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GEOGRAFIA REGIONAL DO BRASIL

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6392-5

57196 9 788538 763925


Manoella de Souza Soares
Geografia
Regional do Brasil

Manoella de Souza Soares

IESDE BRASIL S/A


2018
© 2018 – IESDE BRASIL S/A.
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Soares, Manoella de Souza
2. ed.
Geografia regional do Brasil / Manoella de Souza Soares. - 2.
ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018.
128 p. : il. ; 20,5 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6392-5

1. Geografia humana. 2. Territorialidade humana. I. Título.


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3

Manoellla de Souza Soares


Mestre e doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha
de pesquisa de Paisagem e Análise Ambiental, graduada em Bacharelado e em Licenciatura em
Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Participante do Laboratório de
Hidrogeomorfologia da UFPR, com pesquisas em geoarqueologia, análise micromorfológica em
arqueologia, geoquímica, análises arqueométricas, como Raman e MEV, uso de Fetch para delimi-
tação de áreas de interesse de análise de processos erosivos e impactos de reservatórios em sítios
arqueológicos em faixa de depleção. Com experiência na preparação de materiais didáticos, é au-
tora de uma obra para alunos do Ensino Fundamental.
5

Sumário

Apresentação 7

1 O conceito de região 9
1.1 A região na história do pensamento geográfico 9
1.2 Construindo um quadro-síntese 14
1.3 A região na contemporaneidade  16

2 Planejamento regional 21
2.1 A região como escala de planejamento  21
2.2 Planejamento regional e desenvolvimento econômico no Brasil  24
2.3 O planejamento regional brasileiro para além das superintendências  31

3 O Estado e a escala regional 39


3.1 Estado e poder por meio do conceito de território 39
3.2 Ordenamento territorial e planejamento regional no Brasil 40
3.3 O BNDES como agente do planejamento regional brasileiro  45

4 O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 53


4.1 O IBGE: história e influência na geografia regional brasileira  53
4.2 A produção e disseminação de conhecimentos por meio do IBGE  55
4.3 A regionalização oficial do Brasil  58

5 A regionalização do território brasileiro 71


5.1 A descrição como síntese da geografia regional  71
5.2 O trabalho de campo na formação do conhecimento geográfico  74
5.3 A região como produto-síntese da geografia?  76

6 Divisão regional do Brasil  81


6.1 A divisão regional do Brasil e os complexos regionais  81
6.2 A proposta de Roberto Lobato Corrêa (1939-)  85
6.3 As transformações de regiões pela geografia crítica  87
6

7 As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 93


7.1 Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste  93
7.2 Regiões Sul e Sudeste  99
7.3 Um mosaico que nos representa?  102

8 A questão regional para além da regionalização 109


8.1 O regional como pertencimento e a geografia cultural  109
8.2 A região cultural pelo IBGE  111
8.3 Um conceito que ilumina uma saída: a dicotomia da geografia?  114

Gabarito 121
7

Apresentação

A geografia regional – tema central desta obra – tem historicamente uma posição central da
geografia. Há reflexões que consideram o conceito de região o meio pelo qual a geografia percorreu
para se consolidar como uma ciência moderna. De produto-síntese do conhecimento geográfico
a conceito curinga da geografia, a região, como ferramenta analítica, ultrapassa a noção de área e
representa de maneira mais ampla o espaço geográfico.

Aqui, buscamos aproximá-lo desse tema que é ao mesmo tempo teórico – devido a correntes
de pensamento e visões de mundo – e prático, em razão da concretude das regionalizações, dos
planejamentos e ordenamentos territoriais e representações cartográficas.

No Capítulo 1, trazemos o conceito de região sob as diferentes abordagens existentes no


pensamento geográfico e sua relação com outros importantes conceitos. Ainda em um caminho
teórico, apresentamos no Capítulo 2 a região como unidade de escala para o planejamento. Para
tanto, utilizamos o método regional como alicerce teórico.

O Capítulo 3 apresenta a interface territorial do conceito de região e discute a ação da admi-


nistração pública no planejamento regional, que faz surgir a noção de poder e do papel do Estado
como agente planejador.

Com base no papel desempenhado pelo Estado e nas monografias regionais, o Capítulo 4
discute a importância do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no desenvolvimento
e na difusão de conhecimento. Além disso, verificamos a proposta oficial de regionalização brasi-
leira empreendida por esse mesmo órgão.

No Capítulo 5, compreendemos como as regionalizações são desenvolvidas e nos apropria-


mos de ferramentas analíticas, com o objetivo de criar habilidades para regionalizar na qualidade
de futuros geógrafos.

Além do IBGE, a geografia regional brasileira conta com propostas de importantes autores,
como Roberto Lobato Corrêa e Milton Santos. No Capítulo 6, demonstramos a importância e as
diferenças dessas propostas.

A visão de um mosaico, com partes distintas, mas que formam um conjunto coerente e har-
mônico é comum na geografia. Com base na classificação proposta pelo IBGE, apresentamos no
Capítulo 7 uma caracterização das regiões brasileiras. Com isso, ultrapassamos a simples criação
de um compilado de dados e almejamos uma reflexão da realidade socioespacial brasileira.

Concluímos esta obra com uma reflexão sobre o potencial do conceito de região proposto
pela geografia cultural – que perpassa questões de planejamento regional e abordagens territoriais
– e a visão humanística do espaço geográfico. Assim, o Capítulo 8, além de apresentar uma propos-
ta de regionalização com base em obras literárias brasileiras, propõe uma provocação: entender a
questão regional para além da regionalização.
Por fim, não concluímos o debate acerca da geografia regional. Pelo contrário, buscamos
subsidiar você, leitor, com ferramentas analíticas e reflexivas para atuar como importante agente
de transformação, seja como pesquisador, planejador, cidadão ou professor. Este último, em espe-
cial, tem o potencial de unir todas essas habilidades, principalmente para a formação de crianças
e adolescentes.
<Nenhum dado do vínculo>

1
O conceito de região

O conceito de região é uma das principais ferramentas analíticas da geografia. Sua histó-
ria está diretamente ligada à formação da geografia como ciência moderna, sendo considerado
por vezes o próprio saber geográfico. No passado, dominar esse conceito era dominar o conhe-
cimento geográfico. Sua posição central em discussões da geografia fez com que sua interpreta-
ção fosse modificada ao longo dos séculos. Desse modo, neste capítulo não apresentamos uma
definição fechada e acabada do que significa região, mas sim uma reflexão sobre esse conceito
ainda tão presente em trabalhos e no discurso da geografia.

1.1 A região na história do pensamento geográfico


O uso de um termo que busque explicar eventos ou fenômenos da realidade reflete o
momento histórico e os personagens envolvidos na geração desse conhecimento – e com o
conceito de região não poderia ser diferente. Assim, no decorrer desta seção vamos conhecer a
origem desse conceito e como ele foi modificado.
No Império Romano, o termo região emergiu como um conceito importante. Originado
do latim regere, estava relacionado, além das noções de localização e extensão, à centralização
do poder em uma porção do espaço de alta diversidade social, cultural e espacial.
No auge de suas conquistas, o Império Romano foi um exemplo perfeito do surgimento
do poder centralizado e, com isso, das complexas relações entre o poder político e administra-
tivo, áreas sujeitas a essa hegemonia. Com seu declínio, houve a fragmentação de seu território.
Assim, as antigas regiones foram subdivididas e deram forma ao poder autônomo dos feudos,
que predominaram na Idade Média.
Mapa 1 – Divisão do Império Romano em regiões no ano 117 d.C.
Andrei Nacu/Wikimedia Commons

CALEDÔNIA MAR
GERMÂNICO
HIBÉRNIA Eboraco

Deva

BRITÂNIA
Londínio

MAGNA
OCEANO GERMÂNIA
INFERIOR Colônia
Agripina GERMÂNIA
BÉLGICA
Lutécia Augusta
Treveroro
1. ALPES PENINOS
2. ALPES COTIOS
LUGDUNENSE
GERMÂNIA
Augusta
Vindelicoro Vindobona
SARMÁTIA
SUPERIOR
3. ALPES MARÍTIMOS Limono Lauriaco
RÉTIA Aquinco
AQUITÂNIA Lungduno NÓRICA PANÔNIA
SUPERIOR
Napoca REINO DO
Ólbia
Burdigala Mediolano BÓSFORO
Aquileia Apulo
PANÔNIA
INFERIOR
DÁCIA IBÉRIA
NARBONENSE Cremona MÉSIA
Sarmisegetusa
Massília DALMÁCIA INFERIOR
Salamântica César Augusta Narbo Márcio
Naisso
Tomis
PONTO EUXINO
LUSITÂNIA TARRACONENSE ITÁLIA Salona Durostoro
Trapezo ARMÊNIA
Toleto CÓRSEGA MÉSIA
Emerita Augusta Tarraco SUPERIOR Filípolis
BITÍNIA E Artaxata
Aléria PONTO
Itálica Nápoles
TRÁCIA Bizâncio CAPADÓCIA
Dirráquio
MACEDÔNIA GALÁCIA
Córduba
SARDENHA Tessalônica
Gades
BÉTICA ÉPIRO Niceia Ancira ASSÍRIA
Nova Cartago Tarento
Butroto Cesareia IMPÉRIO
Caralis ACAIA ÁSIA
Edessa
PARTO
Panormo Nisibis
Cesareia Éfeso
Tingi CILÍCIA
Útica Antioquia MESOPOTÂMIA
MAURITÂNIA MAURITÂNIA SICÍLIA Corinto Atenas Mileto
Tarso
TINGITANA
Cartago
Siracusa LÍCIA E SÍRIA
CESARIENSE Cirta
ÁFRICA PANFÍLIA Ctesifonte
Tarso
CHIPRE Salamis

PROCONSULAR Mare Nostrum CRETA


Babilônia

GETÚLIA Tiro

E JUDEIA
Léptis Magna Jerusalém

Províncias senatoriais Cirene


Alexandria
ARÁBIA
Petra
CIRENAICA ARÁBIA
Províncias imperiais FAZÂNIA Mênfis
PÉTREA

Estados clientes
EGITO
10 Geografia Regional do Brasil

Contudo, as questões sobre essa noção persistiram e não desapareceram com o tempo.
Assim, desde o surgimento desse conceito, é possível estabelecer relações entre a sua etimologia e
a noção de um espaço delimitado e organizado por um governo local. Percebe-se que sua origem
é relacionada à necessidade de um momento histórico, cuja principal característica era a centrali-
zação do poder (GOMES, 1995).
Com a formação dos Estados modernos, novamente surgiu a necessidade de relacionar o
poder centralizado às diversas unidades administravas. Assim, a mesma questão da Antiguidade
Clássica ressurgiu. Gomes (1995) elenca três importantes consequências da origem do conceito de
região nesse contexto. A primeira se deu na esfera do debate político sobre a formação e dinâmica
do Estado, por meio da organização cultural e da diversidade espacial das unidades administra-
tivas. A segunda consistiu no modo como a região representava, nesse momento, as projeções de
soberania, direito e autonomia e atribuía um componente espacial inquestionável ao conceito. Por
fim, a terceira consequência acarretou a eminência da formação da geografia como ciência moder-
na, tornando a região um de seus conceitos-chave.
Na linguagem cotidiana do senso comum, podemos verificar a palavra região em expressões
vagas, incertas, em que não existe a necessidade de estabelecer um limite para sua abrangência.
Nesse sentido, reflexões são deixadas de lado, apenas um impulso momentâneo indica as diretrizes
de sua utilização. Assim, os princípios de localização e de extensão são os únicos condicionantes do
emprego da palavra. Não há uma especificação, fato que impossibilita o discernimento na diferen-
ciação entre região, local, espaço e território, por vezes tratados como a sinônimos.
Na metade do século XIX, as ciências passaram por um momento de consolidação. Com
base nas ideias de Immanuel Kant (1724-1804), segundo o qual o conhecimento verdadeiro se-
ria aquele verificável e seu princípio básico seria a causalidade, vários estudiosos qualificaram os
métodos e os objetivos de suas respectivas ciências. No caso da geografia, Karl Ritter (1779-1859)
foi o responsável por essa consolidação. Por meio de sua obra Geografia comparada, os objetivos
e os métodos geográficos tornaram-se mais concisos. Nesse contexto, a região estava fortemente
relacionada com a discussão das influências do meio natural na sociedade, uma corrente que se
baseava em um domínio do ambiente sobre a orientação do desenvolvimento social.
Foi também nesse momento que surgiram dois importantes autores da geografia moderna:
Friedrich Ratzel (1844-1904), com o conceito de espaço vital – por vezes interpretado, de maneira
equívoca, como sinônimo de região –; e Paul Vidal De La Blache (1845-1918), com o conceito de
região natural, discutido em sua obra Tableau de la géographie de la France (1903). Em ambos os
autores, o ambiente atua como limitante na continuidade regional. E apenas pelos meios técnicos o
homem poderia superar as barreiras do ambiente. A vida social seria construída pela possibilidade
do homem de atuar como agente de organização espacial das sociedades.
No entanto, os pontos de vista desses dois autores eram opostos. Ratzel era rotulado como
determinista, enquanto Vidal de La Blache era considerado possibilista. Na perspectiva possibilista,
a região seria o produto das atividades humanas sobre o ambiente físico. Entretanto, o nome possi-
bilismo foi dado por Lucien Febvre (1878-1956), como verificamos no texto de Mercier (2009, p. 7):
O conceito de região 11

Tal oposição provém, em larga medida, do comentário partidário de Lucien


Febvre (1922) que, para melhor condenar os presumidos erros de Ratzel, ca-
ricaturou seu pensamento confinando-o a algumas sentenças lapidares reves-
tidas sob o pejorativo título de “determinismo”. Inversamente, para garantir o
triunfo de Vidal sobre Ratzel, atribui ao francês a paternidade de uma doutri-
na – o “possibilismo” – cuja principal qualidade era, justamente, invalidar o
falacioso determinismo.
A categoria de região natural – que representava um produto, uma porção do espaço delimi-
tada por aspectos relacionados à geografia física, com forte influência da geologia –, ajudou na deli-
mitação das regiões por bacias hidrográficas, consideradas demarcadores naturais (CLAVAL, 1976).
Uma das construções práticas e teóricas que permanecem até hoje sobre essa categoria foi pos-
tulada por Andrew John Herbertson (1865-1915). Em sua proposta de regionalização da Terra, ele a
dividiu em: polar, temperada fria, temperada quente, tropical, montanhosa subtropical, terras baixas
e úmidas equatoriais. O IBGE, fortemente influenciado por essa noção, delimitou as macrorregiões
naturais também desse modo. Trabalharemos mais sobre essa questão nos próximos capítulos.
Com a emergência do pensamento possibilista, o conceito de região passou a ser trabalhado
como região humana, e com a escola francesa, o gênero vida passou a fazer parte dos conceitos
vinculados à região. Essa seria uma região de enfoque cultural, mas que teria como subsídio a base
física e natural, elevada pela ação do homem em sua organização por meio da técnica. Nesse sen-
tido, região e paisagem por vezes se tornam sinônimos. Essa união de aspectos físicos e humanos a
fazem um produto e ao mesmo tempo uma síntese do saber geográfico. Desse modo, surgiu então
a região geográfica:
A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial, onde se
entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos e natureza. A ideia de
harmonia, de equilíbrio, evidente analogia organicista que Vidal de La Blache
adota, constitui o resultado de um longo processo de evolução, de maturação da
região, onde muitas obras do homem fixaram-se, ao mesmo tempo com grande
força de permanência e incorporadas sem contradições ao quadro final da ação
humana sobre a natureza. (CORRÊA, 2000, p. 28)
A região geográfica passou a ser o produto-síntese da geografia, que condensaria as ações
transformadoras da sociedade sobre o ambiente. Podemos observar que apesar da mudança de
enfoque, o conceito de região ainda é considerado um produto, uma realidade concreta e física.
Assim, o papel da geografia não estava necessariamente na delimitação de regiões, mas sim na
busca de uma personalidade, uma assinatura que a diferenciasse das demais e a tornasse particular.
Vidal de La Blache (1921) ressurgiu como expoente quando afirmou que apenas a descri-
ção do espaço permitiria compreender a complexa estrutura dinâmica do espaço. Nesse período,
a criação de monografias regionais foram um dos principais objetivos da geografia. Eram quase
como receitas de bolo, que iniciavam com a descrição das características físicas (como geologia, ve-
getação e clima), passavam pela descrição estatística da população e, por fim, suas atividades eco-
nômicas. Para tal, o trabalho de campo se tornou parte fundamental, tanto para aproximação do
pesquisador na área quanto para o levantamento detalhado de informações para essas monografias.
12 Geografia Regional do Brasil

Essas características de estudo ficaram conhecidas como Escola Francesa de Geografia, que
permaneceu no auge do cenário acadêmico europeu por cerca de 50 anos e foi amplamente incor-
porada por outros países, entre eles o Brasil.
No método regional, trabalhado especialmente por Hartshorne (1978, p. 138), “a região é
uma área de localização específica, de certo modo distinta de outras áreas, estendendo-se até onde
alcance essa distinção”. Hartshorne foi discípulo de Hettner, um dos mais importantes geógrafos
De corologia:
estudo da
alemães do século XX. Sua geografia foi marcada por uma forma corológica, que ultrapassou os
distribuição antigos sistemas ideográficos (baseados em particularidades e descrições sem abstrações) e nomo-
geográfica
dos seres tético (com base em leis e normas generalistas). Lencioni (1999, p. 189) destaca:
vivos.
Para Hettner a geografia não seria nem ideográfica nem nomotética. Era am-
bas. A essência da geografia estaria no estudo das diferenciações da superfície
terrestre. Assim afirmou a vertente corológica da disciplina geográfica, ou seja,
o estudo regional. A região não era autoevidente. Os limites regionais são conse-
quentes de um exercício intelectual, uma construção intelectual do observador.
A revolução teorética-quantitativa da década de 1950, conhecida também como nova geo-
grafia, impôs uma lógica matemática e formal às ciências sociais – entre elas a geografia. Nessa
transição (da geografia como ciência), a região deixou de ser um produto-síntese para um meio
e uma maneira de demonstrar hipóteses. Regionalizar se tornou um método de dividir o espaço
com base em critérios, hipóteses e teorias previamente estabelecidas e orientadas pelas indicações
de cada pesquisador (GRIGG, 1967). Para Corrêa (1986, p. 32), região tornou-se “um conjunto de
lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e
qualquer elemento de outro conjunto de lugares”.
Desse modo, na análise regional, a região passou a ser uma classe espacial, cuja delimitação
se deu pela classificação por critérios e variáveis arbitrárias estabelecidas pela retórica científica.
Por vezes ela era limitada a métodos e técnicas estatísticas descritivas, o que tornava o uso de pla-
nilhas, cartogramas e pesquisas em gabinete mais importantes do que o trabalho de campo.
Ao contrário do paradigma possibilista e da geografia hartshorniana, a nova pro-
cura leis ou regularidades empíricas sob a forma de padrões espaciais. O emprego
de técnicas estatísticas, dotadas de maior ou menor grau de sofisticação – média,
desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise fatorial, cadeia de Markov etc.
–, a utilização da geometria, exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de mo-
delos normativos, a adoção de certas analogias com as ciências da natureza e o
emprego de princípios da economia burguesa caracterizam o arsenal de regras e
princípios adotados por ela. (CORRÊA, 2000, p. 18)
Foi nesse momento que surgiram importantes autores, como Walter Christaller (1893-1969)
e sua teoria das localidades centrais, John Friedmann (1926-2017) com a teoria do centro-periferia
e François Perroux (1903-1987) com a Teoria dos Polos de Crescimento.
Foi nessa perspectiva que surgiu o termo regiões homogêneas. Essas eram subdivididas em
regiões funcionais (relacionadas ao dinamismo do espaço e seus diversos fluxos, diretamente relacio-
nadas à noção de rede) e tinham características fixas e homogêneas determinadas estatisticamente,
especialmente para fins de planejamento territorial e compreensão do uso e ocupação do solo.
O conceito de região 13

E foi com base nas regiões funcionais que foi criada a escola geográfica das regiões polari-
zadas. Essa escola considerava a cidade como o comando de organização do espaço e tinha Pierre
George (1909-2006) como um importante teórico (GOMES, 1995). As regiões polarizadas valori-
zavam a vida econômica das cidades e buscavam estabelecer organizações espaciais embasadas em
teorias macroeconômicas de inspiração neoclássica, especialmente na obra de Perroux1.
Em contraposição a esse movimento, surgiu a geografia crítica ou radical, especialmente
após os anos 1970, quando o materialismo histórico-dialético adentrou as Ciências Humanas. Para
essa vertente, as regiões polarizadas naturalizavam o capitalismo e causavam a desigualdade tam-
bém na esfera espacial. Assim, o espaço seria diferenciado devido à divisão territorial do trabalho e
o processo de acumulação de capital. No Brasil, Milton Santos (1926-2001) trouxe à tona a ideia de
região como uma totalidade socioespacial, em que as sociedades produziriam seus espaços de ma-
neira dialética, influenciando e sendo influenciados ao mesmo tempo pelo espaço. De acordo com
o teórico, “a região é, pois, nesta perspectiva a síntese concreta e histórica desta instância espacial
ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social”
(SANTOS apud GOMES, 1995, p. 66).
Para a geografia crítica, a região é não é apenas o resultado das diferentes formas de repro-
dução do capitalismo na sociedade e no espaço, mas também elucida o papel político da análise
regional. Nas palavras de Corrêa (1986, p. 45), ela é “o resultado da lei do desenvolvimento desigual
e combinado, caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e pela
associação de relações de produção distintas”.
Contrária à geografia crítica, temos a geografia humanística e a geografia cultural. Essas li-
nhas concebem a região novamente como um produto. Elas existem tanto como um quadro de re-
ferência na consciência coletiva da sociedade quanto definidoras de um código social comum com
base no território. Para os humanistas, a região deve ser vivida, e, com base nessa concepção, os
trabalhos em campo voltaram à cena acadêmica com força. Isso fica claro na obra A região, espaço
vivido, de Armand Frémont (1976).
A geografia humanística buscava uma visão holística para a conceituação e o enriquecimen-
to da organização espacial, logo, também para o conceito de região. Essa vertente tentou definir
esse conceito pela sua multi-interpretação, ou seja, tentou explicá-lo de modo subjetivo, embasado
na avaliação da identidade de determinado grupo social e sua espacialidade, o que ocasionou uma
alta dependência da fenomenologia2.
A geografia cultural – de caráter mais filosófico e com concepções de gênero de vida e
paisagem – baseou-se no estudo de paisagem. Nessa vertente, o conceito de região assumiu ou-
tra interpretação, como um somatório de inter-relações, comportamentos, decisões, apreensões e
valorações. Com isso, esse conceito é caracterizado como intersubjetivo, uma vez que possui um
código próprio (e por isso não pode ter um único modelo regional), que ultrapassa o pessoal e
recebe sentido coletivo. A cultura é fundamental para a interpretação desse espaço.

1 Como mencionamos anteriormente, Perroux apresentou a teoria dos polos de crescimento, cujas prerrogativas princi-
pais consistiam na interdependência e na desigualdade.
2 Para a fenomenologia, é por meio de suas experiências vividas que os indivíduos são capazes de compreender o objeto.
14 Geografia Regional do Brasil

Como alternativa à geografia crítica, temos a geografia do poder, que contou com as con-
tribuições de Michel Foucault (1926-1984) e têm nomes como Yves Lacoste (1929-), Paul Claval
(1932-) e Claude Raffestin (1936-). Esses teóricos pensam na construção de redes de poder e políti-
cas que transformam o espaço e constroem conexões regionais. Essas conexões não se explicariam
apenas por relações econômicas, mas também pelas relações de poder, centralizadas no papel do
Estado ou em tramas mais sutis, como o poder exercido por milícias e/ou grupos de poder político
e sociedades organizadas. Especialmente na obra de Lacoste, a região adquire um papel político e
demonstra as contradições do Estado-nação. Em suas palavras:
Enquanto seria politicamente mais sadio e mais eficaz considerar a região como
uma forma espacial de organização política (etimologicamente, região vem de
regere, isto é, dominar, reger), os geógrafos acreditam na ideia de que a região
é um dado quase eterno, produto da geologia e da história. Os geógrafos, de
algum modo, acabaram por naturalizar a ideias de região. [...] eles utilizam a no-
ção de região, que é fundamentalmente política, para designar todas as espécies
de conjuntos espaciais. (LACOSTE, 2005, p. 36)
Nos próximos capítulos, veremos como a geografia do poder e a região como ação política –
seja no ato de planejar, ou seja, no ato de regionalizar – estão presentes na atual geografia regional.
Esses conceitos serão trabalhados com foco em nossa formação como pesquisadores dessa disciplina.

1.2 Construindo um quadro-síntese


No item anterior, observamos que o conceito de região foi ressignificado em diversos mo-
mentos. Ele sempre foi um tópico central das discussões geográficas e sofreu modificações de apor-
te teórico e metodológico. Porém, de modo geral, os estudos relacionados a esse conceito tinham
como premissa o fenômeno espacial, que refletia as maneiras como as sociedades organizavam e
materializavam suas relações sociais e com o meio natural.
Nesse sentido, nossa intenção não é criar uma forma reducionista ou linear de compreender
essa concepção ou estabelecer juízos de valor sobre as diferentes abordagens. Nosso objetivo é, com
base em um quadro-síntese, evidenciar os aspectos mais relevantes sobre esse conceito na geogra-
fia. Esta seção visa justamente corroborar o conceito de região no qual novas e antigas definições
coexistam e atribuam novos significados constantemente para construir um abrangente e comple-
xo cenário científico para a geografia.
Nas discussões sobre as definições de região natural e região geográfica, está em evidên-
cia o modo como a diversidade social é interpretada e sua relação com o meio natural. Assim, a
importância dada às condições naturais na organização das sociedades e na sua espacialização
dominam o discurso da delimitação da região. Nesse momento, a geografia se reafirma como a
ciência responsável por refletir a relação homem-natureza, mesmo com variações de elementos na
formulação de fenômenos espaciais. Sua análise busca relacionar esses elementos em um mesmo
quadro analítico.
O conceito de região 15

Especialmente após a década de 1950, houve discordâncias em considerar elementos huma-


nos e físicos como conjuntos estruturantes do espaço geográfico (GOUROU, 1973) e a região deixa
de assumir seu papel de síntese. Gomes (1995, p. 69) resume esse processo:
Em outras palavras, a lógica que preside a divisão regional sob o ângulo de uma
ordem natural não pode ser enxertada à ordem social e vice-versa, o que resulta
em uma renúncia da geografia moderna em ver a região como um objeto sinté-
tico que poderia resolver o velho problema dicotômico entre a geografia física
e a geografia humana.
Outro modificador do conceito de região é a compreensão de ciência. Como consequência
dessa modificação, está o importante debate entre geografia geral ou sistemática e geografia regio-
nal, que é o foco de nosso livro.
A Geografia geral, baseada na concepção de ciência geral3, vê a região como um resultado
obtido por meio de um sistema explicativo e critérios analíticos de extensão espacial (GRIGG,
1967). Ela é fundamentada em um modelo sintético de ciência do singular, no qual uma categoria
é embasada em um determinado fenômeno. Para a geografia geral, esse fenômeno não pode ser
desmembrado e sua totalidade deve ser compreendida como caso concreto. Nessa perspectiva, a
região é uma realidade autoevidente e sua delimitação está ligada a um quadro de referência que
não é necessariamente lógico, mas sim relacionado ao sentimento de pertencimento e de identida-
de (FREMONT, 1976). Gomes (1995) exemplifica muito bem essa relação:
Existem pois duas abordagens diferentes da realidade geográfica, uma que se
aproxima da ecologia e, consequentemente, incorpora antes de mais nada os
dados das ciências naturais e da sociologia; a outra está ligada sobretudo ao fun-
cionamento do espaço territorial e dá destaque aos dados da economia política
[...] Longe de excluírem uma a outra, estas duas abordagens se esclarecem mu-
tuamente, mas somente a segunda permitirá talvez ultrapassar a enfermidade
congênita da geografia: sua inaptidão para a generalização. (JUILLARD, 1974
apud GOMES, 1995, p. 70)
Por fim, ainda podemos compreender esse conceito à luz de sua uniformidade ou sua ca-
pacidade de mutação. Assim, região pode ser um fenômeno espacial – derivado da classificação,
uniformidade e hierarquização de um sistema espacial submetido às mesmas variáveis – ou uma
relativização de variáveis que pertencem a dado fenômeno e atribuem um caráter demonstrativo.
Embora tenham ocorrido todas essas transformações, o conceito de região e a regionalização
ainda representam em si o sentido do saber geográfico. Como diz Haesbaert (1999), esse conceito
permite à geografia se aproximar de sua maior vocação: de realizar sínteses baseadas na realidade
espacial, nas quais a relação sociedade-natureza se representa nas mais complexas materializações.
Ser capaz de se apropriar dessa concepção e de suas possibilidades teórico-metodológicas é essen-
cial para o geógrafo. A Figura a seguir demostra nossa síntese do conceito de região.

3 O objetivo dessa concepção é alcançar leis gerais e conceitos abstratos e generalistas de uma realidade sistemática.
16 Geografia Regional do Brasil

Figura 1 – Quadro-síntese do conceito de região

Região

Origem do termo Regionalizar


Análise regional
• Império Romano
• Idade Média • Região homogênea
• Criação dos Estados-modernos • Região funcional
• Senso comum • Região polarizada
• Poder centralizado e diversidade social,
cultural e espacial Geografia crítica ou radical
• Relação com a definição da Antiguidade –
• Método histórico dialético
localização e extensão
• Totalidade socioespacial

Geografia como ciência


Geografia humanística e cultural
• Relação homem-natureza Fenomenologia
• Região natural x região geográfica
• Espaço vivido
• Pertencimento e identificação
Escola Francesa
Método regional

• Monografias regionais Geografia do poder


• Trabalho de campo • Estado-nação
• Relações de poder multiescalares

Região como produto-síntese


Contemporaneidade

Escola Americana • Globalização


• Global/local na noção de região
• Revolução teorética quantitativa

Fonte: Elaborado pela autora.

1.3 A região na contemporaneidade


Com o desenvolvimento do sistema capitalista e especialmente o processo de globalização,
houve autores que levantaram a possibilidade de “morte“ do conceito de região. A homogeneização
e a uniformidade dos espaços e das relações sociais ocasionadas pela globalização marcariam o fim
desse conceito (LIPIETZ, 1977). Com base nesse ponto de vista, os movimentos regionais seriam
instâncias de resistência a esse processo.
No entanto, uma outra vertente indicaria justamente o contrário. A região, por meio da
globalização, poderia emergir como escala para a interpretação de conflitos e problemas na relação
global/local. Segundo Santos (1999), a complexidade pertinente à região na contemporaneidade
é única e parte inerente dos processos de globalização e fragmentação de maneira concomitante.
Sobre essa dualidade, Santos ainda destacou: “não pensamos que a região haja desaparecido. O que
esmaeceu foi a nossa capacidade de reinterpretar e de reconhecer o espaço em suas divisões e re-
cortes atuais, desafiando-nos a exercer plenamente aquela tarefa permanente dos intelectuais, isto
é, a atualização dos conceitos” (1994, p. 102).
O conceito de região 17

Desse modo, em uma perspectiva ampliada, o conceito de região pode se dar pela complexa
rede de fenômenos multiescalares, isto é, que ultrapassam uma única escala geográfica do mundo
contemporâneo. Seu resgate e sua ressignificação, com a ideia de região rede4, podem ser estabe-
lecidos por meio das relações sociais e do modo de produção capitalista. Além disso, o conceito
pode perpassar as construções simbólicas de identidade regional, criar teias de relações espacial-
mente expressas e chegar até a necessidade do uso de região natural e regionalizações baseadas em
aspectos físicos da paisagem (NOBREGA, 2015).
Desse modo, essa concepção passa a ser fenômeno espacial da realidade, mas que existe como
fenômeno geográfico. Assim, assume-se, concomitantemente, uma dualidade em seu uso como fer-
ramenta analítica da geografia, no aspecto concreto de território, na questão escalar, na pós-moder-
nidade e na fenomenologia.
Sem nos limitarmos, mas pensando em bases para as reflexões propostas nesta obra, nos
principais estudos de geografia regional da atualidade e, especialmente, no enfoque aqui dado em
relação à divisão regional brasileira e ao planejamento regional, ainda podemos buscar um cami-
nho teórico. Para Gomes (1995, p. 73),
De qualquer forma, se a região é um conceito que funda uma reflexão política
de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas
a uma certa área e, finalmente, se ela é sempre uma discussão entre os limites
da autonomia face a um poder central, parece que estes elementos devem fazer
parte dessa nova definição em lugar de assumirmos de imediato uma solidarie-
dade total com o senso comum que, neste caso da região, pode obscurecer um
dado essencial: o fundamento político, de controle e gestão de um território.
Assim, a materialidade desse conceito é relevada por mecanismos mais flexíveis e ele deixa
de estar vinculado diretamente, por exemplo, à continuidade espacial, estabelecendo relações com
ajustes nas escalas global e local no contexto de globalização.

