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Sumário
Apresentação 7
1 O conceito de região 9
1.1 A região na história do pensamento geográfico 9
1.2 Construindo um quadro-síntese 14
1.3 A região na contemporaneidade 16
2 Planejamento regional 21
2.1 A região como escala de planejamento 21
2.2 Planejamento regional e desenvolvimento econômico no Brasil 24
2.3 O planejamento regional brasileiro para além das superintendências 31
Gabarito 121
7
Apresentação
A geografia regional – tema central desta obra – tem historicamente uma posição central da
geografia. Há reflexões que consideram o conceito de região o meio pelo qual a geografia percorreu
para se consolidar como uma ciência moderna. De produto-síntese do conhecimento geográfico
a conceito curinga da geografia, a região, como ferramenta analítica, ultrapassa a noção de área e
representa de maneira mais ampla o espaço geográfico.
Aqui, buscamos aproximá-lo desse tema que é ao mesmo tempo teórico – devido a correntes
de pensamento e visões de mundo – e prático, em razão da concretude das regionalizações, dos
planejamentos e ordenamentos territoriais e representações cartográficas.
Com base no papel desempenhado pelo Estado e nas monografias regionais, o Capítulo 4
discute a importância do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no desenvolvimento
e na difusão de conhecimento. Além disso, verificamos a proposta oficial de regionalização brasi-
leira empreendida por esse mesmo órgão.
Além do IBGE, a geografia regional brasileira conta com propostas de importantes autores,
como Roberto Lobato Corrêa e Milton Santos. No Capítulo 6, demonstramos a importância e as
diferenças dessas propostas.
A visão de um mosaico, com partes distintas, mas que formam um conjunto coerente e har-
mônico é comum na geografia. Com base na classificação proposta pelo IBGE, apresentamos no
Capítulo 7 uma caracterização das regiões brasileiras. Com isso, ultrapassamos a simples criação
de um compilado de dados e almejamos uma reflexão da realidade socioespacial brasileira.
Concluímos esta obra com uma reflexão sobre o potencial do conceito de região proposto
pela geografia cultural – que perpassa questões de planejamento regional e abordagens territoriais
– e a visão humanística do espaço geográfico. Assim, o Capítulo 8, além de apresentar uma propos-
ta de regionalização com base em obras literárias brasileiras, propõe uma provocação: entender a
questão regional para além da regionalização.
Por fim, não concluímos o debate acerca da geografia regional. Pelo contrário, buscamos
subsidiar você, leitor, com ferramentas analíticas e reflexivas para atuar como importante agente
de transformação, seja como pesquisador, planejador, cidadão ou professor. Este último, em espe-
cial, tem o potencial de unir todas essas habilidades, principalmente para a formação de crianças
e adolescentes.
<Nenhum dado do vínculo>
1
O conceito de região
O conceito de região é uma das principais ferramentas analíticas da geografia. Sua histó-
ria está diretamente ligada à formação da geografia como ciência moderna, sendo considerado
por vezes o próprio saber geográfico. No passado, dominar esse conceito era dominar o conhe-
cimento geográfico. Sua posição central em discussões da geografia fez com que sua interpreta-
ção fosse modificada ao longo dos séculos. Desse modo, neste capítulo não apresentamos uma
definição fechada e acabada do que significa região, mas sim uma reflexão sobre esse conceito
ainda tão presente em trabalhos e no discurso da geografia.
CALEDÔNIA MAR
GERMÂNICO
HIBÉRNIA Eboraco
Deva
BRITÂNIA
Londínio
MAGNA
OCEANO GERMÂNIA
INFERIOR Colônia
Agripina GERMÂNIA
BÉLGICA
Lutécia Augusta
Treveroro
1. ALPES PENINOS
2. ALPES COTIOS
LUGDUNENSE
GERMÂNIA
Augusta
Vindelicoro Vindobona
SARMÁTIA
SUPERIOR
3. ALPES MARÍTIMOS Limono Lauriaco
RÉTIA Aquinco
AQUITÂNIA Lungduno NÓRICA PANÔNIA
SUPERIOR
Napoca REINO DO
Ólbia
Burdigala Mediolano BÓSFORO
Aquileia Apulo
PANÔNIA
INFERIOR
DÁCIA IBÉRIA
NARBONENSE Cremona MÉSIA
Sarmisegetusa
Massília DALMÁCIA INFERIOR
Salamântica César Augusta Narbo Márcio
Naisso
Tomis
PONTO EUXINO
LUSITÂNIA TARRACONENSE ITÁLIA Salona Durostoro
Trapezo ARMÊNIA
Toleto CÓRSEGA MÉSIA
Emerita Augusta Tarraco SUPERIOR Filípolis
BITÍNIA E Artaxata
Aléria PONTO
Itálica Nápoles
TRÁCIA Bizâncio CAPADÓCIA
Dirráquio
MACEDÔNIA GALÁCIA
Córduba
SARDENHA Tessalônica
Gades
BÉTICA ÉPIRO Niceia Ancira ASSÍRIA
Nova Cartago Tarento
Butroto Cesareia IMPÉRIO
Caralis ACAIA ÁSIA
Edessa
PARTO
Panormo Nisibis
Cesareia Éfeso
Tingi CILÍCIA
Útica Antioquia MESOPOTÂMIA
MAURITÂNIA MAURITÂNIA SICÍLIA Corinto Atenas Mileto
Tarso
TINGITANA
Cartago
Siracusa LÍCIA E SÍRIA
CESARIENSE Cirta
ÁFRICA PANFÍLIA Ctesifonte
Tarso
CHIPRE Salamis
GETÚLIA Tiro
E JUDEIA
Léptis Magna Jerusalém
Estados clientes
EGITO
10 Geografia Regional do Brasil
Contudo, as questões sobre essa noção persistiram e não desapareceram com o tempo.
Assim, desde o surgimento desse conceito, é possível estabelecer relações entre a sua etimologia e
a noção de um espaço delimitado e organizado por um governo local. Percebe-se que sua origem
é relacionada à necessidade de um momento histórico, cuja principal característica era a centrali-
zação do poder (GOMES, 1995).
Com a formação dos Estados modernos, novamente surgiu a necessidade de relacionar o
poder centralizado às diversas unidades administravas. Assim, a mesma questão da Antiguidade
Clássica ressurgiu. Gomes (1995) elenca três importantes consequências da origem do conceito de
região nesse contexto. A primeira se deu na esfera do debate político sobre a formação e dinâmica
do Estado, por meio da organização cultural e da diversidade espacial das unidades administra-
tivas. A segunda consistiu no modo como a região representava, nesse momento, as projeções de
soberania, direito e autonomia e atribuía um componente espacial inquestionável ao conceito. Por
fim, a terceira consequência acarretou a eminência da formação da geografia como ciência moder-
na, tornando a região um de seus conceitos-chave.
Na linguagem cotidiana do senso comum, podemos verificar a palavra região em expressões
vagas, incertas, em que não existe a necessidade de estabelecer um limite para sua abrangência.
Nesse sentido, reflexões são deixadas de lado, apenas um impulso momentâneo indica as diretrizes
de sua utilização. Assim, os princípios de localização e de extensão são os únicos condicionantes do
emprego da palavra. Não há uma especificação, fato que impossibilita o discernimento na diferen-
ciação entre região, local, espaço e território, por vezes tratados como a sinônimos.
Na metade do século XIX, as ciências passaram por um momento de consolidação. Com
base nas ideias de Immanuel Kant (1724-1804), segundo o qual o conhecimento verdadeiro se-
ria aquele verificável e seu princípio básico seria a causalidade, vários estudiosos qualificaram os
métodos e os objetivos de suas respectivas ciências. No caso da geografia, Karl Ritter (1779-1859)
foi o responsável por essa consolidação. Por meio de sua obra Geografia comparada, os objetivos
e os métodos geográficos tornaram-se mais concisos. Nesse contexto, a região estava fortemente
relacionada com a discussão das influências do meio natural na sociedade, uma corrente que se
baseava em um domínio do ambiente sobre a orientação do desenvolvimento social.
Foi também nesse momento que surgiram dois importantes autores da geografia moderna:
Friedrich Ratzel (1844-1904), com o conceito de espaço vital – por vezes interpretado, de maneira
equívoca, como sinônimo de região –; e Paul Vidal De La Blache (1845-1918), com o conceito de
região natural, discutido em sua obra Tableau de la géographie de la France (1903). Em ambos os
autores, o ambiente atua como limitante na continuidade regional. E apenas pelos meios técnicos o
homem poderia superar as barreiras do ambiente. A vida social seria construída pela possibilidade
do homem de atuar como agente de organização espacial das sociedades.
No entanto, os pontos de vista desses dois autores eram opostos. Ratzel era rotulado como
determinista, enquanto Vidal de La Blache era considerado possibilista. Na perspectiva possibilista,
a região seria o produto das atividades humanas sobre o ambiente físico. Entretanto, o nome possi-
bilismo foi dado por Lucien Febvre (1878-1956), como verificamos no texto de Mercier (2009, p. 7):
O conceito de região 11
Essas características de estudo ficaram conhecidas como Escola Francesa de Geografia, que
permaneceu no auge do cenário acadêmico europeu por cerca de 50 anos e foi amplamente incor-
porada por outros países, entre eles o Brasil.
No método regional, trabalhado especialmente por Hartshorne (1978, p. 138), “a região é
uma área de localização específica, de certo modo distinta de outras áreas, estendendo-se até onde
alcance essa distinção”. Hartshorne foi discípulo de Hettner, um dos mais importantes geógrafos
De corologia:
estudo da
alemães do século XX. Sua geografia foi marcada por uma forma corológica, que ultrapassou os
distribuição antigos sistemas ideográficos (baseados em particularidades e descrições sem abstrações) e nomo-
geográfica
dos seres tético (com base em leis e normas generalistas). Lencioni (1999, p. 189) destaca:
vivos.
Para Hettner a geografia não seria nem ideográfica nem nomotética. Era am-
bas. A essência da geografia estaria no estudo das diferenciações da superfície
terrestre. Assim afirmou a vertente corológica da disciplina geográfica, ou seja,
o estudo regional. A região não era autoevidente. Os limites regionais são conse-
quentes de um exercício intelectual, uma construção intelectual do observador.
A revolução teorética-quantitativa da década de 1950, conhecida também como nova geo-
grafia, impôs uma lógica matemática e formal às ciências sociais – entre elas a geografia. Nessa
transição (da geografia como ciência), a região deixou de ser um produto-síntese para um meio
e uma maneira de demonstrar hipóteses. Regionalizar se tornou um método de dividir o espaço
com base em critérios, hipóteses e teorias previamente estabelecidas e orientadas pelas indicações
de cada pesquisador (GRIGG, 1967). Para Corrêa (1986, p. 32), região tornou-se “um conjunto de
lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e
qualquer elemento de outro conjunto de lugares”.
Desse modo, na análise regional, a região passou a ser uma classe espacial, cuja delimitação
se deu pela classificação por critérios e variáveis arbitrárias estabelecidas pela retórica científica.
Por vezes ela era limitada a métodos e técnicas estatísticas descritivas, o que tornava o uso de pla-
nilhas, cartogramas e pesquisas em gabinete mais importantes do que o trabalho de campo.
Ao contrário do paradigma possibilista e da geografia hartshorniana, a nova pro-
cura leis ou regularidades empíricas sob a forma de padrões espaciais. O emprego
de técnicas estatísticas, dotadas de maior ou menor grau de sofisticação – média,
desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise fatorial, cadeia de Markov etc.
–, a utilização da geometria, exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de mo-
delos normativos, a adoção de certas analogias com as ciências da natureza e o
emprego de princípios da economia burguesa caracterizam o arsenal de regras e
princípios adotados por ela. (CORRÊA, 2000, p. 18)
Foi nesse momento que surgiram importantes autores, como Walter Christaller (1893-1969)
e sua teoria das localidades centrais, John Friedmann (1926-2017) com a teoria do centro-periferia
e François Perroux (1903-1987) com a Teoria dos Polos de Crescimento.
Foi nessa perspectiva que surgiu o termo regiões homogêneas. Essas eram subdivididas em
regiões funcionais (relacionadas ao dinamismo do espaço e seus diversos fluxos, diretamente relacio-
nadas à noção de rede) e tinham características fixas e homogêneas determinadas estatisticamente,
especialmente para fins de planejamento territorial e compreensão do uso e ocupação do solo.
O conceito de região 13
E foi com base nas regiões funcionais que foi criada a escola geográfica das regiões polari-
zadas. Essa escola considerava a cidade como o comando de organização do espaço e tinha Pierre
George (1909-2006) como um importante teórico (GOMES, 1995). As regiões polarizadas valori-
zavam a vida econômica das cidades e buscavam estabelecer organizações espaciais embasadas em
teorias macroeconômicas de inspiração neoclássica, especialmente na obra de Perroux1.
Em contraposição a esse movimento, surgiu a geografia crítica ou radical, especialmente
após os anos 1970, quando o materialismo histórico-dialético adentrou as Ciências Humanas. Para
essa vertente, as regiões polarizadas naturalizavam o capitalismo e causavam a desigualdade tam-
bém na esfera espacial. Assim, o espaço seria diferenciado devido à divisão territorial do trabalho e
o processo de acumulação de capital. No Brasil, Milton Santos (1926-2001) trouxe à tona a ideia de
região como uma totalidade socioespacial, em que as sociedades produziriam seus espaços de ma-
neira dialética, influenciando e sendo influenciados ao mesmo tempo pelo espaço. De acordo com
o teórico, “a região é, pois, nesta perspectiva a síntese concreta e histórica desta instância espacial
ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social”
(SANTOS apud GOMES, 1995, p. 66).
Para a geografia crítica, a região é não é apenas o resultado das diferentes formas de repro-
dução do capitalismo na sociedade e no espaço, mas também elucida o papel político da análise
regional. Nas palavras de Corrêa (1986, p. 45), ela é “o resultado da lei do desenvolvimento desigual
e combinado, caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e pela
associação de relações de produção distintas”.
Contrária à geografia crítica, temos a geografia humanística e a geografia cultural. Essas li-
nhas concebem a região novamente como um produto. Elas existem tanto como um quadro de re-
ferência na consciência coletiva da sociedade quanto definidoras de um código social comum com
base no território. Para os humanistas, a região deve ser vivida, e, com base nessa concepção, os
trabalhos em campo voltaram à cena acadêmica com força. Isso fica claro na obra A região, espaço
vivido, de Armand Frémont (1976).
A geografia humanística buscava uma visão holística para a conceituação e o enriquecimen-
to da organização espacial, logo, também para o conceito de região. Essa vertente tentou definir
esse conceito pela sua multi-interpretação, ou seja, tentou explicá-lo de modo subjetivo, embasado
na avaliação da identidade de determinado grupo social e sua espacialidade, o que ocasionou uma
alta dependência da fenomenologia2.
A geografia cultural – de caráter mais filosófico e com concepções de gênero de vida e
paisagem – baseou-se no estudo de paisagem. Nessa vertente, o conceito de região assumiu ou-
tra interpretação, como um somatório de inter-relações, comportamentos, decisões, apreensões e
valorações. Com isso, esse conceito é caracterizado como intersubjetivo, uma vez que possui um
código próprio (e por isso não pode ter um único modelo regional), que ultrapassa o pessoal e
recebe sentido coletivo. A cultura é fundamental para a interpretação desse espaço.
1 Como mencionamos anteriormente, Perroux apresentou a teoria dos polos de crescimento, cujas prerrogativas princi-
pais consistiam na interdependência e na desigualdade.
2 Para a fenomenologia, é por meio de suas experiências vividas que os indivíduos são capazes de compreender o objeto.
14 Geografia Regional do Brasil
Como alternativa à geografia crítica, temos a geografia do poder, que contou com as con-
tribuições de Michel Foucault (1926-1984) e têm nomes como Yves Lacoste (1929-), Paul Claval
(1932-) e Claude Raffestin (1936-). Esses teóricos pensam na construção de redes de poder e políti-
cas que transformam o espaço e constroem conexões regionais. Essas conexões não se explicariam
apenas por relações econômicas, mas também pelas relações de poder, centralizadas no papel do
Estado ou em tramas mais sutis, como o poder exercido por milícias e/ou grupos de poder político
e sociedades organizadas. Especialmente na obra de Lacoste, a região adquire um papel político e
demonstra as contradições do Estado-nação. Em suas palavras:
Enquanto seria politicamente mais sadio e mais eficaz considerar a região como
uma forma espacial de organização política (etimologicamente, região vem de
regere, isto é, dominar, reger), os geógrafos acreditam na ideia de que a região
é um dado quase eterno, produto da geologia e da história. Os geógrafos, de
algum modo, acabaram por naturalizar a ideias de região. [...] eles utilizam a no-
ção de região, que é fundamentalmente política, para designar todas as espécies
de conjuntos espaciais. (LACOSTE, 2005, p. 36)
Nos próximos capítulos, veremos como a geografia do poder e a região como ação política –
seja no ato de planejar, ou seja, no ato de regionalizar – estão presentes na atual geografia regional.
Esses conceitos serão trabalhados com foco em nossa formação como pesquisadores dessa disciplina.
3 O objetivo dessa concepção é alcançar leis gerais e conceitos abstratos e generalistas de uma realidade sistemática.
16 Geografia Regional do Brasil
Região
Desse modo, em uma perspectiva ampliada, o conceito de região pode se dar pela complexa
rede de fenômenos multiescalares, isto é, que ultrapassam uma única escala geográfica do mundo
contemporâneo. Seu resgate e sua ressignificação, com a ideia de região rede4, podem ser estabe-
lecidos por meio das relações sociais e do modo de produção capitalista. Além disso, o conceito
pode perpassar as construções simbólicas de identidade regional, criar teias de relações espacial-
mente expressas e chegar até a necessidade do uso de região natural e regionalizações baseadas em
aspectos físicos da paisagem (NOBREGA, 2015).
Desse modo, essa concepção passa a ser fenômeno espacial da realidade, mas que existe como
fenômeno geográfico. Assim, assume-se, concomitantemente, uma dualidade em seu uso como fer-
ramenta analítica da geografia, no aspecto concreto de território, na questão escalar, na pós-moder-
nidade e na fenomenologia.
Sem nos limitarmos, mas pensando em bases para as reflexões propostas nesta obra, nos
principais estudos de geografia regional da atualidade e, especialmente, no enfoque aqui dado em
relação à divisão regional brasileira e ao planejamento regional, ainda podemos buscar um cami-
nho teórico. Para Gomes (1995, p. 73),
De qualquer forma, se a região é um conceito que funda uma reflexão política
de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas
a uma certa área e, finalmente, se ela é sempre uma discussão entre os limites
da autonomia face a um poder central, parece que estes elementos devem fazer
parte dessa nova definição em lugar de assumirmos de imediato uma solidarie-
dade total com o senso comum que, neste caso da região, pode obscurecer um
dado essencial: o fundamento político, de controle e gestão de um território.
Assim, a materialidade desse conceito é relevada por mecanismos mais flexíveis e ele deixa
de estar vinculado diretamente, por exemplo, à continuidade espacial, estabelecendo relações com
ajustes nas escalas global e local no contexto de globalização.
Conclusão
Podemos finalizar nossa discussão sobre esse assunto? Temos uma definição estabelecida do
que é hoje o conceito de região na geografia? Esperamos que não. Esperamos também que isso não
seja um problema. Entender que a definição de um conceito é cíclica e contextualizada; é a princi-
pal mensagem que deve ser compreendida aqui.
