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Geografia Cultural

e da Religião

Prof.a Débora Vanessa Régis Ferreira Sampaio


Prof. Jefferson Rodrigues de Oliveira

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Débora Vanessa Régis Ferreira Sampaio
a

Prof. Jefferson Rodrigues de Oliveira

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

S192g

Sampaio, Débora Vanessa Régis Ferreira

Geografia cultural e da religião. / Débora Vanessa Régis Ferreira


Sampaio; Jefferson Rodrigues de Oliveira. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.

250 p.; il.

ISBN 978-65-5663-234-6
ISBN Digital 978-65-5663-235-3

1. Fenômenos geográficos culturais. - Brasil. I. Oliveira, Jefferson


Rodrigues de. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 900

Impresso por:
Apresentação
Caros alunos, este livro reúne uma série de discussões textuais
referentes à compreensão da geografia cultural discutida amplamente nas
academias, principalmente após o processo de renovação, que fomentou os
debates mais recentes desse significativo subcampo da ciência geográfica.

As Unidades 1, 2 e 3 têm, como objetivo, proporcionar uma base


formativa sólida que auxilie a interpretar os fenômenos geográficos culturais
que ocorrem no espaço e, sobretudo, poder encontrar referências científicas
que possam amparar suas futuras pesquisas. Os assuntos discutidos
encontram-se tangenciados frente à conceituação e ao entendimento de
pensadores, desde os séculos passados ao contemporâneo, como geógrafos,
antropólogos e sociólogos.

Esses capítulos abordarão, especificamente, as diferentes


transformações na geografia, através de um breve histórico ou resgate da
história do pensamento geográfico. Desde as interpretações clássicas e seus
fundamentos da base inicial, buscaremos compreender as relações entre
cultura, espaço e algumas das diferentes dimensões de análise e estudo,
assim, poderemos verificar como a geografia e sua dimensão espacial estão
em toda parte.

Nessas circunstâncias, apresentamos a importância da cultura para


os estudos, como esta veio a ser percebida, analisada e incorporada aos
estudos culturais da geografia através das disciplinas Geografia Cultural e
Geografia da Religião.

Sugerimos, a você, enquanto graduando e futuro profissional da


geografia, aprofundar seus conhecimentos a partir desse estudo, envolvendo
leitura, reflexões e discussões sobre o campo da geografia cultural. Apesar
de estar sendo difundida no Brasil desde o começo da década de 1990,
ainda precisa ser explorada e amplamente estudada, tendo em vista seu
aspecto dinâmico, popular e diverso, mediante a heterogeneidade da cultura
brasileira.

Honrosamente, convidamos você para, a partir do material didático,


aprender e compreender um pouco mais sobre o subcampo que ultrapassou
a marca centenária. Essa jornada, baseada entre homem, espaço e cultura,
parece longa, mas ainda possui muito a ser desvendada, depende, inclusive,
de você, futuro geógrafo da geografia cultural. Desejamos bons estudos!

Prof.a Débora Vanessa Régis Ferreira Sampaio


Prof. Jefferson Rodrigues de Oliveira
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA
CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS, RETRAÇÕES E
DESENVOLVIMENTO............................................................................................. 1

TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO


DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA........................................................ 3
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 CULTURA: UMA PERCEPÇÃO DINÂMICA ............................................................................... 5
3 O INTERESSE DA GEOGRAFIA PELA CULTURA E A GEOGRAFICIDADE DA
GEOGRAFIA CULTURAL................................................................................................................ 14
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 22
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 24

TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA


GEOGRAFIA CULTURAL.......................................................................................... 27
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 27
2 GEOGRAFIA CULTURAL – FASE I - AS PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES: CULTURA
E GEOGRAFIA, O DESVENDAR A PARTIR DE UMA GEOGRAFIA ENRIJECIDA......... 29
3 OS ESTUDOS DE CARL SAUER E SUA IMPORTÂNCIA ...................................................... 31
4 GEOGRAFIA CULTURAL – FASE II – TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO
GEOGRÁFICO E O HIATO NOS ESTUDOS DA CULTURA.................................................. 39
5 GEOGRAFIA CULTURAL – FASE III – IMATERIALIDADE E RENOVAÇÃO................... 42
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 48
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 49

TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL


NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A ORIGEM,
“NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO.......................................................................... 51
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 51
2 GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UMA PRÉVIA DAS PRIMEIRAS INCURSÕES..... 52
3 GEOGRAFIA CULTURAL: UM CAMPO NEGLIGENCIADO NO BRASIL......................... 55
4 O FLORESCER DOS ESTUDOS CULTURAIS PÓS-1980.......................................................... 57
5 PRINCIPAIS DIFUSORES: A EXPANSÃO E O INTERESSE DA GEOGRAFIA
CULTURAL ......................................................................................................................................... 59
6 A PRODUÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL................................................... 61
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 63
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 69
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 70
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO
PARA A CONTEMPORANEIDADE..................................................................... 73

TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO


CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À INTERPRETAÇÃO DA
GEOGRAFIA CULTURAL.......................................................................................... 75
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 75
2 GEOGRAFIA: O CONHECIMENTO QUE ESTÁ EM TODA PARTE?................................... 76
2.1 NOTAS: DO NASCIMENTO DA GEOGRAFIA ESCOLAR A UMA GEOGRAFIA
UNIVERSITÁRIA . ........................................................................................................................ 87
3 ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DA GEOGRAFIA CULTURAL: UMA BREVE
COMPREENSÃO ............................................................................................................................... 93
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 98
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 100

TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA


GEOGRAFIA CULTURAL....................................................................................... 101
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 101
2 PAUL CLAVAL E OS ESTUDOS CULTURAIS.......................................................................... 102
3 FORMAS SIMBÓLICAS ESPACIAIS: BREVES APONTAMENTOS.................................... 105
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 124
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 125

TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO


DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO................................................... 127
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 127
2 PAISAGEM CULTURAL, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E IDENTIDADE:
COMPOSTOS NA GEOGRAFIA CULTURAL.......................................................................... 128
3 DIMENSÕES ESPACIAIS ATRAVÉS DA LITERATURA, MÚSICA POPULAR
E IMAGEM......................................................................................................................................... 143
4 INTRODUÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL EM SALA DE AULA................................. 146
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 156
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 159
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 160

UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA..................... 161

TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA......................... 163


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 163
2 DISCUSSÕES.................................................................................................................................... 167
3 RELIGIÃO E SUA ESPACIALIDADE: REPETIÇÃO DA HIEROFANIA INICIAL ........... 173
4 CATEGORIAS DE ANÁLISE: SAGRADO E PROFANO......................................................... 174
4.1 AS DIMENSÕES DE ANÁLISE................................................................................................. 176
5 HIERÓPOLIS OU CIDADES-SANTUÁRIO.............................................................................. 178
6 O ESTUDO GEOGRÁFICO DAS PEREGRINAÇÕES............................................................. 186
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 190
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 191
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 193
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS......... 195
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 195
2 A CIDADE: TRANSFORMAÇÕES E PROCESSOS.................................................................. 197
2.1 A HISTÓRIA DA CIDADE: AS VERSÕES E OS OLHARES................................................. 201
3 O SAGRADO E O URBANO: UMA INTRÍNSECA RELAÇÃO? .......................................... 204
4 O FOGO SAGRADO, O COLETIVO E AS PRIMEIRAS CIDADES .................................... 207
5 O SAGRADO E O URBANO: GÊNESE E FUNÇÃO DAS CIDADES................................... 210
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 213
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 215

TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E


HIPERMODERNIDADE........................................................................................... 217
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 217
2 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE RELIGIOSA ON-LINE: NOVAS ESTRATÉGIAS
DE DIFUSÃO A PARTIR DAS MÍDIAS..................................................................................... 221
3 TV, RÁDIO E INTERNET: O PODER DAS MÍDIAS NA DIFUSÃO DA FÉ....................... 225
4 A RELIGIÃO E AS NOVAS INTERFACES DO SAGRADO NAS ERAS 2.0 E 3.0:
AS PEREGRINAÇÕES ON-LINE.................................................................................................. 227
5 O SAGRADO E O PROFANO NA ERA HIPERMODERNA................................................... 230
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 233
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 235

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 237
UNIDADE 1 —

UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA


HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL,
CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar a relação da geografia com as ciências sociais, principalmente


com as áreas da antropologia e sociologia, a partir das nuanças e
atualizações do conceito de cultura, o qual fundamenta os estudos da
geografia cultural;
• compreender a geografia cultural enquanto subcampo da ciência geográfica,
dedicada ao estudo das relações do ser humano (fenômenos espaciais),
manifestações culturais, ou seja, das dimensões espaciais da cultura;
• discutir, a partir do estado da arte, o processo da gênese da geografia
cultural e o desenvolvimento da sua dinâmica de renovação;
• analisar a criação da geografia cultural no Brasil, suas influências,
interfaces e heterogeneidade do campo brasileiro.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO


ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA
TÓPICO 2 – UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE
DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL
TÓPICO 3 – A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA
CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO
ENTRE A ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO


ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

1 INTRODUÇÃO
Sejam bem-vindos! A partir de agora, vocês estão convidados a navegar
em um mar de conhecimento que, por muito tempo, foi negligenciado pela
comunidade acadêmica geográfica: a geografia cultural, um campo da geografia
humana que se firmou cientificamente e temporalmente. Supera mais de 100 anos
de história do pensamento geográfico, tendo, como focos, as análises baseadas
entre homem, espaço e cultura.

Neste tópico, são desenvolvidas, além da introdução, as temáticas “a


cultura: uma percepção dinâmica” e “o interesse da geografia pela cultura e a
geograficidade da geografia cultural”. Ainda, há o resumo referente ao tópico e
as atividades, auxiliando o processo de aprendizagem.

Quando trouxemos “a cultura: uma percepção dinâmica”, tivemos, como


princípio, apresentar, de maneira breve, porém contextualizada e embasada,
os processos evolutivos sobre a definição do termo cultura, respeitando cada
momento, acontecimentos em escalas mundiais e influência epistemológica.
O assunto discutido encontra-se tangenciado frente à conceituação e ao
entendimento de pensadores desde os séculos passados ao mais atual. É possível
encontrar geógrafos, antropólogos e sociólogos: Edward Burnett Tylor, Franz Uri
Boas, Alfred Kroeber, Cliford Geertz e Stuart Hall.

Passamos da definição determinista de cultura inspirada no darwinismo


evolucionista, as abordagens sobre o particularismo histórico de Boas, a teoria
supraorgânica de Kroeber, a teoria interpretativista apontada por Geertz e, por
fim, o multiculturalismo compreendido por Hall.

3
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

DICAS

Caros estudantes, o conteúdo possui extensa literatura. Como meio auxiliar, a


biblioteca virtual possui o livro do antropólogo Roque de Barros Laraia, intitulado Cultura:
um conceito antropológico.

No título, o autor consegue expor um histórico sobre a histórica definição e conceito


de cultura, as influências sobre a formação social por meio da cultura e a dinamicidade e
diversidade da cultura entre os homens. Considera-se uma literatura clássica auxiliar, cujo
objetivo é, de maneira acessível e introdutória, esclarecer o estudo sobre cultura.

Trazemos, com clareza, que a compreensão conceitual sobre cultura


passou por transformações ao longo do tempo, perpassando caminhos, perdendo
e ganhando estruturas, não indicando graus de inferioridade ou superioridade
quanto às abordagens, mas uma construção de conhecimentos baseados em
possibilidades distintas, tendo, por exemplo, a aproximação da geografia
entre alguns campos da humanidade, cujo resultado rende uma produção
interdisciplinar rica, valorizando a dinâmica espaço-temporal.

O segundo tema, “o interesse da geografia pela cultura e a geograficidade


da geografia cultural”, vem sincronizar com o conteúdo estudado anteriormente,
retomando os pontos de contato entre a ciência geográfica e a cultura. São
apresentadas narrativas geográficas que sustentam cientificamente a geografia
cultural e seu interesse pela espacialidade, este compreendido pela formação de
território, poder, territorialidade, lugar, espaços e paisagens.

Seguimos tratando das novas possibilidades de interpretar as relações


socioespaciais a partir da importância da cultura na geografia, desconstruindo as
barreiras anteriormente formadas na macroesfera da disciplina. A temática afirma
que os fenômenos geográficos também carregam traços culturais que podem
ser desvendados pela geografia cultural. Embora essa discussão possa parecer
retrógrada e aparentemente resolvida, acredite, ainda é recorrente. Especulações
circulam indagando sobre a originalidade do ramo e se ele, efetivamente, faz
parte dos estudos da ciência geográfica.

Por fim, são apresentadas e discutidas nove estruturas culturais da ciência


geográfica: O conhecimento do mundo sempre se faz através das representações;
A cultura é construída a partir de elementos transmitidos ou inventados; A cultura
existe através dos indivíduos que a recebem e a modificam, eles se constroem
como indivíduos no processo; O processo da construção da cultura também é
um processo social; A construção do indivíduo como ser social se traduz pelo
nascimento de sentidos de identidade; A construção da sociedade pela cultura; A
construção do espaço pela cultura; A gênese dos sistemas de crenças e valores e
Cultura e ideologias comunitárias. Bons estudos!