Conclusão
Podemos finalizar nossa discussão sobre esse assunto? Temos uma definição estabelecida do
que é hoje o conceito de região na geografia? Esperamos que não. Esperamos também que isso não
seja um problema. Entender que a definição de um conceito é cíclica e contextualizada; é a princi-
pal mensagem que deve ser compreendida aqui.
A problemática de pesquisa, as transformações na sociedade e no espaço, os avanços teó-
ricos e metodológicos modificaram, modificam e continuarão modificando nossas ferramentas
analíticas. E não podemos esperar outra coisa do conceito de região. De qualquer forma, isso não
significa que qualquer explicação é suficiente para compreendê-lo, senão corremos o risco de for-
talecer seu uso no senso comum, ou utilizá-lo de maneira inadequada. Assim, é sempre importante
deixar claro qual é a vertente em que determinado autor embasa sua definição e, especialmente,
para qual finalidade você utilizará esse conceito em uma análise.

4 Noção de fluxos e inter-relações do conceito de rede, apropriado para a análise de região.


18 Geografia Regional do Brasil

Este foi um capítulo teórico e introdutório de nosso livro. Nos próximos, veremos outros
conceitos e métodos relacionados à geografia regional brasileira, com mais exemplos práticos e
possibilidades de linhas de pesquisa.

Ampliando seus conhecimentos


Sempre que possível, devemos ler também os autores aqui trabalhados. Para pensarmos me-
lhor o conceito de região, sugerimos a leitura do artigo “Região, diversidade territorial e globali-
zação”, de Rogério Haesbaert, professor da Universidade Federal Fluminense. Disponibilizamos a
seguir um trecho do texto em questão.

Região, diversidade territorial e ­globalização


(HAESBAERT, 1999, p. 32-33)

[...]
A região enquanto conceito, na interação sujeito-objeto, não pode cair nem na visão de região
como algo autoevidente a ser “descoberto” (seja como realidade “natural”, seja como “algo vivo
percebido pelos homens”) nem como simples recorte apriorístico, definido pelo pesquisador
com base unicamente nos objetivos de seu trabalho. Assumimos aqui a posição, já comentada,
da região enquanto conceito, veículo de interpretação do real, e regionalização enquanto ins-
trumento de investigação, de forma análoga ao método de periodização dos historiadores.
Região, enquanto conceito, não deve, entretanto, ser vista como uma simples ideia lançada
pelo geógrafo como uma rede produzida na e para a sua teoria regional. Esta “rede” apreende
características efetivamente existentes. A região não é apenas uma construção intelectual, ela
também é efetivamente construída pela atividade humana (SMITH, 1988), em sua constante
produção da diversidade territorial. Se o conceito, enquanto ideia mais elaborada e geral que
temos sobre o mundo, nunca esgota o entendimento da realidade e muito menos a substitui,
ele também participa dela, na medida em que sua construção acaba sempre interferindo não
só na nossa leitura como também na nossa ação sobre o mundo.
A questão principal será sempre a de perceber quais são os agentes e os processos que devem
ser priorizados para entender as razões da diferenciação espacial e, somente a partir daí qual a
escala em que ela se manifesta com maior clareza (ou coerência). [...]

HAESBAERT, R. Região, diversidade territorial e globalização. GEOgraphia. Niterói, v. 1, n. 1,


1999. Disponível em: <http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/view/4/3>.
Acesso em: 8 jan. 2018.

Atividades
1. Quando pensamos na história do pensamento geográfico e na definição do conceito de re-
gião, pode nos vir à mente momentos históricos e espacialidades que influenciaram ressig-
nificações. Essas transformações são discutidas por vários teóricos, considerados represen-
tantes de diversas vertentes. Mais do que apenas listá-los, relacione a definição do conceito
de geografia com a temporalidade e espacialidade de seus estudos.
O conceito de região 19

2. Podemos dizer que diversos agentes influenciaram a transformação do conceito de região.


Alguns desses são diretamente relacionados à ciência geográfica, outros são vinculados às
novas formulações das ciências. Reflita sobre esses aspectos e escreva os principais eventos e
teorias que proporcionaram essas mudanças de paradigmas.

3. O conceito de território é uma ferramenta analítica da geografia, o qual busca compreen-


der as relações de poder que configuram e reconfiguram as organizações espaciais. Apesar
do conceito de região – especialmente na contemporaneidade – ser influenciado pelas
relações de poder e o ato de regionalizar ser uma ação política, tratam-se de conceitos
distintos. O que diferencia esses conceitos? Com base nesse princípio, como o conceito de
região auxiliaria na compreensão da realidade?

4. A globalização é fundamental para compreender as configurações do espaço geográfico, que


é o objeto da geografia. Desse modo, escreva como esse processo pode ser entendido quando
relacionado ao conceito de região.

Referências
CASTRO, I. E. A região como problema para Milton Santos. Revista electrónica de geografía y ciencias
sociales, Barcelona, v. 6, n. 124, set. 2002. Disponível em: <www.ub.es/geocrit/sn/sn-124e.htm>. Acesso
em: 4 jan. 2018.

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(Orgs.) Geografia: Conceitos e temas. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 1995.

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GRIGG, D. Regions, Models and Classes, Models in Geography. Londres: Methuen. 1967.

HAESBAERT, R. Região, diversidade territorial e globalização. GEOgraphia. Niterói, v. 1, n. 1, 1999. Disponível


em: < http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/view/4/3>. Acesso em: 8 jan. 2018.

HARTSHORNE, R. Propósitos e natureza da Geografia. São Paulo: Hucitec/ Edusp, 1978.

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20 Geografia Regional do Brasil

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Gonçalo, v. 1, n. 1, p. 107-130, jan./jun., 2015. Disponível em: < http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.
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______. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec,
1997.

VIDAL DE LA BLACHE, P. Principes de géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1921.


2
Planejamento regional

Como vimos no primeiro capítulo, o ato de regionalizar é em si um ato político que


evidencia, sobretudo do ponto de vista territorial e do Estado, como a representação no espaço
se dá por meio das relações de poder. Assim, neste capítulo sustentamos que o planejamento e
o desenvolvimento econômico são idealizados e realizados na escala regional, principalmente
em economias emergentes e periféricas, como é o caso do Brasil. Além de relacionarmos con-
ceitos, fazemos um breve levantamento histórico do planejamento regional brasileiro. Por fim,
abordamos também a influência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), que é até hoje o principal órgão de referência para o planejamento regional no Brasil.

2.1 A região como escala de planejamento


O planejamento é a ação de planejar, de estabelecer metas e diretrizes que pretendem
manter ou modificar as ações sobre uma determinada situação. Quando referimo-nos ao pla-
nejamento regional, mais do que uma delimitação de escala (nesse caso a região), referimos-
-nos a um planejamento econômico e territorial, especialmente no caso do Brasil, de base ca-
pitalista. Assim, é interessante relembrarmos de qual conceito de região estamos nos referindo.
Como já vimos, esse conceito pode ser aprendido e utilizado de diferentes maneiras. Aqui, ele
será trabalhado com base na definição de Gomes (1995), que relaciona a região a aspectos so-
ciais, de fundamentação política, de controle e gestão de um território.
Podemos dizer que o planejamento regional pode ser entendido de duas maneiras.
A primeira se dá quando esse planejamento objetiva o desenvolvimento ligado ao capital. Para
atingir essa finalidade, suas ações são focadas na redução de incertezas do processo capitalista
em determinada área do espaço. Assim, essa ação estará centrada na diminuição das dispari-
dades causadas pelo desenvolvimento econômico na distribuição espacial dos polos econômi-
cos. A segunda possibilidade ocorre quando o planejamento regional busca garantir interesses
ligados às populações afetadas por ele. Nesse caso, haverá um enfoque no controle do capital
e no modo de extração de recursos da natureza, além de aspectos sociais e econômicos da po-
pulação (THEIS, 2016).
Segundo Bomfim (2007), a geografia como ciência adotou de maneira ampla diversas
bases teóricas para refletir o ato de planejar o espaço. Nessa perspectiva, a região se apro-
ximaria de uma área programada, na qual a divisão teria como premissa a maximização da
eficiência de um programa de desenvolvimento territorial. Para tanto, a regionalização seria
parte desse processo, no qual suas delimitações estariam fortemente relacionadas às intenções
e pretensões do planejamento regional.
A expressão planejamento regional surgiu com o urbanista irlandês Patrick Geddes
(1854-1932). Com forte influência da definição de região estabelecida por Vidal de La Blache,
22 Geografia Regional do Brasil

as monografias regionais e seus levantamentos sobre a região natural deram subsídios para a com-
preensão e elaboração de metas de desenvolvimento do espaço. Entretanto, a primeira experiência
de planejamento regional teve origem nos Estados Unidos, como parte do programa New Deal
durante o governo Roosevelt1. Esse programa tinha como objetivo a recuperação da economia nor-
te-americana após a crise de 1929. Para tanto, foram adotadas medidas de combate ao desemprego,
recuperação da agricultura por meio da criação de agências de crédito e fomento para agricultores,
controle de preços para impulsionar a indústria, além de legislações que controlassem de maneira
enfática o setor financeiro e tributário.
O vale do Rio Tennessee (afluente dos rios Ohio e Mississipi), que tinha sua economia voltada
para agricultura, era considerada umas regiões menos industrializadas dos EUA na década de 1930.
Para suprir essa questão, foi criada a Tennessee Valley Autorithy (TVA), uma autarquia de planeja-
mento econômico e territorial que existe até hoje. Baseada em uma política econômica do keynesia-
nismo2, foram realizadas nesse rio obras de navegabilidade, usinas hidrelétricas, pontes e rodovias,
bem como o gerenciamento de recursos hídricos e o desenvolvimento de energia nuclear. A TVA não
influenciou apenas o modo como orientamos o planejamento regional brasileiro, mas também nossa
matriz energética e a criação de grandes empreendimentos, principalmente pela política econômica
dos governos de Getúlio Vargas3 (1882-1954) e Roosevelt, como verificaremos adiante.
Figura 1 – Barragem de Guntersville (cidade do estado do Alabama, nos EUA) no Rio Tennessee

Jeffrey Schreier/iStockphoto

Outro exemplo de planejamento regional é a Cassa per il Mezzogiorno, organização do go-


verno italiano baseada no exemplo da TVA para o desenvolvimento da Região Sul da Itália. O sul
italiano é considerado a região menos desenvolvida economicamente do país. Entretanto, apesar

1 Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) foi presidente dos Estados Unidos de 1933 até sua morte, em 1945.
2 Veremos essa concepção detalhadamente nas próximas páginas.
3 Getúlio Dornelles Vargas governou o Brasil por 15 anos contínuos, no período de 1930 a 1945. Posteriormente, Vargas
também foi presidente de 1951 a 1954.
Planejamento regional 23

da transferência de recursos, melhorias de infraestruturas e incentivos fiscais para a instalação de


indústrias, essa ainda é uma região fortemente agrícola. Aspectos relacionados à corrupção e à
máfia são entraves para seu desenvolvimento, fato que ocasiona, inclusive, o fechamento de impor-
tantes fábricas, como da Fiat.
Figura 2 – A paisagem da Sicília (Itália) exemplifica sua forte relação com a agricultura. Essa é uma das
áreas econômicas menos desenvolvidas do país até os dias de hoje.

studioraffi/iStockphoto
Podemos observar que as teorias e dinâmicas envolvidas na ação de planejar estão im-
plicitamente ligadas às teorias e políticas econômicas. Teoricamente, no capitalismo, o espaço é
compreendido de maneira integrada e articulada – é daí que surge, por exemplo, a definição de
globalização. Assim, a regionalização é sempre entendida como um corte arbitrário e está relacio-
nada com a interação entre pontos do espaço sob uma ótica capitalista. A dinâmica regional, desse
modo, estaria relacionada aos movimentos de capital entre diferentes pontos do espaço. A direção
e a motivação seriam elementos para a formulação de teorias.
Entre os principais autores dessa concepção estão François Perroux, Jacques Boudeville
(1919-1975) e Douglas North (1920-2015). Destes, Perroux foi o mais importante para a com-
preensão e delimitação de políticas para o planejamento regional no Brasil. Autor da expressão po-
los de desenvolvimento, sua teoria se baseou na industrialização como processo gerador de polos de
aglomeração econômica. Com forte influência da revolução teorética quantitativa, para Perroux,
o espaço era abstrato, euclidiano4 e poderia ser compreendido pela matemática e estatística. Para
ele, as relações que ocorriam no espaço econômico não eram refletidas completamente no terri-
tório nação, mas sim no domínio de alcance dos planos econômicos de governo e dos indivíduos,
especialmente instituições econômicas. Além disso, os complexos industriais viabilizariam o cres-
cimento econômico por meio de polos de desenvolvimento.

4 Referente a Euclides, geômetra que viveu na cidade de Alexandria no século III a.C.
24 Geografia Regional do Brasil

Na busca de uma aproximação com a interpretação geográfica, podemos encontrar em


Santos (1996, p. 63) um modo de compreender a organização espacial:
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também con-
traditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isolada-
mente, mas como o quadro único no qual a história se dá. [...]
Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de
objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro, o sistema de
ações leva a criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes.
É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.
Para o autor, o espaço era formado pela interação entre sistemas de objetos e sistemas de
ações. Dessa forma, podemos perceber que – especialmente no caso brasileiro – o planejamento
e a formulação de mudanças nos sistemas de objetos tinham como essência as transformações
do sistema de ações no âmbito econômico e de desenvolvimento. Esse desenvolvimento deve ser
aqui compreendido com base nas premissas do sistema capitalista.

2.2 Planejamento regional e desenvolvimento econômico no Brasil


O planejamento regional e o desenvolvimento econômico no Brasil estão intimamente re-
lacionados. Eles derivam dos processos de acumulação de capital de economias emergentes, que
resultam em contrastes e dependências da concentração geográfica do capital, ou seja, acarretam o
desenvolvimento regional desigual (OLIVEIRA, 1981). Nesse sentido, verificamos que parte con-
siderável das experiências de planejamento regional realizadas no Brasil buscaram a manutenção
dos processos de concentração capitalista. Essas visavam corrigir desigualdades de distribuição de
capital, mas não corrigiam necessariamente a mitigação de desigualdades socioespaciais relaciona-
das à extração desenfreada de recursos naturais e humanos. Assim, essas regiões não permanece-
ram dependentes e periféricas apenas daquelas mais desenvolvidas economicamente, mas também
continuaram dependentes de economias centrais, em escala global.
Antes de analisarmos detalhadamente os projetos existentes no Brasil, devemos compreen-
der quais paradigmas foram absorvidos pelas políticas regionais e pelo ordenamento territorial e
como esse processo incidiu sobre a ocupação territorial brasileira.
Um dos primeiros paradigmas do planejamento regional brasileiro foi a política econômica
Keynesianismo: conhecida como keynesianismo, que compreendia que o Estado deveria assumir um papel inter-
nome dado à teoria
do economis- vencionista, isto é, que controlasse e ordenasse a economia. Esse pensamento perdurou dos anos
ta inglês John
Maynard Keines
1950 até meados dos anos 1990, quando o neoliberalismo passou a dominar as políticas de governo.
(1883-1946).
No neoliberalismo, o Estado deveria atuar de maneira restrita – como Estado mínimo –,
no qual o mercado se autorregularia. Assim, caberia ao Estado apenas funções reguladoras so-
ciais e assistencialistas (COSTA, 2008; CARDOSO JÚNIOR, 2011). Essa doutrina esteve muito
presente no governo de Fernando Henrique Cardoso5 (1931-), caracterizado por políticas de pri-
vatização. Essa mudança refletiu também no modo de compreender o desenvolvimento durante
o período keynesiano. Nessa época, ele foi atrelado ao Estado, especialmente na criação de polos

5 Popularmente conhecido como FHC, Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil de 1º de janeiro de 1995 a 1º
de janeiro de 2003.
Planejamento regional 25

industriais, no projeto conhecido como nacional desenvolvimentista. Durante o neoliberalismo,


o enfoque foi modificado. Depois dos anos 2000, com os governos de centro-esquerda de Luís
Inácio Lula da Silva6 (1945-), foi retomada uma ação mais ativa do Estado, que estabeleceu um
neodesenvolvimentismo7.
Antes da Constituição Federal de 1988, o desenvolvimento e crescimento eram considerados
apenas do ponto de vista econômico. A infraestrutura ou sistema de objetos era voltada apenas para a
melhoria de aspectos dessa ordem. Com instrumentos de preservação do meio ambiente, bem-estar
social e cultural, a Constituição foi um agente modificador das políticas de planejamento regional.
Os anos de 1980 também foram decisivos para a agricultura mundial. Após a Revolução
Verde , a industrialização e mecanização da agricultura, a emergência do mercado financeiro, a venda
8

de commodities e os planejamentos regionais com enfoque no meio rural adquiriram novas facetas. Entendemos por
commodities todo
Inicialmente, com o objetivo de criar novas fronteiras agrícolas e ocupar “vazios territoriais” (princi- produto (matéria-

palmente durante o Regime Militar, com o desmatamento de grandes áreas e a expansão da extração -prima em estado
bruto) produzido em
mineral), o agronegócio passou a ser visto como um motor da economia brasileira, especialmente larga escala destina-
do ao comércio.
pelo superavit da balança comercial, gerado pela venda de commodities (SIQUEIRA, 2013).
Essa importância dada ao meio rural brasileiro sempre esteve presente nos projetos de pla-
nejamento regional, seja por obras de irrigação e créditos de financiamento a produtores, seja
como agente dos processos migratórios, pelo êxodo rural e a migração de regiões menos desen-
volvidas para aquelas com maior industrialização. Especialmente nos últimos anos, a visão sobre o
meio urbano e a qualidade da infraestrutura social e cultural mudaram as necessidades em relação
às cidades e às dinâmicas populacionais.
Os anos 1990 também foram um marco temporal para as relações estabelecidas pelas eco-
nomias mundiais. Antes, a relação centro-periferia refletia a assimetria/desigualdade das relações
econômicas. Após a globalização, em meados dos anos 1980, essas relações se tornaram muito mais
complexas e diversificadas (UDERMAN, 2008).
A Constituição Federal de 1988 incluiu ainda dois importantes pontos focais nos debates regio-
nais: a importância da preservação do meio ambiente e das comunidades tradicionais e como o turismo
poderia atuar como agente modificador de economias e regiões periféricas. A necessidade de incluir no
planejamento a opinião da população, por meio de audiências públicas e planejamentos participativos,
trouxe uma nova visão para os objetivos esperados do planejamento regional. Caberia muito mais con-
trolar o capital do que apenas a criação de novos polos de desenvolvimento econômico.
Esses paradigmas foram absorvidos de diferentes modos pelas políticas de planejamento
regional viabilizadas por meio da criação de agências de desenvolvimento regional. A maioria foi

6 Luiz Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil de 1º de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2011.
7 De acordo com Sampaio Júnior, o neodesenvolvimentismo consiste “em conciliar os aspectos ‘positivos’ do neoli-
beralismo – compromisso incondicional com a estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade
internacional, ausência de qualquer tipo de discriminação contra o capital internacional – com os aspectos ‘positivos’
do velho desenvolvimentismo – comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do
Estado, sensibilidade sócia” (SAMPAIO JR., 2012, p. 679).
8 A Revolução Verde – iniciada nos anos 1960 – orientou a pesquisa e o desenvolvimento de sistemas de produção
agrícola com o objetivo de aprimorar e elevar a capacidade de produção de cultivos.
26 Geografia Regional do Brasil

criada na década de 1950, extintas durante a década de 1990 e recriadas na década de 2000 espe-
cialmente com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), no ano de 2007. Antes
voltadas à criação de polos de desenvolvimento, essas políticas nos últimos anos têm incentivado
a criação de distritos industriais, incubadoras para empresas de desenvolvimento e parques tecno-
lógicos. Financiamentos e fundos de crédito ainda são mecanismos utilizados, e um dos principais
agentes desse processo é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
sobre o qual trataremos no próximo capítulo.
Entretanto, apesar das tentativas, os resultados ainda estão longe dos esperados. Como po-
deríamos explicar o baixo alcance das metas de planejamento regional? Algumas das explicações
estão fundamentadas em problemas políticos de superposição de órgãos, guerras fiscais entre esta-
dos, municípios e governo federal, o peso dado à criação de centros de desenvolvimento fortemen-
te ligados à industrialização (sem analisar se o mercado econômico estava favorável ou disposto a
se relacionar com esses polos), além de fraudes e corrupções. Atualmente, uns dos grandes entra-
ves para a geração de políticas de planejamento regional estão também na falta de metodologias
eficientes de participação popular nos processos decisórios e avaliativos.
De maneira resumida, podemos verificar que as inseguranças políticas e democráticas pe-
las quais o nosso país passou ao longo do tempo ocasionaram a burocratização das instituições
e as sobreposições de interesses e ações. Baseado especialmente na criação de agências, superin-
tendências e adoção de planos plurianuais, o planejamento regional brasileiro pouco evoluiu nas
projeções que se propunha. Notamos que ele ainda é fortemente influenciado pela concentração de
renda e pela economia dependente das oscilações do mercado internacional. Ainda neste capítulo,
veremos como se deu o surgimento dessas agências e superintendências, e posteriormente analisa-
remos os planos plurianuais.
Quadro 1 – Linha do tempo dos principais planos, agências e superintendências relacionadas ao planeja-
mento regional brasileiro

Ano de
Nome
criação
1909 Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IOCS)

1938 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

1945 Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS)

1948 Comissão do Vale do São Francisco (CVSF)

1950 Banco de Crédito da Amazônia

1952 Banco do Nordeste do Brasil (BNB)


Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
1953 Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SPVEA)

(Continua)
Planejamento regional 27

Ano de
Nome
criação
1956 Plano de Metas
Superintendência do Desenvolvimento do Sul (Sudesul)
1959 Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)

1963 Plano trienal

1964 Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG)

1966 Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Banco da Amazônia

1967 Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), Superintendência de Desenvolvimento


do Centro-Oeste (Sudeco) e Superintendência do Desenvolvimento do Sul (Sudesul)

1972 I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND)

1974 Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)

1975 II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)

1980 III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND)

1986 I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR)

1987 Plano de Ação Governamental

1990 Extinção da Sudeco e da Sudesul

1991 Plano Plurianual

1996 Programa Brasil em Ação


2000 Programa Avança Brasil

2001 Extinção da Sudam

2001 Criação da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA


Extinção da Sudene
Criação da Agência do Desenvolvimento do Nordeste (Adene)
2004 Programa Brasil de Todos
2007 Extinção da ADA
Recriação da Sudam
Extinção da Adene
Recriação da Sudene
Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR)
2009 Recriação da Sudeco

Fonte: Elaborado pela autora.

O Nordeste brasileiro sempre esteve no centro das políticas de desenvolvimento econômi-


co e no planejamento regional. Muito dessa questão está relacionada às especificidades físicas,
como grandes estiagens, solos salinos e deficit hídrico. Esses aspectos dificultaram o desenvol-
vimento econômico, baseado especialmente na agricultura convencional, fato que ocasionou o
28 Geografia Regional do Brasil

empobrecimento da população e movimentos migratórios de êxodo. Desse modo, criou-se o ima-


ginário de “região problema” já nos primeiros governos republicanos.
Em 1909, no governo de Nilo Peçanha, foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas
(IOCS), com o objetivo de coletar dados referentes aos aspectos físicos, principalmente meteoro-
lógicos e geológicos, que dessem os subsídios necessários para obras governamentais. Entretanto,
essa ainda não pôde ser considerada uma proposta de planejamento regional, tendo em vista o
enfoque paliativo das consequências das estiagens, e não necessariamente um plano de desenvol-
vimento regional.
Foi somente após o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), com a adoção do mo-
delo de Estado intervencionista na ditadura do Estado Novo, que foi incorporada a ideia de pla-
nificação da política econômica governamental. Emergiu daí a concepção de política pública, que
tornou a administração pública complexa, planejada, regular e duradoura (PESSOA, 2006). É nesse
contexto político-econômico brasileiro que houve a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), fundamental para a implementação de políticas em escala regional e início do
planejamento regional brasileiro9. Surgiu também nesse momento o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1942.
No entanto, foi apenas no final do Estado Novo e com a Constituição dos Estados Unidos
do Brasil de 1946 que o planejamento regional brasileiro sofreu sua grande transformação. Na
Constituição estava presente uma série de designações ao desenvolvimento regional. Uma delas
era o art. 29, que tratava do vale do São Francisco e teve como desdobramento a Comissão do Vale
do São Francisco (CVSF), em 1948, empresa pública com autonomia administrativa e financeira
diretamente ligada à presidência da república. Seu objetivo consistia na criação de planos de apro-
veitamento para regulamentação dos recursos hídricos e fomento econômico, principalmente com
indústrias e irrigação para a agricultura. O início dos anos de 1950 foram marcados pela criação do
Banco de Crédito da Amazônia, em 1950, e o Banco do Nordeste Brasileiro (BNB), em 1952. No
segundo governo de Getúlio Vargas, foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), no ano de 1953.
Durante o governo de Juscelino Kubitschek10, foi criada, em 1956, a Superintendência
do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste (SPVESUD) e, em 1959, a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Dentre as atribuições destacavam-se estudar e propor
diretrizes para o planejamento e o desenvolvimento regional. Para tanto eram criados projetos e
programas de assistência técnica.
Durante a Ditadura Militar, houve o fortalecimento dos órgãos de planejamento econômico.
Em 1966, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), destinada ao
planejamento e desenvolvimento da então chamada Amazônia Legal. Em 1967, foram criadas a
Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), a Superintendência do Desenvolvimento
do Centro-Oeste (Sudeco) e a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul). Em

9 Aspectos relacionados à criação e ao desenvolvimento do IBGE serão abordados em capítulos futuros.


10 Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) foi presidente do Brasil no período de 31 de janeiro de 1956 a 31 de
janeiro de 1961.
Planejamento regional 29

1974 foram criados o Conselho de Desenvolvimento Econômico e a Secretaria de Planejamento da


Presidência da República (Seplan). Nesse ano também foi criada a Companhia de Desenvolvimento
do Vale do São Francisco (Codevasf), que além de gerir o aproveitamento dos recursos hídricos e
do uso do solo, tinha por atribuição a promoção do desenvolvimento integrado da economia e a
implantação de distritos agroindustriais.
Após inúmeras críticas ao modo de organização dessas agências, casos de corrupção e inefi-
ciência dos projetos, foram extintas no ano de 1990 a Sudeco e a Sudesul. A Sudene também foi ex-
tinta e substituída pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) e a Sudam foi sucedida
pela Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA)11, desdobramento das políticas neoliberais
do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em 2000, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco alterou sua razão
social para Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Em 2010 sua área de atuação foi ampliada e a Companhia é até hoje um importante agente no
processo de transposição do Rio São Francisco. A retomada de uma visão neodesenvolvimentista
durante os governos de Luís Inácio Lula da Silva fez com que antigas superintendências fossem
recriadas: a Sudam e a Sudene, no ano de 2007, e a Sudeco, em 2009. Nos mapas a seguir podemos
verificar as sobreposições de órgãos de desenvolvimento e sua variabilidade espaço-temporal na
história do planejamento regional brasileiro:
Mapa 1 – Delimitação da área de atuação do IOCS (1909), antecedente dos planos de planejamento regio-
nal brasileiro

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Inspetoria de obras
Contra Secas (IOCS -1909)

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE e SILVA, 2014.

11 As principais atribuições da ADA consistiam em gerir seus respectivos fundos de desenvolvimento regionais, imple-
mentar estudos e pesquisas, promover e fortalecer as estruturas produtivas e implementar programas de capacitação.
30 Geografia Regional do Brasil

Mapa 2 – Área de atuação atual da Codevasf

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Companhia do Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba

Fonte: Elaborado pela autora com base em SILVA, 2014.

Mapa 3 – Área de atuação atual da Sudene

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene)

Fonte: Elaborado pela autora com base em SILVA, 2014.


Planejamento regional 31

Mapa 4 – Área de atuação atual da Sudam

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Superintendência de Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam)

Fonte: Elaborado pela autora com base em SILVA, 2014.

Nos três primeiros mapas (1, 2 e 3), podemos compreender como foram alteradas as áreas de
atuação das diferentes agências governamentais criadas para a atual Região Nordeste, sempre com
o objetivo de combater os efeitos climáticos da seca sob a economia e a sociedade. É interessante
destacar a modificação da Codevasf, não apenas com a inclusão da bacia do Rio Parnaíba, mas
também com as áreas influenciadas pela transposição do Rio São Francisco. Com relação ao Mapa
4 da Sudam, verificamos que nos dias atuais sua abrangência ultrapassa os limites da regionalização
oficial do IBGE por estados brasileiros. O estado do Mato Grosso é incluído oficialmente na Região
Centro-Oeste e parte do estado do Maranhão é delimitado como Amazônia Legal.

2.3 O planejamento regional brasileiro


para além das superintendências
Nos itens anteriores, verificamos que o planejamento regional brasileiro sempre foi mar-
cado por um enfoque economista de desenvolvimento. Essa questão foi fortemente influenciada
por mudanças políticas – especialmente crises democráticas, como o golpe militar de 1964. Desse
modo, o Brasil estabeleceu uma correlação direta com a economia internacional, porém permane-
ceu como uma economia periférica. Nesta seção, analisamos as políticas de desenvolvimento, seus
desdobramentos e outras espacializações do planejamento regional do país.
Apesar de terem existido outros planos, foi o governo de Juscelino Kubitschek, com seu o
Plano de Metas, o primeiro a estipular objetivos para o setor privado e estimular estudos relaciona-
dos ao diagnóstico da economia brasileira. Com forte influência da criação do BNDES, Kubitschek
criou um programa de governo baseado na frase “50 anos em 5”. O Plano de Metas foi um conjunto
de objetivos – 31 no total – que os setores-chaves da economia deveriam alcançar.
32 Geografia Regional do Brasil

Já no governo seguinte, de João Goulart12 (1918-1976), em que o cenário econômico apre-


sentava dificuldades, foi necessária a elaboração de outro plano econômico, o Plano Trienal, que
tinha como premissa o combate à inflação baseado na controle do deficit público. Esse plano foi
interrompido pelo Golpe de 1964. Apesar da intervenção, esse foi um importante marco para a
ampliação da visão dos planos de desenvolvimento e agregou uma visão global da economia.
O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) – elaborado em 1970 com base na
ideologia política de segurança e desenvolvimento – criou um modelo de organização que consis-
tiu em moldar as instituições por meio do poder do Estado. Esse plano objetivava a implementação
da teoria de polos de crescimento e compreendia que a industrialização seria o meio ideal para
alcançar o desenvolvimento econômico. Por meio da teoria de Perroux, os governos militares se
aproximaram da relação entre o paradigma da industrialização como polo de desenvolvimento e a
presença de um Estado desenvolvimentista.
No I PND houve um forte estímulo para a instalação de indústrias de bens duráveis, em es-
pecial automobilística. Até hoje encontramos reflexos desse momento, como a forte influência das
rodovias e do sistema rodoviário de transporte de cargas no modal brasileiro. Além da instalação de
indústrias, houve grande investimento na criação e ampliação do sistema rodoviário nacional. No II
PND (1975-1979) ocorreu a mudança no enfoque das indústrias instaladas (siderúrgicas, de eletrô-
nica pesada13 e de fertilizantes) – foram priorizadas as relacionadas aos bens de capitais – e a manu-
tenção das altas taxas de crescimento econômico alcançadas no I PND (na ordem de 10% ao ano).
Apesar do aumento da inserção brasileira na divisão internacional do trabalho (FURTADO,
1981), a inconsistência financeira do BNDES naquele momento não garantiu a estabilidade de
financiamentos necessários, bem como a crise política com o fim do período da Ditadura Militar.
No Mapa 5 verificamos, por exemplo, o planejamento do II PND com o Poloamazônia, com inves-
timentos nos setores mineral, metalúrgico e agropecuário. Esse período foi fortemente marcado
pelo genocídio de populações indígenas nessa região, o que causou graves problemas sociais e
ambientais e a intensificação das desigualdades. Nesse mesmo mapa também podemos compreen-
der a espacialidade desses polos. Com a fragmentação dos planos e das ações, esses polos eram
compreendidos como pontos focais dos quais o desenvolvimento se estenderia para o entorno.
Essa expansão seria possível por meio da infraestrutura de ligação dos polos, que foi um forte ar-
gumento para altos investimentos no setor rodoviário, por exemplo.
Como resultado desse suposto milagre, houve um enfraquecimento do planejamento regio-
nal no Brasil. A necessidade de redução do deficit público, a renegociação das dívidas externas e o
controle da inflação dominaram o cenário no início dos anos 1990. Além disso, a sobreposição do
Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR) em 1985, o Plano
de Consistência Macroeconômica (PCM) e o Programa de Ação Governamental (PAG) de 1987
causou a limitação das ações programas.

12 João Goulart, popularmente conhecido como Jango, foi presidente do Brasil de 7 de setembro de 1961 a 1º de abril
de 1964.
13 Indústrias pesadas são aquelas cuja produção é absorvida por outras indústrias, isto é, são indústrias que produzem
máquinas ou matérias-primas. Dentre os principais ramos, podemos destacar as indústrias metalúrgicas, petroquímicas
e de cimento.
Planejamento regional 33

Mapa 5 – Programas econômicos de integração nacional no período da Ditadura Militar (1964-1985)

Região geoeconômica de Brasília


Sudesul
Bacia do Paraguai
Polocentro
Poloamazônia
Polonordeste
Fonte: Elaborado pela autora com base em THÉRY; THÉRY, 2008, p. 269.

