Você está na página 1de 7

L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
DE

CA

Políticas e planejamento do turismo no Brasil


Bertha K. Becker*

Resumo

A partir de uma análise do potencial da zona costeira brasileira, Bertha Becker descreve as
origens do processo turístico no Brasil e desenvolve um breve histórico de seu
desenvolvimento. O texto também narra o surgimento das instituições responsáveis pela
promoção da atividade turística no país.

www.ivt -rj.net
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

LTDS

Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social
Bertha K. Becker

1
L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
Conferência - Políticas e ao turismo. O material estava todo disperso,
DE

planejamento do turismo no e tivemos então que ter aquele jogo de


CA
Brasil cintura brasileiro, utilizando

Realizada em São Paulo, no período combinadamente diversas fontes. Com base


de 16 a 22 de julho de 1995 no levantamento realizado desejo apontar
Nossa questão primeira é uma aqui três partes. De início vou tecer algumas
problematização: é realmente o turismo considerações sobre o que entendo ser o
significativo como tema de pesquisa, de significado do turismo e da zona costeira hoje.
planejamento para a geografia? É possível Numa segunda parte, vou apontar,
fazer um planejamento no caso do Brasil? E brevemente, os elementos da política
qual seria o papel dos geógrafos? De nacional do turismo que pudemos constatar
antemão, gostaria de deixar claro que não ser real-existente. E, finalmente, apontarei
sou, absolutamente, especialista em turismo, uma conclusão mais interpretativa, uma
nem como consumidora, nem como interpretação geográfica da análise
pesquisadora. Não é minha área de reflexão desenvolvida.
maior. Mas me ocupo com a geografia O turismo e a zona costeira hoje.
política, e desde essa perspectiva posso
O turismo é uma marca do século XX,
trazer uma colaboração à nossa reflexão,
que oferece condições de realização para
na forma de um estudo que fiz no ano
o desejo de conhecer novos ambientes, que
passado, investigando a política federal de
para muitos autores, é inerente a condição
turismo e o seu impacto na zona costeira.
humana. Neste sentido, ele se confunde com
Sabemos que a zona costeira tem sido a própria geografia. Acho mesmo que essa
ocupada velozmente, num processo onde explicação não é tão simplista como pode
o turismo é um fator importante para a parecer à primeira vista, porque ela pode
ocupação. Seria interessante saber se esse também abarcar a questão da conquista
tem uma política federal de turismo como dos territórios, uma raiz da geografia. E esse
referência, e clarificar qual seria ela. A desejo de conhecimento de novos
questão nos parecia muito importante, ambientes, supostamente inerente à
porque o turismo é híbrido, para usar uma condição humana, para uns seria, inclusive,
terminologia da moda. E é híbrido, no sentido um escape à sedentarização progressiva do
em que ele é, ao mesmo tempo, um enorme homem.
potencial de desenvolvimento e um enorme
Mas a expressão madura do turismo
potencia1 de degradação sócio-ambiental,
pressupõe a moderna sociedade capitalista.
na ausência de uma regulação adequada
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

Foi no século passado, a partir da ampliação


para o setor. Logo, uma política federal de
da escala da acumulação de capital e das
turismo é extremamente importante, pois se
inovações da tecnologia de transporte, com
faz necessário administrar conflitos, fomentar
a ferrovia e a navegação a vapor, que
* Bertha Koiffmann Becker é Pesquisadora
Associada ao IVT; Licenciatura e Bacharelado
atividades, regenerar áreas degradadas,
grupos sociais puderam gastar dinheiro com
em Geografia e História pela Faculdade
Nacional de Filosofia, Universidade do Brasil.
desenvolver usos alternativos. E todo este
o turismo tal como nós hoje entendemos tal
Doutora em Ciências pelo Departamento de
Geografia do Instituto de Geociências, UFRJ. contexto é de fundamental importância
Professora Titular de Geografia da Universidade
atividade. E surgem então os primeiros
Federal do Rio de Janeiro. para um diagnóstico para a zona costeira
Publicou vários livros, entre os quais:
agentes e companhias dedicados a
. Geopolítica da Amazônia: a Nova Fronteira brasileira.
organizar a atividade. A promoção de
Bertha K. Becker

de Recursos, 1982 Editora Zahar, Rio de Janeiro.