4
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

2 CULTURA: UMA PERCEPÇÃO DINÂMICA


Certamente, enquanto indivíduos, estudantes e futuros profissionais da
ciência geográfica, vocês já ouviram ou fizeram alusão ao termo “cultura”, certo?
Assim, independentemente das circunstâncias, experiências pessoais ou regionais,
optamos por percorrer os caminhos existentes da (re)construção, elencando as
possibilidades do emprego conceitual da cultura no âmbito acadêmico, cujo foco
ampara a geografia cultural.

Então, primeiramente, para promover essa apresentação, Corrêa (2009)


contribui afirmando que, a cultura, enquanto vocábulo, possui uma diversidade
de colocações e significados, desde o senso comum, o qual não deve ganhar força
na aprendizagem em questão, até nas discussões conceituais, que adentram as
matrizes acadêmicas nas ciências sociais.

No momento inicial da leitura, façamos uma proposta, cujo objetivo indica


uma compreensão histórica dos fatos, realidade acadêmica e período da construção
conceitual do termo cultura. Realize uma retrospectiva, mediante seu conhecimento,
quanto à gênesis da ciência geográfica e seus desafios epistemológicos. Seria possível?
Caso contrário, apresentaremos um contexto inicial.

As concepções epistemológicas no meio científico, antes do Século XX,


predominavam sob o aspecto positivista e, posteriormente, neopositivista.
Majoritariamente, os geógrafos mantinham alicerces naturalistas nas pesquisas.
As análises sobre o ambiente, sociedade e cultura eram, basicamente, explicadas
mediante as leis naturais.

ATENCAO

Caros alunos, atenham-se à palavra epistemologia com uma certa dose


de atenção, porque ela tem estado, com frequência, no ambiente acadêmico, nas aulas
ministradas, livros, e outros meios de busca, mas o seu uso excessivo ou mal alocado,
por vezes, distorce seu conceito essencial. A palavra “epistemologia” tem origem no grego,
equivale à episteme + logos = conhecimento científico, explicação, discurso, opinião. Essa
sentença, criada no Século XX, teve o objetivo de superar a perspectiva unívoca e homogênea
da concepção da filosofia da ciência encontrada na linha positivista. Ainda, tratar, de maneira
crítica, construtiva e democrática, o conhecimento científico, como apresenta Gomes
(2009, p. 14): “[...] discutir criticamente as formas de construir um pensamento científico
não quer dizer se transformar, em um tribunal, para julgar a sua conformidade ou não
em relação a um modelo único e ideal, ao contrário”. Esse entendimento conclui que não
existe uma fórmula determinante para fazer ciência, principalmente, a geográfica, pois cada
fenômeno demonstra uma singularidade e dinâmica.

5
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Seguindo na perspectiva predominante de análise epistemológica,


encontramos a definição antropológica de cultura que, não obstante da realidade
conceitual da geografia, também foi compreendida sob o ponto de vista das
dinâmicas naturais e do princípio empirista e sistemático. Contudo, como
todo texto possui um contexto, traremos alguns precedentes que auxiliaram o
descortinar da definição inicial da cultura cujas influências pairaram sobre o
desenvolvimento da geografia cultural.

Entre o Século XVIII e XIX, duas palavras foram polarizadas entre


germânicos e franceses. Seccionados como os antecedentes históricos do conceito
de cultura, os termos Kultur e Civilization intuíam considerações primárias:
o primeiro refletia sob as convicções espirituais de um grupo de indivíduos
denominado de comunidade e, o segundo, sobre as conquistas de ordem material
de um povo. Com o intuito de unificar as duas convicções em torno da cultura,
Edward Burnett Tylor, nos anos de 1871, apresentou a culture, vocabulário inglês
que sistematizava oficialmente a primeira definição da cultura.

FIGURA 1 – SÍNTESE DA PRIMEIRA DEFINIÇÃO DE CULTURA

Kultur

Culture

Civilization

FONTE: O autor

Configura-se que a criação das primeiras nomenclaturas dadas por países


da Europa Ocidental, para interpretar o complexo social, sinalizou que havia uma
inquietação pelo estudo da sociedade, ou melhor, pelas interfaces de arranjos
condizentes com formação social. Os temas de maiores proporções de estudos,
na primeira metade do Século XIX, estavam relacionados à etnografia dos grupos
humanos, suas técnicas, obras, além das línguas, crenças e tradições (CLAVAL, 2011).

A compilação efetuada por Tylor trouxe, com imponência, a voz que


definiu a cultura dentre os estudos da antropologia, porém, história apontou que
não foi a única. As discussões no universo conceitual têm uma longa jornada, esta
que antecedeu e procedeu a interpretação de culture.

6
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

NOTA

Edward Burnett Tylor

Abreviadamente conhecido como Tylor (1832 -1917). Um britânico, antropólogo,


cujas atividades foram relacionadas à escola do evolucionismo social. Foi considerado o pai
do conceito moderno de cultura.

Tylor trouxe, como capacidade interpretativa, a causa e regularidade para


cultura, afirmando que ela não faz parte do código genético do indivíduo, não
nasce com características culturais próprias, mas a cultura passa a ser concebida
de todas as coisas que são adquiridas por meio da aprendizagem na sociedade.
Como exemplos, símbolos, práticas, técnicas e tantos outros que formam ciclos de
práticas que desenvolvem a cultura (CLAVAL, 2011).

Sobre a compreensão de cultura, Wagner e Mikesell (2011) introduzem


a temática sinalizando que, em pessoas cujas vivências são em grupos, torna-se
comum apresentar tendências de comportamentos semelhantes, como o pensar e
o agir. Tais atributos são justificados pela rotina de vida e por referências únicas
de condiscípulos e mestres. Compartilham e difundem, em um mesmo nicho,
suas relações de trabalhos, conversas, observações, aprendizagem, significado,
rituais e recordações do passado igualmente vivenciado, ou seja, a definição
Tyloriana de cultura acreditou que “[...] o meio ambiente podia determiná-la ou
influenciá-la” (CLAVAL, 2011, p. 6), argumento que caracterizou uma associação
com o determinismo geográfico.

Wagner e Mikesell (2011) destacam que, naquele século, a noção de


cultura se abstinha de estudar o ser enquanto indivíduo único, segundo
características particulares. Contudo, havia destaque no estudo de grupos de
pessoas que prontamente estivessem tomado posse de áreas espaciais amplas e
bem demarcadas, além daquelas que já fossem estabelecidas em suas crenças e
comportamentos, pois essas poderiam identificar ou distinguir entre comunidades
evolutivas.

Tylor abriu mão do relativismo cultural e desconheceu os vários caminhos


da cultura. A definição de cultura, inspirada no darwinismo evolucionista que,
a princípio, fundamentou e representou para muitos estudiosos das ciências
humanas, entre eles etnólogos, antropólogos e geógrafos, outrora foi considerada
simplista, pois congregava um termo, uma concepção seccionada sobre toda a
diversidade e complexidade das relações humanas. A exemplo da abordagem
unilinear realizada como método de análise entre civilizações e tribos selvagens.

7
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

A abordagem unilinear foi um método de análise que, sugestivamente,


media os pares (seres humanos) de continentes diversos, segundo uma régua
de estágios evolutivos. A regra evidenciava que, historicamente, uma sociedade
passava por três fases: a primeira, de selvageria, a segunda, de barbarismo, até
chegar ao ultimo grau, a civilização. Sugestivamente, povos eram dimensionados
e expostos a uma supervalorização e subestimação. Foram sinalizadas, mediante
a unilinearidade, as diferenças latentes entre as tribos indígenas brasileiras e
civilizações da Europa.

NOTA

Franz Uri Boas (1858-1942)

O criador da escola cultural americana nasceu na cidade alemã de Westfália, mas


projetou sua carreira nos Estados Unidos desde 1886. Apesar de ter estudado nas áreas da
física e da geografia com o professor Ratzel, foi na antropologia que se descobriu quando
fez uma expedição geográfica até a ilha Baffinland – Canadá. Uma experiência com os
esquimós o tornou o antropólogo da era moderna.

Longe de uma conceituação acabada, um outro capítulo sobre a história da


evolução do conceito de cultura foi formado, dessa vez, com Franz Boas, no circuito da
antropologia, entre os anos de 1920-1930 do Século XX (CLAVAL, 2011).

Franz Boas ficou conhecido por se contrapor ao método evolucionista


unilinear e ser contra a teoria do determinismo geográfico quando propagada pela
capacidade generalizadora, referindo-se à normatização da influência geográfica
acerca dos fundamentos culturais de um povo.

O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente


físico condicionam a diversidade cultural. São explicações existentes desde
a Antiguidade, das formuladas por Pollio, Ibn Khaldun, Bodin e outros. Na
virada do Século XIX para o XX, teorias foram popularizadas e vigorosamente
estudadas por geógrafos. A publicação de obras contribuiu para a expansão
do determinismo geográfico. Para a análise, foram utilizados dois parâmetros,
a latitude e os centros de civilização, tomando, como verdade absoluta, que as
regiões dependiam do clima como um condicionante para o progresso.

Ele se diferenciou por erguer a bandeira da ‘diversidade cultural’, inclusive,


entre entes de uma mesma região, difundindo que existia um particularismo
histórico. Boas, enquanto antropólogo, questionou explicações da sociedade e
cultura por meio único de leis evolucionistas, direcionando uma crítica a modos
limitados dos métodos comparativos.

8
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

De maneira explicativa, a partir de uma abordagem multilinear, Boas


sugeriu a antropologia abdicar do método simples da comparação e fazer
análises culturais dos povos/regiões mediante dois caminhos: primeiro, partindo
do pressuposto de que todo povo ou região possui uma história, para melhor
compreensão da realidade, tornava-se importante fazer uma reconstrução
histórica; o segundo, de caráter complementar, pois traçava um comparativo da
relação social entre povos distintos, segundo leis semelhantes.

Como formador cultural de inúmeros antropólogos, Franz Boas foi uma


grande referência para o antropólogo Alfred Kroeber, um nome que cresceu na
sociedade acadêmica frente à teoria supraorgânica (CORRÊA, 2009).

Kroeber elaborou uma perspectiva da cultura segundo a gênese da vida


humana. Para ele, o processo de desenvolvimento do homem começa pelo nível
inorgânico, orgânico, até a ordem social ou cultural, que se sobrepõe aos demais
níveis (CORRÊA, 2009).

No decorrer dos primeiros vinte e cinco anos do Século XX, o


desenvolvimento de outro ciclo na reelaboração do conceito de cultura foi
formado. Agora, os aspectos biológicos/naturais, dados em hegemonia nas
análises anteriores, foram interrompidos em virtude do novo valor empregado
à cultura. A “[...] cultura era vista como uma entidade acima do homem, não
redutível às ações do indivíduo e, misteriosamente, contemplando as leis
próprias” (DUNCAN, 2011, p. 64).

Conforme Duncan (2011), os principais holistas transcendentais, criadores


da teoria que elevou a cultura a um patamar de superioridade naquele período,
foram os antropólogos Alfred Kroeber e Robert Lowie. Logo adiante, Leslie White
pôde prosseguir com a tese neoevolucionista.

Kroeber redirecionou a antropologia americana, de um determinismo


geográfico na perspectiva da cultura, para um determinismo puramente cultural.
Para a teoria supraorgânica, os valores funcionavam como código, este que
controlava as mentes humanas e, por conseguinte, suas atividades desenvolvidas.
Os indivíduos passaram a ser reconhecidos como simples coadjuvantes da
suprema cultura, apenas com a função de porta-voz, levando-a por diferentes
regiões e períodos (DUNCAN, 2011).

Para Kroeber, a realidade, a natureza do desenvolvimento humano tinha


um formato estabelecido por ordem de prioridades, um cenário no qual a cultura
pairava sob os demais seguimentos, representados em níveis hierárquicos, livres
de explicações associativas entre si (DUNCAN, 2011).

9
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

FIGURA 2 – COMPOSIÇÃO DA REALIDADE APRESENTADA POR KROEBER

Cultural/Social

Psicológico/Biofísico

Orgânico

Inorgânico

FONTE: O autor

A criação e a veneração pela cultura, como uma entidade autônoma, não


tinham apenas um sentido conceitual, mas objetivos internos da antropologia
enquanto ciência. Assim, “[...] ao elevar a cultura a um nível superior, o antropólogo
não tinha mais necessidade dos indivíduos e, portanto, não precisavam dos
processos psicológicos” (DUNCAN, 2011, p. 67). Trava-se de discutir a cultura
sem, necessariamente, interligar explicações com os fundamentos ou níveis.
Sendo protegida dos demais aspectos, tornava-se um meio autêntico de pesquisa
da antropologia.