Com as novas influências neoliberais dos governos FHC e após o Plano Real houve um
forte empenho na manutenção da estabilidade monetária. O Programa Brasil em Ação, embasado
na criação de eixos nacionais de integração e desenvolvimento – que compreendiam a geografia
econômica do país, os fluxos de bens e serviços –, por vezes ultrapassava os limites estaduais e
regionais com base na divisão regional oficial do IBGE. O planejamento consistiu na busca por
ligações entre os polos que já recebiam investimentos em outros governos e por isso possibilitavam
uma maior troca de fluxos de bens e capitais. Com uma visão neoliberal de economia governamen-
tal, nesse período muitas rodovias foram privatizadas, o que ocasionou o aumento do número de
postos de pedágios.
Baseado no mapeamento dos fluxos de mercadoria, os eixos delimitavam áreas geográficas
com um viés regional de mercado (influência da lógica da produção) e pensavam a rede urbana
de maneira hierarquizada, pela ótica do consumo de bens e serviços. Assim, apenas algumas áreas
eram de interesse para o capital e, consequentemente, para a internacionalização econômica. Seria
o surgimento de uma nova geografia econômica para o país.
O Programa Avança Brasil (2000-2003) foi marcado pelo termo custo Brasil, que consistiu
em um conjunto de ineficiências e distorções que atingiram a competitividade do país em rela-
ção a outras nações. Fatores como sistema tributário desproporcional e injusto, malha rodoviária
em más condições, administração pública corrupta, os altos encargos trabalhistas, elevadas ta-
xas de juros, altos índices de violência, inadimplência e burocracia estatal eram aspectos a serem
34 Geografia Regional do Brasil

combatidos. Desse modo, buscou-se a otimização de resultados, sempre com vistas à redução de
prazos e custos federais.
Com forte caráter economicista e um modelo gerencial de planejamento econômico na-
cional, esse período foi marcado pela guerra fiscal entre estados e municípios, com o objetivo de
arrecadar mais impostos e centralizar investimentos públicos. Como resultados desses anos de
tentativas de planejamento regional voltado ao desenvolvimento econômico, obtivemos muitas
mudanças nos sistemas de objetos com grandes obras de engenharia, mudanças no uso e ocupação
do solo, reorganização demográfica e conflitos pela terra cada vez mais violentos. O mapa de fren-
tes pioneiras de Théry e Théry (2008, p. 286) evidencia esses fatores.
Mapa 6 – Frente pioneira de desenvolvimento regional, início do século XXI

Arco de desmatamento
Mortes em Conflitos
rurais (1985-1991)
Progressão de produção
de soja (1977-1999)

Fonte: Elaborado pela autora com base em THÉRY, THÉRY, 2014, p. 289.

Com a eleição de governos de centro-esquerda, houve o retorno ao desenvolvimentis-


mo, ao neodesenvolvimentismo e às políticas de planejamento regional. A Política Nacional
de Desenvolvimento Regional (PNDR) – por meio do Plano Brasil de Todos, do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), do Programa Bolsa Família e do Plano de Desenvolvimento da
Educação – estimulou a inclusão social e a redução das desigualdades. Essa política ocasionou o
crescimento de emprego e renda de maneira ambientalmente sustentável, reduziu as desigualdades
regionais e possibilitou desenvolvimento da cidadania e da democracia. No mapa a seguir, obser-
vamos um novo modo de regionalização, não embasado administrativamente em estados federati-
vos, mas sim em macrorregiões, formadas por agrupamento de municípios.
Planejamento regional 35

Mapa 7 – Macrorregiões da PNDR


Boa Vista

Macapá

Boa Vista Santarém São Luis


Belém

Macapá Fortaleza
Manaus
Marabá
Santarém Tabatinga São Luis Itaituba
Imperatriz
Belém
Sousa

Fortaleza Crajuba -
Manaus Araguaína R
Marabá Crato -
Cruzeiro do Sul Juazeiro do Norte -
Tabatinga Itaituba Eliseu Martins
Imperatriz Barbalha
Porto Velho
Sousa Juazeiro Petrolina
Rio Branco Palmas
Crajuba -
Araguaína Crato - Recife
Cruzeiro do Sul Juazeiro do Norte -
Eliseu Martins Sinop Barreiras Salvador
Barbalha
Porto Velho
Juazeiro Petrolina
Rio Branco Brasília Vitória da Conquista
Palmas

Sinop Cuiaba Montes Claros


Barreiras Salvador
Goiânia Teófilo Otoni

Brasília Vitória da Conquista


Uberlândia

Cuiaba Montes Claros Belo Horizonte


Campo Grande
Goiânia Teófilo Otoni
Rio de Janeiro

Uberlândia
São Paulo
Belo Horizonte
Campo Grande Cascavel
Curitiba

Rio de Janeiro
Chapecó
São Paulo

Cascavel Porto Alegre


Curitiba Santa Maria

Chapecó

Santa Maria Porto Alegre

Legenda: Macrorregiões
Macropolos consolidados Belém-São Luís
Novos macropolos Belo Horizonte
Brasil Central Ocidental
Aglomerações sub-regionais
Legenda: Macrorregiões Brasil Central
Aglomerações locais Extremo Sul
Macropolos consolidados Belém-São Luís Aglomerações geopolíticas Fortaleza
Novos macropolos Belo Horizonte Manaus
Brasil Central Ocidental Recife
Aglomerações sub-regionais
Brasil Central Rio de Janeiro
Aglomerações locais Extremo Sul Salvador
Fortaleza São Paulo
Aglomerações geopolíticas Territórios estratégicos
Manaus
Recife
Fonte: BRASIL, 2008b, p. 37. Rio de Janeiro
Salvador
São Paulo
Segundo Uderman (2008), Territórios
esse foi um período de desenvolvimento endógeno, com as primeiras
estratégicos
experiências de sistemas participativos no estabelecimento de metas, especialmente fóruns de participa-
ção social. Nessa época também foram recriadas as superintendências da Sudene, da Sudam e da Sudeco.

Conclusão
Como verificamos, os contextos histórico, político, democrático e econômico nacional/
mundial influenciam diretamente os caminhos que o planejamento regional – de caráter econô-
mico desenvolvimentista – percorreu. Na atualidade, as incertezas nesses campos claramente in-
fluenciam o planejamento regional. Neste momento, cabe a nós avançarmos na compreensão dos
processos históricos e nas ferramentas analíticas da geografia para analisar o presente e, por que
não, futuramente contribuir para o planejamento regional brasileiro como geógrafos.
36 Geografia Regional do Brasil

Ampliando seus conhecimentos


Para pensarmos melhor o planejamento regional no Brasil, sugerimos a leitura de um trecho
do artigo “Desenvolvimento desigual e planejamento regional no Brasil”, de Ivo Marcos Theis, pro-
fessor da Universidade Regional de Blumenau (FURB).

Desenvolvimento desigual e ­planejamento regional no Brasil


(THEIS, 2016, p. 81-83)

[...] o Brasil é uma formação social periférica, submetida à lógica do desenvolvimento desigual
do capital. O que isso significa? Que o processo de desenvolvimento que vem tendo lugar no
Brasil, fortemente, condicionado pela própria formação do País (FURTADO, 1977; PRADO
JÚNIOR, 1981; PRADO JÚNIOR, 2000; FERNANDES, 2005), repousa na reprodução de desi-
gualdades socioeconômicas e de disparidades inter-regionais. A industrialização acelerada,
indissociável de uma igualmente rápida urbanização, cuja contrapartida seria justamente o
dramático esvaziamento do rural (BAENINGUER, 2003), daria novo impulso ao desenvolvi-
mento geograficamente desigual no meio século entre 1930 e 1980. No início dos anos 1990, o
Sudeste ainda era responsável pela geração de mais de 58% do Produto Interno Bruto e o Sul
por mais de 17%, de modo que em ambos se concentravam mais de ¾ da riqueza produzida no
País. Ao longo do último decênio houve uma pequena variação em favor das regiões Centro-
Oeste, Norte e Nordeste. No entanto, a essas macrorregiões, que compreendem mais de 82%
do território, e onde vivem mais de 43% da população, cabia, em 2008, apenas 27,4% do PIB
brasileiro (IBGE, 2010). Assim, as desigualdades que persistem – nas diversas escalas, entre
campo e cidade, entre pequenas cidades que também esvaziam e metrópoles que (embora, no
período recente, menos) ainda crescem, entre a faixa litorânea e o interior, entre as macrorre-
giões (e, evidentemente, as microrregiões) – têm sido o resultado (que não se pode ocultar) do
avanço desigual das forças produtivas numa formação social periférica típica.
[...]

THEIS, I. M. Desenvolvimento desigual e planejamento regional no Brasil. Revista Paranaense


de Desenvolvimento, Curitiba, v. 37, n. 131, p.79-97, jul./dez. 2016. Disponível em: <https://
dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5772341.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2017.

Atividades
1. O Nordeste brasileiro sempre foi alvo de políticas voltadas ao planejamento regional e or-
denamento territorial. Essa centralidade está diretamente ligada à figura de “região proble-
ma”. Contextualize as características que tornam essa região peculiar no contexto nacional e
quais tipos de experiências foram realizadas. Referencie também a transposição do Rio São
Francisco em sua argumentação.

2. Elenque os principais eventos históricos, políticos e econômicos que afetaram o estabeleci-


mento das políticas de planejamento regional no Brasil desde a década de 1930.

3. O Mapa 6, referente aos marcadores de fronteira pioneira, traz informações importantes


sobre como a mudança de orientação econômica de uma determinada região reflete em
Planejamento regional 37

seus indicadores. Elabore um texto-síntese acerca das principais questões que emergem na
análise crítica desse mapa.

4. O planejamento regional brasileiro foi fortemente influenciado pelo período da Ditadura


Militar. Quais objetivos, ferramentas e resultados, especialmente em relação aos sistemas de
objetos, este período ocasionou no cenário brasileiro atual?

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38 Geografia Regional do Brasil

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article/viewFile/465/369>. Acesso em: 8 jan. 2018.
3
O Estado e a escala regional

Nos capítulos anteriores, observamos a intrínseca relação entre o conceito de região e


território. Verificamos também que regionalizar e planejar regionalmente são atividades histo-
ricamente atribuídas ao Estado, e este exerce seu poder territorial e econômico por meio desses
mecanismos. Neste capítulo, aprofundamos as discussões referentes a Estado, território e orde-
namento territorial. Além disso, vamos conhecer melhor o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), importante agente do Estado no ordenamento territorial.

3.1 Estado e poder por meio do conceito de território


Ao longo dos dois primeiros capítulos, verificamos que o conceito de região se modificou
ao longo do tempo e do espaço. Além disso, na atualidade, essa concepção é em parte compreen-
dida – quando nos referimos ao planejamento regional e à regionalização para esse fim – com um
enfoque territorial. Depois, analisamos os processos de planejamento regional, principalmente
no Brasil, e constatamos que a instabilidade democrática e a política econômica de cada governo
influenciaram diretamente esse processo. Assim, a noção de Estado e como ele exerce seu poder
perante o planejamento regional faz parte do objeto de pesquisa da geografia regional. Agora,
vamos aprofundar nossos conhecimentos em relação ao Estado e o poder e verificar como eles
estão relacionados ao conceito de território e, consequentemente, ao conceito de região.
Quando falamos de Estado, referimo-nos à definição de Estado-nação ou à unidade
político-territorial do sistema capitalista em que Estado e território se impõem de maneira
soberana. A sociedade politicamente organizada, na qual destino e história são compartilha-
dos, é o âmbito da nação. O Estado é, assim, uma organização soberana e uma ordem jurídica
(­BRESSER-PEREIRA, 2017). Esquematizamos essa definição a seguir:
Figura 1 – Componentes de nação e Estado-nação

Povo Cultura Território Nação

Nação
Governo
Identidade Estado-nação
Leis próprias
Nacional

Estado
País
Aspecto Estado-nação
Aspecto físico
­político

Fonte: Elaborada pela autora.


40 Geografia Regional do Brasil

Estado-nação e base territorial são os conceitos importantes abordados pela geografia do


poder. Na Figura 1, verificamos seus componentes e podemos nos afastar do senso comum.
Território é um conceito também absorvido por outras ciências, como sociologia, psicologia
e biologia. Na geografia, ele é abordado principalmente na geografia humana. Castro (1992) traz a
dimensão territorial como objeto social, em que seus limites são estabelecidos pela sociedade nele
inserida. Para Raffestin (1993), o território se define primeiramente pelo poder. Assim, quando
buscamos esse conceito em nossa narrativa, exaltamos as relações de poder que se estabelecem em
uma dada porção do espaço.
Raffestin (1993) ainda diferencia os termos Poder e poder. O Poder (com P maiúsculo) é fe-
nômeno visível, concreto e identificável, em que o território é delimitado por complexos processos
de controle de recursos e fluxos demográficos e de bens. No entanto, o poder (com p minúsculo) é
fruto das relações, das trocas e das comunicações. Ele é muito mais sutil e estabelece teias que, por
vezes, podem se sobrepor às relações de poder institucionais.
Assim, o território é compreendido como apropriação e domínio de um espaço socialmente
compartilhado. Na apropriação, são exaltados aspectos simbólicos, enquanto no domínio há um
enfoque político-econômico concreto. Os indivíduos, o Estado e as organizações (públicas/priva-
das) são agentes de produção dos territórios, por meio das redes de circulação e comunicação, das
relações de poder e das ações políticas, das atividades produtivas e das representações simbólicas.
No entanto, não devemos cair na tentação de compreender a apropriação e o domínio como um
palco para ações de poder institucionalizado, pois território é em si um elemento das relações so-
ciais e econômicas em diferentes escalas.

3.2 Ordenamento territorial e planejamento regional no Brasil


A natureza institucional com a qual o ordenamento territorial e o planejamento regional
vêm sendo compreendidos no Brasil acaba gerando definições e aplicações vinculadas com a prá-
tica e a operacionalidade desses processos. Contudo, como geógrafos, podemos e devemos “pensar
fora da caixa”. Nesse sentido, precisamos ser capazes de compreender as noções empregadas pelas
instituições, mas também problematizá-las e aplicá-las. Desse modo, separamos esta seção em dois
momentos: o primeiro aborda o tema com base na concretude das instituições; o segundo pelo
ponto de vista científico.
O ordenamento territorial é um instrumento de ação do poder público, que busca – por
meio da articulação transetorial e interinstitucional – alcançar um planejamento integrado. Essa
articulação viabiliza a ação conjunta das políticas de forma compatível com seus resultados na
organização espacial.
Não devemos, porém, confundir ordenamento territorial com regulamentação do uso e
­ocupação do solo1. Esses são processos que ocorrem em diferentes escalas espaciais e de ações, com

1 A regulamentação do uso e ocupação do solo se dá, por exemplo, com o Plano Diretor de uma cidade, que estabelece
o gabarito dos empreendimentos e os tipos de atividades que poderão ser realizadas em cada bairro. A regulamentação
faz parte da Lei Orgânica dos municípios. Já o ordenamento territorial está vinculado a uma questão de planejamento
voltada para o desenvolvimento de uma área, não apenas aos aspectos de forma.
O Estado e a escala regional 41

competências executivas e legislativas distintas. Cabe ao ordenamento territorial uma visão macro
do espaço e uma escala de planejamento que compreende integridade do território nacional, com
biomas, macrorregiões, redes de cidades, zonas de fronteira, reservas indígenas, instalações milita-
res etc. Ele tem um caráter mais amplo, proporcionando ao planejamento dados como a densidade
da ocupação, as redes instaladas e os sistemas de engenharia (MORAES, 2005).
Com base em diagnósticos regionais, a especificação desses territórios, suas demandas e po-
tencialidades são levantadas. O planejamento ou ordenamento ocorre pela valorização dos espaços
e a compreensão dos fluxos demográficos, de bens de capital e de produtos. Ordenar o território
consiste no controle regular da organização instituída na base espacial dos movimentos globais da
sociedade. Nas palavras de Moreira (2007, p. 77): “o ordenamento não é, pois, a estrutura, mas a
forma como a estrutura espacial territorialmente se autorregula no todo das contradições da socie-
dade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua realidade societária”.
Moreira (2007) destaca ainda a noção de que toda proposta de organização e ordenamento
do território busca na realidade a expressão da ação centralizadora do Estado por meio do poder.
Para nortear estratégias de ações planejadoras, cabe ao Estado o decisivo papel de organizar e
implementar iniciativas de desenvolvimento. No Brasil, essas ações são explicitadas no Estudo da
Dimensão Territorial para o Planejamento (BRASIL, 2008), que propõe, entre outras coisas, a orga-
nização de novos arranjos para políticas públicas. Na figura a seguir, verificamos o modelo teórico
para sua elaboração.
Figura 2 – Esquema teórico para a produção do Estudo da Dimensão Territorial brasileira

1 Definição de objetivos Planejamento


• Políticas públicas • Foco estratégico
• Diretivas estratégicas • Horizonte temporal
Objetivos estratégicos • Abrangência espacial
• Mobilização institucional e de especialistas
• Duração e custos

2 Seleção de Tópicos •

Metodologia (métodos e técnicas)
Consulta (público-alvo, extensão, frequência e alcance)
• Planos e programas de governo
• Parceiros
• Temas prioritários
• Relacionamento com iniciativas em andamento
• Questões críticas
• Infraestrutura disponível
Tópicos • Estratégias de disseminação

3 Implementação de estudos prospectivos

Fase inicial • O que está acontecendo?

• O que parece estar acontecendo?


Exercício principal • O que está realmente acontecendo?
• O que deveria acontecer?
Fase de disseminação
• O que se pode fazer?

Tomada de decisão • O que será feito?


4 Estratégia • Como será feito?

Fonte: BRASIL, 2008, p. 22.


42 Geografia Regional do Brasil

Esse estudo propõe uma regionalização baseada em indicadores econômicos/sociais – como


densidade populacional e produtiva – e distingue agrupamentos de mesorregiões (Mapa 1). A ho-
mogeneização de regiões e territórios é necessária para os objetivos metodológicos do planejamento,
no entanto, elas são construções arbitrárias que podem esconder desigualdades sociais, econômi-
cas e ambientais. Como vimos no capítulo anterior, a PNDR (Política Nacional de Desenvolvimento
Regional) foi baseada nessa nova regionalização.
Mapa 1 – Regionalização proposta pelo Estudo da Dimensão Territorial

Guiana
Guiana Francesa
Colômbia Suriname

Boa Vista

Macapá
Belém
Sao Luís
Manaus
3B Fortaleza

1 Teresina Natal
2B1 João Pessoa
Recife

Rio Branco Porto Velho Maceió


Palmas
2B2 Aracaju

Peru Salvador

Bolívia Cuiabá
Goiânia Brasilia
2A
Campo Grande Belo Horizonte
3A Vitória
Paraguai Rio de Janeiro
São Paulo
Curitiba
Chile
Florianópolis

Porto Alegre

Argentina Uruguai

Fonte: BRASIL, 2008c, p. 54.

A diferenciação espacial entre cidade e campo e entre espaço rural e espaço urbano é objeto
de estudo da geografia há anos. Esse tipo de abordagem – focada na centralidade de cidade – é
questionada por pesquisadores, como Veiga (2002), Moraes (2005) e Moreira (2007) e estudiosos
da geografia agrária. Dentre algumas inconsistências, destacam-se problemas envolvidos na corre-
lação direta entre desenvolvimento e urbanização (VEIGA, 2002). As complexidades inerentes ao
espaço rural podem representar desigualdades internas muito mais significativas do que as envol-
vidas da dicotomia rural/urbano. Para Veiga (2002, p. 8), “o desafio é, portanto, entender as várias
dinâmicas socioeconômicas, das mais efêmeras às mais duráveis, distinguindo bem as reversíveis
das irreversíveis, pois algumas podem ser duráveis sem que sejam necessariamente irreversíveis”.
Uma estratégia de desenvolvimento regional centrada especialmente no espaço rural é o pro-
grama Territórios da Cidadania (BRASIL, 2008a), que objetiva o desenvolvimento econômico e a
universalização dos programas básicos de cidadania. No programa, um território rural representa
O Estado e a escala regional 43

a identidade socioeconômica/cultural e atende os seguintes critérios de espacialização: conjunto de


municípios com até 50 mil habitantes; densidade populacional menor que 80 habitantes/km²; orga-
nização em territórios de identidade integrados a outros setores do governo, como Consórcios de
Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consad) – do Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) – e/ou de Mesorregiões, do Ministério da Integração Nacional (MI). Em seu ano de criação,
2008, foram realizadas mais de 177 ações e o investimento foi de R$ 12,9 bilhões. No site2 do Sistema
de Informações Territoriais (SIT) você pode obter mais informações sobre esses territórios.
Figura 3 – Organização das atividades do programa Territórios da Cidadania no ano de 2008

AÇÕES DO GOVERNO PARTICIPAÇÃO E EXECUÇÃO


1 FEDERAL 2 INTEGRAÇÃO
3 E CONTROLE

Governo
federal
177 ações
• 6.000 obras e serviços
pactuados
19 ministérios do
Governos Colegiados
governo federal
estaduais territoriais • Controle público através do
portal
R$ 12,9 bilhões

Governos
municipais

Fonte: BRASIL, 2008a, p. 18.

É importante ressaltar que entre a concretude estabelecida pelo Estado (e seus ordenamentos
territoriais) e a realidade (complexa, globalizada, liquefeita) pode existir um abismo interpretativo
para o geógrafo. A condição pós-moderna é em si uma condição histórico-geográfica, em que o
espaço é analisado de modo complexo e deixa de ser encarado como algo a ser moldado (HARVEY,
1992). De acordo com essa condição, a economia atualmente é mais flexível, com estados fragiliza-
dos, identidades mais fluídas (e instáveis) e espaços mais fragmentados.
Assim, valorizam-se micropoderes em detrimento de macropoderes3. O mesmo ocorre com
a subjetividade em detrimento da objetividade e também com as escalas locais em relação às es-
calas globais. Assim, as crises deixam de ser encaradas como uma ameaça e começam a ser enten-
didas como uma manifestação de uma nova ordem. É sob essa perspectiva que Haesbaert (2006)
reflete sobre a “ordem” que o ordenamento emana. A desordem, antes de combatida, deve ser ana-
lisada como uma reorganização, o início de um novo ordenamento. Algo similar pode ser aplicado
ao conceito de território. Mais que uma definição de classe de área, essa concepção estabelece uma
rede de relações e revela importantes questões acerca da territorialidade.
Segundo Sack (1986), o controle dos fluxos de pessoas, objetos e informações no espaço e
pelo espaço – pela dominação e apropriação deste –, constitui a territorialização. Em Haesbaert

2 Para saber mais, visite o site do SIT: <http://sit.mda.gov.br/mapa.php>. Acesso em: 22 nov. 2017.
3 Os macropoderes estão relacionados aos poderes institucionalizados pelo papel do Estado. Os micropoderes são
aqueles existentes dentro da sociedade moderna, seja nas relações privadas, familiares e interpessoais, seja nas rela-
ções públicas dos indivíduos. Para melhor compreensão desses conceitos, sugerimos a leitura da obra Microfísica do
poder, de Michel Foucault (2014).
44 Geografia Regional do Brasil

(2006), encontramos a noção de des-re-territorização. Nesse sentido, a formação do território se dá


por processos concomitantes de desterritorização, desconstrução, reconfiguração, novas relações
e, por conseguinte, novas territorizações. Esses processos estabelecem uma complexa rede de dinâ-
micas econômicas, políticas, sociais, culturais e naturais.
As dinâmicas econômicas privilegiam pontos (unidade fabris, portos e sistemas de transpor-
tes) e linhas (espaços baseados no conceito de rede) e se apropriam do espaço de modo reticular
(territórios-rede). Um exemplo são as empresas transnacionais4. A dinâmica política – diferente-
mente da econômica – prioriza a formação de territórios-zona em que superfícies e áreas com
limites bem definidos são privilegiados na gestão. No campo das dinâmicas sociais, estariam os
aglomerados de exclusão (favelas, comunidades periféricas, periferias) – formados pela condição
de exclusão socioespacial5 – e as desigualdades (HAESBAERT, 1995). A dinâmica natural é dire-
tamente vinculada às relações sociedade-natureza, ultrapassa as escalas local/regional e estabelece
complexas ligações globais. Sobre essas diversas dinâmicas , Haesbaert afirma:
Esse emaranhado de condições e as complexas combinações daí resultantes
acabam dificultando enormemente a construção das políticas de “ordenamento
territorial” – que são, na verdade, sempre e mais do que nunca, políticas de
“des-ordenamento” territorial. Administrar a des-ordem – e a exclusão ou pre-
carização das condições sócio-espaciais da população que a constitui – passa a
ser o grande dilema a ser enfrentado. (HAESBAERT, 2006, p. 121)
Um reordenamento mais eficiente, que leve em consideração essas dinâmicas, deve ter como
objetivos a diminuição das desigualdades socioespaciais e da exclusão socioeconômica por redes
de articulação multiescalares, isto é:
Um “reordenamento territorial” integrado, hoje, é necessariamente multiescalar
e multiterritorial, no sentido da combinação não simplesmente dos espaços
político, econômico, cultural e “natural”, mas das múltiplas escalas e formas
espaciais (incluindo os territórios-rede) em que eles se manifestam. Ignorar esta
complexidade é retornar mais uma vez a políticas paliativas e setoriais de pensar
a relação entre a sociedade e seu espaço. (HAESBAERT, 2006, p. 123)
Assim, são necessárias uma maior representatividade popular e, consequentemente, a de-
mocratização dos processos políticos envolvidos no reordenamento. É também importante a
compreensão das diversas identidades culturais/locais e a integração com múltiplas escalas. Para
Haesbaert (2006), devem ser considerados no ordenamento brasileiro: municípios, mesorregiões,
macrorregiões6 e estados.

4 Conhecidas também como multinacionais, as empresas transicionais são aquelas que possuem matrizes em seus paí-
ses de origem e filiais em tantos outros. São exemplos de multinacionais corporações como Adidas (Alemanha), Toyota
(Japão), Nestlé (Suíça), Motorola (Estados Unidos) etc.
5 Na geografia há um debate intenso acerca da grafia de termos técnicos. A palavra socioespacial, por exemplo, levanta
grandes debates sobre sua grafia (se o ideal é sócio-espacial ou socioespacial). Devido a aspectos de adequação à
língua e ao Acordo Ortográfico, aqui adotamos a grafia socioespacial. Para saber mais, recomendamos a leitura do artigo
“Socioespacial ou sócio-espacial: continuando o debate”, de Igor Catalão, disponível no link: <http://revista.fct.unesp.br/
index.php/formacao/article/viewFile/597/1226>. Acesso em: 16 jan. 2018.
6 As macrorregiões são constituídas por territórios extensos e também apresentam características – físicas, humanas,
sociais etc. – comuns.
O Estado e a escala regional 45

3.3 O BNDES como agente do planejamento regional brasileiro


O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – antes Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico – foi fundado em 20 de junho de 1952, com o intuito de criar e
desenvolver políticas para o desenvolvimento econômico do país. Sua inauguração acompanhou o
processo de industrialização no qual o Brasil encontrava. Até então, o país tinha uma economia ba-
sicamente agrícola, muito dependente do café e do açúcar, fato que denotava vulnerabilidade, pois
a produção não era diversificada. Desse modo, o deficit produtivo era negativo, isto é, importava-se
muito mais do que se exportava.
A década de 1950 foi caracterizada por grandes transformações no país, o que causou entu-
siasmo e otimismo na população. No campo político-econômico, as discussões giravam em torno
do monopólio do petróleo. Foi nesse período que o então presidente Getúlio Vargas criou, em
1953, a Petróleo Brasileiro S. A – popularmente conhecida por Petrobras – e delegou a ela o mono-
pólio de exploração e produção do petróleo. Assim, o BNDES surgiu como um impulso à estrutura
produtiva do país, para promover e incentivar o desenvolvimento econômico nacional e a indus-
trialização e dinamizar cada vez mais a produção em território brasileiro.
Inicialmente, o BNDES se propôs a negociar empréstimos externos para o Plano de
Reaparelhamento7, com vistas à industrialização e modernização do país. Um exemplo dessa ques-
tão foi o Fundo Rodoviário Nacional, criado com a finalidade de ampliar a malha rodoviária e
estabelecer projetos de incentivo à produção de novas fontes de energia elétrica, como o Plano
Nacional do Carvão e o Fundo Nacional de Eletrificação8. A Figura 4 explicita essa questão:
Figura 4 – Evolução da malha rodoviária pavimentada e não pavimentada entre os anos 1960 e 1999

70 000
60 000
50 000
40 000
30 000
20 000
10 000
0
60

62

64

66

68

70

72

74

76

78

80

82

84

86

88

90

92

94

96

98
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

Pavimentadas   Não Pavimentadas

Fonte: PROSDOCIMI; LINHARES, 2006.

7 Conhecido também como Plano Lafer – sobrenome do então ministro da Fazenda Horácio Lafer (1900-1965) –, trata-
va-se de um plano de desenvolvimento a ser implementado com a cooperação financeira dos Estados Unidos.
8 O Plano Nacional do Carvão (Lei n. 1.886, de 1953) visava à produção de energia por meio da exploração do carvão
mineral. Já o Fundo Nacional de Eletrificação (Lei n. 2.308, de 1954) propôs a criação da Centrais Elétricas Brasileiras
S.A. (Eletrobras).
46 Geografia Regional do Brasil

Durante o governo de Juscelino Kubitschek, o Plano de Metas (1956-1961) foi um período


de grande desenvolvimento, principalmente nos setores de bens de produção e bens duráveis, o
que promoveu um crescimento econômico de aproximadamente 80% (CANCIAN, 2006). A partir
dos anos 1970, o Banco teve grande importância na política de substituição de importações, com
investimentos nos setores de bens de capital e insumos básicos, que fizeram o parque industrial
brasileiro se tornar o mais completo da América Latina.
Já na década de 1980, a crise econômica e as ideias neoliberais representadas pelas privati-
zações fizeram com que a participação do BNDES nas políticas de desenvolvimento fosse redu-
zida. No entanto, ainda houve investimentos em agricultura e energia; além disso, foram feitos
investimentos na área social, o que incorporou o caráter social da entidade, que passara a se cha-
mar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O período seguinte – governos
Fernando Henrique Cardoso – foi marcado por uma forte redução na política de financiamento,
no qual a instituição encarregou-se de gerir o Plano Nacional de Desestatização (PND)9.
Nos governos Lula (2003-2011), o Estado teve grande importância no incentivo ao crescimen-
to econômico. Programas governamentais como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior (PITCE) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tiveram participação ativa e
importante do BNDES. Além disso, o Banco promoveu a modernização de diversos setores produti-
vos, o desenvolvimento social e urbano e o incentivo às micros, pequenas e médias empresas.
Nas regiões brasileiras, o BNDES tem a finalidade de promover o desenvolvimento regional
e a integração territorial. Por meio de programas, pretende-se diminuir as desigualdades sociais e
de renda em parcerias com agentes públicos e privados. Os instrumentos utilizados para fomentar
o desenvolvimento regional são explicitados na página web10 da instituição:
• elaboração de análises socioeconômicas, que utilizam informações esta-
tísticas, mapas e imagens de satélite para identificar as oportunidades de
desenvolvimento local e mitigar os possíveis impactos que o crescimento
pode provocar no meio ambiente e na vida daquela sociedade;
• articulação de grupos de trabalho interdisciplinares dedicados a buscar
sinergia entre as ações apoiadas pelo BNDES em locais geograficamente
próximos, nos diversos setores;
• georreferenciamento das intervenções do BNDES para acompanhamento
da evolução física de projetos, mapeamento de impactos e construção de
marcos para a avaliação;
• políticas específicas para o Desenvolvimento Regional e Territorial como a
Política de Dinamização Regional (PDR), que incentiva investimentos em
regiões menos favorecidas e a Política de Atuação no Entorno de Projetos,
que propõe apoiar o protagonismo local nos territórios que receberão os
projetos apoiados pelo Banco;

9 Sancionado pela Lei n. 9491, de 1997, o PND tinha como objetivos: transferir à iniciativa privada algumas atividades
do setor público; contribuir para a reestruturação econômica do setor público; permitir a retomada de investimentos nas
empresas e atividades transferidas para a iniciativa privada; contribuir para reestruturação do setor privado; permitir que
a administração pública se concentrasse apenas em atividades fundamentais a ela; e contribuir para o fortalecimento do
mercado de capitais. Para ler o documento na íntegra, acesse: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm>.
Acesso em: 10 jan. 2018.
10 Disponível em: <https://www.bndes.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2018.
O Estado e a escala regional 47

• fomento constante para elevar o valor dos financiamentos nas regiões me-
nos favorecidas em proporção maior que sua contribuição para a formação
do PIB (produto interno bruto) do país. (BNDES, 2018)
Nesse contexto, diversos programas foram criados com a finalidade de promover o desen-
volvimento regional. Segundo Burns (2012), os primeiros programas dessa natureza estiveram
vigentes até 2005. No entanto, o desenvolvimento regional era tratado sob a ótica das grandes
regiões e não se fazia distinção entre as microrregiões de cada estado. Dentre esses, podemos citar
o Programa Amazônia Integrada (PAI), o Programa Centro-Oeste (PCO), o Programa Nordeste
Competitivo (PNC) e o Programa de Fomento e Reconversão Produtiva da Metade Sul do Rio
Grande do Sul (Reconversul).
O Programa de Dinamização Regional (PDR), criado no ano de 2005, mudou de maneira
considerável o foco de atuação dos programas de desenvolvimento regional. Por meio do PDR se-
riam beneficiadas microrregiões e municípios considerados de baixa renda (de acordo com o PIB per
­capita) e programas localizados nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com Colombo (2014, p. 10),
“o Programa de Dinamização Regional foi o alicerce para a criação [...] da Política de Dinamização
Regional. Embora os objetivos fossem os mesmos que o Programa, esta Política apresentou o diferen-
cial que é próprio de uma política de desenvolvimento regional”. A Política de Dinamização Regional
apresentou dois importantes diferenciais: “(i) flexibilizou, para micro, pequenas e médias empresas,
a necessidade de garantias e a importância da classificação de riscos, além de seguir ofertando os
mesmos benefícios a empresas de todos os portes, e (ii) ganhou um caráter perene, ao evoluir de
programa para política” (BURNS, 2012, p. 14).
Como afirma Colombo (2014), a Política de Dinamização Regional reconhece as desigual-
dades entre regiões e dentro de regiões e notabiliza a escala microrregional como forma de pro-
mover o desenvolvimento regional de maneira homogênea. Já a Política de Atuação no Entorno de
Projetos – mencionada na página da instituição – atua para integrar as áreas que estão recebendo
grandes projetos por meio da utilização de instrumentos ao desenvolvimento econômico e social
nas áreas de entorno de grandes empreendimentos.
Quando um projeto se enquadra nesse perfil, recursos do BNDES podem ser utilizados para
proporcionar investimentos sociais e a interlocução entre agentes públicos, privados e represen-
tantes locais para a elaboração da Agenda de Desenvolvimento Territorial (ADT). A ADT é um
conjunto de investimentos e ações com o objetivo de potencializar impactos positivos de grandes
projetos. Podemos verificar o montante desses investimentos a seguir.
48 Geografia Regional do Brasil

Figura 5 – Investimentos realizados pelo BNDES entre os anos 2008 e 2014

PORTOS AEROPORTOS RODOVIAS, TRANSPORTE TERMINAIS DUTOS DE ESTALEIROS, SIDERURGIA E


PONTES PÚBLICO MULTIMODAIS, TRANSPORTE NAVIOS MINERAÇÃO EM
E FERROVIAS DE ARMAZENAMENTO (PETRÓLEO, E REBOCADORES LARGA ESCALA
E CONDOMÍNIOS ETANOL, GÁS),
LOGÍSTICOS PLATAFORMAS
MARÍTIMAS,
REFINARIAS

INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA
44%
(R$ 289,4 BI)

R$

68,5 EM R$ BILHÕES
654,1
BILHÕES

56%
(R$ 364,7 BI)
*GRANDES
PROJETOS
(acima de
36,6 500 MW) INVESTIMENTOS DO BNDES
* **
PEQUENOS (2008-2014)
27,7 E MÉDIOS 27,9 EM INFRAESTRUTURA,
24,5 23,2 PROJETOS LOGÍSTICA E ENERGIA
(abaixo de 19,3
500 MW) INVESTIMENTOS DO BNDES
11,5 11,7 (2008-2014) EM OUTRAS ÁREAS
9,5 8,9
6,5 ** 6,1
2,4 4,5

ENERGIA
PROJETOS HIDRELÉTRICOS DE
PROJETOS NUCLEARES PROJETOS SUCROALCOOLEIROS
GRANDE, MÉDIO E PEQUENO PORTE

PROJETOS TERMELÉTRICOS PROJETOS EÓLICOS NOVAS LINHAS DE TRANSMISSÃO

PORTOS AEROPORTOS RODOVIAS, TRANSPORTE TERMINAIS DUTOS DE ESTALEIROS, SIDERURGIA E


PONTES PÚBLICO MULTIMODAIS, TRANSPORTE NAVIOS MINERAÇÃO EM
E FERROVIAS DE ARMAZENAMENTO (PETRÓLEO, E REBOCADORES LARGA ESCALA
E CONDOMÍNIOS ETANOL, GÁS),
LOGÍSTICOS PLATAFORMAS
MARÍTIMAS,
REFINARIAS
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA

ENERGIA
PROJETOS HIDRELÉTRICOS DE
PROJETOS NUCLEARES PROJETOS SUCROALCOOLEIROS
GRANDE, MÉDIO E PEQUENO PORTE

PROJETOS TERMELÉTRICOS PROJETOS EÓLICOS NOVAS LINHAS DE TRANSMISSÃO

Fonte: IBASE, 2018. Adaptado.


