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Orientador:
Prof. Dr. Lúcio Kowarick
São Paulo
Julho de 2001
2
RESUMO
ABSTRACT
Key words: Public space, public life, public ethos, civil society
and associativism.
5
Para Karin
pelo riso da luz
7
PREFÁCIO
ÍNDICE
PRIMEIRA PARTE
O CENÁRIO: PARA TRABALHAR COM O ESPAÇO E COM A VIDA PÚBLICOS
ABERTURA
AS CARACTERÍSTICAS E O ESTATUTO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO
PUBLICIDADE
1. A delimitação mediante um modelo canônico
2. As primeiras distinções conceituais
3. Os sentidos modernos de uma publicidade não garantida
4. A publicidade como fluxo comunicativo
5. A multiplicação dos problemas: consensos e dissensos
SEGUNDA PARTE
A IDENTIDADE NACIONAL PELO AVESSO E A “PECULIARIDADE” DA VIDA
PÚBLICA
ABERTURA
O ETHOS PÚBLICO: TEMAS E PROBLEMAS NO DISCURSO DA
IDENTIDADE NACIONAL
1. Para contornar a tentação do anacronismo
2. A reapropriação dos temas da identidade
3. A identidade como substrato natural e psicológico
TERCEIRA PARTE
A NOVA SOCIEDADE CIVIL E AS PRÁTICAS DE CONSOCIAÇÃO NA VIDA
PÚBLICA DO FIM DE SÉCULO
ABERTURA
A DELIMITAÇÃO DA NOVA SOCIEDADE CIVIL
1. A reconstrução perante as antigas linhagens
2. Pressupostos para abordar a literatura local
3. O contexto e o conceito
PRIMEIRA PARTE
ABERTURA
“Não dar novos nomes às coisas velhas nem dar nomes velhos
às coisas novas.” Com essa idéia surpreendente, porque singela e
profunda, Gaston Bachelard gostava de definir o desafio das
ciências humanas. Contudo, em se tratando de certos “objetos
difusos”, é difícil que as mais robustas intenções do observador
não empalideçam a especificidade daquilo que motiva seu ofício de
interrogar. Há nomes velhos indispensáveis, a despeito da
ambigüidade deixada neles por longa história de alargamentos de
seus sentidos originais talvez apenas acessíveis mediante
esmerado esforço de reconstrução filológica ou de “arqueologia”
conceitual. 1 Esse é o caso da diversidade de campos semânticos e
problemas disciplinares perpassados pela categoria “público”,
cujo estabelecimento textual definitivo chegara ao pensamento
cristão ocidental cristalizado no corpus iuris da Antigüidade
clássica. Parece óbvio que a configuração histórica do público e
de sua contrapartida, o privado, difere de forma considerável na
Grécia e em Roma antigas com respeito a suas características
modernas; todavia, tal configuração fora estilizada e preservada
no legado da filosofia moderna e contemporânea enquanto modelo
canônico das feições desejáveis e “autênticas” da vida e do
espaço públicos da idônea conciliação entre o privado e o
público , e ainda continua a orientar a reflexão de autores
contemporâneos de envergadura, como atestado com extraordinária
nitidez pelo pensamento normativo de Hannah Arendt. Também há
interpretações cada vez mais difundidas apontando para o
alastramento de certa “refeudalização” do espaço público, já
advertida por Jürgen Habermas em seu célebre diagnóstico sobre a
1
Não é fortuito, diga-se de passagem, que o trabalho de Jürgen Habermas sobre
as transformações estruturais da publicidade burguesa tenha sido intitulado, na
tradução francesa: L’espace public: Archéologie de la publicité comme dimension
constitutive de la société bourgeoise.
17
2
Análises mais conjunturais foram desenvolvidas em Adrián Gurza Lavalle, “Por
uma utopia ao alcance da mão: contracrítica antineoliberal do espaço público”,
in Reinaldo Carcanholo, Marcelo Carcanholo e Manoel Luiz Malguti (orgs.), A
quem pertence o amanhã Ensaios sobre o neoliberalismo, pp. 141-54; Adrián
Gurza Lavalle, “Elogio de lo público a la desmemoria de los tiempos”, pp. 37-
44.
20
3
A frase refere-se ao poder público na Primeira República, especificamente ao
papel de Rui Barbosa como símbolo do revigoramento desse poder nos moldes dos
valores e práticas institucionais do liberalismo; ela provém do instigante
trabalho de Angela de Castro Gomes, “A política brasileira em busca da
modernidade: na fronteira entre o público e o privado”, in Lilia Moritz
Schwarcz (org.), História da vida privada no Brasil Contrastes da intimidade
contemporânea, p. 492. As palavras de José Murilo de Carvalho acerca da
malfadada instauração do regime republicano são igualmente ilustrativas, porém
mais contundentes: “Na república que não era, a cidade não tinha cidadãos”. (Os
Bestializados O Rio de Janeiro na República que não foi, p. 162)
22
4
Para abordagens que lançam mão da ambigüidade semântica com o propósito de
problematizar a configuração do espaço público, cf., v. g., Graciela Soriano de
García-Pelayo, “Aproximación histórica a ‘lo público’ y ‘lo privado’, a otras
nociones afines y a sus mutuas relaciones, desde una perspectiva
pluridimensional”, in Graciela Soriano de García-Pelayo e Humberto Njaim
(eds.), Lo público y lo privado Redefinición de los ámbitos del Estado y de
la sociedad, pp. 27-62; Nora Rabotnikof, El espacio público: caracterizaciones y
espectativas, pp. 1-12; Geoges Duby, “Poder privado, poder público”, in
Philippe Ariès e Georges Duby (orgs.), Historia de la vida privada Poder
privado y poder público en la Europa feudal, p. 19 e ss.; Adrián Gurza Lavalle,
Estado, sociedad y medios Reivindicación de lo público, pp. 43-71.
26
5
Ibid. p. 46, apud. Alonso Martín, Enciclopedia del idioma Diccionario
histórico moderno de la lengua española (siglos XVII a XX), etimológico,
tecnológico e hispanoamericano, pp. 3433-4.
6
Adrián Gurza Lavalle, Estado, sociedad y..., op. cit., apud. E. A. Andrews,
Charlton T. Lewis, et. al., A new Latin dictionary, p. 1485.
27
7
“Chega-se, assim, à experiência de uma complexidade do sistema [político] e
de seu ambiente, e torna-se provável que a ação seja orientada de maneira
crescente para os ambientes internos a seu próprio sistema e para as relações
auto-referentes. [...] Mas como podemos controlá-lo? E quais os parâmetros de
um funcionamento bom ou menos bom? [§] Naquelas sociedades que têm diferenciado
a política como sistema soberano, auto-referente, não pode existir qualquer
parâmetro externo, no sentido da pergunta acima [§§] No que diz respeito à
relação entre público e política, a referência ao entorno ocorre através
daquilo que se qualifica de opinião pública [...].” Niklas Luhmann, Teoría
política en el Estado de bienestar, (1981) pp. 76-7 (tradução de AGL; também as
outras passagens vertidas para o português na primeira parte).
28
8
Cf. Jürgen Habermas, “Reconciliação através do uso público da razão:
observações sobre o liberalismo político de John Rawls”, (1995) versão
mimeográfica para publicação na revista Filosofia e Sociedade; também, Jürgen
Habermas, Philosophical-political profiles, pp. 173-89 (o ensaio acerca do
pensamento de Arendt, particularmente sobre sua concepção do poder, foi
incorporado na edição revisada de 1981; primeira edição: 1971). Para a
concepção de boa vida em Hannah Arendt, como vita activa centrada na ação, cf.,
é claro, La condición humana, (1958) pp. 21-36 e 199-276. Por sua vez, os dois
princípios de justiça de John Rawls encontram-se formulados em sua grande obra:
Teoría de la justicia, (1971) pp. 62-118; a esse respeito, a síntese do próprio
Rawls é muito esclarecedora, cf. “Justiça como eqüidade: uma concepção
política, não metafísica”, pp. 25-59, especialmente pp. 28-34. Por último, a
réplica de Rawls à crítica de Habermas “Resposta a Habermas”, (1995)
também pode ser consultada na revista Filosofia e Sociedade.
29
9
Hannah Arendt, op. cit., pp. 21-36 e 59-67. A autora engloba na vita activa
as condições fundamentais em que se dá a vida humana: as necessidades vitais, o
artifício do mundo material das coisas, e a vida política que corresponde à
condição humana da pluralidade. Há uma atividade fundamental para cada uma
dessas condições: labor, trabalho e ação respectivamente.
10
Ibid., p. 67.
11
Não é fortuito que obra em questão tenha suscitado as seguintes apreciações,
em uma autora rigorosa e equilibrada como Nora Rabotnikof: “nostalgia da pré-
modernidade”, “nostalgia aristocrática”, “antimodernismo” e “falta de
sensibilidade histórica”. Cf. El espacio público..., op. cit., pp. 107-22 e
142-60; especificamente, pp. 114, 120 e 142. Habermas também assinalou o fato
de certos diagnósticos políticos de Arendt serem “demasiado fáceis” pelo peso
de sua reconstrução filosófica altamente estilizada, em detrimento da
ponderação “bem balançada” de uma pesquisa orientada por critérios históricos.
Cf. Jürgen Habermas, Philosophical-political..., op. cit., pp. 177-81. Em todo
caso, a ausência de uma reconstrução histórica “bem balançada” parece decorrer,
na autora, de sua ênfase na abordagem filosófica das catástrofes plenamente
contemporâneas acarretadas pelos totalitarismos. A esse respeito, cf. Vera da
Silva Telles, “Espaço público e espaço privado na constituição do social: notas
sobre o pensamento de Hannah Arendt”, pp. 23-48.
30
12
A crítica à concepção habermasiana da publicidade moderna, assim como uma
análise pormenorizada de seus argumentos centrais, foi exposta em Adrián Gurza
Lavalle, Estado, sociedad..., op. cit., pp. 109-56; por sua vez, a reconstrução
analítica do pensamento de Habermas a partir da noção “programa de pesquisa”
diferente dos esforços de teorização desenvolvidos como sistema , foi
31
13
Jürgen Habermas, Historia y crítica de la opinión pública La
transformación estructural de la vida pública, (1962) pp. 94-123.
14
Cumpre lembrar que a obra de 1962, na sua versão em português, foi
intitulada: Mudança estrutural da esfera pública: Investigações quanto a uma
categoria da sociedade burguesa.
15
Cf. Antoni Domènech, “Prólogo a la edición castellana: el diagnóstico de
Jürgen Habermas, veinte años después”, in Jürgen Habermas, Historia y
crítica..., op. cit., p. 22; o valioso texto de Domènech consta da edição de
1981, da qual é tradutor, e foi suprimido da edição de 1994 para incluir o
prefácio de Habermas, escrito para a nova edição alemã de 1990. Cf., também,
Antoni Domènech, “Advertencia del traductor”, in ibid., p. 40; Adrián Gurza
Lavalle, Estado, sociedad..., op. cit., pp. 56-62.
16
Jürgen Habermas, Historia y crítica..., op. cit., pp. 65-8 e 88-93.
17
Cabe lembrar que em alemão bürgerliche Gesellschaft significa a um tempo
sociedade civil e burguesa; termo traduzido do inglês civil society quando
da difusão das idéias da Ilustração escocesa e da economia política inglesa,
particularmente dos trabalhos de Adam Ferguson e Adam Smith; cf. Norberto
Bobbio, O conceito de sociedade civil, (1967) pp. 28-9. Para a publicidade
33
representativa, cf. Jürgen Habermas, História e crítica..., op. cit., pp. 44-
51; para a publicidade plebéia, cf. os esclarecimentos do autor no que diz
respeito à desconsideração desse tipo de publicidade no trabalho de 1962:
“Prefacio a la nueva edición alemana de 1990”, in ibid., pp. 5-6.
18
V. g., ibid., pp. 46 e 118. Esse espaço de notoriedade pública, garantido
por um suporte institucional civil e desvencilhado do poder, é o conteúdo de
fundo do termo esfera pública, tal como utilizado hoje pela literatura; v. g.:
“O conceito esfera pública tem sido um dos pontos de atenção mais importantes
em torno do problema da sociedade civil democrática. Como é bem sabido, ele se
34
20
Tais expressões aparecem, respectivamente, nas páginas 10, 16, 21 e 25.
Quanto à publicidade representativa, Habermas foi bastante explícito: “A
publicidade representativa não se constitui como um âmbito social, como uma
esfera da publicidade; é mais algo assim como uma categoria de status se
permitido utilizar o termo nesse contexto.” Ibid., p. 46.
21
Aliás, é bem conhecido quanta atenção dedicou Arendt para esquadrinhar as
conseqüências da constituição do social como oposto ao político, porém, também
ao privado: “[...] a aparição da esfera social, que a rigor não é pública nem
privada, é fenômeno relativamente novo, cuja origem coincidiu com a chegada da
Idade Moderna e cuja forma política foi encontrada na nação-Estado.” Hannah
Arendt, op. cit., p.41. Para as diferenças entre as sociedades comunitárias e a
sociedade moderna, no que tange à configuração do espaço público, cf. Arnaldo
Córdova, Sociedad y Estado en el mundo moderno, pp. 21-68; Clemy Machado de
Acedo, “Individuo, sociedad, Estado: tensiones y oposiciones entre el interés
privado y el interés público”, in Graciela Soriano de García-Pelayo e Humberto
Njaim (eds.), Lo público y lo privado..., op. cit., pp. 63-94.
36
22
Jürgen Habermas, Historia y crítica..., op. cit., pp. 53-64 e 80-8. Note-se
que o conjunto de tendências enunciadas dizem respeito à emergência do social,
pelo que outras grandes transformações em curso não aparecem no elenco
notadamente, a centralização do poder político, a emergência de instituições
políticas modernas e a consolidação do Estado. O surgimento do social também
gerou transformações no âmbito privado-doméstico, agora simbolizado pela lógica
da intimidade. Para as mudanças que redefiniram a geografia do público e do
privado no plano da intimidade e da moralidade, analisadas a partir de um de
seus componentes mais clausurados o corpo , cf. o trabalho de Emanuele
Amodio, “Vicios privados y públicas virtudes Itinerarios del eros ilustrado
en los campos de lo público y de lo privado”, in Graciela Soriano de García-
Pelayo e Humberto Njaim (eds.), op. cit., pp. 169-201.
38
23
Jürgen Habermas, História e crítica..., op. cit., p. 57.
24
Ibid., p. 110.
39
25
Utiliza-se a noção programático e suas derivações correspondentes porque em
Habermas a modernidade preserva o caráter de projeto a ser realizado; todavia,
no pensamento do autor tal aposta deve prescindir de qualquer assunção
afirmativa de conteúdos normativos quer dizer, sua proposta teórica é
“normativa” em um sentido muito peculiar. Em última análise, há um programa
defensável no cerne da modernidade, cujos pressupostos foram progressivamente
deslocados para o terreno das premissas lógicas de uma ontologia da linguagem;
o caráter formal de tais estruturas lógicas tornou possível, para o pensador
alemão, se desprender do espinhoso problema dos conteúdos. Não é fortuito que
os desdobramentos de seu programa de pesquisa, no campo das teorias das
democracia, tenha chegado a sua afamada concepção da soberania como
procedimento. Rawls assinalou corretamente o iniludível teor metafísico de uma
lógica como a habermasiana, que visa desvendar os pressupostos estruturais do
que existe, embora tal existir seja reconduzido à pragmática universal “[...]
dos seres humanos engajados na ação comunicativa”. (John Rawls, “Resposta
a...”, op. cit., 1.2.) Cf. Jürgen Habermas, “?Qué significa pragmática
universal?”, (1976) in Jürgen Habermas, Teoría de la acción comunicativa:
estudios y complementos previos, (1984) pp. 299-368; também, Jürgen Habermas,
“La soberanía popular como procedimiento Un concepto normativo de lo
público”, (1989) in María Herrera (coord.), Jürgen Habermas..., op. cit., pp.
27-58.
26
Os custos desse percurso também foram frisados por John Keane, em La vida
pública y el capitalismo tardío Hacia una teoría socialista de la democracia
(cf. pp. 214, 228-34); v. g.: “Sua valiosa defesa [de Habermas] das formas
alternativas de vida pública [...] é contradita pelo modo de argumentação
reconstrutiva, abstrata e formal que sustenta o projeto, especialmente na sua
40
fase mais recente.” (p. 232) Antoni Domènech defende opinião semelhante: “É
típico da posterior evolução de Jürgen Habermas carregar as tintas na ‘boa
intenção normativa’ em detrimento da exploração de seu possível encaminhamento
material.” Op. cit., p. 26.
27
Jürgen Habermas, Historia y crítica..., op. cit., p. 74.
28
Ibid., pp. 92-3.
41
29
Ibid., pp. 115-23
30
De certa forma, Koselleck representa um contra-exemplo nesse ponto, pois,
preocupado como a relação entre crítica e crise política, enfatizou o papel dos
casos francês e alemão.
31
Jürgen Habermas, Historia y crítica..., op. cit., p. 101.
42
interesse geral, que essa opinião pôde passar por opinião pública
e racional possibilitada pelo raciocínio do público [...] À
base do progressivo domínio de uma classe sobre a outra, esse
domínio desenvolve, contudo, instituições políticas cujo sentido
objetivo admite a idéia de sua própria superação: veritas, non
auctoritas facit legem; a idéia da dissolução da dominação
naquela leve coação que apenas se impõe na evidência vinculante
de uma opinião pública.” 32 A passagem da frase “auctoritas facit
legem”, formulada por Thomas Hobbes, para sua subversão em
“veritas non auctoritas facit legem” “a verdade, não a
autoridade, é que faz a lei” , ilustra de forma sintética a
introdução da razão identificada com a sociedade como única fonte
de legitimação do poder e de suas decisões, em face das formas
pré-burguesas de domínio público, nas quais a legitimidade da lei
era emanação direta da autoridade.
32
Ibid., p. 122.
43
33
Ibid., pp. 173-260.
34
Para uma análise elucidativa da forma como a filosofia política moderna tem
elaborado e cercado, mediante o esforço do conceito, os riscos da subordinação
do público sob o império do privado particularmente no plano do exercício do
poder , cf. Marilena Chaui, “Público, privado, despotismo”, in Adauto Novaes
(org.), Ética, pp. 345-90, especificamente, pp. 357-81.
44
35
Jürgen Habermas, “La soberanía popular como...”, op. cit., p. 36.
36
Cf. o extraordinário trabalho de Robert Castel, Las metamorfosis de la
cuestión social Una crónica del salariado, (1995) pp. 29-69 e 158-267. Para
uma síntese do próprio autor quanto aos conceitos fundamentais que articulam a
análise desse livro, cf. Robert Castel, “De l’indigence à l’exclusion, la
désaffiliation Précarité du travail et vulnérabilité relationnelle”, in
Jacques Danzelot (org.), Face à l’exclusion, pp. 137-68.
37
Seja dito de passagem, isso evidencia quão rudimentar tem sido o debate dos
últimos anos em torno da redefinição dos limites do Estado e do mercado, do
público e do privado, como se fosse uma espécie de equação matemática de soma
zero. Cf. Giuseppe Vacca, “Estado e mercado, público e privado”, pp. 151-64,
especialmente, pp. 160-2; Adrián Gurza Lavalle, “Por uma utopia...” op. cit.,
pp. 141-54.
45
38
Cf. Jürgen Habermas, “Los usos pragmáticos, éticos y morales de la razón
práctica”, (1988) in María Herrera (coord.), Jürgen Habermas..., op. cit., pp.
59-78.
46
39
Jürgen Habermas, A crise de legitimação no capitalismo tardio, (1973) pp.
34-8, 50-2.
40
Ibid., pp. 121-40. A principal crítica de Habermas à concepção weberiana da
legitimidade aponta para os obstáculos incontornáveis que ela erige para
resolver de forma satisfatória a relação entre verdade e legitimidade.
41
O caráter constitutivo desse vínculo suscitou em seu momento sérias críticas
à visão instrumental do Estado e à redução da questão da legitimidade ao
caráter presuntivamente formal da democracia burguesa; é claro que o
destinatário de tais críticas era uma parte do pensamento marxista e sua
“estratégia conceitual dogmática”; cf. ibid., p. 78.
42
“À proposição que os valores-metas dos sistemas sociais variam
historicamente, precisa ser acrescentada a proposição que a variação em
valores-metas é limitada pela lógica do desenvolvimento das estruturas das
visões do mundo; uma lógica que não está à disposição dos imperativos do
47
44
Ibid., p. 119.
45
Ibid., pp. 153-97.
46
Para a apresentação dessa teoria geral, cf. Jürgen Habermas, The theory of
communicative action I Reason and rationalization of society, (1981) pp.
237-337.
49
47
Cf. Jürgen Habermas, Facticidad y validez..., op. cit., pp. 439-46.
48
As três considerações expostas acerca do caráter pré-político da opinião
pública foram nitidamente expressas em diversas passagens da obra de 1962; v.
g., com respeito às duas primeiras considerações: “Conforme a suas próprias
50
intenções, a opinião pública não quer ser nem limite do poder nem o poder mesmo,
e ainda menos fonte de todo poder. Dentro de seu próprio contexto, é antes
obrigada a modificar o caráter do poder executivo, da própria dominação.”
Jürgen Habermas, Historia y crítica..., op cit. pp., 117-8. Para a terceira
consideração, cf. ibid., pp. 80-8
49
Jürgen Habermas, Facticidade y validez..., op. cit., p. 441.
51
50
Bobbio gosta de se utilizar das dicotomias como expediente analítico para
mapear e ordenar as discussões mais espinhosas da filosofia política; cada
dicotomia em sentido descritivo vem acompanhada de usos axiológicos em sentido
prescritivo. Cf. Norberto Bobbio, Estado, gobierno y sociedad Por una teoría
general de la política, (1985) pp. 11-38, especialmente pp. 22-30.
53
51
Hannah Arendt, op. cit., p. 49. Também: “Desde o momento do auge da
sociedade, da admissão da família e das atividades próprias à organização
doméstica na esfera pública, uma das características notáveis da nova esfera tem
sido uma irreversível tendência a crescer, a devorar as mais antigas esferas do
político e do privado, assim como a da intimidade, mais recentemente
estabelecida.” (ibid. p. 56)
54
52
Para uma apresentação do pensamento de Luhmann, pode-se consultar com
proveito a interessante análise de Javier Torres Nafarrate, “Galáxias de
comunicação O legado sociológico de Niklas Luhmann”, pp. 144-61. Uma análise
particularmente elucidativa para o assunto que aqui interessa, isto é, focada
na concepção da opinião pública e do público no autor, foi desenvolvida por
Nora Rabotnikof, em El espacio público..., op. cit., pp. 216-67.
53
Cf. Niklas Luhmann, Sistemas sociales Lineamientos para una teoría
general, (1984) pp. 405-34.
55
54
Niklas Luhmann, “The representation of society within society”, (1987) in
Niklas Luhmann, Political theory in the welfare state, pp. 18-9. A obra já foi
referida aqui na sua versão em castelhano, mas a tradução para o inglês
incorporou esse artigo que não constava da edição original.
56
55
Cf. Giancarlo Corsi, Elena Esposito e Claudio Baraldi, Glosario sobre la
teoría social de Niklas Luhmann, (1996) pp. 128-31.
57
56
Reinhart Koselleck, Le règne de la critique, (1959) pp. 13-9.
57
“Apoiada na magistratura e nos militares, a monarquia construiu acima das
religiões um campo de ação racional determinado pelo Estado e pela política. Do
ponto de vista social, as monarquias permaneceram atreladas às classes
tradicionais e se esforçaram em conservá-las. Mas do ponto de vista político,
as monarquias procuraram eliminar ou neutralizar todas as instituições
autônomas. Como sistema econômico, o mercantilismo estava também às ordens da
planificação da política e do Estado. Foi dentro desse mesmo espírito que as
questões concernentes à religião e à Igreja foram tratadas em função de sua
utilidade política para o Estado, seja no quadro de uma Igreja de Estado, seja
no de uma tolerância oportuna. [§] Esse sistema encontrou expressão teórica na
razão de Estado. Constituiu-se um espaço onde a política pôde se desenvolver
fora de qualquer consideração moral.” Ibid., p. 14.