Para além daquele fato, a visão do holismo transcendental massificou pontos


fundamentais para o período na antropologia e, por conseguinte, influenciou outras
ciências que utilizavam as bases conceituais. É possível que, nesta parte do texto,
você esteja se perguntando: o que seria o holismo transcendental? Discutimos,
anteriormente, que, para Kroeber e demais antropólogos, os indivíduos com suas
aparentes atividades assumiram um papel de meros agentes passivos frente a
ordens de algo superior. “Os holistas acreditam que eventos de larga escala, como o
declínio de nações, são autônomos e amplamente independentes dos indivíduos que
participam” (DUNCAN, 2011, p. 66).

Caros alunos, a definição de cultura, realizada por Tylor e tantos outros


antropólogos, passou por críticas a partir da perspectiva de Geertz (2008, p. 3). Ele
expõe que “[...] todavia, esse padrão se confirma no caso do conceito de cultura,
em torno do qual surgiu todo o estudo de antropologia e cujo âmbito tem se
preocupado cada vez mais em limitar, especificar, enforcar e conter”.

Segundo Claval (2011), após os anos 1940-1970, a perspectiva que


compreendia a cultura como algo não redutível ao ser, apesar de haver ampla
influência, passou a ser substituída, pois as relações mundiais passavam por
mudanças, motivo que influenciou a ciência a redirecionar olhares para além da
materialidade da vida, técnicas produtivas.

10
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

Para a ciência, não bastava apenas apresentar os efeitos que os fenômenos


culturais causavam na sociedade. Era preciso atribuir, ao indivíduo, o real valor
da sua visão de autóctone, explicar mais que a permanência das estruturas,
compreendendo suas evoluções e história (CLAVAL, 2011).

Considera-se que os antropólogos da América do Norte, após 1970,


apresentaram mais fortemente outro rumo conceitual de cultura, concepções
epistemológicas cuja abordagem trilhava as dimensões simbólicas (CLAVAL,
2011).

Para entender a cultura, Geertz (2008) fez algumas análises sobre o


processo de evolução biológica do homem, refutando a teoria do ponto crítico
(ao entendimento de que a cultura apareceu abruptamente) e, fundamentando-
se na paleontologia e arqueologia, criou algumas hipóteses, entendendo que a
cultura vem de um processo anterior ao desenvolvimento orgânico, a passos
ininterruptos, porém lentos. Na sua teoria, o homem foi um produto da cultura,
mas logo tornou-se também um produtor, acumulando e a desenvolvendo dentro
de um processo complexo.

Geertz (2008) menciona que, no período da efervescência do Iluminismo,


uma máxima foi dita por Whitehead para as ciências naturais, foi assumida
pelas ciência sociais como um ideal científico autorizando noções simplistas
para a compreensão da cultura. Segundo o ditado “confie, desconfiando” da
simplicidade, para Geertz, o estudo do homem estava intrinsicamente ligado à
cultura, logo, em tons de crítica, ele propôs que autor da máxima buscasse afirmar
o contrário para as ciências sociais: “[...] procure a complexidade e ordene-a”
(GEERTZ, 2008, p. 25).

A perspectiva iluminista do homem era, naturalmente, a de que ele


constituía uma só peça com a natureza e partilhava da uniformidade
geral de composição que a ciência natural havia descoberto sob o
incitamento de Bacon e a orientação de Newton. Resumindo, há uma
natureza humana tão regularmente organizada, tão perfeitamente
invariante e tão maravilhosamente simples como o universo de
Newton. Algumas de suas leis talvez sejam diferentes, mas existem leis.
Parte da sua imutabilidade talvez seja obscurecida pelas armadilhas
da moda local, mas ela é imutável (GEERTZ, 2008, p. 25).

Geertz buscou significar o homem mediante a definição de cultura.


Absteve-se da idealização da clássica ciência antropológica, que foi responsável
por criar um modelo ideal de homem, mas o fato desenvolvido evidencia a
diversidade cultural em contraponto a uma unicidade da espécie humana.

Geertz (2008) demonstra que a cultura, no sentido amplo, não se limita,


não determina, ela circula, é livre, democrática, pode ser partilhada entre as
pessoas. O ser independente de faixa etária sempre estará pronto para vivenciar
limitadamente uma parte da cultura, pois compreendê-la em suas várias dimensões
e plenitude seria como correr junto à persistente dinâmica de significados dos
elementos culturais.

11
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Numa perspectiva demonstrativa, as dimensões simbólicas se aplicavam


às diversas práticas sociais e suas interligações, ao contrário dos processos de
generalização e segmentação de análises, como propõe Geertz (2008, p. 21):

Olhar as dimensões simbólicas da ação social - arte, religião, ideologia,


ciência, lei, moralidade, senso comum - não é afastar-se dos dilemas
existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas
não emocionalizadas. É mergulhar no meio. A vocação essencial
da antropologia interpretativa não é responder às questões mais
profundas, mas colocar, à disposição, as respostas que outros deram
- apascentando outros carneiros em outros vales – e, assim, incluir no
registro de consultas sobre o que o homem falou.

A antropologia interpretativa identificada na essência dos estudos de


Geertz buscava neutralizar qualquer significado fixo para teorizar a cultura, e sua
pesquisa não se limitou às respostas prontas e acabadas como receitas herdadas.
O princípio do estudo apresentava os mais diversos grupos sociais em relações
dinâmicas com as dimensões simbólicas, significando e ressignificando a cultura.

NOTA

Cliford Geertz

Ingressou como discente do curso de Antropologia na Universidade de Harvard -


Departamento de Relações Sociais. Posteriormente, como docente, ensinou por dez anos
no Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago, em Princeton. No Instituto
de Estudos Avançados, percorreu uma longa trajetória enquanto professor. Entre inúmeros
ensaios, elaborou o livro A interpretação das Culturas, no ano de 1973. Como antropólogo,
interessou-se em redefinir dinamicamente o conceito de cultura, mas trabalhou também
nas áreas de desenvolvimento econômico, organização social, história comparativa e
história da ecologia cultural.

Outras correntes fizeram parte do processo evolutivo dos estudos de


cultura, e uma é explicada pelo ambiente econômico concebido também pelas
guerras. “[...] A cultura torna-se um instrumento de dominação. É usado pelas
classes mais altas para impor, às classes mais baixas, comportamentos conforme
seus interesses” (CLAVAL, 2011, p. 8).

A inserção do marxismo como modo explicativo através da corrente


teórica do materialismo histórico e dialético para a cultura influenciou estudiosos
como Gramsci e Raymond Williams.

12
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

No período dos anos setenta, embasamentos na área da sociologia, com


Stuart Hall, também trouxeram compreensões sobre os estudos culturais. Ele
dinamizou seu trabalho intelectual, e seu objetivo não era se apropriar de ideias
como devoto, nem retalhar pontos inconsistentes frente seu posicionamento.
Além dele:

Deglutiu Marx, Gramsci, Bakhtin. Saboreou Louis Althusser,


Raymond Williams, Richard Hoggort, Fredric Jameson, Richard
Rorty, Jacques Derrida, Michel Foucault, E. P. Thompson, Gayatri
Spivak, Paul Gilroy, com algo de Ien Ang, Cornel West, Homi Bhabha,
Michele Wallace, Judith Butler, David Morley, assim como ingeriu
Doris Lessing, Barthes Weber, Durkheim e Hegel (SOVIK, 2003, p. 10).

Apesar de descordar de alguns pontos relativos à teoria de Marx, Hall
foi atraído pelos atributos do estudo referente à teoria do capital/classe social,
de poder/exploração, e da produção de conhecimento crítico. Ainda, em
Gramsci, pôde absorver o estudo de raça e etnia para compreensão da realidade
contemporânea e o multiculturalismo (SOVIK, 2003).

Hall contribuiu com os paradigmas da teoria da cultura, interessado em


pensar sobre o social e simbólico longe do reducionismo. “[...] Ele persistiu no
estudo relação entre os meios de comunicação e a cultura, o lugar da história no
estudo da cultura contemporânea, a sua epistemologia ou, ainda, a maneira pela
qual lê questões das etnias dominantes e de gênero” (SOVIK, 2003, p. 14).

NOTA

Stuart Hall (1932)

Sua origem jamaicana auxiliou a escolha por dois motivos de estudo:


preocupações étnicas e anticoloniais. Enquanto intelectual da sociologia, repensou
a cultura frente à globalização. Entre os anos de 1958-1961, atuou na revista New Left
Review, propondo temáticas sobre compreensão das classes sociais, movimentos sociais
e política, desarmamento nuclear e questões raciais britânicas. Em 1964, na universidade
de Birmingham, foi um dos fundadores do Centre for Contemporary Cultural Studies. Em
1979, foi transferido para a Open University, onde institucionalizou os estudos culturais
britânicos e, em períodos posteriores, pôde constatar o crescimento dessas pesquisas por
diferentes partes do mundo.

Cremos que, durante a primeira leitura acerca da cultura enquanto diretriz


de pesquisa acadêmica, você percebeu uma sutil linha do tempo. Ela teve, como
propósito, evidenciar algumas das inúmeras dinâmicas na evolução da definição de
cultura. É certo que não tocamos na totalidade do estudo, tendo em vista que não é
nosso objetivo central, mas apresentamos diferentes períodos, concepções do termo,
além de uma apresentação teórica epistemológica ligada à cultura.

13
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

3 O INTERESSE DA GEOGRAFIA PELA CULTURA E A


GEOGRAFICIDADE DA GEOGRAFIA CULTURAL
Propomos, nesta fase, que haja uma reflexão sobre a geograficidade da
geografia cultural. Para isso, motivamos você a responder breves perguntas: É
possível tornar geográfico um fenômeno que envolve dimensões religiosas? Como
compreender os territórios além das delimitações físicas? Existem aproximações
entre estudos de identidade e geografia? Certamente, ao longo do processo de
conhecimento, outros inúmeros questionamentos serão realizados, possibilidades
de temáticas pesquisadas, mas atenção quanto à espacialização do fenômeno.

Gomes (2009, p. 27) generosamente esclarece que “há, contudo, sempre


uma análise geográfica quando o centro de nossa questão é a ordem espacial,
pouco importando o tipo de fenômeno [...]”. A geografia cultural possui
seus fundamentos amparados na ciência geográfica e essa unidade pode ser
demonstrada a partir da absorção intelectual nas bases geográficas.

A geografia cultural está associada a experiências que os homens têm


da terra, da natureza e do ambiente. Estuda a maneira pela qual eles
modelam para responder às necessidades, seus gostos e suas aspirações,
e procura compreender a maneira como eles aprendem a se definir, a
construir sua identidade e a se realizar (CLAVAL, 1997, p. 89).

FIGURA 3 – RELAÇÃO VISUAL ENTRE A GEOGRAFIA E A GEOGRAFIA CULTURA

Geografia
Base de estudo para o subcampo
da Geografia Cultural.
Geografia
Cultural
Interesses da disciplina Geografia Cultural

• Relação Homem - Espaço;


• Dimensões simbólicas;
• Experiência humana dos sentidos e percepções;
• Estudo da diversidade - integrantes da sociedade.

FONTE: O autor

Como é oriunda da ciência geográfica, é natural que o alicerce da geografia


cultural seja correspondente. Tais fundamentos foram reconhecidos por Claval
(2011), quando apresentou um balanço desses elos mostrando o que vinculam.

14
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

“[...] A geografia que estuda os grupos humanos se detém nos discursos


e nas representações, uma vez que estas últimas traduzem maneiras de
padronização” (CLAVAL, 1997, p. 93).

A geograficidade é uma nomenclatura referida por Dardel, que propõe


a busca pela decodificação do espaço através do que se sente ou reconhece a
partir das distintas formas atribuídas ao meio. Há categorias: os espaços, lugar,
paisagens, naturais ou artificiais, além da identidade e territorialidade. São
estruturas e modo pelo qual o ser humano pode desenvolver suas habilidades e
seu enraizamento existencial.

A seguir, apresentaremos nove pontos sobre os quais a geografia cultural


se baseou para desenvolver suas análises e narrativas.

QUADRO 1 – CONCEPÇÕES ABORDADAS PELA GEOGRAFIA CULTURAL

Relação de aspectos comuns entre Geografia e a Geografia Cultural


I- O conhecimento do mundo sempre se faz através das representações
II- A cultura é construída a partir de elementos transmitidos ou inventados
III- A cultura existe através dos indivíduos que a recebem e a modificam. Eles se constroem
como indivíduos no processo
IV- O processo da construção da cultura também é um processo social
V- A construção do indivíduo como ser social se traduz pelo nascimento de sentidos de
identidade
VI- A construção da sociedade pela cultura
VII- A construção do espaço pela cultura
VIII- A gênese dos sistemas de crenças e valores
IX- Cultura e ideologias comunitárias

FONTE: Adaptado de Claval (2011, p. 16 -19)

Percebe-se que, dentro da abordagem, o homem se destaca. Tal fato


caracteriza a geografia cultural moderna e na perspectiva que discutiremos
pontualmente os conteúdos apresentados.