A problemática de pesquisa, as transformações na sociedade e no espaço, os avanços teó-
ricos e metodológicos modificaram, modificam e continuarão modificando nossas ferramentas
analíticas. E não podemos esperar outra coisa do conceito de região. De qualquer forma, isso não
significa que qualquer explicação é suficiente para compreendê-lo, senão corremos o risco de for-
talecer seu uso no senso comum, ou utilizá-lo de maneira inadequada. Assim, é sempre importante
deixar claro qual é a vertente em que determinado autor embasa sua definição e, especialmente,
para qual finalidade você utilizará esse conceito em uma análise.
Este foi um capítulo teórico e introdutório de nosso livro. Nos próximos, veremos outros
conceitos e métodos relacionados à geografia regional brasileira, com mais exemplos práticos e
possibilidades de linhas de pesquisa.
[...]
A região enquanto conceito, na interação sujeito-objeto, não pode cair nem na visão de região
como algo autoevidente a ser “descoberto” (seja como realidade “natural”, seja como “algo vivo
percebido pelos homens”) nem como simples recorte apriorístico, definido pelo pesquisador
com base unicamente nos objetivos de seu trabalho. Assumimos aqui a posição, já comentada,
da região enquanto conceito, veículo de interpretação do real, e regionalização enquanto ins-
trumento de investigação, de forma análoga ao método de periodização dos historiadores.
Região, enquanto conceito, não deve, entretanto, ser vista como uma simples ideia lançada
pelo geógrafo como uma rede produzida na e para a sua teoria regional. Esta “rede” apreende
características efetivamente existentes. A região não é apenas uma construção intelectual, ela
também é efetivamente construída pela atividade humana (SMITH, 1988), em sua constante
produção da diversidade territorial. Se o conceito, enquanto ideia mais elaborada e geral que
temos sobre o mundo, nunca esgota o entendimento da realidade e muito menos a substitui,
ele também participa dela, na medida em que sua construção acaba sempre interferindo não
só na nossa leitura como também na nossa ação sobre o mundo.
A questão principal será sempre a de perceber quais são os agentes e os processos que devem
ser priorizados para entender as razões da diferenciação espacial e, somente a partir daí qual a
escala em que ela se manifesta com maior clareza (ou coerência). [...]
Atividades
1. Quando pensamos na história do pensamento geográfico e na definição do conceito de re-
gião, pode nos vir à mente momentos históricos e espacialidades que influenciaram ressig-
nificações. Essas transformações são discutidas por vários teóricos, considerados represen-
tantes de diversas vertentes. Mais do que apenas listá-los, relacione a definição do conceito
de geografia com a temporalidade e espacialidade de seus estudos.
O conceito de região 19
Referências
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______. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec,
1997.
as monografias regionais e seus levantamentos sobre a região natural deram subsídios para a com-
preensão e elaboração de metas de desenvolvimento do espaço. Entretanto, a primeira experiência
de planejamento regional teve origem nos Estados Unidos, como parte do programa New Deal
durante o governo Roosevelt1. Esse programa tinha como objetivo a recuperação da economia nor-
te-americana após a crise de 1929. Para tanto, foram adotadas medidas de combate ao desemprego,
recuperação da agricultura por meio da criação de agências de crédito e fomento para agricultores,
controle de preços para impulsionar a indústria, além de legislações que controlassem de maneira
enfática o setor financeiro e tributário.
O vale do Rio Tennessee (afluente dos rios Ohio e Mississipi), que tinha sua economia voltada
para agricultura, era considerada umas regiões menos industrializadas dos EUA na década de 1930.
Para suprir essa questão, foi criada a Tennessee Valley Autorithy (TVA), uma autarquia de planeja-
mento econômico e territorial que existe até hoje. Baseada em uma política econômica do keynesia-
nismo2, foram realizadas nesse rio obras de navegabilidade, usinas hidrelétricas, pontes e rodovias,
bem como o gerenciamento de recursos hídricos e o desenvolvimento de energia nuclear. A TVA não
influenciou apenas o modo como orientamos o planejamento regional brasileiro, mas também nossa
matriz energética e a criação de grandes empreendimentos, principalmente pela política econômica
dos governos de Getúlio Vargas3 (1882-1954) e Roosevelt, como verificaremos adiante.
Figura 1 – Barragem de Guntersville (cidade do estado do Alabama, nos EUA) no Rio Tennessee
Jeffrey Schreier/iStockphoto
1 Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) foi presidente dos Estados Unidos de 1933 até sua morte, em 1945.
2 Veremos essa concepção detalhadamente nas próximas páginas.
3 Getúlio Dornelles Vargas governou o Brasil por 15 anos contínuos, no período de 1930 a 1945. Posteriormente, Vargas
também foi presidente de 1951 a 1954.
Planejamento regional 23
studioraffi/iStockphoto
Podemos observar que as teorias e dinâmicas envolvidas na ação de planejar estão im-
plicitamente ligadas às teorias e políticas econômicas. Teoricamente, no capitalismo, o espaço é
compreendido de maneira integrada e articulada – é daí que surge, por exemplo, a definição de
globalização. Assim, a regionalização é sempre entendida como um corte arbitrário e está relacio-
nada com a interação entre pontos do espaço sob uma ótica capitalista. A dinâmica regional, desse
modo, estaria relacionada aos movimentos de capital entre diferentes pontos do espaço. A direção
e a motivação seriam elementos para a formulação de teorias.
Entre os principais autores dessa concepção estão François Perroux, Jacques Boudeville
(1919-1975) e Douglas North (1920-2015). Destes, Perroux foi o mais importante para a com-
preensão e delimitação de políticas para o planejamento regional no Brasil. Autor da expressão po-
los de desenvolvimento, sua teoria se baseou na industrialização como processo gerador de polos de
aglomeração econômica. Com forte influência da revolução teorética quantitativa, para Perroux,
o espaço era abstrato, euclidiano4 e poderia ser compreendido pela matemática e estatística. Para
ele, as relações que ocorriam no espaço econômico não eram refletidas completamente no terri-
tório nação, mas sim no domínio de alcance dos planos econômicos de governo e dos indivíduos,
especialmente instituições econômicas. Além disso, os complexos industriais viabilizariam o cres-
cimento econômico por meio de polos de desenvolvimento.
4 Referente a Euclides, geômetra que viveu na cidade de Alexandria no século III a.C.
24 Geografia Regional do Brasil
5 Popularmente conhecido como FHC, Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil de 1º de janeiro de 1995 a 1º
de janeiro de 2003.
Planejamento regional 25
de commodities e os planejamentos regionais com enfoque no meio rural adquiriram novas facetas. Entendemos por
commodities todo
Inicialmente, com o objetivo de criar novas fronteiras agrícolas e ocupar “vazios territoriais” (princi- produto (matéria-
palmente durante o Regime Militar, com o desmatamento de grandes áreas e a expansão da extração -prima em estado
bruto) produzido em
mineral), o agronegócio passou a ser visto como um motor da economia brasileira, especialmente larga escala destina-
do ao comércio.
pelo superavit da balança comercial, gerado pela venda de commodities (SIQUEIRA, 2013).
Essa importância dada ao meio rural brasileiro sempre esteve presente nos projetos de pla-
nejamento regional, seja por obras de irrigação e créditos de financiamento a produtores, seja
como agente dos processos migratórios, pelo êxodo rural e a migração de regiões menos desen-
volvidas para aquelas com maior industrialização. Especialmente nos últimos anos, a visão sobre o
meio urbano e a qualidade da infraestrutura social e cultural mudaram as necessidades em relação
às cidades e às dinâmicas populacionais.
Os anos 1990 também foram um marco temporal para as relações estabelecidas pelas eco-
nomias mundiais. Antes, a relação centro-periferia refletia a assimetria/desigualdade das relações
econômicas. Após a globalização, em meados dos anos 1980, essas relações se tornaram muito mais
complexas e diversificadas (UDERMAN, 2008).
A Constituição Federal de 1988 incluiu ainda dois importantes pontos focais nos debates regio-
nais: a importância da preservação do meio ambiente e das comunidades tradicionais e como o turismo
poderia atuar como agente modificador de economias e regiões periféricas. A necessidade de incluir no
planejamento a opinião da população, por meio de audiências públicas e planejamentos participativos,
trouxe uma nova visão para os objetivos esperados do planejamento regional. Caberia muito mais con-
trolar o capital do que apenas a criação de novos polos de desenvolvimento econômico.
Esses paradigmas foram absorvidos de diferentes modos pelas políticas de planejamento
regional viabilizadas por meio da criação de agências de desenvolvimento regional. A maioria foi
6 Luiz Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil de 1º de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2011.
7 De acordo com Sampaio Júnior, o neodesenvolvimentismo consiste “em conciliar os aspectos ‘positivos’ do neoli-
beralismo – compromisso incondicional com a estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade
internacional, ausência de qualquer tipo de discriminação contra o capital internacional – com os aspectos ‘positivos’
do velho desenvolvimentismo – comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do
Estado, sensibilidade sócia” (SAMPAIO JR., 2012, p. 679).
8 A Revolução Verde – iniciada nos anos 1960 – orientou a pesquisa e o desenvolvimento de sistemas de produção
agrícola com o objetivo de aprimorar e elevar a capacidade de produção de cultivos.
26 Geografia Regional do Brasil
criada na década de 1950, extintas durante a década de 1990 e recriadas na década de 2000 espe-
cialmente com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), no ano de 2007. Antes
voltadas à criação de polos de desenvolvimento, essas políticas nos últimos anos têm incentivado
a criação de distritos industriais, incubadoras para empresas de desenvolvimento e parques tecno-
lógicos. Financiamentos e fundos de crédito ainda são mecanismos utilizados, e um dos principais
agentes desse processo é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
sobre o qual trataremos no próximo capítulo.
Entretanto, apesar das tentativas, os resultados ainda estão longe dos esperados. Como po-
deríamos explicar o baixo alcance das metas de planejamento regional? Algumas das explicações
estão fundamentadas em problemas políticos de superposição de órgãos, guerras fiscais entre esta-
dos, municípios e governo federal, o peso dado à criação de centros de desenvolvimento fortemen-
te ligados à industrialização (sem analisar se o mercado econômico estava favorável ou disposto a
se relacionar com esses polos), além de fraudes e corrupções. Atualmente, uns dos grandes entra-
ves para a geração de políticas de planejamento regional estão também na falta de metodologias
eficientes de participação popular nos processos decisórios e avaliativos.
De maneira resumida, podemos verificar que as inseguranças políticas e democráticas pe-
las quais o nosso país passou ao longo do tempo ocasionaram a burocratização das instituições
e as sobreposições de interesses e ações. Baseado especialmente na criação de agências, superin-
tendências e adoção de planos plurianuais, o planejamento regional brasileiro pouco evoluiu nas
projeções que se propunha. Notamos que ele ainda é fortemente influenciado pela concentração de
renda e pela economia dependente das oscilações do mercado internacional. Ainda neste capítulo,
veremos como se deu o surgimento dessas agências e superintendências, e posteriormente analisa-
remos os planos plurianuais.
Quadro 1 – Linha do tempo dos principais planos, agências e superintendências relacionadas ao planeja-
mento regional brasileiro
Ano de
Nome
criação
1909 Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IOCS)
(Continua)
Planejamento regional 27
Ano de
Nome
criação
1956 Plano de Metas
Superintendência do Desenvolvimento do Sul (Sudesul)
1959 Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Inspetoria de obras
Contra Secas (IOCS -1909)
11 As principais atribuições da ADA consistiam em gerir seus respectivos fundos de desenvolvimento regionais, imple-
mentar estudos e pesquisas, promover e fortalecer as estruturas produtivas e implementar programas de capacitação.
30 Geografia Regional do Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Companhia do Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene)
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Superintendência de Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam)
Nos três primeiros mapas (1, 2 e 3), podemos compreender como foram alteradas as áreas de
atuação das diferentes agências governamentais criadas para a atual Região Nordeste, sempre com
o objetivo de combater os efeitos climáticos da seca sob a economia e a sociedade. É interessante
destacar a modificação da Codevasf, não apenas com a inclusão da bacia do Rio Parnaíba, mas
também com as áreas influenciadas pela transposição do Rio São Francisco. Com relação ao Mapa
4 da Sudam, verificamos que nos dias atuais sua abrangência ultrapassa os limites da regionalização
oficial do IBGE por estados brasileiros. O estado do Mato Grosso é incluído oficialmente na Região
Centro-Oeste e parte do estado do Maranhão é delimitado como Amazônia Legal.
12 João Goulart, popularmente conhecido como Jango, foi presidente do Brasil de 7 de setembro de 1961 a 1º de abril
de 1964.
13 Indústrias pesadas são aquelas cuja produção é absorvida por outras indústrias, isto é, são indústrias que produzem
máquinas ou matérias-primas. Dentre os principais ramos, podemos destacar as indústrias metalúrgicas, petroquímicas
e de cimento.
Planejamento regional 33
Com as novas influências neoliberais dos governos FHC e após o Plano Real houve um
forte empenho na manutenção da estabilidade monetária. O Programa Brasil em Ação, embasado
na criação de eixos nacionais de integração e desenvolvimento – que compreendiam a geografia
econômica do país, os fluxos de bens e serviços –, por vezes ultrapassava os limites estaduais e
regionais com base na divisão regional oficial do IBGE. O planejamento consistiu na busca por
ligações entre os polos que já recebiam investimentos em outros governos e por isso possibilitavam
uma maior troca de fluxos de bens e capitais. Com uma visão neoliberal de economia governamen-
tal, nesse período muitas rodovias foram privatizadas, o que ocasionou o aumento do número de
postos de pedágios.
Baseado no mapeamento dos fluxos de mercadoria, os eixos delimitavam áreas geográficas
com um viés regional de mercado (influência da lógica da produção) e pensavam a rede urbana
de maneira hierarquizada, pela ótica do consumo de bens e serviços. Assim, apenas algumas áreas
eram de interesse para o capital e, consequentemente, para a internacionalização econômica. Seria
o surgimento de uma nova geografia econômica para o país.
O Programa Avança Brasil (2000-2003) foi marcado pelo termo custo Brasil, que consistiu
em um conjunto de ineficiências e distorções que atingiram a competitividade do país em rela-
ção a outras nações. Fatores como sistema tributário desproporcional e injusto, malha rodoviária
em más condições, administração pública corrupta, os altos encargos trabalhistas, elevadas ta-
xas de juros, altos índices de violência, inadimplência e burocracia estatal eram aspectos a serem
34 Geografia Regional do Brasil
combatidos. Desse modo, buscou-se a otimização de resultados, sempre com vistas à redução de
prazos e custos federais.
Com forte caráter economicista e um modelo gerencial de planejamento econômico na-
cional, esse período foi marcado pela guerra fiscal entre estados e municípios, com o objetivo de
arrecadar mais impostos e centralizar investimentos públicos. Como resultados desses anos de
tentativas de planejamento regional voltado ao desenvolvimento econômico, obtivemos muitas
mudanças nos sistemas de objetos com grandes obras de engenharia, mudanças no uso e ocupação
do solo, reorganização demográfica e conflitos pela terra cada vez mais violentos. O mapa de fren-
tes pioneiras de Théry e Théry (2008, p. 286) evidencia esses fatores.
Mapa 6 – Frente pioneira de desenvolvimento regional, início do século XXI
Arco de desmatamento
Mortes em Conflitos
rurais (1985-1991)
Progressão de produção
de soja (1977-1999)
Fonte: Elaborado pela autora com base em THÉRY, THÉRY, 2014, p. 289.
Macapá
Macapá Fortaleza
Manaus
Marabá
Santarém Tabatinga São Luis Itaituba
Imperatriz
Belém
Sousa
Fortaleza Crajuba -
Manaus Araguaína R
Marabá Crato -
Cruzeiro do Sul Juazeiro do Norte -
Tabatinga Itaituba Eliseu Martins
Imperatriz Barbalha
Porto Velho
Sousa Juazeiro Petrolina
Rio Branco Palmas
Crajuba -
Araguaína Crato - Recife
Cruzeiro do Sul Juazeiro do Norte -
Eliseu Martins Sinop Barreiras Salvador
Barbalha
Porto Velho
Juazeiro Petrolina
Rio Branco Brasília Vitória da Conquista
Palmas
Uberlândia
São Paulo
Belo Horizonte
Campo Grande Cascavel
Curitiba
Rio de Janeiro
Chapecó
São Paulo
Chapecó
Legenda: Macrorregiões
Macropolos consolidados Belém-São Luís
Novos macropolos Belo Horizonte
Brasil Central Ocidental
Aglomerações sub-regionais
Legenda: Macrorregiões Brasil Central
Aglomerações locais Extremo Sul
Macropolos consolidados Belém-São Luís Aglomerações geopolíticas Fortaleza
Novos macropolos Belo Horizonte Manaus
Brasil Central Ocidental Recife
Aglomerações sub-regionais
Brasil Central Rio de Janeiro
Aglomerações locais Extremo Sul Salvador
Fortaleza São Paulo
Aglomerações geopolíticas Territórios estratégicos
Manaus
Recife
Fonte: BRASIL, 2008b, p. 37. Rio de Janeiro
Salvador
São Paulo
Segundo Uderman (2008), Territórios
esse foi um período de desenvolvimento endógeno, com as primeiras
estratégicos
experiências de sistemas participativos no estabelecimento de metas, especialmente fóruns de participa-
ção social. Nessa época também foram recriadas as superintendências da Sudene, da Sudam e da Sudeco.
Conclusão
Como verificamos, os contextos histórico, político, democrático e econômico nacional/
mundial influenciam diretamente os caminhos que o planejamento regional – de caráter econô-
mico desenvolvimentista – percorreu. Na atualidade, as incertezas nesses campos claramente in-
fluenciam o planejamento regional. Neste momento, cabe a nós avançarmos na compreensão dos
processos históricos e nas ferramentas analíticas da geografia para analisar o presente e, por que
não, futuramente contribuir para o planejamento regional brasileiro como geógrafos.
36 Geografia Regional do Brasil
[...] o Brasil é uma formação social periférica, submetida à lógica do desenvolvimento desigual
do capital. O que isso significa? Que o processo de desenvolvimento que vem tendo lugar no
Brasil, fortemente, condicionado pela própria formação do País (FURTADO, 1977; PRADO
JÚNIOR, 1981; PRADO JÚNIOR, 2000; FERNANDES, 2005), repousa na reprodução de desi-
gualdades socioeconômicas e de disparidades inter-regionais. A industrialização acelerada,
indissociável de uma igualmente rápida urbanização, cuja contrapartida seria justamente o
dramático esvaziamento do rural (BAENINGUER, 2003), daria novo impulso ao desenvolvi-
mento geograficamente desigual no meio século entre 1930 e 1980. No início dos anos 1990, o
Sudeste ainda era responsável pela geração de mais de 58% do Produto Interno Bruto e o Sul
por mais de 17%, de modo que em ambos se concentravam mais de ¾ da riqueza produzida no
País. Ao longo do último decênio houve uma pequena variação em favor das regiões Centro-
Oeste, Norte e Nordeste. No entanto, a essas macrorregiões, que compreendem mais de 82%
do território, e onde vivem mais de 43% da população, cabia, em 2008, apenas 27,4% do PIB
brasileiro (IBGE, 2010). Assim, as desigualdades que persistem – nas diversas escalas, entre
campo e cidade, entre pequenas cidades que também esvaziam e metrópoles que (embora, no
período recente, menos) ainda crescem, entre a faixa litorânea e o interior, entre as macrorre-
giões (e, evidentemente, as microrregiões) – têm sido o resultado (que não se pode ocultar) do
avanço desigual das forças produtivas numa formação social periférica típica.