58
Na interpretação de Koselleck, o pensamento de Hobbes é eminentemente
histórico porque preocupado com a fundamentação científica de repostas
orientadas para a ação: conjurar a guerra civil. O tratamento filosófico das
principais características políticas do século XVII e segundo parece insinuar
Koselleck a irrupção da guerra em 1789 evidenciam a pungência e o vigor dos
diagnósticos do filósofo inglês. Cf. ibid., pp. 19-33, 157-60. Para uma análise
dedicada na íntegra ao papel fundamental das guerras religiosas no pensamento
de Hobbes, em interpretação consoante com a de Koselleck, cf. Renato Janine
Ribeiro, “Thomas Hobbes o la paz contra el clero”, in Atilio A. Boron (comp.),
La filosofía política moderna de Hobbes a Marx, pp. 15-40.
58
59
As duas formações sociais privilegiadas por Koselleck como tipos altamente
representativos da incursão dissimulada das novas elites no espaço público
ilustram bem suas preocupações intelectuais: as lojas maçônicas subtraíram-se
da luz pública e fizeram do secreto um expediente para “[...] unir o mundo
burguês de uma forma original na sociedade” (p. 62); e a República das letras
ocultou suas feições políticas por trás da função pedagógica e de elevação
moral da arte especialmente do teatro “[...] a arte entra em cena como
antípoda da ordem estabelecida” (p. 84). Reinhart Koselleck, op. cit., pp. 55-
82 (para as lojas maçônicas) e 83-105 (para a República das letras).
60
Para o papel do segredo na conformação de uma identidade social, cf. ibid.,
pp. 62-70; para as conseqüências da cisão da política e da moral, cf. pp. 21,
32-3, 45-6, 60-1, 69, 84-7. É curioso constatar que, em outro contexto
histórico, um liberal como Karl Popper também chama a atenção para o caráter
irresponsável da opinião pública: “Por ser anônima, a opinião pública é uma
modalidade irresponsável de poder portanto, especialmente perigosa do ponto
de vista liberal.” Conjeturas e refutações, p. 381.
59
61
Para a hipocrisia como característica da Ilustração, cf. Reinhart Koselleck,
op. cit., pp. 100-5.
62
Ibid., 107-56.
63
A analogia também é assinalada por Nora Rabotnikof, cf. El espacio
público..., op. cit., p. 98. Não é fortuito que Jean Cohen e Andrew Arato,
autores centrais na redescoberta da sociedade civil, caracterizem a
interpretação de Koselleck como posicionada do ponto de vista do Estado, além
de insensível às conquistas morais da esfera pública liberal e de seu ulterior
processo de institucionalização. Cf. Civil Society and political theory, (1992)
pp. 206-10.
60
64
Richard Sennett, El declive del hombre público, (1977) pp. 15-35.
65
Ibid., pp. 41-58. Seja dito de passagem, a abordagem teórica do autor e a
conseqüente opção metodológica, centrada em uma heurística da dinâmica
subjacente à aparição em público dinâmica condensada, por exemplo, na
vestimenta ou nas regras de urbanidade , parecem ter sido entendidas de forma
apressada por Habermas, que lamenta o fato de Sennett ter se deixado guiar por
um “falso modelo”, estudando a publicidade burguesa conforme as regras da
publicidade representativa, que não mais corresponderia à lógica moderna da
nova publicidade. Cf. Jürgen Habermas, “Prefacio a la nueva...”, op. cit., p.
7. Na realidade, aquilo que é pano de fundo em Habermas, a saber, a emergência
de uma identidade social burguesa como condição de possibilidade da publicidade
moderna, é trazido ao primeiro plano por Sennett e esquadrinhado em termos
psicológicos. Cf. Adrián Gurza Lavalle, Estado, sociedad..., op. cit., pp. 156-
71.
61
66
Cf. Richard Sennett, op. cit., pp. 47-53, 137-55, 189-221 e 387-90.
67
Ibid., pp. 141-6.
68
Para Sennett, a civilidade é a nota distintiva da autêntica vida pública,
entendendo por tal, em moldes psicológicos: “[...] a atividade que protege as
pessoas entre si, permitindo-lhes, no entanto, desfrutar a companhia de
outrem. Levar uma máscara constitui a essência da civilidade. As máscaras
permitem a sociabilidade pura, afastada das circunstâncias do poder, da doença
e do sentimento privado daqueles que as usam. A civilidade tem como objetivo
proteger as pessoas de serem carregadas com o eu de outrem.” Op. cit., p. 327.
Cabe assinalar, antecipando a segunda parte deste trabalho, que a civilidade
como despersonalização da vida pública, como formalização das relações sociais,
ocupa lugar central no pensamento de Sérgio Buarque de Holanda embora mais em
sentido sociológico do que psicológico.
62
69
Richard Sennett, op. cit., pp. 63-114.
70
Ibid., p. 126.
63
71
Ibid., pp. 189-93.
72
Ibid., pp. 185-88, 221-29, 273-8.
64
73
Ibid., pp. 321-31.
74
A impotência da vida pública também pode ser caracterizada, nos termos que o
autor gosta de utilizar, como a reconfiguração da política e da vida em
comunidade sob o primado da incivilidade, isto é, como decorrência da diluição
das contenções objetivas justificadas por argumentos gerais e abstratos.
65
75
Para uma análise contemporânea dessa questão no campo da literatura teórica
da cidadania, cf. Will Kymlicka e Wayne Norman, “El retorno del ciudadano Una
revisión de la producción en teoría de la ciudadanía”, pp. 5-39;
particularmente, pp. 25-33.
67
76
Em revisão crítica do pensamento de Habermas, os autores resgataram o mundo
da vida, a publicidade e o mundo sistêmico, mas reintroduziram uma mediação
institucional entre eles: a sociedade civil corresponde a essa mediação, isto
é, constitui as instituições enraizadas no mundo da vida, que cristalizam a
espontaneidade social investindo-a de efetividade para difundir e defender seus
reclamos no espaço público. Cf. Jean Coehn e Andrew Arato, Civil society
and...., op cit., pp. 423-42. Na medida em que a proposta de ambos os autores
dirige a atenção para o conjunto de instituições representativas da sociedade
civil, viabiliza abordagens do espaço público em contextos nacionais
específicos, precisamente, pela via do estudo dessas instituições civis. Embora
parte da recente literatura latino-americana da nova sociedade civil mantenha
71
78
Cf. Adrián Gurza Lavalle, Estado, sociedad y..., op. cit., pp. 37-71.
73
79
Cf. v. g., Georges Duby, op., cit., pp. 19-21; Richard Sennett, op. cit.,
pp. 26-9; Jürgen Habermas, Historia y crítica..., op. cit., pp. 53-64.
74
80
Cf. Nora Rabotnikof, “Qué podemos esperar de la política”, entrevista
concedida a Antonella Attili, pp. 30-5; Nora Rabotnikof, El espacio público...,
op. cit., pp. 1-23.
81
Cf. Graciela Soriano de García-Pelayo, op. cit., pp. 27-62.
75
82
É nitidamente o caso da literatura da nova sociedade civil, a ser analisada
na terceira parte deste trabalho; mas há outras empreitadas de fôlego a
trabalhar com a idéia de um “espaço público não estatal”, cuja postura mais
nuançada mantém discrepâncias com essa literatura. Cf. Luiz Carlos Bresser
Pereira e Nuria Cunill Grau, “Entre el Estado y el mercado: lo público no
estatal”, in Luiz Carlos Bresser Pereira e Nuria Cunill Grau (eds.), Lo público
no estatal en la reforma del Estado, pp. 25-56; Nuria Cunill Grau, Repensando
lo público a través de la sociedad Nuevas formas de gestión pública y
representación social, pp. 23-69.
83
Cf. Stanley B. Tankel, “La importancia del espacio libre en el modelo
urbano”, in Lowdon Wingo, Ciudades y espacio El futuro del suelo urbano, pp.
43 e ss.; Mike Davis, Cidade de quartzo Escavando o futuro em Los Angeles,
pp. 205-35; Gilles Lipovetzky, “Espace privé, espace public à l’âge
postmoderne”, in Jean Baudrillard, Gilles Lipovetzky, Michelle Perrot, et al.
Citoyenneté et urbanité, pp. 105-22. Para uma tentativa de equacionar o espaço
público, da ótica do urbanismo, como espacialização do domínio do poder
público, cf. Alfredo Cilento Sarli, “Espacio ‘público’ y ‘privado’ en el medio
ambiente construido: visión de una realidad caótica desde la perspectiva de la
arquitectura y del urbanismo”, in Graciela Soriano de García-Pelayo e Humberto
Njaim, op. cit., pp. 379-412.
78
84
Cf. Adrián Gurza Lavalle, “Los misterios del orden social: de lo público, lo
político, la política y la transición democrática”, in Darío Salinas, Problemas
y perspectivas de la democracia en América Latina, pp. 69-88.
79
85
Adrián Gurza Lavalle, Estado, sociedad y..., op. cit., pp. 207-14.
86
A idéia do caráter contraditório dos interesses institucionalizado no Estado
tem sido proficuamente explorada pela literatura do welfare state. Por exemplo,
a índole conflitante desses interesses de forma extrema nas conhecidas análises
de Claus Offe sobre o Estado de bem-estar, caracterizado pelo autor como
80
podem ser consultadas em: Adrián Gurza Lavalle, “A longa transição Eleições e
regime político no México”, pp. 5-28.
88
Após o auge das expectativas depositadas nas transições democráticas latino-
americanas, que em certos casos suscitaram novas teorias da modernização de
cunho político-institucional, Guillermo O’Donnell atentou com repercussão
notável para aquilo que já tinha sido pressuposto da análise sociológica no
terceiro quartel do século XX, a saber, a existência de fatores de longo prazo
82
90
Em releitura de seu texto de 1962, trinta anos após sua publicação, Habermas
reconhece o teor “[...] demasiado simplista de meu diagnóstico de um
desenvolvimento retilíneo do público politicamente ativo até o público retraído
numa má privacidade, ‘do público discutidor da cultura até o público consumidor
de cultura’.” Entretanto, o autor introduz várias ressalvas: à época, os
estudos eleitorais e o conhecimento dos impactos da mídia sobre a audiência
eram incipientes; seu pensamento encontrava-se ainda no campo de influência da
teoria adorniana da cultura de massas; tudo o que se viu reforçado pelos
resultados pouco auspiciosos de sua pesquisa acerca dos estudantes e a
política, publicada um ano antes. Cf. Jürgen Habermas, “Prefacio a la nueva...,
op. cit., p. 18.
91
Cf. André Gosselin, “La comunicación política Cartografía de un campo de
investigación y de actividades”, in Gilles Gauthier, André Gosselin e Jean
Mouchon (comps.), Comunicación y política, pp. 9-28; Dominique Wolton, “Las
contradicciones de la comunicación política”, in ibid, pp. 110-30; Jean-Marc
Ferry, “Las transformaciones de la publicidad política”, in Jean-Marc Ferry,
Dominique Wolton, et al., El nuevo espacio público, pp.19-20. No Brasil, os
estudos sobre comunicação e política que não de comunicação política
começaram no final da década de 70 e, particularmente, registraram avanços mais
expressivos no contexto inaugurado pelas “Direitas já”, em 1984. Cf. o
elucidativo balance de Antonio Albino Canelas Rubim e Fernando Antônio Azevedo,
“Mídia e política no Brasil: textos e agenda de pesquisa”, pp. 189-216. Para um
trabalho que aponta questões próximas da comunicação política, não contemplado
nesse balanço, cf. Adalberto M. Cardoso, “Jornalistas: ética e democracia no
exercício da profissão (um survey entre jornalistas brasileiros)”, pp. 130-40.
84
92
O papel da comunicação política na intermediação entre âmbitos da realidade
sujeitos a exigências conflitantes é salientado por Alain Touraine; cf.
“Comunicación política y crisis de la representatividad”, in Jean-Marc Ferry,
Dominique Wolton, et al., op. cit., pp. 47-56. Para uma análise das
ambigüidades características da comunicação política, a contrapelo das
primeiras formulações mais otimistas, cf. Dominique Wolton, “Las
contradicciones de...”, op. cit., pp. 11-30.
85
93
Nas últimas páginas da teoria da ação comunicativa (op. cit. Vol. II, adendo
c), o autor explicita os avanços analíticos conquistados quanto ao lugar
reservado à comunicação de massas nesse arcabouço conceitual: os meios de
controle sistêmico são independentes da formação de entendimentos lingüísticos
para coordenar a ação, prescindindo da lógica do consenso; já a mídia, pertence
às formas generalizadas de comunicação que pressupõem os recursos fornecidos
pelo mundo da vida e funcionam apenas como especialização dos processos da
linguagem. Nesse sentido, diante de leituras negativas “supercontundentes” como
as de Adorno e Horkheimer, seria factível resguardar o potencial ambivalente da
mídia, na qual se conjugam tanto um potencial uso autoritário com objetivos de
controle social, decorrente de sua capacidade de “hierarquizar o horizonte das
comunicações possíveis”, quanto à expansão exponencial e abstrata dos fluxos
comunicativos ancorados no mundo da vida. Como assumido aqui, a caracterização
da mídia pela ambivalência de seu potencial apenas assinala um problema
aliás, largamente aceito que demanda ulteriores investigações. Cumpre
mencionar que a postura do autor não registrou mudanças nos últimos anos; cf.
Jürgen Habermas, Facticidad y validez..., op. cit., pp. 457-60.
94
Dominique Wolton, “La comunicación política: construcción de un modelo”, in
Jean-Marc Ferry, Dominique Wolton, et al., op. cit., p. 40. Fora da corrente da
comunicação política os diagnósticos são muito discrepantes; para uma crítica
pungente, cf. Pierre Bourdieu, Sobre la televisión, (1996) pp. 19-53 e,
particularmente, pp. 63-70; para uma interpretação cética de todos os “clichês”
críticos, cf. Gilles Lipovetzky, La era del vacío Ensayos sobre el
individualismo contemporâneo, pp. 39 e ss.
95
Cf. Adrián Gurza Lavalle, Estado, sociedad y..., op. cit., pp. 102-05.
86
8. A vida pública
96
Cf., v. g., a caracterização do campo jornalístico realizada por Pierre
Bourdieu, Sobre la..., op. cit., pp. 30-7, 49-53, 57-78 e 104-10. Na
perspectiva da comunicação política, cf. Jean Chabron, “Los medios y las
fuentes Los límites del modelo de agenda-setting”, in Gilles Gauthier, André
Gosselin e Jean Mouchon (comps.), op. cit., pp. 72-94; Dominique Wolton, “Las
contradicciones de...”, op. cit., pp. 110-30.
87
97
Cf. Clemy Machado de Acedo, op. cit., pp. 67-72 e 80-6.
88
98
Cf. Raymond Aron, As etapas do pensamento sociológico, (1967) pp. 285-93.
99
Alexis de Tocqueville, La democracia en América, (1835) pp. 472-6, 621, v.
g., “Nos povos democráticos, apenas mediante a associação podem os cidadãos
resistir o poder central [...].” (p. 629) Em refinada análise, Gabriel Cohn
aponta para a peculiaridade da síntese do pensador francês quanto ao problema
da coesão social; síntese que ilumina a idéia da arte da associação: se, de um
lado, Tocqueville abre as portas para o problema moderno do interesse como
motivo por excelência da ação; do outro, em termos clássicos, a política
aparece vinculada à questão da vontade e, nesse sentido, não é resolvida no
mero interesse individual antes, preserva a força da coesão outrora exercida
pelos vínculos morais. Cf. Gabriel Cohn, “Tocqueville y la pasión bien
comprendida”, in Atilio A. Boron (comp.), La filosofía política moderna de
Hobbes a Marx, pp. 247-67; especificamente sobre o aspecto aqui mencionado, cf.
pp. 258-61.
100
Émile Durkheim, Da divisão social do trabalho, (1893) pp. 105-9.
89
101
A facilidade e velocidade dos “mais fortes” para se organizar, em virtude da
maior disposição de recursos, das posições mais vantajosas por eles ocupadas e
da clareza imediata de seus interesses, foi explorada por Norbert Lechner, em
La conflictiva y nunca acabada construcción del orden deseado.
102
Seymour Martin Lipset, O homem político, pp. 55-60, 66-7 e 112-35; Edward
Banfield, The moral basis of a backward society.
91
103
Gabriel A. Almond e Sidney Verba, The civic culture An analytic study:
Political atitudes and democracy in five nations, (1963) pp. 126-34 e 246-65.
104
No intenso debate desse momento, sem dúvida um dos mais instigantes do
pensamento latino-americano, concorreram autores da envergadura de Ruy Mauro
Marini, José Nun, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faleto, Theotonio dos Santos,
Andre Gunder Frank, Anibal Quijano, Rodolfo Stavenhagen, Vania Bambirra e
Francisco Weffort. Para uma crítica das teorias da marginalidade centradas na
falta de participação, cf. o conhecido trabalho de Lúcio Kowarick, Capitalismo
e marginalidade na América Latina, (1973) pp. 41-56. Embora menos minuciosas,
cf., também, as análises de Manoel T. Berlinck, Marginalidade social e relações
de classe em São Paulo, (1975) pp. 15-20; e Marialice Mencarini Forracchi, A
participação social dos excluídos, (os textos são de 1972; publicados só em
1982) pp. 11-22.
92
105
Cf. Adrián Gurza Lavalle, Estado, sociedad y..., op. cit., pp. 171-9.
94
106
Richard Sennett, op. cit., p. 56. Já foi mencionado em anterior nota de
rodapé que convém manter em mente o vínculo entre civilização, impessoalidade e
espaço público, tal e como postulado pelo autor, pois há semelhanças
interessantes com algumas idéias centrais de Sérgio Buarque de Holanda.
95
A institucionabilidade, a comunicabilidade e a
societabilidade referem-se a diferentes dimensões constitutivas
do espaço público na forma de processos e, principalmente, de
capacidades. Não há qualquer pendor pela criação de neologismos
no uso dessas termos, muito menos em se tratando de expressões
tão pouco estilísticas; o intuito é salientar tanto a densidade
histórica do espaço público como matriz de possibilidades, quanto
o caráter diacrônico ou processual da sua presença na construção
e efetivação de capacidades sociais que incidem na conformação de
uma determinada ordem. Não se trata, então, do estado das
associações existentes, mas das tendências e capacidades da
consociação ou das capacidades e tendências na
institucionalização e comunicação pública de interesses. A
confluência dessas três dimensões na configuração do espaço
público é, sem dúvida, um problema de enorme complexidade,
sobretudo se levado em consideração o fato de elas estarem
constituídas por tensões e dinâmicas internas o que impede por
completo considerar a mídia, a sociedade ou o Estado como
sujeitos, quer dizer, como princípios ou blocos monolíticos de
ação homogênea. Dentro dos limites e competência desta análise,
96
107
Raymundo Faoro formula interessante definição do pensamento político como um
saber informulado: “Ela, a política que não é filosofia, nem ciência, nem
ideologia, que não se extrema na ação, nem se racionaliza na teoria, ocupa, na
verdade, o espaço do que se chama pensamento político, não necessariamente
formulável, não correntemente racionalizado em fórmulas.” (Existe um pensamento
político brasileiro? p. 12.) No mesmo sentido, Michel Debrum introduz a
diferença entre ideologia “primária” e ideologia “secundária”: a primeira, como
estratégia prática sem elaboração explícita, inerente à operação dos políticos
na esfera política; a segunda, como guardiã da anterior, como seu reforço
voltado para as justificativas universalizantes, quer dizer, para a especulação
teórica. (A “conciliação” e outras estratégias, pp. 19-20, 135-6.) Em ambos os
autores, a distinção obedece à decisão de compreender e salientar a relevância
a primazia até desse senso comum da prática política. Nestas páginas,
todavia, a noção de pensamento político-social assume apenas o significado
amplo de um pensamento não disciplinar e não rigorosamente político, isto é,
refere-se à contribuição das idéias impressas, em obras de gêneros os mais
diversos, para a consolidação de certos temas recorrentes no pensamento da
história do Brasil. O uso específico dessa noção adquirirá contornos mais
claros no transcurso da segunda parte deste trabalho, pelo que convém reter as
distinções assinaladas acima.
108
Em termos clássicos, o ethos reenvia ao plano dos valores, enquanto o pathos
remete ao plano dos afetos, apetências e emoções. O surpreendente, neste caso,
é o fato de a nota distintiva do “ethos nacional” recair no registro
tradicionalmente reservado ao pathos, o que se torna particularmente
problemático quando esse ethos é deslocado para o espaço público por intermédio
da vida pública. Cumpre esclarecer que, embora o ethos esteja referido ao plano
dos valores, não se trata de codificações explícitas do dever ser; pelo
contrário, ele opera como eticidade, como moralidade realizada ou como conjunto
de disposições naturalizadas para se agir no mundo. Cf. Angel Nebbia, “El ethos
de la sociedad capitalista”, pp. 13-7; Luis Leñero, “El ethos cultural en la
perspectiva del cambio en las nuevas generaciones de México”, pp. 109-14 (ambos
100
109
Cf. Leopoldo Zea, El pensamiento latinoamericano, (1965) pp. 102-50.
102
110
Trata-se da famosa obra do jesuíta: Cultura e opulência do Brasil por suas
drogas e minas, impresso no reino em 1711 e logo apreendido e destruído.
104
111
Cf. Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, pp. 11-33.
112
Para uma análise da imprensa nos conturbados anos que vão da independência à
regência, cf. ibid., pp. 69-95. Também Antonio Candido enfatiza a vinda da
corte como “[...] o acontecimento mais importante da nossa história
intelectual e política.” Formação da literatura brasileira Momentos
decisivos, 1o. Volume (1750-1836), (1956-1957) p. 217; cf. pp. 215-24.
105
113
Cf. Antonio Candido, Literatura e sociedade Estudos de teoria e história
literária, (1973) pp. 93-102.
114
Citado por Antonio Candido, Formção da literatura..., op. cit., 1o. volume,
p. 221; apud Correio Braziliense, vol. III, pp. 141-9 e 269-76. O periódico foi
publicado entre 1808 e 1823; cf. Nelson Werneck Sodré, op. cit., pp. 24-33.
106
115
Cf. Antonio Candido, Formação da literatura brasileira Momentos
decisivos, 2o. Volume (1836-1880), (1956-1957) pp. 11-30.
116
O segundo aspecto sói merecer maior atenção na lietratura; cf. Roger Bartra,
La jaula de la melancolía Identidad y metamorfosis del mexicano, pp. 121-5;
Dante Moreira Leite, O caráter nacional brasileiro Historia de uma ideologia,
(1954 e 1968) pp. 23-9, 32-6.
107
117
Cf. Antonio Candido, Formação da literatura..., op. cit., 1o. Volume, pp.
218-20; Nelson Werneck Sodré, op. cit., p. 11-19.
118
Cf. Renato Ortiz, A moderna tradição brasileira Cultura brasileira e
indústria cultural, pp. 23-4 e 28; também pp. 45-6.
119
Antonio Candido, Litertura e sociedade..., op. cit., p. 96.
120
Nas fileiras da maçonaria, particularmente dentro da loja Grande Oriente do
Brasil, dirigida por José Bonifácio de Andrada e Silva, o príncipe regente
escolhera para si pseudônimo pleno de ressonâncias românticas: Guatimozim à
época, grafia do último imperador asteca com sufixo reverencial (Cuauhtemoc-
tzin). Aliás, o nome do penúltimo imperador asteca Moctezuma fora
utilizado por Gomes Brandão, fundador da Sociedade dos Jardineiros na Bahia.
Cf. Paulo Prado, Retrato do Brasil Ensaio sobre a tristeza brasileira, (1927)
108
122
Refrão entoado pelas Irmãs Miranda em 1936. A citação provém do belo
trabalho de Nicolau Sevcenko, “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do
Rio”, in Nicolau Sevcenko (org.), História da vida privada no Brasil
República: da Belle Époque à Era do Rádio, p. 586; para a análise da rádio cf.,
especificamente, pp. 585-97.