O primeiro ponto, “o conhecimento do mundo sempre se faz através


das representações”, indica que o ser humano, a princípio, não adquire um
conhecimento instantâneo sobre os fatos e realidades da terra, pois são distintos,
a exemplo das estruturas de organização espacial e lugares, mas o processo se
inicia de maneira básica, com os sentidos e as sensações liberadas aos primeiros
contatos do indivíduo com o mundo.

Claval (1997) afirma que o homem interpreta o mundo por meio dos
sentidos inerentes a ele. Com a visão, observa-se as formas, audição, ruídos e,
com olfato, aromas. “[...] O homem age, primeiramente, em função das indicações
que ele recebe dos sentidos” (CLAVAL, 1997, p. 93).

15
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Outra afirmativa do autor supracitado se refere à sensação, garantindo que


esta, apesar de refletir a realidade, apenas torna-se segura quando assume uma
condição estável, ou seja, quando, junto com a sensação, exista uma percepção.

A percepção é um importante elemento da dinâmica das representações


sociais, pois significa o movimento de um sujeito situado na relação
com o concreto em construção. A apreensão que o sujeito faz a partir
dos referenciais faz concluir que a racionalidade não está imune à
ideologia (BOMFIM, 2012, p. 15).

Para Claval (1997), o contexto das representações se pauta em processos


que ocorrem entre indivíduos, relacionando, por exemplo, a educação na troca de
experiências e a construção da realidade e reinterpretação. A estruturação da fase
ocorre no domínio do cognitivo, primeiramente com as sensações adquiridas e,
depois, com a idealização da imagem constituída.

De acordo com o que está sendo desenvolvido e relacionado às


representações, poderíamos questionar qual a finalidade. Claval (1997) sintetiza
que as representações são como tramas, um conjunto de fios entrelaçados que
contribuem para que o indivíduo assimile a realidade, destacando aspectos
sociais, geográficos e metafísicos. Por fim, essas representações subsidiam a
criação de valores, alimentando a formação de ordens regulamentadoras.

Certamente, a discussão ganha rumos discordantes também, pois a


realidade pode não ser refletida fielmente, mas individualizada através da
percepção. “[...] Os homens não agem em função do real, mas em razão da
imagem” (CLAVAL, 1997, p. 94).

Se o indivíduo for capaz de captar, questionar, perceber os ambientes,


buscando entender como funciona a criação das representações e, também, sua
capacidade de interferência em escalas macro ou micro, inevitavelmente, sua
intenção se alinha às dimensões da geografia cultural.

As representações são percebidas eficazmente na geografia cultural


enquanto ciência por volta da década de 1980 para 1990. Primeiramente, com
as representações mentais de imagens relacionadas ao meio ambiente, como
os alpes, neve, comunidades locais ou turísticas. Posteriormente, outro aspecto
passou a ser levado em consideração, o do meio social e os discursos, ou o
poder da utilização da língua relacionado à construção da realidade geográfica
(CLAVAL, 2011).

O segundo ponto descrito no quadro, “a cultura é construída a partir de


elementos transmitidos ou inventados”, destitui a ideia de que a cultura é inata e
nasce com o homem. As culturas são aprendidas e assimiladas por um processo de
transmissão, representadas pelo agrupamento de práticas, conhecimentos, atitudes
e crenças. Dois fatores são importantes para compreender os conhecimentos e
práticas: a natureza e o conteúdo da cultura portada por cada sujeito.

16
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

A transmissão pela língua nativa, gestos, escrita e mídias modernas são


meios de difusão da cultura, mas, para a geografia cultural, os lugares onde ocorre
essa difusão se destacam, estrategicamente, tanto na formação do ser humano
quanto na elaboração da cultura, pois “os lugares e suas paisagens servem de
suporte a uma parte das mensagens transmitidas” (CLAVAL, 2011, p. 16).

Para Claval (1997, p. 94), “a informação que constitui a cultura concerne


o ambiente natural no qual vive o homem, a maneira de produzir alimentos,
energia e matéria-prima, assim como as formas de construir instrumentos e de
empregá-los para criar ambientes artificiais”.

No terceiro ponto, é perceptível que a geografia cultural apresente o


sujeito com destaque em relação ao processo de absorção e modificação da
cultura, indicando, também, uma mudança na dimensão individual do ser ao
longo da vida.

O processo pode ser tomado, inicialmente, a partir da fase infantil, período


de conhecimento prático, habilidades, competências, base para uma estrutura
interna segundo noções, preferências e crenças. Posteriormente, na adolescência,
segundo um processo de interiorização e reconstrução que prossegue absorvendo
novos conhecimentos, técnicas e valores que vão se transformando nas fases
vindouras, ou seja, todo o processo não finda em uma faixa etária.

Apesar do ciclo de transformações ser constante em todas as fases, é, na


vida adulta, que o sujeito entende os processos de institucionalização indicados
pelas regras e valores desenvolvidos pela sociedade.

NOTA

Contextualizando, é possível que você, enquanto estudante, já tenha instalado


um aplicativo em seu smartphone. Quando a tarefa é realizada, observe que ele vem
pronto e pode ser colocado de forma idêntica em qualquer outro aparelho. São meios
engessados, não pensam por si, já nós, seres humanos, temos a capacidade de controle,
somos agentes de um processo de transformação em cada etapa, temos a escolha de
seguir ou não adiante. As mudanças são constantes, diárias. Em segundos, opiniões são
desfeitas e refeitas.

As culturas também não são como um programa fixo, definido, mas são
heterogêneas, principalmente entre os entes da sociedade, em seus processos de
construção. Imagine o Brasil, onde as regiões possuem suas particularidades entre
cultura, fauna, flora, paisagens, e todas as dinâmicas espaciais, incluindo grupos sociais
que carregam identidade própria. Certamente, a partir de um processo de recebimento de
cultura que todo e qualquer indivíduo se desenvolve.

17
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

“O processo da construção da cultura também é um processo social”.


Para a compreensão do tópico, Claval (2011) inicia apresentando o indivíduo
como um resultado de um processo social, tendo em vista a influência coletiva
que ele experimenta. Desde atitudes, costumes, representações e valores, foi
argumentado que, dentro de cada processo social, a transmissão torna-se a etapa
mais significativa. É a partir dela que o sujeito se torna um ser social, diferente ou
semelhante a outros. “O processo é tão fundamental quanto o processo de divisão
da sociedade em profissões, em estatutos, em classes ou conforme as riquezas”
(CLAVAL, 2011, p. 17).

Neste momento, vamos observar o seu entendimento da afirmativa: “A


construção do indivíduo como ser social se traduz pelo nascimento dos sentidos
de identidade”.

A grande maioria dos brasileiros porta documentos, e um deles é a


identidade. É caracterizada por conter informações básicas de quem você é, sua
origem, descendência, sobrenome, o local de nascimento, quesitos que podem
dizer algo ao seu respeito, não o bastante quando se refere à construção da
individualidade e às diferenças. Ao longo da vida, de forma individual, o sujeito
busca formar uma identidade, e as pessoas, coletivamente, buscam perpetuar
uma identidade já estabelecida.

Sobre o sentido da identidade, Claval (2011) afirma que é uma experiência


individual, e está relacionada com os convívios familiar e social. A identidade,
em caso de confissão de fé ou concretude de uma nação, advém de conjunto
aplicado à construção do intelecto e ao ensino sistemático. Um outro ponto se
refere à imparcialidade entre a ligação de um dado território com uma identidade
anteriormente assumida. A partir do advento das mídias modernas, outras
perspectivas foram analisadas, houve uma intervenção quanto às posições
hegemônicas e novos conceitos foram gerados e associados.

NOTA

A partir de uma experiência pessoal, é possível entender o sentido da


identidade na formação do ser social. Eu, sou professor, por exemplo, sou natural da cidade
de Campina Grande, localizada no estado da Paraíba, região do Nordeste brasileiro, mas
hoje escrevo de uma cidade situada na Região Sul, conhecida por ter sido uma colônia
alemã, Blumenau.

Com os blumenauenses, revivi as raízes culturais germânicas a partir de festas
típicas, do uso da língua alemã entre as famílias, na culinária, nas construções e edificações,
apesar de brasileiros, assim como eu, outros habitantes da cidade, se distinguirem de mim
e das minhas heranças culturais. Essas relações formam grupos com uma identidade local
e demais com suas referências culturais diferentes.

18
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

As identidades se associam ao espaço: elas se baseiam nas lembranças


divididas, nos lugares visitados por todos, nos monumentos que refrescam a
memória dos grandes momentos do passado, nos símbolos gravados nas pedras
das esculturas ou nas inscrições (CLAVAL, 1997).

O sexto tópico explica que, assim como a sociedade, a partir da cultura,


interfere na formação do indivíduo, a sociedade também é resultado das práticas
culturais:

A análise parte do calendário de cada um, de sua agenda, dos papéis


diversos que ele tem no tempo, da proximidade com aqueles que
têm o mesmo papel. O processo gera uma consciência de pertencer
a uma comunidade compartilhada, a uma mesma classe, quando
os indivíduos que efetuam as mesmas atividades se comunicam
facilmente e têm uma ideia clara da semelhança de seus problemas e
interesses. Ao mesmo tempo, a participação dos indivíduos em face
de relações institucionalizadas explica a divisão do trabalho social e o
funcionamento dos grupos (CLAVAL, 2011, p. 18).

A geografia cultural deve, como prioridade, apresentar a construção do


espaço pelo prisma da cultura. Claval (1997; 2011) fez uma retrospectiva para
compreendermos.

A princípio, o homem fez uso do espaço de maneira que contemplasse


suas necessidades de alimentação, retirando da natureza, da segurança e proteção
em relação aos eventos naturais e àqueles oriundos do meio social. De maneira
esclarecedora, o autor expõe que a organização do espaço desenvolvida pelo
homem nem sempre apontou por efeitos nocivos, mas, em sua maioria, exaltou-
se pela representatividade da conquista e domínio do meio.

Para Claval (2011), a organização espacial é resultado de percepção de que


o homem tem, do espaço, uma força de atuação coletiva, desenvolvendo técnicas,
modelos e sua socialização para construir.

No âmbito da organização espacial, é inerente focalizar no item da


socialização do espaço. É, por meio do desempenho de diversos seguimentos,
que há a composição da sociedade, desde a dimensão individual, coletiva, até
organizações institucionalizadas que são empregadas as condições de direito de
uso da terra, de práticas estratégicas de atividades produtivas ou de lazer.

A influência na construção do espaço está na interiorização, na atuação do


homem desde o momento em que se criou ou idealizou representações acerca da
realidade. Esses elementos representam os seus anseios, desejos e valores.

A socialização do espaço não distribui os direitos de uso ou de


propriedade do espaço duma maneira igualitária. Os poderosos e
ricos têm muitas mais possibilidades. Eles utilizam para escolher as
ótimas localizações, os lugares, os nada agradáveis, e para impor as
formas de utilização da terra e da construção de edifícios. A qualidade
de suas escolhas confere um estatuto mais alto e legitima a sua posição
social (CLAVAL, 2011, p. 18).

19
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Ainda na perspectiva mencionada, Claval (2011) propõe refletir sobre a


direta participação ou luta das classes menos favorecidas na construção espacial,
além da apropriação social do espaço. Independentemente dos atos reais que
agreguem atenção para os grupos, eles, por diversas vezes, são colocados nas
zonas de invisibilidade da sociedade. Para facilitar o entendimento sobre essa
realidade: vocês consegue lembrar de algum ato ou protesto de entidades
ou parcelas da população realizado em espaços públicos? Pois bem, atos são
caracterizados pela busca da visibilidade com a apropriação social dos espaços.

O ponto oitavo busca apresentar uma compreensão de como surgiram os


sistemas de crenças e de valores. A princípio, cada ser possui uma capacidade
interpretativa, mental e de experiências únicas com o espaço. Quando somadas
essas realidades complexas que os indivíduos produzem e materializam, são
formalizadas as ordens normativas, as quais representam individualmente e
coletivamente.

Esses alhures oferecem a visão de outros mundos. Servem de


modelo para orientar a ação dos homens. As perspectivas abertas
são a fonte dos sistemas de crenças, religiões ou ideologias, dando
uma dimensão normativa à vida social, dirigindo a ação humana e
conduzindo a construção dum futuro melhor, neste mundo ou no
outro (CLAVAL, 2011, p. 19).

Pode ser confirmado que os sistemas de crenças e de valores somente
são possíveis quando entendidos a partir de normas criadas, das relações entre
grupos sociais e da socialização dos espaços (CLAVAL, 2011). Com essa interação,
é possível difundir que fundamentos concretos e abstratos se conectam em prol
de uma organização funcional.

O aspecto sobre cultura e ideologia comunitária, no ponto nove, retrata


a noção da cultura a partir de uma sequência mencionada anteriormente no
ponto dois. A cultura se caracteriza por ser um conjunto de processos transmitida
pelos e entre os homens, os quais produzem e reproduzem comportamentos não
congênitos, ou seja não se encontram no DNA dos seres humanos.