. Geografia e Meio Ambiente no Brasil, 1995, O grande problema inicial que
Editora HUCITEC, São Paulo. atividades turísticas torna-se
. Geografia Política do Desenvolvimento encontramos em nosso estudo a
Sustentável, 1997, Editora UFRJ, Rio de Janeiro. gradativamente, uma nova fronteira de
Além de inúmeros capítulos em livros e artigos
em Periódicos Especializados.
fragmentação da informação com relação acumulação, centrada num novo produto,

2
L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
capaz de agregar-se aos espaços produtivos de realização atual ou futura. Reserva de
DE

CA pré-existentes de acumulação capitalista, valor, em alguns casos, (como as grandes


sem competir diretamente com eles. Mas foi reservas de natureza dos países
no século XX, e principalmente no pós-guerra, subdesenvolvidos), com sua utilização num
que ocorreu metamorfose significativa no outro patamar condicionada à
turismo. Essa transformação se vincula com disponibilidade de tecnologias avançadas.
as possibilidades de massificação de padrões Esse é caso de uma vasta gama de
de consumo que o "welfare state" veio a abrir elementos como a água, a biodiversidade.
nos países capitalistas centrais. Isso se apoiou E desde essa perspectiva, dos novos
sobre a regulação do trabalho, a limitação significados atribuídos à natureza, podemos
do seu tempo, as férias remuneradas, a considerar também a valorização da
aposentadoria, e a legislação social, bem natureza como mercadoria para o turismo.
como os novos horizontes de possibilidades O novo significado da natureza está
abertos com o avião. Agora sim emerge o gerando um novo mercado turístico, o
turismo de massas. chamado ecoturismo, com indivíduos
O final do século XX traz mudanças submetidos ao desejo de "retornar à
nesse quadro, relacionadas aos principais natureza", nela inserindo-se sem deformá-la,
vetores de transformação do mundo desfigurá-la ou depredá-la. A experiência
contemporâneo: a revolução científico- desse "retorno" se dá de forma turisticamente
tecnológica, e a crise ambiental. Como esses organizada em pontos seletivos no espaço.
elementos se combinam e repercutem sobre Assim temos, desde uma perspectiva
o turismo? Assistimos à passagem para um geográfica uma valorização seletiva dos
novo modo de produzir, baseado em novas territórios. Os territórios são valorizados em
tecnologias, numa inovação contínua de função da sua acessibilidade, às vezes para
produtos e processos. A velocidade é um o marketing do turismo de massas, às vezes
elemento decisivo nessa passagem, do ecoturismo. E essa valorização incide de
impactando sobre os territórios em todas as modo importante sobre as zonas costeiras e
escalas geográficas, com redes técnico- os países periféricos, tropicais e mediterrâneos.
informacionais, permitindo articulações É óbvio que aquelas praias ensolaradas são
diretas entre o local e o espaço transacional. produtos de venda fácil, mercadorias
A presença das redes é extremamente valorizadas para as populações dos países
importante na viabilização da temperados e frios. Esta questão, na verdade,
mercantilização da imagem dos lugares. A cria um potencial de desenvolvimento, que
mídia tem papel fundamental para o pode ser um fato portador de uma
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

desenvolvimento das estratégias de multiplicação de serviços, de empregos


marketing, elemento central na questão do diretos e indiretos e de circulação de
turismo. O marketing, as redes de informação mercadorias. Mas que também inclui um
e de circulação atraem crescente número potencial de impactos perversos, tanto
de consumidores, inserindo-os num circuito de ambientais como sociais. É o que ocorre
mercado através de "pacotes" diversos. quando o turismo revela uma face obscura

Mas há um outro elemento associada ao crime organizado, drogas,

fundamental nesta mudança do modo de prostituição e práticas ambientalmente


Bertha K. Becker

produzir, associado à crise ambiental: a predatórias, afetando, às vezes, circuitos

mudança de significado da natureza. A produtivos tradicionais e fazendo emergir

natureza muda de significado. Ela perde conflitos de uso do território, e engendrando

significados antigos, para passar a ser capital verdadeiros guetos fechados, que
3
L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
estabelecem uma clivagem em relação à nacionais a 12 milhas. Seria criada uma zona
DE

CA sociedade local, muitas vezes muito pobre e econômica exclusiva, na qual os estados
que tem sua identidade cultural têm o direito de exercer a captura dos
desestruturada. recursos vivos, mas esse direito seria perdido

Como já dizia Jean Gottmann, a zona por quem não o souber explorar, passando

costeira tem um valor estratégico, e seu a ser então aberto a outros estados.