O Estado e a escala regional 49

Por fim, é notória a participação do BNDES como importante agente na promoção do de-
senvolvimento regional de nosso país. Em um primeiro momento, o Banco agiu ativamente no
processo de industrialização e modernização da economia. Com o passar do tempo – ao adquirir
também uma função social –, o BNDES passou a promover ações por meio de políticas específicas
de integração e financiamentos voltados para o desenvolvimento regional em diversas escalas, com
vistas à diminuição de desigualdades sociais e econômicas.

Conclusão
Até aqui, verificamos as principais correntes de pensamento relacionadas à geografia regional
e seus principais conceitos. Região, território, planejamento regional e ordenamento territorial são co-
nhecimentos que devemos compreender e se apropriar para a análise sob a ótica da geografia regional.
As definições de Poder, poder, Estado, Estado-nação e pós-modernidade também devem ser absor-
vidas para não cometermos erros interpretativos.
Agora, cabe-nos detalhar os estudos sobre as regionalizações oficiais brasileiras, compreen-
der como um geógrafo é capaz de realizar de maneira analítica trabalhos dessa natureza e, por fim,
refletir sobre como o estudo da geografia regional influenciou e influenciará nossa visão geográfica
do mundo.

Ampliando seus conhecimentos


A relação central das cidades no planejamento regional e no ordenamento territorial fica
evidente no discurso de pesquisadores e instituições. O texto de Maria Lúcia de Oliveira Falcón,
produzido para a coleção Textos para Discussão, do BNDES, discorre sobre essa relação. Sempre
que possível, leia o texto completo, acesse as referências bibliográficas e amplie sua busca por au-
tores correlatos.

A rede de cidades e o ordenamento territorial


(FALCÓN, 2015, p. 36-37)

[...] a urbanização intensiva e rápida pela qual o Brasil passou nos últimos cinquenta ou ses-
senta anos apresenta características de reprodução das desigualdades sociais, econômicas e
de não preservação do meio ambiente, apesar de as políticas públicas dos últimos 12 anos
tentarem reverter esse quadro.
Em segundo lugar, que os instrumentos hoje utilizados para planejar e apoiar o desenvolvi-
mento regional e territorial, pelos ministérios, estados e municípios (salvo exceções que con-
firmam a regra), além dos bancos públicos, são estáticos e conservadores, além de criarem um
arcabouço restritivo e inadequado quanto a prazos, condições e percepção dos resultados para
que os atores locais (públicos ou privados) assumam o protagonismo do processo.
Em terceiro lugar, um instrumento mais moderno e que observa o território em sua dinâmica
já existe, podendo ser naturalmente aperfeiçoado para subsidiar o trabalho de planejamento
do desenvolvimento regional e territorial: é a pesquisa Regic, executada pelo IBGE. Sua maior
contribuição é registrar a rede urbana em relação a áreas de influência dos centros de gestão do
50 Geografia Regional do Brasil

território, definidas pelos fluxos que a eles chegam ou que deles partem, com decisões, infor-
mações, cultura, dinheiro e mercadorias. Assim, as questões da reforma agrária, da produção
rural, da reforma urbana e da produção urbana convergem para um mesmo instrumento de
transformação que fala uma língua mais compreensível, sem nenhuma barreira de linguagem
pseudocientífica: mapas com linhas e pontos que mostram onde se está e aonde se quer chegar.
[...]

FALCÓN, M. L. O. A rede de cidades e o ordenamento territorial. Textos para discussão 111. Brasília,
mar. 2015. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/6561/1/A%20
rede%20de%20cidades%20e%20o%20ordenamento%20territorial_P.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2018.

Atividades
1. A cidade, como ponto focal do espaço urbano, é colocada como protagonista na compreen-
são de relações econômicas, e, consequentemente dos projetos de planejamento regional e
ordenamento territorial. Quais discussões no campo da geografia essa centralidade levanta?
Relacione-as e argumente criticamente.

2. O que é condição pós-moderna e como ela modifica a compreensão de ordenamento territo-


rial especialmente na geografia?

3. Qual a importância do BNDES no planejamento regional brasileiro realizado até os dias


atuais? Discuta sobre como essa instituição representa as visões de governo acerca da macro
e da microeconomia, bem como sobre aspectos socioculturais.

4. Conceitue Estado-nação e relacione seu significado no sistema capitalista com as propostas


de planejamento regional no Brasil.

Referências
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4
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil

Neste capítulo, conheceremos a história do principal produtor de conhecimentos estatís-


ticos e conhecimentos relacionados às geociências no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Desde sua fundação, a obtenção de dados, a disseminação e a produção de
documentos oficiais – que não se baseiam apenas na criação de políticas públicas – são fontes
de dados para a academia. Toda a regionalização oficial do Brasil é feita por estudos do IBGE,
além disso, seus dados também são utilizados por outras propostas de regionalização. Deste
capítulo em diante, iniciaremos uma compreensão das regionalizações oficiais (e outras pro-
postas), buscando entender como se levantam dados e como esses são dispostos para o estudo
das regiões brasileiras.

4.1 O IBGE: história e influência na geografia regional brasileira


O Instituto Nacional de Estatística (INE) foi criado em 1936 devido à carência de órgãos
específicos e articulados para a realização de levantamentos estatísticos no país. No entanto, as
bases de sua fundação datam do ano de 1931, com a proposta de um projeto de lei que alterou a
Constituição e instituiu a Lei da Estatística ou Estatuto Orgânico da Estatística Brasileira, para
normalizar um sistema estatístico em âmbito nacional.
Após a instalação do INE, em 1936 foi realizada a Convenção Nacional de Estatística,
com o objetivo de estabelecer um acordo entre a União, os estados, territórios, municípios e até
mesmo entidades privadas. De acordo com Gonçalves (1995), a intenção dessa convenção era
deixar gradativamente sob influência do INE, todos os esforços e recursos já disponibilizados
ou que viessem a ser disponibilizados em relação à estatística. Nessa mesma convenção foi re-
gulamentado o Conselho Nacional de Estatística (CNE), que viria a ser o colegiado responsável
pelo INE.
Já o Conselho Brasileiro de Geografia (CBG), criado nos mesmos moldes de cooperação
interadministrativa do INE, foi também parte estruturante do Instituto. Criado em 1937 e au-
torizado a aderir à União Geográfica Internacional (IGU), o órgão ficou responsável também
por centralizar e coordenar as atividades geográficas nacionais.
Por meio do Decreto-Lei n. 218, em 26 de janeiro de 1938, foi criado o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Instituído no governo de Getúlio Vargas, o IBGE substituiu
dois órgãos governamentais voltados a análises estatísticas – o INE e o CBG – e se tornou uma
autarquia ligada diretamente à Presidência da República, composta de dois colegiados autô-
nomos: o CNE e o Conselho Nacional de Geografia (CNG). Segundo Penha (1993), a nova
nomenclatura do Conselho Brasileiro de Geografia ocorreu da necessidade de estabelecer certa
harmonia entre os dois órgãos técnicos, bem como a padronização das nomenclaturas.
54 Geografia Regional do Brasil

O então novo órgão foi dividido em três áreas informacionais: estatística geográfica/­geodésica
e cartográfica. Além disso, cada um dos conselhos passou a ser dirigido por um secretário-geral,
que respondia diretamente à presidência do IBGE. O primeiro grande projeto desenvolvido pelo
CNG, ainda realizado no ano de 1938, ficou conhecido como Lei Geográfica do Estado Novo. De
acordo com Almeida (2000), esse projeto tinha a finalidade de redefinir os limites municipais e
resolver dois problemas:
Organizar espacialmente as malhas distrital e municipal, definindo os parâme-
tros mínimos em termo de área e de tamanho populacional, para dar garan-
tias ao princípio da “autonomia municipalista”. Isto é, evitar o fracionamento
excessivo dos municípios, evitando unidades sem as mínimas condições de
sustentabilidade.
Contar com um mapeamento em escala de detalhe de todos os municípios bra-
sileiros para estruturar os trabalhos de campo do futuro censo de 1940 e contar
com informações cartográficas que dessem suporte aos trabalhos de mapea-
mento da carta do Brasil ao milionésimo. Neste contexto, estavam também os
estudos sobre determinação de áreas urbanas e rurais.
Os municípios teriam de apresentar seus mapas municipais até o final do ano
de 1939, enviando uma cópia para o IBGE, que o utilizaria no planejamento de
organização dos setores censitários. (ALMEIDA, 2000, p. 67)
Esse projeto resultou na Exposição Nacional dos Mapas Municipais. Realizada no ano de
1940, a apresentação do evento – na cidade de Curitiba – contou com a presença do presidente
Getúlio Vargas. Esse projeto também serviu como base para o primeiro período de atividades
geodésicas sistemáticas no qual o IBGE realizou e levantou as coordenadas geográficas das cidades
brasileiras para o mapeamento do país. Além disso, foram frutos desse período a estruturação das
redes de medições altimétricas, planimétricas e gravimétricas, o surgimento de cartas topográficas
em diferentes escalas e a elaboração do Atlas do IBGE.
Apos a promulgação da Lei Geográfica do Estado Novo, foi realizado o primeiro recensea-
mento sobre responsabilidade do IBGE (o quinto do país). Em 2 de fevereiro de 1938 foi criada a
Comissão Censitária Nacional, pelo Decreto-Lei n. 237, que deu início ao processo regulatório para
a realização do censo demográfico. Para tanto, foi instituído o Serviço Nacional de Recenseamento
e as normas legais para a realização do recenseamento nacional a cada dez anos.
O IBGE conta com serviço gráfico próprio desde sua fundação. No ano de 1953 foi criada a
Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), a primeira faculdade de Estatística no país. Essa
instituição era voltada para a formação de profissionais de nível superior, com o objetivo de suprir
as crescentes e complexas pesquisas estatísticas do país e capacitar servidores do IBGE.
A estrutura do Instituto, baseada na intercooperação1 administrativa, ficou responsável
pelos recenseamentos dos anos 1940, 1950 e 1960. Além disso, também ficou a cargo do IBGE
levantamentos realizados nos intervalos dos censos e a atualização de dados referentes ao terri-
tório nacional. Em 1967, a autarquia foi transforada em fundação subordinada ao Ministério do

1 O termo intercooperação é comumente associado ao cooperativismo, isto é, modo de organização socioeconômica em


que as cooperativas são os principais agentes na produção e distribuição de bens. No entanto, aqui ele assume outro
sentido. Quando citamos a intercooperação, na verdade nos referimos à integração das ações cooperadas entre institui-
ções administrativas de governo para a criação e disseminação de conhecimentos geográficos e estatísticos.
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 55

Planejamento e Coordenação Nacional, fato que lhe concedeu autonomia administrativa e finan-
ceira. Os Conselhos Nacionais de Estatística e Geografia se tornaram institutos, e o mesmo ocorreu
com a Escola Nacional.
O IBGE continuou como órgão central em relação aos institutos e coordenou as atividades
dos sistemas de geografia e estatística nacional. Em 1970 foi realizado o oitavo censo nacional,
que englobou aspectos demográficos, agropecuários, de serviços, industriais e comerciais. No ano
seguinte foi criado o Instituto Brasileiro de Informática para processamento de dados e moderni-
zação dos métodos computacionais. Em 1973 ocorreu uma grande mudança em sua estrutura. Foi
suprimida a autonomia dos quatro institutos, que passaram por um processo de integração dos
serviços geográficos, estatísticos, geodésicos e cartográficos.
Atualmente, a estrutura do IBGE conta com três colegiados de direção superior, um órgão
de assistência direta à presidência, três órgãos seccionais, três diretorias técnicas, um Centro de
Documentação e Disseminação de Informações (CDDI) e a Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(ENCE). Além disso, o IBGE possui unidades estaduais em todas as capitais do país.

4.2 A produção e disseminação de conhecimentos por meio do IBGE


Desde sua criação, o IBGE atuou ativamente na formulação e disseminação do conhecimen-
to geográfico. Uma de suas primeiras ações foi relacionada a atividades voltadas para o corpo do-
cente dos três níveis de ensino. Almeida (2000) ressalta que esse processo foi iniciado em meados
dos anos 1930, com a realização de cursos informacionais sobre a importância do recenseamento.
Em 1940, esses cursos foram ministrados ao corpo docente do Ensino Fundamental do Rio de
Janeiro. Além disso, foram também elaboradas pelo IBGE diversas resoluções que demonstram
esse envolvimento, como verificamos a seguir:
RESOLUÇÃO AG/CNG N. 112, DE 03 DE JULHO DE 1942 – Organiza o
Curso de Informações, anexo às sessões da Assembleia.
RESOLUÇÃO DC/CNG N. 117, DE 02 DE DEZEMBRO DE 1942 – Determina
a realização de reuniões de geógrafos e professores de geografia.
RESOLUÇÃO AG/CNG N. 183, DE 12 DE JULHO DE 1946 – Institui um
Serviço de Excursões de Estudos, destinado a facilitar o conhecimento das pai-
sagens brasileiras pelos interessados
RESOLUÇÃO AG/CNG N. 187, DE 12 DE JULHO DE 1946 – Sugere a criação
da cadeira de Geografia Regional nas Faculdades de Filosofia e renova a reco-
mendação quanto à separação nessas Faculdades dos cursos de Geografia e de
História.
RESOLUÇÃO DC/CNG N. 243, DE 03 DE JUNHO DE 1946 – Institui o segun-
do Curso de Informação Geográfica, destinado aos professores de geografia do
ensino secundário. (IBGE, 2016, p. 17, 68, 84, 85)
Nesse mesmo ano, foram realizadas a 1ª Conferência Nacional de Educação e a 1ª
Conferência Nacional de Saúde. Nesses eventos, o IBGE produziu uma obra que se tornou um
marco no processo de difusão dos conhecimentos estatísticos, geográficos e cartográficos para o
mundo do ensino (ALMEIDA, 2000, p. 283). Essa obra, composta de dois volumes e chamada de
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a educação, trazia em sua primeira parte artigos de
56 Geografia Regional do Brasil

importantes intelectuais da época, como Rui Barbosa (1849-1923), Lourenço Filho (1897-1970),
Oziel Bordeaux Rêgo (1874-1926), entre outros. Já o segundo volume, composto de 24 seções,
discutia diversos temas, como grafia da toponímia nos mapas, o ensino da Geografia, estatísticas
educacionais, entre outros.
Os cursos ministrados nos períodos de férias também foram de grande importância na dis-
seminação dos conhecimentos geográficos. Eles eram de altíssima qualidade, com grandes profes-
sores e excelente organização didática.
Com o passar do tempo e o avanço tecnológico, a aquisição de programas de mapeamento,
sistemas de informação geográfica, programas estatísticos e outras tecnologias aumentaram a pro-
dução e o conhecimento dos geógrafos e deram uma nova ótica para a transposição dos conheci-
mentos geográficos.
O processo de contagem da população é uma ferramenta de grande potencial para estudos
com diversas finalidades. Por meio desse processo, é possível conhecer de maneira mais aprofun-
dada características específicas de determinado grupo embasado em levantamentos da realidade
socioeconômica.
O recenseamento permite conhecer a extensão de um recurso – que implica também em
um custo –, no caso, a população. Por meio da imagem do número o Estado ou qualquer tipo de
organização, o recenseamento procura aumentar sua informação sobre um grupo e, consequente-
mente, seu domínio sobre ele (RAFFESTIN, 1993).
Observe a seguir um quadro-resumo dos principais resultados obtidos nos processos de
recenseamentos e como eles podem influenciar diretamente questões sociais, ambientais, popula-
cionais, econômicas, entre outras.
Quadro 1 – Principais resultados obtidos em recenseamentos

1. Acompanhamento do crescimento, da distribuição geográfica e da evolução de outras característi-


cas da população ao longo do tempo.

2. Identificação de áreas de investimentos prioritários em saúde, educação, habitação, saneamento


básico, transporte e energia. Programas de assistência à infância e à velhice, que possibilitam a
avaliação e revisão da alocação de recursos públicos e privados.

3. Seleção de locais que necessitam de programas de estímulo ao crescimento econômico e ao


desenvolvimento social.

4. Apresentação de referências para projeções populacionais nas quais o Tribunal de Contas da União
(TCU) define as cotas do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM).

5. Fornecimento de referências para as projeções populacionais nas quais é definida a representação


política do país, como o número de deputados federais, estaduais e vereadores de cada estado/
município.

6. Fornecimento de parâmetros para conhecer e analisar o perfil da mão de obra em nível municipal,
informação de grande importância para organizações sindicais, profissionais e de classes, assim
como para decisões de investimentos do setor privado.

(Continua)
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 57

7. Determinação de critérios para selecionar locais para a instalação de fábricas, shopping centers,
escolas, creches, cinemas, restaurantes etc.

8. Fundamentação de diagnósticos e reivindicações feitas por cidadãos, de maior atenção dos gover-
nos estadual/municipal para problemas locais e específicos, como de insuficiência das redes de
água e esgoto, atendimento médico, atendimento escolar etc.

9. Subsídios para comunidades acadêmicas e ­técnico-científicas em seus estudos e projetos.

Fonte: Elaborado com base em IBGE, 2010.

No Brasil, a primeira lei referente ao processo de recenseamento é datada de 1870. Ela de-
terminava a contagem da população do Império, assim como a criação de uma Diretoria Geral de
Estatística. Além disso, a lei estabelecia como meta a contagem populacional nacional e estrangei-
ra, livres e escravos, presentes e ausentes (OLIVEIRA; SIMÕES, 2005).
Os recenseamentos ocorreram nos anos de 1872, 1890, 1900 e 1920 e voltaram a serem
refeitos, como já mencionamos, somente no ano de 1940, com a instituição do IBGE. Com uma
nova metodologia e cuidadoso planejamento, o Censo forneceu dados demográficos sobre migra-
ções internas, fecundidade e mortalidade da população brasileira. Aspectos físicos também foram
levados em conta.
Os censos de 1940 e 1950 colaboraram efetivamente para os estudos demográficos no país.
Graças às metodologias inovadoras do demógrafo italiano Giorgio Mortara (1885-1967) – consul-
tor técnico da Comissão Censitária Nacional –, foram analisadas informações estatísticas até então
inéditas no país. A pesquisa englobou dados demográficos, agrícolas, industriais, comerciais e de
serviços, transportes e comunicações. A partir de 1950, para o conhecimento das condições socioe-
conômicas e domiciliares, iniciou-se a coleta de informações em áreas de favela (GONÇALVES,
1995). Também no recenseamento dessa época foram coletados dados referentes à População
Economicamente Ativa (PEA), e realizadas a divisão da população em grupos de cores (brancos,
pretos, pardos e amarelos) e a separação entre atividade não remunerada e ocupação.
Em 1960, foi reorganizado o questionário de coleta de informações com a inserção de um
questionário básico e outro mais amplo, empregandando-se pela primeira vez técnicas de amostra-
gem. Nesse mesmo censo, de acordo com Nascimento (2006), acompanhou-se os deslocamentos
das populações do campo para a cidade e de regiões mais pobres para mais ricas, como os casos
de Rio de Janeiro e São Paulo. Os resultados obtidos demonstraram o aumento da população em
favelas, o desemprego e a incorporação de desempregados e a população economicamente ativa.
O Censo de 1970, como afirma Oliveira e Simões (2005), foi um divisor de águas no que diz
respeito a organização, detalhes e confiabilidade dos números levantados. Os critérios de amostragem
foram os mesmos, porém seus resultados foram amplamente analisados. A distribuição de renda, o
mercado de trabalho e a educação foram estudadas com destaque para as desigualdades regionais.
Em 1980, o Censo foi marcado pelo avanço tecnológico. A utilização de um sistema infor-
matizado de acompanhamento da coleta permitiu pela primeira vez que os resultados prelimi-
nares saíssem no mesmo ano em que a pesquisa foi realizada. Segundo Nascimento (2006), no
58 Geografia Regional do Brasil

que se refere a dados familiares, foram realizadas algumas inovações. Uma delas diz respeito à
chefia do domicílio, que passou a ser desempenhada por homens e mulheres. Notou-se também
a outra face do chamado milagre econômico brasileiro, que contava com crescente pobreza e de-
sigualdade na sociedade.
Em 1991, com um ano de atraso devido a questões financeiras, foi realizado o Censo de-
mográfico somente com algumas inovações. Renda e escolaridade do chefe do domicílio foram
inseridas, além da pesquisa por deficiência física e mental. Já o Censo de 2000 acompanhou o
processo de avanço tecnológico mundial e permitiu a coleta por meio da internet, com automação
e tabulação dos dados e processos de codificação.
O Censo de 2010 é o maior e mais recente realizado. Devido ao elevado número de habi-
tantes do nosso país – 190.732.694 pessoas em 2010, hoje somos estimados em 207,7 milhões –,
foi necessário um maior contingente de funcionários, o que também aumentou os gastos para sua
realização. Foram contratadas aproximadamente 240 mil pessoas paras as atividades de coleta, su-
pervisão, apoio e funções administrativas, com orçamento para o projeto de R$ 1,4 bilhão.
Os avanços obtidos nesse processo foram diversos. Podemos destacar a construção de
uma base territorial digital, com a integração de mapas urbanos e rurais, a incorporação do
Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), a utilização de computadores
de mão com GPS que permitem referenciar elementos físicos e o preenchimento de questioná-
rios por meio da internet.
Notadamente, o recenseamento é uma poderosa ferramenta de conhecimento da popula-
ção. Como afirma Raffestin (1993), ele é um saber, portanto também é um poder. O Estado, por
meio do IBGE, detém essas informações e procura trabalhá-las da melhor maneira possível. Um
exemplo disso está na questão da fome. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e a
Agricultura (FAO) divulga desde 1990 o Mapa da Fome. Esse documento indica os países em que
parte da população ingere uma quantia diária de calorias menor do que a recomendada. Os progra-
mas sociais iniciados nos governos de Fernando Henrique Cardoso, ampliados e melhorados nos
governos Lula, possibilitaram o surgimento de novos programas de combate à fome no segundo
mandato da presidente Dilma Rousseff (1947-). Pela primeira vez o Brasil saiu do Mapa da Fome.
No site2 do IBGE é possível encontrar todas as informações estatísticas referentes ao recen-
seamento no Brasil. Essa não é apenas uma importante ferramenta de estudo governamental, ela é
também importante para nós, geógrafos.

4.3 A regionalização oficial do Brasil


Em nosso primeiro capítulo, dialogamos sobre o conceito de região e sua transformação ao
longo do tempo e do espaço e como, de maneira unificada, as regionalizações oficiais criadas pelo
IBGE passaram pelas mesmas etapas. As regionalizações nada mais são do que a materialidade, a ex-
pressão final dos discursos presentes nas definições de região. Milton Santos (1994) ressalta a urgência

2 Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 11 jan. 2018.


O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 59

de compreender o espaço geográfico pela base temporal. Com o conceito de região não poderia ser
diferente, e, consequentemente, não poderia ser diferente com as propostas oficiais de regionalização.
Com isso, o autor reforçou a mutação pela qual o conceito passou e passa durante o desen-
volvimento do pensamento geográfico. Apesar de ser “vendido” como um conceito estável, concre-
to e símbolo da geografia unitária, isto é, sem a dicotomia de física e humana, analisá-lo é também
analisar sua contínua transformação.
As primeiras tentativas de regionalizar o território brasileiro remetem ao ano de 1889.
André Rebouças (1838-1898), que organizou os estados federativos na ocasião, também organi-
zou o país em dez regiões sob uma perspectiva das relações humanas, em especial a agricultura.
Em 1893, o francês Élisée Reclus (1830-1905), com base no conceito de região natural, deu forte
ênfase ao papel das bacias fluviais e regionalizou o Brasil em oito regiões. Fundamentado em uma
regionalização influenciada pelo possibilismo e pela geografia de Vidal de La Blache, Delgado de
Carvalho (1884-1980) realizou em 1913 as primeiras monografias regionais e propôs a adoção de
cinco regiões geográficas.
Nos mapas a seguir, verificamos que outras regionalizações foram propostas, todas com a
presença dos limites estaduais bem definidos e fortemente relacionadas às definições de região na-
tural e do possibilismo. Isso se dá especialmente pelo papel político-administrativo dado aos esta-
dos federativos. Além disso, notamos um maior enfoque dado aos municípios, especialmente após
a Constituição Federal de 1988. Essa escala administrativa também modificou as regionalizações.
Figura 1 – Primeiras propostas de regionalização do território brasileiro

a) André Rebouças (1889)


Zona Agrícolas
I - Amazônia
II - Parnaiba
III - Ceará
IV - Parnaiba do norte
V - São Francisco
VI - Parnaiba do sul
VII - Paraná
VIII - Uruguai
IX - Auro-Ferrifero
X - Central
60 Geografia Regional do Brasil

b) Elisée Réclus (1893)


Região natural
I - Amazônia
II - Vertentes do Tocantins
III - Costa Equatorial
IV - Bacia do São Francisco
V - Bacia do Paraíba
VI - Vertente do Paraná e Contravertente Oceânica
VII - Vertente do Uruguai e Litoral Adjacente
VIII - Mato Grosso

c) Delgado de Carvalho (1913)


Região Natural
I - Brasil Setentrional ou Amazônico
II - Brasil Norte-Oriental
III - Brasil Orienta
IV - Brasil Meridional
V - Brasil Central

d) Betim Paes Leme (1937)


Zonas Estruturais
I - Sedimentar
II - Intermediária
III - Estabilizada por peneplanização
IV - Intermediária
V - Reajustamento Isostático atual
VI - Estabilizada
VII - Erosão
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 61

e) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1938)


Proposta com fraca base geográfica baseada
apenas na localização

f) Moacir Silva (1939)


Região Geográfica
Proposta baseada na obra de ­Delgado de Carvalho

g) Conselho Técnico de Economia e


Financeira (1939)
Zonas geo-econômicas
I - Norte
II - Nordeste
III - Sudeste
IV - Sul
V - Centro

Fonte: GUIMARÃES, 1941, p. 343.


62 Geografia Regional do Brasil

Na década de 1940, houve a necessidade de instituir uma regionalização oficial que dividisse
o território nacional, principalmente para o levantamento de informações estatísticas e para fins
educativos da geografia. Assim, em 1942, o Conselho Nacional de Geografia (CNG), por meio do
IBGE, criou cinco grandes regiões, 30 regiões, 79 sub-regiões e 228 zonas fisiográficas. Essa escolha
por zonas fisiográficas se deu pela ideia de que as regiões necessitavam de estabilidade. Para tal, os
aspectos naturais seriam os mais adequados; além disso, cada região deveria corresponder em sua
totalidade a parte de um todo, a parte de um conjunto nacional. Em síntese, com base nesse aspecto
metodológico “tais partes não [eram] escolhidas arbitrariamente, mas sim [obedeciam] à disposi-
ção determinada pela natureza, de modo que cada uma delas apresenta[va] uma certa unidade de
conjunto, resultante da correlação entre os diversos fatos geográficos que nela se [observavam]”
(GUIMARÃES, 1941, p. 318).
Entre as inter-relações dominantes estavam aquelas relacionadas ao clima, à vegetação e ao
relevo. A região era uma representação espacial de uma homogeneidade do território e de aspectos
relacionados ao meio físico. No mapa a seguir, verificamos o que pode ser considerada a primeira
regionalização oficial do Brasil.
Mapa 1 – Divisão Regional do Brasil em zonas fisiográficas (1942)
-70° -60° -50° -40°
# V E N E Z U E L A CAYENNE #
BOGOTÁ Cabo Orange

SURINAME GUYANE
O L O M B I A

GUYANA
Cabo Raso do Norte

I. Caviana
ECUADOR ECUADOR
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SANTA CATARINA Convenções

PORTO ALEGRE # Capital Federal


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RIO GRANDE DO SUL !. Capitais Estaduais
La. dos Patos Limite Estadual
-3 0°
-3 0°
La. Mirim
Hidrografia
ESCALA : 1 : 27 000 000
La. Mangueira 100 0 100 200 300 Km
URUGUAY Zonas Fisiográficas
PROJEÇÃO POLICÔNICA
BUENOS AIRES
SANTIAGO # -70° -60° # #
MONTEVIDEO
-50° -40° -30°

Fonte: IBGE, 2018a.


O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 63

Esse enfoque na região natural e em aspectos do meio físico estavam mais perceptíveis em
escalas menores, ou seja, em grandes regiões, regiões e sub-regiões. As zonas fisiográficas se apro-
ximam dessa forma por meio de uma visão mais possibilista, em que a diferenciação se dá, espe-
cialmente, por aspectos socioeconômicos, o que pode parecer contraditório com a nomenclatura
utilizada. As diferenças entre a regionalizações fisiográficas de 1942 e 1960 estão principalmente
nos processos de interiorização e urbanização, vinculados aos projetos de integração nacional des-
sas décadas, e no avanço teórico metodológico em relação à regionalização no Brasil. Desde então,
pouco mudou na organização estabelecida a partir da década de 1970 acerca das grandes regiões
brasileiras. No Mapa 2, notamos que essa atual regionalização tem um enfoque muito mais didáti-
co e permanece dividida em cinco grandes áreas.
Mapa 2 – Regionalização oficial do IBGE

Norte
Sul
Sudeste
Nordeste
Centro-Oeste

0 415 830 1.660 Km

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2018b.