FIGURA 4 – AFIRMATIVAS SOBRE A CULTURA

A cultura não é A cultura é

Fixa ou imóvel Múltipla, formada por vários elementos

Intangível ou imcompreensível Evolui contínuamente

FONTE: Adaptado de Claval (2011)

20
TÓPICO 1 — AS INTERFACES DA APLICABILIDADE DA CULTURA NO ÂMBITO DO DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA

A cultura desenvolve outra face quando utilizada em grupos comunitários.


Identidades são construídas e certas dimensões apresentam aspectos normativos,
aqueles que regulamentam, propõem padrões e regras por indivíduos que vivem
determinados espaços, territórios ou sociedades. As ideologias comunitárias
entram na discussão para justificar a dimensão ideológica que se forma através
da cultura. Como exemplo, há uma comunidade cristã da fé reformada. Ela se
une em prol do compartilhamento de uma visão cristocêntrica, carregando regras
de fé, condutas, valores.

Apesar do exemplo mencionado, vale lembrar que existem grupos que


constroem uma identidade para realizar práticas de fundamentalismo religioso,
utilizando a fé para impor violentamente suas crenças, causando conflitos de
intolerância religiosa em escala local e, até mesmo, internacional.

O Tópico 1 introduz etapas evolutivas do entendimento sobre cultura,


culminando no Tópico 2, com o interesse da dimensão espacial da cultura pela
geografia cultural em sua perspectiva moderna. Ao desenvolver do estudo, longas
trajetórias serão explicadas nas seções seguintes. Realizamos, até o presente
momento, uma breve apresentação da descendência, originalidade e pertencimento
da geografia cultural, seu elo com a ciência geográfica, e aproximações com as
ciências sociais afins, o que demonstra sua interdisciplinaridade e importância na
produção de estudos de ordem espaciais.

21
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Existe uma reflexão interdisciplinar na geografia cultural em torno da


construção conceitual da definição de cultura. Foi tangenciada por geógrafos,
antropólogos e sociólogos, como Edward Burnett Tylor, Franz Uri Boas, Alfred
Kroeber, Cliford Geertz e Stuart Hall. Profissionais que produziram, em
séculos, e com influências filosóficas distintas.

• A concepção filosófica tyloriana definiu que o meio ambiente podia determinar


e gerar influências à cultura, segundo o princípio de determinismo geográfico
e a concepção unilinear.

• Boas foi um geógrafo e antropólogo que se diferenciou por utilizar o discurso


multilinear para conceituação da cultura. Amparando-se no particularismo
histórico, ele afastou-se de uma perspectiva de comparação metodológica,
segundo as leis evolucionistas, para buscar explicações culturais. Boas partiu
do princípio de que todo povo ou região possui uma história singular e, por
esse motivo, sua história deveria ser reconstruída.

• Kroeber foi responsável pela teoria cultural supraorgânica que, posteriormente,


foi assimilada e adotada por Sauer. A definição sobre a cultura se vinculava
e reproduzia uma estrutura da gênese da vida humana na perspectiva
evolucionista, iniciando pelo nível inorgânico, orgânico, até a ordem social ou
cultural, cuja dimensão se posiciona acima do homem, além dos demais níveis.

• Na teoria interpretativista, a cultura passou a ser interpretada como sistemas


simbólicos (linguagem, arte, mito ritual), desenvolvida, sobretudo, pelo
estadunidense Clifford Geertz, um dos maiores nomes da antropologia do
Século XX.

• Outro nome importante que rompeu com o antigo paradigma sobre uma cultura
pronta e engessada foi o sociólogo Stuar Hall. Ele propôs aliar as temáticas
sociais com as simbólicas para, então, compreender a cultura. Em seus estudos,
trata, por exemplo, das relações entre cultura e meios de comunicação, história
e cultura, etnias, gênero e outros temas.

• A geografia cultural é definida como um subcampo da geografia, e os objetivos


de análise da disciplina seguem através da ordem espacial da cultura, ou seja,
as dimensões simbólicas do espaço, os sentidos e percepções do homem, a
diversidade de contextos espaciais etc.

22
• A geografia cultural foi substanciada pelas cíclicas revisões na conceituação
da cultura, como a abdicação do entendimento supraorgânico da cultura. Há
a possibilidade de assimilar a cultura através de coisas comuns do dia a dia
familiar, no ambiente de convívio social, linguagens, habilidades referentes a
classes ou minorias sociais.

• A base da geograficidade da geografia cultural advém de Dardel, historiador e


geógrafo que preocupou-se em compreender o seu meio, independentemente de
ser natural ou artificial, mas, em sua forma mais ampla, envolvendo sentimento
nas relações dos espaços, com paisagens, territorialidade, identidade etc.

23
AUTOATIVIDADE

1 Com relação à abordagem de Tylor em 1871 sobre a cultura, marque com


(V) as proposições verdadeiras e com (F) as falsas:

( ) Tylor, em 1817, propôs uma concepção complexa sobre cultura: “a cultura


era absorvida mediante o relativismo cultural; tudo era inato do homem”.
( ) Para Tylor, a cultura não faz parte do código genético do indivíduo. Este
não nasce com características culturais próprias, mas a cultura passa a
ser concebida por meio da aprendizagem na sociedade, a exemplo da
linguagem, símbolos, práticas, técnicas, leis etc.
( ) Os geógrafos apoiaram a concepção tyloriana da cultura mediante o
determinismo geográfico representado na estrutura conceitual.
( ) Tylor se abdicou do relativismo cultural, mas fez uso da abordagem
unilinear, método que comparava, em níveis equivalentes, todos os seres
humanos de cada sociedade, ou seja, as mais diversas sociedades se
tornaram reféns de um único modelo evolutivo. Assim, foi entendendo
que todas as sociedades seguiam um único processo composto por três
fases evolutivas: de selvageria, barbarismo e, por fim, a conquista de um
modelo civilizatório.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F- V – V - V.
b) ( ) V – V – V - V.
c) ( ) F – F – V - V.
d) ( ) V – F – F - F.

2 Sobre a percepção de Franz Boas nos estudos de análises culturais, é


CORRETO dizer que:

a) ( ) Para compreender a cultura, é necessária a reconstrução histórica de


cada povo e região, identificando o particularismo/singularidade dos
mais diversos grupos humanos e suas realidades.
b) ( ) Boas utilizava as abordagens unilineares para valorizar o discurso
evolucionista do Século XIX.
c) ( ) Boas se contrapôs ao método evolucionista unilinear e à teoria do
determinismo geográfico.
d) ( ) As opções a e c estão corretas.

24
3 Sobre a teoria cultural supraorgânica, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Ela é considerada uma entidade superior, controladora de mentes e


atividades humanas.
b) ( ) Democrática e dinâmica, vistos os acontecimentos referentes ao Século XX.
c) ( ) A cultura assimila as dimensões simbólicas aplicadas aos processos sociais.
d) ( ) Mudança em sua conceituação, passando a ser compreendida a partir
da sociedade de classes.

4 Quem foi o autor da antropologia que teve, como foco, neutralizar qualquer
significado fixo para teorizar a cultura? Ainda, não se limitou às respostas
prontas e acabadas como receitas herdadas, mas, em seu estudo, apresentava
os mais diversos grupos sociais em relações dinâmicas com as dimensões
simbólicas, significando e ressignificando a cultura.

a) ( ) Stuart Hall.
b) ( ) Franz Boas.
c) ( ) Clifford Geertz.
d) ( ) Edward Tylor.

5 Sobre as influências teoóricas marxistas, o sociólogo Stuart Hall concordou


com alguns pontos, EXCETO:

a) ( ) A falta de interesse da teoria marxista pelos assuntos referentes à


cultura e suas perspectivas simbólicas.
b) ( ) Atributos do estudo referente à teoria do capital/classe social, de poder/
exploração.
c) ( ) Movimentos sociais e política.
d) ( ) Desarmamento nuclear e questões raciais britânicas.

6 De acordo com o Quadro 1, escolha um título e apresente uma breve


descrição reflexiva.

25
26
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO


DA GEOGRAFIA CULTURAL

1 INTRODUÇÃO
Caros alunos, chegamos ao Tópico 2. Nesta fase de estudos, vamos
ancorar na leitura e refletir sobre uma breve apresentação da longa história do
pensamento geográfico e suas contribuições para a formação e estabelecimento
da geografia cultural.

O Tópico 2 tem, como objetivo, responder algumas questões referentes ao


nascimento, ao percurso e conceito. Como a cultura foi abordada pela geografia?
Quem a influenciou? Em qual período? Quais as compreensões adotadas pela
geografia cultural?

Neste tópico, serão desenvolvidas, além desta introdução, os assuntos


centrais, os quais se dividem em: Geografia Cultural - Fase I, Geografia Cultural
- Fase II, Geografia Cultural - Fase III e suas sessões.

A Fase I, na sessão “As primeiras aproximações cultura e geografia: a


contribuição das escolas alemã e francesa”, traz o período que data o início das
menções sobre a geografia cultural com o processo de introdução do campo. Neste
momento, pode-se dizer que a geografia enquanto disciplina-mãe apresentou
flashes a partir dos quais indicou aberturas para aplicação de abordagens em
direção ao futuro da geografia cultural.

A partir do desenvolvimento geográfico das escolas alemã e francesa


de Ratzel e Vidal de La Blache, respectivamente, uma narrativa objetiva a
compreensão sobre a inclusão da cultura na ciência geográfica. A análise se
delineia formalmente a partir da obra Antropogeografia, da noção de gênero de
vida, da base darwiniana e outra lamarckiana, da seleção das espécies e adaptação
das espécies ao ambiente. Esses vetores contribuíram, principalmente, para tratar
de uma embrionária geografia cultural, segundo o alicerce científico naturalista.

A sessão Os estudos de Carl Sauer e sua importância traz um histórico sobre


parte da biografia do precursor da geografia cultural, Carl Sauer, compreendendo
suas escolhas teóricas durante a vida de estudante, professor e pesquisador do
campo cultural da ciência geográfica norte-americana.

27
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Apresentamos a expressividade e importância que as obras de Sauer, a


partir do Século XX, trouxeram para a comunidade acadêmica, além da formação
de discípulos na área, forçando a geografia cultural a assimilar e a assumir sua
identidade, favorecendo a abertura de um novo ciclo. A primeira renovação
ocorreu nos Estados Unidos, mais precisamente na escola de Berkeley, onde o
processo de teorização historicista e a utilização da supraorgânica substantivaram
a geografia cultural, disseminando-a para inúmeras universidades mundo.

A morfologia da paisagem representou o carro-chefe de seus escritos,


pois reverenciou a impressão do homem (um autômato) na superfície terrestre
através da cultura (a entidade independente de leis próprias), ao invés da posição
determinista do meio ambiente. Fica evidente que a geografia cultural de Saeur
contemplou tendências do historicismo.

Dando continuidade ao processo de fixação da geografia cultural, chegamos


a um momento de desaceleração, a Fase II, “Transformações no campo geográfico
e o hiato nos estudos da cultura”. Sumarizamos, em uma abordagem amostral que
ocorreu entre os anos de 1950 a 1970, tempo em que existiram muitas tentativas
de direcionar e redirecionar a geografia, incluindo, consequentemente, o domínio
da geografia cultural. Uma das linhas epistemológicas em destaque refere-se à
teórico-quantitativa, alinhada ao neopositivismo e suas referências estatísticas.
Inicialmente, a associação da geografia ao método de análise matemático tratou
de silenciar algumas tendências, incluindo a sauariana, tecendo críticas por
afirmar que ela se ocupava com comunidades tradicionais, ao invés de utilizar a
visão pragmática em suas pesquisas.

Parte do período representou dois estágios: a perca de pujança da


geografia cultural e a transição para a renovação com incursão das novas
perspectivas críticas do materialismo histórico dialético, dando início à terceira
fase: “Imaterialidade e Renovação”.

O movimento da geografia de 1970 e pós-1980 reflete a inquietação


científica pela explosão de conhecimento proposto para a disciplina. Houve a
reflexão da ausência da versão crítica balizada pelo materialismo histórico e
dialético, cujo foco estava, principalmente, nas condições econômicas e sociais do
povo. Logo, a corrente enxergou a necessidade de romper com o neopositivismo e
gerar conteúdo no campo cultural da geografia, reafirmando as dinâmicas sociais
referentes às esferas de gênero e etnicidade, por exemplo. No entanto, sabe-se que a
filosofia não compreendeu a corrente idealista, assumindo incompatibilidade nas
visões filosóficas, cujo resultado volta-se à negligência das dinâmicas imateriais
do campo cultural.

O movimento de renovação, a virada cultural, além de tantos atributos,


vieram para corrigir algumas brechas que, ao longo da história do pensamento
geográfico, foram abertas, e uma delas referiu-se ao silenciamento das concepções
subjetivas. Houve a ressurreição da ordem fenomenológica, além das análises
voltadas ao mundo vivido, a valorização da cultura e experiências humanas junto
ao meio.