papel fundamental para os estados No Brasil o turismo já é um elemento


nacionais, é ser uma zona de articulação. importante na economia, embora seu
Essa afirmativa hoje continua válida, pois a crescimento tenha se dado de forma muito
zona costeira se tornou ponto de contato desordenada. Em termos relativos a
dos grandes circuitos logísticos de circulação performance do Brasil no que diz respeito a
de âmbito global e planetário. Mas ao turismo ainda é modesta. Em 1990 o Brasil
mesmo tempo, a natureza da zona costeira representava apenas 0,24% do fluxo tota1
é revalorizada, no novo horizonte de de turismo no mundo, participando com 0,57
possibilidades da intervenção tecnológica. da receita mundial do turismo. Esse foi o "fundo
E essa revalorização diz respeito não só ao do poço", atingido em razão da crise
turismo e lazer, mas a toda uma gama de brasileira, da perda de competitividade e
recursos econômicos tanto de origem mineral, do forte impacto negativo causado pela
como pela presença de lençóis petrolíferos deterioração da imagem do Brasil no âmbito
em águas territoriais, como também ainda turístico, particularmente de seu "portal de
pela presença de riquíssimos recursos bióticos, entrada" a cidade do Rio de Janeiro, devido
muitos ainda não inteiramente mapeados e à questão de segurança. Ainda assim,
conhecidos. A alta biodiversidade faz das mesmo com essa performance
zonas uma importante fonte de informação internacionalmente tão modesta, o turismo
sobre a vida, cuja codificação e fator figurou entre os dez produtos mais
estratégico para o desenvolvimento importantes da pauta de exportação
científico e tecnológico contemporâneo. brasileira de bens de serviços,

Essa valorização da zona costeira tem, correspondendo a 4,7% de seu total entre 87

pois, múltiplas dimensões e, por isso mesmo, é e 90. E em 1991, o turismo superou a receita

significativa para a geopolítica. Não é por obtida com exportação do café, do farelo

acaso que a Agenda 21 deu uma clara de soja, do suco de laranja, ocupando o

ênfase aos oceanos e à zona costeira, quinto lugar na pauta de exportação. E a

embora a dimensão social da questão zona de maior incidência turística no Brasil é


a zona costeira, de cerca de 7 mil quilômetros,
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

populacional nela apareça não mais que


como um simples tópico. O cerne dessa com uma área emersa de 480.000 km2, e 40

ênfase recai sobre aspectos físicos. Em sintonia milhões de habitantes. Praticamente, um

com isso há todo um movimento em direção quarto da população brasileira está

àquilo que chamo de socialização da concentrada em grandes metrópoles, com

natureza (obviamente que não dizendo a exceção de Belo Horizonte e São Paulo,

respeito apenas à zona costeira), focado na fundamentalmente localizam-se na costa.

demarcação de grandes reservas de valor, No novo contexto do final do século


e, no caso da zona costeira, na revogação XX, valorizam-se novos elementos na costa
Bertha K. Becker

do direito de posse do mar territorial de 200 brasileira, com destaque para o Nordeste e
milhas, para afirmar-se uma supostamente Santa Catarina. Em paralelo a esse processo,
desejável restrição da soberania dos estados embora com intensidade menor, valoriza-se

4
L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
o ecoturismo no centro-oeste e na região Embratur lança oficialmente, um novo
DE

CA norte. O turismo se transforma em importante produto no mercado, o turismo eco1ógico.


vetor da ocupação litorânea no Brasil de hoje, No governo Collor, período da Conferência
produzindo-se uma multiplicação de Mundial Rio-92, com as pressões
complexos imobiliários, balneários e marinas. ambientalistas mais fortalecidas, foram
Aqui se coloca para nós a questão de saber promulgadas as novas regu1ações para a
se o turismo pode se transformar num vetor política do turismo, que redesenham as
de desenvolvimento, capaz de realizar a priorizações antecedentes.
passagem para um novo modo de produzir E o que esta política traz de novo? Ela
sustentável, efetivado dentro dos fortalece a idéia do turismo como fator de
parâmetros valorativos que superem a visão desenvolvimento e se funda, não só no
míope de um desenvolvimento rápido, discurso mas também na prática, na
acelerado, a qualquer preço, e descentra1ização, com a Embratur
"ambientalmente perverso". E ainda de modo deixando de ser a legisladora e executora
mais específico: existirá ou não uma política do turismo. Como resultado dessa nova
nacional de turismo, orientada segundo tal política nacional de turismo foi implantado,
perspectiva? ainda em 1992, o Plantur - Plano Nacional
Na realidade, esta política de turismo de Turismo, entendido como instrumento de
no Brasil, é bastante recente. Suas primeiras desenvolvimento regional. O fundamento do
regulações foram feitas em 1958, no período plano é a diversificação e a distribuição
de Juscelino Kubitschek, ligadas, geográfica da infra-estrutura, que estava
evidentemente, à energia, transporte, altamente concentrada no sul e no sudeste.
circulação de automóveis, estradas e à Para realizar esta redistribuição
formação de uma classe média proprietária geográfica, o Plantur prevê o
de carros particulares de passeio. É a desenvolvimento de pólos de turismo
gestação da "classe média do Fusca", que integrados em novas áreas, com uma
viabilizou uma ampliação da circulação expansão a eles direcionada da infra-
mercantil, desenvolvendo os mercados estrutura necessária. Esses pólos são
turísticos brasileiros. O grande marco entendidos como de três tipos - consolidados,
institucional na evolução dessa política foi a em desenvolvimento, e potenciais - e
criação da Embratur em 1966, como uma incidem na zona costeira. Inclusive há todo
autarquia, e que enfocava o turismo como um planejamento de etapas, onde se prevê
uma "indústria nacional" a ser fomentada, um programa de turismo interno de massas,
dentro das prioridades estratégicas dos
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