A falta de consenso sobre o emprego de região homogênea não se limitou ao meio científico
e teve reflexos dentro do IBGE, fato que levantou muitas discussões para a adoção de uma nova re-
gionalização, baseada em critérios das microrregiões homogêneas. Um dos principais entraves foi
a compatibilidade dos dados estatísticos de séries históricas. A inserção geoeconômica produziu
debates sobre espaços homogêneos e polarizados, fluxos espaciais de bens e capitais. Além disso,
enfatizava-se que uma regionalização baseada no desenvolvimento econômico seria mais eficiente.
O mapa de microrregiões homogêneas de 1968 (Mapa 3) representa um diagnóstico eco-
nômico e urbano nos processos de organização do espaço geográfico em âmbito nacional. Essa
regionalização se deu com base em dados obtidos no Censo Demográfico de 1960 e nas estatísticas
64 Geografia Regional do Brasil

econômicas de 1965, sobretudo da agricultura e da indústria. Nesse sentido, esse mapa representa
um marco para compreender o cenário brasileiro antes dos efeitos causados pelos longos anos de
intervenção militar instituída após o Golpe de 1964.
Mapa 3 – Microrregiões homogêneas (1968), primeira regionalização baseada em aspectos econômicos
e demográficos
-70° -60° -50° -40°
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BOGOTÁ Cabo Orange

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PORTO ALEGRE # Capital Federal
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La. dos Patos Limite Estadual
-3 0°
La. Mirim
Hidrografia
ESCALA : 1 : 27 000 000
La. Mangueira 100 0 100 200 300 Km
URUGUAY Microrregiões Homogêneas
PROJEÇÃO POLICÔNICA
BUENOS AIRES
SANTIAGO # -70° -60° # #
MONTEVIDEO
-50° -40° -30°

Fonte: IBGE, 2018a.

No entanto, apenas após o ano de 1971 que a terminologia regiões homogêneas foi adotada
para substituir as antigas zonas fisiográficas. Em 1976, foram definidas as mesorregiões, que for-
maram 86 agrupamentos de microrregiões. Essa unidade intermediária de regionalização já estava
prevista e foi executada apenas nessa ocasião. Esse mapa foi uma escala da organização regional
intermediária, relevante naquele contexto para planejamentos estratégicos.
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 65

Mapa 4 – Mesorregiões homogêneas (1976)


-70° -60° -50° -40°

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BOGOTÁ Cabo Orange

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TERRITÓRIO TERRITÓRIO Cabo Raso do Norte
DE RORAIMA DO AMAPÁ
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0° 0°

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RIO GRANDE DO SUL !. Capitais Estaduais

-3 0°
La. dos Patos Limite Estadual
-3 0°
La. Mirim
Hidrografia
ESCALA : 1 : 27 000 000
La. Mangueira 100 0 100 200 300 Km
URUGUAY Mesorregiões Homogêneas
PROJEÇÃO POLICÔNICA
BUENOS AIRES
SANTIAGO # -70° -60° # #
MONTEVIDEO
-50° -40° -30°

Fonte: IBGE, 2018a.

Entre os anos de 1979 e 1988 houve a atualização da regionalização do país. Nesse período
foi desmembrado o estado de Mato Grosso e criado o estado do Mato Grosso do Sul. Além disso,
Tocantins foi desmembrado de Goiás e os territórios federais de Rondônia, Roraima e Amapá
passaram à categoria de estado. No entanto, essa regionalização, baseada em espaços homogêneos,
não era eficaz, principalmente para análises focadas em desigualdades, uma das lacunas causadas
pela organização em mesorregiões e microrregiões homogêneas. Em 1989 foram criadas as mesor-
regiões e microrregiões geográficas.
As mudanças no processo de desenvolvimento capitalista nas décadas de 1960 a 1980 mo-
dificaram em grande escala – e de maneira diferenciada – o território nacional. Nos estudos, a
desigualdade na organização espacial foi resultado dos processos de desenvolvimento capitalista
causados especialmente pelo papel do Estado e a subordinação ao capital (IBGE, 2018a). Nessa
nova regionalização os estados federativos foram adotados como universo de análise:
Entende-se por Mesorregião uma área individualizada, em uma Unidade da
Federação, que apresenta forma de organização do espaço geográfico definidas
66 Geografia Regional do Brasil

pelas seguintes dimensões: o processo social, como determinante; o quadro


natural, como condicionante; e a rede de comunicação e de lugares, como ele-
mento da articulação espacial. Essas três dimensões possibilitam que o espaço
delimitado como Mesorregião tenha uma identidade regional. Essa identidade
é uma realidade construída ao longo do tempo pela sociedade que aí se formou.
(IBGE, 2018a, p. 71)
Enquanto a mesorregião tinha esse caráter totalizante, a microrregião, em oposição, não
buscava uma homogeneidade ou autossuficiência em relação às demais escalas de regionalização
e organização do território nacional. Sua regionalização foi baseada em suas especificidades – de
cunho econômico e de produção agropecuária –, mas também nos demais setores da economia.
No Mapa 5, verificamos que as microrregiões e mesorregiões geográficas de 1990 apresen-
taram um cenário brasileiro bem distinto do demostrado pela regionalização de 1970. Claramente,
as mudanças da organização espacial são um dos motivos, mas as escolhas metodológicas devem
ser bem compreendidas antes de correlações diretas.
Mapa 5 – Meso e microrregiões geográficas (1990)

Fonte: IBGE, 2010.


O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 67

Na busca de incorporar as mudanças ocorridas nesses últimos anos, foi lançado em 2017 a
Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias.
Com uma nova abordagem teórico metodológica, baseada em autores como Haesbaert e em
processos de fragmentação e articulação do território brasileiro, a região passou a ser compreen-
dida como uma construção do conhecimento geográfico. Os estudos antigos são considerados,
especialmente elementos concretos da espacialidade nacional. Dentre eles, destacam-se a rede ur-
bana – principal componente para a regionalização das Regiões Geográficas Imediatas –, que tem
como ponto focal os centros urbanos e suas relações socioeconômicas com o entorno. Já as Regiões
Geográficas Intermediárias são embasadas na relação com metrópoles ou capitais regionais e estão
fundamentadas em estudos de redes e hierarquias urbanas.
Observamos nos mapas 6 e 7 que a nova regionalização do território brasileiro publicada em
2017 servirá de base para a divulgação dos dados da próxima década.
Mapa 6 – Divisão regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas (2017)
-70° -60° -50° -40°
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ESCALA : 1 : 27 000 000
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URUGUAY Regiões Geográficas Imediatas
PROJEÇÃO POLICÔNICA
BUENOS AIRES
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-50° -40° -30°
-70°

Fonte: IBGE, 2018a.


68 Geografia Regional do Brasil

Mapa 7 – Divisão regional do Brasil em Regiões Geográficas Intermediárias (2017)


-70° -60° -50° -40°
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RORAIMA AMAPÁ
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! # Capital Federal
SANTA CATARINA
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! Capitais Estaduais
PORTO ALEGRE Eixos Rodoviarios
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RIO GRANDE DO SUL Ferrovias

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La. dos Patos Limite Estadual
-3 0°
La. Mirim
Hidrografia
ESCALA : 1 : 27 000 000
La. Mangueira 100 0 100 200 300 Km
URUGUAY Regiões Geográficas Intermediárias
BUENOS AIRES PROJEÇÃO POLICÔNICA
# MONTEVIDEO
SANTIAGO -70° -60° # # -50° -40° -30°

Fonte: IBGE, 2018a.

Essa nova regionalização tem por objetivo subsidiar as políticas públicas de gestão e pla-
nejamento e servir de escala de divulgação de dados estatísticos/geográficos, em especial para o
Censo de 2020. Outras formas de regionalização, criadas por estudos específicos do IBGE, po-
dem ser consideradas oficiais, no entanto, a divisão em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões
Geográficas Intermediárias será adotada para divulgação e difusão de conhecimento.

Conclusão
Mais importante que saber qual regionalização é adotada nos dias de hoje, é imprescindível
saber quais suas escolhas teóricas e metodológicas já aprendemos. Para tanto, é sempre impor-
tante termos em mente que o conceito de região, a regionalização e o espaço geográfico estão
em constante transformação. Além disso, novas regionalizações surgirão. Cabe a nós, geógrafos,
compreendermos o modo como isso se dá para não cometer erros interpretativos. Para isso, nos
próximos capítulos vamos nos concentrar em algumas técnicas e análises que podem nos ajudar
nesse processo.
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 69

Ampliando seus conhecimentos


Em seu artigo “A divisão regional brasileira – uma revisão bibliográfica”, Angélica Magnago fez
uma ampla discussão sobre a apropriação do conceito de região e como isso refletiu na regionalização
do IBGE. Em sua conclusão, podemos resumir algumas das principais reflexões da autora.

A divisão regional brasileira – uma ­revisão bibliográfica


(MAGNAGO, 1995, p. 86)

[...]
Apesar dessa variedade de enfoques, verificou-se um certo grau de permanência das divisões
macrorregionais, que, desde 1913, passaram por poucas alterações em suas concepções. De
fato, os recortes macrorregionais oficialmente adotados sempre foram em número de cinco
grandes áreas, sendo que apenas algumas Unidades da Federação (MA, PI, BA, SE e SP) alter-
naram, ao longo do tempo, sua inclusão nos blocos regionais A preferência por uma nomen-
clatura baseada na posição geográfica das áreas é outra característica das divisões regionais
adotadas, tendo sido marcante a utilização de elementos do quadro físico na identificação e
delimitação das mesmas, apesar da evolução teórica já referida.
Outra constatação sobre a divisão regional brasileira refere-se a seu sentido utilitário, já que as
regiões vêm sendo oficialmente adotadas como base territorial para levantamento e divulga-
ção de dados estatísticos.
Em função desse fato, a delimitação das regiões segue os limites político-administrativos de
suas unidades componentes, ou seja, dos estados e dos municípios. Alterações em uma dessas
unidades podem ocasionar, portanto, modificação no traçado das regiões. No caso dos espa-
ços maiores, as alterações processadas, ao longo do tempo, decorreram, principalmente, da
criação de novos estados e da passagem de alguns territórios para a categoria de estados, sem
modificação quanto aos limites regionais. [...]

MAGNAGO, A. A. A divisão regional brasileira – uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de


Geografia. Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, out./dez. 1995, p. 65-92. Disponível em: <https://biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/115/rbg_1995_v57_n4.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018.

Atividades
1. Muitas são as possibilidades de uso dos dados e conhecimentos proporcionados pelo IBGE
para a formação do geógrafo. Realize uma pesquisa sobre uma região que lhe interesse – por
exemplo, análise das pirâmides etárias dos estados da Região Nordeste, suas diferenças e
possíveis interpretações (políticas, econômicas sociais) – que você seja capaz de executar
com dados obtidos no site dessa instituição.

2. O que são censos demográficos e como eles auxiliam na formulação de conhecimentos geo-
gráficos?

3. As primeiras regionalizações – ainda antes de sua institucionalização com a criação do


IBGE – possuíam quais características?
70 Geografia Regional do Brasil

4. Divisão regional do Brasil em regiões geográficas imediatas e regiões geográficas intermediarias de


2017 e faça um esquema que englobe as principais características dessa nova regionalização. Para
obter essas informações,– acesse o documento do IBGE na íntegra. (Disponível em: <https://
ww2.ibge.gov.br/apps/regioes_geograficas/>. Acesso em: 12 jan. 2018.)

Referências
ALMEIDA, R. S. A Geografia e os Geógrafos do IBGE no Período 1938-1998. 708 f. 2000. Tese (Doutorado em
Geografia), Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em:
< https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66453.pdf>. Acesso em 12 jan. 2018.

CABRAL, L. M.; DEZOUZART, E. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). In:
FGV CPDOC. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/fundacao-
instituto-brasileiro-de-geografia-e-estatistica-ibge> Acesso em: 17 nov. 2017.

GONÇALVES, J. M. M. IBGE: um retrato histórico. Rio de Janeiro: Departamento de Documentação e


Biblioteca, 1995. (Coleção Documentos para Disseminação. Memória Institucional). Disponível em: <https://
biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/ColecaoMemoriaInstitucional/05-
IBGE%20-%20Um%20retrato%20Historico.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018.

GUIMARÃES, F. S. M. Divisão Regional do Brasil. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2,


abr./jun. 1941. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/
divisaoregionalbrasil.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018.

FIGUEIREDO, A. H. Divisão regional. In: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas
Nacional do Brasil Milton Santos. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv47603_cap4_pt4.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2017.

______. Gerência de Biblioteca e Acervos Especiais. Coletânea da Legislação do IBGE. Rio de Janeiro: IBGE,
2016. Disponível em: <https://memoria.ibge.gov.br/images/pdf/memoria/coletanea_legislacao_ibge.pdf>.
Acesso em: 19 nov. 2017.

______. Divisão Regional do Brasil em regiões geográficas imediatas e regiões geográficas intermediarias: 2017.
Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/apps/regioes_geograficas/>. Acesso
em: 12 jan. 2018.

_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Síntese das Etapas da Pesquisa. Rio de Janeiro:
IBGE, 2010. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/images/pdf/censo2010/sintese/sintese_
censo2010_portugues.pdf> Acesso em: 19 nov. 2017.

OLIVEIRA, L. P.; SIMÕES, C. C. S. O IBGE e as pesquisas populacionais. Revista Brasileira de Estudos de


População, São Paulo, v. 2, n. 2, jul./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v22n2/
v22n2a06.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018.

PENHA, E. A. A criação do IBGE no contexto da centralização política do Estado Novo. Rio de Janeiro:
Departamento de Documentação e Biblioteca, 1993. (Coleção Documentos para Disseminação. Memória
Institucional).

RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.

SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico. São Paulo: Hucitec, 1994.
5
A regionalização do território brasileiro

Até agora estudamos o conceito de região e seu papel central na geografia como ciência;
analisamos como se deu a implementação do planejamento regional no Brasil e como o Estado
e o conceito de território fazem parte desse processo; e conhecemos melhor o principal órgão
federal de geração de informações geográficas e regionais (o IBGE) e suas regionalizações oficiais.
Agora, vamos pensar como nós, geógrafos, podemos e devemos nos preparar tecnicamente para
a produção de regionalizações e interpretações de outras propostas. Tudo isso de modo coerente
e cientificamente aceitável. Para tanto, vamos pensar como os geógrafos regionalizam.

5.1 A descrição como síntese da geografia regional


Como vimos no primeiro capítulo, a geografia no Brasil foi fortemente influenciada pela
escola francesa de geografia. Isso se deu pela vinda de professores franceses e, especialmente,
pela adoção do modelo europeu de ciência produzido nos séculos XIX e XX. Assim, nossas
primeiras teorias e métodos estavam relacionados a esse modelo, que tinha uma abordagem
humanística sob a ótica de um espaço vivido. Por isso, a geografia regional dá grande impor-
tância aos trabalhos de campo e à produção de monografias regionais.
O método da escola francesa consistia na observação, descrição e identificação de espe-
cificidades que fossem capazes de dar uma identidade a um determinado espaço e justificar a
regionalização. Nesse sentido, regionalizar consistia na busca por elementos que atribuíssem
uma identidade àquela porção do espaço. Para tal, eram realizados trabalhos descritivos, que
podiam ser interpretados como receitas de bolo. Era preciso a descrição exaustiva de aspectos
físicos como vegetação, solo, clima e recursos hídricos. Além disso, era importante também a
caracterização temporal da estrutura populacional. Número de habitantes, origem, idade, sexo
e nível de desenvolvimento econômico (relacionado principalmente a índices de industrializa-
ção e urbanização) também eram fatores a serem considerados. Muitas vezes, o resultado era
uma lista desconexa de informações que comumente encontramos com a seguinte estrutura:

1. Caraterização da área
1.1. Aspectos físicos
1.1.1. Geologia
1.1.2. Clima
1.1.3. Solos
1.1.4. Vegetação
1.1.5. Hidrografia
72 Geografia Regional do Brasil

1.2. Aspectos socioeconômicos


1.2.1. População
1.2.2. Economia
1.2.2.1. Indústrias
1.2.2.2. Agropecuária
1.2.2.3. Serviços
1.2.3. Cultura

Você pode se perguntar: será que ainda não fazemos isso em nossos trabalhos? Sim, tra-
balhos de conclusão de curso, dissertações, teses, relatórios técnicos e principalmente materiais
didáticos muitas vezes são organizados como antigas monografias regionais. Então o que mudou?
Talvez pouca coisa tenha mudado na prática, entretanto, é importante refletirmos sobre a reprodu-
ção de conhecimento regional e o que faremos com os dados coletados.
Como destaca Santos (1992a), fatos e dados isolados são apenas abstrações e valores que
pouco nos ajudam a compreender a complexidade do espaço geográfico. O que de fato lhes dá a
concretude da realidade são as relações estabelecidas nele. Isto é, quando analisamos os elementos
formadores do espaço assim como nas monografias regionais – que descreviam a natureza, a forma
e os números –, não ultrapassamos essa dimensão. Para produzirmos informações geográficas, é
preciso compreender essas relações para então conhecê-las e defini-las de maneira totalizante.
Figura 1 – Esquema introdutório da concepção de espaço geográfico e dos componentes de uma pesqui-
sa para sua análise e apreensão

Escala

Espaço
Relações ­geográfico Objetos
Totalidade

Ações

Fonte: Elaborada pela autora.

É preciso compreender que esses aspectos elencados são relevantes para a problemática de
pesquisa. Cada problemática – principalmente aquelas relacionadas com a espacialidade inerente à
A regionalização do território brasileiro 73

geografia – precisa ser colocada na perspectiva adequada ao seu campo de pertinência (RACINE;
RAFFESTIN; RUFFY, 1983). Um exemplo do uso adequado dessas informações é:
Assim, estudar a centralidade apoiando-nos sobre os dados do comércio vare-
jista, pode ser apropriado no caso de pequenas cidades. Para as grandes aglome-
rações é, sobretudo, através da coleta de dados medindo uma função de ordem
superior (o comércio atacadista, por exemplo), que a diferenciação entre os
centros pode aparecer. (RACINE; RAFFESTIN; RUFFY, 1983, p. 125)

Com base em Santos (1996), temos a compreensão do espaço geográfico como uma totali-
dade, em que cada elemento – ora do sistema de objetos, ora do sistema de ações – é um modo de
expressão da totalidade que reproduz o todo, entretanto não o é, e sim é uma parte que só tem sen-
tido na realidade pela relação com essa totalidade. Assim, quando fragmentamos a totalidade e tor-
namos cada parte objeto de análise, esse fragmento é em si um todo que ainda integra a totalidade.
Quando a multiplicidade dessa totalidade é reconstruída para a compreensão do todo, é
importante a quebra das tradicionais dicotomias físico/humana, qualitativa/quantitativa, fenome-
nologia/materialismo histórico (SANTOS, 1992a). Na expressão da totalidade, o espaço não está
apenas na busca por semelhanças entre diferentes escalas de análise – lugar, região, paisagem e
território –, ele também se encontra nas especificidades que as diferem e as relacionam ao todo.
Dessa maneira, devemos pensar o espaço geográfico como algo mutável, dinâmico, reflexo e con-
dição das ações e para as ações da sociedade. Assim, ele é passível de representação e apropriação
como espaço vivido. E o trabalho de campo muitas vezes permitirá o acesso a essas especificidades.
A leitura realizada por Santos pode parecer complexa e de difícil compreensão. Entretanto,
podemos pensar em uma analogia – porém toda analogia deve ser ponderada, pois trata-se sempre
de uma simplificação. Assim, o espaço geográfico pode ser associado a um fractal (Figura 2), estru-
tura geométrica em que suas propriedades se repetem em diferentes escalas.
Figura 2 - A forma geométrica de um fractal pode ser uma importante analogia para compreender a defi-
nição de espaço geográfico para Santos (1992).
Photopips/iStockphoto
74 Geografia Regional do Brasil

Desse modo, quando fragmentamos o espaço geográfico para estudá-lo, observamos espe-
cificidades dos fragmentos e buscamos aspectos que os diferenciem e os aproximem de outros re-
Relações cortes. Entretanto, antes de tudo, buscamos compreender processos e dinâmicas ligados às relações
sistêmicas são
aquelas que são sistêmicas. Como exemplo, podemos citar um estudo migratório em uma região fronteiriça que
pertencentes a
apresenta fluxos e dinâmicas que se reproduzem de modo coerente com escalas globais. Na defini-
um determinado
sistema. ção de região que aqui adotamos, devemos buscar justamente a relação local/global.
Com isso, não queremos e não devemos deixar de lado a descrição, a caracterização e a
coleta de dados primários; pelo contrário, devemos ter mais afinco no processo de obtenção de
informações geográficas. Além disso, nossas ferramentas analíticas – conceitos, teorias, métodos
de obtenção e análise da realidade – devem ser aplicadas. A vivência em campo e a troca com as
comunidades analisadas podem ser um caminho (não um fim) para se aproximar de uma análise
abrangente do espaço geográfico.
Neste momento você pode pensar: mas como e quando eu aplicarei esse tipo de conheci-
mento em meu trabalho como geógrafo? Talvez você acredite que isso ocorra apenas no trabalho
de pesquisadores ou em grupos de pesquisa vinculados a uma instituição, o que não é verdade.
Como bacharel em geografia, muito provavelmente você terá a oportunidade de participar
de estudos relacionados à caracterização socioeconômica de áreas impactadas por empreendimen-
tos que necessitam de licenciamento ambiental. Os dados obtidos nessa pesquisa não caracterizam
apenas a organização espacial da área, mas influenciam também as medidas compensatórias e
mitigações desse empreendimento em um determinado ambiente e sua comunidade.
E como docente? Como isso pode se refletir nos processos de ensino-aprendizagem?
O ­ geógrafo-professor tem uma dupla importância na compreensão do espaço geográfico.
Primeiramente, pela necessidade de vislumbrar para os alunos – sejam da Educação Básica ou
Superior – as complexidades, as relações inerentes ao espaço geográfico e os modos de apropria-
ção/ressignificação da realidade sob a óptica espacial. Em segundo lugar, seu trabalho é um dos
agentes de modificação mais relevantes em grande escala, ou seja, seu conhecimento é capaz de
influenciar diretamente as comunidades. Uma docência ativa pode abrir o caminho para a produ-
ção de conhecimentos relevantes.

5.2 O trabalho de campo na formação do conhecimento geográfico


Serpa (2006) enfatiza a necessidade de abandonarmos a busca pela singularidade das regiões
sem compreender os recortes que permitem identificar particularidades dentro da totalidade. Ele
destaca também que, embora muito fragmentados, esses recortes ainda são articulados ao todo.
Isso evidencia que não há escala de análise privilegiada: a priori, a cidade não é melhor ou pior do
que regiões imediatas ou grandes regiões. Sua adequação sempre se dará em relação ao problema
de pesquisa e a necessidade de observação e apreensão dos fenômenos espaciais. Lacoste (1993)
traz essa ideia da seguinte forma:
Não há nível de análise privilegiado, nenhum deles é suficiente, pois o fato de se
considerar tal espaço como campo de observação irá permitir apreender certos
fenômenos e certas estruturas, mas vai acarretar a deformação ou a ocultação de
A regionalização do território brasileiro 75

outros fenômenos e de outras estruturas, das quais não se pode, a priori, prejul-
gar o papel e, portanto, não se pode negligenciar. É por isso indispensável que
nos coloquemos em outros níveis de análise, levando em consideração outros
espaços. (LACOSTE, 1993, p. 81)
Os aspectos complexos e multiescalares, que permeiam a definição de espaço geográfico,
não impossibilitam a utilização de métodos e teorias que busquem explicá-los ou defini-los, entre-
tanto, o que não devemos é considerá-los fixos e imutáveis.
Na geografia humana, as peculiaridades pertinentes a cada abordagem influenciam a relação
com o trabalho de campo. Já nas áreas relacionadas à geografia física, os métodos e as técnicas de
campo são bem estabelecidos, com protocolos rígidos de coletas de solo, mapeamento e análises
físico-químicas. A coleta de dados meteorológicos (Figura 3), por exemplo, segue rígidos padrões
internacionais de posicionamento e altura dos equipamentos.
Figura 3 – Instrumentos meteorológicos em um gramado na estação meteorológica de Kew Gardens, em
Londres

David Hawgood/Wikimedia Commons

A relação com a historicidade dos fatos ou fenômenos ligados às apropriações e ressignifi-


cações das comunidades e para as comunidades divergem para cada pesquisador, mesmo quando
em um primeiro momento as problemáticas de pesquisas pareçam muito similares. E não há de-
trimento de uma problemática em relação à outra. Sobre esse aspecto metodológico relacionado à
geografia humana, Serpa ressalta:
Portanto, dialética e fenomenologia não se excluem no trabalho de campo em
Geografia. Enquanto métodos podem funcionar como estratégias complemen-
tares, buscando-se sempre a construção da síntese sujeito-objeto, própria ao ato
76 Geografia Regional do Brasil

de conhecer, ora utilizando-se da história enquanto categoria de análise, ora


buscando-se intencionalmente abstrair a historicidade dos fenômenos, visando
à explicitação de sua “essência”. (SERPA, 2006, p. 20)
O trabalho de campo é muito enriquecedor para grande parte das pesquisas. Trata-se de
uma etapa que demanda cuidados teóricos-metodológicos próprios para a escolha do recorte es-
pacial e do tipo de amostragem. Além disso, é importante saber como acessar informações e prever
os impactos sociais que esse estudo pode ocasionar, seja pelos seus resultados ou pela “simples”
interação entre pesquisador e comunidade.
Nesse processo de interação, o geógrafo deve ter claro que sua presença, suas perguntas ou seus
comentários influenciam diretamente em seus resultados. Toda informação obtida em campo é con-
sequência da interação entre as partes, portanto é fundamental ter isso em mente para a formulação
de questionários ou entrevistas guiadas. As formulações influenciam respostas e os encadeamentos
de assuntos levam a posicionamentos que podem indicar o caminho esperado pelo pesquisador.
Para Claval (2007), o trabalho de campo em geografia, sobretudo em geografia regional, não
deve se limitar à análise de paisagens. Ele resume o papel do trabalho de campo na geografia da
seguinte maneira:
1 – A visão global e compreensiva das paisagens permite entender o que caracte-
riza as unidades territoriais, encontrar seus limites – esta é, por assim dizer, a
contribuição de Humboldt, tão importante para a geografia física quanto para
a geografia humana.
2 – O trabalho de campo permite encontrar as diferentes práticas ou políti-
cas que contribuem para modelar o espaço, assim como as características dos
comportamentos, das atitudes, e das concepções da vida em um dado lugar – o
direito da comunidade em controlar alguns comportamentos de seus membros,
como na Suíça: a aceitação, na sociedade quebequense, de sanções penais gene-
ralizadas, pois não são percebidas como desonrosas; a ideia, nos Países Baixos,
de que o que é fundamental para a nação são as comunidades que convivem no
país, e não o Estado, que está a seu serviço. (CLAVAL, 2013)
Claval remete-se ao âmago da geografia e remonta sua origem a Humboldt, considerado
um dos pais da geografia como ciência. Além disso, ele destaca a importância de compreender a
realidade para além de uma justaposição aleatória de dados. As especificidades do espaço geográ-
fico apreendidas por textos, gráficos, tabelas e mapas são resultado de construções sociais, ou seja,
construções que perpassaram por aquelas de outros pesquisadores. O campo seria uma maneira
de se apropriar de seu objeto (o espaço geográfico) e alcançar análises mais amplas (não resumidas
apenas a aspectos estatísticos).

5.3 A região como produto-síntese da geografia?


Já sabemos que o conceito de região passou por muitas transformações em suas abordagens
teórico-metodológicas, por isso não podemos mais considerá-la um produto-síntese da geografia,
pelo menos não do mesmo modo que esse termo foi concebido inicialmente.
A regionalização deixou de ser um produto final, que sintetiza o conhecimento geográfico,
e se tornou um meio de produção e compreensão do espaço geográfico. Ela deve ultrapassar as
A regionalização do território brasileiro 77

barreiras das dicotomias inerentes à geografia e à ciência. Além disso, ela deixa de ser apenas um
recorte investigativo e o resultado de uma exaustiva monografia regional para ser um instrumento
de construção social que pode ser concebido em diferentes escalas, como percebemos na modifi-
cação da regionalização oficial do IBGE.
Seja com Haesbaert (2005), com a valorização da região como nível de compreensão dos
processos econômicos multiescalares, ou em Santos, a “situação intermediária entre o mundo e
o país é dada pelas regiões supranacionais, e a situação intermediária entre o país e o lugar são as
regiões infranacionais, subespaços legais ou históricos” (SANTOS, 1997, p. 272).
As dinâmicas do sistema capitalista sob a organização socioespacial são complexas e rápidas.
Em termos estruturais, suas modificações são lentas, uma vez que o sistema tende a se modificar
para se manter hegemônico.
Figura 4 – A reserva extrativista de Gurupá-Melgaço, no estado do Pará, mostra a transformação do es-
paço geográfico.

Antônio Cruz/Agência Brasil

A região, como uma alternativa de escala analítica na geografia regional, pode ser com-
preendida em Racine, Raffestin e Ruffy (1983). Como escala, ela torna-se um filtro e um processo
de seleção de esquecimento coerente1, que, apesar de empobrecer a realidade concreta, preserva as
relações pertinentes à observação e produção de conhecimento.
Assim, ela se propõe às relações locais/globais que podem se apresentar descontínuas e/ou
entrelaçadas em função das transformações inerentes do sistema capitalista. Pensar a região na
relação escalar remete ao debate de escala, que deixa de ser uma forma de imposição de ordem

1 O esquecimento coerente acontece aos realizarmos “recortes” no espaço geográfico por meio de diferentes escalas.
Quando isso ocorre, estamos cientes – ou deveríamos estar – que partes da realidade serão negligenciadas na análise.
78 Geografia Regional do Brasil

para ser entendida como um produto social. Em Dias (2010) podemos conceber a escala como um
modelo mental para categorizar e ordenar o espaço geográfico e como construção de um produto
social. Assim, ela não estaria pré-definida geograficamente; mesmo estritamente relacionada aos
processos, ela não os substitui. Desse modo, são as práticas sociais que emergem a escalas.
O professor de Geografia, pode fazer da versatilidade do conceito de região e das possibili-
dades de ganho pedagógico do trabalho de campo um enriquecimento dos processos de ensino-
-aprendizagem. A vivência dos educandos em campo e fora do ambiente educacional tradicional
perpassa a existência de uma leitura crítica da realidade e da relação entre teoria e prática. Isso pos-
sibilita não apenas um aprofundamento da visão crítica de mundo, mas também as modificações
das condições atuais de organização socioespacial.
As possibilidades da ampliação da visão crítica também evidenciam a necessidade de uma
maior interdisciplinaridade que estimule o estudo articulado das demais disciplinas, até mesmo no
Ensino Básico. A visão de mundo do aluno e seu conhecimento prévio são melhor expressados fora
do ambiente tradicional da sala de aula. A flexibilidade das dinâmicas comunicativas do campo, isto
é, o contato com populações e realidades socioeconômicas distintas, pode auxiliar nesse processo.

Conclusão
Neste capítulo, pudemos compreender que a região é uma possibilidade de análise multies-
calar e um campo de pesquisa para as relações do sistema capitalista na organização socioespacial
e na interação local/global. Ela não pode ser vista apenas como um produto-síntese, estável e finali-
zado, mas sim como um meio para alcançar a análise da totalidade do espaço geográfico com base
em suas especificidades sem perder a conexão com o todo. Nos próximos capítulos buscaremos
produzir um cenário para as regionalizações do âmbito geográfico e das grandes regiões do IBGE.

Ampliando seus conhecimentos


No texto a seguir, Rosselvelt Santos aborda o papel do trabalho de campo em geografia.

Pesquisa empírica e trabalho de ­campo: algumas questões acerca do


­conhecimento geográfico
(SANTOS, 1999, p. 122-123)

[...]
Geralmente, a partir do trabalho de campo, procuramos pensar a problemática tendo como
ponto de partida a realidade local, mas não pensamos nos desdobramentos que os resultados
podem implicar. Uma apropriação desses conhecimentos pelo pesquisado, pode nos reve-
lar muitos elementos não só para elucidarmos, os desdobramentos do conhecimento, mas
para construirmos melhor, o nosso trabalho como pesquisador. As saídas para os problemas
da comunidade estudada, muitas vezes são construídas na e pela tomada de consciência das
potencialidades do lugar.
A regionalização do território brasileiro 79

Portanto, devemos considerar nesta mesma noção de tomada de consciência das potencialida-
des do lugar, que os fatores de ordem moral e psicológica ocupam um lugar, pelo menos, tão
importante quanto os elementos materiais da vida dos pesquisados.
Para trabalharmos a complexidade das relações humanas, nossos esforços podem ser amplia-
dos, na perspectiva da cultura. No sentido da cultura, valorizamos os modos de sentir, pensar,
agir e reagir das populações em relação ao lugar e as relações que estabelecem fora do lugar.
A importância dessa abordagem para a pesquisa que vai estudar uma determinada realidade
é, que ela pode ampliar as possibilidades de enfocar e analisar o nosso problema. Na verdade,
investigar uma problemática geográfica tanto física quanto humana, abordando aspectos do
vivido dos pesquisados, consiste, basicamente em sabermos como os homens pensam, agem
e sentem na sua realidade e que, portanto, não são apenas produtores, ou habitantes de um
determinado lugar.
[...]