[...]
Atividades
1. O Nordeste brasileiro sempre foi alvo de políticas voltadas ao planejamento regional e or-
denamento territorial. Essa centralidade está diretamente ligada à figura de “região proble-
ma”. Contextualize as características que tornam essa região peculiar no contexto nacional e
quais tipos de experiências foram realizadas. Referencie também a transposição do Rio São
Francisco em sua argumentação.
seus indicadores. Elabore um texto-síntese acerca das principais questões que emergem na
análise crítica desse mapa.
Referências
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nejamento no período pós-64). 2007. 387 f. Tese (Doutorado em Geografia). Faculdade de Filosofia, Letras
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ses/.../8/.../TESE_PAULO_R_ALBUQUERQUE_BOMFIM.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2018.
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Pacto federativo, integração nacional e desenvolvimento regional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013.
THÉRY, H.; THÉRY, N. A. M. Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do território. 2. ed. São Paulo: EDUSP;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.
Nação
Governo
Identidade Estado-nação
Leis próprias
Nacional
Estado
País
Aspecto Estado-nação
Aspecto físico
político
1 A regulamentação do uso e ocupação do solo se dá, por exemplo, com o Plano Diretor de uma cidade, que estabelece
o gabarito dos empreendimentos e os tipos de atividades que poderão ser realizadas em cada bairro. A regulamentação
faz parte da Lei Orgânica dos municípios. Já o ordenamento territorial está vinculado a uma questão de planejamento
voltada para o desenvolvimento de uma área, não apenas aos aspectos de forma.
O Estado e a escala regional 41
competências executivas e legislativas distintas. Cabe ao ordenamento territorial uma visão macro
do espaço e uma escala de planejamento que compreende integridade do território nacional, com
biomas, macrorregiões, redes de cidades, zonas de fronteira, reservas indígenas, instalações milita-
res etc. Ele tem um caráter mais amplo, proporcionando ao planejamento dados como a densidade
da ocupação, as redes instaladas e os sistemas de engenharia (MORAES, 2005).
Com base em diagnósticos regionais, a especificação desses territórios, suas demandas e po-
tencialidades são levantadas. O planejamento ou ordenamento ocorre pela valorização dos espaços
e a compreensão dos fluxos demográficos, de bens de capital e de produtos. Ordenar o território
consiste no controle regular da organização instituída na base espacial dos movimentos globais da
sociedade. Nas palavras de Moreira (2007, p. 77): “o ordenamento não é, pois, a estrutura, mas a
forma como a estrutura espacial territorialmente se autorregula no todo das contradições da socie-
dade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua realidade societária”.
Moreira (2007) destaca ainda a noção de que toda proposta de organização e ordenamento
do território busca na realidade a expressão da ação centralizadora do Estado por meio do poder.
Para nortear estratégias de ações planejadoras, cabe ao Estado o decisivo papel de organizar e
implementar iniciativas de desenvolvimento. No Brasil, essas ações são explicitadas no Estudo da
Dimensão Territorial para o Planejamento (BRASIL, 2008), que propõe, entre outras coisas, a orga-
nização de novos arranjos para políticas públicas. Na figura a seguir, verificamos o modelo teórico
para sua elaboração.
Figura 2 – Esquema teórico para a produção do Estudo da Dimensão Territorial brasileira
2 Seleção de Tópicos •
•
Metodologia (métodos e técnicas)
Consulta (público-alvo, extensão, frequência e alcance)
• Planos e programas de governo
• Parceiros
• Temas prioritários
• Relacionamento com iniciativas em andamento
• Questões críticas
• Infraestrutura disponível
Tópicos • Estratégias de disseminação
Guiana
Guiana Francesa
Colômbia Suriname
Boa Vista
Macapá
Belém
Sao Luís
Manaus
3B Fortaleza
1 Teresina Natal
2B1 João Pessoa
Recife
Peru Salvador
Bolívia Cuiabá
Goiânia Brasilia
2A
Campo Grande Belo Horizonte
3A Vitória
Paraguai Rio de Janeiro
São Paulo
Curitiba
Chile
Florianópolis
Porto Alegre
Argentina Uruguai
A diferenciação espacial entre cidade e campo e entre espaço rural e espaço urbano é objeto
de estudo da geografia há anos. Esse tipo de abordagem – focada na centralidade de cidade – é
questionada por pesquisadores, como Veiga (2002), Moraes (2005) e Moreira (2007) e estudiosos
da geografia agrária. Dentre algumas inconsistências, destacam-se problemas envolvidos na corre-
lação direta entre desenvolvimento e urbanização (VEIGA, 2002). As complexidades inerentes ao
espaço rural podem representar desigualdades internas muito mais significativas do que as envol-
vidas da dicotomia rural/urbano. Para Veiga (2002, p. 8), “o desafio é, portanto, entender as várias
dinâmicas socioeconômicas, das mais efêmeras às mais duráveis, distinguindo bem as reversíveis
das irreversíveis, pois algumas podem ser duráveis sem que sejam necessariamente irreversíveis”.
Uma estratégia de desenvolvimento regional centrada especialmente no espaço rural é o pro-
grama Territórios da Cidadania (BRASIL, 2008a), que objetiva o desenvolvimento econômico e a
universalização dos programas básicos de cidadania. No programa, um território rural representa
O Estado e a escala regional 43
Governo
federal
177 ações
• 6.000 obras e serviços
pactuados
19 ministérios do
Governos Colegiados
governo federal
estaduais territoriais • Controle público através do
portal
R$ 12,9 bilhões
Governos
municipais
É importante ressaltar que entre a concretude estabelecida pelo Estado (e seus ordenamentos
territoriais) e a realidade (complexa, globalizada, liquefeita) pode existir um abismo interpretativo
para o geógrafo. A condição pós-moderna é em si uma condição histórico-geográfica, em que o
espaço é analisado de modo complexo e deixa de ser encarado como algo a ser moldado (HARVEY,
1992). De acordo com essa condição, a economia atualmente é mais flexível, com estados fragiliza-
dos, identidades mais fluídas (e instáveis) e espaços mais fragmentados.
Assim, valorizam-se micropoderes em detrimento de macropoderes3. O mesmo ocorre com
a subjetividade em detrimento da objetividade e também com as escalas locais em relação às es-
calas globais. Assim, as crises deixam de ser encaradas como uma ameaça e começam a ser enten-
didas como uma manifestação de uma nova ordem. É sob essa perspectiva que Haesbaert (2006)
reflete sobre a “ordem” que o ordenamento emana. A desordem, antes de combatida, deve ser ana-
lisada como uma reorganização, o início de um novo ordenamento. Algo similar pode ser aplicado
ao conceito de território. Mais que uma definição de classe de área, essa concepção estabelece uma
rede de relações e revela importantes questões acerca da territorialidade.
Segundo Sack (1986), o controle dos fluxos de pessoas, objetos e informações no espaço e
pelo espaço – pela dominação e apropriação deste –, constitui a territorialização. Em Haesbaert
2 Para saber mais, visite o site do SIT: <http://sit.mda.gov.br/mapa.php>. Acesso em: 22 nov. 2017.
3 Os macropoderes estão relacionados aos poderes institucionalizados pelo papel do Estado. Os micropoderes são
aqueles existentes dentro da sociedade moderna, seja nas relações privadas, familiares e interpessoais, seja nas rela-
ções públicas dos indivíduos. Para melhor compreensão desses conceitos, sugerimos a leitura da obra Microfísica do
poder, de Michel Foucault (2014).
44 Geografia Regional do Brasil
4 Conhecidas também como multinacionais, as empresas transicionais são aquelas que possuem matrizes em seus paí-
ses de origem e filiais em tantos outros. São exemplos de multinacionais corporações como Adidas (Alemanha), Toyota
(Japão), Nestlé (Suíça), Motorola (Estados Unidos) etc.
5 Na geografia há um debate intenso acerca da grafia de termos técnicos. A palavra socioespacial, por exemplo, levanta
grandes debates sobre sua grafia (se o ideal é sócio-espacial ou socioespacial). Devido a aspectos de adequação à
língua e ao Acordo Ortográfico, aqui adotamos a grafia socioespacial. Para saber mais, recomendamos a leitura do artigo
“Socioespacial ou sócio-espacial: continuando o debate”, de Igor Catalão, disponível no link: <http://revista.fct.unesp.br/
index.php/formacao/article/viewFile/597/1226>. Acesso em: 16 jan. 2018.
6 As macrorregiões são constituídas por territórios extensos e também apresentam características – físicas, humanas,
sociais etc. – comuns.
O Estado e a escala regional 45
70 000
60 000
50 000
40 000
30 000
20 000
10 000
0
60
62
64
66
68
70
72
74
76
78
80
82
84
86
88
90
92
94
96
98
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
7 Conhecido também como Plano Lafer – sobrenome do então ministro da Fazenda Horácio Lafer (1900-1965) –, trata-
va-se de um plano de desenvolvimento a ser implementado com a cooperação financeira dos Estados Unidos.
8 O Plano Nacional do Carvão (Lei n. 1.886, de 1953) visava à produção de energia por meio da exploração do carvão
mineral. Já o Fundo Nacional de Eletrificação (Lei n. 2.308, de 1954) propôs a criação da Centrais Elétricas Brasileiras
S.A. (Eletrobras).
46 Geografia Regional do Brasil
9 Sancionado pela Lei n. 9491, de 1997, o PND tinha como objetivos: transferir à iniciativa privada algumas atividades
do setor público; contribuir para a reestruturação econômica do setor público; permitir a retomada de investimentos nas
empresas e atividades transferidas para a iniciativa privada; contribuir para reestruturação do setor privado; permitir que
a administração pública se concentrasse apenas em atividades fundamentais a ela; e contribuir para o fortalecimento do
mercado de capitais. Para ler o documento na íntegra, acesse: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm>.
Acesso em: 10 jan. 2018.
10 Disponível em: <https://www.bndes.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2018.
O Estado e a escala regional 47
• fomento constante para elevar o valor dos financiamentos nas regiões me-
nos favorecidas em proporção maior que sua contribuição para a formação
do PIB (produto interno bruto) do país. (BNDES, 2018)
Nesse contexto, diversos programas foram criados com a finalidade de promover o desen-
volvimento regional. Segundo Burns (2012), os primeiros programas dessa natureza estiveram
vigentes até 2005. No entanto, o desenvolvimento regional era tratado sob a ótica das grandes
regiões e não se fazia distinção entre as microrregiões de cada estado. Dentre esses, podemos citar
o Programa Amazônia Integrada (PAI), o Programa Centro-Oeste (PCO), o Programa Nordeste
Competitivo (PNC) e o Programa de Fomento e Reconversão Produtiva da Metade Sul do Rio
Grande do Sul (Reconversul).
O Programa de Dinamização Regional (PDR), criado no ano de 2005, mudou de maneira
considerável o foco de atuação dos programas de desenvolvimento regional. Por meio do PDR se-
riam beneficiadas microrregiões e municípios considerados de baixa renda (de acordo com o PIB per
capita) e programas localizados nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com Colombo (2014, p. 10),
“o Programa de Dinamização Regional foi o alicerce para a criação [...] da Política de Dinamização
Regional. Embora os objetivos fossem os mesmos que o Programa, esta Política apresentou o diferen-
cial que é próprio de uma política de desenvolvimento regional”. A Política de Dinamização Regional
apresentou dois importantes diferenciais: “(i) flexibilizou, para micro, pequenas e médias empresas,
a necessidade de garantias e a importância da classificação de riscos, além de seguir ofertando os
mesmos benefícios a empresas de todos os portes, e (ii) ganhou um caráter perene, ao evoluir de
programa para política” (BURNS, 2012, p. 14).
Como afirma Colombo (2014), a Política de Dinamização Regional reconhece as desigual-
dades entre regiões e dentro de regiões e notabiliza a escala microrregional como forma de pro-
mover o desenvolvimento regional de maneira homogênea. Já a Política de Atuação no Entorno de
Projetos – mencionada na página da instituição – atua para integrar as áreas que estão recebendo
grandes projetos por meio da utilização de instrumentos ao desenvolvimento econômico e social
nas áreas de entorno de grandes empreendimentos.
Quando um projeto se enquadra nesse perfil, recursos do BNDES podem ser utilizados para
proporcionar investimentos sociais e a interlocução entre agentes públicos, privados e represen-
tantes locais para a elaboração da Agenda de Desenvolvimento Territorial (ADT). A ADT é um
conjunto de investimentos e ações com o objetivo de potencializar impactos positivos de grandes
projetos. Podemos verificar o montante desses investimentos a seguir.
48 Geografia Regional do Brasil
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA
44%
(R$ 289,4 BI)
R$
68,5 EM R$ BILHÕES
654,1
BILHÕES
56%
(R$ 364,7 BI)
*GRANDES
PROJETOS
(acima de
36,6 500 MW) INVESTIMENTOS DO BNDES
* **
PEQUENOS (2008-2014)
27,7 E MÉDIOS 27,9 EM INFRAESTRUTURA,
24,5 23,2 PROJETOS LOGÍSTICA E ENERGIA
(abaixo de 19,3
500 MW) INVESTIMENTOS DO BNDES
11,5 11,7 (2008-2014) EM OUTRAS ÁREAS
9,5 8,9
6,5 ** 6,1
2,4 4,5
ENERGIA
PROJETOS HIDRELÉTRICOS DE
PROJETOS NUCLEARES PROJETOS SUCROALCOOLEIROS
GRANDE, MÉDIO E PEQUENO PORTE
ENERGIA
PROJETOS HIDRELÉTRICOS DE
PROJETOS NUCLEARES PROJETOS SUCROALCOOLEIROS
GRANDE, MÉDIO E PEQUENO PORTE
Por fim, é notória a participação do BNDES como importante agente na promoção do de-
senvolvimento regional de nosso país. Em um primeiro momento, o Banco agiu ativamente no
processo de industrialização e modernização da economia. Com o passar do tempo – ao adquirir
também uma função social –, o BNDES passou a promover ações por meio de políticas específicas
de integração e financiamentos voltados para o desenvolvimento regional em diversas escalas, com
vistas à diminuição de desigualdades sociais e econômicas.
Conclusão
Até aqui, verificamos as principais correntes de pensamento relacionadas à geografia regional
e seus principais conceitos. Região, território, planejamento regional e ordenamento territorial são co-
nhecimentos que devemos compreender e se apropriar para a análise sob a ótica da geografia regional.
As definições de Poder, poder, Estado, Estado-nação e pós-modernidade também devem ser absor-
vidas para não cometermos erros interpretativos.
Agora, cabe-nos detalhar os estudos sobre as regionalizações oficiais brasileiras, compreen-
der como um geógrafo é capaz de realizar de maneira analítica trabalhos dessa natureza e, por fim,
refletir sobre como o estudo da geografia regional influenciou e influenciará nossa visão geográfica
do mundo.
[...] a urbanização intensiva e rápida pela qual o Brasil passou nos últimos cinquenta ou ses-
senta anos apresenta características de reprodução das desigualdades sociais, econômicas e
de não preservação do meio ambiente, apesar de as políticas públicas dos últimos 12 anos
tentarem reverter esse quadro.
Em segundo lugar, que os instrumentos hoje utilizados para planejar e apoiar o desenvolvi-
mento regional e territorial, pelos ministérios, estados e municípios (salvo exceções que con-
firmam a regra), além dos bancos públicos, são estáticos e conservadores, além de criarem um
arcabouço restritivo e inadequado quanto a prazos, condições e percepção dos resultados para
que os atores locais (públicos ou privados) assumam o protagonismo do processo.
Em terceiro lugar, um instrumento mais moderno e que observa o território em sua dinâmica
já existe, podendo ser naturalmente aperfeiçoado para subsidiar o trabalho de planejamento
do desenvolvimento regional e territorial: é a pesquisa Regic, executada pelo IBGE. Sua maior
contribuição é registrar a rede urbana em relação a áreas de influência dos centros de gestão do
50 Geografia Regional do Brasil
território, definidas pelos fluxos que a eles chegam ou que deles partem, com decisões, infor-
mações, cultura, dinheiro e mercadorias. Assim, as questões da reforma agrária, da produção
rural, da reforma urbana e da produção urbana convergem para um mesmo instrumento de
transformação que fala uma língua mais compreensível, sem nenhuma barreira de linguagem
pseudocientífica: mapas com linhas e pontos que mostram onde se está e aonde se quer chegar.
[...]
FALCÓN, M. L. O. A rede de cidades e o ordenamento territorial. Textos para discussão 111. Brasília,
mar. 2015. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/6561/1/A%20
rede%20de%20cidades%20e%20o%20ordenamento%20territorial_P.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2018.
Atividades
1. A cidade, como ponto focal do espaço urbano, é colocada como protagonista na compreen-
são de relações econômicas, e, consequentemente dos projetos de planejamento regional e
ordenamento territorial. Quais discussões no campo da geografia essa centralidade levanta?
Relacione-as e argumente criticamente.
Referências
BNDES. Desenvolvimento regional e territorial. 2017a. Disponível em: <https://www.bndes.gov.br/wps/
portal/site/home/onde-atuamos/onde-atuamos>. Acesso em: 8 jan. 2018.
IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. BNDES sem segredo. 2017. Disponível em:
<http://bndessemsegredos.ibase.br/>. Acesso em: 8 jan. 2018.
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ln-100-00155.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2018.
O Estado e a escala regional 51
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de Brasília, Brasília, 2012. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11174/1/2012_
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MORAES, A. C. R. Ordenamento territorial: uma conceituação para o planejamento estratégico. In: BRASIL.
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br/c/document_library/get_file?uuid=3fc31d16-e5f7-46fb-b8cc-0fb2ae176171&groupId=24915>. Acesso em:
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em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/1785/3/BNDES_um_banco_de_historia_e_do_
futuro_A_P_BD.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2018.
SAQUET, M. A. Por uma abordagem territorial. In: SAQUET, M. A; SPOSITO, E. S. Territórios e territoriali-
dades: teorias, processos e conflitos. São Paulo. Expressão Popular, 2009.
O então novo órgão foi dividido em três áreas informacionais: estatística geográfica/geodésica
e cartográfica. Além disso, cada um dos conselhos passou a ser dirigido por um secretário-geral,
que respondia diretamente à presidência do IBGE. O primeiro grande projeto desenvolvido pelo
CNG, ainda realizado no ano de 1938, ficou conhecido como Lei Geográfica do Estado Novo. De
acordo com Almeida (2000), esse projeto tinha a finalidade de redefinir os limites municipais e
resolver dois problemas:
Organizar espacialmente as malhas distrital e municipal, definindo os parâme-
tros mínimos em termo de área e de tamanho populacional, para dar garan-
tias ao princípio da “autonomia municipalista”. Isto é, evitar o fracionamento
excessivo dos municípios, evitando unidades sem as mínimas condições de
sustentabilidade.
Contar com um mapeamento em escala de detalhe de todos os municípios bra-
sileiros para estruturar os trabalhos de campo do futuro censo de 1940 e contar
com informações cartográficas que dessem suporte aos trabalhos de mapea-
mento da carta do Brasil ao milionésimo. Neste contexto, estavam também os
estudos sobre determinação de áreas urbanas e rurais.