com ênfase nos fluxos dinamizados pelo


governos militares posteriores a 1964. Na Mercosul e no ecoturismo. O que se
Embratur a atividade era rigidamente implementou efetivamente?
controlada, centralizada. Fundamentalmente o chamado Prodetur-
Na década de 80, o governo Sarney Nordeste, o Programa de Ação para o
legitimou uma certa liberalização deste Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
mercado. Mas o fato mais marcante foi sem Brasileiro.
dúvida o inicio da articulação do turismo com A zona costeira é um espaço
a questão ambiental. Em 1981 foi instituída privilegiado para visualizarmos a transição
Bertha K. Becker

uma política nacional de meio ambiente. entre dois padrões de desenvolvimento. A


Desde então tentou-se criar laços entre o política federal expressa exatamente essa
turismo e a questão ambiental. Em 1987 a transição. A Constituição de 1988 delegou

5
L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
maior autonomia aos municípios, pólos, e as prioridades dos projetos, qual é a
DE

CA fortalecendo a descentralização. Em lógica que podemos perceber subjacente à


paralelo a esse movimento os financiamentos ação dos estados? Evidentemente que é
externos tornam-se mais escassos para competir pelos recursos do próprio governo
investimentos "desenvolvimentistas", e federal, do BID, e de outras fontes, para com
direcionam-se para a conservação isso implantar e desenvolver infra-estrutura e
ambiental. No nível da formação de opinião, atrair a iniciativa privada. É este o jogo dos
há forte pressão de organizações da estados.
sociedade civil no sentido ambientalista. Este No caso do Nordeste, falou-se muito
quadro, no contexto de uma aguda crise que o que se visava reproduzir era o "modelo
financeira do Estado Nacional brasileiro, faz Cancun", com menor participação relativa
emergir uma geopolítica interna de estatal e maior aporte de recursos da parte
aguçamento da competitividade entre os do BID e da iniciativa privada, um modelo
estados da federação. que levou cerca de sete anos para ser
Haverá alguma lógica nesta tentativa implementado efetivamente. Mas não acho
de política nacional de turismo? No nível que o que ocorre ali seja muito parecido,
federal a transição se manifesta no conflito porque o governo federal teve a iniciativa
entre as políticas setoriais, onde diretrizes no sentido de obter os financiamentos. Os
desenvolvimentistas e ambientalistas por governos estaduais atuarem bastante e o
vezes se chocam. E a zona costeira é palco resultado foi mais rápido. Tenho a impressão
de tais choques. Por outro lado, as políticas que a explosão do turismo no Nordeste foi
em si mesmas são bastante ambíguas, e muito mais rápida do que em Cancun.
muitas vezes um discurso não corresponde à É preciso também mencionar uma
pratica. Há também uma tentativa do questão importante para a lógica desta
Estado de definir seu papel numa estratégia política, a das agências de turismo,
de descentralização controlada ou seletiva. promotoras da liberalização comercial e da
No nível dos parceiros, embora o discurso ruptura com os vínculos reguladores da
aponta para a iniciativa privada, os Embratur. Essas agências são protagonistas
governos estaduais, municipais, a sociedade da articulação direta local e internacional,
civil e a população em geral, no exercício realizando via redes informacionais um um
da cidadania, a realidade dos fatos curto-circuito na relação,centro - periferia
evidencia que os parceiros privilegiados tradicional. Há uma verdadeira guerra de
nesta política são os governos estaduais. E os marketing em processo. E a liberalização
fatos também evidenciam que dentre as
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