123
Esse quadro mudou apenas lentamente, não apenas porque os índices de
analfabetismo continuaram superiores a 50% até meados do século, mas também
porque o império da imagem televisiva, esparsa e intimista se comparada com as
projeções nas telas do cinema, só conquistou posição de rivalidade no último
quartel do século; isto é, mais de duas décadas após a primeira emissão de TV
(1950). Para a acidentada e improvisada trajetória da TV, cf. Renato Ortiz, A
moderna tradição..., op. cit., pp. 57-64, 84-101. O auge da TV coincide com o
extraordinário boom do mercado cultural no período da ditadura mercado
fonográfico, editorial, cinematográfico e publicitário; cf. ibid., 113-48.
Também cf. Esther Hamburger, “Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no
cotidiano”, in Lilia Moritz Schwarcz (org.), História da vida privada no Brasil
Contrastes da intimidade contemporânea, pp. 440-87; especificamente pp. 444-
59.
110
124
A persistência desse dualismo hierárquico e de suas implicações para a
compreensão do espaço público foi explorada no trabalho de Eli Diniz e Renato
Raul Boschi, “O corporativismo na construção do espaço público”, in Renato Raul
Boschi, Corporativismo e desigualdade A construção do espaço público no
Brasil, pp. 11-29. Cf., também, José Murilo de Carvalho, Os bestializados...,
op. cit., pp. 9-14 e 140-60.
125
Em aguda análise, Angela de Castro Gomes reconstrói o dualismo
aproximadamente nesses termos, cf. “A política brasileira...”, op. cit., pp.
497-503.
126
Cf. Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, (1936) pp. 79-85 e 141-51.
Aliás, o autor lançou mão de alegoria das mais clássicas possíveis para figurar
o sentido radical da contraposição e o caráter trágico do compromisso
civilizador do Estado: o conflito entre Antígona e Creonte não casualmente
também invocado por Hegel como momento do desventurado caminho da consciência no
progressivo percurso da universalização da eticidade. Em poucas palavras,
malgrado as crises ocasionadas por sua intervenção racionalizadora, Buarque de
Holanda apresenta o Estado como transcendência incumbida de abolir a ordem
familiar, cujos princípios são por definição incompatíveis com qualquer forma
112
127
A sugestiva idéia do “descolamento” aparece em José Murilo de Carvalho,
“República e ética, uma questão centenária”, in Renato Raul Boschi,
Corporativismo e..., op. cit., p. 37.
128
As citações provêm de Francisco de Oliveira Vianna, O idealismo..., op.
cit., p. 222; Raymundo Faoro, Os donos..., op. cit., p. 268. No caso de Buarque
de Holanda e Gilberto Freyre, vide a nota de rodapé 125.
114
129
Em pesquisa alentada, Luiz Felipe de Alencastro demonstrou recentemente a
ausência de uma espacialização colonial unitária ou do “território colonial”;
os vínculos realmente constitutivos dos territórios decorrem do tráfico
negreiro, fundindo os interesses das áreas de compra de escravos, deste lado do
Atlântico, com as áreas de venda no continente africano isto é, há unidade
entre Bahia e Angola, mas não entre a primeira e São Paulo; daí a
“interpretação aterritorial da formação do Brasil contemporâneo”. A tese do
autor, amplamente documentada, tem desdobramentos fundamentais para o século
XIX: a independência não extinguiu a lógica endógena dos territórios e a
unidade política foi ancorada na continuidade do suprimento do trabalho escravo,
resguardado pela Casa Real dos Bragança. Cf. Luiz Felipe de Alencastro, Os
luso-brasileiros em Angola: constituição do espaço econômico brasileiro no
Atlântico Sul 1550-1700, particularmente os capítulos “O aprendizado da
colonização”, “Escravos da Guiné e escravos da terra” e “singularidade do
Brasil”.
130
Cf. Miriam Dolhnikoff, Construindo o Brasil: unidade nacional e pacto
federativo nos projetos das elites (1820-1842), pp. 3-6, 53-92. Para uma
análise do papel desempenhado pela formação lusa das elites na preservação da
unidade nacional, cf. o conhecido trabalho de José Murilo de Carvalho, A
construção da ordem A elite política imperial, pp. 15-22, 41-51, 177-83.
116
131
Charles Taylor compara as idéias modernas de “nação” e de “soberania do
povo” por compartilharem o estranho pressuposto de que ambas as identidades
precedem à organização política, que, de fato, é responsável por sua
constituição (cf. “¿Qué principio de identidad colectiva?”, pp. 133-7). No
Brasil, coube ao pensamento romântico a “largada” no esforço de inventar
simbolicamente a nação, mas ecos desse ensejo prolongaram-se até o século XX
sob temas como identidade, caráter, alma, cultura, espírito, idiossincrasia e
personalidade “nacionais” ou do “povo”. Os estudos mais conhecidos de
sistematização dessas idéias no pensamento político-social correspondem a Dante
Moreira Leite, O caráter nacional..., op. cit.; e Carlos Guilherme Mota,
Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), (1977). No plano da
historiografia, a tradição orientada pela idéia de “formação da nação” ou
“formação do Brasil” bildung , também partilha em alguma medida o
anacronismo desse pressuposto: a atribuição de um sentido “nacional” a fatos e
processos ocorridos muito antes de que a questão nacional emergisse como
problema histórico relevante.
132
O texto clássico nessa matéria foi publicado por T. H. Marshall, em 1949,
sob o título Class, citizenship and social development. Na concepção do autor,
a evolução da cidadania começou nas primeiras décadas do século XIX com os
direitos civis liberdade individual , progredindo para os direitos políticos
e, como decorrência de sua progressiva ampliação, para os direitos sociais (pp.
71 e ss.). O contraste com a experiência brasileira, onde a evolução seria
inversa, foi explorado no trabalho Desenvolvimiento de la ciudadania en Brasil,
de José Murilo de Carvalho.
117
133
Cf. Antonio Candido, Formação da literatura...., op. cit., 1o. Volume, pp.
181-4; Antonio Candido, Formação da literatura..., op. cit., 2o. Volume, pp. 11-
21; Pedro Puntoni, “A Confederação dos Tamoyos de Gonçalves de Magalhães A
poética da história e a historiografia do Império”, pp. 119-24.
134
José Murilo de Carvalho, Os bestializados..., op. cit., p. 31. É bem
conhecida a tese do autor, segundo a qual: i) a República preservou feições
oligárquicas e, embora erigida sob o ideário liberal, manteve as portas
fechadas à participação política das maiorias, relacionando-se com elas como
objeto de seus projetos de modernização; ii) o povo, altamente participativo em
eventos de seu interesse, preservou uma relação de estranhamento com as
instituições republicanas, ciente “[...] de que o real se escondia sob o
formal. Neste caso, os que se guiavam pelas aparências do formal [formas
jurídicas e institucionais] estavam fora da realidade” (pp. 159-60); e iii) os
vínculos entre o mundo formal e o mundo real ocorriam de forma híbrida, em área
cinzenta de entrelaçamento da ordem com a desordem o uso político de capangas
e capoeiras, por exemplo , configurando uma espécie de “estadania”. Cf.,
também, Angela de Castro Gomes, “República, trabalho e cidadania”, pp. 69-79.
118
135
A contrapelo das interpretações mais usuais, Elisa Reis reconstrói com
agudeza as bases republicanas da centralização do poder herdadas e aproveitadas
pelo Estado getulista. O ponto forte de sua análise reside tanto em recusar os
dualismos sociedade/Estado e interesse privado/ interesse público, quanto em
mostrar que a promoção dos interesses da oligarquia cafeeira não foi empecilho
para a consolidação do Estado, antes, firmou sua capacidade funcional e
territorial de intervenção. Cf. Elisa Reis, “Poder privado e construção de
Estado sob a Primeira Rapública”, in Raul Renato Boschi (org.), Corporativismo
e..., op. cit., pp. 43-79.
136
Eli Diniz e Renato Raul Boschi, “O corporativismo na...”, op. cit., p. 17. A
Constituição imperial de 1824, a republicana de 1891 e inclusive a revisão
constitucional de 1926 preservaram intocado o caráter privado das profissões,
sua liberdade segundo o ideário liberal; só a partir da Constituição de 1934 a
ordem econômica e social será consagrada juridicamente como área de intervenção
do Estado. Cf. o valioso trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania
e justiça A política social na ordem brasileira, (1979) pp. 15-37; cf.,
também, Sônia Miriam Draibe, “O ‘welfare state’ no Brasil: características e
perspectivas”, in Ciências sociais hoje 1989, pp. 29-41; e Marcus André B. C.
de Melo, “Atores e a construção histórica da agenda social do Estado no Brasil
(1930/1990)”, in Ciências sociais hoje 1991, pp. 270-9.
119
137
Cf. Angela de Castro Gomes, “A política brasileira...”, op. cit., pp. 524-
38.
120
138
Os alcances da expansão dos direitos sociais podem ser nitidamente
ilustrados pelos três pilares que lhe supeditavam sustentação institucional: a
carteira de trabalho, a regulamentação das profissões e o sindicato público ou
corporativo pilares cuja combinação define o bem-sucedido conceito de
“cidadania regulada”, cunhado por Wanderley Guilherme dos Santos (cf. Cidadania
e justiça..., op cit., pp. 74-9). Por outras palavras: “É o princípio do
mérito, entendido basicamente como a posição ocupacional e de renda adquirida ao
nível da estrutura produtiva, que constitui a base sobre a qual se ergue o
sistema brasileiro de política social.” Sônia Miriam Draibe, “O ‘welfare
state’...”, op. cit., p. 33. O significado e as conseqüências de longo prazo
das desigualdades entre a força de trabalho urbano e a rural, decerto
majoritária, foram exploradas em afamado texto de Francisco de Oliveira: “A
economia brasileira: crítica à razão dualista”, (1972) pp. 5-82. Para uma
análise mais recente dos efeitos da divisão entre o trabalhador urbano
legalmente reconhecido e aquele que permanecia confinado à contingência da
informalidade, cf. Alvaro Comin, “Regulação e desregulação do mercado de
trabalho no Brasil”, Relatório para a Organização Internacional do Trabalho.
139
Florestan Fernandes, “Existe um crise de democracia no Brasil”, (1954) in
Florestan Fernandes, Mudanças sociais no Brasil Aspectos do desenvolvimento
da sociedade brasileira, (1975) p. 103.
121
140
Octávio Ianni, A idéia do Brasil moderno, (1996) p. 177.
122
141
Cf. Louis Couty, A escravidão no Brasil, (1881) pp. 87-105. A frase de
Morgado de Matheus, extraída de uma carta ao Conde de Oeiras, foi citada em
belo texto de Paulo Prado acerca da decadência de São Paulo na virada do século
XVII; cf. “A decadência”, (1923) in Paulo Prado, Província & Nação. Paulística.
Retrato do Brasil, pp. 90-108, especificamente, p. 98. Cf., também, Gilberto
Freyre, Casa-grande &..., op, cit., pp. 142-3; Caio Prado Júnior, Formação do
Brasil contemporâneo, (1942) pp. 281-2.
142
Citado por Octávio Ianni, A idéia..., op cit., p. 97 apud, Gilberto
Amado, “As instituições políticas e o meio social no Brasil”, (1916).
Semelhante diagnóstico foi bastante comum na segunda metade do oitocentos, tal
e como aparece nas idéias de Silvio Romero ou de Tobias Barreto; por exemplo,
em seu “Um Discurso em mangas de camisa”, de 1877, o segundo autor asseverava:
“Entre nós, o que há de organizado é o Estado, não é a nação [...] não é o
povo, o qual permanece amorfo e dissolvido, sem outro liame entre si, a não ser
124
144
Nestor Duarte, A ordem privada e a organização política nacional, (1939) p.
87 (a segunda passagem frisada é de AGL).
145
Ibid., p. 88.
146
Cf., Sérgio Buarque de Holanda, Raízes..., op. cit., pp. 58-9, 79-92;
Fernando de Azevedo, A cultura brasileira Introdução ao estudo da cultura no
Brasil, (1943) pp. 131-2, 161-201, 220-5; Caio Prado Júnior, Formação do...,
op. cit., pp. 278-87 e 341-5.
126
147
Ibid., p. 282.
148
Ibid., p. 344; cf., também, p. 143.
127
149
Ibid., p. 355; cf., também, 337-40 e 354.
150
Sérgio Buarque de Holanda, Raízes..., op. cit., p. 150. Embora em outro
registro, Freyre também assinala o limitado papel do clero, logo subordinado
aos ditames da família patriarcal; cf. Casa-grande &..., op. cit., pp. 24, 26,
122, 130-4, 364-5.
128
151
Roberto Schwarz, Ao vencedor as batatas Forma literária e processo social
nos inícios do romance brasileiro, pp. 13-25.
152
A esse respeito, nada mas eloqüente que a omissão do problema do trabalho
escravo da Constituição de 1824. Seja dito de passagem, lidar com a brutalidade
das conveniências escravagistas, no sofisticado marco de Constituições
políticas vazadas em pressupostos normativos modernos, parece não ser tarefa
fácil de equacionar sem lançar mão da omissão ou de eufemismos que permitam
preservar a forma jurídica. Nos Estados Unidos, a necessidade política de
regular os conflitos intestinos entre o norte e o sul e, portanto, de legislar
os limites territoriais do escravismo por exemplo, Compromisso de Missouri
, eliminou o recurso da omissão; o substituto eufêmico utilizado na legislação
foi a “instituição singular”. Cf. Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e
justiça..., op. cit., pp. 17-9; Gerardo Gurza Lavalle, La gestión diplomática
de John Forsyth, 1856-1858 Las repercusiones de la crisis regional
estadounidense en la política exterior hacia México, pp. 17-26.
129
153
Em seu estudo clássico sobre a comunidade de Guaratinguetá, no Vale do
Paraíba, e no contexto dos ciclos oitocentistas da cultura do café, Maria
Sylvia de Carvalho e Franco mostra como a particular inserção dos homens livres
na sociedade lhes impedia estereotipar comportamentos vinculantes e projetar
qualquer forma de auto-organização de seus interesses; cf. Homens livres na
ordem escravocrata, (1964) pp. 33 e 56-9. Por sua vez, Laura de Mello e Souza
esmiuçou as tentativas das autoridades mineiras setecentistas no sentido de
impor alguma “utilidade” aos segmentos sociais de desclassificados, empregando-
os em diversas tarefas de índole economicamente secundária e não adequadas para
o trabalho escravo; cf. Desclassificados do ouro A pobreza mineira no século
XVIII, (1982) pp. 71-90.
154
Lúcio Kowarick, Trabalho e vadiagem A origem do trabalho livre no Brasil,
pp. 27-32; Maria Sylvia de Carvalho Franco, op. cit., pp. 60-106,
especificamente, p. 104; Laura de Mello e Souza, op. cit., pp. 64-5, 72 e 220.
155
Lúcio Kowarick, Trabalho e vadiagem..., op. cit., p. 104. A frase segue a
trilha de algumas das agudas observações de Antonio Candido: “[...] depois da
estabilização, em meados do século XVIII, [o tipo humano do aventureiro] deixou
no caipira não apenas certa mentalidade de acampamento provisório e sumário
como o sentimento de igualdade que, mesmo nos mais humildes e desfavorecidos,
faz refugar a submissão e a obediência constantes. Esta, nele, é sempre
relativa e muito precária, comparada à do negro, e mesmo à do colono europeu
130
157
Em trabalho alentado, Gunnar Myrdal reconstruiu a paradoxal disparidade
histórica entre a forte presença de um “ethos social”, de um credo político
norte-americano que desempenhou papel fundamental na construção política das
instituições democráticas nos Estados Unidos, e a mal resolvida problemática da
população negra, objeto da discriminação e iniqüidade sociais. Cf. An american
133
dilema The negro problem and modern democracy, (1944) pp. 3-25. Por sua vez,
Roberto DaMatta inspirou-se nessa obra clássica para explorar no terreno da
antropologia a “identidade do brasileiro” (cf. Carnavais, malandros e heróis
Para uma sociologia do dilema brasileiro, pp. 13-36).
134
SEGUNDA PARTE
ABERTURA
158
Há interessante paralelismo entre o Brasil e o México quanto à problemática
da configuração do espaço público no marco da construção do Estado Nacional.
Inexistem estudos comparativos, mas para o leitor brasileiro sem dúvida
resultará esclarecedora a consulta do belo trabalho de Fernando Escalante
Gonzalbo, Ciudadanos imaginarios. Memorial de los afanes y desventuras de la
virtud y apologia del vicio triunfante en la República Mexicana Tratado de
moral pública.
137
159
Entende-se por lógica do ethos a dinâmica interna que articula o conjunto
principal de argumentos presentes na caracterização do espaço público aqui
analisada. O assunto será examinado com vagar na segunda seção: “A Rapsódia do
Ethos”.
139
160
Cf., Paulo Prado, Retrato do Brasil Ensaio sobre a tristeza brasileira,
(1927) p. 74. Como será visto, a tentação de semelhantes “recuos” históricos
ainda não desapareceu por completo; v. gr., há quem sustente que “[...] algumas
das primeiras personagens ligadas à história da MPB perambulavam na corda-bamba
da malandragem: Francisco de Vacas (século XVI) [...] o poeta barroco baiano
Gregório de Matos (1636-1696) [...] ou ainda o famoso mulato modinheiro
Domingos Caldas Barbosa (1740/1800) [...].” Gilberto Vasconcellos, “A
malandragem e a formação da música popular brasileira”, in Boris Fausto (dir.),
História da civilização brasileira. O Brasil republicano 4. Economia e
cultura (1930-1964), (1977) p. 506.
142
161
Thomas Skidmore, “Onde estava a ‘Malinche’ brasileira? Mitos de origem
nacional no Brasil e no México”, p. 112. Esse tipo de anacronismo, como será
visto no decorrer das seguintes páginas, é bastante comum; cf., v. gr., Paulo
Prado a emprestar o tema da tristeza do Padre Anchieta e de frei Vicente do
Salvador: Carlos Augusto Calil, “Introdução”. In Paulo Prado, op. cit., p. 13.
162
A análise de como o inventário dos temas e traços distintivos dos textos
coloniais foram reapropriados no processo de invenção do caráter nacional pode
ser consultada no trabalho pioneiro de Dante Moreira Leite, O caráter nacional
brasileiro História de uma ideologia, (1954) pp 149-177.
163
“A Carta de Pero Vaz de Caminha Primeiro relato oficial sobre a
existência do Brasil”, escrita em 1500 e publicada só em 1817.
164
Arcade, não na acepção estrita de estética bucólica ou conjunto de
preceptivas pastorais, mas no sentido amplo definido por Antonio Candido,
isto é, como um movimento que permite englobar também a ilustração e o
143
167
É crescente a literatura a desenvolver reinterpretações de personagens,
obras e eventos historicamente consagrados em chave romântica e nacionalista
a partir do arcabouço analítico fornecido pelos estudos e teorias da
recepção. Cf. v. gr. Joaci Pereira Furtado, Uma república de leitores
História e memória na recepção das Cartas Chilenas (1845-1989); João Adolfo
Hansen, “Prefácio”. In ibid., p. 11-20; João Adolfo Hansen, “Os lugares das
palavras”. Entrevista a Joaci Pereira Furtado, Registro Caderno Especial, pp.
1-6. Caio Prado já advertia, com respeito à independência, sobre o risco de
incorrer no anacronismo por parte daqueles que iam apanhar os prenúncios
libertadores em algum momento longínquo da colonização: “Divertimento a que se
têm dedicado muitos historiadores.” Caio Prado Júnior, Formação do Brasil
contemporâneo, (1942) p. 357; cf., também, pp. 358, 363-364.
168
“Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do
Brasil sobre a Escravatura” e “Apontamentos para a civilização dos índios
bravos do Império do Brasil” ambos de 1823. José Bonifácio de Andrada e
Silva, Projetos para o Brasil. Org. Miriam Dolhnikoff, pp. 45-82 e 89-121.
169
Cf. o belíssimo artigo de Miriam Dolhnikoff, “O projeto nacional de José
Bonifácio”, pp. 121-141.
145
170
Ibid. p. 125.
171
José Bonifácio de Andrada e Silva, op. cit. p. 126 e 137, respectivamente.
172
M. Fleiuss, “O Centenário de Martius”. (1917) In Carl Friederich Philippe
von Martius, O estado do direito entre os autóctones no Brasil, pp. 1-8.
173
“Cada uma das particularidades físicas e morais, que distinguem as diversas
raças, oferece a este respeito um motor especial [...] o português se apresenta
como o mais poderoso e essencial motor. Mas também de certo seria um grande
erro para todos os princípios da historiografia pragmática, se se desprezassem
as forças dos indígenas e dos negros importados, forças estas que igualmente
concorreram para o desenvolvimento físico, moral e civil da totalidade da
população”. Carl Friederich Philippe von Martius, “Como se deve escrever a
história do Brasil”, (1845) in ibid., p. 87.
146
174
Idid. Pp. 88-89.
175
“Enquanto boa parte da elite sonhava com o embranquecimento da população por
meio da imigração européia, Bonifácio foi talvez um dos primeiros a defender a
miscigenação como fulcro da identidade nacional”. Miriam Dolhnikoff, op. cit. p.
125.
176
É claro que o debate sobre a identidade nacional contou com outras figuras
de peso; no elenco poderiam comparecer, dentre outros, Sousa Caldas, Gonçalves
Dias, José de Alencar, Gonçalves Magalhães, Adolfo de Varnhagen, Nina
Rodrigues, Sílvio Romero ou Joaquim Nabuco alguns desse autores serão
abordados no seguinte item. Dante Moreira Leite desenvolve análise breve acerca
do pensamento da identidade nacional nos românticos e em seus primeiros
críticos; cf. op. cit. pp. 164-193. Para uma análise pormenorizada do
romantismo e do nacionalismo após da independência, cf. Antonio Candido,
Formação da..., 1o. Vol., op. cit. pp. 225-251, 281-284; Antonio Candido
Formação da literatura brasileira Momentos decisivos, 2o. Vol. (1836-1880),
147
178
Cf. Octávio Ianni, A idéia do Brasil moderno, pp. 13-48, 94-101, 115-139;
Raymundo Faoro, Existe um pensamento político brasileiro?, 97-115. A
persistência de determinadas formas políticas e ideológicas, desde a
independência até o presente, fez com que Michel Debrum lhes outorga-se o
estatuto por sinal bastante controverso de arquétipos político-
ideológicos. O que Debrum chama de ideologia “secundaria” o pensamento
político-social investiria todas suas energias na produção de racionalizações
e justificativas adequadas à conjuntura na qual estar-se-ia realizando mais uma
reposição do arquétipo na ordem política. Nesse marco, a reposição de
arquétipos pelo pensamento político-social reflete esmagadora continuidade no
plano da realidade que não está pressuposta na noção de tema aqui utilizada.
Cf. Michel Debrum, “Conciliação” e outras estratégias, pp. 15-18, 121-124, 130-
148.
179
Certos traços do caráter como a tristeza, a melancolia ou a passividade; a
personificação desses ou outros traços em figuras pitorescas mas socialmente
desadaptadas como o malandro; a existência de tempos findos, nos quais imperava
uma ordem harmônica; a memória e sobrevivência residual do drama constitutivo
da nação, definido pela cisão da “alma popular” entre suas raízes e o futuro;
tudo isso, apresenta algumas das múltiplas facetas do processo de elaboração e
mitificação de arcaísmos, a partir do qual as sociedades européias esculpiram a
imagem de sua própria identidade defronte ao mundo rural gerado,
paradoxalmente, pela secular urbanização. Cf. o mordaz trabalho de Roger
Bartra, La jaula de la melancolía Identidad del Mexicano, pp. 31-138.
180
Cf. Ruy Mauro Marini, “Las raíces del pensamiento latinoamericano”. In Ruy
Mauro Marini e Márgara Millán, La teoría social latinoamericana Los orígenes.
Vol. 1, pp. 17-35.
149
181
A relação entre história, historiografia e teoria da história é complexa e
sequer há consenso quanto à pertinência de definir a escrita da história sob o
termo historiografia no sentido amplo que tem sido utilizado aqui. Porém, é
claro que as teorias da história trabalham com um campo de problemas de índole
particularmente abstrata e universal as condições de possibilidade da
apreensão da história e, nesse plano, distinções como as realizadas acima são
reenviadas a sofisticadas discussões sobre a própria definição da história e
dos limites e recursos da historiografia. Cf. Carlos Mendiola Mejía,
“Distinción y relación entre la teoría de la historia, la historiografía y la
historia”, pp. 171-182.