Os municípios teriam de apresentar seus mapas municipais até o final do ano
de 1939, enviando uma cópia para o IBGE, que o utilizaria no planejamento de
organização dos setores censitários. (ALMEIDA, 2000, p. 67)
Esse projeto resultou na Exposição Nacional dos Mapas Municipais. Realizada no ano de
1940, a apresentação do evento – na cidade de Curitiba – contou com a presença do presidente
Getúlio Vargas. Esse projeto também serviu como base para o primeiro período de atividades
geodésicas sistemáticas no qual o IBGE realizou e levantou as coordenadas geográficas das cidades
brasileiras para o mapeamento do país. Além disso, foram frutos desse período a estruturação das
redes de medições altimétricas, planimétricas e gravimétricas, o surgimento de cartas topográficas
em diferentes escalas e a elaboração do Atlas do IBGE.
Apos a promulgação da Lei Geográfica do Estado Novo, foi realizado o primeiro recensea-
mento sobre responsabilidade do IBGE (o quinto do país). Em 2 de fevereiro de 1938 foi criada a
Comissão Censitária Nacional, pelo Decreto-Lei n. 237, que deu início ao processo regulatório para
a realização do censo demográfico. Para tanto, foi instituído o Serviço Nacional de Recenseamento
e as normas legais para a realização do recenseamento nacional a cada dez anos.
O IBGE conta com serviço gráfico próprio desde sua fundação. No ano de 1953 foi criada a
Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), a primeira faculdade de Estatística no país. Essa
instituição era voltada para a formação de profissionais de nível superior, com o objetivo de suprir
as crescentes e complexas pesquisas estatísticas do país e capacitar servidores do IBGE.
A estrutura do Instituto, baseada na intercooperação1 administrativa, ficou responsável
pelos recenseamentos dos anos 1940, 1950 e 1960. Além disso, também ficou a cargo do IBGE
levantamentos realizados nos intervalos dos censos e a atualização de dados referentes ao terri-
tório nacional. Em 1967, a autarquia foi transforada em fundação subordinada ao Ministério do
Planejamento e Coordenação Nacional, fato que lhe concedeu autonomia administrativa e finan-
ceira. Os Conselhos Nacionais de Estatística e Geografia se tornaram institutos, e o mesmo ocorreu
com a Escola Nacional.
O IBGE continuou como órgão central em relação aos institutos e coordenou as atividades
dos sistemas de geografia e estatística nacional. Em 1970 foi realizado o oitavo censo nacional,
que englobou aspectos demográficos, agropecuários, de serviços, industriais e comerciais. No ano
seguinte foi criado o Instituto Brasileiro de Informática para processamento de dados e moderni-
zação dos métodos computacionais. Em 1973 ocorreu uma grande mudança em sua estrutura. Foi
suprimida a autonomia dos quatro institutos, que passaram por um processo de integração dos
serviços geográficos, estatísticos, geodésicos e cartográficos.
Atualmente, a estrutura do IBGE conta com três colegiados de direção superior, um órgão
de assistência direta à presidência, três órgãos seccionais, três diretorias técnicas, um Centro de
Documentação e Disseminação de Informações (CDDI) e a Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(ENCE). Além disso, o IBGE possui unidades estaduais em todas as capitais do país.
importantes intelectuais da época, como Rui Barbosa (1849-1923), Lourenço Filho (1897-1970),
Oziel Bordeaux Rêgo (1874-1926), entre outros. Já o segundo volume, composto de 24 seções,
discutia diversos temas, como grafia da toponímia nos mapas, o ensino da Geografia, estatísticas
educacionais, entre outros.
Os cursos ministrados nos períodos de férias também foram de grande importância na dis-
seminação dos conhecimentos geográficos. Eles eram de altíssima qualidade, com grandes profes-
sores e excelente organização didática.
Com o passar do tempo e o avanço tecnológico, a aquisição de programas de mapeamento,
sistemas de informação geográfica, programas estatísticos e outras tecnologias aumentaram a pro-
dução e o conhecimento dos geógrafos e deram uma nova ótica para a transposição dos conheci-
mentos geográficos.
O processo de contagem da população é uma ferramenta de grande potencial para estudos
com diversas finalidades. Por meio desse processo, é possível conhecer de maneira mais aprofun-
dada características específicas de determinado grupo embasado em levantamentos da realidade
socioeconômica.
O recenseamento permite conhecer a extensão de um recurso – que implica também em
um custo –, no caso, a população. Por meio da imagem do número o Estado ou qualquer tipo de
organização, o recenseamento procura aumentar sua informação sobre um grupo e, consequente-
mente, seu domínio sobre ele (RAFFESTIN, 1993).
Observe a seguir um quadro-resumo dos principais resultados obtidos nos processos de
recenseamentos e como eles podem influenciar diretamente questões sociais, ambientais, popula-
cionais, econômicas, entre outras.
Quadro 1 – Principais resultados obtidos em recenseamentos
4. Apresentação de referências para projeções populacionais nas quais o Tribunal de Contas da União
(TCU) define as cotas do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM).
6. Fornecimento de parâmetros para conhecer e analisar o perfil da mão de obra em nível municipal,
informação de grande importância para organizações sindicais, profissionais e de classes, assim
como para decisões de investimentos do setor privado.
(Continua)
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 57
7. Determinação de critérios para selecionar locais para a instalação de fábricas, shopping centers,
escolas, creches, cinemas, restaurantes etc.
8. Fundamentação de diagnósticos e reivindicações feitas por cidadãos, de maior atenção dos gover-
nos estadual/municipal para problemas locais e específicos, como de insuficiência das redes de
água e esgoto, atendimento médico, atendimento escolar etc.
No Brasil, a primeira lei referente ao processo de recenseamento é datada de 1870. Ela de-
terminava a contagem da população do Império, assim como a criação de uma Diretoria Geral de
Estatística. Além disso, a lei estabelecia como meta a contagem populacional nacional e estrangei-
ra, livres e escravos, presentes e ausentes (OLIVEIRA; SIMÕES, 2005).
Os recenseamentos ocorreram nos anos de 1872, 1890, 1900 e 1920 e voltaram a serem
refeitos, como já mencionamos, somente no ano de 1940, com a instituição do IBGE. Com uma
nova metodologia e cuidadoso planejamento, o Censo forneceu dados demográficos sobre migra-
ções internas, fecundidade e mortalidade da população brasileira. Aspectos físicos também foram
levados em conta.
Os censos de 1940 e 1950 colaboraram efetivamente para os estudos demográficos no país.
Graças às metodologias inovadoras do demógrafo italiano Giorgio Mortara (1885-1967) – consul-
tor técnico da Comissão Censitária Nacional –, foram analisadas informações estatísticas até então
inéditas no país. A pesquisa englobou dados demográficos, agrícolas, industriais, comerciais e de
serviços, transportes e comunicações. A partir de 1950, para o conhecimento das condições socioe-
conômicas e domiciliares, iniciou-se a coleta de informações em áreas de favela (GONÇALVES,
1995). Também no recenseamento dessa época foram coletados dados referentes à População
Economicamente Ativa (PEA), e realizadas a divisão da população em grupos de cores (brancos,
pretos, pardos e amarelos) e a separação entre atividade não remunerada e ocupação.
Em 1960, foi reorganizado o questionário de coleta de informações com a inserção de um
questionário básico e outro mais amplo, empregandando-se pela primeira vez técnicas de amostra-
gem. Nesse mesmo censo, de acordo com Nascimento (2006), acompanhou-se os deslocamentos
das populações do campo para a cidade e de regiões mais pobres para mais ricas, como os casos
de Rio de Janeiro e São Paulo. Os resultados obtidos demonstraram o aumento da população em
favelas, o desemprego e a incorporação de desempregados e a população economicamente ativa.
O Censo de 1970, como afirma Oliveira e Simões (2005), foi um divisor de águas no que diz
respeito a organização, detalhes e confiabilidade dos números levantados. Os critérios de amostragem
foram os mesmos, porém seus resultados foram amplamente analisados. A distribuição de renda, o
mercado de trabalho e a educação foram estudadas com destaque para as desigualdades regionais.
Em 1980, o Censo foi marcado pelo avanço tecnológico. A utilização de um sistema infor-
matizado de acompanhamento da coleta permitiu pela primeira vez que os resultados prelimi-
nares saíssem no mesmo ano em que a pesquisa foi realizada. Segundo Nascimento (2006), no
58 Geografia Regional do Brasil
que se refere a dados familiares, foram realizadas algumas inovações. Uma delas diz respeito à
chefia do domicílio, que passou a ser desempenhada por homens e mulheres. Notou-se também
a outra face do chamado milagre econômico brasileiro, que contava com crescente pobreza e de-
sigualdade na sociedade.
Em 1991, com um ano de atraso devido a questões financeiras, foi realizado o Censo de-
mográfico somente com algumas inovações. Renda e escolaridade do chefe do domicílio foram
inseridas, além da pesquisa por deficiência física e mental. Já o Censo de 2000 acompanhou o
processo de avanço tecnológico mundial e permitiu a coleta por meio da internet, com automação
e tabulação dos dados e processos de codificação.
O Censo de 2010 é o maior e mais recente realizado. Devido ao elevado número de habi-
tantes do nosso país – 190.732.694 pessoas em 2010, hoje somos estimados em 207,7 milhões –,
foi necessário um maior contingente de funcionários, o que também aumentou os gastos para sua
realização. Foram contratadas aproximadamente 240 mil pessoas paras as atividades de coleta, su-
pervisão, apoio e funções administrativas, com orçamento para o projeto de R$ 1,4 bilhão.
Os avanços obtidos nesse processo foram diversos. Podemos destacar a construção de
uma base territorial digital, com a integração de mapas urbanos e rurais, a incorporação do
Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), a utilização de computadores
de mão com GPS que permitem referenciar elementos físicos e o preenchimento de questioná-
rios por meio da internet.
Notadamente, o recenseamento é uma poderosa ferramenta de conhecimento da popula-
ção. Como afirma Raffestin (1993), ele é um saber, portanto também é um poder. O Estado, por
meio do IBGE, detém essas informações e procura trabalhá-las da melhor maneira possível. Um
exemplo disso está na questão da fome. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e a
Agricultura (FAO) divulga desde 1990 o Mapa da Fome. Esse documento indica os países em que
parte da população ingere uma quantia diária de calorias menor do que a recomendada. Os progra-
mas sociais iniciados nos governos de Fernando Henrique Cardoso, ampliados e melhorados nos
governos Lula, possibilitaram o surgimento de novos programas de combate à fome no segundo
mandato da presidente Dilma Rousseff (1947-). Pela primeira vez o Brasil saiu do Mapa da Fome.
No site2 do IBGE é possível encontrar todas as informações estatísticas referentes ao recen-
seamento no Brasil. Essa não é apenas uma importante ferramenta de estudo governamental, ela é
também importante para nós, geógrafos.
de compreender o espaço geográfico pela base temporal. Com o conceito de região não poderia ser
diferente, e, consequentemente, não poderia ser diferente com as propostas oficiais de regionalização.
Com isso, o autor reforçou a mutação pela qual o conceito passou e passa durante o desen-
volvimento do pensamento geográfico. Apesar de ser “vendido” como um conceito estável, concre-
to e símbolo da geografia unitária, isto é, sem a dicotomia de física e humana, analisá-lo é também
analisar sua contínua transformação.
As primeiras tentativas de regionalizar o território brasileiro remetem ao ano de 1889.
André Rebouças (1838-1898), que organizou os estados federativos na ocasião, também organi-
zou o país em dez regiões sob uma perspectiva das relações humanas, em especial a agricultura.
Em 1893, o francês Élisée Reclus (1830-1905), com base no conceito de região natural, deu forte
ênfase ao papel das bacias fluviais e regionalizou o Brasil em oito regiões. Fundamentado em uma
regionalização influenciada pelo possibilismo e pela geografia de Vidal de La Blache, Delgado de
Carvalho (1884-1980) realizou em 1913 as primeiras monografias regionais e propôs a adoção de
cinco regiões geográficas.
Nos mapas a seguir, verificamos que outras regionalizações foram propostas, todas com a
presença dos limites estaduais bem definidos e fortemente relacionadas às definições de região na-
tural e do possibilismo. Isso se dá especialmente pelo papel político-administrativo dado aos esta-
dos federativos. Além disso, notamos um maior enfoque dado aos municípios, especialmente após
a Constituição Federal de 1988. Essa escala administrativa também modificou as regionalizações.
Figura 1 – Primeiras propostas de regionalização do território brasileiro
Na década de 1940, houve a necessidade de instituir uma regionalização oficial que dividisse
o território nacional, principalmente para o levantamento de informações estatísticas e para fins
educativos da geografia. Assim, em 1942, o Conselho Nacional de Geografia (CNG), por meio do
IBGE, criou cinco grandes regiões, 30 regiões, 79 sub-regiões e 228 zonas fisiográficas. Essa escolha
por zonas fisiográficas se deu pela ideia de que as regiões necessitavam de estabilidade. Para tal, os
aspectos naturais seriam os mais adequados; além disso, cada região deveria corresponder em sua
totalidade a parte de um todo, a parte de um conjunto nacional. Em síntese, com base nesse aspecto
metodológico “tais partes não [eram] escolhidas arbitrariamente, mas sim [obedeciam] à disposi-
ção determinada pela natureza, de modo que cada uma delas apresenta[va] uma certa unidade de
conjunto, resultante da correlação entre os diversos fatos geográficos que nela se [observavam]”
(GUIMARÃES, 1941, p. 318).
Entre as inter-relações dominantes estavam aquelas relacionadas ao clima, à vegetação e ao
relevo. A região era uma representação espacial de uma homogeneidade do território e de aspectos
relacionados ao meio físico. No mapa a seguir, verificamos o que pode ser considerada a primeira
regionalização oficial do Brasil.
Mapa 1 – Divisão Regional do Brasil em zonas fisiográficas (1942)
-70° -60° -50° -40°
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I. de Santa Catarina
!. FLORIANÓPOLIS
SANTA CATARINA Convenções
Esse enfoque na região natural e em aspectos do meio físico estavam mais perceptíveis em
escalas menores, ou seja, em grandes regiões, regiões e sub-regiões. As zonas fisiográficas se apro-
ximam dessa forma por meio de uma visão mais possibilista, em que a diferenciação se dá, espe-
cialmente, por aspectos socioeconômicos, o que pode parecer contraditório com a nomenclatura
utilizada. As diferenças entre a regionalizações fisiográficas de 1942 e 1960 estão principalmente
nos processos de interiorização e urbanização, vinculados aos projetos de integração nacional des-
sas décadas, e no avanço teórico metodológico em relação à regionalização no Brasil. Desde então,
pouco mudou na organização estabelecida a partir da década de 1970 acerca das grandes regiões
brasileiras. No Mapa 2, notamos que essa atual regionalização tem um enfoque muito mais didáti-
co e permanece dividida em cinco grandes áreas.
Mapa 2 – Regionalização oficial do IBGE
Norte
Sul
Sudeste
Nordeste
Centro-Oeste
A falta de consenso sobre o emprego de região homogênea não se limitou ao meio científico
e teve reflexos dentro do IBGE, fato que levantou muitas discussões para a adoção de uma nova re-
gionalização, baseada em critérios das microrregiões homogêneas. Um dos principais entraves foi
a compatibilidade dos dados estatísticos de séries históricas. A inserção geoeconômica produziu
debates sobre espaços homogêneos e polarizados, fluxos espaciais de bens e capitais. Além disso,
enfatizava-se que uma regionalização baseada no desenvolvimento econômico seria mais eficiente.
O mapa de microrregiões homogêneas de 1968 (Mapa 3) representa um diagnóstico eco-
nômico e urbano nos processos de organização do espaço geográfico em âmbito nacional. Essa
regionalização se deu com base em dados obtidos no Censo Demográfico de 1960 e nas estatísticas
64 Geografia Regional do Brasil
econômicas de 1965, sobretudo da agricultura e da indústria. Nesse sentido, esse mapa representa
um marco para compreender o cenário brasileiro antes dos efeitos causados pelos longos anos de
intervenção militar instituída após o Golpe de 1964.
Mapa 3 – Microrregiões homogêneas (1968), primeira regionalização baseada em aspectos econômicos
e demográficos
-70° -60° -50° -40°
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No entanto, apenas após o ano de 1971 que a terminologia regiões homogêneas foi adotada
para substituir as antigas zonas fisiográficas. Em 1976, foram definidas as mesorregiões, que for-
maram 86 agrupamentos de microrregiões. Essa unidade intermediária de regionalização já estava
prevista e foi executada apenas nessa ocasião. Esse mapa foi uma escala da organização regional
intermediária, relevante naquele contexto para planejamentos estratégicos.
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 65
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MONTEVIDEO
-50° -40° -30°
Entre os anos de 1979 e 1988 houve a atualização da regionalização do país. Nesse período
foi desmembrado o estado de Mato Grosso e criado o estado do Mato Grosso do Sul. Além disso,
Tocantins foi desmembrado de Goiás e os territórios federais de Rondônia, Roraima e Amapá
passaram à categoria de estado. No entanto, essa regionalização, baseada em espaços homogêneos,
não era eficaz, principalmente para análises focadas em desigualdades, uma das lacunas causadas
pela organização em mesorregiões e microrregiões homogêneas. Em 1989 foram criadas as mesor-
regiões e microrregiões geográficas.
As mudanças no processo de desenvolvimento capitalista nas décadas de 1960 a 1980 mo-
dificaram em grande escala – e de maneira diferenciada – o território nacional. Nos estudos, a
desigualdade na organização espacial foi resultado dos processos de desenvolvimento capitalista
causados especialmente pelo papel do Estado e a subordinação ao capital (IBGE, 2018a). Nessa
nova regionalização os estados federativos foram adotados como universo de análise:
Entende-se por Mesorregião uma área individualizada, em uma Unidade da
Federação, que apresenta forma de organização do espaço geográfico definidas
66 Geografia Regional do Brasil
Na busca de incorporar as mudanças ocorridas nesses últimos anos, foi lançado em 2017 a
Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias.
Com uma nova abordagem teórico metodológica, baseada em autores como Haesbaert e em
processos de fragmentação e articulação do território brasileiro, a região passou a ser compreen-
dida como uma construção do conhecimento geográfico. Os estudos antigos são considerados,
especialmente elementos concretos da espacialidade nacional. Dentre eles, destacam-se a rede ur-
bana – principal componente para a regionalização das Regiões Geográficas Imediatas –, que tem
como ponto focal os centros urbanos e suas relações socioeconômicas com o entorno. Já as Regiões
Geográficas Intermediárias são embasadas na relação com metrópoles ou capitais regionais e estão
fundamentadas em estudos de redes e hierarquias urbanas.
Observamos nos mapas 6 e 7 que a nova regionalização do território brasileiro publicada em
2017 servirá de base para a divulgação dos dados da próxima década.
Mapa 6 – Divisão regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas (2017)
-70° -60° -50° -40°
# V E N E Z U E L A CAYENNE #
BOGOTÁ Cabo Orange
SURINAME GUYANE
O L O M B I A
BOA VISTA .
!
GUYANA
Regiões Geográficas
RORAIMA AMAPÁ
Cabo Raso do Norte Imediatas - 2017
I. Caviana
ECUADOR MACAPÁ ECUADOR
0° .
! 0°
ILHA DE
MARAJÓ
BELÉM
.
! MARANHÃO
MANAUS
.
!
.
! SÃO LUÍS
CEARÁ
.FORTALEZA
! Atol das Rocas
. RECIFE
!
ACRE .