28
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

2 GEOGRAFIA CULTURAL – FASE I - AS PRIMEIRAS


APROXIMAÇÕES: CULTURA E GEOGRAFIA, O DESVENDAR
A PARTIR DE UMA GEOGRAFIA ENRIJECIDA
A geografia cultural denota-se como um subcampo expressivo da
ciência geográfica, mas a abordagem cultural passou por ciclos evolutivos
e complementares. Tais dinâmicas aconteceram sincronicamente com uma
engrenagem de dimensões maiores da disciplina, relacionadas à busca de método
e doutrina, além do seu objeto de estudo.

Anteriormente ao processo da utilização da cultura nas análises


geográficas, o método racional, naturalista imperou no Século XVIII, além do
crescimento e influência da física newtoniana. Observações, experiências e
cálculos matemáticos nascem a partir de conhecimentos voltados para análises
de estrutura e minerais das rochas, plantas e animais. Assim, a ciência geográfica
cria uma espécie de fosso, separando-o dos aspectos sociais e culturais (CLAVAL,
2010).

O ponto de vista, aos poucos, foi sendo minado pelos acontecimentos


dos demais fenômenos geográficos da contemporaneidade, gerando um certo
desconforto na comunidade acadêmica e limitando o campo de pesquisa que,
futuramente, buscou uma renovação. Os processos evolutivos foram sendo
observados timidamente.

Os aspectos racionais também se aplicaram às análises humanas e sociais,


já que, no fim do Século XVIII, questionamentos surgiram, porém, a perspectiva
utilizou bases utilitárias, observando o homem sob vistas dos interesses materiais
(CLAVAL, 2010).

Na perspectiva de Sauer (2011), é evidente, ao decorrer da evolução da


ciência, que a geografia se responsabilizou por uma subdivisão dos interesses
geográficos entre os grupos da geografia humana e cultural, limitando o
particularismo e objetivações. Apesar de ambas se desenvolverem no mesmo
período, cada uma surgiu com um ponto de partida.

Sendo a geografia cultural disseminada entre duas vertentes, certos


números de geógrafos compreendiam ela como um subcampo da geografia
humana, “[...] uma outra formulação da geografia humana” e, para outros, ela
surgiu com a perspectiva do estudo da cultura material dos grupos humanos
(CLAVAL, 2011, p. 5).

Todavia, compreende-se que, na passagem do Século XIX para o Século


XX, na Europa, surgiam as bases da dimensão cultural, marcadas por uma
aguçada curiosidade científica e pela diversidade das sociedades desde suas
línguas, técnicas, obras e princípios morais (CLAVAL, 2011). A geografia buscava,
na cultura material e na análise entre gêneros de vida e paisagens rústicas,
conteúdos básicos para o seu desenvolvimento (CLAVAL, 2002).
29
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Naquele século, grande parte dos geógrafos comungava do alicerce


científico naturalista, o qual deu apoio ao princípio de que o ambiente, mediante
suas leis, explicava a sociedade e, por conseguinte, a cultura. A partir da realidade,
empreendeu-se uma inclinação por uma geografia de conteúdos regidos pela
ação da natureza, com objeção negativa ao que estivesse à parte da concepção
científica. Suas premissas negavam o estudo das dimensões psicológicas ou
mentais da cultura, mas aprovavam o desenvolvimento disciplinar sob a ótica do
evolucionismo (CLAVAL 2002).

Com o olhar contemporâneo, compreende-se que era compartilhado o


uso da cultura em seu aspecto reducionista, fomentado pelos ditames de alguns
representantes da disseminação doutrinária. Quando a geografia tornou-se
livre do “fundamentalismo” religioso, imposto por uma sociedade teocêntrica,
automaticamente, foi fisgada por uma doutrina de afirmações racionais
formuladas por uma elite pensante, obscurecendo, por décadas, conteúdos
de ordens imaterial e subjetiva, em função da formulação dos dados objetivos
originários da ordem física.

No contexto da geografia ratzeliana alicerçada por Humboldt e Ritter,


foi realizada a primeira incursão de cultura na geografia, porém, a novidade
remete ao entendimento evolucionista darwiniano que influenciou diretamente
o desenvolvimento da geografia humana/cultural. Foi, sob o elo homem e seu
ambiente, evidenciado por Friedrich Ratzel, em 1882, que se discutiu a expressão
cultura. Apesar da ênfase ambientalista e de afirmações áridas na produção, o
alemão também se propôs a discutir uma geografia humana que também pôde
ser considerada cultural a modos da época. Os estudos eram voltados para a
mobilidade populacional, condições de assentamento humano e difusão da
cultura, todavia, geógrafos ocidentais disseminaram, em maior proporção, a faceta
ambientalista de suas obras, visto que a atmosfera preponderante doutrinaria a
partir do positivismo (SAUER, 2011).

Numa espécie de cenário investigativo em busca de conhecimento,


a geografia humana de Vidal de la Blache transpareceu pontos de contatos
semelhantes frente à geografia de Ratzel, em relação ao uso de referências básicas
de pesquisas. A exemplo de Ritter e as adversidades do evolucionismo, La Blache
optou pela perspectiva lamarckiana de adaptação das espécies ao invés do
proposto por Darwin quanto à seleção das espécies (CLAVAL, 2010).

A perspectiva de adaptação das espécies explicava o lugar, ou seja, a


combinação da adaptação dos grupos humanos ocasionava a apreciação do
gênero de vida, o qual podia ser visto através da paisagem.

Imersa no movimento, a geografia francesa vidaliana aderiu ativamente


aos resultados pautados na ecologia, assunto relativamente distante da geografia
cultural. Contudo, através do conceito de gênero de vida que foram descobertos
novos rumos da geografia clássica (CLAVAL, 2011). A partir de então, iniciou-

30
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

se uma sutil abordagem cultural, cujo foco limitava-se às técnicas e hábitos dos
grupos humanos. Nas interações analisadas entre o homem e o meio ambiente,
eram percebidas atividades de subsistência, como preparo do solo, cultivo,
colheita de alimentos, caça, pesca, criação de animais e a produção de utensílios,
como ferramentas.

Na visão vidaliana, mesmo não sendo expressamente declarados, existiram


momentos em que o discurso direcionou para fatores culturais, como os aspectos
da religião, contudo, a análise mais sensível centrou-se estritamente nas edificações
estruturais de igrejas, expondo templos e mesquitas (CLAVAL, 2011).

3 OS ESTUDOS DE CARL SAUER E SUA IMPORTÂNCIA


O conhecimento e a compreensão da fase Sauariana na geografia cultural
ocasionam a recuperação das bases que firmaram a disciplina. Adentrar no perfil
histórico é necessário, pois descortinaremos a evolução da geografia cultural.
Iniciaremos propondo responder, principalmente, duas perguntas, a primeira:
Quem foi Carl Ortwin Sauer? Toda história pessoal de Carl Sauer sugere um
caminho explicativo sobre suas escolhas enquanto geógrafo. A segunda pergunta:
Qual foi a importância de seus estudos para a geografia cultural? Essa explicará
as conexões realizadas por ele em virtude da construção do ramo da ciência
geográfica.

Em 1889, nos Estados Unidos da América, em Wisconsin, Carl Ortwin Sauer


nasceu. Embora sua nacionalidade seja estadunidense, suas origens familiares
permaneciam firmadas na Europa central, mais precisamente em Wurtemburg,
na Alemanha. O então pequeno Sauer, desde a infância, apresentava um perfil
intrépido, de natureza curiosa, pelo estímulo dos seus ambientes familiar e
educacional, ressaltando que parte do seu período escolar foi em um internato
alemão (GADE, 2011; MOREIRA, 2008).

Em busca de conhecimento, Sauer matriculou-se na universidade de


Northwestern, no curso de Geologia, porém, num intervalo de um ano, ingressou
na universidade de Chicago, transferindo-se para o curso de Geografia, criado
em 1903, por seu professor orientador, o geólogo Rollin Salisbury, pessoa quem
inspirou Sauer para além da graduação, pela metodologia utilizada, pautada na
base filosófica socrática.

Sua pesquisa de doutorado apresentou a face dos grupos étnicos


irlandeses, escoceses e os alemães que migraram para Missouri. A tese destacava
que eram os dois grupos mais importantes que ocuparam parte das montanhas
de Ozark. Na pesquisa, Sauer localizou esses povos e descreveu seu modo de
vida. Ele concluiu que a comunidade dos irlandeses (escoceses) apresentava um
estilo de vida simples, fincava raízes nas encostas do planalto e concordava em

31
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

ter uma vida simples, com recursos restritos. O comportamento era distinto do
praticado pelos alemães, por exemplo, que se instalaram nas várzeas dos vales,
locais de grandes terrenos com capacidade para criação de animais e práticas de
cultivo da terra.

“[...] Os alemães desenvolveram uma vida mais civilizada, manifestada


pelas casas bem construídas, uma dieta ampla e variada, e escolas para que os
filhos pudessem ler e escrever” (GADE, 2011, p. 24).

Alcançado o nível de doutor em 1915, Sauer conquistou novos espaços


para realizar pesquisas e disseminar práticas metodológicas variadas na geografia
cultural. Sauer apresentava características próprias de fazer ciência, como itens
relacionados à curiosidade, intelectualidade, ao historicismo aprofundado, às
formas, às relações com as funções intuitivamente evidenciadas e uma filosofia a
despeito de si próprio, a cultura como entidade supraorgânica. Foram alguns dos
modelos das perspectivas analisadas pelos geógrafos sauarianos Daniel Gade,
Speth, May, Entrikin, Penn e Lukermann (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

Considerada uma teoria utilizada de maneira implícita nas construções de


conhecimentos, o historicismo, para Speth (2011), teve os primeiros contatos com
o geógrafo a partir das obras dos representantes da matriz teórica, os filósofos
alemães Johann G. Herder e Goethe. A apresentação se deu por intermédio da
proximidade de Sauer com a origem germânica, em suas visitas a uma entidade
que produzia rodas de debates, discussões e estudos aprofundados sobre
ideologias historicistas firmadas pelos filósofos.

NOTA

Goethe foi um escritor clássico do Século XVIII, conhecido por sua dedicação
em disseminar o movimento cultural do romantismo. Herder, por construir um papel
importante nas ciências humanas. Quando fundamentou o conceito de cultura, contribuiu
para interpretação de textos filosóficos do romantismo. Contrário às teorias filosóficas
francesas proeminentes, teceu a teoria do desenvolvimento histórico mediante a base de
cultura nacional, que se justificava pelo período de unificação territorial que a Alemanha
passava (PEDROSA, 2015).

32
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 5 – BASE FILOSÓFICA DO HISTORICISMO

HISTORICISMO

Oriundo do Idealismo

Possui uma visão subjetiva da realidade, descobrindo, na


humanidade, uma vontade independente da natureza;

Fundamentado em um espírito transcendental;

Identificado como um movimento para resguardar valores


espirituais desgastados pelo cientificismo mecaniscista;

O idealismo concede, ao mundo, a vontade e o desejo.


É a esfera da liberdade, das ideias, do espírito.

FONTE: Adaptado de Speth (2011)

Um novo momento surge com a geografia cultural norte-americana em


1923, quando a Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, recebeu Carl
Ortwin Sauer, um professor transferido da Universidade de Michigan, em Ann
Arbor, que tinha o objetivo de dedicar-se e desenvolver sua carreira enquanto
geógrafo até o fim da vida, em 1957. Ele se dispôs a apresentar um formato
particular para pesquisar a ciência geográfica e, vista sua projeção, por ser
um exemplo de profissional erudito que se negou a replicar e a reproduzir as
abordagens recorrentes, foi eleito honrosamente o geógrafo norte-americano de
maior importância do Século XX (GADE, 2011; MOREIRA, 2008).

Segundo Corrêa e Rosendahl (2011), a escola de Berkeley teve papel


fundamental para a geografia cultural, pois representou o primeiro start no
desenvolvimento e disseminação de conteúdo intelectual.

NOTA

Berkeley é uma cidade da periferia da Califórnia, onde a geografia cultural


começou a florescer. A importância da escola introduziu, ao campo universitário, uma
importância como polo difusor dos estudos culturais na geografia, a famosa Escola
Saueriana ou Escola de Berkeley.

33
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

De acordo com Duncan (2011), a atuação de Sauer em Berkeley, entre as


décadas de 1920 e 1930, proporcionou sua aproximação com os maiores nomes
da antropologia cultural americana da época, Alfred Kroeber e Lowie, além da
aplicação da perspectiva cultural do superorgânico que, a princípio, dominou
não apenas a antropologia, mas a geografia cultural.

Tornando-se o principal fomentador do campo de pesquisa, o professor e


fundador da escola Berkeley introduziu as intervenções iniciais para os estudos da
geografia cultural, privilegiando a paisagem cultural, além das outras temáticas.