150
182
Embora seja pertinente se pensar em termos analíticos a relação
tema/problema, não é plausível que historicamente apareça apenas um problema,
mas um conjunto interdependente e articulado de problemas relevantes em um
período histórico determinado. Nesse sentido e sem maiores pretensões
conceituais é introduzida aqui a noção “horizonte de problemas”. O conceito de
“problemática” traduz de forma nítida essa questão, todavia, seu registro
semântico encontra-se muito construído e normalmente atrelado a discussões de
índole epistemológica ou metodológica. Para uma discussão teórica acerca da
caracterização de uma época por seu correspondente horizonte de problemas, cf.
a idéia de “programática político-social burguesa” em Ana María Rivadeo
Fernández, Epistemología y política en Kant Apriorismo y noumenicidad.
183
Dante Moreira Leite, op. cit. pp. 147-148.
151
184
Cf. Antonio Candido, op. cit., vol. 1, pp. 73-74, 215-224.
185
Dante Moreira Leite, op. cit., pp. 149-163.
186
Antonio Candido analisa a decadência do arcadismo dentro do processo de sua
rotinização, cf. op. cit., vol. 1, pp. 181-183, 190-204.
152
187
Ibid., p. 225.
153
188
José Gonçalves de Magalhães, “Discurso sobre a história da literatura no
Brasil”, (1836) in Afrânio Coutinho (org.), Caminhos do pensamento Crítico, p.
30. O sentido de missão é traço distintivo do romantismo; o particular, neste
caso, é que o destino superior do artista e de sua escrita ligam-se com o
destino da nação. Cf. Antonio Candido, op. cit., Vol. 2, p. 24-26; Pedro
Puntoni, “A Confederação dos Tamoyos de Gonçalves de Magalhães A poética da
história e a historiografia do império”, pp. 119-24.
189
Cf., Angela Alonso, op. cit. pp. 139-46. Isso, para não mencionar a franca
oposição de Varnhagen ao indianismo como elemento definidor da identidade
nacional: “Não será um engano, por exemplo, querer produzir efeito, e ostentar
patriotismo, exaltando as ações de uma caterva de canibais, que vinham assaltar
uma colônia de nossos antepassados só para os devorar. ” Francisco Adolfo de
Varnhagen, Florilégio da poesia brasileira, (1850-1853) in Afrânio Coutinho,
op. cit., p. 308.
154
190
Dante Moreira Leite, op. cit., p. 157.
191
Cf. ibid., pp. 164-177; Octávio Ianni, op. cit., pp. 127-139; Antonio
Candido, op. cit., vol 2, pp. 18-21.
192
Carl Friederich Philippe von Martius, op. cit., p.100. Ao respeito, Paulo
Prado lamenta a “[...] hipertrofia do patriotismo indolente que se contentava
em admirar as belezas naturais, ‘as mais extraordinárias do mundo’, como se
fossem obras do homem [...]”. Paulo Prado, op. cit. p. 161; e Nestor Duarte
afirma com sentimento semelhante: “A nossa idéia de pátria como de nação é,
155
194
Cf. Florestan Fernandes, A sociologia no Brasil Contribuição para o
estudo da sua formação e desenvolvimento, pp. 31-44.
195
Ibid., p. 34.
196
Cf. Boris Fausto, História do Brasil, pp. 245-248; Cruz Costa, Pequena
história da República, pp. 11-26.
157
197
Sérgio Buarque de Holanda, op. cit. pp. 189-193.
198
Cf. Dante Moreira Leite, op. cit. 178-179. Cabe salientar que no tratamento
da terceira fase histórica, definida por esse autor como “As ciências sociais
e a imagem pessimista do brasileiro (1880-1950)”, não há referência à tensão
que impregnou o horizonte de problemas do período, fazendo com que ele fosse
ambíguo quanto ao pessimismo assumido por Moreira Leite como feição homogênea.
Além do mais, parece inadequado que o tipo de análises que viram luz no
contexto revolucionário da década de 1930 partilhe o mesmo “pessimismo”
característico das décadas da virada do século. Cf., Carlos Guilherme Mota,
Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), Pp. 27-33.
199
Cf. Wilson Martins, História da inteligência brasileira. Vol. IV (1877-
1896), p. 34-54.
200
Ibid., p. 36.
158
201
Dante Moreira Leite, op. cit., p. 184, apud., Silvio Romero, O caráter
nacional e as origens do povo Brasileiro. (1871)
159
202
É claro que nesse momento a personalidade não tinha conquistado a
profundidade abissal consagrada na obra de Freud, que produzira sua primeira
obra sistemática só na virada do século; todavia, a psicologia nas abordagens
comportamentalistas distava de reduzir-se a simples biologia do comportamento.
160
203
Silvio Romero escreveu, além de O caráter nacional e as origens do povo
brasileiro, já citado, um capítulo sobre a psicologia nacional no seu livro
História da literatura. Cf., Dante Moreira Leite, op. cit., pp. 178-174.
204
Cf., Afrânio Coutinho, op. cit., p. 16.
161
205
João Cruz Costa, Contribuição à história das idéias no Brasil, pp. 420-423.
206
Na geração de autores cujas obras viram luz entre 1914 e 1930, além dos
três autores mencionados, João Cruz Costa salienta: Vicente Licínio Cardoso,
Ronald de Carvalho e Azevedo de Amaral (ibid. pp. 423-431). Por sua vez, na sua
afamada revisão do pensamento autoritário, Bolivar Lamounier contempla autores
como Alberto Torres e Francisco Campos, incluindo também Azevedo de Amaral e o
próprio Oliveira Vianna; cf., “Formação de um pensamento autoritário na
primeira república Uma interpretação”, pp. 345-48, in Boris Fausto (dir.), O
Brasil repulicano 2. Sociedade e instituições (1930-1977).
162
207
Cf., José Murilo de Carvalho, “república e ética, uma questão centenária”,
in Renato Raul Boschi (org.), Corporativismo e desigualdade A construção do
espaço público no Brasil, pp. 36-7. Quanto ao pensamento de Manuel Bonfim, cf.,
América Latina: Males de origem,(1905) particularmente o capítulo “As novas
sociedades Elementos essenciais do caráter; raças colonizadoras; efeitos do
cruzamento”, pp. 233-267.
208
Ibid., p. 264.
209
Dante Moreira Leite, op. cit., p. 251.
163
210
Manuel Bonfim, op. cit., pp. 267 e 240, respectivamente.
211
Os primeiros três capítulos da última obra estão dedicados a sistematizar as
propostas teóricas sobre a cultura, “passando a limpo” as idéias do próprio
autor no tocante à devida relação analítica entre fatores naturais e culturais:
“[...] a escola culturalista moderna esá [sic] reconhecendo que a ‘cultura’ não
pode explicar tudo, nem que o indivíduo seja apenas produto da cultura [§ ...]
Não esta muito longe o dia em que a sociologia terá de reconhecer na gênese
das culturas e nas transformações das sociedades não apenas o papel da
hereditariedade individual e do grande homem, mas mesmo o papel da raça. Na
verdade, tudo parece afluir para uma grande síntese conciliadora [...] passou
definitivamente a época do exclusivismos monocausalistas.” Francisco Oliveira
Vianna, Instituições políticas brasileiras, (1949) pp. 58-9.
164
212
Dante Moreira Leite, op. cit., p. 232. Em comentário que abre o balanço
final de Populações meridionais do Brasil, Leite afirma: “[...] o sentido de
toda essa elaboração confusa e contraditória, fruto de uma fantasia um pouco
desordenada, que se aproxima de certas formas de doença mental [...].” (p. 229)
213
Cf., Bolivar Lamounier, op. cit., pp. 345-48, 356-58 e 373-4.
214
Cf., Francisco Oliveira Vianna, Instituições políticas..., op. cit., pp.
149-231. Cf., também, Angela de Castro Gomes, “A política brasileira em busca
da modernidade: na fronteira entre o público e o privado”, in Lilia Moritz
Schwarcz, História da vida privada no Brasil Contrastes da intimidade
contemporânea, pp. 507-11, 518-9.
215
Francisco Oliveira Vianna, Pequenos estudos de Psychologia social, (1921) p.
17 (itálicas no original).
216
A agudeza da observação de Oliveira Vianna vale a citação por extenso: “O
que está passando no Brasil não é a degeneração do caráter nacional; é coisa
de outra natureza. O que está dando à nossa sociedade esta apparência de
corrupção e degeneração, por um lado, e, por outro, esta impressão de desalento
165
222
No caso de Caio Prado, seu primeiro trabalho é Evolução política do Brasil,
mas há quem atribua a Formação do Brasil Contemporâneo, publicado só em 1942, o
verdadeiro papel de divisor de águas na historiografia brasileira, inaugurando
o estudo dos processo materiais que depois seria consagrado sob o rubro de
história econômica. Cf. Fernando Novais, “Caio Prado Jr. na historiografia
brasileira”. In Reginaldo Moraes, Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante (orgs.),
Inteligência Brasileira, pp. 9-26; Evaldo Cabral de Mello, “‘Raízes do Brasil’
e depois”. In Sérgio Buarque de Holanda, op. cit. pp. 189-193.
223
A “desbiologização” da sexualidade é um caso particularmente elucidativo
pelo tema e pelo deslumbrante exercício de esvaziamento das premissas do senso
comum realizado por Freud; cf. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade
(1905).
171
224
Gilberto Freyre, Casa..., op. cit. p. 36 (frisado de AGL). No caso de
Buarque de Holanda, a obra em questão é normalmente caraterizada como
sociológica, o que é correto; todavia, os tipos sociológicos do autor são, a um
tempo, psicológicos; cf., Raízes do..., op. cit., pp. 40, 43, 144, 146, 148,
158, 177 e 185.
225
Moreira Leite atenta para esse papel crítico da antropologia como
“contribuição negativa” ao conceito do caráter nacional, definindo a segunda
fase como uma contribuição afirmativa desse conceito. Cabe salientar que Ruth
Benedict publicara em 1934 Patterns of culture, pois embora os livros citados
sejam dois estudos de caso amplamente conhecidos graças ao contexto da
segunda guerra mundial , embasaram-nos formulações amadurecidas na década
anterior. Op. cit. pp. 47-48, 61-69; também cf. Roger Bartra, op. cit. pp. 18-
19.
172
226
Sigmund Freud, Más allá del principio del placer, (1920) in Obras completas
de Freud vol. II; particularmente pp. 277-282, 321-342. Sem entrar no mérito
das pretensões do autor, sua obra forneceu arcabouço analítico
extraordinariamente bem-sucedido, na constituição do campo disciplinar, para
determinar os processos psíquicos como objeto de conhecimento processos
relegados à condição de “caixa preta” nas abordagens comportamentalistas da
época. Cf., Nestor Braunstein, Psicologia: ideologia y ciencia.
227
Antonio Candido, “O significado de ‘Raízes do Brasil’” (1967). In Sérgio
Buarque de Holanda, op. cit., p. 9.
173
228
Gilberto Freyre, Casa... op. cit. p. 18.
174
229
Caio Prado Júnior, op.cit., p. 348.
230
A saga de Freyre é integrada por Casa-grande & senzala Formação da
família brasileira sob o regime de economia patriarcal (1933), Sobrados e
mucambos Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano (1936) e
Ordem e progresso (1959); não fora realizado o projeto de escrever o quarto
volume intitulado Jazigos e Covas Rasas. Para a análise da constituição do
ethos público resultam particularmente relevantes as duas primeiras obras.
175
231
Por algum motivo não explicitado nos seus livros, Dante Moreira Leite (O
caráter... op. cit.) e Carlos Guilherme Mota (Ideologia... op. cit.) não
dedicam qualquer atenção ao trabalho de Nestor Duarte, A ordem privada e a
organização política nacional (1939); isso, a despeito de o seu pensamento se
enquadrar perfeitamente dentro dos temas analisados por esses autores.
177
232
Nestor Duarte, A ordem... op. cit., pp. 62-63. O autor se propõe a realizar
um ensaio político para extrair as conseqüências políticas da ordem familiar
patriarcal que em Freyre apareceria como história da intimidade e em Buarque de
Holanda como reflexão do “problema cultural brasileiro”.
233
O trabalho de Fernando de Azevedo, A cultura brasileira Introdução ao
estudo da cultura no Brasil, publicada em 1943, é normalmente assimilado à
produção sociológica da década de trinta; cf. Dante Moreira Leite, O caráter...
op. cit., p. 293; Carlos Guilherme Mota, Ideologia... op. cit., p. 75; Octávio
Ianni, A idéia... op. cit., p. 30.
178
234
Cf. Fernando de Azevedo, A cultura... op. cit., pp. 203-238; Dante Moreira
Leite, O caráter... op. cit., pp. 233-247, 250-255.
235
V. gr.: “[...] formação do caráter (‘ethos’) do brasileiro”; Gilberto
Freyre, Sobrados e Mucambos Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento
do urbano, (1936) p. 612. Ou também: “[...] ethos [...] como constantes de
valores e formas de sociedade e de cultura independentes de substâncias étnicas
e, mesmo, etnográficas [...]”; Gilberto Freyre, Problemas brasileiros de
antropologia. (1943) p. XXVII, citado em Elide Rugai Bastos, “Gilberto Freyre e
a questão nacional”, in Reginaldo Moraes, Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante
(orgs.), Inteligência Brasileira, p. 60.
179
236
Neste item, pela referência contínua às obras em análise no próprio corpo do
texto, serão utilizadas as seguintes abreviações: Casa-grande & senzala (CG&S),
Sobrados e mucambos (SeM), Raízes do Brasil (RdB), A cultura brasileira (CB), A
Ordem privada e a organização política nacional (OP).
237
Sem dúvida é possível realizar uma leitura que enfatize a oposição e não a
confluência entre o pensamento de Freyre e de Buarque de Holanda e, de fato,
não raro esses autores recebem tratamento muito diferenciado; cf. v. gr.
Nathalíe Reis Itaboraí, “A família colonial e a construção do Brasil: vida
doméstica e identidade nacional em Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e
Nestor Duarte”. Mais ilustrativa é a estranha operação mediante a qual Carlos
Guilherme Mota acusa “o pretenso modernismo da obra freyreana” (Ideologia...
op. cit., p. 55), como artífice da ideologia da cultura brasileira, sem
considerar no elenco a influente obra de Buarque de Holanda. Em sentido
semelhante, cf., também, Dante Moreira Leite, O caráter... op. cit., pp. 268-
293. É pertinente se ressalvar dos riscos das leituras retroativas que soem
181
238
Apenas a partir da não diferenciação entre o conteúdo das obras, de um lado,
e os usos, apropriações e ulteriores elaborações desse conteúdo, do outro, é
possível, por exemplo, inferir do texto a construção de um fetiche da
igualdade, cujos efeitos nocivos na mediação ideológica das relações sociais
levariam à negação do conflito. Cf. Teresa Sales, “Raízes da desigualdade
social na cultura política brasileira”, pp. 34-37. Sem negar a existência
desses efeitos, seria preciso reconhecer que eles não provêm direta e
necessariamente do corpo das obras, mas de suas reapropriações, usos e
recepções, operadas inclusive pelos próprios autores. Esse é o caso de Freyre,
que com o tempo foi enveredando por leituras e resignificações pouco rigorosas
de seus primeiros grandes trabalhos. Cf. v. gr. Gilberto Freyre, Homem, cultura
e trópico, (1962) pp. 13-29. Entretanto, no corpo de Casa-grande e senzala há
sim antagonismos, mas a supremacia do social sobre o político, da sociedade
sobre o Estado que fizera de Freyre um autor de veia democrática diante do
pensamento autoritário , leva a sua resolução no seio da sociedade sem a
mediação do momento político, que conferiria a esses antagonismos feições de
conflito. Cf. v. gr. Valeriano Mendes Ferreira Costa, “Vertentes democráticas
em Gilberto Freyre e Sérgio Buarque”, pp. 231-2, 235-6. O caso de Raizes do
Brasil é mais evidente, pois a sociabilidade do homem cordial não é
igualitária, porém, terrivelmente hierárquica.
183
239
A relevância da estruturação da sociedade colonial pode parecer óbvia na
atualidade, pois encontra-se já assentada como parte do “senso comum
acadêmico”; entretanto, não necessariamente deve ser assim e nem sempre foi
assim, pois a importância das experiências coloniais não é auto-evidente à
margem dos processos de construção historiográfica dessa evidência. Cabe
lembrar, como contra-exemplo, que o caráter demiúrgico atribuído à revolução
mexicana opacificou a herança colonial e oitocentista na configuração da
sociedade e do Estado pós-revolucionários. Três momentos de virada na linhagem
historiográfica voltada à análise da formação do Brasil, a partir do primado
estrutural da época colonial, decorrem das obras de Caio Prado Jr.,
Formação..., op. cit.; Fernando A. Novais, Portugal e Brasil na crise do antigo
sistema colonial (1777-1808); e Luiz Felipe de Alencastro, Os lusobrasileiros em
Angola: constituição do espaço econômico brasileiro no atlântico sul 1550-1700.
240
Ainda mais contundente, Duarte acredita que o Brasil constituiu um espaço de
reprodução aprimorada e mais autêntica de certos traços da herança lusa, e por
isso afirma que o ensejo da edificação civil e política da colônia “Foi em que
Portugal continuou mais português no Brasil”. (OP p. 2)
184
241
V. gr., em Gonçalves Magalhães é possível ler: “O Brasil, descoberto em
1500, jazeu três séculos esmagado debaixo da cadeira de ferro, em que recostava
um Governador colonial como todo o peso de sua insuficiência, e de seu orgulho.
Mesquinhas intenções políticas, por não dizer outra coisa [...].” (“Discurso
sobre...”, op. cit., p. 28) Em Joaquim Nabuco: “[...] Portugal descarregava no
nosso território os seus criminosos, as suas mulheres erradas, as suas fezes
sociais todas, no meio das quais excepcionalmente vinham emigrantes de outra
posição [...].” (O abolicionismo, (1883) p. 98)
242
O argumento da precariedade das condições nas quais se realizou a empreitada
colonial também aparece em Freyre como a razão que “[...] dá à colonização dos
portugueses um caráter de obra criadora, original, a que não pode aspirar nem a
dos ingleses na América do Norte nem a dos espanhóis na Argentina”. (CG&S
p.112) Contudo, tanto em Buarque de Holanda como em Freyre, a revalorização
dessas qualidades dista muito da simples apologia, visando estabelecer o pólo
“positivo” das tensões que articulam a matriz cultural lusa. É comum serem
atribuídas a Freyre intenções encomiásticas, embora sejam bastante azedas suas
críticas à “tradição pegajenta de inépcia, de estupidez e de salacidade” do
português. (CG&S p.356 e ss.) Cf. Elide Rugai Bastos, “Gilberto...” op. cit.,
particularmente, pp. 48-57; Hermano Vianna, “Equilíbrio de antagonismos”, pp.
21-22.
185
243
Após declarar a insuficiência dos estudos e monografias “quase sempre
ligadas às condições geográficas e às três raças” para desenvolver “uma
psicologia política e social do povo brasileiro”, Azevedo lança mão da tradição
ibérica, acompanhando de perto o argumento de Buarque de Holanda, e explica
mediante esse recurso tanto a falta de coesão social como a constante
resistência à concentração política (CB pp. 205, 221).
186
244
“A bem dizer, essa solidariedade, entre eles [espanhóis e portugueses],
existe somente onde há vinculação de sentimentos mais do que relações de
interesses no recinto doméstico ou entre amigos. Círculos forçosamente
restritos, particularistas e antes inimigos que favorecedores das associações
estabelecidas sobre plano mais vasto, gremial ou nacional”. (RdB p. 39)
187
245
Azevedo adscreve explicitamente a tese de Buarque de Holanda no que diz
respeito à supremacia inconteste da herança dos portugueses (p. 209), pois
“[...] sempre ficou superficial a assimilação de índios e negros pela cultura
ibérica, predominante em todos os pontos [...]” (p. 206). Entretanto, talvez
pelo fato de ele ser tributário das condições do debate estabelecidas na década
anterior, o autor dispensa qualquer tratamento à especificidade do caráter
português, limitando-se à afirmação de estar ainda por se estudar
cientificamente o resultado da interação das três culturas (p. 208). Embora em
registro diferente, porque preocupado com as conseqüências da herança lusa nas
instituições que viabilizam a vida pública, Duarte também se aproxima do
raciocínio de Buarque de Holanda quanto às feições do colonizador: “[...] o
português era e continuará a sê-lo, o que é mais mencionável, um povo
eminentemente particularista [...]” (OP p.3). Ainda mais, antecipando o
diagnóstico que em Raízes do Brasil só aparece quando da caracterização da
sociedade colonial, Duarte sustenta: “O português é mais um homem privado do
que político.” (OP p.4) E esse privatismo não se esgota no estatuto psicológico
dos traços do caráter, mas encontra estímulo e espaço propício de projeção nas
instituições políticas do Estado português, na sua organização municipal, cuja
nota distintiva é a “[...] indistinção de esferas, quando não seja o predomínio
do espírito privado sobre o público. [§§] A organização municipal prolonga,
assim, até a esfera da res-pública o conjunto e massa de interesses da vida e
da organização privada”. (OP p. 11)
246
Tradição “[...] cujos começos foram todos agrários; agrária sua formação
nacional [...]”. (CG&S p.418)
188
6. A racionalidade da açambarcagem
por dar o tom a toda a vida social [...]” (CB p.168). 247 Tutelada
247
A posição de Azevedo é, neste ponto, mais próxima de Freyre e aparece de
forma nítida em duas passagens de seu livro (CB pp. 90, 166-67).
248
É claro que se trata de efeitos indesejáveis, porém, resultam
consubstanciais a “[...] uma sociedade entregue principalmente aos elos e aos
interesses da relação territorial da propriedade, com todos os estilos próprios
e o sentimento e a mentalidade desse tipo de organização feudalizante” (OP
p.24).
190
249
Assim, para formulá-lo nos termos de Duarte, “É próprio da colônia [...] o
exercício mais do que os romanos chamavam de vida civil em contraposição à vida
pública [§] [...] a vida social da colônia é, sobretudo, vida de relação civil,
própria e exclusiva do convívio do homem com o homem e dos rendimentos e trocas
estimulados e entabulados pelas suas atividades particulares.” (OP pp. 45-46)
191
252
Na verdade, é inexato expressar que a realização dos interesses particulares
constitui a política, pois em Duarte ela é compreendida com forte conotação
deontológica, correspondendo apenas ao âmbito universal do Estado onde deve
ser dirimido o interesse geral da sociedade. A luta pela afirmação de
benefícios parciais e exclusivos, assumida em outras perspectivas analíticas
como âmago da política, é para o autor sua deturpação e negação mais do que sua
constituição.
253
A extraordinária novidade do livro clássico de Nunes Leal foi além de
documentar profusamente a dinâmica do coronelismo no plano da normas
institucionais da política e da administração governamental, introduzindo a
lógica do agente de forma sistemática. Em sua obra, o coronelismo não obedece a
qualquer forma de continuidade das raízes culturais; mais ainda, antes de ser
expressão da força do “ruralismo” ou do “privatismo” na vida nacional,
representa, na verdade, a decadência dos “senhores das terras”, submetidos pelo
poder do Estado. (Coronelismo, enxada e voto O município e o regime
representativo no Brasil, (1949) cf., pp. 62-70, 74-8). Por sua vez, Faoro
opera inversão radical nos termos usuais do debate, pois na sua interpretação
da “formação do Brasil”, o pólo privado isto é, a sociedade, o povo, as
classes aparece totalmente subjugado pela pujança e autonomia do Estado e do
estamento burocrático: “O Estado sobrepôs-se à sociedade, amputando todos os
membros desta que não pudessem ser dominados.” (Os donos do Poder Formação do
patronato político brasileiro, (1958) p. 78; cf., especialmente, pp. 8-15, 39-
45, 51-58 e 69-75). Assim, no caso de Faoro, a perversão do espaço público não
provém do pólo privado da sociedade, mas da própria forma de estruturação do
poder público.