! PERNAMBUCO
PORTO TOCANTINS
RIO BRANCO VELHO ALAGOAS
.
! .
! .
!
MACEIÓ
-10° PALMAS -10°
B A H I A
.
! ARACAJU
RONDÔNIA SERGIPE
MATO GROSSO
O
C
.
!
I
SALVADOR
I. de Itaparica T
N
P E R Ú
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CUIABÁ D.F.
L
.
! BRASÍLIA
#
T
GOIÁS
A
#LA PAZ .
!
GOIÂNIA
MINAS GERAIS
O
BOLIVIA
A N
Arquip. de Abrolhos
O C E
BELO
MATO GROSSO DO SUL HORIZONTE ESPÍRITO SANTO
.
!
. CAMPO
!
P A C Í F I C O
GRANDE . VITÓRIA
!
-20° PARAGUAY -2 0°
I. d
RIO DE JANEIRO
.
!
RIO DE JANEIRO
E
.
!
CÓ RNIO SÃO PAULO
L
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O DE CA TRÓ PIC
TRÓ PIC SÃO PAULO O DE CA
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CURITIBA
I
#ASUNCIÓN .
!
PARANÁ
H
A R G E N T I N A
I. de São Francisco Convenções
O C E A N O
I. de Santa Catarina #
. FLORIANÓPOLIS
! Capital Federal
SANTA CATARINA
.
! Capitais Estaduais
SURINAME GUYANE
O L O M B I A
BOA VISTA .
!
GUYANA
Regiões Geográficas
RORAIMA AMAPÁ
Cabo Raso do Norte
Intermediárias - 2017
I. Caviana
ECUADOR MACAPÁ ECUADOR
0° .
! 0°
ILHA DE
MARAJÓ
BELÉM
.
! MARANHÃO
MANAUS
.
!
.
! SÃO LUÍS
CEARÁ
!FORTALEZA
. Atol das Rocas
. RECIFE
!
ACRE
.
! PERNAMBUCO
PORTO TOCANTINS
RIO BRANCO VELHO ALAGOAS
.
! .
! .
!
MACEIÓ
-10° PALMAS -10°
B A H I A
.
! ARACAJU
RONDÔNIA SERGIPE
MATO GROSSO
O
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!
I
SALVADOR
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I. de Itaparica
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P E R Ú
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! BRASÍLIA
#
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LA PAZ .
!
# GOIÂNIA
MINAS GERAIS
O
BOLIVIA
A N
Arquip. de Abrolhos
O C E
BELO
MATO GROSSO DO SUL HORIZONTE ESPÍRITO SANTO
.
!
. CAMPO
!
. VITÓRIA
!
P A C Í F I C O
GRANDE
-20° PARAGUAY -2 0°
I. d
RIO DE JANEIRO
.
!
RIO DE JANEIRO
E
.
!
RNIO SÃO PAULO
L
PRICÓ
O DE CA TRÓ PIC
TRÓ PIC SÃO PAULO O DE CA
PRICÓ
RNIO
CURITIBA
I
#ASUNCIÓN .
!
PARANÁ
H
I. de Santa Catarina
. FLORIANÓPOLIS
! # Capital Federal
SANTA CATARINA
.
! Capitais Estaduais
PORTO ALEGRE Eixos Rodoviarios
.
!
RIO GRANDE DO SUL Ferrovias
-3 0°
La. dos Patos Limite Estadual
-3 0°
La. Mirim
Hidrografia
ESCALA : 1 : 27 000 000
La. Mangueira 100 0 100 200 300 Km
URUGUAY Regiões Geográficas Intermediárias
BUENOS AIRES PROJEÇÃO POLICÔNICA
# MONTEVIDEO
SANTIAGO -70° -60° # # -50° -40° -30°
Essa nova regionalização tem por objetivo subsidiar as políticas públicas de gestão e pla-
nejamento e servir de escala de divulgação de dados estatísticos/geográficos, em especial para o
Censo de 2020. Outras formas de regionalização, criadas por estudos específicos do IBGE, po-
dem ser consideradas oficiais, no entanto, a divisão em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões
Geográficas Intermediárias será adotada para divulgação e difusão de conhecimento.
Conclusão
Mais importante que saber qual regionalização é adotada nos dias de hoje, é imprescindível
saber quais suas escolhas teóricas e metodológicas já aprendemos. Para tanto, é sempre impor-
tante termos em mente que o conceito de região, a regionalização e o espaço geográfico estão
em constante transformação. Além disso, novas regionalizações surgirão. Cabe a nós, geógrafos,
compreendermos o modo como isso se dá para não cometer erros interpretativos. Para isso, nos
próximos capítulos vamos nos concentrar em algumas técnicas e análises que podem nos ajudar
nesse processo.
O IBGE e a regionalização oficial do Brasil 69
[...]
Apesar dessa variedade de enfoques, verificou-se um certo grau de permanência das divisões
macrorregionais, que, desde 1913, passaram por poucas alterações em suas concepções. De
fato, os recortes macrorregionais oficialmente adotados sempre foram em número de cinco
grandes áreas, sendo que apenas algumas Unidades da Federação (MA, PI, BA, SE e SP) alter-
naram, ao longo do tempo, sua inclusão nos blocos regionais A preferência por uma nomen-
clatura baseada na posição geográfica das áreas é outra característica das divisões regionais
adotadas, tendo sido marcante a utilização de elementos do quadro físico na identificação e
delimitação das mesmas, apesar da evolução teórica já referida.
Outra constatação sobre a divisão regional brasileira refere-se a seu sentido utilitário, já que as
regiões vêm sendo oficialmente adotadas como base territorial para levantamento e divulga-
ção de dados estatísticos.
Em função desse fato, a delimitação das regiões segue os limites político-administrativos de
suas unidades componentes, ou seja, dos estados e dos municípios. Alterações em uma dessas
unidades podem ocasionar, portanto, modificação no traçado das regiões. No caso dos espa-
ços maiores, as alterações processadas, ao longo do tempo, decorreram, principalmente, da
criação de novos estados e da passagem de alguns territórios para a categoria de estados, sem
modificação quanto aos limites regionais. [...]
Atividades
1. Muitas são as possibilidades de uso dos dados e conhecimentos proporcionados pelo IBGE
para a formação do geógrafo. Realize uma pesquisa sobre uma região que lhe interesse – por
exemplo, análise das pirâmides etárias dos estados da Região Nordeste, suas diferenças e
possíveis interpretações (políticas, econômicas sociais) – que você seja capaz de executar
com dados obtidos no site dessa instituição.
2. O que são censos demográficos e como eles auxiliam na formulação de conhecimentos geo-
gráficos?
Referências
ALMEIDA, R. S. A Geografia e os Geógrafos do IBGE no Período 1938-1998. 708 f. 2000. Tese (Doutorado em
Geografia), Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em:
< https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66453.pdf>. Acesso em 12 jan. 2018.
CABRAL, L. M.; DEZOUZART, E. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). In:
FGV CPDOC. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/fundacao-
instituto-brasileiro-de-geografia-e-estatistica-ibge> Acesso em: 17 nov. 2017.
FIGUEIREDO, A. H. Divisão regional. In: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas
Nacional do Brasil Milton Santos. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv47603_cap4_pt4.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2017.
______. Gerência de Biblioteca e Acervos Especiais. Coletânea da Legislação do IBGE. Rio de Janeiro: IBGE,
2016. Disponível em: <https://memoria.ibge.gov.br/images/pdf/memoria/coletanea_legislacao_ibge.pdf>.
Acesso em: 19 nov. 2017.
______. Divisão Regional do Brasil em regiões geográficas imediatas e regiões geográficas intermediarias: 2017.
Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/apps/regioes_geograficas/>. Acesso
em: 12 jan. 2018.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Síntese das Etapas da Pesquisa. Rio de Janeiro:
IBGE, 2010. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/images/pdf/censo2010/sintese/sintese_
censo2010_portugues.pdf> Acesso em: 19 nov. 2017.
PENHA, E. A. A criação do IBGE no contexto da centralização política do Estado Novo. Rio de Janeiro:
Departamento de Documentação e Biblioteca, 1993. (Coleção Documentos para Disseminação. Memória
Institucional).
SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico. São Paulo: Hucitec, 1994.
5
A regionalização do território brasileiro
Até agora estudamos o conceito de região e seu papel central na geografia como ciência;
analisamos como se deu a implementação do planejamento regional no Brasil e como o Estado
e o conceito de território fazem parte desse processo; e conhecemos melhor o principal órgão
federal de geração de informações geográficas e regionais (o IBGE) e suas regionalizações oficiais.
Agora, vamos pensar como nós, geógrafos, podemos e devemos nos preparar tecnicamente para
a produção de regionalizações e interpretações de outras propostas. Tudo isso de modo coerente
e cientificamente aceitável. Para tanto, vamos pensar como os geógrafos regionalizam.
1. Caraterização da área
1.1. Aspectos físicos
1.1.1. Geologia
1.1.2. Clima
1.1.3. Solos
1.1.4. Vegetação
1.1.5. Hidrografia
72 Geografia Regional do Brasil
Você pode se perguntar: será que ainda não fazemos isso em nossos trabalhos? Sim, tra-
balhos de conclusão de curso, dissertações, teses, relatórios técnicos e principalmente materiais
didáticos muitas vezes são organizados como antigas monografias regionais. Então o que mudou?
Talvez pouca coisa tenha mudado na prática, entretanto, é importante refletirmos sobre a reprodu-
ção de conhecimento regional e o que faremos com os dados coletados.
Como destaca Santos (1992a), fatos e dados isolados são apenas abstrações e valores que
pouco nos ajudam a compreender a complexidade do espaço geográfico. O que de fato lhes dá a
concretude da realidade são as relações estabelecidas nele. Isto é, quando analisamos os elementos
formadores do espaço assim como nas monografias regionais – que descreviam a natureza, a forma
e os números –, não ultrapassamos essa dimensão. Para produzirmos informações geográficas, é
preciso compreender essas relações para então conhecê-las e defini-las de maneira totalizante.
Figura 1 – Esquema introdutório da concepção de espaço geográfico e dos componentes de uma pesqui-
sa para sua análise e apreensão
Escala
Espaço
Relações geográfico Objetos
Totalidade
Ações
É preciso compreender que esses aspectos elencados são relevantes para a problemática de
pesquisa. Cada problemática – principalmente aquelas relacionadas com a espacialidade inerente à
A regionalização do território brasileiro 73
geografia – precisa ser colocada na perspectiva adequada ao seu campo de pertinência (RACINE;
RAFFESTIN; RUFFY, 1983). Um exemplo do uso adequado dessas informações é:
Assim, estudar a centralidade apoiando-nos sobre os dados do comércio vare-
jista, pode ser apropriado no caso de pequenas cidades. Para as grandes aglome-
rações é, sobretudo, através da coleta de dados medindo uma função de ordem
superior (o comércio atacadista, por exemplo), que a diferenciação entre os
centros pode aparecer. (RACINE; RAFFESTIN; RUFFY, 1983, p. 125)
Com base em Santos (1996), temos a compreensão do espaço geográfico como uma totali-
dade, em que cada elemento – ora do sistema de objetos, ora do sistema de ações – é um modo de
expressão da totalidade que reproduz o todo, entretanto não o é, e sim é uma parte que só tem sen-
tido na realidade pela relação com essa totalidade. Assim, quando fragmentamos a totalidade e tor-
namos cada parte objeto de análise, esse fragmento é em si um todo que ainda integra a totalidade.
Quando a multiplicidade dessa totalidade é reconstruída para a compreensão do todo, é
importante a quebra das tradicionais dicotomias físico/humana, qualitativa/quantitativa, fenome-
nologia/materialismo histórico (SANTOS, 1992a). Na expressão da totalidade, o espaço não está
apenas na busca por semelhanças entre diferentes escalas de análise – lugar, região, paisagem e
território –, ele também se encontra nas especificidades que as diferem e as relacionam ao todo.
Dessa maneira, devemos pensar o espaço geográfico como algo mutável, dinâmico, reflexo e con-
dição das ações e para as ações da sociedade. Assim, ele é passível de representação e apropriação
como espaço vivido. E o trabalho de campo muitas vezes permitirá o acesso a essas especificidades.
A leitura realizada por Santos pode parecer complexa e de difícil compreensão. Entretanto,
podemos pensar em uma analogia – porém toda analogia deve ser ponderada, pois trata-se sempre
de uma simplificação. Assim, o espaço geográfico pode ser associado a um fractal (Figura 2), estru-
tura geométrica em que suas propriedades se repetem em diferentes escalas.
Figura 2 - A forma geométrica de um fractal pode ser uma importante analogia para compreender a defi-
nição de espaço geográfico para Santos (1992).
Photopips/iStockphoto
74 Geografia Regional do Brasil
Desse modo, quando fragmentamos o espaço geográfico para estudá-lo, observamos espe-
cificidades dos fragmentos e buscamos aspectos que os diferenciem e os aproximem de outros re-
Relações cortes. Entretanto, antes de tudo, buscamos compreender processos e dinâmicas ligados às relações
sistêmicas são
aquelas que são sistêmicas. Como exemplo, podemos citar um estudo migratório em uma região fronteiriça que
pertencentes a
apresenta fluxos e dinâmicas que se reproduzem de modo coerente com escalas globais. Na defini-
um determinado
sistema. ção de região que aqui adotamos, devemos buscar justamente a relação local/global.
Com isso, não queremos e não devemos deixar de lado a descrição, a caracterização e a
coleta de dados primários; pelo contrário, devemos ter mais afinco no processo de obtenção de
informações geográficas. Além disso, nossas ferramentas analíticas – conceitos, teorias, métodos
de obtenção e análise da realidade – devem ser aplicadas. A vivência em campo e a troca com as
comunidades analisadas podem ser um caminho (não um fim) para se aproximar de uma análise
abrangente do espaço geográfico.
Neste momento você pode pensar: mas como e quando eu aplicarei esse tipo de conheci-
mento em meu trabalho como geógrafo? Talvez você acredite que isso ocorra apenas no trabalho
de pesquisadores ou em grupos de pesquisa vinculados a uma instituição, o que não é verdade.
Como bacharel em geografia, muito provavelmente você terá a oportunidade de participar
de estudos relacionados à caracterização socioeconômica de áreas impactadas por empreendimen-
tos que necessitam de licenciamento ambiental. Os dados obtidos nessa pesquisa não caracterizam
apenas a organização espacial da área, mas influenciam também as medidas compensatórias e
mitigações desse empreendimento em um determinado ambiente e sua comunidade.
E como docente? Como isso pode se refletir nos processos de ensino-aprendizagem?
O geógrafo-professor tem uma dupla importância na compreensão do espaço geográfico.
Primeiramente, pela necessidade de vislumbrar para os alunos – sejam da Educação Básica ou
Superior – as complexidades, as relações inerentes ao espaço geográfico e os modos de apropria-
ção/ressignificação da realidade sob a óptica espacial. Em segundo lugar, seu trabalho é um dos
agentes de modificação mais relevantes em grande escala, ou seja, seu conhecimento é capaz de
influenciar diretamente as comunidades. Uma docência ativa pode abrir o caminho para a produ-
ção de conhecimentos relevantes.
outros fenômenos e de outras estruturas, das quais não se pode, a priori, prejul-
gar o papel e, portanto, não se pode negligenciar. É por isso indispensável que
nos coloquemos em outros níveis de análise, levando em consideração outros
espaços. (LACOSTE, 1993, p. 81)
Os aspectos complexos e multiescalares, que permeiam a definição de espaço geográfico,
não impossibilitam a utilização de métodos e teorias que busquem explicá-los ou defini-los, entre-
tanto, o que não devemos é considerá-los fixos e imutáveis.
Na geografia humana, as peculiaridades pertinentes a cada abordagem influenciam a relação
com o trabalho de campo. Já nas áreas relacionadas à geografia física, os métodos e as técnicas de
campo são bem estabelecidos, com protocolos rígidos de coletas de solo, mapeamento e análises
físico-químicas. A coleta de dados meteorológicos (Figura 3), por exemplo, segue rígidos padrões
internacionais de posicionamento e altura dos equipamentos.
Figura 3 – Instrumentos meteorológicos em um gramado na estação meteorológica de Kew Gardens, em
Londres
barreiras das dicotomias inerentes à geografia e à ciência. Além disso, ela deixa de ser apenas um
recorte investigativo e o resultado de uma exaustiva monografia regional para ser um instrumento
de construção social que pode ser concebido em diferentes escalas, como percebemos na modifi-
cação da regionalização oficial do IBGE.
Seja com Haesbaert (2005), com a valorização da região como nível de compreensão dos
processos econômicos multiescalares, ou em Santos, a “situação intermediária entre o mundo e
o país é dada pelas regiões supranacionais, e a situação intermediária entre o país e o lugar são as
regiões infranacionais, subespaços legais ou históricos” (SANTOS, 1997, p. 272).
As dinâmicas do sistema capitalista sob a organização socioespacial são complexas e rápidas.
Em termos estruturais, suas modificações são lentas, uma vez que o sistema tende a se modificar
para se manter hegemônico.
Figura 4 – A reserva extrativista de Gurupá-Melgaço, no estado do Pará, mostra a transformação do es-
paço geográfico.
A região, como uma alternativa de escala analítica na geografia regional, pode ser com-
preendida em Racine, Raffestin e Ruffy (1983). Como escala, ela torna-se um filtro e um processo
de seleção de esquecimento coerente1, que, apesar de empobrecer a realidade concreta, preserva as
relações pertinentes à observação e produção de conhecimento.
Assim, ela se propõe às relações locais/globais que podem se apresentar descontínuas e/ou
entrelaçadas em função das transformações inerentes do sistema capitalista. Pensar a região na
relação escalar remete ao debate de escala, que deixa de ser uma forma de imposição de ordem
1 O esquecimento coerente acontece aos realizarmos “recortes” no espaço geográfico por meio de diferentes escalas.
Quando isso ocorre, estamos cientes – ou deveríamos estar – que partes da realidade serão negligenciadas na análise.
78 Geografia Regional do Brasil
para ser entendida como um produto social. Em Dias (2010) podemos conceber a escala como um
modelo mental para categorizar e ordenar o espaço geográfico e como construção de um produto
social. Assim, ela não estaria pré-definida geograficamente; mesmo estritamente relacionada aos
processos, ela não os substitui. Desse modo, são as práticas sociais que emergem a escalas.
O professor de Geografia, pode fazer da versatilidade do conceito de região e das possibili-
dades de ganho pedagógico do trabalho de campo um enriquecimento dos processos de ensino-
-aprendizagem. A vivência dos educandos em campo e fora do ambiente educacional tradicional
perpassa a existência de uma leitura crítica da realidade e da relação entre teoria e prática. Isso pos-
sibilita não apenas um aprofundamento da visão crítica de mundo, mas também as modificações
das condições atuais de organização socioespacial.
As possibilidades da ampliação da visão crítica também evidenciam a necessidade de uma
maior interdisciplinaridade que estimule o estudo articulado das demais disciplinas, até mesmo no
Ensino Básico. A visão de mundo do aluno e seu conhecimento prévio são melhor expressados fora
do ambiente tradicional da sala de aula. A flexibilidade das dinâmicas comunicativas do campo, isto
é, o contato com populações e realidades socioeconômicas distintas, pode auxiliar nesse processo.
