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Harmonia aplicada à música popular

Marcos Barnah

Harmonia aplicada à música popular


Copyright © 2016, Marcos Barnabé da Silva

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e-mail: mbarnah@bol.com.br
Dedicatória

A minha esposa Renata, minha filha Rafaela, e a minha


mãe e irmãos, sei que a família é o nosso bem mais precioso, e
por conta disso sou extremamente grato por vocês fazerem parte
da minha vida. A todos meus professores, alunos, amigos e
apoiadores em geral, vocês são parte do desenvolvimento desse
trabalho. E acima de tudo e de todos, eu agradeço ao criador do
universo, criador de todas as coisas, inclusive da arte fascinante,
que me envolve desde minha infância e continua a me envolver e
cativar a cada dia, que é a música.
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Índice
O que é harmonia 07

Intervalos 08

Escala maior 16

Nome dos graus da escala 20

Tríades 21

Tétrades 28

Cifras 31

Campo harmônico maior 35

Dissonância e consonância 39

Inversões de acordes 41

Modos medievais 46

Escala menor natural e seu campo harmônico 50

Funções harmônicas (leis tonais) 53

Empréstimo modal 58

Outros empréstimos 68

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Sub V 70

Harmonia quartal 78

Cadências 81

Escala menor melódica e seu campo harmônico 88

Escala menor melódica e seu campo harmônico 91

Modo menor 95

Escala diminuta 97

Acordes diminutos substituindo acordes dom. 102

Funções do acorde diminuto 104

Opções de harmonização 106

Preparação por função 108

Verticalismo, policordes, acordes bitonais e T.E.S. 111

Análise Caos Sampa 117

Análise Viagem 120

Análise Ladeira 123

Considerações finais 125

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Harmonia
Começamos esse livro com a temida definição,
digo temida porque as definições sempre são perigosas,
pois elas podem enrijecer e limitar aquilo que é definido,
e de certa maneira, isso quase sempre ocorre. Mas como
as definições são o motivo da busca de muitos, aqui vai
a nossa:

“Harmonia é o estudo da simultaneidade dos


sons levando em consideração seu aspecto vertical,
(blocos)”.

O cuidado e a inclusão da palavra vertical


devem-se ao fato da simultaneidade dos sons já
ocorrerem antes mesmo de termos o que chamamos de
harmonia, a música pré-tonal, desde o organum
medieval , até seu auge na polifonia renascentista, já
apresentava notas simultâneas, porém nesse caso a
diferença é que o aspecto horizontal (linha melódica) era
o foco da composição musical.
Também encontramos definições que tratam da
harmonia como a ciência que estuda o encadeamento
dos acordes, o que está correto, uma vez que o estudo
da harmonia em nossos dias busca o entendimento das
relações, das funções dos acordes dentro de uma
progressão harmônica.
Buscaremos aqui tratar desses assuntos, através
da explicação e da observação nas composições da
música popular onde encontramos tais assuntos, ou
seja, buscaremos embasar a teoria do recurso
harmônico apresentado e a seguir mostra seu uso
através da análise das composições.

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Intervalos
Falar sobre harmonia, inevitavelmente, nos leva
a falar sobre intervalos, e por conta disso passaremos
aqui algumas instruções pertinentes.

Definição: Intervalo é a distância entre dois sons


(duas notas).

Na música ocidental o menor intervalo usado,


corriqueiramente, é o semitom, ou meio tom. Para
exemplificar usaremos como base a escala cromática.

C C# D D# E F F# G G# A A# B

Como podemos observar temos 12 notas, a


décima terceira nota seria o dó novamente, portanto
entre uma nota e sua repetição oitavada, ou seja, uma
oitava acima.
Vale lembrar:
# (sustenido) eleva a nota em meio tom, ou seja,
a nota C# é a nota C elevada em meio tom.
b (bemol) rebaixa a nota em meio tom. Portanto
se temos uma nota D, por exemplo, e a rebaixamos meio
tom, temos o que seria chamado de Db, lê-se: ré bemol.
Sendo assim nosso quadro das notas musicais
adquiri a seguinte configuração:

Db Eb Gb Ab Bb
C C# D D# E F F# G G# A A# B

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Veja como a segunda nota do nosso quadro tanto


pode ser chamada de C# quanto de Db, a situação é que
vai determinar a maneira correta de grafar a nota.
O termo usado para fazer referência a essa
particularidade (a mesma nota podendo receber dois
nomes distintos) é enarmonia, ou enharmonia (pode
aparecer escrito com “nh”). Diz-se que C# e Db são
notas enarmônicas, uma vez que elas possuem o mesmo
som, mas podem receber esses dois nomes.
Merece um cuidado especial o seguinte
apontamento, se olharmos para o quadro acima
podemos concluir que as notas E e B não tem
sustenido, porém devido à questões da “gramática
musical” por vezes temos que escrever E# e B# sim,
claro que o iniciante pode pensar que o E# na verdade é
a nota F, a afirmação não deixa de estar correta, mas
como já dito devido a questões de regras de escrita e de
“concordância musical” que veremos adiante, temos
que, em alguns casos, escrever essas notas alteradas
com o #.
Para exemplificar essa questão vamos pensar
que a terça maior de dó é a nota mi, qual seria portanto
a terça maior de dó sustenido? A resposta é mi
sustenido (E#), embora os iniciantes no assunto sintam-
se tentados a responder fá. O ponto é que temos que
manter a distância, no caso do intervalo de terça maior,
a distância entre as duas notas deve ser de 2,0 tons,
mas além dessa questão temos uma que deve ser
observada:

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A distância básica entre as notas deve ser


mantida, ou seja, a terça de qualquer dó será sempre mi
(com todas as possibilidades de variações possíveis – mi
natural, mi bemol, mi sustenido, mi dobrado bemol,
dobrado sustenido). Voltando ao nosso exemplo, a terça
maior de dó sustenido, caso a resposta seja fá, nós
teremos uma distância de quarta e não de terça, por
outro lado se pensarmos em qual o intervalo de dó
sustenido para fá, teremos um intervalo de quarta
diminuta, mantemos a mesma distância em tons (2,0),
porém como temos as notas dó e fá, logo, teremos um
intervalo de quarta, no nosso caso, quarta diminuta.
Outro exemplo, a quinta justa da nota lá é a nota
mi, se quisermos uma quinta aumentada, a resposta
seria então mi sustenido (E#) e não fá, uma vez que fá
configura uma distância de seis notas entre a nota lá e
ela (fá), como queremos a quinta aumentada, e a quinta
de lá é mi, somos obrigados a escrever mi sustenido
(E#), pois aumentamos a quinta, que é mi, se
escrevermos a nota fá no lugar de mi sustenido (E#),
teremos uma sexta menor, pois a sexta maior de lá é fá
sustenido, rebaixando essa nota em meio tom teremos a
nota fá que é a sexta menor de lá.

Uma situação semelhante ocorre com a nota F,


em casos específicos teremos a escrita Fb, que a
princípio não está escrita no nosso quadro passado
anteriormente, porém pense na tríade de Db, ela contém
as notas Db – F – Ab , no caso da tríade de Dbm
teremos as seguintes notas: Db – Fb – Ab , pelos
mesmos motivos já citados o certo é escrever Fb e não a

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nota E, uma vez que a terça de D, de qualquer D, será
sempre a nota F (também em uma de suas
possibilidades).
De início parece um tanto quanto confuso, mas
com o passar do tempo, e o seu uso adequado, essas
questões tornam-se tranquilas para os estudantes de
música-harmonia.

Quadro dos intervalos de uma oitava

Distância Escrita Como se lê


em tons
0,5 2b Segunda menor
1,0 2 Segunda “maior”
1,5 3b Terça menor
2,0 3 Terça “maior”
2,5 4 “4j” Quarta “justa”
3,0 4#/5b Quarta aumentada/ quinta
diminuta
3,5 5 “5j” Quinta “justa”
4,0 5#/6b Quinta aumentada/sexta
menor
4,5 6 /*7b Sexta “maior” /sétima
diminuta
5,0 7 Sétima “menor”
5,5 7M Sétima maior
6,0 8 Oitava

Olhe no quadro dos intervalos passados


anteriormente e observe que as distâncias se referem a
tons, ou seja, quantos tons de distância. Já a questão

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das aspas colocadas em alguns casos, deve-se ao fato de


por vezes ser desnecessário a especificação, por
exemplo, se alguém falar da sexta de ré, por exemplo,
imagino que a maioria das pessoas não questionará se é
sexta maior ou menor, apenas responderão que é a nota
si, ou seja, o intervalo que está há uma distância de 4,5
tons, o uso do complemento “maior” acrescido à sexta
pode não ser tão relevante assim, já no caso da sexta
menor aí entendo ser necessário especificar.
No caso da sétima ocorre ao contrário, quando
escrevemos um cifra como essa D7 (ré com sétima) , fica
subentendido que essa sétima é a sétima menor,
quando quisermos a sétima maior a cifra tem que ficar
assim: D7M ou Dmaj7, portanto no caso da sétima,
quando na cifra estiver apenas o número sete, fica
subentendido que é a sétima menor. Isso ocorre devido
ao processo histórico no qual a sétima maior não era
usada, portanto todas as vezes que havia um acorde
com sétima, esse acorde era com sétima menor, a
sétima maior não era usual, portanto a grafia da sétima
menor dessa maneira (7-) passou a ser desnecessária,
uma vez que apenas essa forma era empregada,
portanto sempre seria um acorde com sétima menor.
Porém com o passar dos anos o uso da sétima maior
tornou-se aceitável, e como essa sétima, a sétima maior,
era a “diferente” passou-se a grafá-la com os acréscimos
para diferencia-la.
Sobre a sétima há ainda um ponto que eu
gostaria de salientar, repare que juntamente com a
sexta maior (6) temos no nosso quadro de intervalos a
sétima diminuta (7b), o asterisco colocado ao lado dessa
sétima deve-se ao fato de termos no quadro apenas o
que é mais usual, não temos situações como, por
exemplo, uma segunda aumentada, que estaria a
mesma distância da terça menor, o que teoricamente
está certo, mas é pouco usual, e por conta disso não foi
acrescentado no quadro, porém a sétima diminuta se faz
necessária, pois ela está presente na formação do
acorde diminuto (tétrade).

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Intervalos melódicos e harmônicos

Observe o exemplo a seguir:

No primeiro compasso temos as notas mi e sol


soando uma após outra, nesse caso temos o que é
chamado de intervalo melódico. Já no compasso dois,
onde as duas soam simultaneamente, temos o que é
chamado de intervalo harmônico.

Intervalos cromáticos e diatônicos

Diz-se que o intervalo é diatônico quando ele


trata de duas notas distintas, quando temos duas notas
de mesmo nome temos o que é chamado de intervalo
cromático, observe o pentagrama a seguir:

No primeiro compasso temos as notas lá e si,


nesse caso intervalo diatônico. No segundo compasso
temos as notas lá e si bemol, também temos um
intervalo diatônico, nesse pode-se chamar também de
semitom diatônico. Já no terceiro compasso temos as
notas lá e lá sustenido, logo, temos um intervalo
cromático, ou um semitom cromático.

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Inversão de intervalos – Intervalos descendentes

Observe o pentagrama a seguir:

Repare como as mesmas duas notas, sol e si,


dependendo da direção em que estão resultam em
distância e intervalos bem diferentes entre si, no caso do
intervalo na ascendente, ou seja, da mais grave para a
mais aguda, temos 2 tons de distância, o que configura
um intervalo de terça maior, já no caso da descendente,
ou seja, voltando, temos 4 tons de distância, o que
resulta num intervalo de sexta menor.
Há porém uma maneira de estudar e gravar
essas inversões de intervalo, ou seja, quando estamos
no sentido descendente. Se você souber os intervalos na
ascendente a lógica ficará tranquila, seguiremos uma
regra dos nove, onde a soma dos intervalos (o
ascendente e o descendente) dará sempre nove, por
exemplo, de dó para mi na ascendente resulta num
intervalo de terça, logo na descendente teremos uma
sexta, uma vez que o resultado da soma dos intervalos
terá que ser sempre nove, e o outro ponto a ser
observado é que a inversão da qualidade do intervalo, o
que era maior na ascendente, será menor na
descendente, o que era aumentado será diminuto, o que
era menor será maior e assim ocorre com exceção do
intervalo justo, ele continua justo quer seja na
descendente, quer seja na ascendente, a questão dos
nove continua, por exemplo, uma quinta na ascendente
será uma quarta na descendente (5+4), mas a qualidade
(justa) permanece.

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Maior-menor
Menor- maior
Aumentado-diminuto
Diminuto – aumentado
Justo – justo

Veremos ainda mais um exemplo:

Perceba como sempre dará nove a soma dos dois


intervalos (sétima e segunda) e que a qualidade inverte
(maior-menor).