SANTOS, R. J. Pesquisa empírica e trabalho de campo: algumas questões acerca do conheci-


mento geográfico. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 11, n. 21/22, p. 111-125. jan./dez., 1999.
Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/28483/
pdf_113>. Acesso em: 15 jan. 2018.

Atividades
1. A geografia regional brasileira é fortemente influenciada pelo pensamento de Milton Santos.
Assim, é essencial compreendermos um de seus principais conceitos, o espaço geográfico.
Crie um quadro ou um mapa mental que lhe sirva futuramente como fixação desse conceito.

2. Como geógrafo licenciado, de quais maneiras os conhecimentos da geografia regional po-


dem ser aplicados em sala de aula? Em relação à educação ambiental, por exemplo, quais
projetos podem ser vinculados ao bacharelado? Crie uma proposta que busque alinhar co-
nhecimentos e debates que realizamos até o presente momento.

3. Quem foi Alexander von Humboldt e qual é sua importância na formação da geografia e nas
ciências naturais? Como ele influenciou a concepção do trabalho de campo na geografia?

4. Como podemos compreender a região na atualidade? Ela ainda se aproxima do produto-sín-


tese da geografia francesa? Elabore uma resposta que explique os processos pelos quais esse
conceito se modificou ou não.

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6
Divisão regional do Brasil

Agora já compreendemos os meios de regionalizar e de interpretar as regionalizações,


vamos analisar outras propostas de regionalização. Obviamente, não é nosso objetivo aqui
exaurir as propostas, mas apresentar as principais correntes, que serão mais habituais em fu-
turas avaliações, como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e concursos.
Continuamos a reforçar a divisão regional oficial do Brasil, mas também entenderemos
sua relação com outras regionalizações e conheceremos algumas propostas de grandes geó-
grafos brasileiros para analisá-las comparativamente e refletir sobre o atual cenário nacional.
Essas análises devem sempre estar atreladas às correntes teórico-metodológicas desses autores,
bem como as regionalizações apresentadas. Por meio delas, podemos verificar a diversidade e
a complexidade que o conceito de região ainda traz aos debates geográficos.

6.1 A divisão regional do Brasil e os complexos regionais


Nós já analisamos a criação do IBGE e sua modificação em relação aos paradigmas teó-
ricos-metodológicos para as regionalizações oficiais. Nós observamos que a regionalização em
grandes regiões – que teve como unidade de agrupamento as unidades federativas – alcançou
um status muito mais didático para divulgação de dados do que uma delimitação com enfoque
na realidade. Prova disso é sua estabilidade: a regionalização das grandes regiões foi divulgada
no ano de 1969 e ocorreram mudanças apenas em relação à organização das unidades federa-
tivas. Como exemplo dessa questão podemos citar a transformação de territórios em estados,
como o território de Rondônia (que se tornou um estado) e a divisão do estado de Goiás, que
originou o estado de Tocantins.
Fortemente vinculada à geografia quantitativa, a regionalização proposta pelo IBGE ti-
nha como objetivo o agrupamento de índices estatísticos e visava à divulgação desses índices
de maneira didática para o ensino e o planejamento regional. Sua relação com a escola ame-
ricana fica evidente quando analisamos os principais conceitos abordados – desenvolvimento
regional, polos de desenvolvimento, espaços funcionais, relações centro-periferia e regiões ho-
mogêneas –, baseados nas obras de Christaller (teoria da localidade central), Perroux (teoria
dos polos de desenvolvimento) e na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
– Cepal1 (teoria do desenvolvimento).
A regionalização proposta pelo IBGE teve ainda como contribuições o enfoque no deba-
te urbano e o conceito de cidade-região, e atribuiu importante relação com a hierarquia urbana

1 A Cepal é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas. Ela foi fundada para contribuir ao desenvolvimento
econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas
dos países entre si e com as outras nações do mundo (CEPAL, 2018). Para saber mais, acesse: <https://www.cepal.org/
pt-br>. Acesso em: 15 jan. 2018.
82 Geografia Regional do Brasil

e as problemáticas regionais. Entre os critérios utilizados para a regionalização destacavam-se os


domínios ecológicos (como a Floresta Amazônica e o clima temperado da Região Sul), dados de-
mográficos, transportes, regiões agrícolas, polos industriais, centralidades envolvidas com urbani-
zação e industrialização, bem como atividades terciárias. O Mapa 1 apresenta a vinculação à divul-
gação de conhecimento para fins didáticos e uma realidade regional muito ligada à década de 1970.
Mapa 1 – Regionalização oficial do IBGE (2017)

Legenda
Norte
Centro-oeste
Sul
Sul N
Sudeste
Sudeste
Nordeste
Nordeste
Centro-Oeste
Norte
0 415 830 1.660 Km

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2018b.

O geógrafo do IBGE Pedro Pinchas Geiger (1923-) participou da formulação da regionali-


zação das grandes regiões e foi professor em muitas instituições, entre elas a UFRJ. Vinculado tam-
bém à geografia quantitativa, o autor apresentava correlação teórica similar à do IBGE. Contudo,
sua proposta de regionalização, apesar do enfoque didático, objetivava compreender como o espa-
ço geográfico brasileiro estava organizado naquele momento histórico. Para tanto, ele fez uso de
critérios (como desenvolvimento socioeconômico), estabeleceu correlações de áreas com a histori-
cidade e o desenvolvimento econômico e verificou a polarização da economia.
Para Geiger (1964), regionalizar é levar em consideração o entendimento dos processos his-
tóricos de formação do território. A região é o resultado da organização social do espaço e mos-
tra a organização econômica/social em momentos históricos e em diferentes graus de integração.
Segundo ele, a abordagem de região perpassa pela homogeneidade dos aspectos naturais e a pola-
rização econômica causada pelas desigualdades de desenvolvimento nos centros urbanos.
A contribuição do autor para a geografia regional se deu pela inclusão dos processos his-
tóricos na formação do território (que não ficou restrita a estatísticas econômicas), sendo que ele
distinguiu a regionalização de aspectos naturais/domínios naturais e considerou as regiões como
Divisão regional do Brasil 83

ação da atividade humana. Sua articulação conceitual, em diferentes níveis hierárquicos, também
contribuiu para o debate sobre desenvolvimento econômico na geografia brasileira.
Essa regionalização ficou conhecida como complexos regionais e compreendeu aspectos histó-
ricos, econômicos e culturais. Assim, foram estabelecidos três grandes complexos regionais brasilei-
ros: Centro-Sul, Nordeste e Amazônia. Eles apresentavam uma explícita hierarquia entre si: o Centro-
Sul atuava no controle político-econômico, ao qual se sujeitavam o Nordeste e a Amazônia. Embora
existisse essa hierarquia, o Nordeste tinha uma relativa autonomia em relação à Amazônia. No mapa
a seguir verificamos que não há o uso das unidades federativas como limite. Essa regionalização teve
importante impacto no pensamento da geografia regional brasileira.
Mapa 2 – Complexos regionais

Raphael Lorenzeto de Abreu/Wikimedia Commons

Região da Amazônia
Região Centro-Sul
Região Nordeste

Hierarquicamente superior aos demais complexos geoeconômicos, o Centro-Sul estava rela-


cionado à alta concentração de áreas industriais e espaços econômicos – muitos deles subordinados
às metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro – e era a região mais dinâmica economicamente. Sua
alta industrialização em nível nacional e o crescente desenvolvimento da agricultura industrial fo-
ram pontos de referência para os principais fluxos migratórios na década de 1970 (GEIGER, 1964).
O que hoje compreendemos como Sudeste era diretamente influenciado pelas metrópoles São
Paulo e Rio de Janeiro, das quais emergiam os processos de integração nacional. Nessa região con-
centravam-se as áreas mais industrializadas e polarizadas do país, subdivididas em: região industrial
e urbana; Sudeste novo; Sudeste velho fluminense-mineiro e Zona metalúrgica. Com forte influência
da colonização europeia e do clima subtropical, o Sul tinha uma industrialização e organização do
espaço geográfico muito vinculada aos modelos importados por essa população imigrante, e era divi-
dido em sub-regiões do planalto meridional, campanha e metrópole de Porto Alegre.
84 Geografia Regional do Brasil

A área da atual Região Centro-Oeste ainda tinha uma relação com uma fronteira de avanço
de desenvolvimento entre a Região Centro-Sul e a Amazônia. Naquele momento, com grandes
áreas de cerrado ainda preservadas, os avanços da pecuária e das monoculturas – especialmente a
soja – iniciavam e serviam muito mais como abastecimento para a Região Centro-Sul.
Considerado o complexo geoeconômico mais pobre – com os piores indicadores socioeco-
nômicos, alta densidade demográfica no litoral, mas grande riqueza cultural e coesão histórica –, o
Nordeste muito se assemelhava à configuração da grande região do IBGE. O clima semiárido, vin-
culado a problemas de administração pública e à baixa industrialização, fez com que ela obtivesse
por muitos anos a alcunha de região subdesenvolvida em âmbito nacional.
No Meio-Norte, como ainda é conhecida parte do estado do Maranhão, a forte influência
do bioma amazônico e da ocupação humana (relacionada a grupos indígenas) contrastava com as
porções semiárida (subdivididas em sertão, agreste e mata seca) com o Nordeste Oriental (forma-
do pela faixa litorânea fortemente povoada) e a Zona da Mata. Em função dos baixos indicadores
socioeconômicos, foi possível perceber por um bom tempo o alto fluxo migratório da população,
principalmente para a Região Sudeste. Atualmente esse fluxo diminuiu e muitas vezes é possível
verificar o retorno dessa população para seus estados de origem.
O complexo geoeconômico da Amazônia pode ser compreendido, nas palavras de Geiger,
“[...] na sua maior parte um vazio de população, constituído de grandes domínios naturais, onde
pontos isolados de ocupação humana mantém ligações tênues, traduzidas principalmente nos flu-
xos de pequenos volumes de mercadorias” (GEIGER, 1964, p. 15).
Essa região ainda é caracterizada pela baixa densidade demográfica – exceto nas regiões me-
tropolitanas de Belém e Manaus – e uma economia fortemente vinculada ao extrativismo vegetal e
mineral. A embocadura amazônica, ou seja, os arredores da foz do Rio Amazonas (expresso pelas
cidades de Manaus e, sobretudo, Belém), possuía os maiores índices econômicos do complexo
devido aos portos fluviais de escoamento da produção extrativista, à criação de gado e búfalos na
região da Ilha de Marajó e à exploração de manganês.
O vale amazônico, formado especialmente pelos portos de Santarém (Pará), Óbidos (Pará),
Parintins (Amazonas) e Itacoatiara (Amazonas), permitia a circulação da produção do extrativis-
mo vegetal e fazendas mistas. Os afluentes do Amazonas ainda apresentam uma concentração da
população fortemente vinculada ao curso do rio, o que atribui uma espacialização linear, com a
borracha da seringueira e a castanha-do-pará como principais produtos econômicos.
Anecúmeno:
Ao norte do complexo, na sub-região de Roraima, destacavam-se garimpos de ouro e dia-
Regiões/áreas
inabitadas com mante. As áreas de vegetação intacta e densa eram denominadas como anecúmeno amazônico,
baixa densidade
de ocupação
“massa florestal não habitada por populações conscientemente integradas na nação brasileira”
devido a fatores (GEIGER, 1964, p. 52). O discurso segregador e colonizador fica evidente em Geiger. O autor não
ambientais inós-
pitos, como alti- exaltou as populações indígenas e a multiplicidade cultural da região.
tudes elevadas,
matas densas ou
desertos.
Divisão regional do Brasil 85

6.2 A proposta de Roberto Lobato Corrêa (1939-)


Sob influência da geografia crítica, Roberto Lobato Corrêa propôs uma regionalização que,
pela primeira vez, equacionou a dimensão política nesse processo. Com forte influência de teorias
marxistas/de desenvolvimento desigual e das ideias de Leon Trotsky (1879-1940), o autor se utiliza
de critérios como organizações espaciais, articulações inter-regionais, internacionais e internas,
circulação de bens e de pessoas e da especialização produtiva. Para tanto, são apropriados concei-
tos como de divisão internacional do trabalho, classes sociais, materialismo histórico e dialético,
formação socioespacial, modos de produção, entre outros.
Para o autor, a região é o resultado da organização espacial pela lei de desenvolvimento
desigual e combinado, que expressa a divisão do trabalho e das relações de produção e faz sur-
gir conflitos de classes sociais, principalmente entre elites regionais e o capital externo à região.
Epistemologicamente, a região pode ser compreendida por meio de uma concretude, com vistas à
sua formação ao processo de regionalização e com base na interpretação da realidade. Para Corrêa
(2001), a divisão territorial do trabalho ressignifica constantemente a organização espacial, e, con-
sequentemente, as desigualdades sociais. Assim, a regionalização é constantemente modificada.
Visualmente similar à proposta de Geiger, a de Corrêa baseia-se nas distinções produtivas,
de circulação, de arranjos espaciais e de níveis de articulação. No Mapa 3 verificamos a primeira
proposta vinculada à geografia crítica (de Lobato Corrêa). Considerada um marco para a geografia
brasileira, essa forma de regionalização é alvo de inúmeros debates até hoje.
Mapa 3 – Regionalização proposta por Roberto Lobato Corrêa

Centro-Sul
Nordeste
Amazônia

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2018b.

Considerada o coração da política e da economia nacional, a Região Centro-Sul concentrava


as metrópoles São Paulo e Rio de Janeiro e a capital política (Brasília), com alto grau de industriali-
zação e urbanização e densa rede de circulação de bens, capitais e pessoas. No entanto, essa região
apresentava altos índices de desigualdade social, muito associada à alta concentração de renda.
86 Geografia Regional do Brasil

Houve o surgimento da megalópole, com a junção das metrópoles de São Paulo e do Rio
de Janeiro: Santos (com um dos principais portos marítimos), Sorocaba, Campinas, Piracicaba,
Ribeirão Preto (todos no estado São Paulo) e o Vale do Paraíba (localizado exatamente entre a ci-
dade de Rio de Janeiro e São Paulo). Além do porto de Santos, ainda estavam contidos nessa região
os portos de Vitória (Espírito Santo), Rio de Janeiro, Paranaguá (Paraná), Itajaí (Santa Catarina) e
Rio Grande (Rio Grande do Sul).
Nessa região também havia a mais densa rede de meios de comunicação e rodoferroviária do
país, principal destino dos mais intensos fluxos migratórios, que proporcionam maior integração
e articulação regional. Segundo Corrêa (2001, p. 203), a Região Centro-Sul apresentava “a mais ní-
tida divisão territorial do trabalho, originando áreas especializadas ou com forte tendência à espe-
cialização produtiva”. Além da alta concentração industrial, tinha as principais áreas agropecuárias,
volume de produção e geração de capital.
A Amazônia surgiu em Corrêa como uma região submetida ao capital nacional (princi-
palmente internacional) e proprietária dos mais diversos recursos naturais. Marcada pelos mais
diferentes tipos de conflitos sociais relacionados à terra, a Amazônia passou por uma constante
dizimação da população indígena e por obras públicas de empreendimentos pontuais, como hi-
drelétricas e mineração. Além disso, essa região recebeu grandes contingentes de migrantes, espe-
cialmente da Região Nordeste.
O avanço da fronteira agropecuária em direção à região amazônica fez com que a apro-
priação da terra tivesse se valorizado nas últimas décadas, bem como a extração de madeira e de
minérios como ferro, manganês e bauxita. Essa fronteira de modificação do uso e da ocupação do
solo com a Região Centro-Sul mudou o padrão até então estabelecido, que se baseava na rede de
rios que confluíam para a cidade de Belém. As relações de capital e de transportes com a criação de
rodovias para integração fizeram Belém perder força como metrópole regional.
Para Corrêa, após 1970 a Região Nordeste foi interpretada como uma região de perdas. Para o
autor, os fluxos migratórios (cada vez mais acentuados em relação às metrópoles do Centro-Sul), o de-
clínio da agropecuária no contexto nacional (mesmo em termos de subsistência com grandes períodos
de estiagem) e o baixo grau de articulação nacional marcaram o processo de regionalização da área.
Com o declínio de culturas tradicionais como a cana, o algodão e o cacau, a região perdeu
o destaque na economia agropecuária. Além disso, a baixa modificação do território – com baixos
índices de urbanização fora da faixa litorânea, poucas rodovias interioranas e obras de grande
porte, como hidrelétricas e campos agrícolas modernizados (exceto no vale do Rio São Francisco)
– subvalorizou a região no contexto nacional.
Apesar das semelhanças visuais entre as regionalizações de Corrêa e Geiger, ou até mesmo
do IBGE (que é a oficial), a forte influência da geografia crítica com a inclusão de fatores históri-
cos e da divisão territorial do trabalho são centrais na obra de Corrêa. Sua contribuição deu outra
dimensão à questão social/política e superou as demais, em que grande parte se restringia a distin-
ções meramente econômicas.
Divisão regional do Brasil 87

6.3 As transformações de regiões pela geografia crítica


Após a regionalização proposta por Corrêa, outros autores trabalharam a questão regional
sob a óptica da geografia crítica, entre os quais destacaram-se Milton Santos (1926-2001) e Ruy
Moreira (1941-). As diferenciações do território seriam a principal força modificadora da regiona-
lização sob essa óptica:
A noção de desigualdade territorial persiste nas condições atuais. Todavia, pro-
duzir uma tipologia de tais diferenciações é, hoje, muito mais difícil do que
nos períodos históricos precedentes. As desigualdades territoriais do presente
têm como fundamento um número de variáveis bem mais vasto, cuja combina-
ção produz uma enorme gama de situações de difícil classificação. (SANTOS;
SILVEIRA, 2001, p. 259)
Com quatro regiões, nas palavras de Santos, “quatro brasis”, a proposta desse autor estava
estritamente relacionada à sua compreensão de meio técnico-cientifico-informacional e de espaço
geográfico. Sua percepção perpassou as definições de espaço e da contraposição de definições. Sua
organização teórica pode ser compreendida pela diferenciação de áreas, pela presença ou ausência
de relações, como conflitos do meio rural ou hierarquização urbana, ou pela concentração de flu-
xos e objetos, como unidades fabris, alta mecanização do campo e fluxos migratórios.
Figura 1 – Organização teórica de Milton Santos acerca da regionalização

Presença e concentração Ausência e diluição

Zonas de densidade Zonas de rarefação

Fluidez Viscosidade
Circulação Fluidez seletiva

Espaço de rapidez Espaço de lentidão

Espaços luminosos
Espaços opacos
(atraem atividades com maior capital)

Espaços que mandam Espaços que obedecem

Fonte: Elaborada pela autora.

No Mapa 4, verificamos a regionalização proposta por Santos e Silveira (2001) e a organização


socioespacial do território brasileiro sob a óptica do conceito de meio técnico-científico-informacional.
88 Geografia Regional do Brasil

Mapa 4 – Regionalização proposta por Milton Santos

Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Concentrada

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2018b.

De modo geral, o conceito de meio técnico-científico-informacional é como a globalização


se expressa espacialmente no território. Para o autor, as sociedades teriam partido do meio natu-
ral e atravessando as modificações dos diversos meios técnicos até chegar à atual formação, por
ele identificada na década de 1970 como meio técnico-científico-informacional. Esse meio seria
caracterizado pela interação da ciência com a técnica, fortalecida após a Guerra Fria e pelas tecno-
logias mais desenvolvidas. A importância dada à informação, seja como ferramenta de poder ou de
capital, atribuiu um novo adjetivo ao termo.
Baseado no conceito de espaço geográfico, formado por sistemas de objetos (materializados
pela técnica) e de ações (materializadas nos conhecimentos científicos e na importância dada aos
meios de comunicação como poder hegemônico), o meio técnico-científico-informacional seria a
expressão da globalização para a geografia (no fim deste capítulo poderemos retomar nossa leitura
desse conceito).
Desse modo, a região com maior integração aos processos de globalização é a Concentrada,
na qual o meio técnico-científico-informacional foi implantado já sob um meio técnico bem esta-
belecido, isto é, a urbanização e a industrialização anteriormente instaladas nessa região permiti-
ram um alto nível de desenvolvimento após a globalização.
Em oposição à região Concentrada encontramos a Centro-Oeste. Devido a uma ocupação
periférica recente – em termos históricos de urbanização –, essa região se estabeleceu sem um
sistema de objetos bem delineado. Além disso, sob uma perspectiva voltada economicamente para
o agronegócio, o Centro-Oeste tem seus fluxos voltados ao consumo de insumos agrícolas e à pro-
dução de commodities.
Por fim, a baixa (e historicamente concentrada) urbanização, o declínio agrícola e a falta
de grandes processos de industrialização colocaram o Nordeste em uma posição inferiorizada na
Divisão regional do Brasil 89

análise de Santos. A região amazônica, com dificuldades de circulação de pessoas e bens, de acordo
com o autor, tornou os espaços lentos e rarefeitos.
Nos últimos anos, o aumento das desigualdades sociais e econômicas resultaram em dispari-
dades espaciais que evidenciam novas formas de análise da divisão territorial do trabalho. Para Ruy
Moreira (2014), as divisões territoriais do trabalho no Brasil mostram reflexos sociais, econômicos
e socioambientais que hoje refletem a necessidade de reconfiguração e mudança na dinâmica ter-
ritorial brasileira.
Como consequências sociais podemos destacar a má distribuição de renda e os altos índices
de desemprego e emprego informal e os custos de produção e escoação da produção (que ainda li-
mitam o desenvolvimento econômico nacional). Além disso, a falta de um arranjo do espaço volta-
do para a preservação de áreas de proteção, a ocupação de áreas apropriadas, o saneamento básico
e os impactos de empreendimentos em comunidades (como aquelas atingidas por barragens) são
exemplos de efeitos socioambientais.
Para Moreira, a regionalização abrange quatro áreas, que, diferentemente das demais aqui
relacionadas, são pouco influenciadas pela organização territorial das unidades federativas e, pela
primeira vez, não são necessariamente contínuas (em alguns momentos as regiões se sobrepõem).
Mapa 5 – Regionalização proposta por Ruy Moreira

Complexo agroindustrial
Polígono industrial
Fronteira biotecnológica
Difusão da agroindústria e
indústria de não duráveis

Fonte: MOREIRA. In: LIMONAD, 2004, p. 135.

Com abrangência na Região Sul e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e porção sul
de Minas Gerais, a região do polígono industrial apresenta processos de despolarização metro-
politana e industrialização das cidades do interior com indústrias de altos índices de tecnologia
90 Geografia Regional do Brasil

(especialmente para produção de bens de capital e bens duráveis2). Destaca-se ainda a relação com
países do Mercosul.
Formada pelas Regiões Sul e Centro-Oeste, e os estados de Tocantins, Roraima e fragmen-
tos de Minas Gerais, Bahia, Piauí e Maranhão, a região do complexo agroindustrial é descontínua
no estado de Roraima e se sobrepõe à região do polígono industrial em alguns estados. Sobre o
binômio latifúndio-minifúndio há um processo de re-regionalização no qual uma ampla divisão
técnica de trabalho se faz presente na especialização da agroindústria. Influenciada pelos projetos
de planejamento regional (PNDs), essa região sofreu modernização especialmente na produção
agroindustrial de commodities, sobretudo de soja e milho.
Nas palavras de Moreira (2014, p. 271), essa é uma “região nova no velho espaço nordestino”.
Ela é a região dos polos mineiro-industriais, da agroindústria irrigada e da indústria de bens não
duráveis, que abrange as áreas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe e parte dos estados do Piauí, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Os centros manufaturei-
ros e agropastoris – típicos do Nordeste brasileiro – são reconfigurados e combinados e as indús-
trias de bens de consumo não duráveis migram do Centro-Sul, muito sob influência do PND-II.
Algumas indústrias de bens intermediários também estão ali representadas, com destaque para o
polo de minério de alumínio do Maranhão; produção de fertilizantes químicos em Sergipe; salinas
em Alagoas; e produção petroquímica, de celulose e papel na Bahia e no Maranhão.
Por fim, a região da fronteira biotecnológica, com influência direta do bioma amazôni-
co e com uma das maiores biodiversidades conhecidas no mundo, abrange os estados do Acre,
Amazonas, Rondônia, Pará, Amapá e uma porção significativa do Maranhão. Essa biodiversidade
faz dela uma fronteira de biotecnologia, principalmente pelo uso medicinal de extratos vegetais,
e corresponde a atividades agrícolas, minerais e energéticas, com grandes empreendimentos hi-
drelétricos nos últimos anos, como as usinas de Belo Monte (Pará), Jirau e Santo Antônio (ambas
em Rondônia).

Conclusão
Verificamos neste capítulo que, embora as regionalizações sejam visualmente muito simila-
res, cada uma pode representar aspectos da totalidade, isto é, mostrar diferentes abordagens da rea-
lidade. Além disso, pudemos comparar diferentes formas de regionalização mesmo pertencentes a
linhas gerais similares, como as versões de regionalização de Santos e Moreira. Embora vinculados
à geografia crítica, ambos utilizaram distintos aspectos regionalizantes em suas análises.
Por fim, diante das mudanças teóricas, há também uma mudança na própria organização
socioespacial que aponta para a necessidade de novas regionalizações, como é possível verificar as
propostas por Corrêa e Moreira.

2 De maneira geral, bens de consumo são aqueles utilizados por nós. Eles podem ser divididos em bens duráveis, semi-
duráveis e não duráveis. Os bens não duráveis são aqueles em que o consumo é praticamente imediato, como alimentos.
Já os bens semiduráveis são aqueles que permitem sua utilização diversas vezes, porém desgastam-se ao longo do
tempo, como calçados e roupas. Por fim, os bens duráveis podem ser utilizados por longos períodos, como é o caso de
automóveis e eletrodomésticos, televisores e lavadoras.
Divisão regional do Brasil 91

Ampliando seus conhecimentos


Disponibilizamos, a seguir, alguns trechos de uma obra de Milton Santos que trata especifi-
camente da definição de meio técnico-científico-informacional. Quando possível, leia a obra com-
pleta desse clássico da geografia brasileira.

A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção


(SANTOS; SILVEIRA, 2012, p. 238-241)

[...]
Nesse período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais,
já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já sur-
gem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a
informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos
progressos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo,
a que estamos chamando de meio técnico-científico-informacional.
[...]
Podemos então falar de uma cientificização e de uma tecnicização da paisagem. Por outro
lado, a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam
o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor
fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua
circulação. Pode-se falar, com S. Gertel (1993), de inevitabilidade do “nexo informacional”.
Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da
economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mun-
diais. O meio técnico-científico-informacional é a aparência geográfica da globalização.
[...]

SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (1996).
4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

Atividades
1. Compare as principais propostas de regionalização aqui apresentadas, ressalte seus critérios
de regionalização e teorias.

2. Faça um texto reflexivo sobre o conceito de meio técnico-científico-informacional de acordo o


texto de Milton Santos e responda: como podemos analisar a atualidade brasileira por meio
dessa noção?

3. Quais relações a regionalização de Ruy Moreira pode apresentar com as políticas de plane-
jamento regional?

4. A grande Região Norte do IBGE é comumente relacionada à área do bioma amazônico, o


que faz recebê-la a mesma toponímia. Analise como essa região foi abordada em diferentes
propostas e aponte suas problemáticas.
Referências
CORRÊA, R. L. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

GEIGER, P. P. Organização regional do Brasil. Revista Geográfica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 61, 1964,
p. 25-57. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/40991791?seq=1#page_scan_tab_contents>.
Acesso em: 15 jan. 2018.

MOREIRA, R. A formação espacial brasileira: contribuição crítica aos fundamentos espaciais da geografia do
Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2004.

LIMONAD, E.; HAESBAERT, R.; MOREIRA, R. (Org.). Brasil, século XXI: por uma nova regionalização?
Agentes, processos e escalas. São Paulo: Max Limonad, 2004.

SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Geociências, 2017. Disponível em: <https://downloads.
ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
7
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões

Depois de tanto refletirmos sobre o conceito de região e explorarmos as possibilidades


de trabalho com essa concepção, não seria contraditório, agora, realizarmos uma monografia
regional para as cinco grandes regiões brasileiras? Sim, seria, caso nosso propósito não fosse
refletir criticamente sobre a regionalização e buscássemos compreendê-lo apenas como uma
etapa, não um resultado final, o que é hoje proposto pela geografia regional.
Portanto, nosso objetivo neste capítulo é refletirmos até que ponto o mosaico ocasiona-
do por esse recorte é compreendido por nós e pela sociedade. Além disso, veremos como se dá
o papel do geógrafo como disseminador de conhecimento, tanto no ensino escolar quanto na
elaboração de relatórios técnicos.

7.1 Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste


Com base na regionalização do IBGE para as grandes regiões, criaremos um cenário dos
principais dados que as caracterizam. Nossa intenção não é exaurir as informações contidas
no site do IBGE, mas sim selecionar algumas variáveis que podem nos ajudar a compreender
como estão organizados os dados do território brasileiro. Nesta primeira seção, tratamos das
regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. No Mapa 1, podemos observar a organização política
das unidades federativas.
Mapa 1 – Mapa político das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, de acordo com a regionalização
oficial do IBGE.

Norte
Nordeste
Centro-Oeste

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2018b.


94 Geografia Regional do Brasil

Trabalhar com o conceito de região é, antes de tudo, trabalhar com a questão da escala em
geografia. Quando o escolhemos para analisar o espaço geográfico, diferenciamos uma área desse
espaço, na qual buscamos ressaltar aspectos relacionados aos sistemas de objetos e/ou de ações
que o tornem parte do todo e sejam capazes de mostrar as especificidades da totalidade. Como
já vimos, a regionalização oficial do IBGE em grandes regiões tem como principal função a dis-
seminação de dados estatísticos e geográficos de maneira didática, seja para o ensino, seja para o
planejamento.
Entretanto, se afirmamos que trabalhar com região é trabalhar com escala, o que devemos
considerar acerca da resolução dos dados quando analisamos as grandes regiões?
Acreditamos que é fundamental sempre ter em mente que o espaço geográfico dificilmente
pode ser considerado homogêneo. Em municípios, bairros e até mesmo em uma quadra podemos
encontrar disparidades econômicas, sociais e ambientais. Desse modo, devemos considerar que em
uma análise regional esses dados encobrem essas disparidades. Na Tabela 1, apresentamos dados
territoriais, relacionados à população, densidade populacional (o valor médio de habitantes por
km²), renda média mensal por pessoa e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), importante
ferramenta criada para estabelecer parâmetros socioeconômicos. No IDH, quanto mais próximo
de 1, maior é o desenvolvimento da área.
Tabela 1 – Informações de área territorial, população, densidade demográfica, rendimento médio e IDH
das grandes regiões

Área População Densidade Rendimento mensal IDH


territorial censo 2010 demográfica 2010 per capita 2016 2010
Estado

km² hab. hab./km² Em R$ Valor

Norte 3.853.840,88 15.864.454 4,12 845,86 0,684

Centro-Oeste 1.606.234,47 14.058.094 8,75 1478,25 0,753

Nordeste 1.554.291,11 53.081.950 34,15 774,11 0,660

Sudeste 924.608,85 80.364.410 86,92 1369,25 0,754

Sul 576.783,78 27.386.891 47,48 1470,00 0,756

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017e.

Nesta tabela, verificamos que, apesar das inúmeras tentativas de planejamento regional, índi-
ces como esses ainda refletem desigualdades regionais semelhantes às constatadas nos primeiros es-
tudos do IBGE. Vale dizer que eles serviram também para a criação das políticas de desenvolvimento.
A Região Norte permanece com a menor densidade demográfica, porém, o que antes poderia ser
analisado como um aspecto negativo – os vazios demográficos dessa região –, hoje pode ser com-
preendido de maneira diferente.
Uma região com uma biodiversidade tão rica como o bioma amazônico precisaria ser ocu-
pada pelo modo de produção do espaço urbano utilizado em outras regiões? Essa baixa densidade
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 95

reflete a realidade de toda a região? Nós veremos que não. A região metropolitana de Belém (Pará),
por exemplo, apresenta uma das maiores populações, com mais de 2 milhões de habitantes. Já a
cidade Altamira, também no Pará, possui uma das menores densidades demográficas do país, com
apenas 0,62 habitantes por quilômetro quadrado (IBGE, 2017a). Agora, analisaremos cada região
e contextualizaremos seus dados.
O Nordeste brasileiro – primeira região a ser povoada pelos imigrantes europeus a partir
do ano de 1500 – sempre esteve no ponto focal das políticas de desenvolvimento, planejamento
regional e levantamento de dados geográficos.
Descrita em grandes obras literárias, como Os sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), a re-
gião foi marcada historicamente pela ocupação de portugueses, franceses e holandeses e a resistência
da população diante das adversidades do clima semiárido e das políticas de coronelismo. O bioma da
caatinga – também conhecido como polígono da seca – marca a região. Com baixos índices pluvio-
métricos, plantas xerófitas e solos salinos, sua base natural sempre foi considerada a causa do baixo Plantas xerófitas:
são aquelas adapta-
desenvolvimento econômico da região. das a viverem em
climas semiáridos
Figura 1 – Região da caatinga brasileira, caracterizada pelo clima semiárido e plantas xerófitas e desérticos (por
exemplo, cactos).