Conclusão
Neste capítulo, pudemos compreender que a região é uma possibilidade de análise multies-
calar e um campo de pesquisa para as relações do sistema capitalista na organização socioespacial
e na interação local/global. Ela não pode ser vista apenas como um produto-síntese, estável e finali-
zado, mas sim como um meio para alcançar a análise da totalidade do espaço geográfico com base
em suas especificidades sem perder a conexão com o todo. Nos próximos capítulos buscaremos
produzir um cenário para as regionalizações do âmbito geográfico e das grandes regiões do IBGE.
[...]
Geralmente, a partir do trabalho de campo, procuramos pensar a problemática tendo como
ponto de partida a realidade local, mas não pensamos nos desdobramentos que os resultados
podem implicar. Uma apropriação desses conhecimentos pelo pesquisado, pode nos reve-
lar muitos elementos não só para elucidarmos, os desdobramentos do conhecimento, mas
para construirmos melhor, o nosso trabalho como pesquisador. As saídas para os problemas
da comunidade estudada, muitas vezes são construídas na e pela tomada de consciência das
potencialidades do lugar.
A regionalização do território brasileiro 79
Portanto, devemos considerar nesta mesma noção de tomada de consciência das potencialida-
des do lugar, que os fatores de ordem moral e psicológica ocupam um lugar, pelo menos, tão
importante quanto os elementos materiais da vida dos pesquisados.
Para trabalharmos a complexidade das relações humanas, nossos esforços podem ser amplia-
dos, na perspectiva da cultura. No sentido da cultura, valorizamos os modos de sentir, pensar,
agir e reagir das populações em relação ao lugar e as relações que estabelecem fora do lugar.
A importância dessa abordagem para a pesquisa que vai estudar uma determinada realidade
é, que ela pode ampliar as possibilidades de enfocar e analisar o nosso problema. Na verdade,
investigar uma problemática geográfica tanto física quanto humana, abordando aspectos do
vivido dos pesquisados, consiste, basicamente em sabermos como os homens pensam, agem
e sentem na sua realidade e que, portanto, não são apenas produtores, ou habitantes de um
determinado lugar.
[...]
Atividades
1. A geografia regional brasileira é fortemente influenciada pelo pensamento de Milton Santos.
Assim, é essencial compreendermos um de seus principais conceitos, o espaço geográfico.
Crie um quadro ou um mapa mental que lhe sirva futuramente como fixação desse conceito.
3. Quem foi Alexander von Humboldt e qual é sua importância na formação da geografia e nas
ciências naturais? Como ele influenciou a concepção do trabalho de campo na geografia?
Referências
ALVES, F. D. Considerações sobre métodos e técnicas em geografia humana. Dialogus, Ribeirão Preto,
v. 4, n. 1, 2008. Disponível em: <https://baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/dialogus/2008/pdf/
dialogus_2008.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2018.
CLAVAL, P. A paisagem dos geógrafos. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Paisagens, Textos e
Identidade. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004.
______. O papel do trabalho de campo na geografia, das epistemologias da curiosidade às do desejo. Confins,
São Paulo, n. 17, 2013. Disponível em: <http://confins.revues.org/8373>. Acesso em: 15 jan. 2018.
DIAS, L. C. Escalas espaciais e construção de redes microfinanceiras no Brasil. In: MATOS, R.; SOARES, W.
(Org.). Desigualdades, redes e espacialidades emergentes no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
HEIDRICH, A. L. Método e metodologias na pesquisa das geografias com cultura e sociedade. In: HEIDRICH,
A. L; PIRES, C. L. Z. (Orgs.). Abordagens e práticas da pesquisa qualitativa em Geografia e saberes sobre espaço
e cultura. Porto Alegre: Letra 1, 2016.
LACOSTE, Y. A Geografia: Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 3. ed. Campinas: Papirus, 1993.
LUSTOSA, C. A. Milton Santos e o Método de Pesquisa em Geografia. Revista Eletrônica: tempo, técnica,
território, Brasília, v. 2, n. 1, 2011, p. 58-70. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/ciga/article/
download/19416/13850>. Acesso em: 15 jan. 2018.
RACINE, J. B.; RAFFESTIN, C.; RUFFY, V. Escala e ação. Contribuição para uma interpretação do mecanis-
mo de escala na prática da Geografia. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, n. 45, v. 1, p. 123-135,
jan./mar. 1983. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/115/rbg_1983_v45_
n1.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2018.
______. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
______. Espaço e Método. 3. ed. São Paulo: Livros Studio Nobel, 1992.
1 A Cepal é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas. Ela foi fundada para contribuir ao desenvolvimento
econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas
dos países entre si e com as outras nações do mundo (CEPAL, 2018). Para saber mais, acesse: <https://www.cepal.org/
pt-br>. Acesso em: 15 jan. 2018.
82 Geografia Regional do Brasil
Legenda
Norte
Centro-oeste
Sul
Sul N
Sudeste
Sudeste
Nordeste
Nordeste
Centro-Oeste
Norte
0 415 830 1.660 Km
ação da atividade humana. Sua articulação conceitual, em diferentes níveis hierárquicos, também
contribuiu para o debate sobre desenvolvimento econômico na geografia brasileira.
Essa regionalização ficou conhecida como complexos regionais e compreendeu aspectos histó-
ricos, econômicos e culturais. Assim, foram estabelecidos três grandes complexos regionais brasilei-
ros: Centro-Sul, Nordeste e Amazônia. Eles apresentavam uma explícita hierarquia entre si: o Centro-
Sul atuava no controle político-econômico, ao qual se sujeitavam o Nordeste e a Amazônia. Embora
existisse essa hierarquia, o Nordeste tinha uma relativa autonomia em relação à Amazônia. No mapa
a seguir verificamos que não há o uso das unidades federativas como limite. Essa regionalização teve
importante impacto no pensamento da geografia regional brasileira.
Mapa 2 – Complexos regionais
Região da Amazônia
Região Centro-Sul
Região Nordeste
A área da atual Região Centro-Oeste ainda tinha uma relação com uma fronteira de avanço
de desenvolvimento entre a Região Centro-Sul e a Amazônia. Naquele momento, com grandes
áreas de cerrado ainda preservadas, os avanços da pecuária e das monoculturas – especialmente a
soja – iniciavam e serviam muito mais como abastecimento para a Região Centro-Sul.
Considerado o complexo geoeconômico mais pobre – com os piores indicadores socioeco-
nômicos, alta densidade demográfica no litoral, mas grande riqueza cultural e coesão histórica –, o
Nordeste muito se assemelhava à configuração da grande região do IBGE. O clima semiárido, vin-
culado a problemas de administração pública e à baixa industrialização, fez com que ela obtivesse
por muitos anos a alcunha de região subdesenvolvida em âmbito nacional.
No Meio-Norte, como ainda é conhecida parte do estado do Maranhão, a forte influência
do bioma amazônico e da ocupação humana (relacionada a grupos indígenas) contrastava com as
porções semiárida (subdivididas em sertão, agreste e mata seca) com o Nordeste Oriental (forma-
do pela faixa litorânea fortemente povoada) e a Zona da Mata. Em função dos baixos indicadores
socioeconômicos, foi possível perceber por um bom tempo o alto fluxo migratório da população,
principalmente para a Região Sudeste. Atualmente esse fluxo diminuiu e muitas vezes é possível
verificar o retorno dessa população para seus estados de origem.
O complexo geoeconômico da Amazônia pode ser compreendido, nas palavras de Geiger,
“[...] na sua maior parte um vazio de população, constituído de grandes domínios naturais, onde
pontos isolados de ocupação humana mantém ligações tênues, traduzidas principalmente nos flu-
xos de pequenos volumes de mercadorias” (GEIGER, 1964, p. 15).
Essa região ainda é caracterizada pela baixa densidade demográfica – exceto nas regiões me-
tropolitanas de Belém e Manaus – e uma economia fortemente vinculada ao extrativismo vegetal e
mineral. A embocadura amazônica, ou seja, os arredores da foz do Rio Amazonas (expresso pelas
cidades de Manaus e, sobretudo, Belém), possuía os maiores índices econômicos do complexo
devido aos portos fluviais de escoamento da produção extrativista, à criação de gado e búfalos na
região da Ilha de Marajó e à exploração de manganês.
O vale amazônico, formado especialmente pelos portos de Santarém (Pará), Óbidos (Pará),
Parintins (Amazonas) e Itacoatiara (Amazonas), permitia a circulação da produção do extrativis-
mo vegetal e fazendas mistas. Os afluentes do Amazonas ainda apresentam uma concentração da
população fortemente vinculada ao curso do rio, o que atribui uma espacialização linear, com a
borracha da seringueira e a castanha-do-pará como principais produtos econômicos.
Anecúmeno:
Ao norte do complexo, na sub-região de Roraima, destacavam-se garimpos de ouro e dia-
Regiões/áreas
inabitadas com mante. As áreas de vegetação intacta e densa eram denominadas como anecúmeno amazônico,
baixa densidade
de ocupação
“massa florestal não habitada por populações conscientemente integradas na nação brasileira”
devido a fatores (GEIGER, 1964, p. 52). O discurso segregador e colonizador fica evidente em Geiger. O autor não
ambientais inós-
pitos, como alti- exaltou as populações indígenas e a multiplicidade cultural da região.
tudes elevadas,
matas densas ou
desertos.
Divisão regional do Brasil 85
Centro-Sul
Nordeste
Amazônia
Houve o surgimento da megalópole, com a junção das metrópoles de São Paulo e do Rio
de Janeiro: Santos (com um dos principais portos marítimos), Sorocaba, Campinas, Piracicaba,
Ribeirão Preto (todos no estado São Paulo) e o Vale do Paraíba (localizado exatamente entre a ci-
dade de Rio de Janeiro e São Paulo). Além do porto de Santos, ainda estavam contidos nessa região
os portos de Vitória (Espírito Santo), Rio de Janeiro, Paranaguá (Paraná), Itajaí (Santa Catarina) e
Rio Grande (Rio Grande do Sul).
Nessa região também havia a mais densa rede de meios de comunicação e rodoferroviária do
país, principal destino dos mais intensos fluxos migratórios, que proporcionam maior integração
e articulação regional. Segundo Corrêa (2001, p. 203), a Região Centro-Sul apresentava “a mais ní-
tida divisão territorial do trabalho, originando áreas especializadas ou com forte tendência à espe-
cialização produtiva”. Além da alta concentração industrial, tinha as principais áreas agropecuárias,
volume de produção e geração de capital.
A Amazônia surgiu em Corrêa como uma região submetida ao capital nacional (princi-
palmente internacional) e proprietária dos mais diversos recursos naturais. Marcada pelos mais
diferentes tipos de conflitos sociais relacionados à terra, a Amazônia passou por uma constante
dizimação da população indígena e por obras públicas de empreendimentos pontuais, como hi-
drelétricas e mineração. Além disso, essa região recebeu grandes contingentes de migrantes, espe-
cialmente da Região Nordeste.
O avanço da fronteira agropecuária em direção à região amazônica fez com que a apro-
priação da terra tivesse se valorizado nas últimas décadas, bem como a extração de madeira e de
minérios como ferro, manganês e bauxita. Essa fronteira de modificação do uso e da ocupação do
solo com a Região Centro-Sul mudou o padrão até então estabelecido, que se baseava na rede de
rios que confluíam para a cidade de Belém. As relações de capital e de transportes com a criação de
rodovias para integração fizeram Belém perder força como metrópole regional.
Para Corrêa, após 1970 a Região Nordeste foi interpretada como uma região de perdas. Para o
autor, os fluxos migratórios (cada vez mais acentuados em relação às metrópoles do Centro-Sul), o de-
clínio da agropecuária no contexto nacional (mesmo em termos de subsistência com grandes períodos
de estiagem) e o baixo grau de articulação nacional marcaram o processo de regionalização da área.
Com o declínio de culturas tradicionais como a cana, o algodão e o cacau, a região perdeu
o destaque na economia agropecuária. Além disso, a baixa modificação do território – com baixos
índices de urbanização fora da faixa litorânea, poucas rodovias interioranas e obras de grande
porte, como hidrelétricas e campos agrícolas modernizados (exceto no vale do Rio São Francisco)
– subvalorizou a região no contexto nacional.
Apesar das semelhanças visuais entre as regionalizações de Corrêa e Geiger, ou até mesmo
do IBGE (que é a oficial), a forte influência da geografia crítica com a inclusão de fatores históri-
cos e da divisão territorial do trabalho são centrais na obra de Corrêa. Sua contribuição deu outra
dimensão à questão social/política e superou as demais, em que grande parte se restringia a distin-
ções meramente econômicas.
Divisão regional do Brasil 87
Fluidez Viscosidade
Circulação Fluidez seletiva
Espaços luminosos
Espaços opacos
(atraem atividades com maior capital)
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Concentrada
análise de Santos. A região amazônica, com dificuldades de circulação de pessoas e bens, de acordo
com o autor, tornou os espaços lentos e rarefeitos.
Nos últimos anos, o aumento das desigualdades sociais e econômicas resultaram em dispari-
dades espaciais que evidenciam novas formas de análise da divisão territorial do trabalho. Para Ruy
Moreira (2014), as divisões territoriais do trabalho no Brasil mostram reflexos sociais, econômicos
e socioambientais que hoje refletem a necessidade de reconfiguração e mudança na dinâmica ter-
ritorial brasileira.
Como consequências sociais podemos destacar a má distribuição de renda e os altos índices
de desemprego e emprego informal e os custos de produção e escoação da produção (que ainda li-
mitam o desenvolvimento econômico nacional). Além disso, a falta de um arranjo do espaço volta-
do para a preservação de áreas de proteção, a ocupação de áreas apropriadas, o saneamento básico
e os impactos de empreendimentos em comunidades (como aquelas atingidas por barragens) são
exemplos de efeitos socioambientais.
Para Moreira, a regionalização abrange quatro áreas, que, diferentemente das demais aqui
relacionadas, são pouco influenciadas pela organização territorial das unidades federativas e, pela
primeira vez, não são necessariamente contínuas (em alguns momentos as regiões se sobrepõem).
Mapa 5 – Regionalização proposta por Ruy Moreira
Complexo agroindustrial
Polígono industrial
Fronteira biotecnológica
Difusão da agroindústria e
indústria de não duráveis
Com abrangência na Região Sul e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e porção sul
de Minas Gerais, a região do polígono industrial apresenta processos de despolarização metro-
politana e industrialização das cidades do interior com indústrias de altos índices de tecnologia
90 Geografia Regional do Brasil
(especialmente para produção de bens de capital e bens duráveis2). Destaca-se ainda a relação com
países do Mercosul.
Formada pelas Regiões Sul e Centro-Oeste, e os estados de Tocantins, Roraima e fragmen-
tos de Minas Gerais, Bahia, Piauí e Maranhão, a região do complexo agroindustrial é descontínua
no estado de Roraima e se sobrepõe à região do polígono industrial em alguns estados. Sobre o
binômio latifúndio-minifúndio há um processo de re-regionalização no qual uma ampla divisão
técnica de trabalho se faz presente na especialização da agroindústria. Influenciada pelos projetos
de planejamento regional (PNDs), essa região sofreu modernização especialmente na produção
agroindustrial de commodities, sobretudo de soja e milho.
Nas palavras de Moreira (2014, p. 271), essa é uma “região nova no velho espaço nordestino”.
Ela é a região dos polos mineiro-industriais, da agroindústria irrigada e da indústria de bens não
duráveis, que abrange as áreas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe e parte dos estados do Piauí, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Os centros manufaturei-
ros e agropastoris – típicos do Nordeste brasileiro – são reconfigurados e combinados e as indús-
trias de bens de consumo não duráveis migram do Centro-Sul, muito sob influência do PND-II.
Algumas indústrias de bens intermediários também estão ali representadas, com destaque para o
polo de minério de alumínio do Maranhão; produção de fertilizantes químicos em Sergipe; salinas
em Alagoas; e produção petroquímica, de celulose e papel na Bahia e no Maranhão.
Por fim, a região da fronteira biotecnológica, com influência direta do bioma amazôni-
co e com uma das maiores biodiversidades conhecidas no mundo, abrange os estados do Acre,
Amazonas, Rondônia, Pará, Amapá e uma porção significativa do Maranhão. Essa biodiversidade
faz dela uma fronteira de biotecnologia, principalmente pelo uso medicinal de extratos vegetais,
e corresponde a atividades agrícolas, minerais e energéticas, com grandes empreendimentos hi-
drelétricos nos últimos anos, como as usinas de Belo Monte (Pará), Jirau e Santo Antônio (ambas
em Rondônia).
Conclusão
Verificamos neste capítulo que, embora as regionalizações sejam visualmente muito simila-
res, cada uma pode representar aspectos da totalidade, isto é, mostrar diferentes abordagens da rea-
lidade. Além disso, pudemos comparar diferentes formas de regionalização mesmo pertencentes a
linhas gerais similares, como as versões de regionalização de Santos e Moreira. Embora vinculados
à geografia crítica, ambos utilizaram distintos aspectos regionalizantes em suas análises.
Por fim, diante das mudanças teóricas, há também uma mudança na própria organização
socioespacial que aponta para a necessidade de novas regionalizações, como é possível verificar as
propostas por Corrêa e Moreira.
2 De maneira geral, bens de consumo são aqueles utilizados por nós. Eles podem ser divididos em bens duráveis, semi-
duráveis e não duráveis. Os bens não duráveis são aqueles em que o consumo é praticamente imediato, como alimentos.
Já os bens semiduráveis são aqueles que permitem sua utilização diversas vezes, porém desgastam-se ao longo do
tempo, como calçados e roupas. Por fim, os bens duráveis podem ser utilizados por longos períodos, como é o caso de
automóveis e eletrodomésticos, televisores e lavadoras.
Divisão regional do Brasil 91
[...]
Nesse período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais,
já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já sur-
gem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a
informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos
progressos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo,
a que estamos chamando de meio técnico-científico-informacional.
[...]
Podemos então falar de uma cientificização e de uma tecnicização da paisagem. Por outro
lado, a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam
o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor
fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua
circulação. Pode-se falar, com S. Gertel (1993), de inevitabilidade do “nexo informacional”.
Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da
economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mun-
diais. O meio técnico-científico-informacional é a aparência geográfica da globalização.
[...]
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (1996).
4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
Atividades
1. Compare as principais propostas de regionalização aqui apresentadas, ressalte seus critérios
de regionalização e teorias.
3. Quais relações a regionalização de Ruy Moreira pode apresentar com as políticas de plane-
jamento regional?
GEIGER, P. P. Organização regional do Brasil. Revista Geográfica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 61, 1964,
p. 25-57. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/40991791?seq=1#page_scan_tab_contents>.
Acesso em: 15 jan. 2018.
MOREIRA, R. A formação espacial brasileira: contribuição crítica aos fundamentos espaciais da geografia do
Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2004.
LIMONAD, E.; HAESBAERT, R.; MOREIRA, R. (Org.). Brasil, século XXI: por uma nova regionalização?
Agentes, processos e escalas. São Paulo: Max Limonad, 2004.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Geociências, 2017. Disponível em: <https://downloads.
ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
7
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Trabalhar com o conceito de região é, antes de tudo, trabalhar com a questão da escala em
geografia. Quando o escolhemos para analisar o espaço geográfico, diferenciamos uma área desse
espaço, na qual buscamos ressaltar aspectos relacionados aos sistemas de objetos e/ou de ações
que o tornem parte do todo e sejam capazes de mostrar as especificidades da totalidade. Como
já vimos, a regionalização oficial do IBGE em grandes regiões tem como principal função a dis-
seminação de dados estatísticos e geográficos de maneira didática, seja para o ensino, seja para o
planejamento.