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Escala maior
A escala maior é a base do sistema tonal que
conhecemos na música ocidental, em torno, ou a partir
dela desenvolveu-se a noção de campo harmônico,
tonalidade e etc. Por conta disso sua compreensão é de
suma importância para o entendimento das relações
musicais. A seguir nós temos a “regra” de construção da
escala maior

D E F# G A B C# D
B C# D# E F# G# A# B

Legenda

Repare nos exemplos passados como as


distâncias são sempre observadas, seguindo a
regra/formula passada você encontrará a escala maior
da nota que desejar. Colocando na pauta teremos:

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Agora veja abaixo as demais escalas maiores:

T 2 3 4 5 6 7M 8
C D E F G A B C
E F# G# A B C# D# E
F G A Bb C D E F
G A B C D E F# G
A B C# D E F# G# A

Perceba como todas as escalas devem conter as


sete notas, assim também como a ordem natural das
notas nunca é quebrada, ou seja, depois da nota ré, tem
que vir a nota mi, podendo ser essa acrescida de
acidentes (bemóis e sustenidos) para que as regras de
grafia musical sejam respeitadas.
Como temos escritas apenas as escalas das
notas naturais (sem acidentes), vejamos a seguir as
escalas maiores de tons bemóis:

T 2 3 4 5 6 7M 8
Cb Db Eb Fb Gb Ab Bb Cb
Db Eb F Gb Ab Bb C Db
Eb F G Ab Bb C D Eb
Fb Gb Ab Bbb Cb Db Eb Fb
Gb Ab Bb Cb Db Eb F Gb
Ab Bb C Db Eb F G Ab
Bb C D Eb F G A Bb

Para aqueles que têm dificuldade em entender o


motivo do uso de bemóis se as notas bemolizadas são

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iguais (enarmônicas) de notas com sustenidos, repare a
seguir a escala de ré sustenido maior:

*ESCALA CERTA
T 2 3 4 5 6 7M 8

D# E# F G# A# B# C D#

A escala acima está certa, porém repare como


ficou com uma escrita difícil, repleta de sustenidos,
inclusive com os dobrados sustenidos nas notas fá e dó.
Perceba como as distâncias foram mantidas um tom
acima de D# é E#, para aqueles que por ventura achem
estranho o uso da nota E#, pensa na seguinte situação,
não podemos escrever que a segunda de D# é F, embora
esteja a um tom de distância da nota D#, a nota
seguinte ao D deve ser o E sempre, uma vez que F é a
terça de D, alguém que pense erroneamente desse jeito,
acabará escrevendo a escala de D# da seguinte forma:

*ESCALA ERRADA
T 2 3 4 5 6 7M 8
D# F G G# A# C D D#

Embora as distâncias tenham sido seguidas, a


escala ficou com alguns aspectos difíceis de serem
explicados, veja como temos duas notas sol (G e G#),
duas notas ré (D e D#), fato que não ocorre nas demais
escalas. Além disso, não temos na escala as notas mi e
si.
Portanto, mesmo que de escrita mais difícil, o
exemplo anterior ao último, a escala de D# está
completamente coerente, pois a nota depois da nota ré é

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a nota mi, no caso mi sustenido, mas é uma nota mi, já
no caso da nossa escala errada a segunda, ou seja, a
nota seguinte ao D# e F, pulando a nota E.
Porém há uma saída para esse empasse entre a
dificuldade de escrita e de leitura da escala certa, versus
a falta de lógica e quebra de regras da escala errada, o
uso dos bemóis, veja a escala a seguir:

*ESCALA CERTA E MAIS COERENTE


T 2 3 4 5 6 7M 8
Eb F G Ab Bb C D Eb

Como as notas D# e Eb são enarmônicas,


portanto tem o mesmo som, repare como a escrita fica
mais limpa e de maior facilidade de compreensão
quando fazemos uso de bemóis, portanto o uso de
bemóis não é um capricho ou coisa do tipo, é, antes de
tudo, uma questão de lógica e organização.

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Nomes dos graus da escala


Cada grau da escala recebe um nome:

I – Tônica
II – Supertônica
III – Mediante
IV – Subdominante
V – Dominante
VI – Sobredominante
VII - Sensível ou
subtônica

Podem ocorrer algumas variações, por exemplo, o


VI grau pode ser chamado de superdominante, isso
porque seguiria a mesma lógica do II grau, chamado de
supertônica por estar acima da tônica. Outro grau que é
suscetível a receber outro nome é o VII, nesse caso sua
variação deve-se à própria natureza da escala, se for
uma escala com sétima maior, onde há meio tom entre a
sétima e a oitava, seu nome correto será sensível, já no
caso de uma escala com sétima menor, ou seja, onde
temos um tom entre o sétimo e o oitavo grau, seu nome
correto é subtônica, por estar antes da tônica oitavada,
porém devido à distância de um tom da mesma, não
cumpre o papel de sensível.
É importante não confundir esses nomes com os
nomes das funções dos acordes que veremos mais
adiante, apesar de alguns nomes serem mantidos há
outros que mudam. É importante lembrar que nome dos
graus da escala é uma coisa, os nomes das funções dos
acordes é outro assunto.

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Tríades
Tríade é como chamamos o resultado do
empilhamento de duas terças sobre uma fundamental
ou tônica. As tríades são as estruturas harmônicas
sobre as quais a música ocidental começou a
desenvolver o conceito de harmonia que temos em
nossos dias. Os acordes básicos que conhecemos são
tríades, repare a seguir:

Veja como as notas sol e si, formam entre elas


um intervalo de terça maior, já entre as notas si e ré o
intervalo é de terça menor, e juntando as três notas, sol
- si - ré, nós temos a tríade ou o acorde de sol maior.
No caso da tríade menor a configuração será a
seguinte:

Veja como no caso da tríade de sol menor há


uma inversão, após a nota fundamental temos agora um
intervalo de terça menor seguido por um intervalo de
terça maior, exatamente o oposto do que ocorre na
tríade maior.

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Voltando nossa atenção um pouco para os
instrumentos, veja a seguinte situação:

Na representação do teclado do piano acima


temos o acorde – tríade de sol maior, que contem as
notas sol, si e ré, é muito comum que ocorra a seguinte
situação:
G

Perceba que agora o acorde não tem apenas três


notas soando, temos agora cinco sons, ou cinco notas,
mas se você analisar o diagrama que representa o
teclado verá que foram acrescentadas ao acorde-tríade
original do primeiro diagrama mais duas notas, as notas
sol e ré, que já faziam parte do acorde, ou seja, apesar
de termos agora, no segundo caso cinco sons e cinco
notas, ainda persisti a tríade, o que aconteceu foi
apenas o acréscimo no baixo, na região grave da tônica
ou fundamental (sol) e da quinta (ré).
O mesmo ocorre com o violão ou a guitarra, veja
no diagrama que representa o braço do instrumento a
seguir:

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No caso do acorde de mi maior, são tocadas as


seis cordas do violão, a sexta, a segunda e a primeira
cordas são tocadas sem que haja o aperto em nenhuma
casa, diz-se, cordas soltas, mas o fato é que esses sons
fazem parte do acordes, essas cordas soltas soam,
somando-se as outras três notas que aí sim, resultam
da pressão dos dedos sobre as cordas, no caso quinta,
quarta e terceira corda. O interessante é que apesar de
tocarmos as seis cordas temos nesse acorde apenas as
três notas que formam a tríade de mi maior: mi, sol
sustenido e si. Nesse caso específico temos soando três
notas mi, duas notas si e um sol sustenido, porém mais
uma vez vemos que as tríades são o que formam esses
acordes básicos, com algumas dobras das notas das
tríades.

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Os tipos de tríades

Os intervalos que compõem as tríades são T


(tônica ou fundamental) 3 e 5 e suas variantes são as
seguintes:
Tríade maior
T 3 5
Ex: D F# A

Tríade menor
T 3b 5
Ex: D F A

Tríade diminuta
T 3b 5b
Ex: D F Ab

Tríade aumentada
T 3 5#
Ex: D F# A#

Maior Menor Diminuta Aumentada

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Como podemos perceber há quatro tipos de


tríades possíveis: maior, menor, diminuta e aumentada.
Caso você pensa em outras possibilidades como, por
exemplo, montar um tríade menor com a quinta
aumentada, seguindo nosso exemplo, Dm com a quinta
aumentada, teríamos as seguintes notas= ré, fá, e lá
sustenido, que por enarmonia é também um si bemol,
sendo assim temos : Bb –D – F ; que é uma tríade de Bb
maior, ou seja, não apresentaria de fato um outro tipo
de tríade diferente das quatro opções que foram
passadas anteriormente.
Outra maneira de entender a estrutura das
tríades é usando o sistema a seguir, que já foi até usado
no início da explanação sobre tríades:

Podemos definir a tríade maior como um


intervalo de terça maior e um de terça menor sobre a
fundamental, ou tônica.

A tríade menor é composta um intervalo de terça


menor e outro de terça maior sobre a fundamental.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

A tríade acima é a tríade diminuta, e nela


encontramos dois intervalos de terça menor sobre a
fundamental.

Por fim temos a tríade aumentada onde temos


dois intervalos de terça maior sobre a fundamental.
Sobre as tríades aumentadas há um fato que
merece destaque, elas possuem uma característica
interessante, são cíclicas, ou seja, seguindo mais uma
vez nosso exemplo passado, temos: D- F#-A#, se
pensarmos nas enarmonias, essas notas formam a
tríade aumentada de ré, mas também as tríades
aumentadas de F# e A# possuem exatamente as
mesmas notas, repare:

D+ = D - F#- A#
F#+ = F#- A#- C (dó dobrado sustenido, que
por enarmonia é o nosso ré).
Bb+ = Bb – D – F# (a nota si bemol por sua vez é
enarmônica do lá sustenido).

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Veja como as três tríades aumentadas tem as
mesmas notas, portanto partindo, ou assumindo, de
cada uma das notas dessa tríade como tônica ou
fundamental, nós teremos uma tríade aumentada.

Isso ocorre devido ao fato de, assim como num


triangulo equilatero, onde as partes tem o mesmo
tamanho, as distâncias entre as notas dessa tríade
também são equidistantes, entre elas há sempre o
intervalo de terça maior, que dista dois tons de sua
base. Temos aqui um dos inúmeros instantes onde a
música encontra a matemática e nesse caso específico a
geometria. Merece destaque também o fato dessa ser a
divisão exata da oitava, que tem seis tons, em três
partes iguais.
Esse tipo de situação ocorrerá também com o
acorde diminuto (tétrade), pois ele também é cíclico.

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Tétrades
Além do material harmônico básico, as tríades,
com o passar do tempo o uso de outras estruturas
harmônicas, chamadas de tétrades, foi cada vez mais
disseminado.
As tétrades nada mais são do que as tríades
acrescentadas de mais uma de terça sobreposta,
observe:

Veja como no primeiro compasso nós temos a


tríade de dó maior, já no segundo compasso temos a
tríade de dó acrescida de mais uma terça, no caso terça
maior, resultando num acorde maior com sétima maior,
confira a seguir os tipos de tétrades mais comuns.

Merece destaque alguns pontos, dentre eles o


fato de, em comparação com as tríades, onde tínhamos
quatro possibilidades, nós de cara observamos um
acréscimo de mais uma possibilidade, a tétrade m7/b5
(meio diminuta). Outro fator é o porquê de usarmos a
nomenclatura Bbb (si dobrado bemol) na tétrade
diminuta, uma vez que, a priori, poderíamos escrever a
nota lá. Bem a questão aqui é que nós acrescentamos
uma terça a mais na tríade, sendo assim foi sobreposto
sobre a nota sol mais uma terça, independente de ser

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
maior, menor ou mesmo diminuta, nós teremos sempre
uma terça, e a terça de sol será sempre a nota si, em
qualquer uma de suas variáveis.
Ainda sobre a tétrade diminuta, é bom ressaltar
que nela nós temos uma sétima diminuta, a sétima
maior de dó é a nota si, a sétima menor, ou
simplesmente “sétima” é a nota si bemol, na tétrade
diminuta nós temos a sétima rebaixada em mais meio
tom, é o que chamamos de sétima diminuta.

T 3 5 7M – sétima maior
Cifragem Cmaj7 = C E GB

T 3 5 7 – sétima menor
Cifragem C7 = C E G Bb

T 3b 5 7
Cifragem Cm7 = C Eb G Bb

T 3b 5b 7
Cifragem Cm7/b5 =C Eb Gb Bb

T 3b 5b 7b – sétima diminuta
Cifragem Cdim7 = C Eb Gb Bbb

Há ainda outras tétrades, que embora não sejam


tão comuns, aparecem com certa frequência, por
exemplo, no universo de jazz e bossa nova, são elas:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Temos as tétrades de dó com sétima maior e


quinta aumentada, dó menor com sétima maior e por
fim dó com sétima (menor) e quinta aumentada.
Como adiante no capítulo que trata sobre cifras
temos algumas maneiras distintas de cifras os mesmos
acordes, como por exemplo:

Temos uma diferença pequena, nesse caso


colocamos as alterações acima, já no primeiro exemplo
fiz uso de barras para tentar deixar mais clara a
construção do acorde.

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Cifras
Entender o sistema de cifras usado em nossos
dias não é uma tarefa das mais fáceis, isso porque não
existe um padrão adotado, dessa maneira, o que nos
resta é tentar apreender a maior quantidade possível de
possibilidades usadas na representação dos acordes,
teremos a seguir uma pequena lista de algumas dessas
possibilidades:

Acorde maior com sétima maior – C7M, Cmaj7, Cma7,


C7+, C7#, C∆.
Acorde menor com sétima “menor”- Cm7, C-7, Cmin7,
Cmi7.
Acorde meio diminuto – Cm7/b5, Cm7/5b, CØ.
Acorde diminuto - C⁰, Cdim, C⁰7, Cdim7.
Acorde Suspenso “sus”- Csus, Csus4, Csus4/7, Csus9,
Csus7/9.
Acorde aumentado – C+, Caug. C5#.
Acorde com adição “add”- Cadd9.
Acorde alterado “alt” – C7alt , Calt7. Um acorde
alterado, ou alt, é um acorde maior com sétima menor,
portanto tem tônica, terça e sétima, já os demais
intervalos possíveis, nonas e quintas alterados para
baixo ou para cima, 9b ou 9#, 5b ou 5#, logo qualquer
das combinações são possíveis ex: Cb5, C7#5, C7b9,
C7#9
Provavelmente você se depare com algum tipo de
cifra que não está nessa lista, tentamos aqui foi abordar
o máximo possível das possibilidades mais comuns,
porém não há como fechar todas as lacunas.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Gostaria de salientar alguns pontos das cifras
usadas pelos estadunidenses (americanos), são elas:
Cmaj7 ou Cma7, a abreviação “maj”, ou “ma” referem-se
a major (maior), assim como o “min” dos acordes
menores refere-se à palavra minor (menor). Ainda sobre
a maneira americana de cifrar, vale ressaltar o acorde
meio diminuto, que eles cifram da seguinte maneira
Cm7b5, coloco a barra para ajudar a leitura, assim a
cifra fica dessa maneira Cm7/b5, a barra pode trazer
alguma dúvida, pois ela é usada para indicar inversão
de acorde, porém podemos pensar numa espécie de
regra – quando depois da barra vier uma letra, ela
indica inversão de acorde, quando após a barra vier
número indica um complemento do acorde.
Para aqueles que não estão familiarizados ainda
vale lembrar que nas cifras americanas as alterações
sempre precedem as notas ou intervalos aos quais elas
vão alterar, por exemplo, C7#5, o sustenido é do 5 e não
da sétima, o motivo pelo qual os americanos escrevem
assim é devido às questões de gramática da língua
inglesa, pois na língua inglesa o adjetivo vem antes do
substantivo, exemplo Pretty Woman, old car. Portanto o
mesmo ocorre nesses casos: A7b5 ou D7#9.
Outra cifra americana que pode causar certa
confusão é a seguinte: C+7, essa cifra pode ser
confundida com C7+ (dó com sétima maior) já que essa
é uma das formas usadas no Brasil para cifrar um
acorde com sétima maior, acrescenta-se o + ao lado da
sétima, já no caso americano, C+7, o símbolo + é usado
para indicar que a quinta é aumentada, eles jamais
usam o símbolo + para a sétima. A lógica do +
representar quinta aumentada é relativamente simples,
pensando numa tríade de dó, por exemplo, C – E – G, se
aumentarmos a tônica, a tríade deixaria de ser dó, já se
aumentarmos a terça, ela se tornará na quarta,
formando uma espécie de tríade sus, já que teríamos a
quarta no lugar da terça, então só nos resta
aumentarmos a quinta. Há ainda a possibilidade da
escrita aug (augmented), exemplo, Caug.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
No caso dos acordes diminutos merece destaque
a cifra C⁰7, que parece um tanto quanto estranho para
aqueles que analisarem a estrutura do acorde e
entendem que o acorde diminuto não tem 7 (sétima
menor), mas tem 7b (sétima diminuta), outra opção de
entendimento da cifra seria um dó maior com sétima
diminuta, mas uma vez que a sétima diminuta é
enarmônica da sexta maior, não faz sentido cifrar assim
e não C6. O fato é que essa cifra, C⁰7 indica que é uma
tétrade diminuta, e é escrita dessa maneira para
diferenciar da tríade diminuta C⁰, e nesse caso faz todo
o sentido, pois quando temos apenas a cifra C⁰ não há
como saber se o acorde pedido é uma tríade ou uma
tétrade, mesmo que na prática da música popular de
teclado, violão, guitarra e afins a tríade diminuta seja
pouco empregada é de bom diferencia-las, por conta
disso entendo que essa cifragem é ótima.
A cifra add (adicionada) parece-me também
propicia, sobretudo na maneira americana de cifras,
pois indica que se deve acrescentar essa nota e apenas
ela, sem a substituição por nenhuma outra nota do
acorde, por exemplo, se numa cifra americana estiver
escrito C9, deve tocar o acorde com sétima e nona,
C7/9, a sétima acaba ficando subentendida, se a ideia
for apenas acrescentar a nona ao acorde de dó maior
usa-se Cadd9, dessa forma teremos a tríade de dó
acrescida de sua nona, a nota ré.
Agora veja a cifra seguinte:

Essa cifra é muito comum na maneira americana


de se escrever cifra, repare que os acidentes (sustenido e
bemol) na quinta e na nona são colocados antes. Porém
o que certamente causa mais dúvidas é o uso dos
parênteses, temos como regra que as alterações postas
entre parênteses são opcionais, isso quer dizer que o
acorde será um G7 e que fica a critério do harmonizador
acrescentar uma das alterações propostas (#5/b9).

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Dependendo do instrumento, e dependendo do acorde
não é nem possível montar os acordes pedidos, por
conta disso cabe ao harmonizador escolher qual a
alteração será usada, e vale lembrar que essa escolha
depende também dos demais acordes usados, antes e
depois do acorde em questão, pois o caminho
harmônico, o caminhar das vozes internas dos acordes
devem ser levados em consideração apara obtenção de
um melhor resultado.
Mas, no que diz respeito aos parênteses, há uma
exceção no padrão americano de escrita de cifras, o
acorde meio-diminuto, m7/b5, nesse caso a quinta
diminuta (b5) é posta entre parênteses, mas deve
obrigatoriamente ser tocada.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Campo Harmônico maior


Podemos definir campo harmônico como o
conjunto de acordes resultantes do empilhamento das
notas de uma determinada escala, sendo assim,
podemos pensar em montar campos harmônicos de
qualquer escala, no nosso caso montaremos o campo
harmônico da escala maior, ou seja, com as notas da
escala maior.

Escala de dó maior.

Os acordes são montados através do


empilhamento de terça das notas da escala, vale
lembrar que empilhamos as notas disponíveis na escala,
portanto se serão terças maiores ou menores é a escala
mesmo quem determina isso. No caso da escala de dó
maior teremos, por exemplo, no segundo grau um
acorde menor, isso porque temos disponível na escala a
nota fá que é a terça menor de ré. Veja como ficam os
acordes do campo harmônico de dó maior:

C Dm Em F G Am Bdim

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Se acrescentarmos mais uma terça ao
empilhamento deixaremos de ter uma tríade e
passaremos a ter uma tétrade, no caso do campo
harmônico de tétrades os acordes resultantes são os
seguintes:

Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7 G7 Am7 Bm7/b5

Então como “regra” teremos a seguinte situação:

Campo harmônico maior

Imaj7 IIm7 IIIm7 IVmaj7 V7 VIm7 VIIm7/b5


D E F# G A B C#
E F# G# A B C# D#

Com essa “regra” basta que você monte as


escalas maiores que os acordes e já saberá que todos os
acordes montados sobre o I grau da escala será um
acorde maior com sétima maior, no segundo grau um
acorde menor com sétima menor, e assim
sucessivamente.
Perceba também como no campo harmônico
maior de tríades o sétimo grau é uma tríade diminuta, já
no campo harmônico de tétrades, o sétimo grau é um
acorde meio diminuto; isso ocorre porque não existe
tríade meio diminuta, ao contrário das tétrades onde há
as duas possibilidades, diminutas e meio diminutas.

Tríade de Bdim = B – D – F

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Tétrade meio diminuta = B – D – F – A
Tétrade diminuta = B – D – F – Ab

Observe que a diferenciação das tétrades


diminutas e meio diminutas ocorre pela sétima, sétima
diminuta num caso e sétima menor no outro, uma vez
que na tríade não temos a sétima, não existe as duas
possibilidades.
Observe o exemplo a seguir, temos os compassos
iniciais de Blue Moon standart de jazz americano, essa é
a harmonia que predomina por toda a composição.

Repare como todos os acordes deste trecho da


composição estão presentes no campo harmônico de mi
bemol maior, esse é o tom da música e de seu campo
harmônico é que vêm os acordes.
O acréscimo de nonas, décimas terceiras e
outros intervalos está, a princípio, também subordinado
ao tom, ou seja, no caso do tom mi bemol maior, como
no caso de Blue moon, no acorde de Bb7, podemos
acrescentar a décima terceira? A resposta é sim, pois a
décima terceira de Bb é a nota G que faz parte da escala
de mi bemol maior.
Vale ressaltar também que a sétima maior,
presente nos acordes do primeiro e do quarto grau do
campo harmônico, pode ser trocada pela sexta, então o
primeiro grau do campo harmônico maior que foi
passado como sendo um acorde maior com sétima

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
maior, ex: Dmaj7 , pode ser também um D6, o mesmo
ocorre no quarto grau, onde no caso do tom de ré maior
temos o acorde Gmaj7, podemos usar em seu lugar o
acorde G6, essa prática é muito comum na bossa nova
por exemplo, onde, sobretudo numa situação de um
determinado acorde soar por muito tempo troca-se a
sétima maior pela sexta, veja o exemplo a seguir:

Tanto no primeiro compasso como no terceiro


temos a troca da sétima maior pela sexta, no terceiro
compasso a troca foi até maior, pois o acorde Cmaj7 deu
lugar ao C6/9, além da troca da sétima pela sexta houve
também o acréscimo da nona, o que é legítimo.
O campo harmônico é a fonte básica de acordes
numa composição na música tonal, porém com o passar
do tempo houve uma crescente adição de acordes
estranhos ao campo harmônico, sofisticando cada vez
mais as harmonias, no decorrer desse livro abordaremos
esses acordes estranhos ao campo harmônico, pois
como vimos as músicas de harmonia mais simples são
explicáveis pelo campo harmônico maior, mas temos
uma infinidade de situações harmônicas a entender
nesse processo de aprendizado de harmonia.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Dissonância e consonância
O termo “dissonância” remete a algo que não
combina que não soa bem em oposição a consonância
que seria o que soa bem, o que “concorda”. Bom, como
se pode imaginar isso tudo é muito subjetivo, o que soa
bem para uns, não necessariamente soa bem para
outros, e essa questão vem se arrastando ao longo da
história da música, ao ponto de o que num determinado
período ser considerado como dissonância, num outra
instante passou ser tratado como uma consonância.
Em nossos dias, no universo da música popular
tem-se o pensamento de que a consonância é a tríade,
mais especificamente maior e menor, qualquer coisa que
fuja disso é visto como uma dissonância, por exemplo,
um acorde de G (sol maior), sem nenhum tipo de
acréscimo é, portanto um acorde básico (tríade), e
considerado como consonante, já um acorde G6 (sol
com sexta) será encarado como um acorde dissonante,
mesmo que a sexta teoricamente não seja considerada
em nossos dias como tal.
Como resumo podemos dizer que, em nossos
dias, na música popular, qualquer acréscimo à tríade
seria considerado uma dissonância e o acorde
resultante será chamado por muitos como um “acorde
dissonante”.
Há porém muitos que, devido ao fato de os
acordes com sétima serem usados com bastante
frequência, e em decorrência disso, serem mais
conhecidos, não os classificam como dissonantes,
reservam esse título para aqueles acordes que lhes são
estranhos, e geralmente dizem que são acordes de MPB,
ou de bossa nova, ou ainda jazz, acordes como: A7/13
(lá com sétima e décima terceira), ou E7M/9 (mi com
sétima maior e nona), esses seriam, para essas pessoas
os verdadeiros acordes dissonantes.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Como vimos apesar de algumas definições pré-
estabelecidas, o uso comum do dia a dia pode enveredar
por outros caminhos.
A seguir temos a lista dos intervalos consonantes
e dissonantes em nossos dias:

Consonantes: Esses se subdividem em dois


tipos.
Consonantes perfeitos = 1°, 4°, 5°, 8°.
Consonantes imperfeitos = 3°, 6° (maior ou menor ex:
3M ou 3m)

Dissonantes: 2° e 7° (ambas as possibilidades,


maior ou menor), e todos os intervalos diminutos ou
aumentados, ex: 4#, ou 5b.
Há ainda outro tipo de intervalos dissonantes,
os condicionais, neste caso a enarmonia, ou seja,
escrevendo de outra maneira, porém sem a mudança
das notas, eles deixam de ser dissonantes, observe a
seguir:

Veja como em ambos os casos as distâncias


entre as duas notas é exatamente a mesma, mas
dependendo da grafia temos um intervalo dissonante ou
consonante, esse caso é emblemático, uma vez que nele
a dissonância não pela sensação sonora e sim apenas
pela escrita.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Inversões de acordes
Um acorde está invertido quando seu baixo, ou
seja, sua nota mais grave não for a tônica ou
fundamental, exemplo: G/B (lê-se sol com baixo em si),
o acorde é sol maior, porém sua nota mais grave não é
sol, e sim a nota si, esse é o raciocínio básico, porém há
um ponto que me parece relevante, para que seja
inversão de acorde, a nota do baixo deve ser uma das
demais notas que formam o acorde, excetuando a tônica
obviamente, senão o acorde não seria invertido. Esse
ponto é bastante relevante uma vez que, segundo essa
visão, C/D não seria uma inversão de acordes, já que a
nota ré não pertence à tríade ou a tétrade de dó maior.
Portanto é possível inverter um acorde formado
por tríade ou por tétrade, sempre contendo, no caso
primeiro T 3 5, e no caso do segundo T 3 5 7.

Veja os pentagramas a seguir:

No primeiro pentagrama temos a tríade de c


maior em seu estado fundamental, ou seja, sem
inversão de baixo; a seguir temos a tríade de c maior,
porém dessa vez com o baixo em E, e em seguida temos
o baixo na nota G.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Já no segundo pentagrama, invertemos uma
tétrade de C7, repare que como temos uma nota a mais
no acorde, obviamente teremos uma opção a mais de
inversão.

As inversões também recebem a classificação:

1ª inversão – quando o baixo está na terça.


2ª inversão – quando o baixo está na quinta.
3ª inversão - quando o baixo está na sétima.

Obviamente que no caso da inversão de tríades


temos apenas as possibilidades da primeira e segunda
inversão.
O principal motivo para o uso das inversões de
acordes é a construção de uma linha de baixo onde as
notas movimentem-se com maior proximidade,
acrescentando assim mais uma informação musical ao
que é executado, repare no trecho inicial do standard de
jazz a seguir:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Repare nos compassos iniciais como os acordes,


devido à inversão dos baixos, apresentam os baixos
formando uma linha bem interessante com as notas
sempre próximas umas das outras:
C – B – A – G – F# - F – E (compassos 1-3)
Perceba como o mesmo recurso foi usado no
compasso 5, onde o acorde E7/G# precede o Am7 ,
como antes do E7/G# temos o acorde G7 em seu estado
fundamental, ou seja, sem inversão, observe que o E7 é
o dominante do acorde seguinte Am7, portanto a lógica
harmônica já está dada e clara, porém com a inversão
do acorde E7, de maneira que o baixo esteja na nota G#
acrescenta-se ainda na harmonia mais um fator de
interesse, a condução do baixo, da nota G no acorde G7,
subindo meio tom no E7/G# e por fim subindo mais

43
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
meio tom para alcançar o Am7. Portanto a inversão de
acordes é um recurso interessante para que tenhamos
uma harmonia mais rica.

Acordes com baixos em outros intervalos

Como já vimos um acorde está invertido quando


seu baixo está em outra nota do acorde que não a
tônica, porém é comum encontrarmos, por exemplo, a
seguinte cifra: C/D.
Nesse caso como devemos pensar? Uma vez que
o acorde é um dó maior e o baixo está em ré, ou seja, na
sua nona ou segunda, portanto o baixo não está em
uma das demais notas do acorde (tríade ou tétrade),
sendo assim não é correto chamar esse acorde de
acorde invertido, mesmo que o baixo esteja em outra
nota.
Essa mesma cifra, C/D pode aparecer como um
D4/7/9 ou Dsus7/9, montando o acorde D7/9 com as
seguintes notas D F# C E, é bem comum nessa
construção a omissão da quinta, sobretudo na guitarra
e no violão, trocando a terça do D, que é F#, pela quarta
G, passaremos a ter um acorde Dsus, porque a quarta
substituiu a terça adicionado de 7ª e 9ª, assim como as
notas resultantes D G C E formam também a tríade de
C maior com a adição da nona que é ré.