193
254
“[...] a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do
sadismo do mando, disfarçado em ‘princípio de Autoridade’ ou ‘defesa da
Ordem’.” (CG&S p. 168) “[...] no íntimo, o que o grosso do que se pode chamar
‘povo brasileiro’ ainda goza é a pressão sobre ele de um governo másculo e
corajosamente autocrático.” (CG&S p.167)
195
255
Duarte também partilha essa concepção: “E como todo o País, no seu
ruralismo, se compôs e se definiu na órbita, no espírito e no mando dessa
classe [senhorial], foi ela que lhe deu até aqui a sua tradição, o sentido
profundo de sua psicologia, a índole de sua concepções e de seus sentimentos
coletivos.” (OP p. 108) Contudo, diferentemente de Buarque de Holanda, em
Duarte essa tradição opera na esfera política apenas mediante sua
corporificação no homem público, que se debate para se libertar desse “[...]
passado de forte peso tradicional, que o define e que o formou, esculpido-lhe
sentimentos e hábitos sociais, como costumes mentais e morais. [§] A força
desse passado há de ser naturalmente superior à força das idéias e dos
princípios abstratos.” (OP. p. 119)
256
A breve polêmica entre Cassiano Ricardo e Buarque de Holanda resultaria
sintomática daquilo que se tornou mal-entendido comum nos usos da idéia de um
“homem cordial”, como sendo representativo do bondoso “homem brasileiro”. Com
efeito, os reparos realizados por Cassiano Ricardo ao homem cordial pretendiam
demonstrar “Que a bondade (ao invés da cordialidade) é nossa contribuição ao
mundo [...]” (p. 197); isto é, a idéia que deveras exprimia o sentido do
pensamento de Buarque de Holanda não era a cordialidade mas a bondade, sempre
conciliatória e responsável por um estilo de vida criador do “[...] o máximo de
felicidade social até hoje sonhado por teorias e profetas.” (Cassiano Ricardo,
“Variações sobre o homem cordial”, p. 204). A polêmica foi publicada na revista
do Colégio, em 1948, e depois incorporada na terceira e seguintes edições de
Raízes do Brasil (1955). O debate foi eliminado da edição em circulação. O
estatuto rigorosamente etimológico e conceitual do homem cordial tem sido
negligenciado por inúmeros autores, por exemplo, Freyre considera-o como
sinônimo da “simpatia à brasileira” (SeM p. 644), e para Azevedo, voltando ao
registro da bondade como traço distintivo do brasileiro, “É uma delicadeza sem
cálculo e sem interesse, franca, lisa e de uma simplicidade primitiva [...].”
(CB p. 212)
196
257
V. gr., “De fato, o crime brasileiro é cordial: ele não guarda as
distâncias, prefere passar pelo corpo”; Contardo Calligaris, “Do homem cordial
ao homem vulgar”, p. 9.
258
“E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do
núcleo familiar a esfera por excelência dos chamados ‘contatos primários’,
dos laços de sangue e de coração está em que as relações que se criam na vida
doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social
entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em
princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas
antiparticularistas.” (RdB p.146) Na linguagem ilustrativa e involuntariamente
bem humorada de Azevedo, trata-se de “formas imprevistas de individualismo” que
estimulam o desenvolvimento de classes, “[...] não só as sociais, mas anti-
sociais, cujo individualismo agressivo tinha de forçosamente tomar o lugar à
lei e à proteção do Estado”. (CB pp.168 e 220, frisado de AGL)
197
7. Os alcances da modernização
259
Conforme salientado na primeira parte, é notável o fato de a concepção de
civilidade em Buarque de Holanda, como condição de possibilidade da política e
do espaço público modernos, coincidir com reflexões de autores da envergadura
de Norbert Elias e Richard Sennet, cujos trabalhos foram desenvolvidos algumas
décadas depois. Esse paralelismo também foi observado por George Avelino Filho,
que estende as afinidades à obra de Reinhart Koselleck; cf., “Cordialidade...”,
op. cit., cf. pp. 9-10.
198
260
Cf., Omar Ribeiro Thomaz, “Prefácio a Interpretação do Brasil”, in Gilberto
Freyre, Interpretação do Brasil.
199
261
A problemática da transição para a sociedade industrial nas dimensões
econômica, política e cultural constituíra uma das preocupações mais recorrentes
das ciências sociais até a década de 70. Octávio Ianni vai mais longe e afirma
ser esse o núcleo de problemas predominante sobre outros problemas que também
foram de principal importância como a reinterpretação da história social do
país e o caráter da revolução burguesa. Octávio Ianni, Sociologia e sociedade
no Brasil, pp. 17-18, 23-29.
262
“Mas, à base desse tipo de comportamento político [...] [a subordinação dos
interesses nacionais aos interesses de grupos] residem mais do que a
persistência de hábitos inveterados da dominação patriarcal, as profundas
transformações de estrutura que marcam, no processo de evolução social e
política, o estado agudo da crise mais grave e complexa por que já passou o
país, em toda sua história.” (CB p. 197)
263
Convém lembrar que Azevedo fora nomeado para a presidência da Comissão
Censitária Nacional e que, apesar do “apoio sem restrições” de Getúlio Vargas,
recusara a indicação, tendo de aceitar, todavia, o encargo de escrever a
introdução ao recenseamento de 1940. O livro de Azevedo contemplado nestas
páginas é, precisamente, o resultado de tal encargo. (CB pp. 21-24)
200
264
“Com a simples cordialidade não se criam bons princípios. É necessário algum
elemento normativo sólido, inato na alma do povo, ou mesmo implantado pela
tirania, para que possa haver cristalização social. A tese de que os
expedientes tirânicos nada realizam de duradouro é apenas uma das muitas
ilusões da mitologia liberal, que a história está longe de confirmar.” (RdB p.
185)
201
265
Sérgio Buarque de Holanda, “Carta a Cassiano Ricardo”, p. 213.
202
266
E conclui sem ambigüidades: “Por isso, é bem maior a sobrevivência do que
poderemos chamar o seu espirito institucional, tanto mais resistente e
arraigado quanto chegou a formar do brasileiro um tipo social próprio e que
transparece inconfundível nas nuanças de nossa psicologia social [...].” (OP p.
109)
203
267
A prolixidade de Freyre pode conduzir ao engano de se pensar que a ausência
de qualquer distinção conceitual sistemática é traço característico de sua
obra; no entanto, particularmente no que diz respeito à dissolução da ordem
patriarcal, o autor explora de forma exaustiva, no terreno da análise
descritiva, “[...] o impacto das influências individualistas, estatistas ou
coletivistas mais particularmente hostis às antigas hierarquias sociais
dominantes [...].” (SeM p. XC) Essas influências operam em diferentes níveis:
“suprapatriarcal”, ou de concentração política do poder (SeM cf. v.gr. p.305),
204
268
Elide Rugai Bastos, “Os descendentes de Prometeu”, p. 18.
269
Na medida em que não há em Freyre uma oposição intemporal entre a casa e a
rua, mas uma tensão construída por processos históricos relativamente recentes,
é incorreto o pressuposto de Roberto da Matta, segundo o qual, “[...] se a casa
está, conforme disse Gilberto Freyre, relacionada à senzala e ao mocambo, ela
também só faz sentido quando em aposição ao mundo exterior: ao universo da rua”.
Na verdade, a casa-grande e a senzala dificilmente fariam sentido por oposição
à rua. Roberto da Matta, A casa... op. cit., p. 17.
208
270
Em Alusão a Buarque de Holanda, a sua interpretação sobre o caráter
inevitável da erradicação das raízes rurais e de sua síntese: o homem cordial
, Freyre empresta a noção de personalismo, quiçá para frisar o destinatário, e
exprime: “Tudo indica que a família entre nós não deixará completamente de ser
a influência se não criadora, conservadora e disseminadora de valores, que foi
na sua fase patriarcal. O personalismo do brasileiro [...] dificilmente
desaparecerá de qualquer de nós.” (SeM p. XC)
209
271
Segundo Azevedo: “O que dela nos ficou [da sociedade rural], quase como um
resíduo transferido à vida política, foi a moral de patrões e agregados, de
senhores e escravos, formada e desenvolvida no regime social da escravidão.”
(CB p. 224) A transferência de um patriarcalismo amenizado para o âmbito da
cultura política também pressupõe, nesse autor, que as arestas mais
indesejáveis do legado rural foram e serão aparadas pelo processo de urbanização
da sociedade: “[...] defeitos ou traços de caráter, como a imprevidência, a
tristeza e o desapego da terra, intimamente ligados a determinados estágios de
nossa evolução, e destinados a desaparecer ou a alterar-se com as modificações
na estrutura social, são erroneamente atribuídos [...] como aspectos raciais e
típicos de nossa civilização.” (CB p. 208)
210
272
Já em 1949, Victor Nunes Leal, em afamada tese acadêmica para se tornar
catedrático da Faculdade Nacional de Fiosofia da Universidade do Brasil,
afirmava com destinatário certo que os problemas da política no país, seu
caráter paroquial, clientelista, patrimonial, etc., não decorriam senão de
qualidades ou problemas estruturais da configuração nacional ainda rural: “O
problema não é, portanto, de ordem pessoal, [...] ele está profundamente ligado
a nossa estrutura econômica e social”. (Coronelismo, enxada e..., op. cit., p.
59)
213
273
Dante Moreira Leite, O caráter..., op. cit., pp. 310-24; Carlos Guilherme
Mota, Ideologia... op. cit., pp. 268-70, e 278. Em livro recente e lançando mão
de boa parte do material sistematizado por Moreira Leite, Marilena Chauí volta
à crítica da ideologia do nacional; cf., Brasil Mito fundador e sociedade
autoritária.
274
Carlos Guilherme Mota, Ideologia..., op. cit., pp. 268-9.
214
275
Teresa Sales, “Raízes da...” op. cit., pp. 31-7.
276
Vera da Silva Telles, “Cultura da dádiva, avesso da cidadania”, p. 46.
216
277
Vera da Silva Telles, A cidadania inexistente: incivilidade e pobreza Um
estudo sobre o trabalho e a família na Grande São Paulo, pp. 90-1. Para outra
expressão do mesmo paradoxo, mas agora definido como crítica ferrenha das
ideologias do nacional que simultaneamente expões traços do ethos favor,
tutela, indistinção como diagnóstico do espaço público, cf. Marilena Chauí,
Conformismo... op. cit., pp. 55-6, 136-7.
278
Octavio Paz, El laberinto de la soledad, (1950) p. 66. Nessa passagem, Paz
não trata das sobrevivências do pensamento político-social empenhado na
definição da identidade nacional do qual ele é protagonista exímio , mas do
próprio processo histórico de definição dessa identidade enquanto diferença
cultural e psicológica, o que aproxima em mais de um sentido El laberinto de la
soledad de Raízes do Brasil. O primeiro livro é uma síntese, o desfecho final
de um período de novas inquietações intelectuais em torno da identidade
nacional; enquanto e segundo ocuparia mais a posição de abertura consagrada. A
despeito de a observação de Paz estar referida a processos históricos e não ao
plano do pensamento, idéia da renitência de certos “fantasmas” que, separados
de suas circunstancias vitais, passaram a assombrar o entendimento, pode ser
emprestada para ilustrar plasticamente a contínua reposição do ethos e seus
efeitos: “A persistência de certas atitudes e a liberdade e independência que
assumem diante das causas que as originaram, [...] [§] Em suma, a história
poderá esclarecer a origem de muitos dos nosso fantasmas, porém, não os
dissipará.” (Ibid.)
217
279
Eis dois exemplos e varias fontes em que tais caracterizações podem ser
conferidas: “[...] é a estrutura do campo social e do campo político que se
encontra determinada pela indistinção entre o público e o privado [...] a
sociedade civil também esta estruturada por relações de favor, tutela e
dependência, imenso espelho do próprio Estado e vice-versa”; Marilena Chauí,
Conformismo..., op. cit., pp. 55-6; cf., também, p. 136. “A vida se esgota no
próprio agente: ele gosta de perfumes e de roupas novas e bonitas, mas
emporcalha o espaço ao seu redor [...] A nem sempre clara ordenação da
apresentação pessoal não se estende ao espaço circundante e á
corresponsabilidade com aquilo que é propriamente público. Tudo se mostra,
portanto, banalizado. [[§] Por isso o privado é entre nós tão precário. Ele não
funda uma consciência social moderna e impessoal. A pessoa continua no centro
das relações sociais, não o indivíduo [...]”; José de Souza Martins, A
sociabilidade do homem simples, pp. 52-3. Em outro registro, que não o da
caracterização geral de uma sociabilidade personalista, o próprio José de Souza
Martins oferece instigante análise antropológica de formas não modernas da
geografia social do público/privado nas populações de fronteira, onde a
propriedade e a privacidade, a vida pública e o comunitário, tal e como
entendidas para o resto do país, não definem os contornos dessa geografia (“A
vida pública nas áreas de expansão da sociedade brasileira”, in Lilia Moritz
Schwarcz, História da vida privada no Brasil Contrastes da intimidade
contemporânea, cf., pp. 670-81, 684-726). Para outras interpretações
afirmativas da lógica do ethos, cf., Guillermo O’Donnell, “Situações
Microcenas da privatização do público em São Paulo”, pp. 45-52; Luis R Cardoso
de Oliveira, “Entre o justo e o solidário Os dilemas dos direitos de
cidadania no Brasil e nos EUA”, pp. 70-4 ; Luiz Eduardo W. Wanderley, “Rumos
da ordem pública no Brasil A construção do público”, pp. 98-99; Teresa
Sales, “Raízes da desigualdade...”, op. cit., pp. 26-34; Contardo Calligaris,
“Do homem...”, op. cit., pp. 8-10; João Camilo de Oliveira Torres,
Interpretação da realidade..., op. cit., pp. 35-9.
220
280
Cf., Roberto DaMatta, A casa e...., op. cit., pp. 65-95; Roberto DaMatta,
Carnavais, malandros e heróis Para uma sociologia do dilema brasileiro, pp.
21 e 179-95; Roberto DaMatta, “Um indivíduo sem rosto”, in Roberto DaMatta,
José Murilo de Carvalho, et. al. Brasileiro Cidadão?, pp. 3-21.
221
281
Guillermo O’Donnell, “Situações Microcenas...”, op. cit., p. 49 (frisado
de AGL).
222
282
Exemplo de crítica à origem concreta de distorções no espaço público,
voltada para elucidação do contexto e dos condicionamentos específicos que
geram tais distorções, pode ser encontrada nas idéias plásticas “cidadão
privado” ou “subcidadania”, desenvolvidas por Lúcio Kowarick (Escritos urbanos,
pp. 43-55, 81-95; especialmente, pp. 54 e 94). Em ambos os casos, trata-se de
denominações sintéticas para simbolizar a dinâmica das mediações presentes em
certos processos urbanos, que por sua vez afetam certas camadas da população.
Cf., também, a análise contextual de José de Souza Martins, “A vida
pública...”, op. cit., pp. 660-726.
283
Para outros trabalhos de tipo afirmativo, vide nota de rodapé 122.
284
Como atesta o caso de José Murilo de Carvalho e sua análise sobre a
inversão, no país, do paradigma clássico marshalliano sobre a evolução e
consolidação dos direitos de cidadania, o que explicaria a existência de uma
“concepção de liberdade pré-cívica” e, no limite, da “ausência de cultura
cívica”; cf., “Interesse contra cidadania”, in Roberto DaMatta, José Murilo de
Carvalho, et. al. Brasileiro... op. cit., pp. 102-3. A mesma posição fora
223
288
Roberto DaMatta, O que faz..., op. cit., pp. 11, 13 e 14, respectivamente;
também, Roberto DaMatta, Carnavais, malandros, op. cit., p. 15.
289
Roberto DaMatta, O que faz..., op. cit., p. 15.
290
Roberto DaMatta, “Um indivíduo...”, op. cit., p. 29; cf., também, Roberto
DaMatta, A casa &... op. cit., pp. 20 e 50.
291
Roberto DaMatta, Carnavais, Malandros, op. cit., p. 21, 25, 169, 178.
226
292
“Pois sendo assim, ao sair do meu domínio e desfazendo minhas relações, não
sou nada [...] O que equaciona o anonimato e a individualização (ou sua
possibilidade) como um risco e um castigo [...]”. Ibid, p. 176.
227
293
Roberto DaMatta, Carnavais, Malandros..., op. cit. pp. 146-204; cf.,
especificamente, pp. 149, 158-61, e 168.
294
Guillermo O’Donell, “E eu que com isso? Notas sobre sociabilidade e política
na argentina e no Brasil”, in Contrapontos: autoritarismo e democratização, pp.
121-53.
295
Sem se tratar propriamente de uma saga, o título provém das memórias de
viagem anterior à União Americana, publicadas sob a rubrica Gato preto em campo
de neve; ademais, aproveitando alguma de suas longas estadias nesse país, o
autor visitou a “vizinho do sul” e narrou suas impressões em livro de nome mais
austero: México.
228
296
Erico Verissimo, A volta do gato preto, pp. 170 e 388, respectivamente.
297
Dante Moreira Leite foi bastante agudo em sua crítica ao uso de “formas
estereotipadas de linguagem” como expediente para desvendar diferenças
psicológicas e culturais das sociedades; cf., O caráter..., op. cit., pp. 61-9,
96-7.
229
298
Roberto DaMatta, A casa &... op. cit., p. 85
299
Roberto DaMatta, Carnavais, malandros..., op. cit., p 195.
230
300
Aqui, tal formulação é intuitiva pelo desconhecimento dos suportes
pertinentes no campo do debate teórico da historiografia; ainda assim, a
distinção é clara para quem conhece a extraordinária relevância da
historiografia, e de outras práticas produtoras de discurso, na representação
da história no México. Diferentemente do Brasil, pode se dizer que nesse país a
representação da história, na forma de uma pedagogia da “odisséia nacional”,
desempenhou papel fundamental nas estratégias de legitimação do poder político,
o que sem dúvida contribuiu para multiplicar estímulos públicos não
desprezíveis quanto a sua influência na consolidação das artes plásticas. Nesse
terreno, Rodrigo Naves observa que, no Brasil, as artes visuais têm suscitado
menor atenção e recepção do que outras práticas estéticas como a literatura, a
poesia, a arquitetura, a música e o cinema: “De fato, talvez nenhuma outra área
artística brasileira tenha menor penetração pública.” Rodrigo Naves, A forma
difícil Ensaios sobre a arte brasileira, (1996) p. 10. Diga-se de passagem,
com intuito comparativo, que não parece fortuita a posição de privilégio
232
302
A analogia refere-se particularmente aos murais de Diego Rivera, crivados de
personagens típicos e de contrastes cromáticos. Foi a pertinente observação do
autor que desencadeou neste trabalho observações muito periféricas sobre o
vínculo entre a obra de Freyre e a questão da história como representação.
234
303
A contundência estilística dos argumentos não é coisa que possa ser
dispensada julgando-a banal. As interpretações dominantes vigoram porque há
nelas uma força que vai além do estritamente cognitivo e que pertence, pelo
menos em parte, àquilo que Gerald Holton chamou de componentes temáticos. A
beleza é um componente temático das idéias, presente não apenas no terreno do
que aqui foi denominado “representações” ou no âmbito cognitivo das ciências
sociais: o físico P.A.M. Dirac, comentando em 1925 as formulações de
Heisenberg acerca das equações de movimento, tomou posição afirmando que “uma
teoria que tem certa beleza matemática mais provavelmente será correta do que
outra feia que nos dê um guia detalhado de alguns experimentos”. Citado por
Gerald Holton, op. cit., p. 10, cf., principalmente, pp. 15-30 e 178-201.
235
304
Karl R. Popper, La lógica de la investigación científica, (1934) pp. 33-42.
238
305
Para as divergências do autor com esse “psicologismo”, cf., ibid. pp. 30-2.
306
Gaston Bachelard, A formação do espírito científico, (1938) pp. 17-28.
240
307
Ao longo destas páginas, tem se firmado sem maiores esclarecimentos a
diferença entre a “compreensão”, como esforço voltado para a problematização, e
a “explicação”, como momento de conformidade com as razões existentes. Apenas
agora, com a formulação mais precisa do raciocínio circular operado pela
introdução do ethos, adquire nitidez tal distinção. A diferença entre
“compreender” e “explicar” faz parte de uma antiga discussão epistemológica,
presente na diferenciação entre o método de pesquisa e o método de exposição em
Marx, na dualidade razão instrumental versus razão crítica da Escola de
Frankfurt e, mais recentemente, no chamado pensamento complexo crítico dos
monismos causais, temáticos e disciplinares. Cf., Edgar Morin, Introducción al
pensamiento complejo, pp. 27-35, 87-110; Alfredo Gutiérrez Gómez, Deslimitación
El outro conocimiento y la sociologia informal, pp. 195-239. Particularmente,
cf., José M. Mardones, Filosofia de las ciencias humanas y sociales
Materiales para una fundamentación científica. Nesse interessante trabalho de
reflexão filosófica, Mardones organiza a tradição do pensamento ocidental em
duas grandes vertentes, baseando-se na distinção entre a filiação às
problemáticas da compreensão ou da explicação. No caso destas páginas, a
diferenciação entre os termos “compreensão” e “explicação” guardam vínculo mais
estreito com as teses epistemológicas de Hugo Zemelman, segundo as quais existe
uma relação paradoxal entre ambos os termos, pois para se aproximar da
realidade de forma compreensiva é preciso renunciar, no primeiro momento, à
tentação de explicar. Cf. Hugo Zemelman, La totalidad..., op.cit.; e Hugo
Zemelman, Los horizontes de la razón I. Dialéctica y apropiación de
presente.
241
308
A larga presença, na história do pensamento político-social latino-
americano, de categorias que inferiorizam a realidade da qual são oriundos os
pensadores que as utilizam, já merecera inúmeras reflexões, por via de regra
em registro engajado “estrangeirismo”, “imitação”, “peregrinismo”,
“ecletismo”, “mimetismo”, “colonialismo cultural” , e em menos ocasiões em
termos analíticos “bovarismo”, “idéias fora do lugar”. Cf., é claro, Roberto
Schwarz, Ao vencedor as batatas Forma literária e processo social nos inícios
do romance brasileiro, pp. 13-25; Antonio Caso, Antologia filosófica, pp. 197-
200. Para Dante Moreira Leite, “[...] Silvio Romero foi o primeiro em enfrentar
esse problema muito curioso da história intelectual: como é que um povo
considerado inferior interpreta essa inferioridade?” (O caráter nacional...,
op. cit., p. 183) Há quem atribua a esse problema origens mais remotas, cf.,
Leopoldo Zea, América Latina y el mundo; Arturo Uslar Pietri, La creación del
Nuevo Mundo, pp. 97-154. Recentemente, a historiografia indiana tem revisitado
esse problema sob a rubrica de “subaltern estudies”, no intuito construir uma
historiografia alternativa a partir do olhar dos países coloniais; cf., Dipesh
Chakrabarty, “Historias de las minorias, pasados subalternos”, pp. 87-111;
Guillermo Zermeño Padilla, “condición de subalternidad, condición postmoderna y
saber histórico. ?Hacia una nueva forma de escritura de la historia?”, pp. 11-
47.
309
Interessante revisão acerca da constituição histórica e pressupostos do
modelo cívico moderno pode ser consultada em: Fernando Escalante Gonzalbo,
Ciudadanos imaginarios..., op. cit., pp. 32-48.
310
Nestor Duarte, A ordem privada..., op. cit., p. 116.
242
311
De fato, “A descoberta começa com a percepção da anomalia [...]”, para dizê-
lo com a formulação clássica de Kuhn acerca a transformação e ampliação da
ciência normal. Thomas S. Kuhn, La estructura de las revoluciones científicas,
p. 93.
312
Os pressupostos normativos da noção “anomalia” foram explorados com
extraordinária pertinência por Georges Canguilhem, particularmente se
considerado o escopo disciplinar de sua obra Le normal et le pathologique (cf.,
pp. 76-95).