Entretanto, se afirmamos que trabalhar com região é trabalhar com escala, o que devemos
considerar acerca da resolução dos dados quando analisamos as grandes regiões?
Acreditamos que é fundamental sempre ter em mente que o espaço geográfico dificilmente
pode ser considerado homogêneo. Em municípios, bairros e até mesmo em uma quadra podemos
encontrar disparidades econômicas, sociais e ambientais. Desse modo, devemos considerar que em
uma análise regional esses dados encobrem essas disparidades. Na Tabela 1, apresentamos dados
territoriais, relacionados à população, densidade populacional (o valor médio de habitantes por
km²), renda média mensal por pessoa e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), importante
ferramenta criada para estabelecer parâmetros socioeconômicos. No IDH, quanto mais próximo
de 1, maior é o desenvolvimento da área.
Tabela 1 – Informações de área territorial, população, densidade demográfica, rendimento médio e IDH
das grandes regiões
Nesta tabela, verificamos que, apesar das inúmeras tentativas de planejamento regional, índi-
ces como esses ainda refletem desigualdades regionais semelhantes às constatadas nos primeiros es-
tudos do IBGE. Vale dizer que eles serviram também para a criação das políticas de desenvolvimento.
A Região Norte permanece com a menor densidade demográfica, porém, o que antes poderia ser
analisado como um aspecto negativo – os vazios demográficos dessa região –, hoje pode ser com-
preendido de maneira diferente.
Uma região com uma biodiversidade tão rica como o bioma amazônico precisaria ser ocu-
pada pelo modo de produção do espaço urbano utilizado em outras regiões? Essa baixa densidade
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 95
reflete a realidade de toda a região? Nós veremos que não. A região metropolitana de Belém (Pará),
por exemplo, apresenta uma das maiores populações, com mais de 2 milhões de habitantes. Já a
cidade Altamira, também no Pará, possui uma das menores densidades demográficas do país, com
apenas 0,62 habitantes por quilômetro quadrado (IBGE, 2017a). Agora, analisaremos cada região
e contextualizaremos seus dados.
O Nordeste brasileiro – primeira região a ser povoada pelos imigrantes europeus a partir
do ano de 1500 – sempre esteve no ponto focal das políticas de desenvolvimento, planejamento
regional e levantamento de dados geográficos.
Descrita em grandes obras literárias, como Os sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), a re-
gião foi marcada historicamente pela ocupação de portugueses, franceses e holandeses e a resistência
da população diante das adversidades do clima semiárido e das políticas de coronelismo. O bioma da
caatinga – também conhecido como polígono da seca – marca a região. Com baixos índices pluvio-
métricos, plantas xerófitas e solos salinos, sua base natural sempre foi considerada a causa do baixo Plantas xerófitas:
são aquelas adapta-
desenvolvimento econômico da região. das a viverem em
climas semiáridos
Figura 1 – Região da caatinga brasileira, caracterizada pelo clima semiárido e plantas xerófitas e desérticos (por
exemplo, cactos).
Heckepics/iStockphoto
Rendimento
População Densidade
Área territorial mensal per IDH 2010
censo 2010 demográfica 2010
Estado capita 2016
No No hab./ No Em No No
km² hab. Valor
país país km² país R$ país país
Alagoas 27.848,14 25º 3.120.494 17º 112,33 4º 662 26º 0,631 27º
Ceará 148.887,63 17º 8.452.381 8º 56,76 11º 751 22º 0,682 16º
Maranhão 331.936,95 8º 6.574.789 10º 19,81 16º 575 27º 0,639 26º
Paraíba 56.468,44 21º 3.766.528 13º 66,7 8º 790 19º 0,658 21º
Piauí 251.611,93 11º 3.118.360 18º 12,4 18º 747 23º 0,646 24º
Rio Grande
52.811,11 22º 3.168.027 16º 59,99 10º 919 13º 0,684 16º
do Norte
Sergipe 21.918,44 26º 2.068.017 22º 94,36 5º 878 16º 0,665 18º
Já a Região Norte – caracterizada pela presença do bioma amazônico – sempre foi com-
preendida por seu vazio demográfico e seu alto potencial extrativista de natureza intocada. De
fato, se olharmos de maneira positivista seus dados de densidade demográfica, concluiremos que
a região é pouco habitada.
Todavia, ao tentarmos compreender como sua população está distribuída e vermos a organiza-
ção dos centros urbanos, percebemos que há uma grande concentração populacional em alguns desses
centros, como acontece com Belém, o maior centro urbano regional, cuja região metropolitana tem
mais de 2 milhões de habitantes.
Tabela 3 – Dados das unidades federativas da Região Norte
Densidade Rendimento
População
Área territorial demográfica mensal per IDH 2010
censo 2010
Estado 2010 capita 2016
No No hab./ No Em No No
km² hab. Valor
país país km² país R$ país país
Acre 164.123,74 16º 733.559 25º 4,47 24º 761 21º 0,663 21º
Amapá 142.828,52 18º 669.526 26º 4,69 23º 881 15º 0,708 12º
Amazonas 1.559.146,88 1º 3.483.985 15º 2,23 26º 739 24º 0,674 18º
(Continua)
As regiões brasileiras: caracterização e reflexões 97
Densidade Rendimento
População
Área territorial demográfica mensal per IDH 2010
censo 2010
Estado 2010 capita 2016
No No hab./ No Em No No
km² hab. Valor
país país km² país R$ país país
Rondônia 237.765,29 13º 1.562.409 23º 6,58 20º 901 14º 0,69 15º
Roraima 224.300,81 14º 450.479 27º 2,01 27º 1.068 12º 0,707 13º
Tocantins 277.720,41 10º 1.383.445 24º 4,98 22º 863 18º 0,699 14º
Filipefrazao/iStockphoto
Estudos arqueológicos também mostram que essa visão ingênua – de grande mata intacta e
pouco habitada – se aproxima mais de uma visão política regional do que de dados efetivos. Neves
(2006) apresenta inúmeros indícios que levam a entender a região amazônica como uma grande
floresta de influência antrópica, com plantas domesticadas, manejo florestal e criação de solos mais
férteis com a formação de terra preta de índio. Há ainda estudos que evidenciam o grande número
de habitantes indígenas que ali viviam antes do contato com os brancos.
Essa região é também fortemente influenciada pelas diferentes populações e culturas indíge-
nas que ainda resistem em terras institucionalizadas pelo governo, em áreas urbanas e ribeirinhas.
De acordo com o último Censo (IBGE, 2010), a população indígena no país está presente em pelo
menos 80% dos municípios; na Região Norte esse número chega a 90%. Apesar de as questões
relacionadas às baixas densidades populacionais da Região Norte, foi a Região Nordeste que teve
seu processo de povoamento mais tardio. Foi apenas no século XX que sua ocupação se deu de
maneira intensiva.
98 Geografia Regional do Brasil
Distribuição percentual da população residente, por Grandes Regiões de residência atual (%)
Norte 82,2 84,9 0,4 0,4 0,3 0,3 0,1 0,2 2,2 2,8
Nordeste 10,4 8,9 97,3 97,3 9,3 8,9 1,0 1,1 12,3 12,3
Sudeste 3,2 2,6 1,8 1,9 87,3 87,9 4,1 3,8 10,8 9,0
Sul 1,9 1,5 0,2 0,1 1,9 1,8 94,1 93,7 5,5 4,6
Centro-Oeste 2,2 1,9 0,3 0,2 0,6 0,6 0,3 0,5 68,9 70,8
País estrangeiro 0,2 0,2 0,1 0,1 0,6 0,5 0,4 0,6 0,3 0,4
VelhoJunior/iStockphoto
Sua pequena área territorial, sua grande população – concentrada nas chamadas cidades-sa-
télites – e a concentração dos mais importantes cargos públicos brasileiros aparecem nas estatísti-
cas com pesos que distorcem a realidade regional. O rendimento per capita é o maior do país, com
um valor de 2. 351 reais (Tabela 5) e 36% maior que o segundo colocado (São Paulo). Esses dados
representam um dos maiores abismos sociais brasileiros, com a ocupação do plano-piloto1 por
populações de alto poder aquisitivo e grandes bolsões de pobreza nas áreas periféricas. Na análise
de dados estatísticos da Região Centro-Oeste, devemos sempre ponderar a presença do Distrito
Federal e suas especificidades.
Tabela 5 – Dados das unidades federativas da Região Centro-Oeste e do Distrito Federal
Densidade Rendimento
População
Área territorial demográfica mensal per IDH 2010
censo 2010
2010 capita 2016
Estado
No No No No No
km² hab. hab./km² Em R$ Valor
país país país país país
Mato Grosso 903.202,45 3º 3.035.122 19º 3,36 25º 1.139 11º 0,725 10º
Mato Grosso
357.145,53 6º 2.449.024 21º 6,86 19º 1.283 7º 0,729 9º
do Sul
Fonte: Elaborada pela autora com base em IBGE, 2017a.
Entre as cinco grandes regiões do IBGE, as três apresentadas nesta seção são as que apre-
sentam seus limites entre si mais suavizados pela organização espacial. O bioma amazônico ain-
da influencia parte do estado do Maranhão e seu limite com a Região Centro-Oeste está cada
vez mais difícil de ser delimitado em razão do avanço do desmatamento, da pecuária e do cultivo
de soja. Os processos de formação da população também estão intimamente interligados, com a
migração – estimulada por projetos de planejamento – de nordestinos para a região amazônica.
1 Projeto urbanístico elaborado por Lucio Costa (1902-1998) para a nova capital do Brasil.
100 Geografia Regional do Brasil
A mata de araucária, uma das características da Região Sul, ocorre também nas áreas altas
dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O pinhão é fonte de renda e tradição.
Mapa 2 – As regiões Sul e Sudeste são marcadas pela alta urbanização e elevado desenvolvimento eco-
nômico em âmbito nacional.
Sudeste
Sul
A Região Sudeste teve destaque no cenário político e econômico desde os primeiros anos do
Império – com a mudança da capital para a cidade do Rio de Janeiro – e, posteriormente, com a
política café com leite, que consistia no controle político entre os Estados de São Paulo e Minas
Gerais. A ocupação histórica antiga, com forte influência da família real, dos tropeiros, da minera-
ção, da escravidão e da migração europeia do século XIX, marcou não apenas a organização do
desenho urbano, mas também a economia e as expressões culturais dessa região.
O Estado de Minas Gerais apresenta uma das áreas com maior potencial minerador, seja no
quadrilátero ferrífero ou em garimpos de pedras preciosas. Esse potencial impulsionou e ainda im-
pulsiona a economia do Estado, no entanto, traz como consequência graves problemas ambientais,
como a poluição de rios, que atravessa outros estados.
A Região Sudeste ainda com-
porta os maiores índices econômicos Figura 4 – Exploração de minas no estado de Minas Gerais ValterCunha/iStockphoto
Densidade Rendimento
População IDH
Área territorial demográfica mensal per
censo 2010 2010
Estado 2010 capita 2016
No No No Em No No
km² hab. hab./km² Valor
país país país R$ país país
Rio Grande
281.737,89 9º 10.693.929 5º 37,96 13º 1.554 3º 0,746 6º
do Sul
Já a Região Sul teve sua industrialização impulsionada pela migração de europeus. Com
indústrias voltadas à agroindústria, metalmecânica e tecelagem, conta com três importantes portos
marítimos: Rio Grande (Rio Grande do Sul), Itajaí (Santa Catarina) e Paranaguá (Paraná). Muitas
localidades ainda estão vinculadas à cultura europeia. Assim, são comuns festas com comidas e
danças típicas dos países de origem. A Região Sul tem o melhor IDH do país (Tabela 6).
Assim, entre os aspectos que a fazem uma das regiões com os maiores índices de qualidade
de vida está a expectativa de vida, com uma idade média de 77,10 anos. Esse é um número alto
comparado ao Nordeste, por exemplo, que possui uma expectativa de 73,05 anos (IBGE, 2017a).
Além disso, o Sul tem uma das mais baixas taxas de analfabetismo em relação ao restante do país.
Figura 5 – Taxa de analfabetismo no Brasil. A Região Sul apresenta um dos menores índices.
20
15
10
0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
2004 2015
Poderíamos concluir o nosso mosaico regional brasileiro aqui, pois já sabemos da baixa
densidade demográfica da Região Norte, do baixo rendimento médio da população nordestina, do
elevado rendimento do Distrito Federal no Centro-Oeste, do grande contingente populacional do
Sudeste e do alto IDH da Região Sul. Todas essas informações são verdadeiras, mas em si repre-
sentam a totalidade de cada região? Inventários estatísticos desse tipo responderiam às principais
problemáticas geográficas? Vamos refletir sobre isso.
Figura 6 – Rendimento médio do trabalho de 16 anos ou mais de idade, trabalhos formais e informais,
por sexo (2015).
A distinção entre os espaços urbanos e rurais também é gritante quando analisamos índices
de desenvolvimento humano. Algumas diferenças, como acesso à rede de água tratada e esgoto, são
relacionadas a especificidades da organização do espaço – a presença desse tipo de serviço serve
inclusive para diferenciar um espaço do outro.
A existência de banheiros para uso dos moradores nessas duas formações de organização do
espaço é extremamente desigual. Na Figura 7 observamos uma importante mudança nos últimos
anos, especialmente na Região Nordeste. O percentual da população rural que teve acesso à cons-
trução de um banheiro na residência mais que dobrou, porém ainda se limita a 80% da população.
O acesso a tratamento de esgoto é essencial para a melhoria da qualidade de vida da população e
está diretamente relacionado aos estudos de geografia da saúde.
Figura 7 – Proporção de domicílios com esgotamento por rede coletora de esgoto ou pluvial (2004-2015)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Figura 8 – Proporção de domicílios com banheiro ou sanitário de uso exclusivo dos moradores por espa-
ço rural e urbano
100
80
60
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Se é possível identificar nas estatísticas dos censos diferenças de organização espacial (como
urbano/rural), pode-se verificar também questões raciais. Essas informações mostram uma socie-
dade que discrimina/marginaliza espacial e socialmente grande parte da população. Dar visibilida-
de a esses fatores e demonstrar como muitas vezes o acesso a direitos básicos são negligenciados é
uma forma de tornar os estudos geográficos mais relevantes do ponto de vista social da pesquisa.
Na Figura 9, verificamos que questões raciais estão expressas no acesso a itens básicos, como água,
tratamento de esgoto e banheiro nas residências.
Figura 9 – Proporção de domicílios com banheiro ou sanitário de uso exclusivo dos moradores por auto-
declaração de cor ou raça (2004-2015)
100
80
60
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Conclusão
A produção de dados regionais – mesmo que ainda na forma estanque de monografias re-
gionais – é uma importante etapa do desenvolvimento de estudos regionais, e não de seu produto
final. Compreender a realidade se faz necessário e, para tal, a coleta de dados, a estatística, o ma-
peamento temático, os trabalhos de campo e a apropriação do espaço pelo geógrafo são essenciais.
É nesse ponto que a geografia regional passa de uma ciência descritiva (ou teórica) para uma prá-
tica efetiva, de reflexão e potencial para a modificação da realidade.
Isso pode ocorrer por meio do planejamento regional e do ordenamento territorial, (como
vimos no Capítulo 2) pela conscientização da população para as disparidades espaciais/sociais/eco-
nômicas e também por meio da verificação das consequências da construção do espaço geográfico
para o ambiente e para a sociedade.
[...]
No que diz respeito às limitações relacionadas com análises temporais, o ideal seria trabalhar
com unidades de disseminação que não se alterassem ao longo do tempo, e para isso elas
teriam de ser independentes das unidades de coleta e também das unidades político-admi-
nistrativas. No caso dos problemas ocasionados pela heterogeneidade de forma e extensão
das unidades, a solução seria utilizar unidades com forma regular e de mesmo tamanho. Já no
caso das dificuldades relacionadas com a adequação a recortes espaciais diversos, uma possí-
vel solução seria a utilização de unidades de pequenas dimensões, de modo que a agregação
destas pudesse se aproximar do recorte desejado. Essa solução também seria a mais adequada
para minimizar as questões relacionadas com a agregação de dados (MAUP e falácia ecoló-
gica), uma vez que unidades pequenas tendem a ser mais homogêneas internamente do que
unidades de maior extensão.
Essas sugestões levam a concluir que para resolver ou minimizar os problemas apresentados
anteriormente seria conveniente o uso de unidades geográficas pequenas e regulares, em vez
de unidades político-administrativas e de coleta. Para tornar a solução ainda mais vantajosa,
poderiam ser adotados vários conjuntos de unidades com dimensões diferentes, dispostas
de forma hierárquica, formando uma “família” de unidades espaciais [...]. Essa solução já é
conhecida e utilizada há algum tempo, sendo denominada Grade Estatística – grade, devido a
sua forma regular, e estatística, devido aos dados relacionados a cada célula.
[...]
106 Geografia Regional do Brasil
Atividades
1. A migração da população nordestina para a Região Sudeste é alvo da produção científica e da
mídia. Mas, atualmente, percebemos que essa região já não é o principal destino para migra-
ção, ela foi substituída pela Região Centro-Oeste. Nesse sentido, discorra acerca dos aspectos
demográficos dessa região.
2. A Região Norte é conhecida pela baixa densidade demográfica. Interprete essa afirmação e a
relacione com as discussões apresentadas neste capítulo.
Referências
ATLAS da Mata Atlântica mostra que 598 cidades desmataram o bioma no último ano. SOS Mata Atlântica.
Iguape, 13 dez. 2017. Disponível em: <https://www.sosma.org.br/106845/atlas-da-mata-atlantica-mostra-
-que-598-cidades-desmataram-o-bioma-ultimo-ano/>. Acesso em: 21 dez. 2017.
______. Censo 2010. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 21 dez. 2017a.
______. Uma análise das condições de vida da população brasileira 2016. Disponível em: <https://ww2.ibge.
gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2016/default_
tab_xls.shtm>. Acesso em: 21 dez. 2017e.
Chegamos ao final de nossa obra sobre a geografia regional do Brasil. Nós já discutimos a
história do pensamento geográfico sobre o conceito de região e os diferentes enfoques dados ao
planejamento urbano e o ordenamento territorial, também observamos que no Brasil essa temática
é predominantemente abordada pela interface territorial e apropriada pela geografia humana.
Neste último capítulo, vamos discutir um outro emprego do conceito de região – pre-
sente na geografia cultural – e construiremos uma síntese da geografia regional brasileira. Esse
exercício não pretende findar a discussão, pelo contrário, objetiva instigar cada futuro geógrafo
a pensar e ressignificar esse conceito na contemporaneidade.
no espaço. Na análise regional, podemos aproximar a ideia de que os grupos sociais materializam
sua identidade no espaço pela modificação da paisagem.
Nesse sentido, a região volta a ser considerada como um produto real, concreto, que existe a
priori, e não sob a determinação metodológica de um pesquisador. A diferenciação se dá pela apro-
priação e a experiência vivenciada pelos grupos sociais, e é ao mesmo tempo fim e meio da regiona-
lização, em que o processo de apropriação também a modifica como produto do real (BEZZI, 2008).
Essa modificação de elementos históricos da paisagem, culturalmente construídos e transformados
pelo mesmo grupo social que a produziu ou por novos grupos, é chamada por Santos (1992b) de
rugosidades da paisagem e representa palimpsestos1 do processo de formação socioespacial.