Veja na pauta:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
No exemplo 1 temos as notas que formam nosso
acorde C/D ou Dsus7/9 dispostas em ordem, de uma
maneira que o baixo fique em ré. Já no exemplo 2 veja
as notas que formam um D7/9 (sem a quinta), e por fim
no exemplo 3, com a supressão da terça (F#) e o
acréscimo da quarta (G), repare como chegamos numa
tríade de dó maior com o baixo em ré, logo o acorde
pode ser visto das duas maneiras.

Baixo estático

Já dissemos que a inversão dos acordes propicia


uma linha de baixo com uma expressão maior devido à
maneira como as notas do baixo se movimentam, porém
pode ocorrer um efeito interessante, também fazendo
uso de inversão de acordes, mas pela manutenção do
baixo na mesma nota, ou seja, pela ausência de
movimentação dessa voz da harmonia, observe o
exemplo a seguir:

Perceba como nos seis compassos inicias da


composição o baixo encontra-se na nota Bb. Na busca
por novas sonoridades temos mais este recurso.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Modos Eclesiásticos
Modos eclesiásticos, modos medievais ou modos
gregorianos, são nomes dados para a mesma matéria, o
termo “eclesiástico” obviamente faz menção à igreja,
local onde eram usados, tão óbvio quanto, é a razão do
uso do termo “medievais” referindo-se ao período
histórico. Já o terceiro termo apresentado “gregorianos”
refere-se ao papa Gregório que foi um organizador da
área musical dentro da igreja de sua época, vale
ressaltar também que o termo “modos gregos” não é
muito apropriado uma vez que esses modos não são
exatamente os mesmos da Grécia antiga.
Os modos eclesiásticos são na verdade a escala
maior partindo de cada uma de suas notas, e cada uma
dessas novas escalas recebe um nome próprio, a saber:

I – Jônio
II – Dórico
III – Frígio
IV – Lídio
V – Mixolídio
VI – Eólio
VII - Lócrio

Veja a seguir os intervalos que compõem cada


um dos modos medievais.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Modos Medievais

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
A compreensão dos nomes e dos intervalos que
formam os modos é de suma importância para que
possamos nos encontrar quando, por exemplo, nos
deparamos com a seguinte situação harmônica:
Dm7 – Quais notas (extensões) podemos
acrescentar nesse acorde? Ou ainda de qual campo
harmônico ele faz parte?
Nesse caso apenas pela descrição do acorde não
podemos fechar questão, pois o acorde Dm7, mesmo se
pensarmos apenas em campos harmônicos de escalas
maiores, está presente em 3 campos harmônicos
distintos. Repare nos campos abaixo:

Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7 G7 Am7 Bm7/b5


Bbmaj7 Cm7 Dm7 Ebmaj7 F7 Gm7 Am7/b5
Fmaj7 Gm7 Am7 Bbmaj7 C7 Dm7 Em7/b5

No caso do campo de C maior, Dm7 é II grau,


logo é o modo dórico, e como tal tem os seguintes
intervalos: T,2,3b,4,5,6,7,8. Já no caso do campo de Bb
maior, o acorde Dm7 está no III grau, portanto é o modo
frígio e tem esses intervalos: T,2b,3b,4,5,6b,7,8. Por sua
vez, no campo de F maior o acorde Dm7 está no VI grau,
modo eólio, e apresenta os seguintes intervalos: T,
2,3b,4,5,6b,7,8.
Nesse caso, a definição/escolha do modo que
será usado, nos guiará sobre quais notas podemos
acrescentar ao acorde, uma vez que definido o modo
temos uma escala a qual devemos nos enquadrar.
Vale lembrar que o obviamente em todos os
campos harmônicos relativos teremos também o acorde
Dm7, logo temos esse acorde nos campos C - Am7, Bb -
Gm7, ou F - Dm7.
Uma abordagem que entendo ser de fundamental
auxílio no entendimento dos modos é pensar que Am7
frígio, por exemplo, é o III de F maior, logo é nesse

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
universo que estamos imersos neste instante, escala-
campo de F maior.

Agora observe o exemplo a seguir:

Dm7 – pode ser dórico de C; frígio de Bb ou eólio


de F, porém se o acorde for Dm6 nossas opções
restringem-se ao dórico de C, ou seja Dm6 só pode ser
construído com a escala de C maior, porém com o
conhecimento dos intervalos de cada modo, esse
raciocínio é simplificado, pois dos modos menores
(dórico, frígio e eólio), o único que tem sexta maior é o
dórico.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Escala menor natural


A escala menor natural, ou escala menor antiga,
nada mais é do que a escala maior partindo do sexto
grau, repare como as notas que temos no exemplo a
seguir são as mesmas notas da escala de dó maior,
porém tendo seu início na nota lá (sexto grau).

No entanto é recomendável saber os intervalos


que a compõe, por exemplo, saber que na escala menor
natural, a sexta é menor, assim como a terça e a sétima.
Em nosso exemplo temos também a indicação das
distâncias entre os graus da escala.
Como a escala de lá menor natural possui as
mesmas notas que a escala de dó maior, logo os acordes
resultantes também serão os mesmos, umas vez que
com as mesmas notas não seria possível construir
outros acordes, por exemplo, na escala-campo
harmônico de dó maior temos o acorde Dm7 formado
pelas notas D F A C , no tom de lá menor natural, não
como fazer um acorde de ré maior por exemplo, uma vez
que para que o ré seja maior nós precisamos ter sua
terça maior, fá sustenido, e como essa nota não está
disponível na nossa escala não podemos construí-lo com
as notas dessa escala.
Sendo assim, veja como o campo harmônico de
lá menor natural é igual ao de dó maior, sempre com a
ressalva de partir do sexto grau.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Campo Harmônico de dó maior.

Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7 G7 Am7 Bm7/b5

Campo harmônico de lá menor.

Am7 Bm7b5 Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7


G7

Uma questão pode surgir, se o campo harmônico


menor é igual o maior partindo do sexto grau, então
qual a sua finalidade, ou melhor ainda, quando uma
música está em tom menor? Observe o exemplo a
seguir:

Imagine uma composição na qual a harmonia se


resuma à passada acima, repare como propositalmente
nem temos uma armadura de clave, a ausência de
acidentes na armadura de clave aqui não indica que o
tom da música seja C-Am, é apenas para um melhor
aproveitamento didático da situação.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Focando na nossa sequência de acordes e


fazendo uma análise veremos que os acordes pertencem
á tonalidade de sol maior, porém não seria estranho
afirmar que o tom dessa composição seria sol maior?
Uma vez o acorde que seria a tônica simplesmente não
aparece no decorrer da composição, por conta disso
mesmo que, de fato, os três acordes pertençam ao
campo harmônico de sol maior, o correto é afirmar que o
tom é mi menor, que é relativo de sol maior, tem as
mesmas notas na escala e os mesmos acordes nos
campos harmônicos, porém o centro da composição
nesse caso é o Em, ele dura mais tempo, ele inicia e
acaba a composição.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Funções Harmônicas – “leis


harmônicas”
A teoria das funções harmônicas acabou por
estabelecer algumas “regras” ou “leis” como são citadas
por alguns, veremos aqui o que abordam as cinco leis
tonais, seu estudo é relevante uma vez que nos ajudará
na compreensão do nosso universo harmônico,
procuraremos ser sucintos e objetivos.
A harmonia ocidental desenvolveu-se baseada na
seguinte hierarquia, que chamaremos de funções
principais.

1ª lei tonal – Funções principais.

Tônica = C maior (C-E-G)


Subdominante= F maior (F-A-C)
Dominante= G maior (G-B-D)

Reflita como diversas músicas, antigas ou


mesmo de nossos dias, resumem-se apenas a três
acordes, e como os graus I, IV e V são quase sempre os
graus usados. Podemos dizer que a base da música
ocidental é encontrada nesses três acordes, por algumas
razões como: Se pensarmos que a harmonia consiste na
harmonização de uma melodia, ou mesmo, em nossos
dias, pensarmos que a harmonia tem que “casar” com a
melodia, veja que numa melodia no tom de dó maior,
portanto fazendo uso das notas dessa escala (dó, ré, mi,
fá, sol, lá, si) pode ser sempre harmonizada por um dos

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
três acordes citados (C, F e G), perceba como qualquer
nota da escala de dó maior pode ser harmonizada por
um desses três acordes.

Ou ainda para um entendimento mais claro, a


soma das notas desses três acordes resultam na escala
de dó maior.
Outro entendimento comum sobre a harmonia
da música ocidental é que ela tem o instante de
estabilidade representado pelo primeiro grau, tem no IV
grau uma situação intermediária, onde não temos
necessariamente a sensação de repouso, porém também
não temos a sensação de instabilidade. E o V grau
representa exatamente a instabilidade, a tensão que
expecta por uma resolução, essa é a história da
harmonia da música ocidental, a questão tensão x
resolução, estabilidade x instabilidade.
Podemos dizer então que toda a base da
harmonia ocidental parte desses três acordes, ou dessas
três funções, que chamamos de funções principais. Essa
é a primeira lei harmônica, a que determina as funções
principais que são aquelas com distâncias de quartas ou
quintas, veja como C-F quarta justa, e C-G quinta justa.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

2ª lei tonal – Funções secundárias (acordes


relativos).

A chamada 2ª lei tonal trata dos acordes


relativos, podemos como “formula” dizer que: Os acordes
relativos encontram-se há uma distância de terça menor
descendente de uma das três funções principais, ou
seja:
C – Am
F – Dm
G - Em

Relativos e anti-relativos

Analisando os acordes que formam o acorde


principal e seu relativo entenderemos de uma maneira
mais clara:

Perceba como ambos acordes possuem duas


notas e comum, as notas C e E, isso atesta a
proximidade entre os acordes.
Merece atenção a seguinte questão, repare as
notas que formam o acorde de C maior e o E menor:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Veja como esses dois acordes também possuem
duas notas em comum, as notas G e B, logo assim como
o Am que é o relativo de C, o acorde de Em também tem
duas notas em comum, porém nesse caso o Em é
chamado de relativo secundário, nomenclatura que eu
gosto mais, ou ainda anti-relativo. O ponto que garante
mais proximidade entre o Am e o C é que ambos
compartilham da nota dó.

3ª lei tonal - Dominantes e subdominantes individuais.

Os acordes podem ser valorizados através de


seus próprios dominantes e subdominantes.
Na prática, o que essa lei tonal quer dizer é que
podemos usar IV e V graus de todos os acordes, vale
lembrar que, sem sombra de dúvidas, os de maior uso
são os dominantes individuais, porém as
subdominantes individuais também são recursos de
embelezamento harmônicos disponíveis, veja o exemplo
a seguir:

Perceba que no primeiro exemplo não temos


nenhum tipo de recurso empregado entre os acordes
Cmaj7 e Dm7, já no segundo instante temos o

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

subdominante e o dominante individuais do Dm7, e por


fim no exemplo 3, temos a ocorrência mais comum, o
acorde A7 como dominante individual do Dm7, o mesmo
ocorre para os demais graus do campo harmônico, com
a ressalva do VII grau, pois não se cadência para o
mesmo.

4ª lei tonal – Dilatação da tonalidade.

A quarta lei tonal trata da dilatação/expansão da


tonalidade, embora, segundo meu ponto de vista, a
terceira lei tonal já apresente elementos que dilatam a
tonalidade. Essa lei fala ainda sobre acordes alterados,
o uso do termo acordes alterados não remete, nesse
caso, à acorde alt7 comum na linguagem jazzística, e
sim a alterações das estruturas comuns dos acordes
que veremos a seguir. Os livros que tratam desse
assunto trazem o seguinte enunciado para essa lei
tonal:

“qualquer acorde pode ser seguido por qualquer


outro acorde; acordes de tons afastados necessitam de
uma preparação por harmonias intermediarias.”

Encontramos esse enunciado em algumas


publicações, o enunciado por si só nos parece um tanto
quanto vago, pois dizer que qualquer acorde pode
suceder qualquer acorde é genérico e aberto demais,
porém se prosseguirmos dizendo que a maneira
primeira, mais simples e eficaz de dilatação das
possibilidades harmônicas é o uso dos modos maior e
menor no mesmo trecho musical, começamos a ver uma
luz no final do túnel. Curioso notar que esse ponto, o
uso de acordes oriundos do modo oposto, exemplo, Eb
maior – Eb menor, na construção harmônica acabou por
ganhar importância e desenvolveu-se um tópico

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
específico que trata sobre isso, ao qual chamamos de
empréstimo modal, vamos analisa-lo a parte.