243
313
Não raro, a expressão de Schwarz “nacional por subtração”, que dá nome ao
segundo ensaio de seu livro Que horas são?, é invocada para questionar o
pensamento de distintas caraterísticas do país como negação de certas
qualidades pressupostas como desejáveis; todavia, o uso do autor é mais
restrito, pois se refere apenas uma da vias utilizadas pelo pensamento
nacionalista para equacionar a incômoda experiência daquilo que após a
independência foi estereotipado como “artificialidade” da cultura, como seu
“vergonhoso” pendor imitativo (cf., pp. 32-3, 46-8).
314
A “anomalização” como expediente explicativo da realidade não é patrimônio
exclusivo das abordagens do espaço público aqui analisadas, nem o abuso de
semelhante recurso é nelas mais característico: “Quando , porém, temos uma
visão plástica, uma visão vertiginosa, aliás, do caráter estranhamente
paradoxal, contraditório, surrealista mesmo, da história brasileira é no estudo
de nossas revoluções [...]”; “Acreditamos, porém, que a verdadeira anomalia,
nunca estudada completamente, estará no apelo ao governo por parte das classes
patronais.”; “[...] a república foi uma anomalia [...]”; João Camilo de
Oliveira Tôrres, Interpretação da realidade..., op. cit., pp. 50, 22 e 32,
respectivamente. José de Souza Martins oferece interessante chave para refletir
sobre a banalização da anomalia, que no contexto latino-americano converteu-se
em verdadeiro cacoete do pensamento: a emergência de uma “consciência social
dupla” derivada da índole inacabada ou inconclusa de uma modernidade almejada;
consciência cujos parâmetros de autocrítica e autocompreensão têm de recorrer à
tradição, ao (in)moderno ou ao não moderno na busca da autenticidade. Nessa
perspectiva, a especificidade é apenas acessível mediante uma inversão dos
termos capaz de decompor e elucidar aquilo que costuma receber tratamento
meramente negativo: “Nossa autenticidade está no inautêntico.” José de Souza
Martins, A sociabilidade do..., op., cit., p. 35; cf., também, pp. 18, 24-5 e
28.
244
315
V. gr., José Álvaro Moisés, “Eleições, participação e cultura política:
mudanças e continuidades”, pp. 133-87; José Álvaro Moisés, “Democratização e
cultura política de massas no Brasil”, pp. 5-51. O último artigo foi revisto e
praticamente rescrito para sua publicação em: Os brasileiros e a democracia
Bases sócio-políticas da legitimidade democrática, livro em que o autor amplia
a reflexão acerca da cultura política no brasil para além do voto e do sistema
político (cf., v. gr., pp. 235-63).
247
316
Rodrigo Naves, A forma..., op. cit., pp. 9-39.
248
317
Sérgio Buarque de Holanda, Raizes do..., op. cit., p.183. Em outro trecho da
obra, o autor afirma: “Religiosidade que se perdia e se confundia num mundo sem
forma e que, por isso mesmo, não tinha forças para lhe impor sua ordem.” (p.
150)
318
Antonio Candido, O discurso e a cidade, pp. 19-54. O texto em questão é
“Dialética da malandragem”, publicado pela primeira vez em 1970. “No Brasil,
nunca os grupos de indivíduos encontraram tais formas [as de uma “sociedade
moral” como a presente na formação histórica dos Estados Unidos, cristalizada
em romances como A letra escarlate]; nunca tiveram a obsessão da ordem senão
como princípio abstrato [...].” (pp. 50-1) Cf., a esclarecedora análise de
Roberto Shwarz: “Pressupostos, salvo engano, de ‘Dialética da malandragem’.” In
Que horas..., op. cit., pp. 129-55. Nessa análise, após esmiuçar a importante
renovação trazida pelo texto de Candido para a crítica literária, Shwarz acusa
a sobrevivência de um “ethos cultural”, de um “modo de ser brasileiro”, que
aproxima esse autor das formulações clássicas de Freyre e Buarque de Holanda.
(p. 150) Aliás, se utilizando das formulações de Antonio Candido acerca da
relação entre a produção artística e a estrutura social, e sem recorrer a
análise concreta da forma na obra, Gilberto Vasconcellos ousou nova hipótese no
terreno da música popular: a sincopa ostentaria “[...] os sinas do espaço
historicamente irregular no qual se desenvolveu.” (“A malandragem e...”, op.
cit., p. 518)
249
319
Roberto Shwarz, Um mestre na periferia do capitalismo Machado de Assis,
pp. 18-27, 32.
320
Raymundo Faoro, Os donos..., op. cit., p. 271.
321
Cf., Roberto Shwarz, “Machado de Assis: um debate Conversa com Roberto
Shwarz”, pp. 59-84. Nesse debate, Shwarz frisa as similitudes entre Machado de
Assis e Charles Boudelaire: “O recurso de Boudelaire é o mesmo do Machado: ao
invés de você falar em nome próprio, com lirismo ou reflexões sinceras, você
identifica seu “eu lírico” com o lado mais abjeto da classe dominante.” (p. 63)
O ponto fora explorado por Walter Benjamin em seu livro inconcluso sobre o
poeta francês, Un poète lyrique à l’apogée du capitalisme, cujo título guarda
semelhanças evidentes com o nome da obra de Shwarz. O livro de Benjamin foi
publicado por primeira vez em 1969, e contém três ensaios nos quais o autor
explora as idéias que seriam desenvolvidas de forma sistemática em projeto mais
ambicioso sob a rubrica respeitada no título de 1969.
250
322
Uma análise autorizada sobre o valor da crítica estética de Naves pode ser
consultada em: Alberto Tassinari, “Brasil à vista”, pp. 171-76.
323
O estudo mais minucioso no trabalho de Naves está dedicado à obra de Jean
Baptiste Debret; op. cit., pp. 41-129.
324
José de Souza Martins, A sociabilidade..., op. cit., p. 25.
251
325
Bolivar Lamounier, “Formação de um...”, op. cit., p 362.
252
TERCEIRA PARTE
ABERTURA
326
Cf. Gabriel Cohn, “Razão e história”, in Tullo Vigevani, Gabriel Cohn, et
al., Liberalismo e socialismo: velhos e novos paradigmas, pp. 23-36,
especificamente, p. 29.
257
327
A denominação “literatura local” poderia encontrar sinônimos nas expressões
“literatura nacional” ou “literatura brasileira”; prefere-se a primeira opção
porque enfatiza o vínculo com os termos do debate teórico internacional já
consagrados e porque evita a pressuposição de existir algo de tipicamente
“brasileiro” ou “nacional” na apropriação desse debate “artificialismo das
idéias”, “dependência intelectual”, “inadequação dos conceitos” ou até uma
conjuntura intelectual exclusivamente nacional.
258
328
V. g., Ilse Scherer-Warren, Maria da Glória Gohn, Ana Amélia da Silva, Liszt
Vieira, entre outros; além dos autores que contribuem direta ou indiretamente
ao debate a partir de posições críticas.
260
329
Neste item apresenta-se breve resumo de argumentos explorados com maior
vagar em outro trabalho, entretanto, minuciosa avaliação das idéias ali
sustentadas, à luz de novas leituras, levou ao abandono de algumas posturas e a
reformulações aqui incorporadas. Cf. Adrián Gurza Lavalle, “Crítica ao modelo
da nova sociedade civil”, pp. 121-35.
330
Cf. Niklas Luhmann, “The representation of society within society”, in
Niklas Luhmann, Political theory in the welfare state, pp. 11-9.
263
331
Citado por Jürgen Habermas, Historia y crítica de la opinión pública - La
transformación estructural de la vida pública, p. 150 (tradução de AGL, também
as outras passagens traduzidas nesta seção).
332
A expressão “famílias de argumentos da sociedade civil” provém de Michael W.
Foley e Bob Edwards, “La paradoja de la sociedad civil”, Este País, pp. 2-10.
No artigo, os autores trabalham com duas versões amplas do argumento da
sociedade civil: a primeira, cristalizada na obra de Tocqueville e herdeira de
seus traços principais; a segunda, organizada em torno àquilo que se poderia
chamar de argumento da nova sociedade civil entretanto, o campo das teorias
264
335
John Lock, Segundo tratado sobre o governo Ensaio relativo à verdadeira
origem, extensão e objetivo do governo civil, (1690) p. 67 (grifo de AGL).
336
Cf. Jean Cohen e Andrew Arato, Civil society and political theory, (1992) p.
91.
266
337
G. W. F. Hegel, Filosofía del derecho, (1821) § 75, p. 92.
338
“O fim egoísta na sua realização, condicionado assim pela universalidade,
estabelece um sistema de conexão universal pelo qual a subsistência e o bem-
estar do indivíduo e sua existência jurídica, imbricada com a subsistência, o
bem-estar e o direito de todos, cimentam-se sobre eles e apenas nessa
dependência são reais e têm segurança. Esse sistema pode ser considerado como
Estado externo, como estado da necessidade e do entendimento”. Ibid., § 183, p.
194 (grifo de AGL).
267
339
Michael W. Foley e Bob Edwards, op. cit., p. 2.
340
Alexis de Tocqueville, La democracia en América, (1835) pp. 632-5.
341
Ibid., p. 475.
342
“Os cidadãos dos Estados Unidos não têm qualquer superioridade uns sobre
outros, nem se devem reciprocamente respeito ou obediência; eles administram
268
sociedade civil não pertence aos Anais, mas a um texto posterior: “(...) as
relações jurídicas, assim como as formas de Estado, não podem ser explicadas
por si próprias, nem pela chamada evolução geral do espírito humano, que se
originam nas condições materiais de existência que Hegel, seguindo o exemplo
dos ingleses e dos franceses do século XVIII, compreendia sob o nome de
‘sociedade civil’; porém, a anatomia da sociedade tem de ser procurada da
economia política”. Karl Marx, Prefacio a la contribución a la crítica de la
economía política, (1859) pp. 36-7.
344
Seja dito de passagem, a elaboração de uma teoria da sociedade civil para
além dos puros vínculos egoísticos do mercado pressuporia, à época, sua
inserção no marco maior ou de uma racionalização da constituição da ordem
política ou de uma teoria da democracia, e, é claro, ambos os objetivos
resultam alheios à compreensão cabal do pensamento de Marx. Para uma análise
das razões pelas quais Marx abordou sistematicamente outros problemas que não
os da democracia ou do arcabouço institucional do governo democrático, cf. a
conhecida exposição de Norberto Bobbio, Qual socialismo? Discussão de uma
alternativa, pp. 21-35 e 37-54.
345
Cf., v. g., Karl Marx e Friederich Engels, La ideologia... Op. cit., pp.
35-8.
270
346
Cf. Antonio Gramsci, Cuadernos de la cárcel I, pp. 47-80. Para uma análise
dedicada na íntegra à concepção gramsciana da sociedade civil, pode ser
consultado com proveito o opúsculo: O conceito de sociedade civil trabalho
de Norberto Bobbio (1967), cuja publicação causou polêmica no meio dos marxismos
mais ortodoxos. Cf., também, Noberto Bobbio, Estado, gobierno..., op. cit., pp.
48-51. A sistematização do momento ético-polítco, em termos semelhantes aos
utilizados no parágrafo acima, aparece em ambas as obras.
271
347
Cf. Jean Cohen e Andrew Arato, Civil society..., op. cit., pp. 421-3, 433-
42, 487-91.
348
Andrew Arato, “Ascensão, declínio e reconstrução do conceito de sociedade
civil Orientações para novas pesquisas”, (1994) p. 18.
273
349
Jean Cohen e Andrew Arato, Civil society..., op. cit., p. 2. Não é gratuito
o fato de as primeiras páginas dessa obra estarem dedicadas ao esclarecimento
das divergências dos autores com o marxismo e com o neomarxismo; cf. ibid., pp.
1-4.
350
A concepção originária da publicidade em Habermas, assim como as principais
inovações no processo de sua redefinição conceitual, foi examinada na primeira
parte deste trabalho, pelo que seu conhecimento é aqui pressuposto.
351
Jean Cohen e Andrew Arato, Civil society..., op. cit., pp. 423-8.
274
352
Ibid., p. 429.
353
Ibid., pp. 430-51.
275
354
Andrew Arato, “Ascensão, declínio...”. Op. cit., p. 22.
355
Jean Cohen e Andrew Arato, Civil society..., op. cit., pp. 451-6.
276
356
Jürgen Habermas, “La soberanía popular como procedimiento Un concepto
normativo de lo público”, in María Herrera (coord.), Jürgen Habermas
Moralidad, ética y política. Propuestas críticas, p. 53.
357
Andrew Arato, “Ascensão, declínio...”, op. cit., p. 21.
277
358
Ibid., pp. 21-2.
278
359
O campo das teorias da democracia, particularmente no que diz respeito às
perspectivas discursiva (Habermas) e da sociedade civil (Arato e Cohen),
encontra-se densamente balizado pelo debate teórico das últimas décadas, cuja
complexa disposição apenas resulta cabalmente compreensível pela intervenção
constante de interlocutores de filiações as mais diversas comunitaristas,
pluralistas, participacionistas, elitistas.
279
360
A reconstrução estilizada de argumentos com o intuito de sistematizar a
crítica teve repercussões notáveis, por exemplo, no campo das teorias da
democracia: Schumpeter e sua crítica à filosofia política oitocentista,
caracterizada sob o rótulo “teoria clássica da democracia”; Macpherson e seus
quatro modelos de democracia liberal; o próprio Habermas e seus modelos da
“concepção liberal” e da “concepção republicana da democracia”. Keynes procedeu
de igual maneira quando opôs sistematicamente sua teoria geral à “teoria
clássica da economia”. Cf. Joseph Alois Schumpeter, Capitalismo, socialismo y
democracia, vol. II, pp. 321-42; C. B. Macpherson, La democracia liberal y su
época, pp. 9-34; Jürgen Habermas, “Três modelos normativos de democracia”, pp.
39-53; John Maynard Keynes, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, p.
15.
361
É claro que subsiste o problema da “vulgarização” e dos cânones para se
definirem os intérpretes qualificados; entretanto, a própria estruturação do
campo acadêmico pressupõe critérios objetivos que não são infalíveis de
hierarquização da produção intelectual. Qualquer tentativa de escapar ao
processo de regressão infinita na busca do fundamento para determinar as
interpretações qualificadas terá de lançar mão dos cânones já consolidados
nesse campo.
281
3. O contexto e o conceito
362
Cf. Ruy Mauro Marini, “La década de 70 revisitada”, in Ruy Mauro Marini e
Márgara Millán (coords.), La teoría social latinoamericana La centralidad del
marxismo, v. III, pp. 17-41; Agustín Cueva, “Reflexiones sobre la sociología
latinoamericana”. In Ruy Mauro Marini e Márgara Millán (comps.), La teoría
social latinoamericana Textos escogidos, v. III, pp. 379-97.
363
Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes. V. 2,
(1964), pp. 116-332; para outro autor altamente representativo desse momento,
cf. Gino Germani, Política y sociedad en una época de transición de la
sociedad tradicional a la sociedad de masas. (1962), pp. 147-62. Gabriel Cohn
precisa de forma nítida as implicações modernas e democráticas da “ordem social
competitiva” em Florestan Fernandes: “Mas, quando ele fala numa ‘ordem social
competitiva’, ele está pensando o competitivo em termos que envolvem uma
referência democrática, eu quase diria uma incorporação pelo viés socialista de
certos temas ao pensamento liberal, a saber, uma ordem social em que os
mecanismos de organização e funcionamento dos processos sociais assegurem a
possibilidade de acesso universal a meios, recursos e instrumentos e na qual de
alguma maneira [...] haja algo assim como a possibilidade de uma carreira
universal aberta ao mérito.” Gabriel Cohn, “Padrões e dilemas: o pensamento de
283
366
A problemática dos movimentos sociais fora equacionada em dois grandes
marcos analíticos, as teorias da mobilização de recursos, dominantes na
discussão anglo-saxônica, e as teorias marxista-estruturalista e dos novos
movimentos sociais pós-industriais , hegemônicas nas formulações provindas
da Europa continental; as últimas foram as que registraram larga presença no
debate latino-americano. Cf. Maria da Glória Gohn, Teorias dos movimentos
sociais Paradigmas clássicos e contemporâneos, pp. 211-23, 281-5. Para as
duas vertentes do paradigma europeu, cf. Manuel Castells, “Los movimientos
sociales urbanos en la vía democrática al socialismo”, (1979), in Mario
Bassols, Roberto Donoso, et al., Antología de sociología urbana, pp. 777-83;
Jordi Borja, “Movimientos urbanos y cambio político”, (1981), in ibid., pp.
801-29; Alain Touraine, “Os novos conflitos sociais para evitar mal-
entendidos”, (1983), pp. 5-18; Alberto Melucci, “Um objetivo para os movimentos
sociais?”, pp. 49-66. Para um trabalho representativo desse debate na análise
da América Latina, cf. Tilman Evers, Clarita Muller-Plantenberg e Stefanie
Spessart, “Movimentos de bairro e Estado: lutas na esfera da reprodução na
América Latina”, in José Álvaro Moisés, Lúcio Kowarick, et al., Cidade, povo e
poder, pp. 110-64. Interessante revisão dos grandes eixos de discussão em
meados da década de 70 espoliação urbana, marginalidade , nos anos 80
movimentos sociais e no começo da última década do século cidadania foi
desenvolvida por Lúcio Kowarick, “Espoliação urbana, lutas sociais e cidadania:
fatias de nossa história recente”, pp. 105-13.
367
Eugenio Tironi, “Para una sociología de la decadencia El concepto de
disolución social”, p. 12.
368
Interessante análise dessa inflexão no pensamento latino-americano, abordada
como “desorganização dos conceitos” paralela à desordem acarretada pelas
profundas mudanças ocorridas nas sociedades do Cone Sul, foi elaborada pelo
autor do conceito “identidades restringidas”, Sergio Zermeño, em La sociedad
derrotada El desorden mexicano del fin de siglo, pp. 37-45. Cf., também,
Sergio Zermeño, “Hacia una democracia como identidad restringida: sociedad y
política en México”, (1987). Em 1989, Francisco Weffort lançou mão da
sociologia da decadência para refletir acerca da “degenerescência das
sociedades latino-americanas”, adicionando às tendências de expansão da anomia
nova hipótese inspirada nos arranjos emergentes na ordem internacional: o
bloqueio de perspectivas e o sentimento da perda de futuro nessas sociedades.
Cf. “A América Latina errada”, in Francisco Weffort, Qual democracia?, (1992)
pp. 35-62.
285
369
Sérgio Costa, “La esfera pública y las mediaciones entre cultura y política:
el caso de Brasil”, p. 95.
370
Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional para o novo associativismo”,
pp. 149-51. Cumpre recordar que dentro do campo da ciência política as análises
da institucionalização da democracia foram menos “otimistas” do que a
286
literatura das transições. A esse respeito, cf. o balanço crítico elaborado por
Fernando Limongi do tipo de diagnósticos propostos pela literatura da
institucionalização: “Institucionalização política”, in Sergio Miceli (org.), O
que ler na ciência social brasileira (1970-1995), vol. III, pp. 101-55.
371
Nesse ponto há coincidência ampla entre autores, v. g.: “Alguns autores
(dentre outros Alvarez, Dagnino e Escobar; Avritzer) mostraram que as teorias
da transição, ao privilegiarem um conceito de democracia centrado unicamente na
vigência de ‘instituições’ democráticas (eleições livres, direitos civis
garantidos, normalidade da atividade parlamentar etc.), confinaram o estudo da
democratização à esfera institucional, ignorando ‘o hiato entre a existência
formal de instituições e a incorporação da democracia às práticas cotidianas
dos agentes políticos’ (Avritzer).” Sérgio Costa, “Movimentos sociais,
democratização e a construção de esferas públicas locais”, p. 121.
372
Cf. Evelina Dagnino, “Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção
de cidadania”, in Evelina Dagnino (org.), Anos 90 Política e sociedade no
Brasil, pp. 108-9; Elenaldo Celso Teixeira, “As dimensões da participação
cidadã”, pp. 191-4 e 205-7. Para uma análise breve do ponto de vista do
direito, cf. Fábio Konder Comparato, “A nova cidadania”, pp. 85-105.
287
373
Danilo Zolo, “La ciudadanía en una era poscomunista”, p. 122.
288
374
Vide supra, primeira parte, particularmente a seção “As características e o
estatuto moderno do espaço público como publicidade”.
375
Cf. Sérgio Costa, “A democracia e a dinâmica da esfera pública”, pp. 57-61;
Sérgio Costa, “Atores da sociedade civil e participação política: algumas
restrições”, pp. 63-9.
289
376
Cf. Leonardo Avritzer, “Um desenho...”, op. cit., pp. 168-71; Leonardo
Avritzer, “Além da dicotomia Estado/mercado Habermas, Cohen e Arato”, pp.
220-2.
290
377
São pouco comuns as análises da literatura da nova sociedade civil a
conjugarem simultaneamente os três aspectos vida política, vida pública e
mídia no diagnóstico da configuração do espaço público no Brasil: Sérgio
Costa expôs interessante estudo de caso em “Movimentos sociais...”, op. cit.,
pp. 122-9; para uma reflexão sobre a interação entre as instituições políticas
e a sociedade civil, informada pelo mesmo estudo de caso, cf. Sérgio Costa,
“Atores da sociedade civil...”, op. cit., pp. 61-9; para outro estudo de caso
bem mais pormenorizado, dessa feita voltado para os conflitos ambientais
suscitados no plano Brasil em Ação e seus projetos hidroviários, cf. Sérgio
Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka, “Negociando riscos, expansão viária e
conflitos ambientais no Brasil”, pp. 157-75; ainda do mesmo autor, há tentativa
mais abrangente de caracterização dos meios de comunicação de massas, no país,
em relação ao espaço público e à sociedade civil, cf. Sérgio Costa, “Contextos
da construção do espaço público no Brasil”, pp. 179-92. Reflexões mais gerais
acerca do papel da mídia na esfera pública aparecem em Leonardo Avritzer,
“Diálogo y reflexividad: acerca de la relación entre esfera pública y medios de
comunicación”, pp. 79-94; e Sérgio Costa, “La esfera pública...” op. cit., pp.
97 e 101.
378
Para um elenco exaustivo dessas manifestações concebidas como mecanismos de
participação cidadã com base legal, cf. Elenaldo Celso Teixeira, O local e o
global: limites e desafios da participação cidadã, pp. 155-86.
291
379
Tal é o caso do orçamento participativo, ou melhor ainda, porque independe
dos resultados eleitorais, da reforma do Judiciário: “[...] os movimentos
sociais ainda poderão vislumbrar no Judiciário, nesse processo de redefinição
de poderes, [...] não um órgão do Estado mas sim da sociedade civil”. Celso
Fernandes Campilongo, “Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico”,
in, José Eduardo Faria (org.), Direitos humanos, direitos sociais e justiça,
pp. 33-4.
380
Respectivamente, Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade civil: uma
análise específica do caso brasileiro”, in Leonardo Avritzer (coord.),
Sociedade civil e democratização, p. 284, (grifo de AGL); e Sérgio Costa,
“Esfera pública, redescoberta da sociedade civil e movimentos sociais no Brasil
Uma abordagem tentativa”, p. 47, (grifo de AGL).
292
381
A recorrência de tais elementos pode ser largamente constatada. Por exemplo,
em revisão da literatura acerca da nova sociedade civil, Sérgio Costa propõe
quatro traços definidores, na tentativa de oferecer uma elaboração operativa do
conceito: identidades constituídas ad hoc 1o e 3o elementos , influência
baseada na capacidade de canalizar as atenções públicas 4o elemento ,
recrutamento voluntário e livremente arbitrado 3o e a representação de
interesses formados pela emergência de problemas no mundo da vida 1o e 2o.
Sérgio Costa, “Categoria analítica ou passe-partout político-normativo: notas
bibliográficas sobre o conceito de sociedade civil”, p. 17. Cf., também, Sérgio
Costa, “A democracia e a dinâmica da esfera pública”, pp. 62-3; Sérgio Costa,
“Contextos da construção...”, op. cit., p. 183; Sérgio Costa, “La esfera
pública...”, op. cit., p. 100; Maria da Glória Gohn, Teoria dos movimentos...
op. cit., p. 301; Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional...”, op. cit.
pp. 161-8.