Na regionalização cultural, a subjetividade tende a tornar os limites da região mais fluidos e
com baixa correlação quanto aos limites político-administrativos. A materialidade da região cultu-
ral perpassa a ideia de manifestação simbólica e seu limite se dá pela presença ou não de apropria-
ção. Sob essa perspectiva, um grupo (e consequentemente uma região) se diferencia e se define por
exclusão e contraste em relação a outro. De acordo com Claval, “nós não temos outra possibilidade
de dizer nós a não ser pelo fato de formarmos uma coletividade que se opõe a massa dos outros”
(CLAVAL, 1999, p. 98).
Entretanto, se analisarmos que há aspectos hegemônicos que também atuam por meio
das manifestações culturais, podemos retornar ao enfoque territorial, mesmo sob uma óptica da
região cultural. A cultura, como forma de apropriação do espaço, estabelece relações de poder
quanto a outras manifestações que às vezes são negligenciadas e/ou impedidas de se expressar
espacialmente. Sob essa visão territorial da região cultural, Castro (1992, p. 33) destaca: “como
qualquer segmento do espaço, a região é dinâmica, historicamente construída e interage com o
todo social e territorial”.
Figura 1 – Breakdance, estilo de dança praticado por jovens pertencentes ao movimento hip-hop. A apropria-
ção de espaços públicos para representações culturais é uma forma de territorialização desse espaço
U.S. Embassy Tel Aviv/Wikimedia Commons
1 De origem grega, o termo palimpsesto é utilizado para designar a sobreposição temporal de acontecimentos. Na An-
tiguidade, significava o processo de apagar um papiro para que outro texto fosse escrito, ou a sobreposição de textos
sobre um papiro. Na geografia, ele é utilizado na compreensão de objetos e ações que se sobrepõem temporalmente na
paisagem. Santos faz menção desse termo em algumas obras, entre elas no artigo “O tempo nas cidades”, disponível
na revista Estudos sobre o Tempo: <http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n2/14803.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2018.
A questão regional para além da regionalização 111
Para Castro (1992), as relações culturais com o espaço ocorrem sob duas escalas de mani-
festação: o indivíduo e a coletividade. No indivíduo, as relações são primárias e estão intimamente
relacionadas às vivências e especificidades psicossociais desse sujeito. É nessa concepção que surge
o conceito de topofilia. Já na coletividade, o espaço de vivência se dá de maneira mais ampla e es- Topofilia: criada por
Tuan (1980), essa
truturada, por meio das relações sociais. É aqui que surge o conceito de região. concepção busca
compreender, por
Com o retorno dos aspectos territoriais, questões relacionadas com o processo de globali- meio da geografia
cultural, o sentimen-
zação e de mundialização da cultura surgem ao debate da região cultural (OLIVEN, 1992). Como to de pertencimento
vimos, a região pode ser entendida como a escala de interação local/global. Nessa relação, os as- do indivíduo pelo es-
paço. Depois, o autor
pectos culturais passam por processos de construção, ressignificação e reafirmação das identidades trabalha o conceito
oposto, chamado de
e de suas espacialidades. Assim, ela se torna ao mesmo tempo material e simbólica. topofobia, que é a
aversão por determi-
Para Claval (1999, p. 50), “o espaço surge como uma dimensão subjetiva, como uma dobra nados espaços.
do sujeito, como produto da subjetivação de sensações, de imagens e de textos por inúmeros sujei-
tos dispersos no social”. Desse modo, entendemos que não cabe ao discurso regional se sobrepor às
individualidades, mas sim integrar essa individualidade para formar a região.
Campanha
Meridional
URUGUAI
ESCALA
0 90 180 km
Conhecida como a região das Colônias, a escarpa da Serra Gaúcha – limite do planalto me-
ridional com forte declive – tem sua cultura influenciada pelos processos de imigração de alemães
e italianos ainda durante o Império brasileiro. As obras retratavam a chegada dos imigrantes euro-
peus e sua permanência, entre as quais, destacam-se A ferro e fogo, de Josué Guimarães (1921-
1986), sobre a imigração alemã; e A cocacha e o quatrilho, de José Clemente Pozenato (1938-), sobre
a imigração italiana.
Entre as temáticas destacavam-se a decadência das pequenas propriedades rurais e a falta de
perspectivas dos jovens no campo, como vemos na obra O pêndulo do relógio, de Charles Kiefer
(1958-). Essa influência ocorreu também em aspectos além da literatura, como é o caso das constru-
ções em estilo enxaimel (Figura 2), trazidas pelos imigrantes alemães.
Outra região fortemente
Figura 2 – Construção em estilo alemão. Blumenau, Santa Catarina
influenciada pela migração eu- SandroSalomon/iStockphoto
industrial da região. Entre as obras literárias, destaca-se No tempo das tangerinas, da escritora Urda
Alice Klueger (1952-).
Por fim, a obra Terra vermelha, de Domingos Pellegrini (1949-), foi um marco ao retratar o
norte do Paraná. Como o nome da obra traduz, essa região é marcada pela presença da chamada
terra roxa, solo extremamente fértil que impulsionou a agricultura em uma região de ocupação
recente e de pluralidade étnica, formada especialmente por migrantes do estado de São Paulo e por
imigrantes orientais.
Os Sertões do Leste são subdivididos em regiões do Vale do Paraíba (São Paulo e Rio de
Janeiro), Zona da Mata Mineira, Vale do Rio Doce (ambos em Minas Gerais), Sertões do Ouro e
Sertões dos Currais. O termo sertões destoa da tradicional utilização para áreas interioranas, longes
do litoral e com clima e vegetação relacionados à seca. As regiões do Vale do Paraíba, da Zona da
Mata Mineira e do Vale do Rio Doce, a Serra do Mar e a ocupação do Planalto Atlântico foram um
marco cultural retratado na literatura. A Serra do Mar é representada em obras como A muralha,
de Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), e O guarani, de José de Alencar (1829-1877).
Figura 3 – A paisagem da Serra do Mar – retratada na obra A muralha – dificultou a ocupação no
Planalto Atlântico.
de Herberto Sales (1917-1999). No Nordeste brasileiro ainda são diferenciados os sertões do Cariri
Cearense (Ceará), do Cariri Paraibano (Paraíba) e o Sertão do Pajeú (Pernambuco).
O cordel é uma importante expressão cultural do Nordeste brasileiro, com narrativas rit-
madas, contos e poemas. A produção literária do Cariri Cearense é extremamente rica. A seca,
as lendas, as rendeiras e sobretudo as histórias sobre o cangaço estão presentes nessas obras, com
destaque para Caldeirão, de Claudio Aguiar (1944-). Um dos mais importantes autores brasileiros,
Ariano Suassuna (1927-2014) representou em suas obras a cultura do sertão do Cariri Paraibano e o
Sertão do Pajeú, especialmente em Romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta.
Figura 4 – O cordel é uma expressão literária típica do Nordeste brasileiro e traz as expressões culturais
do sertão do Cariri Cearense.
Além de ressaltar aspectos da cultura regional, essas obras permitem delimitar regiões de
representação cultural. O ensino de Geografia, em parceria com outras disciplinas, por meio dessas
obras, pode fomentar o hábito da leitura, bem como a percepção das representações culturais na
produção do espaço e da sociedade.
Geografia
física
Geografia
cultural
Regionalizar é delimitar uma base territorial por critérios que respondam uma problemá-
tica. A região retorna em parte ao sentido de produto real no que tange à sua materialidade, no
entanto, o que devemos sempre esclarecer é que essa materialidade é socialmente construída e
altamente modificável.
Assim, essa é uma concepção que dialoga com os demais conceitos de maneira mais fluida.
Região e território são conceitos irmãos, tanto pela base territorial da região, das relações de poder
dentro dos limites regionais, quanto pelo papel do Estado na delimitação e modificação dos siste-
mas de objetos e ações que ocasionaram tais regionalizações. O conceito de espaço geográfico – cuja
definição usamos a de Santos – representa o todo do qual a região busca não fragmentar, mas sim
agrupar totalidades que representem esse todo.
116 Geografia Regional do Brasil
A natureza, nesse caso, relacionada à base física, faz parte dos sistemas de objetos em uma
primeira análise e auxilia na delimitação das regiões. Além disso, ela dá os fundamentos para o
desenvolvimento de outras relações socioespaciais. O lugar é um importante elemento de apropria-
ção cultural da região e, quando analisado no contexto da globalização, representa claramente as
relações local/global, que, apesar de expressas nos demais conceitos, adquirem outra dimensão nas
relações culturais dos grupos sociais.
Então a região é a saída para a dicotomia da geografia? Ou ela entende as necessidades teóri-
cas e metodológicas da dicotomia e se apropria dos diferentes conhecimentos para criar um conhe-
cimento mais próximo da totalidade do espaço geográfico? Na ciência, principalmente ocidental,
recortes teóricos e metodológicos são necessários. Nesse sentido, a dicotomia entre geografia física
e humana se torna inerente ao processo de produção de conhecimento geográfico. Não ressalta-
mos que essa diferença deve ser cada vez mais reafirmada, mas destacamos que cada problemática
de pesquisa tem suas especificidades e limitações. Em determinadas escalas, a região mostra uma
importante análise geográfica.
Conclusão
Mais do que concluir, objetivamos aqui iniciar uma discussão reflexiva sobre a geografia re-
gional no Brasil e sobre o conceito de região na geografia. Das mudanças epistemológicas às apro-
priações conceituais e experimentais pela ciência e pela sociedade, cabe ao geógrafo intermediar
os processos de interpretação e reflexão, seja na docência ou na elaboração de materiais didáticos
e científicos. Compreender que as configurações e as reconfigurações espaciais e sociais são ine-
rentes à questão regional facilitará o entendimento das temáticas regionais e permitirá uma maior
aproximação da totalidade do espaço geográfico.
[...]
Não é pelo fato de não termos uma forte consciência ou identidade regional que a região, obriga-
toriamente, deixará de existir, pois ela pode estar sustentada pelos laços funcionais de um arranjo
socioeconômico que lhe dota de especificidade dentro das dinâmicas de diferenciação geográfica
em sentido mais amplo. A especificidade dessa articulação (ou “combinação”) de elementos pode
ou não articular-se a uma coesão também ao nível simbólico-cultural, identitário.
Propomos manter o termo região, em sentido mais estrito, para esses espaços momento que
resultam efetivamente em uma articulação espacial consistente (ainda que mutável e “porosa”),
A questão regional para além da regionalização 117
Atividades
1. Acesse o Atlas de representações literárias2 do IBGE e faça um texto crítico e descritivo sobre
uma das regiões apresentadas. Além disso, proponha de maneira didática a utilização desse
conhecimento para os anos finais do Ensino Fundamental.
2. Observe o mapa a seguir e reflita sobre as regionalizações literárias oficiais do IBGE. Faça
também uma resenha crítica sobre essa regionalização e a utilização do conceito de região na
geografia cultural.
Sertão de Goiás
Projeção – O tronco, Ermos e Gerais e A terra e as carabinas,
Policônica
Meridiano de Referência: -54º W. Gr
Bernardo
ParaleloElis.
de Referência: 0 º
3. Conceitue rugosidade na obra de Milton Santos e a relacione com a apropriação do espaço pela
cultura.
Referências
BEZZI, M. L. Região como foco de identidade cultural. Geografia, v. 27, n. 1, p. 5-19, 2008.
BRUM NETO, H.; BEZZI, M. L. A região cultural como categoria de análise da materialização da cultura no
espaço gaúcho. RA’EGA: O espaço geográfico em análise, Curitiba, v. 13, n. 17, p. 17-30, 2009. Disponível em:
<http://revistas.ufpr.br/raega/article/view/11862/10662>. Acesso em: 27 dez. 2017.
CASTRO, I. E. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas das representações literárias de regiões brasileiras.
Rio de Janeiro: IBGE, 2006. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/pt/biblioteca-catalogo?view=de-
talhes&id=232425>. Acesso em: 27 dez. 2017.
SAUER, C.O. A morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e
cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.
SANTOS, M. Espaço e Método. 3. ed. São Paulo: Livros Studio Nobel, 1992.
TISSIER, J. Géographie et Litterature. In: BAILLY. A.; FERRAS, R.; PUMAIN. D. Encyclopédie de Géographie.
Paris: Economica, 1991.
TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.
Gabarito
1 O conceito de região
1. É interessante ter claro os aspectos a seguir quando ler ou ouvir sobre os autores aqui
elencados. Sintetizamos as principais ideias desses autores de maneira esquematizada,
no entanto, é importante escrever um texto-síntese com suas palavras.
a) Paul Vidal de La Blache: principal autor da escola francesa na geografia. Suas ideias
tiveram forte influência na geografia brasileira, especialmente no início do século
XX. O autor considerava a região natural como produto da geografia.
b) Richard Hartshorne: teórico da escola americana, representante da revolução teoré-
tica quantitativa na geografia. Para o autor, a região é um produto-síntese.
c) Roberto Lobato Corrêa: importante geógrafo brasileiro, têm várias obras e artigos a
respeito do conceito de região.
d) Milton Santos: um dos grandes autores da geografia, especialmente da geografia hu-
mana. Foi o representante da geografia crítica no Brasil e é referência nos estudos
relacionados à territorialidade, globalização e ao espaço geográfico.
e) Armand Frémont: representante da geografia humanística e cultural. Trabalha com
a perspectiva da fenomenologia e compreende a região por meio da vivência e do
pertencimento.
f) Yves Lacoste: representante da geografia do poder, sua obra A geografia: isso serve,
em primeiro lugar, para fazer a guerra é considerada um clássico.
2. Você deve refletir sobre os movimentos que tanto na ciência quanto na geografia modi-
ficaram as concepções acerca do conceito de região. Como exemplos citamos o possibi-
lismo e a região natural. Além disso, podemos citar a revolução teorética quantitativa e
sua influência na geografia, e as concepções de região homogênea e funcional. O método
histórico-dialético influenciou a geografia crítica. Já a fenomenologia norteou a geogra-
fia humanística. Por fim, a globalização e as relações de poder foram agentes modifica-
dores dos fenômenos espaciais.
2 Planejamento regional
1. Com o estereótipo de “região-problema”, a Região Nordeste apresenta especificidades rela-
cionadas ao seu clima semiárido, caracterizado por grandes estiagens, salinidade dos solos
e águas subterrâneas. Além disso, essa região dispõe de aspectos culturais únicos e um his-
tórico de conflitos de terra. Por esses motivos, foi alvo de políticas federais desde o início
da República – o IOCS é um dos primeiros exemplos. A sobreposição de superintendências
(como Sudene e Codevasf), os problemas relacionados à política local, corrupção e impasses
ambientais relacionados a muitas obras ocasionaram uma má eficiência desses planos de
reordenamento regional. Um exemplo são as obras de transposição do Rio São Francisco,
que foram justificadas como obras-motriz para o desenvolvimento dessa região, mas tive-
ram grandes impasses ambientais, sociais e econômicos, fato que levanta questionamentos
até os dias atuais.
2. Os eventos são a influência das ideias de Roosevelt sobre o Estado intervencionista no go-
verno Getulio Vargas; a criação do IBGE; a criação das superintendências regionais; o Golpe
Militar de 1964; a criação da Constituição Federal de 1988 (e suas ferramentas de partici-
pação popular e enfoque socioambiental); a política neoliberal dos governos de Fernando
Henrique Cardoso; e o neodesenvolvimentismo das últimas décadas após o governo de Luíz
Inácio Lula da Silva.
2. Os censos são levantamentos que, no Brasil, possuem a periodicidade de dez anos. Neles,
uma grande amostragem da população é entrevistada para a compilação de dados estatís-
ticos robustos sobre demografia e economia das famílias brasileiras e de suas residências.
124 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental
Esses dados podem ser utilizados por diferentes áreas da geografia, como geografia da po-
pulação, urbana, rural, de alimentos, cultural e ambiental. O censo é a forma mais eficiente
de obter dados em escalas pequenas.
3. Entre as principais características podemos citar o uso dos limites dos estados federativos, a
influência da região natural e do possibilismo, a importância dada à bacia hidrográfica e aos
aspectos do meio físico.
2. Podem ser abordados temas como o uso da região como escala de abordagem, as relações
de local/global juntamente com as especificidades do espaço e o uso do trabalho de campo.
Ao propor uma atividade, pense nos seguintes aspectos: onde você levaria a turma? Qual
objetivo estabeleceria? O que deveria ser observado? Haveria contato com a comunidade?
De que maneira?
3. Alexander von Humboldt foi um viajante alemão naturalista que identificou uma corrente
marítima que recebeu, em homenagem, seu nome. Foi ele que descreveu cientificamente pai-
sagens pela primeira vez, inclusive na América Latina. Fundador do que hoje conhecemos
como geografia física, trouxe para o campo em geografia não apenas a coleta de dados, mas
também a percepção da paisagem como construção e objeto do conhecimento geográfico.
4. Essa é a questão central dessa obra e sintetiza grande parte das discussões. Você deve ser ca-
paz de formular uma resposta que identifique as mudanças teórico-metodológicas. A visão
territorial da região, as relações com a organização socioespacial pelo sistema capitalista e a
mudança de enfoque (de produto final para um meio metodológico) devem ser levadas em
conta. É importante lembrar que, mesmo que se busque quebrar dicotomias constantemen-
te, ainda existe a produção de conhecimento dicotômico na geografia brasileira.
Gabarito 125
As regionalizações de Lobato Corrêa e Geiger, por exemplo, são muito similares, mas quais
são suas diferenças? O que diferencia cada regionalização? Milton Santos se aproxima des-
ses autores ou identifica-se mais com a regionalização de Ruy Moreira? Santos e Moreira,
embora vinculados à geografia crítica, ainda apresentam diferenças importantes, como a
sobreposição de regiões sob uma área do espaço. Considerações dessa natureza auxiliam a
fixar o conteúdo aqui apresentado e podem ser objeto de futuras avaliações em cursos ou em
processos seletivos.
4. Fortemente marcada pela presença do bioma amazônico, a Região Norte teve sua regio-
nalização vinculada à baixa densidade populacional e ao extrativismo vegetal e mineral.
O avanço da fronteira agrícola do Centro-Oeste em direção à Amazônia tem modificado
a configuração da ocupação regional – antes muito mais vinculada aos cursos fluviais – e
apresentado uma configuração linear (que confluía para a metrópole de Belém) e hoje é di-
recionada para as rodovias e o agronegócio do Centro-Oeste. A biopirataria e as fragilidades
das fronteiras são temas cada vez mais relevantes para uma região de grandes proporções
como essa. É importante também ressaltar o valor social e cultural, que por vezes foi não
apenas negligenciado, mas também menosprezado.
Região Sudeste, que apresenta alta densidade demográfica e grandes concentrações de pobreza
e marginalização da população. Utilize os dados apresentados na primeira parte do texto.
3. Para Milton Santos, rugosidades são elementos da paisagem que representam momentos
históricos passados e possuem uma reconfiguração em sua representação e forma, e agre-
gam uma nova valorização social, econômica e/ou cultural. Esses elementos atribuem
Gabarito 127
4. Com enfoque no ensino de Geografia, elabore um esquema teórico, mas que seja de simples
consulta para utilização futura. A geografia regional perpassa por vários anos da Educação
Básica, na caracterização regional brasileira, na compreensão de uma geopolítica regional
para a América Latina, no estudo de biomas ou mesmo nas representações culturais, como
vimos no capítulo. Procure relacionar esses temas com possíveis práticas pedagógicas.
GEOGRAFIA REGIONAL DO BRASIL
Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6392-5