Empréstimo Modal
Empréstimo modal é um recurso de ampliação
das possibilidades harmônicas. Sua compreensão não é
difícil, lembre-se que a música antiga era modal, e não
tonal, porém o sistema tonal acabou reduzindo para fins
harmônicos, à apenas dois modos o modo jônio que é
nossa escala e campo harmônico maior e modo eólio que
a nossa escala menor natural e nosso campo harmônico
menor, dessa forma, se pensarmos em C, por exemplo,
temos os dois modos possíveis, dó maior e dó menor,
repare nos campos harmônicos a seguir:

Campo harmônico de Dó maior

Temos portanto:
I II III IV V VI VII
Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7 G7 Am7 Bm7/b5

Campo Harmônico de Dó menor

I II III IV V VI VII
Cm7 Dm7/b5 Ebmaj7 Fm7 Gm7 Abmaj7 Bb7

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O empréstimo modal consiste no uso de acordes


oriundos do tom homônimo no outro modo possível
(maior – menor), por exemplo, uma composição em dó
maior usando acordes provenientes do campo
harmônico de dó menor, olhe a sequência harmônica a
seguir:

[| Cmaj7 | Em7 | Fmaj7 | Abmaj7 |]

Veja como temos os três primeiros acordes


presentes no campo harmônico de dó maior, porém no
caso do acorde Abmaj7 , ele não é encontrado no mesmo
campo harmônico e nem tão pouco é algum tipo de
cadência, ou substituição, o que temos nesse caso é o
uso de empréstimo modal, diz-se que este acorde,
Abmaj7, foi tomado “emprestado” do modo menor de dó,
ou seja do campo harmônico de dó menor, merece
destaque o fato de a composição não ter mudado de
tom, ou seja, mesmo quando soa o acorde Abmaj7,
ainda estamos em dó, porém nesse caso em dó menor, e
não mais em dó maior, portanto troca-se o modo mas
mantem-se a mesma nota como tom.
Obviamente são usados também os outros
acordes do campo menor para harmonização usando o
recurso de empréstimo modal, no lugar do Abmaj7 que
foi usado no nosso exemplo, podemos testar outros
acordes do campo harmônico de dó menor, como, por
exemplo, Fm7, ou Dm/b5, ou ainda Ebmaj7,
experimente tocar a mesma progressão passada
anteriormente, usando as outras opções de acordes
disponíveis no campo menor de dó, vale ressaltar que
um resultado melhor ou pior da harmonização passa
também pela construção dos acordes, ou seja, a
disposição de suas vozes internas e como essas
caminham.
Vejamos um exemplo prático, a composição Você
é linda de Caetano Veloso está em lá maior, porém na

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
parte final do refrão ele faz uso de empréstimo modal,
ou seja, usa acordes de lá menor:

Vejamos outro exemplo agora do uso de


empréstimo modal para o enriquecimento harmônico da
composição, dessa vez temos um tema clássico de jazz.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Perceba no caso de Misty que no compasso 4 os


acordes Abm7 e Db7 não fazem parte do campo
harmônico de mi bemol maior, são empréstimos do
campo de mi bemol menor, o mesmo ocorre por
exemplos nos compassos iniciais de Triste de Tom
Jobim repare:

O acorde Gbmaj7 terceiro compasso é


empréstimo do campo de si bemol menor

A 4ª lei tonal, como foi dito no início deste


capítulo, trata também de alteração dos acordes das
três funções (tônica, subdominante e dominante),
veremos algumas considerações sobre as alterações
desses acordes:
Como tais recursos foram, a princípio,
desenvolvidos sobre tríades, partiremos aqui da análise
dessas estruturas.
Observe o acorde (tríade) de dó maior = C – E –
G. Se alteramos a tônica, ficando o acorde assim C# - E
– G repare que as notas resultaram numa tríade
diminuta de C#, e sendo assim deixará de cumprir a
função tônica e passaria a ser um dominante (uma vez
que passa a ter um trítono C#-G) sem fundamental do
segundo grau A7 - Dm7, consulte o capítulo sobre

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
escala diminuta – acordes diminutos substituindo
acordes dominantes.

Numa hipótese de rebaixarmos a tônica teríamos


a tríade de Em, que é relativo da dominante.
Continuando com as alterações no acorde do
primeiro grau (C – E – G), alteraremos agora a 5ª do
acorde, a nota sol, resultando no seguinte acorde:

C – E – G#

Como podemos ver o acorde resultante é um


acorde aumentado, que tem uma característica bem
instável, completamente oposta a da função tônica,
nesse caso a dissonância G# tende a resolver subindo
buscando repouso na nota lá, sendo assim, o acorde
que sem a alteração do quinto grau era estável e
cumpria função tônica, nessa configuração, com a
quinta aumentada, passa a funcionar como um
dominante que busca resolver num acorde de A, ou
mesmo num F.
Pensando na outra opção de alteração da 5ª,
agora descendentemente, teremos as notas C – E – Gb.
Nesse caso observando a enarmonia Gb-F# podemos
observar que o acorde passou a ter um trítono C-F#,
trítono de D7 ou de Ab7, em ambos os casos novamente
a função foi mudada, pois o acorde passa a ter
claramente uma função dominante.
No caso da alteração da 3ª do acorde de do
primeiro grau (C – E – G) facilmente constatamos a
radical mudança que isso acarretará no acorde se
rebaixarmos a nota E o acorde passará a ser menor,
mudando completamente a sua característica. Já no
caso de elevarmos a nota E para E# (F) o acorde se
tornará sus e também não cumpre função tônica.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Concluímos então que qualquer alteração no
acorde do primeiro grau configurará em mudança de
função.
No caso da subdominante a alteração pertinente
é o rebaixamento da quinta, que nesse caso também
muda a função do acorde, fazendo com que o mesmo
passe a ter função dominante, pois, pensando no IV de
C teríamos a subdominante F-A-C, no caso de
rebaixarmos a quinta teríamos:

F – A – Cb (B)

Veja que as notas F e Cb (B) formam um trítono,


caracterizando um acorde dominante.
Se aumentarmos a quinta a situação será a
mesma que ocorreu no acorde do primeiro grau.
Como suma podemos dizer que a alteração nos
acordes de funções tônica e subdominante acarretará
na mudança de função do acorde.
No caso dos acordes dominantes as alterações
ocorrem na quinta e não mudam a função, no entanto,
se rebaixarmos a quinta na tríade de sol maior teremos
o seguinte:

G – B – Db (C#)

As notas G-C# formam um trítono presente nos


acordes A7 e Eb7, portanto, a tríade original de G maior,
se tiver a 5ª rebaixada, passa na verdade a “funcionar”
como um A7 ou um Eb7, sem conter as fundamentais
desses acordes.

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5ª lei tonal – Modulação.

A 5ª lei tonal trata de modulação, e sobre ela


podemos encontrar o seguinte enunciado:

“Mudança da função de um mesmo acorde


significa mudança de tom ou tonalidade.”

Novamente tentarei abordar o assunto de uma


maneira mais clara e prática. Passarei abaixo uma
abordagem mais prática deste assunto, comecemos pela
definição, de maneira bem simples podemos afirmar que
modulação é o ato de mudar de tom.
O estudo tradicional de harmonia aponta o
processo modulatório como sendo algo composto de 3
partes, tom original, ou tom de partida, acorde
modulante e tom de chegada. Temos ainda a lista de 3
tipos de modulação diatônica, modulação cromática e
modulação enarmônica.
Modulação diatônica – Esse tipo de modulação
ocorre por meio de um acorde que está presente nos
dois tons (tom de partida e tom de chegada), o acorde
em questão é chamado de acorde pivô, por exemplo,
Gmaj7 é um acorde presente tanto na tonalidade de sol
maior/mi menor como em ré maior/si menor.
Acompanhe o exemplo a seguir:

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Repare no exemplo acima que os 3 compassos


iniciais estão em sol maior, como aponta a armadura de
clave, já nos compassos 4 à 6 temos um trecho onde a
tonalidade é ré maior, nesse caso o acorde modulante foi
o Gmaj7 do terceiro compasso, ele é o acorde pivô da
modulação diatônica, pois ele é a tônica em sol maior,
assim como é a subdominante em ré maior. Essa
modulação tende a ser a mais suave, e também
podemos atestar o que diz no enunciado. Há ainda outra
forma de modular através da mudança de função do
acorde, observe o exemplo seguinte:

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Veja como a modulação ocorre com a mudança


da função do Dmaj7, com função tônica, para o acorde
Dm7 com função subdominante, começando assim, com
a introdução do Dm7, um trecho em outra tonalidade
na composição.

Modulação cromática

Nesse tipo de modulação, uma das notas do tom


de partida muda cromaticamente para se tornar parte
do tom de chegada. Alguns autores indicam que nesse
tipo de modulação deve ser usado o V grau do tom para
o qual se irá.
Na prática da música popular o uso do V7 como
acorde modulante é o mais usado, já o apontamento de
uma das notas mudar cromaticamente do tom de
partida para o tom de chegada não é observado à risca
em nossos dias na música popular, porém há casos
onde ocorre. Na prática, na música popular de nossos
dias, a modulação se dá essencialmente pelo uso do V
grau da tonalidade para onde se irá.
Observe o trecho a seguir:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Repare como no compasso de número nove, o


acorde Ab7 “anuncia”, “prepara”, “chama” a tonalidade
seguinte Db maior, o que de fato ocorre. Esse tipo de
modulação é, sem dúvida alguma, o mais usado.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Outros empréstimos
Por questões de proximidade com o tom
principal, usam-se acordes dos tons vizinhos para
aumentar as possibilidades harmônicas, peguemos um
exemplo em dó maior vamos comparar os campos
harmônicos de seus tons vizinhos.

Campo harmônico de dó maior / lá menor.


Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7 G7 Am7 Bm7/b5

Campo harmônico de sol maior / mi menor.


Gmaj7 Am7 Bm7 Cmaj7 D7 Em7 F#m7/b5

Campo harmônico de fá maior / ré menor.


Fmaj7 Gm7 Am7 Bbmaj7 C7 Dm7 Em7/b5

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Lembrando que os campos harmônicos de mi


menor e ré menor, contem as mesmas tétrades dos
campos de sol maior e fá maior respectivamente, logo
nossa análise a seguir já abrange esses casos, é bom
lembrar também que estamos nos referindo a campo
menor natural, resultante da escala menor natural, não
entra nesse bojo escalas menores harmônicas e
melódicas.
Vamos comparar agora os acordes dos campos
harmônicos dos tons vizinhos e rastrear os acordes
estranhos ao tom de dó maior, que seriam os acordes
possíveis de serem usados como empréstimo.
No caso do campo harmônico de Sol maior / mi
menor, os acordes estranhos ao tom de dó maior são:
Gmaj7, Bm7, D7 e F#m7/b5. Já no caso do campo
harmônico de Fá maior / ré menor os acordes que não
estão no tom de dó maior são: Gm7, Bbmaj7, C7 e
Em7/b5. São esses os acordes que podemos usar como
empréstimo para enriquecer nossa harmonia em dó
maior.
Tendo esses acordes a disposição basta a
experimentação, o gosto individual, e as propostas das
músicas e ou arranjos que serão trabalhadas para que
você vá encontrando os caminhos que achar melhor.

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Sub V
Sub V é um recurso de ampliação das
possibilidades harmônicas muito comum na música
popular, trata-se de uma substituição do v grau. Repare
nas sequências harmônicas a seguir:

II V I
[| Dm7 | G7 | C7M |]

II Sub V I
[| Dm7 | Db7 | C7M |]

Na cadência II V I passada anteriormente,


repare como no segundo caso o acorde G7 foi
substituído por Db7, numa primeira análise parece um
tanto quanto estranho e parece distante um Db7
substituir um G7, sobretudo quando pensamos que
entre esses dois acordes não encontramos relação de
função, como por exemplo substituir um C7M por Em7,
nesse caso os dois acordes possuem algo em comum,
uma vez que o Em7 é anti-relativo, ou, usando outra
nomenclatura, que eu particularmente gosto mais,
relativo secundário do C7M. (Vide o capítulo que fala
sobre as funções harmônicas).
Como vimos, entre G7 e Db7 não encontramos
nenhum tipo de proximidade pela via das funções
harmônicas, no entanto o Db7 substitui o G7 devido ao
fato de ambos os acordes partilharem do mesmo trítono,
lembrando que o trítono é a tensão que caracteriza o
acorde dominante 7, veja a seguir as notas que formam
cada um dos acordes:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

G7 Db7

G7= G - B - D - F
Db7= Db - F - Ab - Cb (B)

O trítono é o intervalo formado entre a terça e a


sétima do acorde dominante, no caso do G7 as notas B
terça, e a nota F sétima. Observe como no Db7 o trítono
é o mesmo, eles apenas trocam de lugar, ou seja, a nota
F que no acorde de G era a sétima, no caso do Db7 é a
terça, e a nota B que era a terça no acorde de G7
passou a ser, por enarmonia, a sétima de Db7. Entre as
especificidades que são encontradas no trítono está o
fato dele invertido também resultar num trítono, ou
seja, a quarta aumentada, intervalo resultante do
intervalo de três tons, quando invertida, permanece
ainda como quarta aumentada, como a oitava possui
seis tons, o trítono, que são três tons, situa-se
exatamente no meio da oitava, reparte-a ao meio, sendo
assim é o único intervalo que invertido permanece com
a mesma classificação, repare a seguir na tabela as
inversões de intervalos:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Inversão de intervalos:

C-Db (0,5 tom) = segunda menor / Db-C (5,5 tons) =


sétima maior
C- D (1,0 tom) = segunda maior / D-C ( 5,0 tons)=
sétima menor
C-Eb (1,5 tons) = terça menor / Eb- C (4,5 tons) =
Sexta maior
C-E ( 2,0 tons) = terça maior / E-C (4,0 tons) = sexta
menor
C-F (2,5 tons) = quarta Justa / F-C (3,5 tons) =
quinta justa
C-F# (3,0 tons) = quarta aumentada / F#-C (3,0 tons)
= quarta aumentada
C-G (3,5 tons) = quinta justa / G-C (2,5 tons) = quarta
justa
C-G# (4,0 tons) = quinta aumentada / G# -C ( 2,0 tons )
= quarta diminuta
C-A (4,5 tons) = sexta maior / A-C (1,5 tons) = terça
menor
C-Bb (5,0 tons) = sétima menor / Bb-C (1.0 tom) =
segunda maior
C-B (5,5 tons) = sétima maior / B-C (0,5 tom) = segunda
menor
C-C (6,0 tons)= oitava

Para fins didáticos foi passado o exemplo em dó,


mas podemos averiguar que o único intervalo que
invertido permanece com a mesma classificação é
exatamente a quarta aumentada.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

O uso de sub v como alternativa para escapar da


obviedade é bastante abundante na música popular,
especialmente na bossa nova e no jazz, por exemplo, em
Garota de Ipanema de Tom Jobim:

II sub v I
| Gm7 | Gb7 | Fmaj7 |

Observe como o uso do acorde Gb7 como


preparação para o Fmaj7 é recorrente na composição de
Tom Jobim, vale lembrar que o uso da #11 (décima
primeira aumentada), ou b5 (quinta diminuta) é algo
comum no que se refere ao sub v, alias se fizermos a
análise das notas que formam os acordes de C7 (quinto
grau de fá maior, portanto o V original da cadência) e
Gb7#11 veremos que o uso da décima primeira
aumentada ajuda a amenizar a dissonância, repare:

C7 = C – E – G – Bb
Gb7#11 = Gb – Bb – C – Fb (E)

A nota E entre parêntesis é para lembrar que por


questões de escrita temos que grafar a sétima de Gb
como Fb, porém por enarmonia temos a mesma nota
que E, portanto na comparação entre as notas que
formam os dois acordes constatamos que temos 3 notas
em comum, o que logicamente, apesar da distância
aparente que a nomenclatura dos dois acordes nos
mostra, eles são muito próximos um do outro, a única
nota que é igual entre os dois acordes, o Gb, se o acorde
Gb7#11 for montado no seu estado normal, ou seja, sem
inversão, como é caso da música Garota de Ipanema, o
baixo ainda construirá um caminho interessante
aproximando de meio tom do baixo do acorde seguinte
F.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Para usarmos outro exemplo do uso de sub v, e


também da obra de Tom Jobim, confira a harmonia de
Samba de Uma Nota Só e veja como o mesmo recurso é
usado, a versão do real book está da seguinte forma:

| Dm7 | Db7 | Cm7 | B7 |

Perceba como novamente Tom Jobim faz uso do


sub v como recurso para escapar do óbvio. Nesse caso
os acordes Db7 e B7 substituem respectivamente os
acordes G7 e F7.