Dos anos de 1926 em diante, o professor embarcou em uma aventura de


descobertas e pesquisas pelo mundo. A primeira parada foi no norte do México,
local onde percebeu, através da paisagem, vestígios de uma sociedade pré-
industrial ainda com evidências, marcas que o levaram a descobrir o passado por
meio do presente tempo (GADE, 2011).

Para que vocês tenham acesso à realidade de vida daquela sociedade,


Cunha e Ávila (2019, p. 11) discorrem acerca dos acontecimentos na corrente da
década de 1920:

É importante ressaltar que a indústria de mineração petrolífera ainda


estava em seus estágios iniciais de desenvolvimento de suas técnicas
de operação, e que nem sempre a concessão de uma licença para
perfurar um posso se traduzia em sucesso comercial. Na década de
1920, a República Mexicana haveria de se tornar a maior exportadora
mundial de petróleo e a segunda maior produtora. Em 1921, de cada
cinco barris de petróleo produzidos no mundo, um era mexicano.

Entusiasmado, Sauer não parou e, assim, viajou por todo o país do México,
América Central e Antilhas, com o objetivo de investigar os aspectos da geografia
histórico-regional (GADE, 2011). Segundo Speth (2011), Sauer tinha uma visão
disciplinar baseada no historicismo com incursões atuais. Por meio da geografia
americana desenvolvida por ele, alguns dogmas deterministas foram excluídos,
proporcionando, ao pensamento geográfico, o foco no homem enquanto ser, e
agente modificador da natureza e da cultura.

A visão historiográfica de Sauer também carregou a influência do


departamento de história de Berkeley, através do professor historiógrafo Herbert
Bolton e seus estudos e transcritos documentais sobre a história do México e do
Sudoeste Norte-Americano.

A trajetória do geógrafo Sauer é vasta, resultou em relevantes obras,


muitas das quais os brasileiros desconhecem, pois ainda não foram traduzidas
para a língua portuguesa. Os assuntos permearam o mapeamento do uso da terra,
a domesticação das plantas e animais, geografia histórica do México, Antilhas e
Estados Unidos da América, e o importante texto sobre a origem e a dispersão da
agricultura no mundo inteiro (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

34
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

A partir de 1940, ele reuniu informações com base em observações


pessoais, fontes históricas e restos arqueológicos para sintetizar uma
longa discussão sobre as plantas do novo mundo (1950, 1952). Por mais
desatualizada que seja agora, aquela obra representava a primeira
apresentação da história cultural das plantas cultivadas originárias da
América Latina em sua diversidade (GADE, 2011, p. 25-26).

A abordagem colocou em destaque a impressão humana na Terra,


rompendo o enfoque preponderante do determinismo do meio ambiente (GADE,
2011). No caso, não ficou apenas na afirmação recorrente de que o ambiente era o
meio influenciador do homem. A cultura do homem, de certa forma, exercia seu
poder de transformação sobre o meio e comprimiu, em seus estudos, tendências
estéticas e filosóficas, empíricas e éticas do historicismo (SPETH, 2011).

Assim como toda teoria possui características próprias, o historicismo não


fugiu à regra:

• Descrição, comparação, indução, generalização sintética.


• Subjetividade, relativismo metodológico.
• Liberdade, contingência.
• Ênfase no passado.
• Importância da mudança, sucessão de fatos.
• Crença na diversidade e na importância do único fim em si mesmo.
• Tradicionalismo, moralismo.
• Contemplação, apreciação estética.
• Compreensão.

A morfologia da paisagem apresentada por Sauer não estava puramente


vinculada ao aspecto orgânico, mas sob a influência da cultura. “A cultura é o agente;
a área natural, o meio; e a paisagem cultural, o resultado” (SAUER, 2012, p. 69).

Contribuindo para o raciocínio de Sauer sobre cultura, os seus discípulos


Philip Wagner e Marvin Mikesell (2011, p. 27) apresentaram que:

Os aspectos da Terra, em particular aqueles produzidos ou


modificados pela ação humana, são de grande significado. O estudo
desses aspectos geográficos resultantes da ação do homem considera
as diferenças entre as comunidades humanas que criam ou criaram e
se refere aos modos especiais de vida.

Em outras palavras, a cultura torna-se um código a ser decodificado.


Seguindo o preceito de cultura, áreas foram rotuladas mediante os atributos
identificados pelas comunidades humanas.

Baseado nas discussões, o período precedeu o processo de revisão e


renovação dos conceitos de cultura utilizados pelos geógrafos. Analisando
temporalmente a trajetória da geografia cultural, que ultrapassa os 100 anos de
história do pensamento geográfico, Corrêa e Rosendahl (2012) desmembraram

35
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

a geografia cultural em duas vertentes essenciais: primeiramente, a geografia


cultural sauariana, estruturada no historicismo, que enfatizava a diversidade
cultural, buscando a compreensão do presente tempo sob o aspecto de valorização
do passado.

Wagner e Mikesell sintetizam que, ao analisar os aspectos da superfície da


terra, torna-se possível compreender a geografia cultural, pois a ligação entre os
aspectos ambientais e da ação humana apresenta os aspectos geográficos criados
ou mantidos pelos povos.

A cultura foi dimensionada dentro de uma base geográfica quando


compartilhada e difundida entre pessoas que ocupam uma área e cultura comum
ou por territórios diversos, por meio dos agentes, objetos e ideias que percorrem.

A atribuição de significados inerentes à cultura orienta a ação


(quer vista como símbolos ou utilitária) e resulta, desse modo, em
expressão concreta, como sistemas de crenças, instituições sociais
e bens materiais. Portanto, o caráter dos elementos da cultura deve
ser amplamente inferido da base de características significativas da
comunicação e simbolização – de fórmulas verbais a trajes e gestos
(WAGNER; MIKESELL, 2011, p. 29).

A área cultural apresentada desperta uma característica de uniformidade


relativa comparada a outras áreas, ou seja, apesar de muitas áreas se apresentarem
numa mesma continuidade geográfica e a língua ser semelhante, não significava
que as uniformidades eram absolutas, mas relativas.

Segundo Sauer (2011), para o geógrafo da área cultural, é importante


considerar, de maneira única, as representações, símbolos, personificações, todos
conjuntos culturais que possam remeter ou retratar qualquer expressão quanto
ao aproveitamento do homem na Terra.

Uma das funções do geógrafo consiste, primeiramente, em representar,


geograficamente, com mapas, a forma como estão organizados os vestígios
deixados pelas culturas. Em seguida, vários elementos são unidos para, assim,
formar associações genéticas. O processo inicia com uma minuciosa descrição que
data sua origem, e logo se dissocia em sínteses, formando sistemas comparativos
de áreas culturais (SAUER, 2011).

Conforme asseguram os geógrafos Wagner e Mikesell (2011, p. 32):

A similaridade cultural relativa aparece em diferentes graus, desde


a identidade virtual de atitudes e aptidões num pequeno território,
até semelhanças gerais ou ampla disseminação de características
individuais ou elementos de cultura em grandes áreas.

36
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Como continuidade da linha de pesquisa, e sobre a ótica da classificação,


descrição e distinção, outro item aparece como parte da compreensão cultural
da geografia, as paisagens culturais, que poderiam ser identificadas tanto pelos
aspectos ambientais como pelas transformações realizadas pelos indivíduos.
“[...] Para o geógrafo, a área cultural também é sempre uma ‘paisagem cultural’”
(WAGNER; MIKESELL, 2011, p. 35).

As paisagens culturais aqui estudadas, têm, como propósito, mostrar as


diferenças através do modo de comportamento do indivíduo sob o mérito das
culturas. A investigação também perpassa as circunstâncias de alterações naturais
por vias humanas.

Já a história da cultura prevê, com o nome enfatiza, buscar, no passado, o


descobrimento da gênese. É preciso elencar as características históricas possíveis
das áreas culturais e, consequentemente, das paisagens, assim, as descobertas
surgem por meio de questionamentos referentes ao passado. Em algum momento,
você já se perguntou sobre a história da sua região ou cidade? O que, por ventura,
pôde ter acontecido? Quais eventos, por meio dos caminhos e descaminhos
evidenciados pelos indivíduos e suas culturas? Eram tais questionamentos que
moveram a história da cultura.

Por meio de documentos, topônimos ou outras evidências linguísticas,


os investigadores podem descobrir sequências na ocupação de uma
área por diferentes grupos e podem conectar esses grupos a pessoas
em outras áreas, apresentando características similares (WAGNER;
MIKESELL, 2011, p. 35).

NOTA

Topônimos são referentes à toponímia. A nomenclatura refere-se a uma


relevante marca cultural que pode ser expressa pela apropriação espacial, por aqueles
distintos grupos culturais. A nomeação de elementos encontrados na cidade ou no campo,
desde ruas a marcos fronteiriços naturais, como rios.

Uma outra questão analisada na geografia de Sauer era a ecologia cultural.


Envolve apreciar alguns processos de correlação vinculados à manipulação
humana sobre o meio ambiente, identificando suas interferências no quesito bem-
estar de maneiras macro e micro, tanto das comunidades, como da humanidade
em geral.

De acordo com Wagner e Mikesell (2011), as propostas apresentadas


enveredaram a disciplina por cinco ramificações de estudo: cultura, área cultural,
paisagem cultural, história da cultura e ecologia cultural.

37
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

FIGURA 6 – BASE DE ESTUDO DA GEOGRAFIA DA ESCOLA DE BERKELEY

Cultura:
Classifica seres humanos e áreas ocupadas pelos grupos.

Área Cultural:
Região/território habitado em qualquer período determinado, por
comunidades humanas e caracterizado por culturas específicas.
GEOGRAFIA CULTURAL

Paisagem Cultural:
Tem uma função de descrição sistemática, e apresenta uma base para
classificação regional, possibilitando uma reflexão sobre a responsabilidade
do indivíduo frente às alterações geográficas, desvendando alguns aspectos
culturais de cultura de comunidades culturais.

História da Cultura:
Na reconstrução da sucessão local e regional de culturas e da história das
origens e dispersões culturais, adotam-se muitos dos mesmos indicadores
considerados na definição de áreas culturais contemporanêas.

Ecologia Cultural:
Compara dados observáveis, examina diferentes condições da paisagem.
Com o intuito investigativo, visa descobrir quais elementos da paisagem
podem ser vinculados a práticas recorrentes.

FONTE: Adaptado de Wagner e Mikesell (2011)

Apesar de componentes comuns, como as relações entre homem e meio


ambiente e articulações regionais e paisagens, o período de formulação da
geografia clássica também foi marcado por distintas intervenções geográficas
estabelecidas mediantes escolas formadas em países como França, com Vidal
de la Blache, Alemanha, com Ratzel, e Estados Unidos, com Carl Sauer, porém,
o último, apresentou outra capacidade de análise para as paisagens culturais,
baseada nas formas físicas e materiais. Contudo, além da perspectiva, foram
trabalhadas as combinações ecológicas de seres vivos, a materialização de práticas
humanas, compreendendo tanto as aptidões desenvolvidas como o conhecimento
(CLAVAL, 2010).

38
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

DICAS

Para uma melhor profundidade desses estudos sauerianos da Escola de


Berkeley, os geógrafos Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl, no ano de 2011, pela
editora EdUERJ, lançaram o vigésimo volume da coleção Geografia Cultural, com o título
Sobre Carl Sauer. O livro é de total interesse para os geógrafos que possuem interesse
em conhecer um pouco mais do desenvolvimento do processo dos estudos culturais
na geografia, principalmente através da obra apresentada. Carl Sauer, com um estudo
multidisciplinar, aprofundava-se em outras leituras das ciências humanas, como na
antropologia, sociologia e história, evidenciando e descortinando suas diferentes análises
sobre o campo cultural.

4 GEOGRAFIA CULTURAL – FASE II – TRANSFORMAÇÕES


NO CAMPO GEOGRÁFICO E O HIATO NOS ESTUDOS DA
CULTURA
No campo da geografia e, por conseguinte, no ramo cultural da geografia,
alguns períodos foram marcados por apresentar suas singularidades. Destacamos
que, apesar de dimensioná-los, não trataremos como períodos severamente
medidos, limitados em inícios e términos absolutos, porque se interpõem, se
cruzam. Em muitos casos, os períodos se iniciam anteriormente, como fase inicial
de pesquisa, mas eclodem ou se tornam mais conhecidas posteriormente. No caso
da fase dois da geografia cultural, assim como as demais, refletem, basicamente,
as conceituações sobre cultura, método de pesquisa, linha epistemológica e a
busca por um objeto de estudo autêntico da ciência geográfica.

Segundo Moreira (2008), no período da geografia clássica, eram comuns os


embates sobre os posicionamentos conceituais entre as principais escolas, alemã
e francesa, pois refletiam a busca por um eixo central da disciplina. Dentro da
efervescência, o destaque dava-se para o paradoxo entre a crítica e o prestígio, pois,
ao mesmo tempo em que a geografia se difundia e ganhava prestígio, por outro lado,
as críticas repercutiam e ganhavam espaço entre geógrafos do mundo inteiro.

