homem
e uma referência à literatura libertina de Marquês de Sade. “O romance de Sade
oferece um sistema de pensamento que desafia a concepção de mundo proposta
pelos dois principais campos filosóficos no contexto da França pré-republicana:
o religioso e o racionalista”.1 O posterior interesse dos surrealistas pelas idéias
libertárias e permissivas de Sade foi também motivado pelo testemunho dessa
geração às atrocidades ocorridas durante a Primeira Guerra e em diante.
Bataille acredita no papel da crueldade em Sade para a consciência do homem
de que ele é o próprio responsável por sua revolta e Breton também acredita na lucidez
sadiana sobre as forças que agem no homem e no princípio do mal que reside em cada
um. Eliane Robert ressalta que esse princípio está na origem do desejo e que a potência
do desejo para Sade está relacionada à violência. Ela completa com as idéias de Michael
Luana Aguiar.
Homenagem ao olho,
2009. Performance
Considerações finais
Penso na arte como meio pelo qual o homem se permite tudo, inclusive morrer.
Meu interesse é abrir uma brecha no tempo para essa experiência de morte. É intrigante
observar que a morte é sem dúvida o fato mais natural ao homem e aquele mais difícil de
encarar, o mais doloroso. Me interessa essa dificuldade em encarar a morte em última
instância, mas também as outras coisas que podem remeter subliminarmente a ela, como
a idéia do grotesco nos pedaços de órgãos por exemplo. E esse grotesco, que representa
uma ofensa aos sentidos, pode estar relacionado à idéia de transitoriedade, à ação do
tempo sobre as coisas, o que nos faz lembrar a nossa condição perecível, portanto,
mortal. Isso explica a vertigem provocada pela visão dos órgãos.
Para Bataille é na morte que se percebe a dilaceração da natureza humana.
Enquanto vivos nos contentamos com um compromisso, uma realidade comum, “o eu
que morre abandona este acordo: ele verdadeiramente percebe o que o circunda como
um vazio; o eu que vive limita-se a pressentir a vertigem onde tudo acabará.”10 Esse ponto
remonta à lucidez sadiana e o papel da crueldade para o sujeito que deseja adquirir uma
maior consciência de si. Talvez seja essa a minha busca, ou seja, essa crueldade na
Referências bibliográficas
BATAILLE, Georges. A Experiência Interior. Tradução de Celso Libânio Coutinho et ali. São Paulo: Editora
Ática, 1992
_________. La Felicidad, El erotismo y la literatura: Ensayos 1944-1961. Buenos Aires: Adriana Hidalgo
Editora, 2002.
BARTHES, Roland. A metáfora do olho. In: História do Olho: Georges Bataille. São Paulo: Cosac Naify, 2003
MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002
MORAES, Eliane Robert. Um olho sem rosto. In: História do Olho: Georges Bataille. São Paulo: Cosac
Naify, 2003
NIETZSCHE, F. Sobre a Verdade e a Mentira no sentido Extra-Moral. São Paulo: Nova. Cultural, 1987
ROSSET, Clement. Lógica do pior . Trad. Fernando J. F. Ribeiro e Ivana Bentes. Rio de Janeiro: Espaço e
Tempo, 1989.
SEDOFSKY, Lauren. Down and dirty. Form in modernist art. Interview with curators Rosalind Krauss
and Yve-Alain Bois. ARTFORUM, Junho de 1996
SERRAVALLE DE SÁ, Daniel. O Marquês de Sade e o Romance Filosófico do Século XVIII. Revista
Eutomia, ano 1, número 2, dezembro. Pernambuco: EDUFPE, 2008, pp. 362-377
Notas
1 SERRAVALLE DE SÁ, 2008, p.362
2 BARTHES, 1964, p. 118
3 Ibid, p. 116
4 NIETZSCHE, 1873, p. 48
5 ROSSET, 1989, p.13
6 Apud, MORAES, 2002, p.198
7 Ibid, p. 203
8 BOIS, 1996
9 BATAILLE, 1944, p. 53
10 BATAILLE, 1944, p.77
11 id, 1949, p.121