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Música, teoria da

Música, teoria da
Uma das primeiras explicações formais sobre a natureza da arte musical reveste-se
de caráter fantástico: é a idéia pitagórica segundo a qual o universo se constituiria
de sete esferas cristalinas que emitem em seu movimento concêntrico as
respectivas notas da escala em perfeita harmonia.
A teoria da música tem como objetivo a elaboração de um conjunto de disciplinas e
interpretações gerais sobre os elementos e estruturas musicais.
Antigas teorias musicais. A música surgiu nas mais remotas culturas, para a
celebração de acontecimentos festivos e litúrgicos. Assim aparece nas antigas
civilizações orientais que, como a chinesa e a indiana, conheciam e tiravam partido
de sua capacidade de produzir êxtase coletivo. Tais conceitos e usos se
propagaram ao Ocidente, até se cristalizarem nas escolas filosóficas gregas, em
teorias não isentas de caráter místico e metafísico.
O legado mais significativo da música grega antiga foi sua teoria escrita. A
fragmentação dos restos conservados e a impossibilidade de reconstituir suas
formas de execução dificultam a compreensão dessa antiga prática musical. Parece
evidente, porém, o importante papel da matemática nas concepções teóricas. Suas
origens costumam ser atribuídas a Pitágoras (século VI a.C.), que se baseou
provavelmente em fontes egípcias e caldéias. As conclusões pitagóricas sobre a
disposição dos intervalos, depois registradas por Euclides e Platão, atenderam
plenamente às necessidades da música ocidental.
Até o século IX da era cristã, o esplendor alcançado pela civilização islâmica em
diversos pontos de seu império permitiu um renascimento cultural inspirado em
textos greco-romanos, sobre os quais se debruçaram várias escolas de tradução.
Preocupada sobretudo com a perfeição melódica das composições, a cultura
islâmica desenvolveu as formas vocais e os sistemas de afinação de instrumentos.
Teorias da música ocidental. As fontes gregas, transmitidas pelos fragmentos
escritos de Boécio e enriquecidas pela cultura árabe, alimentaram as origens da
teoria musical européia. Na liturgia cristã surgiram os oito modos eclesiásticos,
inspirados nos gregos.
O cantochão, canto cristão antigo executado sem acompanhamento, era
originalmente monofônico, constituído de uma única melodia cantada em uníssono.
Em sua evolução surgiram as primeiras formas polifônicas, em que melodias
simultâneas se entrelaçavam. A polifonia culminou nas missas dos mestres
flamengos do século XVI, em que soavam em conjunto mais de trinta vozes
diferentes. As dificuldades de execução a capela de tais peças eram tamanhas que
o apoio da orquestra se tornou fundamental.
Pressões da igreja, que exigia o claro entendimento das palavras litúrgicas
cantadas pelos coros, levaram a uma simplificação das vozes superpostas, e com
isso o papel individual de cada melodia se tornava secundário. Em contrapartida,
uma melodia que se destacasse como principal sobre o acompanhamento era
investida de uma importância inexistente até então, o que redundou no surgimento
da figura do solista. O novo gênero representativo dessa mudança foi a ópera, uma
das principais formas musicais do início do barroco e bem representada pelo Orfeo,

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Música, teoria da

de Monteverdi.
A teoria, a partir do século XVII, teve no estudo da harmonia (matéria referente à
organização dos sons simultâneos em torno de um centro tonal) sua linha de frente.
O estabelecimento do atual sistema de afinação única para todos os instrumentos,
chamado de temperamento igual, abriu o caminho para as composições orquestrais
do classicismo e romantismo.
Já no século XIX, Richard Wagner, a grande figura do drama musical germânico,
ditou regras universais sobre a concepção da ópera como espetáculo resultante da
combinação de várias artes. A enorme complexidade harmônica transgrediu as
normas clássicas de composição e incorporou elementos e sons considerados
capazes de ameaçar ou dissolver a própria harmonia.
Essa tendência se explicitou em várias escolas do século XX, como a serial, a
aleatória, a concreta etc., até o ponto em que a ancestral definição de música --
como sucessão de sons com um sentido específico que os diferencia do ruído -- foi
alterada pela incorporação de todo tipo de material sonoro.
Consonância e dissonância. Até o século XX, os teóricos procuravam estabelecer
uma classificação "objetiva" dos intervalos -- distância acústica entre duas notas,
resultado da diferença de vibração entre elas -- em consonantes e dissonantes.
Mas nenhuma definição desses termos foi consensualmente aceita, apesar das
inúmeras tentativas de associar "consonante" a agradável, estável, suave, belo, e
"dissonante" a desagradável, discordante, instável e feio. Não foi possível valorar de
forma inequívoca um intervalo isolado, cujo caráter é alterado de forma considerável
pelos sons que o circundam, o que faz com que aquilo que soa "instável" possa,
dependendo do contexto, criar o efeito oposto.
Hermann von Helmholtz, em 1863, associou a dissonância à presença de
batimentos, efeito sonoro que resulta da pequena diferença de freqüência entre
sons simultâneos ou entre seus harmônicos (desdobramentos do som principal
segundo leis acústicas), enquanto o termo consonância foi relacionado à ocorrência
de harmônicos em comum. Segundo o compositor alemão Paul Hindemith, um
acorde é mais dissonante que outro se contém um número maior de intervalos que,
em separado, são dissonantes. Embora suas conclusões não tenham sido
completamente aceitas, não surgiram explicações mais convincentes.
Escalas musicais. Dá-se o nome de oitava ao intervalo entre dois sons em que a
freqüência do mais grave é exatamente a metade da do mais agudo. A tradição
ocidental estabeleceu 12 notas diferentes em uma oitava, dispostas em uma
seqüência onde cada nota se distancia da anterior por um intervalo denominado
semitom. Muitas culturas, como a indiana, a árabe e a africana, dividem a oitava de
outras maneiras.
Até o barroco, distinguiam-se os semitons ascendentes dos descendentes. Por
exemplo, o som obtido ao se elevar de um semitom o ré (ré sustenido) não coincidia
com o baixar de um semitom o mi (mi bemol). A partir do século XVII, o tamanho do
semitom foi matematicamente estabelecido e padronizado, por um sistema de
afinação conhecido como de temperamento igual. O novo sistema, de início
criticado, antimusical, teve seu potencial demonstrado por Bach.
A aplicação do temperamento teve numerosas conseqüências importantes na