Veja outro exemplo na obra de Tom Jobim:

Perceba que o acorde B7 do compasso de


número 4 é sub V do v para repousar no Bbmaj7 do
compasso 5.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Os exemplos do universo do jazz também são
numerosos, você pode encontrar o uso de sub v desde
standarts como How High The Moon passando por
composições do Bebop como A Night In Tunisia de Dizzy
Gillespie e até no jazz mais contemporâneo como o caso
de Affirmation, música de José Feliciano gravada por
George Benson.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Há inda uma situação sobre o sub V que merece


atenção, repare nas harmonias a seguir:

Recapitulando: no exemplo mostrado


anteriormente temos a cadência II V I clássica, já no
exemplo temos o uso do sub V, e por fim no exemplo
três temos o acréscimo de um acorde, o Abm7, que é
explicável da seguinte maneira – o sub V pode ser
acompanhado do acorde que seria seu II grau cadêncial.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Para ficar mais claro pense se fosse uma


cadência II V I onde o Db7 fosse o V, então teríamos
Abm7 Db7 e por fim Gbmaj7, no nosso caso o Db7 tem
a função de sub V, porém foi usado aquele que seria seu
II grau. Repare a seguir num exemplo no repertório do
jazz onde está presente esse recurso:

Veja como no sexto compasso temos exatamente


a harmonia mostrado no início de nossa explicação para
essa particularidade, o acorde Db7 é sub V e resolve no
sétimo compasso no Cmaj7, porém no compasso onde
temos o Db7 temos também o Abm7.
Este é mais um recurso harmônico disponível
dentro do universo da música popular (jazz e afins).

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Harmonia quartal
Na incessante busca por novos meios de
expressão que norteia a história humana e musical, os
compositores do final do século XIX começaram a usar
de maneira mais acentuada e como recurso
fundamental, outra maneira de construção de acordes.
O modelo de acordes formados através do empilhamento
de terças passou a conviver também com um modelo de
construção de acordes baseado em quartas, ou seja, os
acordes seriam feitos através do empilhamento de
quartas, dessa maneira teríamos o seguinte:

Nomear e cifras esses acordes resultantes desse


empilhamento nos traz algumas questões, por exemplo,
o acorde do primeiro grau, fica sendo um dó com sétima
maior com quarta, o que a princípio estaria errado, uma
vez que um acorde com quarta seria o que chamamos de
sus, e nesse caso a quarta suprime a terça, o que não
ocorre no caso dos acordes quartais, portanto por mais
estranho que possa parecer é isso mesmo, o acorde feito
com empilhamento de quartas sobre o primeiro grau da
escala maior resulta num acorde maior com quarta
justa e sétima maior.
Essa dificuldade ocorre apenas nos acordes
maiores, uma vez que no caso dos acordes menores, a
quarta é uma dissonância aceitável, portanto o acorde
do segundo fica Dm4/7 (ré menor com quarta e sétima),
o terceiro e sexto grau também ficam com a mesma
estrutura, respectivamente Em4/7 (mi menor com
quarta e sétima) e Am4/7 (lá menor com quarta e
sétima). No caso do acorde do sétimo grau ocorre uma

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

curiosidade ele, que é uma tétrade meio diminuta, ou


menor com sétima e quinta diminuta como alguns
preferem chamar, ficará com a mesma estrutura dos
acordes menores, uma vez que na montagem de acordes
quartais não temos quinta, e dessa maneira não a
diferenciação entre os acordes menores e o meio
diminuto.
Voltando aos acordes maiores, já vimos como fica
o primeiro grau, agora veremos como ficam o quarto e o
quinto grau, no caso do quarto grau, teremos um acorde
com sétima maior e quarta aumentada, lembrando que
o quarto grau é o modo lídio, e sua característica, ou
sua diferenciação em relação ao primeiro grau jônio, é
justamente essa; a quarta aumentada. Já no caso do
acorde sobre o quinto grau, ocorre novamente a questão
de termos um acorde maior, nesse caso maior com
sétima menor, com a quarta justa (G4/7). Talvez para
deixar um pouco mais claro a adoção da cifra add
presentes na cifragem dos Estados Unidos da América,
dessa forma a cifra ficaria G7add4, talvez seja a maneira
melhor de cifrar um acorde com quarta justa e que não
seja sus, ou seja, que a quarta não substituiu a terça.
O uso da harmonia, ou de acordes quartais, no
universo da música popular é encontrado com mais
facilidade no jazz e nas suas derivações, provavelmente
o exemplo de uso de acordes quartais no jazz mais
conhecido seja a composição So What de Miles Davis,
onde são sempre usados acordes quartais.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Observe como os acordes escritos na pauta são


empilhamentos de quartas, resultando num Em4/7 e
Dm4/7.
Para seu uso no dia – a – dia o caso dos acordes
quartais maiores requerem um cuidado maior, já no
caso dos menores entendo ser de uso tranquilo, pois
sua diferença em relação aos menores construídos com
intervalos de terça será de apenas uma nota.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Cadências
O sentido contemporâneo deste termo na música
popular refere-se a uma “preparação” para o acorde
seguinte, ou seja, nós vamos fazer uma preparação para
o acorde que virá em seguida.
A cadência, ou preparação, mais simples é a V I
(lê-se cinco um), ou seja, podemos usar como cadência,
ou como forma de preparação para “chamar” ou
“anunciar” o próximo acorde o quinto grau desse
acorde, repare a seguir:

[| Cmaj7 | % | Dm7 | % |...

Agora usando o v do Dm7:

[| Cmaj7 | A7 | Dm7 | % |

Veja como o A7 não é um acorde do campo


harmônico de dó maior, considerando que o tom do
trecho musical do nosso exemplo está na tonalidade de
dó maior, mas ele, o A7, é usado como dominante
individual ou dominante secundário do Dm7, ou seja,
sua relação na composição é com o acorde de Dm7.

Testando com outro grau do campo harmônico:

[| Cmaj7 | B7 | Em7 | % |

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Nesse caso usamos o V do Em7.
Podemos portanto formular uma espécie de
regra: Todo acorde pode ser precedido pelo seu
dominante (V7 – quinto grau com sétima menor).
A cadência mais usada e estudada no universo
do jazz e derivações é a II V, nesse caso além do quinto
grau que já estávamos usando podemos agora
acrescentar também o segundo grau, assim teremos a
seguinte situação:

II V
[| Cmaj7 | Em7/b5 A7 | Dm7 |

Repare como usamos o Em7b5, isso porque


quando nos dirigimos a um acorde menor o segundo
grau deste acorde tende a ser um acorde meio diminuto,
o quinto grau será sempre um acorde dominante com
sétima, em nosso exemplo o A7 quinto grau de Dm7.
No caso de acorde maior temos uma pequena
mudança no segundo grau, pois ele deixa de ser meio
diminuto, e passa a ser um acorde menor com sétima,
observe o exemplo a seguir:

II V
[| Cmaj7 | Gm7 C7 | Fmaj7 |

Perceba como temos agora o Gm7 que é segundo


grau de Fmaj7, e como o acorde para o qual nos
dirigimos, ou, o acorde para o qual cadenciamos, é
maior, o segundo grau é menor com sétima; repare
também como o quinto grau é sempre um acorde maior
com sétima menor.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Fazendo a análise completa dos exemplos
passados eles ficam assim:

I II/II V/II II
[| Cmaj7 | Em7/b5 A7 | Dm7 |

Veja no segundo compasso temos a indicação


exata da função cadêncial dos acordes, lê-se: dois do
dois, cinco do dois.
Assim indicamos que o Em7b5 é o segundo grau
do Dm7, que por sua vez é o segundo grau do tom do
nosso exemplo, dó maior, portanto II. O mesmo ocorre
com o A7, indicamos que ele é o quinto grau do segundo
grau (Dm7).

Veja o exemplo a seguir:

Repare como a composição já se inicia com uma


cadência ii V para o Dm7.
Veja a seguir outro exemplo de tema de jazz onde
encontramos o uso de cadência ii V.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Nesse clássico do jazz, repare como o tom da


composição é mi bemol maior, e como já no segundo
acorde encontramos dois acordes que não fazem parte
do campo harmônico de mi bemol maior, Bbm7 e Eb7,
esses acordes estão cumprindo um papel cadêncial para
o acorde seguinte, Abmaj7, eles são o ii e o v graus
respectivamente de Ab.

Há ainda outras cadências que passarei aqui:

Cadência Plagal – IV I

Um exemplo em dó maior.
IV I
[| Cmaj7 | Dm7 | Fmaj7 | Cmaj7 |]

Agora veja o exemplo a seguir:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

No caso da composição Yesterday de John


Lennon & Paul McCartney, o tom é fá maior, e repare
como na finalização da frase, ou do trecho musical
exposto, o acorde que prepara a tônica da música é o
acorde Bb, quarto grau de F, é um uso clássico da
cadência plagal.
Essa cadência é bastante usada na música
popular, sobretudo no universo do pop, ou pop rock e
afins. Há uma progressão de acordes usada numa
infinidade de músicas, de apelo, digamos, mais
comercial, a progressão em questão é a:

I V VI IV
Ex: C G Am F

Repare no exemplo a seguir.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Na música citada acima, da banda Charlie


Brown Jr., que também foi gravada por Zeca baleiro a
harmonia passada é repetida por toda a composição.

Plagal menor – IVm I

IVm I
[| Cmaj7 | Fmaj7 | Fm7 | cmaj7 |

A cadência plagal menor é de uso bastante


difundido, encontramos esse recurso em composições de
jazz, bossa nova, e até mesmo em composições do
universo do pop rock, como o exemplo a seguir:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Escala menor harmônica


A escala menor harmônica é uma escala menor
natural com o sétimo grau elevado em meio tom.
Podemos identificar sua origem através da necessidade
de enquadrar a escala menor numa situação
característica da escala maior, pensando em escala a
questão da sensível, ou pensando em acordes-cadência
a ausência de um V7 no tom menor, observe o campo
harmônico da escala menor natural:

Am7 Bm7b5 Cmaj7 Dm7 Em7 Fmaj7 G7

Veja como o quinto grau da tonalidade não tem o


sentido de preparação por ser um acorde menor, e não
um dominante (acorde maior com sétima menor) como é
a cadência clássica. E se pensarmos em escala e não em
acordes, percebemos que a ausência da sensível (sétima
maior) que gera a expectativa de resolução, faz com que
a escala fique “fraca”, por não ter a tensão x resolução
que caracteriza a música tonal.
Para resolver tal questão elevou-se a sétima da
escala menor natural, no caso da escala de Am elevou-
se em meio tom a nota G para G#, resolvendo assim a
falta da sensível, ficando a escala com a seguinte
configuração:

T 2 3b 4 5 6b 7M 8

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Merece destaque o salto de 1,5 tons existente


agora entre a 6b e 7M.
É importante notar que a mudança em apenas
uma nota da escala modifica bastante a estrutura do
campo harmônico e também dos modos
Am7M Bm7b5 Cmaj7#5 Dm7 E7 Fmaj7 G#°7

Modos da escala menor harmônica


I- Eólio 7M
II- Lócrio 6
III- Jônio #5
IV- Dórico #4
V- Mixolídio b6/b9 ou frígio maior
VI- Lídio #9
VII- Dim. (modo diminuto da escala menor
harmônica).
Repare como as mudanças, tanto nos acordes
como nos modos ocorrerão onde a nota alterada, G#,
está presente, no caso dos acordes somente aqueles
onde tínhamos a nota G mudaram, em relação à
escala/campo menor natural, já no caso dos modos
mudaram todos, uma vez que a nota G que fora alterada
G# é encontrada em todos os modos.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Modos da escala menor harmônica

90
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Escala menor melódica


A alteração do sétimo grau da escala menor
natural que resultou na escala menor harmônica resolve
a questão da falta da sensível na escala, e possibilitou o
acorde dominante 7 da tonalidade em questão, porém o
intervalo de 1,5 tons que acabou resultando entre o VI e
o VII da escala menor harmônica, gerava um
desconforto para a execução, sobretudo vocal, da época.
Dessa forma para resolver tal problema passou-se a
elevar em meio tom também o VI grau.
A alteração do VII grau que se dá para que se
houvesse a sensível e por consequência agora a
alteração do VI grau para que não houvesse o intervalo
de 1,5 tons entre o VI e o VII grau da escala menor
harmônica, acabou por gerar o que se conhece por
escala menor melódica.
No entanto as alterações do VII e do VI graus
davam-se apenas quando se objetivava chegar / subir
até a nota lá, ou seja, buscando o repouso, indo do
grave para o agudo, já na volta da escala, ou seja,
descendo, indo do agudo para o grave, a busca pela
sensível não aconteceria, dessa forma o VI e o VII graus
não precisariam ser alterados, sendo assim, eles na
volta da escala eram executados “naturais” sem as
alterações.
Essa é a escala menor melódica “clássica”, a que
sobe com as alterações no VI e VII graus, e volta sem as
alterações, portanto a escala de lá menor melódica
ficaria da seguinte forma:

91
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
No entanto J. S. Bach começou a usar a escala
com as alterações tanto na ida (subida) como na volta
(descida), como no exemplo a seguir:

Essa escala, que vai e volta com as alterações no


VI e no VII graus ficou conhecida como escala menor
melódica Bachiana.
Em nossos dias, sobretudo na música popular,
leia-se jazz e afins, quando se refere à escala menor
melódica, está se falando da escala menor melódica
Bachiana, e não da melódica “clássica”. Aqui nesse livro
nós também tomaremos esse caminho, de agora em
diante usaremos o termo escala menor melódica para
nos referirmos à escala menor Bachiana.

Campo harmônico da escala menor melódica.

Fazendo o empilhamento de terça das notas da


escala de Am melódica teremos os acordes passados
acima. Repare como temos algumas particularidades,
por exemplo, os dois acordes, a princípio dominantes,
(D7 e E7) localizados respectivamente no IV e V grau do
campo harmônico da escala menor melódica.