Heckepics/iStockphoto

Provavelmente devido a essas questões, a organização espacial do Nordeste se deu com a


criação de centros urbanos concentrados na região litorânea, que tem maior densidade demo-
gráfica e poder econômico do que as regiões da Zona da Mata e do sertão. Uma das maiores ci-
dades do país, Recife tem uma população que ultrapassa os 1,5 milhão de habitantes. A capital de
Pernambuco tem uma das maiores rendas per capita (872 reais), embora seja inferior ao salário
mínimo nacional (954 reais). Obras como a transposição do Rio São Francisco, usinas petroquí-
micas e relacionadas a projetos de habitação e rodovias estão modificando o cenário regional, que
ainda apresenta os valores mais baixos de IDH em nível nacional.
Na Tabela 2, percebemos que os dados das unidades federativas evidenciam as disparidades
da Região Nordeste, em que o rendimento médio é de 774 reais. O estado do Maranhão apresenta
o menor rendimento per capita: apenas 575 reais.
96 Geografia Regional do Brasil

Tabela 2 – Dados das unidades federativas da Região Nordeste

Rendimento
População Densidade
Área territorial mensal per IDH 2010
censo 2010 demográfica 2010
Estado capita 2016

No No hab./ No Em No No
km² hab. Valor
país país km² país R$ país país

Alagoas 27.848,14 25º 3.120.494 17º 112,33 4º 662 26º 0,631 27º

Bahia 564.732,45 5º 14.016.906 4º 24,82 15º 773 20º 0,66 21º

Ceará 148.887,63 17º 8.452.381 8º 56,76 11º 751 22º 0,682 16º

Maranhão 331.936,95 8º 6.574.789 10º 19,81 16º 575 27º 0,639 26º

Paraíba 56.468,44 21º 3.766.528 13º 66,7 8º 790 19º 0,658 21º

Pernambuco 98.076,02 19º 8.796.448 7º 89,62 6º 872 17º 0,673 18º

Piauí 251.611,93 11º 3.118.360 18º 12,4 18º 747 23º 0,646 24º

Rio Grande
52.811,11 22º 3.168.027 16º 59,99 10º 919 13º 0,684 16º
do Norte

Sergipe 21.918,44 26º 2.068.017 22º 94,36 5º 878 16º 0,665 18º

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017a.

Já a Região Norte – caracterizada pela presença do bioma amazônico – sempre foi com-
preendida por seu vazio demográfico e seu alto potencial extrativista de natureza intocada. De
fato, se olharmos de maneira positivista seus dados de densidade demográfica, concluiremos que
a região é pouco habitada.
Todavia, ao tentarmos compreender como sua população está distribuída e vermos a organiza-
ção dos centros urbanos, percebemos que há uma grande concentração populacional em alguns desses
centros, como acontece com Belém, o maior centro urbano regional, cuja região metropolitana tem
mais de 2 milhões de habitantes.
Tabela 3 – Dados das unidades federativas da Região Norte

Densidade Rendimento
População
Área territorial demográfica mensal per IDH 2010
censo 2010
Estado 2010 capita 2016

No No hab./ No Em No No
km² hab. Valor
país país km² país R$ país país

Acre 164.123,74 16º 733.559 25º 4,47 24º 761 21º 0,663 21º

Amapá 142.828,52 18º 669.526 26º 4,69 23º 881 15º 0,708 12º

Amazonas 1.559.146,88 1º 3.483.985 15º 2,23 26º 739 24º 0,674 18º

Parát 1.247.955,24 2º 7.581.051 9º 6,07 21º 708 25º 0,646 24º

(Continua)
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 97

Densidade Rendimento
População
Área territorial demográfica mensal per IDH 2010
censo 2010
Estado 2010 capita 2016

No No hab./ No Em No No
km² hab. Valor
país país km² país R$ país país

Rondônia 237.765,29 13º 1.562.409 23º 6,58 20º 901 14º 0,69 15º

Roraima 224.300,81 14º 450.479 27º 2,01 27º 1.068 12º 0,707 13º

Tocantins 277.720,41 10º 1.383.445 24º 4,98 22º 863 18º 0,699 14º

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017a.

O bioma amazônico é considerado ainda o melhor preservado em termos de biodiversidade e


(Continua)
área. Entretanto, a fronteira agrícola, o contrabando de animais e plantas e a mineração colocam essa
região em risco.
Figura 2 – Vista aérea da floresta (estado do Amazonas)

Filipefrazao/iStockphoto

Estudos arqueológicos também mostram que essa visão ingênua – de grande mata intacta e
pouco habitada – se aproxima mais de uma visão política regional do que de dados efetivos. Neves
(2006) apresenta inúmeros indícios que levam a entender a região amazônica como uma grande
floresta de influência antrópica, com plantas domesticadas, manejo florestal e criação de solos mais
férteis com a formação de terra preta de índio. Há ainda estudos que evidenciam o grande número
de habitantes indígenas que ali viviam antes do contato com os brancos.
Essa região é também fortemente influenciada pelas diferentes populações e culturas indíge-
nas que ainda resistem em terras institucionalizadas pelo governo, em áreas urbanas e ribeirinhas.
De acordo com o último Censo (IBGE, 2010), a população indígena no país está presente em pelo
menos 80% dos municípios; na Região Norte esse número chega a 90%. Apesar de as questões
relacionadas às baixas densidades populacionais da Região Norte, foi a Região Nordeste que teve
seu processo de povoamento mais tardio. Foi apenas no século XX que sua ocupação se deu de
maneira intensiva.
98 Geografia Regional do Brasil

A construção de Brasília e a implementação extensiva do agronegócio não impulsionaram


apenas a economia, mas também alavancaram a migração de populações vindas de outras regiões.
Na Tabela 4, observamos que a Região Centro-Oeste tem o menor percentual de habitantes nasci-
dos e os maiores índices de migrantes das demais regiões, principalmente do Nordeste e Sudeste.
Esses dados evidenciam as mudanças nos tradicionais fluxos migratórios brasileiros.
Tabela 4 – Porcentagem da população de acordo com o local de nascimento

Distribuição percentual da população residente, residência atual


segundo o lugar de nascimento – 2004/2015

Distribuição percentual da população residente, por Grandes Regiões de residência atual (%)

Lugar de Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste


nascimento 2004 2015 2004 2015 2004 2015 2004 2015 2004 2015

Norte 82,2 84,9 0,4 0,4 0,3 0,3 0,1 0,2 2,2 2,8

Nordeste 10,4 8,9 97,3 97,3 9,3 8,9 1,0 1,1 12,3 12,3

Sudeste 3,2 2,6 1,8 1,9 87,3 87,9 4,1 3,8 10,8 9,0

Sul 1,9 1,5 0,2 0,1 1,9 1,8 94,1 93,7 5,5 4,6

Centro-Oeste 2,2 1,9 0,3 0,2 0,6 0,6 0,3 0,5 68,9 70,8

País estrangeiro 0,2 0,2 0,1 0,1 0,6 0,5 0,4 0,6 0,3 0,4

Fonte: IBGE, 2017c.

A construção de Brasília, como mencionamos anteriormente, foi um importante marco para


o desenvolvimento regional. Ela impulsionou a migração e se tornou o centro da política nacional.
Figura 3 – Vista aérea da Catedral de Brasília e do Ministério da Esplanada

VelhoJunior/iStockphoto

O agronegócio é a marca econômica da Região Centro-Oeste, que é a maior produtora de


soja do país e impulsionadora da frente agrícola sob o bioma amazônico. Brasília, além de ser pon-
to focal para o desenvolvimento regional, é um outlier, ou seja, um ponto fora da curva.
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 99

Sua pequena área territorial, sua grande população – concentrada nas chamadas cidades-sa-
télites – e a concentração dos mais importantes cargos públicos brasileiros aparecem nas estatísti-
cas com pesos que distorcem a realidade regional. O rendimento per capita é o maior do país, com
um valor de 2. 351 reais (Tabela 5) e 36% maior que o segundo colocado (São Paulo). Esses dados
representam um dos maiores abismos sociais brasileiros, com a ocupação do plano-piloto1 por
populações de alto poder aquisitivo e grandes bolsões de pobreza nas áreas periféricas. Na análise
de dados estatísticos da Região Centro-Oeste, devemos sempre ponderar a presença do Distrito
Federal e suas especificidades.
Tabela 5 – Dados das unidades federativas da Região Centro-Oeste e do Distrito Federal

Densidade Rendimento
População
Área territorial demográfica mensal per IDH 2010
censo 2010
2010 capita 2016
Estado
No No No No No
km² hab. hab./km² Em R$ Valor
país país país país país

Distrito Federal 5.780,00 27º 2.570.160 20º 444,66 1º 2.351 1º 0,824 1º

Goiás 340.106,49 7º 6.003.788 12º 17,65 17º 1.140 10º 0,735 7º

Mato Grosso 903.202,45 3º 3.035.122 19º 3,36 25º 1.139 11º 0,725 10º

Mato Grosso
357.145,53 6º 2.449.024 21º 6,86 19º 1.283 7º 0,729 9º
do Sul
Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017a.

Entre as cinco grandes regiões do IBGE, as três apresentadas nesta seção são as que apre-
sentam seus limites entre si mais suavizados pela organização espacial. O bioma amazônico ain-
da influencia parte do estado do Maranhão e seu limite com a Região Centro-Oeste está cada
vez mais difícil de ser delimitado em razão do avanço do desmatamento, da pecuária e do cultivo
de soja. Os processos de formação da população também estão intimamente interligados, com a
migração – estimulada por projetos de planejamento – de nordestinos para a região amazônica.

7.2 Regiões Sul e Sudeste


Conhecidas como os motores da economia nacional, as regiões Sul e Sudeste são as peças
que faltam no nosso mosaico regional. Influenciadas pelo bioma da Mata Atlântica, essas regiões
apresentam os maiores índices de desmatamento, muito ocasionado pela alta urbanização (SOS
MATA ATLÂNTICA, 2017).
O estado de São Paulo é cortado pelo Trópico de Capricórnio e constitui um marcador geo-
gráfico climático, já a Região Sul é, de fato, a mais fria do país. Em áreas com alta altimetria, é
comum o registro de temperaturas próximas a 0 °C e eventos com neve. Nas áreas mais altas, como
nas serras gaúcha e catarinense, o clima frio e a presença da alta umidade criam microclimas, que
ocasionam matas nebulares, únicas no país.

1 Projeto urbanístico elaborado por Lucio Costa (1902-1998) para a nova capital do Brasil.
100 Geografia Regional do Brasil

A mata de araucária, uma das características da Região Sul, ocorre também nas áreas altas
dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O pinhão é fonte de renda e tradição.
Mapa 2 – As regiões Sul e Sudeste são marcadas pela alta urbanização e elevado desenvolvimento eco-
nômico em âmbito nacional.

Sudeste
Sul

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE, 2017a.

A Região Sudeste teve destaque no cenário político e econômico desde os primeiros anos do
Império – com a mudança da capital para a cidade do Rio de Janeiro – e, posteriormente, com a
política café com leite, que consistia no controle político entre os Estados de São Paulo e Minas
Gerais. A ocupação histórica antiga, com forte influência da família real, dos tropeiros, da minera-
ção, da escravidão e da migração europeia do século XIX, marcou não apenas a organização do
desenho urbano, mas também a economia e as expressões culturais dessa região.
O Estado de Minas Gerais apresenta uma das áreas com maior potencial minerador, seja no
quadrilátero ferrífero ou em garimpos de pedras preciosas. Esse potencial impulsionou e ainda im-
pulsiona a economia do Estado, no entanto, traz como consequência graves problemas ambientais,
como a poluição de rios, que atravessa outros estados.
A Região Sudeste ainda com-
porta os maiores índices econômicos Figura 4 – Exploração de minas no estado de Minas Gerais ValterCunha/iStockphoto

no país. Ela foi a primeira a estabe-


lecer alto desenvolvimento industrial
e apresentar os maiores rendimentos
médios per capita no país. Os estados
de São Paulo e Rio de Janeiro têm as
maiores metrópoles nacionais, com
a maior população e alta densidade
demográfica – e, consequentemente,
grandes problemas de desigualda-
de social e econômica. Novamente,
os altos índices econômicos devem
ser interpretados por aspecto, como
classe social, gênero e etnia.
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 101

Tabela 6 – Dados das unidades federativas das regiões Sul e Sudeste

Densidade Rendimento
População IDH
Área territorial demográfica mensal per
censo 2010 2010
Estado 2010 capita 2016

No No No Em No No
km² hab. hab./km² Valor
país país país R$ país país

Espírito Santo 46.086,91 23º 3.514.952 14º 76,25 7º 1.157 9º 0,74 7º

Minas Gerais 586.520,73 4º 19.597.330 2º 33,41 14º 1.168 8º 0,731 9º

Rio de Janeiro 43.781,59 24º 15.989.929 3º 365,23 2º 1.429 5º 0,761 4º

São Paulo 248.219,63 12º 41.262.199 1º 166,23 3º 1.723 2º 0,783 2º

Paraná 199.307,94 15º 10.444.526 6º 52,4 12º 1.398 6º 0,749 5º

Rio Grande
281.737,89 9º 10.693.929 5º 37,96 13º 1.554 3º 0,746 6º
do Sul

Santa Catarina 95.737,95 20º 6.248.436 11º 65,27 9º 1.458 4º 0,774 3º

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017a.

Já a Região Sul teve sua industrialização impulsionada pela migração de europeus. Com
indústrias voltadas à agroindústria, metalmecânica e tecelagem, conta com três importantes portos
marítimos: Rio Grande (Rio Grande do Sul), Itajaí (Santa Catarina) e Paranaguá (Paraná). Muitas
localidades ainda estão vinculadas à cultura europeia. Assim, são comuns festas com comidas e
danças típicas dos países de origem. A Região Sul tem o melhor IDH do país (Tabela 6).
Assim, entre os aspectos que a fazem uma das regiões com os maiores índices de qualidade
de vida está a expectativa de vida, com uma idade média de 77,10 anos. Esse é um número alto
comparado ao Nordeste, por exemplo, que possui uma expectativa de 73,05 anos (IBGE, 2017a).
Além disso, o Sul tem uma das mais baixas taxas de analfabetismo em relação ao restante do país.
Figura 5 – Taxa de analfabetismo no Brasil. A Região Sul apresenta um dos menores índices.

Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade


25

20

15

10

0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

 2004    2015

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017c.


102 Geografia Regional do Brasil

Poderíamos concluir o nosso mosaico regional brasileiro aqui, pois já sabemos da baixa
densidade demográfica da Região Norte, do baixo rendimento médio da população nordestina, do
elevado rendimento do Distrito Federal no Centro-Oeste, do grande contingente populacional do
Sudeste e do alto IDH da Região Sul. Todas essas informações são verdadeiras, mas em si repre-
sentam a totalidade de cada região? Inventários estatísticos desse tipo responderiam às principais
problemáticas geográficas? Vamos refletir sobre isso.

7.3 Um mosaico que nos representa?


O resultado da caracterização de diferentes regiões cria um cenário nacional que na geogra-
fia costuma ser associado a um mosaico. O mosaico é uma analogia: representa um todo formado
por diferentes partes, no entanto essas partes apresentam especificidades em uma relação com a
totalidade. Observe como essa relação se assemelha ao conceito de espaço geográfico.
Regionalizar, como já mencionamos, é compreender o espaço geográfico e buscar similari-
dades que diferenciem as áreas entre si, mas sem perder dois aspectos importantes: a resolução da
escala e o que unifique essas áreas. Na questão da escala, devemos cuidar para não encarar a região
como uma escala fixa. Ela deve ser entendida como uma etapa de recorte analítico, que pode ser
modificada a depender da problemática de pesquisa. É importante considerar também a repre-
sentação do local/global no conceito de região, nela há relações/processos inerentes do sistema
capitalista e de organização territorial que se expressam no espaço.
Um exemplo dessas questões ocorre quando abordamos aspectos vinculados à economia
regional. O rendimento médio de uma região pode indicar o nível de desenvolvimento econômico,
uma vez que atividade com maior valor agregado tende a melhor remunerar seus trabalhadores.
Estes devem ser analisados por setores da economia, pois tendem a maquiar grandes desigualda-
des, como vimos no caso do Distrito Federal, em que grande parte da população recebe altos salá-
rios devido ao funcionalismo público e, por isso, eleva o rendimento médio dessa região.
Questões raciais e de gênero são outras que tendem a ser negligenciadas quando analisamos
apenas valores médios. A desigualdade salarial entre homens e mulheres ainda é gritante no país:
mesmo quando ocupam o mesmo cargo, as mulheres recebem salários muito inferiores aos ho-
mens. Essa distinção se apresenta principalmente em economias desenvolvidas e em cargos de alta
especialização. Regionalmente, isso se reflete na diferença salarial entre homens e mulheres nas re-
giões Sul e Sudeste (640 reais e 692 reais, respectivamente). Na Região Centro-Oeste, o rendimento
médio informal de homens e mulheres é de 739 reais. As questões de gênero são importantes quan-
do analisamos dados econômicos.
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 103

Figura 6 – Rendimento médio do trabalho de 16 anos ou mais de idade, trabalhos formais e informais,
por sexo (2015).

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste


Formal – Homens 2 432 2 003 1 789 2 614 2 535 2 758
Formal – Mulheres 1 873 1 779 1 513 1 974 1 843 2 134
Informal – Homens 1 345 1 128 858 1 714 1 707 1 887
Informal – Mulheres 923 829 641 1 090 1 080 1 148

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017c.

A distinção entre os espaços urbanos e rurais também é gritante quando analisamos índices
de desenvolvimento humano. Algumas diferenças, como acesso à rede de água tratada e esgoto, são
relacionadas a especificidades da organização do espaço – a presença desse tipo de serviço serve
inclusive para diferenciar um espaço do outro.
A existência de banheiros para uso dos moradores nessas duas formações de organização do
espaço é extremamente desigual. Na Figura 7 observamos uma importante mudança nos últimos
anos, especialmente na Região Nordeste. O percentual da população rural que teve acesso à cons-
trução de um banheiro na residência mais que dobrou, porém ainda se limita a 80% da população.
O acesso a tratamento de esgoto é essencial para a melhoria da qualidade de vida da população e
está diretamente relacionado aos estudos de geografia da saúde.
Figura 7 – Proporção de domicílios com esgotamento por rede coletora de esgoto ou pluvial (2004-2015)

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

  Urbana 2004     Urbana 2015     Rural 2004     Rural 2015

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017c.

O aumento do número de banheiros exclusivos nas residências também é um fator muito


relevante para a qualidade de vida das populações urbanas e rurais. Esse crescimento apresenta
importantes avanços regionais.
104 Geografia Regional do Brasil

Figura 8 – Proporção de domicílios com banheiro ou sanitário de uso exclusivo dos moradores por espa-
ço rural e urbano

100

80

60
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

  Branco 2004     Branco 2015     Negro 2004     Negro 2015

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017c.

Se é possível identificar nas estatísticas dos censos diferenças de organização espacial (como
urbano/rural), pode-se verificar também questões raciais. Essas informações mostram uma socie-
dade que discrimina/marginaliza espacial e socialmente grande parte da população. Dar visibilida-
de a esses fatores e demonstrar como muitas vezes o acesso a direitos básicos são negligenciados é
uma forma de tornar os estudos geográficos mais relevantes do ponto de vista social da pesquisa.
Na Figura 9, verificamos que questões raciais estão expressas no acesso a itens básicos, como água,
tratamento de esgoto e banheiro nas residências.
Figura 9 – Proporção de domicílios com banheiro ou sanitário de uso exclusivo dos moradores por auto-
declaração de cor ou raça (2004-2015)

100

80

60
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

  Branco 2004     Branco 2015     Negro 2004     Negro 2015

Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017c.

Às vezes, podemos direcionar nossa reflexão para apenas um questionamento e desvalorizar


trabalhos descritivos. Na realidade, esses estudos são fundamentais para identificar o modo que a
organização espacial está se desenvolvendo. O que deve ser questionado não é a necessidade destes
estudos, mas sim suas metodologias, o uso de seus dados e o modo como eles apresentam as com-
plexidades do espaço geográfico. Dar visibilidade às distorções dos processos de desenvolvimento
socioeconômico, de organização espacial e de relações sociais (como de gênero e raciais), é essen-
cial para a possibilidade de planejamentos regionais mais críticos e eficientes.
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 105

Conclusão
A produção de dados regionais – mesmo que ainda na forma estanque de monografias re-
gionais – é uma importante etapa do desenvolvimento de estudos regionais, e não de seu produto
final. Compreender a realidade se faz necessário e, para tal, a coleta de dados, a estatística, o ma-
peamento temático, os trabalhos de campo e a apropriação do espaço pelo geógrafo são essenciais.
É nesse ponto que a geografia regional passa de uma ciência descritiva (ou teórica) para uma prá-
tica efetiva, de reflexão e potencial para a modificação da realidade.
Isso pode ocorrer por meio do planejamento regional e do ordenamento territorial, (como
vimos no Capítulo 2) pela conscientização da população para as disparidades espaciais/sociais/eco-
nômicas e também por meio da verificação das consequências da construção do espaço geográfico
para o ambiente e para a sociedade.

Ampliando seus conhecimentos


A questão da escala e das relações escalares dos dados estatísticos é sempre um aspecto
teórico-metodológico relevante nos estudos da geografia regional. O texto de Maria Dias Bueno e
Álvaro D’Antona discute sobre as potencialidades e limitações dessa questão.

A geografia do censo no Brasil: ­potencialidades e limitações na


­execução de análises espaciais
(BUENO; D’ANTONA, 2017, p. 25)

[...]
No que diz respeito às limitações relacionadas com análises temporais, o ideal seria trabalhar
com unidades de disseminação que não se alterassem ao longo do tempo, e para isso elas
teriam de ser independentes das unidades de coleta e também das unidades político-admi-
nistrativas. No caso dos problemas ocasionados pela heterogeneidade de forma e extensão
das unidades, a solução seria utilizar unidades com forma regular e de mesmo tamanho. Já no
caso das dificuldades relacionadas com a adequação a recortes espaciais diversos, uma possí-
vel solução seria a utilização de unidades de pequenas dimensões, de modo que a agregação
destas pudesse se aproximar do recorte desejado. Essa solução também seria a mais adequada
para minimizar as questões relacionadas com a agregação de dados (MAUP e falácia ecoló-
gica), uma vez que unidades pequenas tendem a ser mais homogêneas internamente do que
unidades de maior extensão.
Essas sugestões levam a concluir que para resolver ou minimizar os problemas apresentados
anteriormente seria conveniente o uso de unidades geográficas pequenas e regulares, em vez
de unidades político-administrativas e de coleta. Para tornar a solução ainda mais vantajosa,
poderiam ser adotados vários conjuntos de unidades com dimensões diferentes, dispostas
de forma hierárquica, formando uma “família” de unidades espaciais [...]. Essa solução já é
conhecida e utilizada há algum tempo, sendo denominada Grade Estatística – grade, devido a
sua forma regular, e estatística, devido aos dados relacionados a cada célula.
[...]
106 Geografia Regional do Brasil

Dentre as principais vantagens da grade estatística destacam-se a adequação a recortes espa-


ciais diversos, devido às suas pequenas dimensões, e a sua estabilidade temporal, uma vez que
as células da grade não precisam ser alteradas ao longo do tempo por não terem significado
administrativo ou territorial, sendo simplesmente um repositório para dados estatísticos.
[...]

BUENO, M. C. D; D’ANTONA, A. O. A Geografia do censo no Brasil: Potencialidades


e limitações na execução de análises espaciais. GEOgraphia, Niterói, v. 19, n. 39, jan./
abr. 2017. Disponível em: <http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/
viewFile/816/698>. Acesso em: 21 dez. 2017.

Atividades
1. A migração da população nordestina para a Região Sudeste é alvo da produção científica e da
mídia. Mas, atualmente, percebemos que essa região já não é o principal destino para migra-
ção, ela foi substituída pela Região Centro-Oeste. Nesse sentido, discorra acerca dos aspectos
demográficos dessa região.

2. A Região Norte é conhecida pela baixa densidade demográfica. Interprete essa afirmação e a
relacione com as discussões apresentadas neste capítulo.

3. Problematize a produção de informações nos modelos de monografias regionais.

4. Como a geografia regional pode atuar na criação de conhecimento e na modificação de dis-


torções sociais, econômicas e espaciais?

Referências
ATLAS da Mata Atlântica mostra que 598 cidades desmataram o bioma no último ano. SOS Mata Atlântica.
Iguape, 13 dez. 2017. Disponível em: <https://www.sosma.org.br/106845/atlas-da-mata-atlantica-mostra-
-que-598-cidades-desmataram-o-bioma-ultimo-ano/>. Acesso em: 21 dez. 2017.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio
de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em <https://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_
censo2010.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2017.

______. Censo 2010. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 21 dez. 2017a.

______. Brasil em síntese. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ap/panorama>. Acesso em: 21


dez. 2017b.

______. Séries Estatísticas & Históricas. Disponível em: <https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/default.aspx>.


Acesso em: 21 dez. 2017c.

______. Projeto UNFPA/BRASIL (BRA/02/P02) – População e Desenvolvimento. Sistematização das medi-


das e indicadores sociodemográficos oriundos da projeção da população por sexo e idade, por método demográ-
fico, das Grandes Regiões e Unidades da Federação para o período 1991-2030. Disponível em: <https://ww2.
ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000243.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2017d.
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 107

______. Uma análise das condições de vida da população brasileira 2016. Disponível em: <https://ww2.ibge.
gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2016/default_
tab_xls.shtm>. Acesso em: 21 dez. 2017e.

NEVES, E. G. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.


8
A questão regional para além da regionalização

Chegamos ao final de nossa obra sobre a geografia regional do Brasil. Nós já discutimos a
história do pensamento geográfico sobre o conceito de região e os diferentes enfoques dados ao
planejamento urbano e o ordenamento territorial, também observamos que no Brasil essa temática
é predominantemente abordada pela interface territorial e apropriada pela geografia humana.
Neste último capítulo, vamos discutir um outro emprego do conceito de região – pre-
sente na geografia cultural – e construiremos uma síntese da geografia regional brasileira. Esse
exercício não pretende findar a discussão, pelo contrário, objetiva instigar cada futuro geógrafo
a pensar e ressignificar esse conceito na contemporaneidade.

8.1 O regional como pertencimento e a geografia cultural


A geografia cultural pode ser compreendida como um subcampo da geografia humana,
que se assemelha à geografia econômica ou política. Para Claval (1999), o espaço geográfico
exalta em si a natureza cultural da apropriação humana do espaço, logo, todo geógrafo se apro-
pria da cultura para compreender o espaço. Para o autor, é por meio da cultura que a região
é representada na realidade. Além disso, sua delimitação partiria de critérios culturalmente
estabelecidos por diferentes grupos sociais.
A definição de cultura aqui abordada faz referência à obra de Claval (1999), que a consi-
dera uma criação humana coletiva, com constantes transformações em sua percepção e apro-
priação. Para ele, a cultura molda a maneira pela qual os indivíduos organizam e se apropriam
do espaço. Isso resulta em identidades coletivas que explicam o fato de poder coexistir diferen-
tes valores (sociais, culturais) em um mesmo espaço.
Nessa abordagem, a região deixa de ter um enfoque territorial – em que acontecem as
relações de poder – para ter uma aproximação com o conceito de lugar, de pertencimento. Para
Tuan (1980), a cultura, por meio do simbólico, transforma a região em lugar no sentido de
mediar a relação entre o indivíduo e o espaço. A região, compreendida como espaço regional,
manifesta o sentimento de pertencimento, de identidade. É no processo de transformação da
natureza que o indivíduo e sua coletividade criam seus códigos culturais, sejam eles visíveis ou
não. Aqui, a distinção entre códigos visíveis e não visíveis se dá pela materialidade. Por exem-
plo, o modo de produção de panelas de barro, seu resultado estético, o ensopado que é feito
apenas nela e até mesmo o que as mulheres cantam ao produzir o vasilhame são expressões dos
códigos culturais. A representação cultural é visível na materialização da panela e da comida e
é invisível em seu modo de produção, nas escolhas dos materiais e na elaboração das receitas.
Apesar de Sauer (1998) trazer o conceito de paisagem nessa discussão, ele enfatiza o papel
da cultura na caracterização desse conceito por meio das transformações que são produzidas
110 Geografia Regional do Brasil

no espaço. Na análise regional, podemos aproximar a ideia de que os grupos sociais materializam
sua identidade no espaço pela modificação da paisagem.
Nesse sentido, a região volta a ser considerada como um produto real, concreto, que existe a
priori, e não sob a determinação metodológica de um pesquisador. A diferenciação se dá pela apro-
priação e a experiência vivenciada pelos grupos sociais, e é ao mesmo tempo fim e meio da regiona-
lização, em que o processo de apropriação também a modifica como produto do real (BEZZI, 2008).
Essa modificação de elementos históricos da paisagem, culturalmente construídos e transformados
pelo mesmo grupo social que a produziu ou por novos grupos, é chamada por Santos (1992b) de
rugosidades da paisagem e representa palimpsestos1 do processo de formação socioespacial.
Na regionalização cultural, a subjetividade tende a tornar os limites da região mais fluidos e
com baixa correlação quanto aos limites político-administrativos. A materialidade da região cultu-
ral perpassa a ideia de manifestação simbólica e seu limite se dá pela presença ou não de apropria-
ção. Sob essa perspectiva, um grupo (e consequentemente uma região) se diferencia e se define por
exclusão e contraste em relação a outro. De acordo com Claval, “nós não temos outra possibilidade
de dizer nós a não ser pelo fato de formarmos uma coletividade que se opõe a massa dos outros”
(CLAVAL, 1999, p. 98).
Entretanto, se analisarmos que há aspectos hegemônicos que também atuam por meio
das manifestações culturais, podemos retornar ao enfoque territorial, mesmo sob uma óptica da
região cultural. A cultura, como forma de apropriação do espaço, estabelece relações de poder
quanto a outras manifestações que às vezes são negligenciadas e/ou impedidas de se expressar
espacialmente. Sob essa visão territorial da região cultural, Castro (1992, p. 33) destaca: “como
qualquer segmento do espaço, a região é dinâmica, historicamente construída e interage com o
todo social e territorial”.
Figura 1 – Breakdance, estilo de dança praticado por jovens pertencentes ao movimento hip-hop. A apropria-
ção de espaços públicos para representações culturais é uma forma de territorialização desse espaço
U.S. Embassy Tel Aviv/Wikimedia Commons

1 De origem grega, o termo palimpsesto é utilizado para designar a sobreposição temporal de acontecimentos. Na An-
tiguidade, significava o processo de apagar um papiro para que outro texto fosse escrito, ou a sobreposição de textos
sobre um papiro. Na geografia, ele é utilizado na compreensão de objetos e ações que se sobrepõem temporalmente na
paisagem. Santos faz menção desse termo em algumas obras, entre elas no artigo “O tempo nas cidades”, disponível
na revista Estudos sobre o Tempo: <http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n2/14803.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2018.
A questão regional para além da regionalização 111

Para Castro (1992), as relações culturais com o espaço ocorrem sob duas escalas de mani-
festação: o indivíduo e a coletividade. No indivíduo, as relações são primárias e estão intimamente
relacionadas às vivências e especificidades psicossociais desse sujeito. É nessa concepção que surge
o conceito de topofilia. Já na coletividade, o espaço de vivência se dá de maneira mais ampla e es- Topofilia: criada por
Tuan (1980), essa
truturada, por meio das relações sociais. É aqui que surge o conceito de região. concepção busca
compreender, por
Com o retorno dos aspectos territoriais, questões relacionadas com o processo de globali- meio da geografia
cultural, o sentimen-
zação e de mundialização da cultura surgem ao debate da região cultural (OLIVEN, 1992). Como to de pertencimento

vimos, a região pode ser entendida como a escala de interação local/global. Nessa relação, os as- do indivíduo pelo es-
paço. Depois, o autor
pectos culturais passam por processos de construção, ressignificação e reafirmação das identidades trabalha o conceito
oposto, chamado de
e de suas espacialidades. Assim, ela se torna ao mesmo tempo material e simbólica. topofobia, que é a
aversão por determi-
Para Claval (1999, p. 50), “o espaço surge como uma dimensão subjetiva, como uma dobra nados espaços.

do sujeito, como produto da subjetivação de sensações, de imagens e de textos por inúmeros sujei-
tos dispersos no social”. Desse modo, entendemos que não cabe ao discurso regional se sobrepor às
individualidades, mas sim integrar essa individualidade para formar a região.