293
382
Respectivamente, Sérgio Costa, “Esfera pública, redescoberta...”, op. cit.,
p. 42; Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional...”, op. cit., p. 152.
295
383
Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional...”, op. cit. p. 171. Segundo o
autor, a renitência de tal fraqueza derivaria, entre outras determinantes, do
caráter homogeneizador da matriz do associativismo colonial dominado por
associações de cunho religioso e, após a independência, das feições assumidas
pelas lojas maçônicas da região incapazes de se pautarem por padrões laicos e
pluralistas (pp. 153-6). O anacronismo de tal interpretação, visto que o
associativismo e os atributos de pluralidade e autonomia do interesse
individual não são valores a-históricos, ilustra bem o ônus normativo do
conceito, ou melhor, o tipo de discriminação normativa por ele operada. Sem
recorrer à discriminação normativa, tal reconstrução histórica teria de
reconhecer, por exemplo, que o espírito associativo já fora bastante
“entusiasta” no Rio de Janeiro da Primeira República, onde as associações de
auxílio mútuo atingiram 282.937 associados aproximadamente 50% da população
de mais de 21 anos. Cf. José Murilo de Carvalho, Os bestializados O Rio de
Janeiro e a república que não foi, p. 143.
384
Sérgio Costa, “Esfera pública, redescoberta...”, op. cit., pp. 40-1. No seu
artigo sobre as esferas públicas locais em dois municípios de Minas Gerais, o
autor explicita com particular clareza o conteúdo do “projeto”: “O
fortalecimento da sociedade civil e o emolduramento de seu potencial de
representação política num contexto institucional que faça da participação
desta seu referente central de sustentação, legitimidade e estabilização
constituem, hoje, sem dúvida, o projeto político de maior visibilidade pública
da esquerda pós-marxista [...]”; Sérgio Costa, “Atores da sociedade civil...”,
op. cit., p. 70.
296
385
“E é esta a conclusão a que chegamos: a teoria dos NMS está incompleta
porque os conceitos que sustentam não estão suficientemente explicitados. O que
temos é um diagnóstico das manifestações coletivas contemporâneas [...]”. Maria
da Glória Gohn, Teoria dos movimentos..., op. cit., p. 129. Uma avaliação dos
limites dessas promessas fora desenvolvida, quase que à guisa de balanço de dez
anos de produção acadêmica sobre os novos movimentos sociais, por Tullo
Vigevani (1989), “Movimentos sociais na transição brasileira: a dificuldade de
elaboração do projeto”, pp. 93-109. Dois anos antes, em seu conhecido trabalho
A arte da associação Política de base e democracia no Brasil (1987), Renato
Raul Boschi ventilara, mediante arguta análise, a idealização e os limites da
emancipação atribuída aos movimentos sociais, cujos efeitos libertários
presuntivamente decorreriam da “desinstitucionalização” ou “não-
institucionalização” inerente a seu comportamento público (pp. 23-60). Em
entrevista concedida em 1994, Alberto Melucci salientou corretamente o papel
progressista que a literatura sociológica conferiu aos movimentos sociais: “Eu
acho que eles [os movimentos sociais conservadores] colocam questões teóricas
específicas, na medida em que questionam um certo tendenciosismo na literatura
dos movimentos sociais que sempre considerou movimentos sociais como uma coisa
boa, progressista”. Alberto Melucci, “Movimentos sociais, renovação cultural e
o papel do conhecimento”, entrevista concedida a Leonardo Avritzer e Timo
Lyyra, p. 161. Um exemplo lúcido das expectativas suscitadas pelos novos
movimentos sociais pode ser encontrado no artigo de Tilman Evers, “Identidade
A face oculta dos movimentos sociais”, pp. 11-23. Para uma crítica à idéia do
caráter “novo” dos movimentos sociais, cf. André Gunder Frank e Marta Fuentes,
“Dez teses acerca dos movimentos sociais”, particularmente, pp. 20-6.
297
386
“Neste construto teórico, os movimentos sociais são representados enquanto
atores da sociedade civil, diferenciados, entretanto, analiticamente, do
conjunto de associações peculiares a esta esfera. Eles situam-se um degrau
analítico acima das demais associações [...]”; Sérgio Costa, “Esfera pública,
redescoberta...”, op. cit., p. 46. Para reforçar o argumento: “[...]
consideramos os movimentos sociais como expressões de poder da sociedade
civil”; Maria da Glória Gohn, Teoria dos movimentos..., op. cit., p. 251.
387
Cf., v. g., a relevância desses atores institucionais em dois livros que
balizaram a reflexão em torno dos novos movimentos sociais: São Paulo: O povo
em movimento, organizado por Paul Singer e Vinicius Calderia Brant (1980); e
Quando novos personagens entram em cena Experiências, falas e lutas dos
trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980), de Eder Sader (1988).
388
Interessante exceção é o artigo de Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade
civil...”, op. cit., especificamente, pp. 282-300. Embora houvesse consenso
298
389
Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional...”, op. cit., pp. 152-3.
390
V. g., “Os movimentos sociais populares perdem sua força mobilizadora, pois
as políticas integradoras exigem interlocução com organizações
institucionalizadas. Ganham importância as ONGs [...]”; Maria da Glória Gohn,
Teoria dos movimentos..., op. cit., p. 297. Cf. Sérgio Costa, “Atores da
sociedade civil...”, op. cit., p. 71; Hélène Rivière d’Arc, “O basismo acabou?
A análise sobre a participação comunitária no Brasil (1970-90)”, p. 240-1; Luiz
Eduardo W. Wanderley, “Rumos da ordem pública no Brasil A construção do
público”, pp. 99-101.
391
Ana Amélia da Silva, “Do privado para o público ONGs e os desafios da
consolidação democrática”, p. 41. Cf. Ilse Scherer-Warren, “Organizações não-
governamentais na América Latina Seu papel na construção da sociedade civil”,
pp. 10 e 13-4; Liszt Vieira, “Sociedade civil e espaço global”,
particularmente, pp. 113-9; Ricardo Toledo Neder, “As ONGs na reconstrução do
espaço público no Brasil”, pp. 1-8.
300
392
Por exemplo, algumas iniciativas semelhantes a esse tipo de consociação
foram caracterizadas por Ilse Scherer-Warren como associações de adesão a
causas específicas ou de uma única causa e, junto com as associações sem
especificação, foram computadas na sua pesquisa sob a categoria “outros” o
que evidencia sua escassa relevância para a literatura. Cf. Ilse Scherer-
Warrem, “Associativismo civil em Florianópolis Evolução e tendências”,
trabalho apresentado no Primer Encuentro de la Red de Investigción del Tercer
Sector de América Latina y el Caribe.
301
393
É comum o esforço por delimitar a “correta” compreensão da sociedade civil e
seu papel no espaço público tanto no terreno das alternativas teóricas quanto
no plano das interpretações correntes nas últimas duas décadas no Brasil. Cf.
Leonardo Avritzer, “Além da dicotomia...”, op. cit., pp. 215-20; Leonardo
Avritzer, “Modelos de sociedade civil...”, op. cit., pp. 294-300; Sérgio Costa,
“A democracia e a dinâmica...”, op. cit., pp. 55-61; Sérgio Costa, “La esfera
pública...”, op. cit., pp. 93-106; Sérgio Costa, “Categoria analítica ou...”,
op. cit., pp. 7-10 e 12-6.
394
Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade civil...”, op. cit., p. 299.
395
O deslinde, nesse caso, é com respeito à perspectiva representada pelo
conhecido trabalho de Wanderley Guilherme do Santos, As razões da desordem, pp.
302
77-115; mas também inclui posições como a de Fábio Wanderley Reis, “Cidadania,
mercado e sociedade civil”, in Eli Diniz, José Sérgio Lopes e Reginaldo Prandi
(orgs.), O Brasil no rastro da crise, pp. 328-43. Para uma crítica do segundo
autor, em termos semelhantes, cf. Sérgio Costa, “La esfera pública...”, op.
cit., pp. 101-3.
396
As referências nem sempre são explícitas, mas de qualquer maneira atingem
abordagens da sociedade civil claramente representadas por autores como Carlos
Nelson Coutinho, A democracia como valor universal e outros ensaios, pp. 21-49;
Francisco Weffort, Por que democracia?, pp. 93-7; Eder Sader, Quando novos
personagens..., op. cit., pp. 30-7.
397
Renato Raul Boschi, A arte..., op. cit., pp. 141-61; para as outras
referências, ver as duas notas de rodapé anteriores. É ilustrativo o fato de o
termo sociedade civil aparecer no trabalho coordenado por Lúcio Kowarick e
Vinicius Caldeira Brant, em 1975, mas sem receber ainda qualquer tratamento
conceitual específico; cf. São Paulo...., op. cit., pp. 147-55.
398
Convém mencionar que hoje existem outras interpretações da sociedade civil
não enquadráveis dentro dos pressupostos da literatura aqui analisada. cf., v.
g., Vera da Silva Telles, “Sociedade civil e construção de espaços públicos”,
303
400
A caracterização normativa da sociedade civil, como representante de
“interesses gerais”, e a construção quase tipológica de sua oposição ao mundo
institucional e organizativo da política, enquanto reino dos interesses
particularistas compreendidos os interesses econômicos e políticos que se
exprimem nesse mundo , encontram-se largamente difundidas na literatura. As
idéias expostas neste e nos dois próximos parágrafos, quando não referidas
explicitamente, podem ser consultadas, entre outros, nos seguintes trabalhos:
Sérgio Costa, “A democracia e a dinâmica...”, op. cit., pp. 62-3; Sérgio Costa,
“Contextos da construção...”, op. cit., p. 183; Sérgio Costa, “Esfera pública,
redescoberta...”, op. cit., pp. 44-7 e 50; Sérgio Costa, “Movimentos
sociais...”, op. cit., pp. 127-8; Sérgio Costa, “Atores da sociedade civil...”,
op. cit., p. 72; Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade civil...”, op. cit.,
pp. 294-300; Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional...”, p. 170; Ilse
Scherer-Warren, “Organizações não-governamentais...”, op. cit., pp. 13-4; Liszt
Vieira, “Sociedade civil...”, op. cit., pp. 107-8, particularmente, pp. 113-9;
Ana Amélia da Silva, “Do privado para o público...”, op. cit., pp. 39-41 e 45;
Ricardo Toledo Neder, “As ONGs na reconstrução...”, op. cit., p. 8.
305
401
Respectivamente, Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade civil...”, op.
cit., p. 294; e Liszt Vieira, “Sociedade civil..., op. cit., p. 112.
306
402
Cf., v. g., Sérgio Costa, “Esfera pública, redescoberta...”, op. cit., pp.
46-8.
403
Cf. Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade civil...”, op. cit., p. 284. Em
formulação referida à relação entre o conceito de sociedade civil e o problema
da produção de solidariedade no contexto da modernidade ocidental, o autor
assevera o seguinte, de forma abstrata, porém ilustrativa quanto ao caráter
normativo de sua concepção: “O conceito de sociedade civil implica o
reconhecimento de instituições intermediárias entre o indivíduo, por um lado, e
o mercado e o Estado por outro. Estas instituições que exercem o papel de
mediação entre o indivíduo e as instituições sistêmicas cumprem o papel da
institucionalização de princípios éticos, que nem a ação estratégica no
interior do mercado nem o exercício do poder central seriam capazes de
produzir.” Ibid, p. 278 (grifo de AGL). Cf., também, Sérgio Costa, “A
democracia e a dinâmica...”, op. cit., pp. 62-3.
307
404
Leonardo Avritzer, “Um desenho institucional...”, op. cit., p. 170. Cf.,
também, Ilse Scherer-Warren, “Organizações não-governamentais...”, op. cit., v.
g.: “Este sentido está relacionado à utopia (entendida enquanto sonho, desejo,
mas também enquanto projeto) de fortalecimento da sociedade civil e de
desenvolvimento de uma racionalidade ética [...] Esta ética desenvolvida no
seio da sociedade civil poderia vir a atuar como uma força de regulamentação de
outros setores (mercado e Estado).” (p. 13) (grifo de AGL)
405
A expressão foi formulada sob a advertência de se tratar de frase sintética
de efeito para explicitar “[...] a tarefa atribuída aos movimentos sociais e às
demais organizações da sociedade civil [...].” Sérgio Costa, “Esfera pública,
redescoberta...”, op. cit., p. 47.
308
406
Leonardo Avritzer, “Modelos de sociedade civil...”, op. cit., p. 300.
309
407
A citação provém de uma análise dos efeitos corruptores da política,
especificamente, da adoção de “estratégias negociadas” pelos atores da
sociedade civil em dois estudos de caso Juiz de Fora e Governador Valadares.
Sérgio Costa, “Atores da sociedade civil...”, op. cit., p. 69.
408
Cf. Sérgio Costa, “A democracia e a dinâmica...”, op. cit., pp. 60-3.
310
409
Sérgio Costa constitui, sem dúvida, rara exceção: “[...] há também que se
admitir que o modelo teórico-discursivo apresenta problemas para ser utilizado
como instrumental para se entender a dinâmica da esfera pública da maior parte
das democracias contemporâneas. Se se leva, por exemplo, às últimas
conseqüências o pressuposto de que a relevância pública dos atores da sociedade
civil é devida exclusivamente ao conteúdo e ao apelo argumentativo de suas
intervenções, muito poucos seriam os sujeitos coletivos, empiricamente
observáveis, a merecer o enquadramento na categoria de representante da
sociedade civil.” Ibidem, p. 63. Porém, malgrado as limitações do conceito e
admitidos os problemas de aplicação no contexto brasileiro, o autor sustenta
que a superioridade e pertinência do enfoque decorrem, precisamente, de sua
força político-normativa; cf. Sérgio Costa, “Categoria analítica ou...”, op.
cit., p. 16; Sérgio Costa, “Esfera pública, redescoberta...”, op. cit., p. 51.
O problema permanece em pé: qual a plausibilidade analítica dos pressupostos
normativos dessa literatura para a análise da realidade e quais as evidências a
alicerçarem tamanhas expectativas?
311
410
Essas características do debate em torno dos movimentos sociais foram
exploradas no balanço desenvolvido por Ruth Corrêa Leite Cardoso, “A trajetória
dos movimentos sociais”, in Evelina Dagnino, Anos 90 política e sociedade no
Brasil, pp. 81-90. Cf., também, Flávio Saliba Cunha, “Movimentos sociais
urbanos e a redemocratização A experiência do movimento favelado de Belo
Horizonte”, pp. 134-5 e 142; Edison Nunes, “Movimentos populares na transição
inconclusa”, pp. 92-4. Para uma crítica dessa relação “ciclotímica” entre o
pensamento acadêmico e os movimentos sociais, cf. Götz Ottmann, “Movimentos
sociais urbanos e democracia no Brasil Uma abordagem cognitiva”, pp. 186-207.
312
411
Wanderley Guilherme dos Santos, As razões..., op. cit., pp. 82-6; Renato
Raul Boschi, A arte..., op. cit., pp. 61-140.
412
Os dados analisados neste e nos seguintes parágrafos, com o intuito de
mostrar os aspectos de quantidade, intensidade e diversidade que alicerçam o
argumento das associações e cuja sistematização, para as primeiras duas
tendências, é fornecida pela Tabela 1 , provêm das seguintes fontes: SP e RJ,
levantamento em Cartório de Registro Civil realizado por Wanderley Guilherme
dos Santos, As razões, op. cit., pp. 83 e 85 (no caso de SP, o levantamento
apenas considerou um dos cartórios responsáveis pelo registro de associações de
caráter civil); BH, levantamento no Diário Oficial do Estado e em listagens
disponíveis na Prefeitura do município e em órgãos públicos estaduais,
realizado por Leonardo Avritzer, “Cultura política, associativismo e
democratização Uma análise do associativismo no Brasil”; Florianópolis,
levantamento no Diário Oficial do Estado realizado por Ilse Scherer-Warren,
“Associativismo civil em Florianópolis Evolução e tendências”, Anexo 3; Juiz
de Fora, levantamento no Cartório de Registro de Títulos e Documentos realizado
por Sérgio Costa, in: Scherer-Warren (pesquisadora responsável), O novo
associativismo brasileiro Relatório substantivo final.
314
Tabela 1
Evolução do número de associações segundo a década ou período
de criação, para os municípios de SP, RJ, BH, Fl e JFa
Décadas 192 193 1940 1950 1960 1970 80/8 - Tota
0 0 6 l
b
São Paulo 51 237 288 464 996 1.87 2.55 - 6.46
1 3 0
c
Aceleração 31,52% 68,48% 100%
Décadas - - 46/5 51/6 61/7 71/8 81/8 - Tota
0 0 0 0 7 l
Rio de - - 188 743 1.09 1.23 2.49 - 5,75
Janeiro 3 3 8 5
Aceleração 35,17% 64,83% 100%
315
413
Cf. Renato Raul Boschi, “A abertura e a nova classe média na política
brasileira: 1977-1982”, pp. 30-43, especificamente, pp. 30-3; Renato Raul
Boschi, A arte da..., op. cit., pp. 61-140, especificamente, pp. 61-72, 98-101,
105-14, 137-40. Cumpre esclarecer que, no artigo, o autor apresenta de forma
breve e pontualmente modificada alguns dos argumentos explorados com maior
vagar em dois capítulos de seu livro.
317
414
Wanderley Guilherme dos Santos, As razões..., op. cit., p. 83.
415
Cálculos próprios baseados em Ilse Scherer-Warren, “Associativismo
civil...”, op. cit., cf. Tabela 2. As diferenças de critérios na classificação
dos resultados dos levantamentos segundo tipos de associativismo conforme
construídos pelas pesquisas , assim como a exposição sucinta dos dados
relativos à diversificação temática no estudo de Santos, impedem qualquer
tentativa sistemática de comparação, tal e como realizada para as primeiras
duas tendências na Tabela 1. Os dados disponíveis para Belo Horizonte não
318
417
Renato Raul Boschi, A arte da..., op. cit., pp. 108-9, 113.
418
IBGE, Sindicatos Indicadores sociais 1990, 1991 e 1992, volume 4, pp. 13-
6.
320
419
É bem conhecida a tese do autor acerca da combinação, no país, de um híbrido
institucional que permite transitar continuamente de instituições consolidadas
do sistema poliárquico a instituições não-poliárquicas imbuídas de
hobbesianismo social e geradoras de uma cultura cívica predatória; cf. As
razões..., op. cit., pp. 89-115. A idéia de um híbrido institucional, decerto
instigante, aparece suficientemente abonada pelas evidências que Santos
explora, e outros autores têm apontado de outras perspectivas para a mesma
direção; já a tese da cultura cívica predatória e do hobbesianismo social
requereria subsídios sociológicos ou antropológicos ausentes nesse texto. Para
outras análises a atentar para o caráter híbrido da democracia e da relação
Estado/sociedade no país, cf. Renato Raul Boschi, “O corporativismo na
construção do espaço público”, in Renato Raul Boschi (org.), Corporativismo e
desigualdade A construção do espaço público no Brasil, pp. 24-5; José Murilo
de Carvalho, Os bestializados O Rio de Janeiro e a república que não foi, pp.
154-5; Angela de Castro Gomes, “A política brasileira em busca da modernidade:
na fronteira entre o público e o privado”, in Lilia Moritz Schwarcz, História
da vida privada no Brasil Contrastes da intimidade contemporânea, pp. 499-
503, 517-25.
420
Renato Raul Boschi, A arte da..., op. cit., p. 88; cf., também, pp. 90-1. O
levantamento recorreu aos boletins das associações pesquisadas, a depoimentos e
entrevistas, assim como ao seguimento sistemático do que foi publicado em
quatro jornais da grande imprensa.
321
421
Ibid., pp. 162-71.
322
422
Wanderley Guilherme dos Santos, ibid., pp. 80-9 e 104.
423
Fábio Wanderley Reis, “Cidadania, mercado...”, op. cit., pp. 338-42.
323
424
Elisa Reis, “Desigualdade e solidariedade Uma releitura do ‘familismo
amoral’ de Banfield”, pp. 35-48, especificamente, pp. 39-44.
425
Marcelo Costa Ferreira, “Associativismo e contato político nas regiões
metropolitanas do Brasil: 1888-1999 Revisitando o problema da participação”,
pp. 91, 94-5 e 98-9.
426
Breno Augusto Souto-Maior Fontes, “Estrutura organizacional das associações
políticas voluntárias”, pp. 43-6.
427
Jacobi Pedro, “A percepção de problemas ambientais em São Paulo”, pp. 47-55;
Cássio Luiz de França, A importância da participação popular no processo de
implementação de políticas de verticalização de favelas na cidade de São Paulo,
capítulo 2.
428
Sonia Arellano-López e James Petras, “A ambígua ajuda das ONGs na Bolívia”,
pp. 57-9; Hélène Riviére d’Arc, “O basismo acabou?...”, op, cit., pp. 249-51.
324
429
Marco Aurélio Nogueira, “A sociedade civil contra a política?”, pp. 21-5.
Sem dúvida, seria possível analisar os incentivos para assunção de formas
“impolíticas” de organização em termos das diversas vantagens e benefícios
capitalizáveis mediante semelhante deslinde com respeito aos atores políticos
tradicionais; entre essas vantagens, existem algumas de índole política que
poderiam ser concebidas, segundo formulação já explorada em outro lugar, como o
“sobrepeso político da não-política”. Cf. Adrián Gurza Lavalle, “Dos paradojas
de la socieadad civil mexicana”, pp. 17-8. Qualquer análise realista teria de
nuançar as expectativas sobre o ímpeto participativo da sociedade civil à luz
das mudanças nos incentivos simbólicos e materiais existentes no ambiente para
favorecer a proliferação de certo tipo de associações. Nesse sentido seria
impossível não reparar que, entre 1970 e 1990, as contribuições privadas e
governamentais transferidas mediante as ONGs do hemisfério norte a suas
homólogas do hemisfério sul aumentaram significativamente, passando de 1000 a
7.200 milhões de dólares. De fato, no início da década de 90, 13% das
contribuições oficiais do hemisfério norte para o hemisfério sul eram alocadas
por intermediação das ONGs. Cf. PNUD, Informe sobre desarrollo humano 1993, pp.
100 e 106.
325
7. A participação em associações
430
IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Suplemento no.
1: Associativismo, (1986); IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) Volume 2: Participação político-social 1988.
327
431
As características das pesquisas realizadas pelo SEADE, bem como os
critérios utilizados para trabalhar com as bases de dados resultantes dessas
pesquisas, serão explicitadas mais adiante, quando da exposição da tipologia
desenvolvida para sistematizar a abordagem do associativismo na RMSP.
328
432
IBGE, Associativismo, representação de interesses e intermediação política,
suplemento da Pesquisa Mensal de Emprego realizada em abril de 1996. As regiões
metropolitanas compreendidas na pesquisa são: Recife, Salvador, Belo Horizonte,
Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
433
A classificação dos associados obedece às seguintes definições. Associação
sindical: órgão de classe de caráter trabalhista ou patronal, que, além de ser
reconhecido pelo Ministério do Trabalho, representa obrigatoriamente todos os
integrantes da respectiva categoria dentro de certos limites territoriais não
foi considerada como sindicalizada a pessoa que tão-só paga imposto sindical,
isto é, contribuição obrigatória. Associação gremial: órgão de classe de caráter
trabalhista ou patronal que representa apenas seus associados, e em que a
filiação é facultativa. Associação comunitária: entidade que reúne
facultativamente as pessoas residentes em determinadas áreas ou bairros, ou que
professam as mesmas convicções religiosas ou que partilham interesses similares
por atividades de lazer, culturais, etc. não foi considerada como associada a
órgão comunitário a pessoa cujo vínculo é empregatício. Cf. ibid., p. XV; IBGE,
PNAD Suplemento 1, Associativismo, op. cit., p. XIII.
329
Tabela 2
Participação em sindicatos, associações gremiais e comunitárias
Pessoas de 18 anos ou mais segundo sexo(%)
Regiões metropolitanas e RMSP 1996a
Associação Regiões Metropolitanasc RMSP
b
434
Vide definição na nota de rodapé 108. Parece plausível supor que a maior
participação relativa das mulheres nas associações comunitárias, se comparada
com sua inserção nos sindicatos ou nas associações gremiais (Tabela 2), pode
ser indicativa para além da maior informalidade da inserção feminina no
mercado de trabalho do caráter religioso, de bairro ou familiar dos
interesses englobados nesse rótulo.