ainda é contro1ada e parcial. Assim, por


diversas regiões houve um privilegiamento exemplo, libera-se charter para certas áreas
do Nordeste. Esse quadro fica claro se e para outras não. Vive-se ainda uma
considerarmos as iniciativas que o governo descentralização relativamente controlada.
teve com relação aos financiamentos,
O que podemos aprender sobre os
dentro da estratégia de descentralização
prováveis impactos do turismo, é difícil, mas
seletiva ou controlada.
podemos tentar apontar para algumas
Se os governos estaduais são os grandes probabilidades e tendências, tanto em
parceiros do governo federal. Se são eles que termos de riscos como em termos de novas
Bertha K. Becker

fazem a articulação com o governo federal, oportunidades. Do ponto de vista social, o


e representam as demandas municipais. Se risco maior um crescimento econômico nos
são eles que estabelecem a hierarquia dos moldes do velho modelo promotor de

6
L DE TU Caderno Virtual de Turismo

UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 1, N° 1 (2001)

RI
SMO
desigualdades, exclusão, poluição, e os limites dessas iniciativas, desses poderes
DE

CA degradação ambiental, enfim, trazendo novos, isso é extremamente importante. O


apenas um consumo do espaço e uma outro elemento importante a destacar, é
circulação mercantil, sem trazer os benefícios tentar implementar uma política integrada,
para a região. Do ponto de vista territorial, a para acabar com esses conflitos setoriais que
estratégia dos pólos mereceria uma se criaram no Brasil, onde se multiplicaram
avaliação muito mais cuidadosa por parte agencias, empresas e cada um faz a sua
dos geógrafos. Tivemos grandes experiências política, gerando desordem e
com pólos de crescimento no passado, e seus insustentabilidade institucional.
supostos efeitos multiplicadores, na maioria Há uma necessidade mínima de
das vezes não ocorreram de fato. Os novos integração, de articulação entre as políticas.
pólos podem estar reproduzindo no Nordeste E aqui quero trazer à tona a questão do
e no Sul, problemas que já existem em outras zoneamento econômico-ecológico, como
áreas, com grandes concentrações, instrumento apto a condensar a política
saturação de saneamento, etc. Por outro integrada com a regulação. Como já diziam
lado, as estratégias dos governos estaduais, geógrafos clássicos, a geografia lida com
visando atrair dinheiro para o turismo nas resultado de integrações complexas, e as
grandes metrópoles centrais, poderia ser, na zonas são resultados de integração
prática, uma estratégia para a regeneração complexas. O zoneamento não só vai
das cidades, mas isso não é mais do que uma expressar processos complexos, resultados de
simples hipótese, não pode ser contado como integrações complexas, como pode permitir
um fato. a política integrada em espaços
É certo que lutamos politicamente pelo identificados. Nesse sentido ele é um
fim do regime autoritário e de seu centralismo, instrumento interessante, porque já aplica
mas não podemos ignorar os riscos de uma uma política integrada num espaço
diluição do poder numa descentralização identificado. E então é um instrumento de
desregrada, ampliando, estimulando uma agilização política.
competição agressiva entre os diversos A outra contribuição do ponto de vista
lugares. E isso não é só um risco na zona do geógrafo é que esse zoneamento tem de
costeira nem só no turismo. ser entendido em diferentes escalas
geográficas. O que pesa no nível federal é o
Considerações finais a visão do uso estratégico do território nacional, a
geógrafo identificação das grandes unidades, a
Isso tudo mostra o quê? Mostra, dentro
Políticas e planejamento do turismo no Brasil

identificação dos vetores de transformação,


da análise que eu tentei fazer como geógrafa, tentando orientar e disciplinar esses vetores.
que o papel da União é fundamental no A questão do uso do solo, no nível federal, é
sentido de regulação. Regular a competição uso do território nacional. A questão do uso
entre os estados que hoje em dia é forte; do solo, na escala de atuação dos estados
estabelecer as regras do jogo; disciplinar o e municípios é outro assunto, e acho que está
uso do solo; controlar as parcerias. É muito havendo uma grande confusão a respeito
bonito o crescimento comparti1hado, a disso.
parceria entre o governo do estado e a
Revisão e síntese do material feita por
Bertha K. Becker

iniciativa privada; mas há que se estabelecer


Roberto S. Bartholo Jr., com base em
as regras dessa parceria, e é ao governo
transcrição feita por Ana Elisa Rodrigues
federal que cabe isso. Estabelecer os estímulos
Pereira.

Você também pode gostar