8.2 A região cultural pelo IBGE


São raros os estudos oficiais que remetem ao uso da região cultural. Apesar disso, em 2006 o
IBGE lançou o Atlas de representações literárias das regiões brasileiras, com o objetivo de identificar
e mapear regiões com base em obras literárias nacionais, o que colocou como elemento central a
identidade cultural expressa na literatura. Para os vários autores que elaboraram a obra, o romance
regional é um valioso e eficiente instrumento para a compreensão dos mecanismos de construção,
permanência e decadência de uma região (IBGE, 2006).
Componente fundamental para a construção de uma ambientação da trama literária, a
descrição do espaço é uma importante ferramenta de expressão geográfica na literatura. As con-
cepções particulares dos autores e os valores coletivos do grupo social são expressos por meio das
experiências vividas nos lugares (TISSIER, 1991).
No Atlas (IBGE, 2006), são apresentadas as regiões geográficas caracterizadas por aspectos
naturais e históricos da ocupação territorial. Com base nesse levantamento, foram apresentadas
obras literárias de destaque nacional e selecionados trechos e imagens das paisagens retratadas.
Aqui, apresentaremos algumas para exemplificar e caracterizar nosso país sob uma óptica diferente
da adotada hegemonicamente.
No extremo sul brasileiro, na região da fronteira está a Campanha Gaúcha, caracterizada
por relevos levemente ondulados, conhecidos como coxilhas, e com cobertura de campo limpo,
o Pampa. A geografia, as condições históricas de delimitação da fronteira, os conflitos, o clima
e o vento frio (chamado minuano) são especificidades que influenciam a cultura regional e es-
tão presentes na literatura. Além disso, essa região foi palco de importantes conflitos, como a
Revolução Farroupilha (1835-1845), a Guerra do Paraguai (1864-1870), a Guerra Civil (1893) e
a Revolução Federalista (1923). A trilogia O tempo e o vento, de Erico Verissimo (1905-1975), é
um clássico que retrata essa região.
112 Geografia Regional do Brasil

Mapa 1 – Região da Campanha Gaúcha

Rio Grande do Sul


ARGENTINA
Campanha
Ocidental
Porto
Alegre
Campanha Central

Campanha
Meridional
URUGUAI
ESCALA
0 90 180 km

Fonte: IBGE, 2006, p. 34.

Conhecida como a região das Colônias, a escarpa da Serra Gaúcha – limite do planalto me-
ridional com forte declive – tem sua cultura influenciada pelos processos de imigração de alemães
e italianos ainda durante o Império brasileiro. As obras retratavam a chegada dos imigrantes euro-
peus e sua permanência, entre as quais, destacam-se A ferro e fogo, de Josué Guimarães (1921-
1986), sobre a imigração alemã; e A cocacha e o quatrilho, de José Clemente Pozenato (1938-), sobre
a imigração italiana.
Entre as temáticas destacavam-se a decadência das pequenas propriedades rurais e a falta de
perspectivas dos jovens no campo, como vemos na obra O pêndulo do relógio, de Charles Kiefer
(1958-). Essa influência ocorreu também em aspectos além da literatura, como é o caso das constru-
ções em estilo enxaimel (Figura 2), trazidas pelos imigrantes alemães.
Outra região fortemente
Figura 2 – Construção em estilo alemão. Blumenau, Santa Catarina
influenciada pela migração eu- SandroSalomon/iStockphoto

ropeia – principalmente alemã,


mas também italiana e eslava
– é o Vale do Itajaí, em Santa
Catarina. O relevo de vales en-
caixados moldou a forma de
assentamento dos imigrantes e
formou povoamentos relativa-
mente independentes. A pre-
sença de artesãos e pequenos
industriais imigrantes, bem
como o isolamento econômico,
propiciou o desenvolvimento
A questão regional para além da regionalização 113

industrial da região. Entre as obras literárias, destaca-se No tempo das tangerinas, da escritora Urda
Alice Klueger (1952-).
Por fim, a obra Terra vermelha, de Domingos Pellegrini (1949-), foi um marco ao retratar o
norte do Paraná. Como o nome da obra traduz, essa região é marcada pela presença da chamada
terra roxa, solo extremamente fértil que impulsionou a agricultura em uma região de ocupação
recente e de pluralidade étnica, formada especialmente por migrantes do estado de São Paulo e por
imigrantes orientais.
Os Sertões do Leste são subdivididos em regiões do Vale do Paraíba (São Paulo e Rio de
Janeiro), Zona da Mata Mineira, Vale do Rio Doce (ambos em Minas Gerais), Sertões do Ouro e
Sertões dos Currais. O termo sertões destoa da tradicional utilização para áreas interioranas, longes
do litoral e com clima e vegetação relacionados à seca. As regiões do Vale do Paraíba, da Zona da
Mata Mineira e do Vale do Rio Doce, a Serra do Mar e a ocupação do Planalto Atlântico foram um
marco cultural retratado na literatura. A Serra do Mar é representada em obras como A muralha,
de Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), e O guarani, de José de Alencar (1829-1877).
Figura 3 – A paisagem da Serra do Mar – retratada na obra A muralha – dificultou a ocupação no
Planalto Atlântico.

Matheus Faria/Wikimedia Commons

O Sertão do Ouro – delimitado pelas áreas de mineração do atual estado de Minas


Gerais – ficou conhecido pela obra dos inconfidentes e representou a configuração de uma
rede de lugares e articulações territoriais. Em oposição à intensa ocupação dessa área, a região
dos Currais da Bahia – localizada no entorno do vale do Rio São Francisco – foi caracterizada
pela ausência de ocupações bem estabelecidas e compreendida como área de passagem.
Uma das mais importantes obras da literatura nacional, Grande sertão veredas, de João
Guimarães Rosa (1908-1967), é representante emblemática dos Currais da Bahia. Em 1989 foi criado
no município de Formoso (Minas Gerais) o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (na divisa entre
Minas Gerais e Bahia), para preservar o bioma e também a paisagem da obra de Guimarães Rosa.
A região da Chapada Diamantina (Bahia) é conhecida como Sertões de Cima e tem sua cultu-
ra retratada nas obras: Bugrinha, de Afrânio Peixoto (1876-1947), e Cascalho e Além dos Marimbus,
114 Geografia Regional do Brasil

de Herberto Sales (1917-1999). No Nordeste brasileiro ainda são diferenciados os sertões do Cariri
Cearense (Ceará), do Cariri Paraibano (Paraíba) e o Sertão do Pajeú (Pernambuco).
O cordel é uma importante expressão cultural do Nordeste brasileiro, com narrativas rit-
madas, contos e poemas. A produção literária do Cariri Cearense é extremamente rica. A seca,
as lendas, as rendeiras e sobretudo as histórias sobre o cangaço estão presentes nessas obras, com
destaque para Caldeirão, de Claudio Aguiar (1944-). Um dos mais importantes autores brasileiros,
Ariano Suassuna (1927-2014) representou em suas obras a cultura do sertão do Cariri Paraibano e o
Sertão do Pajeú, especialmente em Romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta.
Figura 4 – O cordel é uma expressão literária típica do Nordeste brasileiro e traz as expressões culturais
do sertão do Cariri Cearense.

Diego Dacal/Wikimedia Commons

Além de ressaltar aspectos da cultura regional, essas obras permitem delimitar regiões de
representação cultural. O ensino de Geografia, em parceria com outras disciplinas, por meio dessas
obras, pode fomentar o hábito da leitura, bem como a percepção das representações culturais na
produção do espaço e da sociedade.

8.3 Um conceito que ilumina uma saída: a dicotomia da geografia?


De produto-síntese a subcampo da geografia, a geografia regional – com o conceito de re-
gião como ponto focal de suas reflexões – foi modificada durante o desenvolvimento do pensa-
mento geográfico. É importante para o geógrafo ter claro esse caráter transmutável dos conceitos,
especialmente para contextualizá-lo quando se faz uso dessas categorias analíticas.
A questão regional para além da regionalização 115

Orientar-se por uma linha epistemológica/metodológica e referenciar os autores de onde


são tiradas as definições não é se limitar, mas sim deixar claro ao leitor a qual abordagem nos
referimos. Mais do que uma definição fechada desse conceito, construímos aqui um quadro de
possibilidades que deve ser consultado e que não corresponde necessariamente a uma resposta
estanque, e sim a um quadro de definições que deverá se adequar à sua problemática de pesquisa.
Quando escolhemos um conceito geográfico para compreender a realidade do espaço geo-
gráfico, devemos pensar quais elementos queremos ressaltar, logo, devemos deixar de maneira
explícita quais elementos esse conceito engloba. Percebemos que na contemporaneidade o concei-
to de região apresenta uma base territorial, seja pelas relações de poder clássicas (do estado e dos
agentes econômicos), seja pela apropriação cultural e a gestão ambiental.
Figura 5 – A geografia regional é mais do que um subcampo da geografia, ela tem a potencialidade de
aglutinar os conhecimentos dos demais subcampos.

Geografia
física

Geografia Geografia Geografia


crítica regional do poder

Geografia
cultural

Fonte: Elaborada pela autora.

Regionalizar é delimitar uma base territorial por critérios que respondam uma problemá-
tica. A região retorna em parte ao sentido de produto real no que tange à sua materialidade, no
entanto, o que devemos sempre esclarecer é que essa materialidade é socialmente construída e
altamente modificável.
Assim, essa é uma concepção que dialoga com os demais conceitos de maneira mais fluida.
Região e território são conceitos irmãos, tanto pela base territorial da região, das relações de poder
dentro dos limites regionais, quanto pelo papel do Estado na delimitação e modificação dos siste-
mas de objetos e ações que ocasionaram tais regionalizações. O conceito de espaço geográfico – cuja
definição usamos a de Santos – representa o todo do qual a região busca não fragmentar, mas sim
agrupar totalidades que representem esse todo.
116 Geografia Regional do Brasil

A natureza, nesse caso, relacionada à base física, faz parte dos sistemas de objetos em uma
primeira análise e auxilia na delimitação das regiões. Além disso, ela dá os fundamentos para o
desenvolvimento de outras relações socioespaciais. O lugar é um importante elemento de apropria-
ção cultural da região e, quando analisado no contexto da globalização, representa claramente as
relações local/global, que, apesar de expressas nos demais conceitos, adquirem outra dimensão nas
relações culturais dos grupos sociais.
Então a região é a saída para a dicotomia da geografia? Ou ela entende as necessidades teóri-
cas e metodológicas da dicotomia e se apropria dos diferentes conhecimentos para criar um conhe-
cimento mais próximo da totalidade do espaço geográfico? Na ciência, principalmente ocidental,
recortes teóricos e metodológicos são necessários. Nesse sentido, a dicotomia entre geografia física
e humana se torna inerente ao processo de produção de conhecimento geográfico. Não ressalta-
mos que essa diferença deve ser cada vez mais reafirmada, mas destacamos que cada problemática
de pesquisa tem suas especificidades e limitações. Em determinadas escalas, a região mostra uma
importante análise geográfica.

Conclusão
Mais do que concluir, objetivamos aqui iniciar uma discussão reflexiva sobre a geografia re-
gional no Brasil e sobre o conceito de região na geografia. Das mudanças epistemológicas às apro-
priações conceituais e experimentais pela ciência e pela sociedade, cabe ao geógrafo intermediar
os processos de interpretação e reflexão, seja na docência ou na elaboração de materiais didáticos
e científicos. Compreender que as configurações e as reconfigurações espaciais e sociais são ine-
rentes à questão regional facilitará o entendimento das temáticas regionais e permitirá uma maior
aproximação da totalidade do espaço geográfico.

Ampliando seus conhecimentos


O conceito de região ainda é central da geografia brasileira e questões contemporâneas con-
tinuarão a exigir novas ressignificações desse conceito tão importante. Haesbaert traz reflexões
valiosas acerca dessa concepção.

Região, regionalização e regionalidade: questões contemporâneas


(HAESBAERT, 2010, p. 21-22)

[...]
Não é pelo fato de não termos uma forte consciência ou identidade regional que a região, obriga-
toriamente, deixará de existir, pois ela pode estar sustentada pelos laços funcionais de um arranjo
socioeconômico que lhe dota de especificidade dentro das dinâmicas de diferenciação geográfica
em sentido mais amplo. A especificidade dessa articulação (ou “combinação”) de elementos pode
ou não articular-se a uma coesão também ao nível simbólico-cultural, identitário.
Propomos manter o termo região, em sentido mais estrito, para esses espaços momento que
resultam efetivamente em uma articulação espacial consistente (ainda que mutável e “porosa”),
A questão regional para além da regionalização 117

complexa, seja por coesões de dominância socioeconômica, política e/ou simbólico-cultural.


Nesse caso cabe sempre discutir a força espacial/regional, ao mesmo tempo articuladora e
desarticuladora, a partir dos sujeitos (socioeconômicos e/ou culturais) e interesses políticos
envolvidos. Muitas vezes é para ou em relação a apenas algum(ns) grupo(s) que a região efe-
tivamente se constitui – e, nesse sentido, sem dúvida, o que representa articulação para uns
pode representar desarticulação para outros.
Uma das questões mais relevantes, hoje, pela força crescente de sua evidência, é que arti-
culações regionais do espaço podem se manifestar não apenas na tradicional forma zonal,
geralmente contínua, mas também em redes, dentro de uma lógica descontínua de articu-
lação reticular. Isso se deve tanto à intensificação da mobilidade – especialmente das migra-
ções – quanto dos chamados processos de exclusão social (ou de precarização da inclusão,
para corroborar José de Souza Martins). No primeiro caso, da intensificação da mobilidade
humana, podemos ter a formação de “redes regionais” (HAESBAERT, 1997), onde elementos
de regionalidade se reproduzem num espaço mais fragmentado, enquanto no segundo podem
surgir “regiões com buracos” (ALLEN, MASSEY e COCHRANE, 1998), em que a articulação
regional efetivamente só alcança determinados grupos ou classes e, consequentemente, espa-
ços, deixando outros à margem do processo de coesão.
[...]

HAESBAERT, R. Região, regionalização e regionalidade: questões contemporâneas. Antares,


Caxias do Sul, v. 2, n. 3, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/
graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Gloria/1s2017/haesbaert.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2017.

Atividades
1. Acesse o Atlas de representações literárias2 do IBGE e faça um texto crítico e descritivo sobre
uma das regiões apresentadas. Além disso, proponha de maneira didática a utilização desse
conhecimento para os anos finais do Ensino Fundamental.

2. Observe o mapa a seguir e reflita sobre as regionalizações literárias oficiais do IBGE. Faça
também uma resenha crítica sobre essa regionalização e a utilização do conceito de região na
geografia cultural.

2 Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/pt/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=232425>. Acesso em: 27


dez. 2017.
118 Geografia Regional do Brasil

Sertão do Cariri – O romance da pedra do reino, Ariano Suassuna.


Zona do Cacau – Terras do Sem-Fim, Cacau e São Jorge dos Ilhéus,
Jorge Amado.
Gerais – Grande sertão: veredas, João Guimarães Rosa.
Sertão dos Confins – Vila dos Confins e Chapadão do ­Bugre, Má-
Escala 1: 25 000 000
rio Palmério.
125 0 250 km

Sertão de Goiás
Projeção – O tronco, Ermos e Gerais e A terra e as carabinas,
Policônica
Meridiano de Referência: -54º W. Gr
Bernardo
ParaleloElis.
de Referência: 0 º

Campanha Gaúcha – Trilogia O tempo e o vento, Erico Verissimo.

Fonte: IBGE, 2006.

3. Conceitue rugosidade na obra de Milton Santos e a relacione com a apropriação do espaço pela
cultura.

4. Faça um quadro-síntese do uso do conceito de região da geografia regional e como os co-


nhecimentos aqui debatidos podem ser relacionados ao ensino de Geografia na Educação
Básica.
A questão regional para além da regionalização 119

Referências
BEZZI, M. L. Região como foco de identidade cultural. Geografia, v. 27, n. 1, p. 5-19, 2008.

BRUM NETO, H.; BEZZI, M. L. A região cultural como categoria de análise da materialização da cultura no
espaço gaúcho. RA’EGA: O espaço geográfico em análise, Curitiba, v. 13, n. 17, p. 17-30, 2009. Disponível em:
<http://revistas.ufpr.br/raega/article/view/11862/10662>. Acesso em: 27 dez. 2017.

CASTRO, I. E. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992.

CLAVAL, P. Geografia Cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas das representações literárias de regiões brasileiras.
Rio de Janeiro: IBGE, 2006. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/pt/biblioteca-catalogo?view=de-
talhes&id=232425>. Acesso em: 27 dez. 2017.

OLANDA, D. A. M.; ALMEIDA, M. A. A geografia e a literatura: uma reflexão. Geosul, Florianópolis, v.


23, n. 46, p 7-32, jul./dez. 2008. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/
217-5230.2008v23n46p7/11722>. Acesso em: 27 dez. 2017.

OLIVEN, R. G. A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-Nação. Petrópolis: Vozes, 1992

SAUER, C.O. A morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e
cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.

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Paris: Economica, 1991.

TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.
Gabarito

1 O conceito de região
1. É interessante ter claro os aspectos a seguir quando ler ou ouvir sobre os autores aqui
elencados. Sintetizamos as principais ideias desses autores de maneira esquematizada,
no entanto, é importante escrever um texto-síntese com suas palavras.

a) Paul Vidal de La Blache: principal autor da escola francesa na geografia. Suas ideias
tiveram forte influência na geografia brasileira, especialmente no início do século
XX. O autor considerava a região natural como produto da geografia.
b) Richard Hartshorne: teórico da escola americana, representante da revolução teoré-
tica quantitativa na geografia. Para o autor, a região é um produto-síntese.
c) Roberto Lobato Corrêa: importante geógrafo brasileiro, têm várias obras e artigos a
respeito do conceito de região.
d) Milton Santos: um dos grandes autores da geografia, especialmente da geografia hu-
mana. Foi o representante da geografia crítica no Brasil e é referência nos estudos
relacionados à territorialidade, globalização e ao espaço geográfico.
e) Armand Frémont: representante da geografia humanística e cultural. Trabalha com
a perspectiva da fenomenologia e compreende a região por meio da vivência e do
pertencimento.
f) Yves Lacoste: representante da geografia do poder, sua obra A geografia: isso serve,
em primeiro lugar, para fazer a guerra é considerada um clássico.
2. Você deve refletir sobre os movimentos que tanto na ciência quanto na geografia modi-
ficaram as concepções acerca do conceito de região. Como exemplos citamos o possibi-
lismo e a região natural. Além disso, podemos citar a revolução teorética quantitativa e
sua influência na geografia, e as concepções de região homogênea e funcional. O método
histórico-dialético influenciou a geografia crítica. Já a fenomenologia norteou a geogra-
fia humanística. Por fim, a globalização e as relações de poder foram agentes modifica-
dores dos fenômenos espaciais.

3. Neste capítulo vimos várias definições do conceito de região. Nessa pergunta/provo-


cação em que estabelecemos a relação dessa concepção com o conceito de território, é
importante refletir sobre a abordagem de base territorial do conceito de região. Quando
trabalhamos esse conceito, apesar de sua base territorial, não buscamos compreender
apenas as relações de poder, caso contrário trabalharíamos o conceito de território res-
tritamente. Nesse sentido, as ideias sobre região esclarecem a relação global/local, por
meio da continuidade e fragmentação do espaço pelos processos de globalização e ges-
tão territorial, especialmente do poder centralizador do Estado.

4. A globalização é compreendida como a homogeneização e uniformidade social, cultural


e econômica gerada pelo sistema capitalista. Ela poderia ser considerada como a morte
122 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental

da região. Mas, diferentemente disso, foi um dos principais processos de modificação da


compreensão de região pela geografia na contemporaneidade. Nesse sentido, a região passa a
ser entendida, por pesquisadores de influência territorial e econômica como a representação
espacial do fenômeno de expressão das relações global/local. Isto é, uma dada região tem
em sua materialidade, como fenômeno geográfico, a representação do global, da economia
e da massificação sociocultural do capitalismo. As expressões do local, que por vezes gritam
as disparidades inerentes ao sistema capitalista, fragmentam essa suposta homogeneidade
gerada pela globalização.

2 Planejamento regional
1. Com o estereótipo de “região-problema”, a Região Nordeste apresenta especificidades rela-
cionadas ao seu clima semiárido, caracterizado por grandes estiagens, salinidade dos solos
e águas subterrâneas. Além disso, essa região dispõe de aspectos culturais únicos e um his-
tórico de conflitos de terra. Por esses motivos, foi alvo de políticas federais desde o início
da República – o IOCS é um dos primeiros exemplos. A sobreposição de superintendências
(como Sudene e Codevasf), os problemas relacionados à política local, corrupção e impasses
ambientais relacionados a muitas obras ocasionaram uma má eficiência desses planos de
reordenamento regional. Um exemplo são as obras de transposição do Rio São Francisco,
que foram justificadas como obras-motriz para o desenvolvimento dessa região, mas tive-
ram grandes impasses ambientais, sociais e econômicos, fato que levanta questionamentos
até os dias atuais.

2. Os eventos são a influência das ideias de Roosevelt sobre o Estado intervencionista no go-
verno Getulio Vargas; a criação do IBGE; a criação das superintendências regionais; o Golpe
Militar de 1964; a criação da Constituição Federal de 1988 (e suas ferramentas de partici-
pação popular e enfoque socioambiental); a política neoliberal dos governos de Fernando
Henrique Cardoso; e o neodesenvolvimentismo das últimas décadas após o governo de Luíz
Inácio Lula da Silva.

3. O texto-síntese deve conter aspectos acerca do desmatamento – relacionado ao avanço das


frentes agrícolas e pecuárias em direção à Amazônia – versus um modelo de desenvolvimen-
to conservador em relação à biodiversidade e às comunidades tradicionais. Além disso, é
importante mencionar os avanços da violência no meio rural pelo direito ao uso da terra, o
garimpo e a desapropriação de terras de uso comunal e/ou indígena. Pode ser abordada tam-
bém a relação da taxa de população masculina e dos fluxos migratórios dela para as frentes
pioneiras e o desenvolvimento de uma política baseada no agronegócio.

4. Com objetivos geopolíticos, o planejamento regional durante a Ditadura Militar objetivou


a integração nacional, especialmente pelos transportes. Por meio de agências e superinten-
dências, foi criado o plano de corredores de exportações (com a construção de vários portos
e rodovias) e realizadas obras de grande de magnitude no setor energético (principalmente
grandes hidrelétricas). Essas medidas se refletiram no grande endividamento dos estados
Gabarito 123

brasileiros e causaram impactos significativos no meio ambiente e em comunidades tradi-


cionais (indígenas, quilombolas etc.).

3 O Estado e a escala regional


1. As discussões que envolvem a cidade como ponto focal do planejamento regional e o orde-
namento territorial são muitas. As principais estão vinculadas ao desenvolvimento socioe-
conômico e à urbanização, à relação entre meio rural/urbano e às complexidades inerentes
da organização espacial do ambiente urbano. Você deve conhecer minimamente essas dis-
cussões e se aprofundar em pelo menos uma.

2. A pós-modernidade é um fenômeno que ultrapassa a geografia como ciência e é absorvida


também pelas artes, ciências humanas e sociais. Fruto das incertezas e da transitoriedade
dos fenômenos, a pós-modernidade, ou modernidade líquida, tem por princípio a relativi-
zação dos conceitos e abordagens, o que necessita de uma boa compreensão dos contextos e
agentes antes do estabelecimento de novos paradigmas. Na geografia, ela é mais evidente na
geografia humana, principalmente territorial e cultural.

3. Os programas de planejamento regional desenvolvidos no Brasil foram fundamentados em


objetivos desenvolvimentistas de base econômica/territorial e com foco no aparelhamento
do espaço (sistema de objetos). Obras de infraestrutura são os principais resultados dessas
tentativas. Desse modo, o BNDES – como fonte de financiamento para a iniciativa pública e
privada – foi um motor para esse processo. Ele também foi diretamente influenciado pelos
governos federais em vigor e representou suas modificações e instabilidades.

4. Como unidade geopolítica do sistema capitalista, o Estado-nação compreende as dimensões


de povo, cultura e território (que formam a nação) e governo (que compreende o arcabouço
jurídico sob essa nação). Assim, no planejamento regional, o Estado-nação é responsável por
estudos diagnósticos, por gerar políticas públicas e, por vezes, ser o agente financiador por
meio de bancos públicos. Como agente jurídico, ele não regula apenas o processo de insta-
lação dos empreendimentos, mas também os impactos sociais e ambientais dele resultantes.

4 O IBGE e a regionalização oficial do Brasil


1. Para responder a essa questão, você pode formular uma problemática envolvendo questões
regionais. Pode pesquisar, por exemplo, sobre como se deu o fluxo migratório entre as re-
giões Nordeste e Sudeste. De quais dados você precisaria? Por meio de mapas, dados estatís-
ticos, textos e relatórios técnicos, quais hipóteses podem ser levantadas? O fluxo ainda é o de
saída do Nordeste e chegada ao Sudeste? Há um contrafluxo? O que motivaria essa reversão?

2. Os censos são levantamentos que, no Brasil, possuem a periodicidade de dez anos. Neles,
uma grande amostragem da população é entrevistada para a compilação de dados estatís-
ticos robustos sobre demografia e economia das famílias brasileiras e de suas residências.
124 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental

Esses dados podem ser utilizados por diferentes áreas da geografia, como geografia da po-
pulação, urbana, rural, de alimentos, cultural e ambiental. O censo é a forma mais eficiente
de obter dados em escalas pequenas.

3. Entre as principais características podemos citar o uso dos limites dos estados federativos, a
influência da região natural e do possibilismo, a importância dada à bacia hidrográfica e aos
aspectos do meio físico.

4. No documento Divisão regional do Brasil em regiões geográficas imediatas e regiões geográfi-


cas intermediárias: 2017, estão presentes todas as características de diferentes agrupamentos
(com/sem a existência de metrópoles, com/sem capitais regionais). Ter essas informações
em mãos auxilia, principalmente, na interpretação dos futuros estudos realizados pelo IBGE.

5 A regionalização do território brasileiro


1. Para responder essa questão, lembre-se das interações entre o todo, o espaço geográfico e
os recortes analíticos necessários para a produção do conhecimento geográfico. É impor-
tante também mencionar a relação entre as expressões da totalidade quanto ao sistema de
objetos e o sistema de ações e como a escala pode ser compreendida como filtro para a
realidade. Os elementos negligenciados no momento do recorte não devem ser negligen-
ciados na análise final. Mesmo sem abordá-los diretamente, eles devem estar no conscien-
te do pesquisador para que não ocorram simplificações demasiadas.

2. Podem ser abordados temas como o uso da região como escala de abordagem, as relações
de local/global juntamente com as especificidades do espaço e o uso do trabalho de campo.
Ao propor uma atividade, pense nos seguintes aspectos: onde você levaria a turma? Qual
objetivo estabeleceria? O que deveria ser observado? Haveria contato com a comunidade?
De que maneira?

3. Alexander von Humboldt foi um viajante alemão naturalista que identificou uma corrente
marítima que recebeu, em homenagem, seu nome. Foi ele que descreveu cientificamente pai-
sagens pela primeira vez, inclusive na América Latina. Fundador do que hoje conhecemos
como geografia física, trouxe para o campo em geografia não apenas a coleta de dados, mas
também a percepção da paisagem como construção e objeto do conhecimento geográfico.

4. Essa é a questão central dessa obra e sintetiza grande parte das discussões. Você deve ser ca-
paz de formular uma resposta que identifique as mudanças teórico-metodológicas. A visão
territorial da região, as relações com a organização socioespacial pelo sistema capitalista e a
mudança de enfoque (de produto final para um meio metodológico) devem ser levadas em
conta. É importante lembrar que, mesmo que se busque quebrar dicotomias constantemen-
te, ainda existe a produção de conhecimento dicotômico na geografia brasileira.
Gabarito 125

6 Divisão regional do Brasil


1. Para responder essa questão, é importante lembrar que, mais do que a delimitação das re-
giões, é imprescindível saber os critérios de regionalização e como essas propostas demons-
traram e demonstram um cenário socioeconômico do país e do grau de desenvolvimento do
capitalismo na organização socioespacial do território nacional.

As regionalizações de Lobato Corrêa e Geiger, por exemplo, são muito similares, mas quais
são suas diferenças? O que diferencia cada regionalização? Milton Santos se aproxima des-
ses autores ou identifica-se mais com a regionalização de Ruy Moreira? Santos e Moreira,
embora vinculados à geografia crítica, ainda apresentam diferenças importantes, como a
sobreposição de regiões sob uma área do espaço. Considerações dessa natureza auxiliam a
fixar o conteúdo aqui apresentado e podem ser objeto de futuras avaliações em cursos ou em
processos seletivos.

2. Sinteticamente, o meio técnico-científico-informacional seria a forma como a globalização se


expressa no espaço geográfico. Dessa maneira, as definições de globalização e espaço geográ-
fico são necessárias na sua argumentação. Pensar em meio técnico-científico-informacional é
pensar em sistemas de objetos, especialmente em infraestruturas (indústrias), mas também em
diferentes modais, como fontes da matriz energética e urbanização. Além disso, é pensar na
inclusão da ciência da formação de tecnologia nacional e no papel dos meios de comunicação,
é refletir a atualidade da internet e das redes sociais como formas de poder informacional.

3. Moreira evidencia a relação entre as mudanças regionais – sobretudo no complexo agroin-


dustrial e na região dos polos mineiro industriais – da agroindústria irrigada e da indústria
de não duráveis por meio dos PNDs. Além disso, sabemos que as grandes obras de infraes-
trutura governamentais foram instaladas com base em projetos de planejamento regionais.
O mesmo ocorre com o avanço da fronteira agrícola e dos fluxos migratórios entre as regiões.

4. Fortemente marcada pela presença do bioma amazônico, a Região Norte teve sua regio-
nalização vinculada à baixa densidade populacional e ao extrativismo vegetal e mineral.
O avanço da fronteira agrícola do Centro-Oeste em direção à Amazônia tem modificado
a configuração da ocupação regional – antes muito mais vinculada aos cursos fluviais – e
apresentado uma configuração linear (que confluía para a metrópole de Belém) e hoje é di-
recionada para as rodovias e o agronegócio do Centro-Oeste. A biopirataria e as fragilidades
das fronteiras são temas cada vez mais relevantes para uma região de grandes proporções
como essa. É importante também ressaltar o valor social e cultural, que por vezes foi não
apenas negligenciado, mas também menosprezado.

7 As regiões brasileiras: caracterização e reflexões


1. Para responder essa questão, você deve elaborar um texto crítico que relacione a criação de
Brasília, o agronegócio, a fronteira agrícola, a crise econômica e a saturação demográfica da
126 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental

Região Sudeste, que apresenta alta densidade demográfica e grandes concentrações de pobreza
e marginalização da população. Utilize os dados apresentados na primeira parte do texto.

2. Sua resposta deve abordar aspectos da concentração da população em centros urbanos


(especialmente a região metropolitana de Belém), sua relação com os rios e os modos de
deslocamentos para diferentes cidades. Apresente problemáticas relacionadas a possíveis
aumentos da densidade populacional nessa região, sua estrutura para o aumento popula-
cional e a preservação do meio ambiente.

3. A produção de informações regionais nos modelos de monografias regionais tende a ser


um compilado de dados desconectados entre si. Às vezes, é difícil de correlacioná-los de
maneira direta, como relacionar a potencialidade agrícola com o solo, o acesso à água e a
ocupação histórica. Além disso, a escolha dos dados utilizados pode encobrir disparidades
socioeconômicas e causar erros interpretativos.

4. Organize um esquema teórico que relacione a criação de informações acerca da espaciali-


zação dos dados, do papel dessas informações na produção do planejamento regional e da
conscientização da população para a organização do espaço geográfico.

8 A questão regional para além da regionalização


1. Você deve ser capaz de dialogar com as diferentes informações contidas no mapa, especial-
mente as descrições paisagísticas. Faça pesquisas complementares e as relacione a temas
vinculados ao ensino de Geografia. Você pode relacionar, por exemplo, fatos históricos que
tenham influenciado a cultura de uma dada região, como o cangaço na literatura de cordel
no Nordeste, ou como se dão expressões culturais gauchescas e como elas são marcantes na
região de fronteira com o Uruguai e sua relação com a produção literária. Contextualize sua
proposta e a relacione com conteúdos para os anos finais do Ensino Fundamental. O ideal é
que você crie um plano de aula ou uma proposta dinâmica, como um projeto interdiscipli-
nar ou até mesmo a elaboração de um documentário audiovisual pelos educandos.

2. Verifique a ausência de regiões literárias nas grandes regiões do Norte e Centro-Oeste.


Problematize a ausência de grandes produções literárias nessas regiões em contraposição
à riqueza cultural ali presente. Faça uma pesquisa sobre lendas, músicas, danças e outras
expressões culturais e proponha outros critérios de regionalização cultural. Por exemplo:
as áreas de concentração de uma dança típica, como frevo ou carimbó.

3. Para Milton Santos, rugosidades são elementos da paisagem que representam momentos
históricos passados e possuem uma reconfiguração em sua representação e forma, e agre-
gam uma nova valorização social, econômica e/ou cultural. Esses elementos atribuem
Gabarito 127

p­ alimpsestos no processo de formação e estão intimamente relacionados com o modo com


que os grupos sociais se apropriaram e reconfiguraram o espaço geográfico.

4. Com enfoque no ensino de Geografia, elabore um esquema teórico, mas que seja de simples
consulta para utilização futura. A geografia regional perpassa por vários anos da Educação
Básica, na caracterização regional brasileira, na compreensão de uma geopolítica regional
para a América Latina, no estudo de biomas ou mesmo nas representações culturais, como
vimos no capítulo. Procure relacionar esses temas com possíveis práticas pedagógicas.
GEOGRAFIA REGIONAL DO BRASIL
Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6392-5

57196 9 788538 763925


Manoella de Souza Soares

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