92
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Outra observação que merece ser apontada é o
fato de termos no VI e VII graus desse campo harmônico
dois acordes meio diminutos (F#m/b5 e G#m7/b5), e o
estoque de curiosidades ainda não se encerrou, o VII
grau do campo menor melódico reserva ainda um fator
interessante, é de uso comum no universo da música
popular (jazz) o uso do termo alt7, e já vimos sobre esse
acorde no capítulo sobre cifras, resta dizer no entanto
que ele é encontrado partindo do VII grau da escala
menor melódica, até seu modo (superlócrio) pode ser
chamado também de alt7, pois da mesma maneira que
seguindo o empilhamento de terça, teremos o acorde
meio diminuto no VII grau, podemos, por enarmonia,
observar que também temos a terça maior de G# (C =
B#) na escala de Am melódica, sendo assim teríamos
um acorde maior T (G#) 3 (C=B#) e 7 (F#), e as demais
notas da escala seria; respectivamente suas nonas e
quintas alteradas para baixo ou para cima: A (9b) B (9#)
D (5b) e E (5#) considerando a enarmonia. Portanto de
onde vem o acorde alt7, ou mesmo o modo alt7?
Resposta da escala menor melódica.

Veja na página seguinte os modos resultantes


dessa escala.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Modos da escala menor melódica

94
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

O modo menor
Como podemos observar a escala menor é usada
em três formas distintas (natural, harmônica e
melódica), e obviamente cada escala gera seus acordes
próprios e consequentemente seu campo harmônico,
diante disso há alguns que tratam essas três variações
da escala menor como uma única material chamada
modo menor, onde temos a junção das três
possibilidades da escala, veja a seguir:

Não irei passar aqui os acordes resultantes do


empilhamento das notas das três escalas individuais,
pois já foram passados nos respectivos capítulos, porém
a quarta escala, que é a junção das três primeiras, nos
oferece a possibilidade de obtermos os seguintes
acordes:

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Perceba como a junção das três escalas, no que é


chamado de modo menor, resulta num universo de
acordes mais amplo.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Escala diminuta
A escala diminuta contém os seguintes
intervalos:

T 2 3b 4 5b 6b 6 7M 8
C D Eb F Gb Ab A B C

Observe na pauta a seguir:

A escala diminuta tem algumas peculiaridades,


dentre elas o fato de sua organização intervalar ser fixa,
segue o padrão de um tom de distância seguido por
meio tom, sendo essa a estrutura constante de
organização dos intervalos. Veja como a partir da tônica
temos sempre um tom, seguido por meio tom e assim
sucessivamente até a oitava.

Outra particularidade é que entre a tônica e a


oitava temos nove notas e não oito como é comum nas
escalas maiores e menores (excetuando pentatônicas e
tons inteiros), essa nota extra é fruto da quantidade
maior de semitons que essa escala possui.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Como toda e qualquer escala, ela gera acordes


através do empilhamento de suas notas e, por
conseguinte o que podemos chamar de seu “campo
harmônico”, empilhando as notas teremos os seguintes
acordes:

Cdim7 D7 Ebdim7 F7 Gbdim7 Ab7 Adim7 B7


Dm7
Dm7/b5
Ddim7

Os acordes diminutos C, Eb, Gb e A não geram


muita dificuldade de entendimento, são resultado do
empilhamento de terças. Porém quando olhamos para o
segundo grau da escala podemos montar todos esses
acordes mostrados anteriormente (D7, Dm7, Dm7/b5,
Ddim7), as enarmonias dificultam um pouco o
entendimento, mas vejamos as notas que formas cada
um desses acordes:

D7= D – F# - A – C
Dm7 = D – F – A – C
Dm7/b5 = D – F – Ab – C
Ddim7 = D – F – Ab – Cb (B)

Perceba como conseguimos montar todos esses


acordes com as notas da escala diminuta, e também
devido ao fato da escala ser cíclica podemos montar os
mesmos acordes a cada 1,5 tom, ou seja F, Ab e B, em
todos esses casos podemos montar acordes dominantes,
acordes menores, acordes meio diminutos e acordes
diminutos. Isso abre possibilidades de harmonização e
de improvisação bastante diferenciadas, por exemplo,

98
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
poderíamos usar a escala de C diminuta para
improvisar sobre um acorde D7, ou Dm7, Dm7/b5 e
Ddim7, isso é um assunto a ser tratado no livro de
improvisação, mas vale o registro da curiosidade.
Vale lembrar também que o acorde diminuto,
assim como sua escala, é cíclico, ou seja, se repete a
cada 1,5 tons, veja como as notas que formam os
acordes diminutos com distância entre eles de 1,5 tons
são exatamente as mesmas.

Cdim7= C, Eb, Gb, Bbb


Ebdim7 (D#dim7) = D#, F#, A, C
Gbdim7 (F#dim7)= F#, A, C, Eb
Bbbdim7 (Adim7)= A, C, Eb, Gb

Optei por escrever os acordes diminutos usando


a enarmonia para facilitar a escrita, pois o Gbdim7, por
exemplo, ficaria assim = Gb, Bbb, Dbb, Fbb . Repare
como a escrita, e por consequência a leitura e o
entendimento ficam bem difíceis, acabamos ficando
numa encruzilhada, pois para respeitar as leis de grafia
musical acabamos tendo que escrever coisas como Bbb
e Fbb que tornam o entendimento bem difícil. Mas de
qualquer maneira podemos constatar que os quatro
acordes possuem exatamente as mesmas notas, logo
seria como a “inversão” dos acordes diminutos, só que
na verdade acabamos encontrando outro acorde
diminuto quando rearranjamos as notas do acorde
diminuto em outra ordem, portanto é estranho pensar
em inversão de acorde diminuto.

99
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Para uso prático dessa questão, do acorde se


repetir a cada 1,5 tons, podemos pensar da seguinte
maneira:

Repare como substituímos o F#dim7 da


sequência harmônica do nosso primeiro exemplo por
acordes diminutos que estão à distância de 1,5 tons,
que como dissemos, possuem as mesmas notas, e veja
como funcionam perfeitamente.
Podemos também usar todos eles no tempo que
originalmente era usado apenas um, repare:

100
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

No início de Wave de Tom Jobim (parte do


canto), podemos constatar essa prática:

Repare como na melodia temos a tétrade de sol


diminuta e o acorde da cifra é o Bbdim7, os dois acordes
possuem as mesmas notas. Também podemos encontrar
partituras e cifras da seguinte forma:

101
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

E usando da nossa lógica podemos pensar em


usar os dois acordes, ou até mesmo os quatro acordes
diminutos que tem as mesmas notas, vejamos a opção
com os dois:

Há ainda um ponto a ser observado, quais outros


intervalos podem ser acrescentados ao acorde diminuto,
de maneira simples você pode pensar que é possível
acrescentar notas um tom acima das notas do acorde,
pensando em Cdim7 = C – Eb – Gb – Bbb (A), podemos
então acrescentar a nota ré (nona), a nota fá (quarta
justa – décima primeira), a nota lá bemol (sexta menor)
e por fim a nota si (sétima maior).

 Acordes diminutos substituindo acordes


dominante.

O acorde diminuto cumpre, muitas vezes, a


função de acorde dominante, portanto ele substitui um
acorde dominante, isso se dá pelo fato do acorde

102
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
dominante possuir o mesmo trítono do acorde ao qual
substitui, repare a seguir:

C⁰= C, Eb, Gb, Bbb


B7= B, D#, F#, A

Analisando as enarmonias veremos que Eb=D#


assim como Bbb=A, e são essas duas notas que formam
o trítono que caracteriza o acorde dominante, que lhe
conferem a instabilidade, a tensão que pede a resolução,
e elas estão presentes em ambos acordes, logo o C⁰
substitui o B7 perfeitamente.
Podemos ampliar nosso raciocínio, ao
analisarmos as outras duas notas do acorde diminuto C
e Gb (F#), vemos que a nota F# é a quinta do acorde B7
e a nota C seria a nona menor do B7, logo um C⁰ seria o
mesmo que um B7b9 (si com sétima e nona menor) sem
a tônica, no caso a nona menor, C, entrou no lugar da
tônica, podemos, portanto indicar como padrão:

X⁰=X7b9 sem tônica

Dessa forma o acorde diminuto tem apenas uma


nota diferente em relação há o acorde com sétima meio
tom atrás.
O acorde diminuto possui dois trítonos, veja
como as notas C e Gb formam um trítono, assim como
as outras duas notas já analisadas, Eb e Bbb (A), e
como cada trítono pertence a dois acordes dominantes
pelo esquema de inversão de intervalo, ou seja, tanto faz
qual das duas notas nós tomemos como base, a outra
estará há distância de 4#, portanto as notas C e F# são
o trítono de D7 ou de Ab7, consideremos a enarmonia
(Gb=F#), o mesmo ocorre com Eb.

103
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Funções do acorde diminuto:

Veremos aqui algumas funções do acorde


diminuto, começaremos por aquela que talvez seja sua
função mais usual e que acabamos de citar no tópico
anterior.

 Função dominante - quando o alcança o


acorde seguinte por meio tom ascendente e o
acorde de chegada não está invertido.

Ex. Este seu olhar – Tom Jobim.


[| Fmaj7 | F#dim7 | Gm7 |

Citando o que já vimos, nesse caso o F#dim7


cumpre a função, ou seja, na verdade substitui o D7, V
grau do Gm7.

 Função cromática – quando o acorde alcança


o acorde seguinte por meio tom, porém o
acorde de chegada está invertido.

Ex. A fine romance – Jerome Kern (trecho da casa


2).
[| Fmaj7 | F#dim7 | C/G |

Também é função cromática quando o acorde


diminuto alcança o acorde seguinte por meio tom,
porém na descendente.
Ex. Eu sei que vou te amar – Tom Jobim.
[| Cmaj7 | Ebdim7 | Dm7 |

104
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

 Função auxiliar – Quando o baixo do acorde


se repete no acorde seguinte.

Ex. Chega de saudade – Tom Jobim (parte em D


maior)
[| Asus | A7/9 | Ddim7 | Dmaj7 |

105
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Opções de Harmonização
Faremos aqui um exercício muito prático de uso
dos conteúdos abordados aqui nesse livro, comecemos
com uma situação harmônica bem simples:

Numa música, ou trecho musical em dó maior,


temos no nosso exemplo o I e o II grau do tom, cmaj7 e
Dm7, porém podemos sofisticar essa harmonia, usando
recursos diversos, vamos a eles:

Usamos de início o dominante individual do


Dm7, que é o A7, a cadência, ou como muitos chamam,
a “preparação” mais tradicional e simples.
Agora no exemplo seguinte usaremos o acorde
diminuto substituído o dominante do Dm7.

Já no exemplo a seguir faremos o uso da


tradicional cadência II V como forma de preparar para
o Dm7.

106
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

No exemplo a seguir usaremos o sub V de Dm7.

Agora no exemplo a seguir faremos uma mistura


da cadência II V com o sub V, pegaremos o II da
cadência, porém no lugar do V usaremos o sub V.

Podemos também usar do seguinte recurso:

Aqui usamos o II grau do sub V (como se fosse


uma cadência II V)

107
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Preparação por função


Há um pensamento harmônico que aponta a
afinidade pela função como justificativa para um tipo de
cadência que não é muito usual.
Repare na representação abaixo:

O esquema apresentado indica um sentido de


resolução, ou seja, apresenta o G7 como um acorde que
cadencia, ou “prepara” para os três acordes apontados,
e isso ocorre devido ao fato de os três acordes
compartilharem a mesma função, lembre-se que Am7 é
relativo da tônica e o Em7 é o relativo secundário ou
anti-relativo da tônica, sendo assim o G7 que a priori
prepara, ou chama o Cmaj7, pode preparar para os
demais acordes, uma vez que a função tônica é mantida
também nos outros dois acordes (Am7, Em7).
Se extrapolarmos essa ideia para os acordes que
preparam para os relativos e anti-relativos teremos:

108
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Veja como pela mesma lógica o E7 que nesse


caso, em dó maior, “prepara” para o Am7, também
“prepara” para o Cmaj7. Assim como o B7, que precede
o Em7 pode servir como “preparação” para o Cmaj7.

Toque a harmonia a seguir e perceba como ela


mostra-se bastante comum aos nossos ouvidos devido
ao fato de ser usada em composições populares:

Repare como o acorde G7 aparece em dois


instantes da progressão harmônica, na primeira
aparição ele precede o Em7, já na segunda ele precede o

109
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Cmaj7, a sua função e seu uso clássico, como acorde
cadêncial ocorre no segundo momento, ele, o G7 é o V
do I (Cmaj7), mas na sua primeira aparição ele precede
o Em7, que é um acorde que tem a mesma função do
Cmaj7, porém é menos conclusivo.
Na verdade devemos pensar na harmonia tonal
como o caminho que possivelmente parte de uma
situação estável, passando para a instabilidade
(momento do V grau) para enfim repousar novamente na
estabilidade (I grau). Partindo dessa lógica repare como
o acorde Em7 que vem após o G7, protela um pouco
essa sensação de repouso, de ponto final, de chegada,
enfim. E é interessante notar que essa protelação do
objetivo final (repouso), ocorre fazendo uso de um
acorde que não é propriamente o I grau, mas é um
acorde que mesmo sendo diferente comunga de sua
função tônica, nesse caso anti-relativo, ou como eu
prefiro, relativo secundário.
Outro exemplo de uso da mesma função, porém
sem usar o primeiro grau, e sim seu relativo.

Veja como nessa harmonia também temos o G7,


porém dessa vez precedendo o Am7, que é o relativo da
tônica, ou seja, mantém a função tônica, mas sem a
conclusão de fato.