330
435
Marcelo Costa Ferreira, “Associativismo e contato...”, op. cit., pp. 90-102.
331
Tabela 3
Participação em associações sindicais e gremiais
Pessoas de 18 anos ou mais (%)
Regiões metropolitanas 1988 e 1996a
1988 1996
Associação 8,8 15,7
sindical b
Associação 3,3 1,9
gremialb
Ambas 1,4 0,6
Não participam 86,5 81,8
Total 100,0 100,0
Nc 25.534.283 18.390.755
a/ Fonte: Marcelo Costa Ferreira, “Associativismo e contato..”, op. cit., p.
95. Com base em: IBGE, PME..., op. cit. Regiões metropolitanas: Recife,
Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
b/ Definição: vide nota de rodapé 108.
c/ Ponderado pelo peso do indivíduo na amostra. O tamanho da amostra difere do
valor apresentado pelo IBGE: o autor construiu uma subamostra para eliminar
eventuais distorções pelas diferenças de critérios utilizados em cada
pesquisa.
Tabela 4
Participação em associações segundo a associação comunitária
Pessoas de 18 anos ou mais (%)
Regiões metropolitanas 1988 e 1996 e RMSP 1996a
Associações Regiões RMSP
332
Comunitárias metropolitanasb
1988 1996 1996c
Assoc. de bairro 2,3 2,5 1,6
Assoc. religiosa 3,6 5,0 6,1
Assoc. filantrópica - 0,7 1,3
Assoc. 7,0 10,9 3,6
esportiva/cultural
Participação múltipla d 1,5 0,7 -
Não participam 85,7 87,9 87,4e
Totalf 100,0 100,0 100
N 25.502.933 22.474.513 9.363.889
g g
436
Marcelo Costa Ferreira (ibid., pp. 91, 93 e 98) elaborou uma crítica às
posições defendidas por Leonardo Avritzer com base nas pesquisas do IBGE;
conforme mencionado acima, com as categorias utilizadas por esse Instituto não
é possível se aproximar da participação nas associações estudadas por Avritzer.
437
A utilização das PCV no estudo das práticas de consociação apresenta várias
dificuldades; basta mencionar, por ora, que os dados desagregados e os
334
associação “[...] não importando que grupo seja este, desde que a participação
se dê com alguma freqüência que pode até ser irregular, mas que mantém o
indivíduo como algum laço ou vínculo [...].” Cf. SEADE, Pesquisa Condições de
Vida no Estado de São Paulo Manual do entrevistador, p. 77; SEADE,
“Questionário Pesquisa Condições de Vida 1994”, s.p.
439
Com o intuito de aprofundar o conhecimento das condições socioeconômicas de
determinadas camadas da população, nas PCV 90 e 94 os domicílios tiveram
probabilidades distintas de seleção no sorteio da amostra segundo
estratificação de renda , adquirindo, em conseqüência, pesos também distintos
na própria amostra; por isso, o SEADE optou por divulgar apenas as freqüências
relativas dos resultados das pesquisas. Seguindo as orientações dos técnicos
dessa fundação, as tabelas aqui apresentadas não especificam o tamanho da
amostra de cada cruzamento, pois seria preciso incluir os fatores de ponderação
para as diferentes frações dela. Cumpre esclarecer que em 1990 o número de
domicílios válidos foi 5,426, e em 1994 cerca de 3,800.
336
440
A PCV 94 apenas contempla os clubes esportivos e de futebol, mas a PCV 90,
cujos resultados serão incorporados à análise mais adiante, também considerou
as escolas de samba.
337
Tabela 5
Participação em associações segundo tipologia de associativismo
Pessoas de 7 anos ou mais
RMSP 1994a
Tipologia Associações b Participação
%/associad %/população
os total
I moradores 2,1 0,72
Associações minorias 0,5 0,46
horizontais de base 1,2 0,42
MST 0,3 0,11
outras 3,1 1,07
Subtotalc 7,2 2,78
II sindicatos 5,3 1,84
Associações profissionais 2,7 0,95
político- partidos 1,3 0,46
econômicas
Subtotalc 9,3 3,25
III
Associações Igreja 32,7 11,48
Católica
religiosas outras igrejas 39,9 13,67
Subtotalc 71,6 25,15
IV
Associações esportivas, 24,6 8,62
etc.
recreativas
Subtotalc 24,6 8,62
441
V. g., associações de defesa do meio ambiente, de identidades não
minoritárias, de índole familiar mas não circunscritas ao bairro ou de causas
específicas de “interesse geral”. Vide supra, nota de rodapé 113.
338
442
Marcelo Costa Ferreira também atentou, em termos de paradoxo, para as
discrepâncias entre os diagnósticos da“[...] enorme dinâmica associativa no
Brasil na últimas décadas [...]”, e “[...] a dimensão associativa no país
340
444
Por sugestão dos quadros de apoio técnico do SEADE, privilegiou-se a
utilização de indicadores familiares por apresentarem maior congruência com a
unidade de análise assumida e por simplificarem o trabalho de cruzamento
estatístico pois esses indicadores encontram-se disponíveis no diretório de
variáveis resumo das PCV ; contudo, tal escolha impõe, por vezes, o custo de
se trabalhar com categorias sintéticas conhecidas apenas por aqueles que lidam
com os resultados das pesquisas do SEADE. Quando conveniente, explicitar-se-á a
construção dos indicadores em notas de rodapé com o intuito de minimizar essa
desvantagem. A inclusão de glossários de termos e variáveis é outra opção comum
em casos como este, mas as interrupções causadas por sua consulta são mais
prolongadas e, não raro, terminam por desanimar o leitor.
342
445
Stricto sensu, o conceito de propensão implica a capacidade de determinar o
peso específico de um conjunto de variáveis sobre outra variável definida como
dependente, equacionando, neste caso, a probabilidade de alguém estar associado
em função de atributos socioeconômicos e demográficos; isto é, trata-se de um
recurso com força explicativa. Por sua vez, os padrões de consociação são aqui
entendidos como uma construção que verifica relações em sentido descritivo,
cujo significado precisa ser elucidado mediante a explicitação de hipóteses de
leitura em maior ou menor medida plausíveis, mas não validadas pelos dados. Sob
essa ótica, resulta incorreta a conclusão de Avritzer segundo a qual os
resultados aqui apresentados na Tabela 1 “[...] demonstram um aumento
significativo na propensão associativa nas cidade do Rio de Janeiro e São Paulo
[...]”; em todo caso, esses resultados apenas mostram o aumento do número de
associações, de cuja multiplicação não é possível deduzir no comportamento
participativo da população assunto já abordado nas páginas precedentes. Cf.
Leonardo Avritzer, “Cultura política...”, op. cit., p. 7.
343
446
A construção dessa escala se utiliza simultaneamente de dois critérios:
primeiro, a ponderação dos rendimentos em termos de renda familiar per capita;
segundo, a definição da linha de pobreza para classificar as famílias. Apoiado
no índice de custo de vida do DIESE, o SEADE utilizou corte correspondente a
1,8 salário mínimo (SM) para determinar a linha de pobreza, sendo desdobrada
nas seguintes variáveis numéricas: muito pobres, até 0,6 SM; pobres, de 0,6 até
1,8 SM; e não-pobres, mais de 1,8 SM. A freqüência dos não-pobres foi maior a
50% em 1990 e 1994, e, devido à perda de informação derivada de tão alta
freqüência, optou-se por dividir esse segmento no contexto da pesquisa já
referida, coordenada pelo Prof. Dr. Lúcio Kowarick em remediados (de 1,8 SM
até 3,6 SM) e abastados (mais de 3,6 SM). Cf. SEADE, Definição e mensuração da
pobreza na Região Metropolitana de São Paulo Uma abordagem multissetorial,
pp. 28-9, 33 e 147-8.
447
O nível de instrução familiar combina a escolaridade de dois membros da
família: do chefe e, quando existente, de outro integrante que, não sendo
estudante, reúne as características de possuir o maior nível de instrução
dentro da família e de ter idade igual ou superior a 18 anos. Esses critérios
foram organizados em 25 combinações possíveis, cuja sistematização dá lugar a
diferentes escalas de instrução familiar, dependendo do grau de agregação
escolhido. Para a escala aqui utilizada, em três categorias, os critérios de
delimitação podem ser resumidos da seguinte forma. O nível de instrução
precário corresponde a qualquer combinação inferior a um dos membros com 1o.
grau completo e outro sem primário completo por exemplo, ambos com ou sem
344
Tabela 6
Participação familiar em associações segundo renda
familiar (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Total Muito Pobres c Remediada Abastada
c
pobres sc sc
Não Sim
1990 56,6 43,3 27,0 39,8 43,6 50,8
1994 45,7 54,2 48,9 50,8 55,4 60,1
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação na vida pública”,
a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
c/ Definição: vide nota de rodapé 121.
Tabela 7
Participação familiar em associações segundo nível de
instrução familiar (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Total Precáriac Intermediár Não
iac Precária c
1990 43,3 27,0 39,8 43,6
1994 54,1 48,9 50,8 55,4
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação
na vida pública”, a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
c/ Definição: vide nota de rodapé 122.
448
A classificação dos tipos de moradias realizada pelo SEADE incorpora a
combinação de diversos indicadores, relacionados com a adequação física da
moradia, o número de cômodos existentes e o uso familiar do espaço disponível.
Assim, as condições insatisfatórias de moradia são definidas tanto pelo uso de
materiais adaptados para a construção e pelo uso comunitário de alguns cômodos
como o banheiro, a cozinha ou o tanque de lavar roupas, no caso das moradias
346
mais precárias quanto pela utilização de outros cômodos que não os quartos
como dormitórios; nesse último caso, incluem-se moradias que, embora
construídas com materiais apropriados e caracterizadas pelo uso privativo do
banheiro e da cozinha, não podem ser classificadas como satisfatórias em
virtude do critério das funções atribuídas pela família ao espaço disponível.
Já as moradias satisfatórias minimamente pressupõem a presença de materiais de
edificação adequados, o uso privativo dos cômodos pela família e a existência
de pelo menos quatro cômodos, nos quais é preservada a função exclusiva dos
quartos como dormitórios podendo existir outros quartos para outras funções.
Cf. ibid., pp. 15-8 e 33.
449
Embora as diferenças de participação entre as famílias com inserção
intermediária e não vulnerável tenha desaparecido em 1994, a distância com
respeito aos casos de inserção vulnerável se manteve. Neste caso, a metodologia
utilizada pelo SEADE visou a considerar explicitamente a inserção no mercado de
trabalho como variável pertinente para se definir a pobreza, desenvolvendo uma
análise baseada no conceito de vulnerabilidade. O indicador de vulnerabilidade
construído pelo SEADE é bastante complexo, pois incorpora amplo leque de
variáveis de modo a ponderar a falta de acesso ao mercado de trabalho, a
incorporação precoce ao mesmo, a instabilidade característica dos diversos
postos, a insuficiência dos rendimentos auferidos e o valor da aposentadoria.
Assim, a vulnerabilidade assume distintos critérios tanto para a população
inativa exclusive a população dependente como para a PEA: no primeiro
caso, os aposentados com renda inferior a 1 SM foram considerados vulneráveis;
já no caso da PEA, foram definidos como vulneráveis os desempregados e os
ocupados entre 10 e 14 anos de idade, além de alguns segmentos dos ocupados com
15 anos de idade ou mais. Na definição dos critérios de vulnerabilidade desse
último segmento, que é majoritário, avaliou-se a rotatividade e renda médias
das ocupações em relação aos dois anos anteriores, segundo uma tipologia
hierarquizada de postos de trabalho mais ou menos homogêneos. Não cabe aqui
explorar a construção dessa tipologia de forma minuciosa, todavia, cumpre
esclarecer que o indicador da vulnerabilidade familiar é o resultado da
aplicação dos critérios de caráter individual a dois integrantes da família, a
saber, o chefe e o segundo membro mais bem inserido no mercado de trabalho. Em
grandes traços, pode se dizer que as famílias vulneráveis combinam a inserção
precária de um ou de ambos os membros, enquanto as famílias não vulneráveis são
beneficiadas pela boa posição, no mercado de trabalho, dos dois integrantes
contemplados pelo indicador. Cf. SEADE, Pesquisa Condições de Vida na Região
Metropolitana de São Paulo Mercado de trabalho, pp. 3-22; SEADE, Definição e
mensuração..., op. cit., pp. 21-5 e 33.
347
Tabela 8
Participação familiar em associações segundo
tipo de moradia (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Tota Insatisfatór Satisfatória
c
l iac
1990 43,3 38,9 46,0
1994 54,1 48,9 57,2
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas
de consociação na vida pública”, a partir das bases de
dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
c/ Definição: vide nota de rodapé 123.
Tabela 9
Participação familiar em associações segundo qualidade de
inserção familiar no mercado de trabalho (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Total Vulnerávelc Intermediár Não
iac vulnerávelc
1990 43,5 37,8 44,0 54,23
1994 54,1 47,7 59,4 59,5
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação
na vida pública”, a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
c/ Definição: vide nota de rodapé 124.
450
Não parece haver vínculos óbvios entre as famílias unipessoais “morador
sozinho” , que perfazem 6,9% do total da amostra, e as características das
respectivas famílias de origem, tornando-se inviável extrair conseqüências
apenas a partir dos dados apresentados na Tabela 10.
451
Segundo a estratificação desenvolvida pelo SEADE para o estudo
multissetorial da pobreza na RMSP, 14,6% da famílias do estrato mais alto, em
1990, eram chefiadas por mulheres, enquanto o estrato mais baixo atingia o
patamar de 26,7%; da mesma maneira, o número de famílias sem casal ou
“quebradas” era mais expressivo no último estrato 7,1% e 20,6%,
respectivamente. Ambas as tendências encontram reprodução algo atenuadas nos
dados de 1994. Cf. SEADE, Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana
de São Paulo Principais Resultados, pp. 15 e 21; SEADE, Pesquisa de Condições
de Vida na Região Metropolitana de São Paulo 1994 Primeiros Resultados, pp.
38-41.
349
452
O SEADE desenvolveu um índice do ciclo de vida para medir a idade relativa
das famílias, dividindo-as em jovens, adultas e idosas; para tanto, ponderou os
seguintes componentes na construção do indicador do “grau de juventude,
maturidade ou velhice das famílias”: “idade média dos cônjuges, idade média dos
filhos e diferença entre as idades do cônjuge mais novo e do filho mais velho
das famílias nucleares completas”. SEADE, Definição e mensuração..., op. cit.,
p. 149. Devido à incompatibilidade desse indicador com o tipo de abordagens
mais usuais para relacionar diversas variáveis com faixas etárias e, sobretudo,
devido a que é pouco evidente o significado dos termos famílias “jovens”,
“adultas” ou “idosas”, quando mensurados a partir desse constructo, optou-se
por uma aproximação indireta ao ciclo de vida familiar a idade do chefe ,
possivelmente menos adequada e sofisticada, porém, decerto mais nítida quanto
aos conteúdos e implicações da medida escolhida. De toda maneira, realizou-se o
cruzamento entre o ciclo de vida familiar, como definido pelo SEADE, e a
participação em associações; como era de esperar, os dados obtidos por essa via
são plenamente consistentes com aqueles derivados da aproximação pela idade do
chefe: em 1994, 45,3% das famílias jovens desenvolviam práticas associativas,
60,6% das adultas e 59,6% das idosas (59,6%); também em 1990 as famílias também
jovens apresentavam menores porcentagens na participação, 38,52%, enquanto as
famílias adultas e idosas situavam-se, respectivamente, na casa dos 47,71% e
dos 45,4%.
350
Tabela 10
Participação familiar em associações segundo tipo de
família (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Total Família Família Família
quebrada nuclear unipessoal
1990 43,5 40,0 45,0 32,6
1994 54,1 49,3 55,9 66,6
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação
na vida pública”, a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
Tabela 11
Participação familiar em associações segundo
sexo do chefe (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Tota Feminino Masculino
l
1990 43,3 37,7 44,7
1994 54,1 51,2 54,9
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas
de consociação na vida pública”, a partir das bases de
dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
Tabela 12
Participação familiar em associações segundo idade do
chefe (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Tota Até 24 25-39 40-59 60 e
l anos anos anos mais
1990 43,3 30,4 40,1 48,7 42,2
1994 54,1 33,0 48,8 61,1 58,0
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação
na vida pública”, a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
Tabela 13
Participação familiar em associações segundo tempo de
residência do chefe no município atual (%)
351
453
No começo dos anos 70, em levantamento com amostragem de 1015 casos para a
cidade de São Paulo, Manoel T. Berlinck indicou tanto a ausência de
participação em associações voluntárias quanto os maiores níveis de consociação
das classes altas (cf. Marginalidade social..., op. cit., pp. 130-5).
454
Cf. IBGE, Associativismo, representação..., op. cit., (1996) gráfico 11;
IBGE, Participação político-social..., op. cit., pp. vol. 2, (1988) pp. 8-16;
IBGE, PNAD Associativismo..., op. cit., (1986) pp. 3-5.
352
Tabela 14
Participação familiar em associações segundo condição de
posse da moradia (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Tota Invadida c Cedida Alugada Própria
l
1990 43,3 44,4 36,0 38,6 47,6
1994 54,1 53,6 46,9 46,1 59,3
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação
na vida pública”, a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Membros da família de 7 anos ou mais.
c/ Definição: vide nota de rodapé 130.
455
Embora seja cabível definir a condição de posse da moradia de forma
subjetiva, caso em que o morador poderia firmar sua relação de "propriedade”
com imóvel invadido, o critério estabelecido pelo SEADE diz respeito ao estatuto
legal da posse; em conseqüência, o entrevistador preserva a faculdade de
imputar a condição legal quando a resposta do entrevistado objetiva evitar o
reconhecimento do caráter ilegal da ocupação de sua moradia. Cf, SEADE, PCV 94
Manual..., op. cit., p. 42.
355
Tabela 15
Participação familiar em associações segundo nível de
instrução do chefe (%)
RMSP 1990 e 1994a
Famílias com participaçãob
Ano Tota Primário 1o. grau 2o. grau 2o. Superi
l incomple incomple incomple grau or
to to to comple
to
356
456
Cabe mencionar que a definição das categorias para classificar as
associações difere nos questionários das PCV de 1990 e 1994; em virtude do
caráter individual da variável participação na pesquisa do último ano, assim
como da maior discriminação de opções para registrar as respostas dos
entrevistados, a definição da tipologia foi pautada pelo questionário da mesma.
357
457
Como pode ser observado na Tabela 5.
359
Tabela 16
Participação familiar em associações segundo
tipologia de associativismo (%)
RMSP 1990 e 1994a
Tipo de Participaçãoc
associaçãob Nas fams. que No Total das
part. fams.
1990 1994 Var. 1990 1994 Var.
Horizontais 14,7 11,2 - 6,36 6,07 -4,55
23.8
Polítco- 38,9 13,1 - 16,8 7,1 -
econ. 66.3 4 57,83
Religiosas 37,2 62,3 67.4 16,1 33,7 109,6
0 6 8
Recreativas 9,2 13,4 45,6 3,98 7,26 82,41
Total 100 100 - 43,3 54,2 25,1
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação
na vida pública”, a partir das bases de dados das PCV 90 e 94 - SEADE.
b/ Definição: vide notas de rodapé 113 e 131, e Tabela 5
c/ Membros da família de 7 anos ou mais.
Tabela 17
Participação familiar relativa segundo tipologia de associativismo por renda familiar
RMSP 1990 e 1994a (%)
Tipo de c
Faixas de renda familiar
b Muito pobres Pobres Remediadas Abastadas
associação
1990 1994 Var. 1990 1994 Var. 1990 1994 Var. 1990 1994 Var.
Horizontais 21,9 12,0 -45,2 16,8 9,4 -44,0 13,1 8,9 -32,0 13,2 15,2 15,1
Político- 17,5 0,89 -94,9 30,8 9,5 -69,1 39,5 15,5 -60,7 49,0 21,3 -56,5
econ.
Religiosas 51,3 79,9 55,7 45,7 70,4 54,0 38,1 60,8 59,5 26,4 45,6 72,7
Recreativas 9,2 7,7 -22,8 6,5 10,5 61,5 9,1 14,6 60,4 11,1 17,8 60,3
Total 100 100 - 100 100 - 100 100 - 100 100 -
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação na vida pública”, a partir das bases de
dados das PCV 90 e 94- SEADE.
b/ Definição: vide notas de rodapé 113 e 131, e Tabela 5.
C/ Definição, vide nota de rodapé 83. A participação considera os membros da família de 7 anos ou mais.
Tabela 18
Participação familiar real segundo tipologia de associativismo por renda familiar
RMSP 1990 e 1994a (%)
Tipo de c
Faixas de renda familiar
b Muito pobres Pobres Remediadas Abastadas
associação
1990 1994 Var. 1990 1994 Var. 1990 1994 Var. 1990 1994 Var.
Horizontais 5,91 5,86 -0,84 6,68 4,77 -28,59 5,71 4,93 -13,66 6,7 9,13 36,26
Político- 4,72 0,43 - 12,25 4,82 -60,65 17,22 8,58 -50,17 24,89 12,8 -48,57
econ. 90,89
Religiosas 13,8 39,0 182,0 18,18 35,7 96,69 16,61 33,68 102,76 13,41 27,40 104,32
5 7 9 6
Recreativas 2,48 3,76 51,61 2,58 5,33 106,58 3,96 8,08 104,04 5,63 10,70 90,05
Total 27,0 48,9 81,11 39,8 50,8 27,63 43,6 55,4 27,06 50,8 60,1 18,3
a/ Fonte: Pesquisa “A nova sociedade civil e as práticas de consociação na vida pública”, a partir das bases de
dados das PCV 90 e 94- SEADE.
b/ Definição: vide notas de rodapé 113 e 131, e Tabela 5.
C/ Definição, vide nota de rodapé 83. A participação considera os membros da família de 7 anos ou mais.
363
Tabela 19
Famílias por tipo de participação associativa segundo nível
de instrução familiar (%)
458
Realizou-se a análise da distribuição da participação das famílias segundo
diversos atributos de caráter socioeconômico e demográfico condição de
posse, qualidade e infra-estrutura urbana da moradia; ciclo de vida e arranjo
familiar; tempo de residência na RMSP, entre outras , e os resultados são
consistentes o suficiente para dispensar sua exploração pormenorizada nestas
páginas.
364
459
Para uma crítica às “posições etnocentristas” a denunciarem a “falha
ideológica” ou a ausência de princípios universalistas no povo, assim como para
a demonstração de que esse “povo” é ciente de utilizar os políticos como
“despachantes” e do valor da representação, cf. o belo trabalho de Alba Zaluar,
A máquina e a revolta As organizações populares e o significado da pobreza,
pp. 221-56; cf., também, Teresa Pires do Rio Caldeira, A política dos outros
O cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos,
pp. 235-46; José Guilherme Cantor Magnani, Festa no pedaço Cultura popular e
lazer na cidade, pp. 101-38.
367
460
Para a análise dessa lógica dupla da perspectiva da antropologia, cf. Alba
Zaluar, A máquina..., op. cit., pp. 186-8, 221-30, 248-9; Teresa Pires do Rio
Caldeira, A política..., op. cit., pp. 233-4, 262. No campo da ciência
política, já foram referidos os trabalhos de Angela de Castro Gomes, Renato
Raul Boschi, Wanderley Guilherme dos Santos e José Murilo de Carvalho; vide
nota de rodapé 94.
461
Cf. Paula Montero, Ronaldo Romulo Machado de Almeida, et al., Novas faces da
cidadania II: religiões e espaço público no Brasil, pp. 1-8, 15-40.
368
462
IBGE, Associativismo..., (1996) op. cit., gráficos 20 e 21. As categorias
passíveis de escolha foram as seguintes, ordenadas conforme a freqüência das
respostas: igrejas e cultos, sindicatos, associações de bairro, políticos,
presidente da República, associações profissionais e juízes.
370
RECAPITULAÇÃO
BIBLIOGRAFIA