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história da música, tanto práticas como teóricas, entre as quais a possibilidade de,
pela primeira vez, transpor-se uma peça para outra tonalidade, e o surgimento das
notas enarmônicas -- que possuem nomes diferentes mas soam idênticas, como ré
sustenido e mi bemol.
Os instrumentos de afinação fixa (que não pode ser manejada nem mesmo de
forma sutil durante a execução, como a do piano) tiveram suas possibilidades
musicais bastante ampliadas, enquanto aqueles cuja afinação pode ser alterada
durante a execução e que utilizam freqüentemente alturas que não correspondem
ao novo sistema, como a voz humana e o violino, passaram a ser denominados
não-temperados.
Em uma peça determinada não figuram, na maioria das vezes, todos os 12 sons
básicos. Os sons utilizados em cada caso -- dispostos em ordem do mais grave ao
mais agudo, dentro dos limites de uma oitava -- constituem uma escala musical.
Existe quase sempre, em um trecho musical, uma nota tornada mais importante que
as outras, e que fica impressa na memória do ouvinte durante a execução. Isso é
conseguido através de repetições dessa nota -- sobretudo no início e na conclusão
da idéia musical -- e de certos encadeamentos que parecem criar a expectativa de
seu aparecimento.
Tal nota constitui como um centro atrativo, a que está associada a sensação de
repouso e satisfação do ouvinte, enquanto que os movimentos em torno desse
centro provocam diferentes graus de tensão e expectativa. As outras notas
integram-se, a partir disso, num sistema hierárquico, em que não possuem todas a
mesma função e importância. Essa organização implícita tem o nome de modo.
Uma única escala admite vários modos, conforme a nota que se esteja
apresentando como centro tonal.
Na antiga música culta ocidental existiam muitos modos, o que ainda ocorre em
culturas não-ocidentais e em manifestações musicais folclóricas e primitivas. Por
volta do século XVII, a música ocidental passou a ser compreendida basicamente a
partir de um sistema chamado tonalismo, onde prevalecem dois modos da escala
diatônica, chamados maior e menor, remanescentes dos modos medievais. O que a
princípio parece uma restrição tornou-se, na prática, poderoso instrumento de
organização do universo sonoro, que permite uma riqueza de estruturas musicais
até então desconhecida.
Quase toda a música culta ocidental, entre o século XVI e o início do século XX, foi
composta sob a égide do tonalismo. Nos séculos XIX e XX, os compositores
ocidentais começaram a usar, com freqüência cada vez maior, notas
não-pertencentes à escala diatônica, criando variantes, e essa tendência estimulou
a produção de novas escalas. Os limites do tonalismo passaram a ser sentidos
como cerceadores da liberdade. A escala de tons inteiros (formada por seis notas
separadas por intervalos de um tom) foi usada pelo francês Claude Debussy e
outros, sobretudo na França e na Inglaterra, o que a tornou conhecida como escala
impressionista. Escalas microtonais, com intervalos menores que o semitom,
também apareceram no século XX ao lado de novas propostas -- entre as quais a
do dodecafonismo, novo sistema de composição que não se baseia em nenhuma
escala, mas na construção de outro tipo de seqüência, conhecida como série -- e de
uma revalorização das estruturas modais anteriores.
Acorde; Cadência; Contraponto; Dodecafonismo; Escala musical; Fuga; Grega,

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