110
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Verticalismo, policordes, acordes bitonais e


TES (tríades de estrutura superior).
Nesse capítulo, especialmente desafiador,
gostaria de tratar dos assuntos citados no título e trazer
um olhar amplo sobre os mesmos, para iniciar gostaria
de abordar um tema que chamo de verticalismo, observe
a seguir:

A ilustração anterior mostra acordes que


podemos sobrepor sobre os acordes bases, Cmaj7 – C7 –
Cm7, a essa ação dá-se o nome de verticalismo,
portanto a ilustração indica que sobre o acorde Cmaj7
podemos fazer soar um Em7, um Gmaj7 e em Bm7,
para uma visualização diferente repare na pauta a
seguir onde temos os quatro acordes (o acorde base e os
3 acordes que usaremos sobre ele):

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Perceba agora na pauta a seguir:

O que podemos constatar é que dentro de um


Cmaj9 (dó com sétima maior e nona) temos a tétrade de
Em7, como foi mostrado anteriormente, e temos
também a tríade de G maior, mas vamos, neste instante,
focar nas tétrades.
O ponto que merece destaque é que se tocarmos
um Em7 sobre um Cmaj7, o resultado final, da junção
dos dois acordes será um Cmaj9, onde temos apenas,
como nota diferente do Cmaj7, o acréscimo da nota ré,
uma vez que as demais já estavam presentes no acorde
Cmaj7.
Se analisarmos o exemplo que temos o acorde
Gmaj7 sobre o Cmaj7, constataremos a mesma
situação, como resultado final temos um acorde dó com
sétima maior, nona e décima primeira aumentada.
No caso do Bm7 sobre o Cmaj7 ocorre a mesma
situação, o resultado final da junção dos dois acordes
seria: dó com sétima maior, nona, décima primeira
aumentada e décima terceira.

112
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
O mesmo tipo de raciocínio e resultado ocorre
nos outros exemplos de verticalismo, os acordes que
podemos sobrepor sobre os acordes C7 e Cm7, teremos
sempre, na verdade uma extensão do acorde base.
Algumas considerações necessárias: Repare que
sobre o Cmaj7 usamos o acorde Gmaj7 e não G7, que
seria o acorde disponível no campo harmônico de dó
maior, porém a quarta justa é nota evitada sobre um
acorde maior, sendo assim a nota fá, que é a sétima
menor de sol, presente no acorde G7 é uma nota
indesejável sobre o Cmaj7. O mesmo raciocínio acontece
no verticalismo sobre o C7, onde temos um Gm6, e não
Gm7, mais uma vez essa alteração acontece para evitar
a nota fá sobre um dó maior. No caso do Cm7 a
restrição ao uso da quarta justa não ocorre.
Outro ponto é que se você observar verá que os
acordes do verticalismo partem sempre da 3ª, 5ª e 7ª
dos acordes base. Veja a seguir um exemplo de
verticalismo numa cadência ii V I.

O fator primordial para um bom resultado nas


verticalizações é o cuidado com as oitavas em que serão
construídos os acordes, pois a ideia é construir algo
assim:

113
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Outra é montar algo dessa maneira:

Muitas vezes esse é o tipo de harmonização feita


pelos pianistas na mão direita. Eles podem, por
exemplo, montar na mão esquerda o acorde base, ou
mesmo trechos desse acorde base, enquanto a sua mão
direita pode tocar complementos ou extensões do seu
acorde base, que, como foi mostrado pode, por vezes,
configurar um outro acorde.
Gostaria de indicar a especial atenção ao
verticalismo sobre os acordes dominantes, pois esses,
da forma que foram passados, são os que eu
particularmente uso com maior frequência, e também
sua sonoridade me parece de aceitação mais tranquila
auditivamente.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Policordes – corriqueiramente define-se como o


resultado da combinação de dois ou mais acordes
soando simultaneamente. T.E.S (tríades de estrutura
superior) é o uso de tríades na parte superior, ou seja,
sobrepondo ao outro acorde.
A questão é que alguns não entendem que se
devam nomear tais aglomerados de notas como
policordes, ou T.E.S e afins, e sim abordá-los como
extensões dos acordes. Faremos a seguir uma análise
para exemplificar esse ponto, e pegaremos duas tríades,
aparentemente, bem contrastantes.

O fato de termos as notas E e Eb na mesma


oitava causam uma tensão considerável, porém se
construirmos da seguinte maneira a tensão torna-se
mais aceitável.

Perceba como o simples fato de fazermos cada


acorde em uma oitava já alivia bastante a sensação de
tensão, porém no segundo compasso do exemplo acima,
onde temos as notas C, E, G, Eb, resultando no que
podemos dar nome de C9b (dó com nona menor). Nesse
caso o que fizemos foi acrescentar apenas a nota
diferente em relação ao C maior.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah
Agora vamos analisar outro exemplo, nesse caso
sobrepondo os acordes C e Eb, ambos maiores, veja o
resultado:

No terceiro compasso do exemplo acima


colocamos o Eb numa região que não proporciona
choque com o C, e também invertemos o acorde. Repare
como temos as duas tríades representadas, com a nota
sol sendo compartilhada (ela é a quinta do acorde de C e
a terça maior do Eb). A questão é, temos como som
resultante um acorde C79# ( dó com sétima e nona
aumentada) lembrando que também podemos cifrar da
seguinte forma: C7#9.
Como vimos a junção das tríades de C e Eb é
tratada como policordes por uns, porém outros, e com
razão, enxergam na verdade o acorde C79#, ou seja,
enxergam a tríade de C maior com o acréscimo da
sétima e da nona aumentada.
Os autores que escrevem sobre esses assuntos
apresentam algumas instruções expecíficas aqui e ali
para uma ou outra nomenclatura, no entanto a essência
de acordes bitonais (que alguns apresentam como a
junção de duas tríades), policordes, T.E.S (tríades de
estrutura superior), ou mesmo verticalismo, é a mesma.
Entendo que pensar em tensões, e saber quais
podem ser adicionadas aos acordes, levando em
consideração obviamente estilo, melodia e afins, me
parece mais interessante, porém, sugiro que você
mesmo analise todos os pontos de vista e acabe por
tomar o partido que achar mais conveniente nessa
polêmica.

116
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

 Análises

117
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Análise – Caos Sampa

Analisando a composição Caos Sampa de minha


autoria registrada no meu cd Jazz Brasil, nós podemos
observar que:
Na parte inicial, ou parte A da música, não
encontramos muito o que relacionar entre os dois
acordes presentes nesse trecho (Dm7/9 – Db6/9), como
não há um prosseguimento nessa ideia harmônica, a
análise em busca de funções ou algo do gênero fica bem
prejudicada.
Já na parte B, iniciada com o acorde Fmaj7,
temos pontos dignos de observação, começando pelo
acorde Fmaj7, ele não apresenta nenhuma estranheza,
uma vez que como a música inicia-se com o acorde
Dm7/9, mesmo que não haja armadura de clave
indicando o tom, nosso ouvido aceita esse acorde como
o ponto estável e o segundo acorde, no caso Db6/9
como o acorde tenso, inesperado ou coisa do gênero,
sendo assim, na parte quando iniciamos com o Fmaj7
ele está relacionado com esse “tom” inicial da
composição. Já o acorde Eb7, por sua vez é um
dominante do acorde seguinte Abmaj7, no compasso
seguinte o acorde Db79 é um sub V do C7/9 que é o
próximo acorde da progressão harmônica. O acorde
F7/b13 por sua vez é o dominante do Bbmaj7 que vem
em seguida, e por fim no compasso final os dois acordes
Em7/b5 e Eb7/9 são uma cadência ii sub V para o
Dm7/9, quando da volta à ele, ou seja no retorno ao
inicio da música, quando se dirige ao Fmaj7 novamente,
uma vez que temos o ritornelo, o Eb7/9 cumpre a
função de empréstimo modal – emprestado da
tonalidade de Fm.
Há ainda o aspecto da amarração da harmonia
com a melodia. Quando harmonizamos, pensamos em
cadências, substituições, empréstimos e etc. Porém
nunca podemos perder de vista a melodia, o cuidado

118
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

que devemos ter em sermos coerentes nas nossas


escolhas harmônicas e também com a linha melódica.
Analisando a melodia da composição Caos
Sampa e sua relação com a harmonia você verá que na
parte B temos a nota sol como uma constante, e isso
ocorre porque ela é uma nota possível de soar sobre
qualquer um dos acordes da progressão. Sobre o Fmaj7
a nota sol é a nona, em relação ao Eb7/9 é a terça, em
relação ao Abmaj7 é a sétima maior, já sobre o Db7/9 a
nota sol é uma 11#, ou seja, um mixo 4#, no caso do
acorde C7/9 a nota sol é a quinta, em relação ao F7b13
é uma nona, sobre o Bbmaj7 soa como uma décima
terceira, e por fim sobre o Em7/b5 é uma terça menor, o
Eb7/9 já foi analisado anteriormente (a nota sol é sua
terça maior).
Depois de realizar a análise conseguimos
entender o motivo da nota sol constate ser possível, e
repare agora como a outra nota que soa sobre a
harmonia vai sendo adaptada ao acorde em questão:
sobre o Fmaj7 a outra nota que soa é a nota dó, sua
quinta, no caso do Eb7/9 a outra nota sobe para ré
bemol, ou seja, sua sétima menor. Seguindo sobre o
Abmaj7 temos novamente a nota dó, nesse caso a terça
maior do acorde, já sobre o Db7/9 temos a nota B (Cb é
a escrita correta, por se tratar do intervalo de sétima
menor do Db, porém escrevi a nota B para facilitar a
leitura), no caso do acorde C7/9 temos soando sobre ele
a nota si bemol, sua sétima menor, no acorde Fmaj7
temos a nota lá (terça), e por fim nos três acordes
restantes temos a nota sol soando sobre eles.
Outro exemplo onde a melodia e sua relação com
a harmonia, como forma de amarração da composição
musical pode ser visto no exemplo a seguir, na
composição Viagem.

119
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

120
Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Análise – Viagem

Nessa composição encontramos uma situação


curiosa, onde na realidade temos duas notas apenas na
melodia (fá e dó), que se repetem por toda a música. A
grande questão aqui, é que talvez o tema de fato esteja,
ou seja, a harmonia, pois sobre as mesmas duas notas
que já foram citadas a harmonia se desenvolve.
Analisando você terá dificuldades de encontrar
relações harmônicas relevantes entre os acordes, o que
ocorre nesse caso é que o conteúdo a ser estudado são
as possibilidades de harmonização de uma mesma nota
melódica, observando a relação entre a melodia, que se
repete, e os acordes, teremos o seguinte:
Sobre o Dm9 a nota fá é sua terça menor, sobre
o acorde Cm9 a nota dó é a tônica ou fundamental do
acorde. Seguindo sobre o Ebmaj9 a nota fá é a sua
nona, já no acorde Fm9 a nota dó que a melodia que soa
neste instante é sua quinta, no caso do acorde Gbmaj7
a nota fá é a sétima maior, no Abmaj7 a nota dó é a
terça maior, no acorde Ebmaj9 a nota fá é a nona, e por
fim no Dbmaj7 a nota dó é a sétima maior do acorde.
Perceba como as únicas duas notas da melodia
casam perfeitamente com a harmonia que soa sobre os
mesmos. Há ainda outro fator que aparentemente pode
mostrar um equilíbrio na composição, o fato de termos
quatro acordes menores seguidos por quatro acordes
maiores, sendo que nenhum dos acordes menores tem
função dominante.
Neste caso o entendimento de harmonia serve
mais para “amarrar” a melodia com a melodia, do que
para explicar relações harmônicas, funções ou algo que
o valha, em outras palavras, esse tipo de composição
não é nem pretende ser atonal, serial ou qualquer outro
termo usado para designar estilos pós-tonais, no
entanto a composição também não se prende à
harmonia tonal de sua maneira mais ortodoxa, o que

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

ocorre é que lembrando um pouco o tipo de abordagem


de Debussy, o material é tonal, porém seu uso é mais
livre, não fica enquadrado em regras e padrões pré
estabelecidos pelo sistema.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Análise – Ladeira

Nesta composição também temos uma harmonia


que entre si não se explica, não há cadências,
substituições, nem mesmo mudança de função dos
acordes que são tocados, uma vez que todos são acordes
maiores com sexta, os dois últimos estão escritos com
sétima maior, que é um intervalo que pode ser usado no
lugar da sexta maior, tanto faz um como o outro, ambos
são intercambiáveis. O contexto harmônico é esse um
acorde (C6) inicia a composição e vai descendo de meio
em meio tom até chegar ao acorde Fmaj7.
Cabe à melodia a tarefa de suavizar essa
aparente falta de lógica causada pela harmonia, para
tanto repare como a nota que soa no tempo forte dos
compassos onde temos as trocas de acordes, são sempre
uma das notas que compõem os próprios acordes,
observe:

Acorde C6 nota no tempo forte E (terça)


Acorde B6 “ F# (quinta)
Acorde Bb6 “ D (terça)
Acorde A6 “ E (quinta)
Acorde Ab6 “ Eb (quinta)
Acorde G6 “ G (fundamental)
Acorde F#maj7 “ F# (fundamental)
Acorde Fmaj7 “ F (fundamental)

Novamente a composição usa elementos da


música tonal, porém não da maneira esperada, no
entanto não se trata de uma música atonal, que a priori
seria um tipo de composição que procura negar e
romper com toda a estrutura da música tonal.

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Harmonia aplicada à música popular – Marcos Barnah

Considerações finais.
Como finalização desse trabalho gostaria de
tratar sobre a questão harmonia funcional x harmonia
tradicional. Lembrando que a prática precede a teoria,
podemos entender que os dois tipos de harmonias
citadas não são exatamente duas maneiras de
composição, e sim duas maneiras de explicar as
relações harmônicas, a harmonia funcional sempre faz
menção ás funções, e a tradicional refere-se apenas aos
graus, sendo assim podemos usar ambas na análise
harmônica tanto de música popular, como de erudita.
Lembro ainda que alguns assuntos abordados
aqui também são vistos nos cursos e livros focados no
que chamamos de música erudita, a diferença por vezes
resume-se aos exemplos, em outros casos são um tanto
mais expressivas.
Ocorre que a partir do século XX, a música
erudita enveredou por caminhos harmônicos diversos, e
meios de composição como: o atonalismo, o serialismo,
a dodecafônia e a música eletroacústica, dentre outros,
tornaram-se comuns, por outro observamos que na
música popular, até nossos dias, houve pouca
assimilação desses conceitos, é certo que as harmonias
da bossa nova lembram, com seus acordes com nonas,
décimas primeiras e décimas terceiras, a estética
impressionista de Debussy, e temos nomes como
Hermeto Pascoal que por vezes flerta com a música
contemporânea, ou ainda os exemplos de free jazz, mas
como via de regra temos a música popular fazendo uso
dos recursos harmônicos apontados aqui, e que,
traçando um paralelo temporal, remetem aos recursos
usados na música erudita até início do século XX.

Marcos Barnah

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