Na fase anterior, até meados de 1940, a geografia cultural iniciou um


processo de desenvolvimento com a geografia humana, havendo uma significativa
ascensão nos estudos, porém, entrou na década de 1950 com sua força reduzida.
O lapso ecoou nos anos seguintes de 1960 e 1970, pela perca de interesse nas
pesquisas das dimensões materiais da cultura, além das transformações ocorridas
na sociedade e suas relações entre o homem e meio. Outro aspecto influenciador
foram as análises provenientes de técnicas quantitativas e, por conseguinte,
a crítica, representada pela forma de se fazer geografia, tendo em vista que a
linha teórica e práticas esbarravam numa realidade parcial, não apresentando
resultados semelhantes à realidade.

39
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Aproximadamente, na década de 1950, o pensamento geográfico


dominante entre o meio acadêmico era denominado por: geografia quantitativa,
pragmática ou nova geografia. Originou algumas novas percepções de teorias
regidas sobre uma base estatística. Com características marcantes, ela se destacou
por enfatizar, como premissas básicas, as seguintes percepções:

• Priorizar as investigações e seus resultados de modo objetivo, rápido e exato


com o uso da matemática e lógica como meio de linguagem.
• O empírico, o ato de pesquisar usando a experiência tornou-se prioridade no
âmbito do conhecimento.
• A apropriação de técnicas matemáticas e estatísticas era fundamental para
investigação;
• Recomendava-se que, na esfera científica, houvesse uma unanimidade na
linguagem entre todas as ciências.
• Em virtude do uso de técnicas com conjuntos de normas e procedimentos, era
exigida exatidão quanto à aplicação de métodos científicos.
• A utilização de um parâmetro único entre ciências sociais e naturais.

A corrente pragmática, além de outros interesses, teve, para a geografia


e o Estado, a finalidade de sinalizar um forte pactuado de poder, pois os dados
geográficos poderiam ser utilizados e manipulados estatisticamente como
instrumentos de informação nacional.

De forma explicativa, a geografia clássica apresentou limites e imperfeições


na sua construção, esta que repercutiu na apropriação e efetivo uso da metodologia
centralizadora de resultados, gerando um sentimento de desencanto e aflorando
após o período da segunda guerra entre os geógrafos. Além do senso, ocorrências,
como as gradativas independências política, econômica e cultural, instalavam-se
em parte das colônias. Ainda, outra questão diagnosticada foram os evidentes
abismos de desigualdade que se formaram entre os países industrializados e
aqueles que não eram.

Essa sensação de pouca consistência teórica e influxos internos produziu


obstinação em buscar um instrumento metodológico para explicar os novos
processos e interrogações ocorrentes. A situação, a princípio, estremeceu
o caminhar da subdisciplina, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos,
e as repreensões críticas metodológicas permeavam desde a linha teórico-
quantitativa ao materialismo histórico e dialético. Conforme Claval (1999, p. 48),
“[...] a geografia cultural entrou em declínio porque desapareceu a pertinência
dos fatos de cultura para explicar a diversidade das distribuições humanas”,
tendo em vista que as explicações via cultura se apoiavam na concepção
transcendental da entidade supraorgânica e pelo enquadramento dos estudos
do determinismo cultural.

40
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Percorrendo as fases de evolução e retração da geografia cultural,


ancoramos a leitura no fim da década de 1960 e na primeira metade de 1970,
tempo em que a nova geografia obscureceu a presença da geografia cultural,
tornando incipientes suas explicações por meio da cultura, vistas as mudanças e
modernizações que a sociedade enfrentava. “[...] A preferência mudou dos estudos
sobre paisagens culturais, habitat rural, sistemas agrícolas e difusão cultural para
estudos sobre lógicas locacionais e estudos urbanos” (CORRÊA, 2009, p. 2).

Fadada a um espaço com pouca representatividade, a geografia cultural


ficou subjugada aos apontamentos da grande disciplina, diga-se de passagem já
fragmentada, em setores da geografia física e humana. A perspectiva quantitativa
proposta se alinhava à análise com uma base do neopositivismo lógico, em
que a ciência geográfica incorporou, em seus estudos, análises matemáticas, e
apontou, com “exatidão”, os resultados de uma geografia cultural e humanizada.
Novamente, houve um choque entre o que se definia como teoria e realidade.

Então, ficou dividido entre a euforia da difusão da ciência geográfica


e a crítica, esta que gerou certa instabilidade entre a unidade dos geógrafos.
É importante ressaltar que a “crise” se deu num contexto em que a sociedade
moderna adentrava a fase inicial da ousada e forte industrialização, momento
em que o Estado se fazia presente em relação à reformulação e planejamento
dos espaços urbanos, nas mudanças da economia e avanço do capitalismo em
dimensão mundial. Tais características semelhantes foram recorrentes em
diversas sociedades, pois refletiram o momento pós-guerra (MOREIRA, 2008).

Inserida dentro do contexto, a geografia percebeu que estava lutando


com as estratégias erradas e que os problemas contextuais que assolavam a
discussão entre meio – homem eram mais profundos e possuíam outras diretrizes
e perspectivas de análise. Diante de enigmas e outros possíveis parâmetros
epistemológicos, a geografia desacelerou e propôs os objetivos de repensar e
questionar os padrões orientados até aquele momento (CLAVAL, 2010).

Cotada ao desaparecimento, a geografia cultural ressurge reformulada no


fim da década de 1970 a 1980, a partir um novo ciclo, a “virada cultural”. Ela cria
uma transição de renovação evidenciada por uma crítica às escolas Sauariana
e Vidaliana e maior valorização à cultura enquanto meio de compreensão do
mundo.

41
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

5 GEOGRAFIA CULTURAL – FASE III – IMATERIALIDADE E


RENOVAÇÃO
Estabeleceu-se que o marco de renovação da geografia cultural ocorreu
após a década de 1970 e 1980, num contexto epistemológico pós-positivista, em
que os estudos culturais estavam aliados a uma compreensão mais ampla de
mundo.

Holzer (2012) esclarece que mesmo que a geografia cultural estivesse


retraída pela ascensão da geografia quantitativa e pelo aparecimento da geografia
comportamental, geógrafos das linhas cultural e humanística buscaram restaurar
e recolocar a geografia que estava sendo esquecida. Primeiramente com David
Lowenthal e, posteriormente, com Yi-Fu Tuan, ambos com o método filosófico de
investigação alternativo, longe do descritivo.

A discussão proposta por Lowenthal desviava-se do eixo então dominante,


o da procura de metodologias que se adequassem aos modelos matemáticos,
remetendo-se para a fundamentação de uma teoria de conhecimento geográfico.
Seu ponto de partida era a “geosofia”, com base em um projeto de ciência que
abarcasse os vários modelos de observação, o consciente e o inconsciente, o objetivo
e o subjetivo, o fortuito e o deliberado, o literal e o esquemático (HOLZER, 2012).

Na perspectiva de Tuan, a geografia deveria aderir aos novos paradigmas,


favorecendo os estudos das vivências que se projetam de um lugar particular, a
exemplo do lar, para as paisagens mais globais, de uma paisagem humanizada
para outra mais primitiva (HOLZER, 2012). Sobre as experiências dos lugares, a
particularidade de sentimentos, vistas suas experiências de viagens (CLAVAL,
2011). Essas afirmações conceituais criadas por esses e outros autores imbuíram
todo o movimento vindouro da geografia cultural.

Segundo Claval (2011), aderir novos horizontes partia da necessidade de


uma melhor compreensão da escola francesa, seus desígnios, além das alterações
realizadas nas orientações humanista e radical das geografias inglesa e americana.

O processo de despertar para uma nova dimensão cultural na geografia


passou a ser evidenciado após a prefixação de alguns princípios. O primeiro
é evidenciado quando o conceito de cultura foi retomado dentro da linha da
geografia cultural, opondo-se às concepções antropológicas criadas por Edward
Tylor, no ano de 1871 (CLAVAL, 2011; CORRÊA, 2011). Posteriormente, a crítica
aos discípulos que faziam uso da definição de cultura autônoma e abrangente
desenvolvida pelo antropólogo Alfred Kroeber (DUNCAN, 2011).

[...] A década de 1970 foi, em realidade, uma arena de embates


epistemológicos, teóricos e metodológicos. Emerge uma geografia
crítica e diferentes subcampos que, nos anos 80, iriam confluir, em
parte, para gerar a denominada geografia cultural renovada. A
década de 1980 vê configurar-se a nova versão da geografia cultural
(CORRÊA, 2009, p. 2).

42
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Ainda em 1980, os debates de ordem epistemológica foram estendidos,


apesar das mudanças já ocorridas no domínio anglófono. Diferentemente das
propostas dos anos anteriores, em 1950 e 1960, a geografia não se apropriou dos
métodos científicos voltados para natureza nem para vida, mas apresentou, como
resultado, incessantes questionamentos sobre o que se entende pelo progresso,
desenvolvimento, influência e reconhecimento. O conjunto de fatores orientou
as ciências para as conhecidas “viradas”, iniciando com a “linguística”, “virada
espacial” e, por fim, na geografia, a “virada cultural” (CLAVAL, 2014).

Muitas das concepções preestabelecidas estavam sendo desmistificadas,


avaliadas e reinterpretadas. Algumas se referiam exatamente aos conceitos
abrangentes de cultura, paisagem cultural, objetivos e método de análise de
pesquisa. Romper com a antiga interpretação da paisagem cultural torna-se
um exemplo, pois compreendia que a cultura tomava o lugar da centralidade,
passando a se manifestar como o agente transformador da paisagem natural
(CORRÊA, 2014).

Buscando uma conotação significativa, as críticas revelaram ser contra


a percepção cultural apresentada como uma entidade superior ao homem. Não
bastava entender “[...] a cultura como entidade abstrata, supraorgânica, sem
agentes sociais concretos, sendo gerado um quadro harmonioso: a paisagem
cultural [...]” (CORRÊA, 2014, p. 41), pois o significado da paisagem também
possui realidades simbólicas, de explicações visíveis das manifestações na esfera
terrestre.

O contraponto dos estudos focados no conceito de cultura surge,


efetivamente, na década de 1970. Com uma nova interpretação para a temática, a
geografia inglesa eleva o nome de Denis Cosgrove, o qual se propôs a trabalhar e a
trilhar uma perspectiva marxista, cuja escolha ocorreu por influências acadêmicas.

O conceito de cultura tinha, para Cosgrove, outras raízes e


configurações. Com base em Cassirer, no Centre for Contemporary
Cultural Studies da Universidade de Birmingham, dirigido na
década de 1970 por Stuart Hall, de Raymond Williams, professor na
Universidade de Oxford, e na antropologia interpretativa de Clifford
Geertz, cultura era entendida como os significados elaborados e
reelaborados pelos diferentes grupos sociais a respeito das diversas
esferas da vida (CORRÊA, 2014, p. 40).

Baseados em suas convicções científicas, Cosgrove e Peter Jackson fazem


uma conceituação para a insurgência da geografia cultural:

Uma possível definição dessa “nova” geografia cultural seria:


contemporânea e histórica (mas sempre contextualizada e apoiada na
teoria); social e espacial (mas não reduzida a aspectos da paisagem
definidos de forma restrita); urbana e rural; atenta à natureza
contingente da cultura, às ideologias dominantes e às formas de
resistência. Para essa “nova” geografia, a cultura não é uma categoria
residual, mas o meio pelo qual a mudança social é experienciada,
contestada e construída (COSGROVE; JACKSON, 2011, p. 136).

43
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Como autor âncora da antropologia, que contribuiu para a geografia no


momento de ebulição científica, em relação ao conceito de cultura, Geertz pôde
reforçar o entendimento da diversidade cultural e acrescentar a possibilidade
de elencar diversas maneiras que obscureçam o sentido conceitual da cultura.
Todavia, alertou que tal ato ocasiona uma simplificação, empobrecendo a
concepção de estudo.

Imaginar que a cultura é uma realidade “supraorgânica” autocontida,


com forças e propósitos em si mesma, isto é, reificá-la. Outra é alegar
que ela consiste no padrão bruto de acontecimentos comportamentais
que, de fato, observamos ocorrer em uma ou outra comunidade
identificável (GEERTZ, 2008, p. 8).

No caso, os significados da cultura e da análise das paisagens passaram


a ser reconduzidos nas explicações geográficas. A princípio, tudo era esclarecido
por meio da cultura material, porém, cresceu a importância de explicação
segundo as mudanças que ocorriam na sociedade, a exemplo do enraizamento do
capitalismo e todos seus resultados impressos no organismo social. A abordagem
contemporânea firma-se na ideia de que o homem é um agente ativo e a cultura
não está à parte do indivíduo, mas intrinsecamente relacionada a ele, desde
costumes a princípios. A cultura deve ser analisada como parte das construções
sociais. Cosgrove e Jackson (2011, p. 142) afirmam que “[...] as culturas são
contestadas politicamente. A visão unitária de cultura dá lugar à pluralidade de
culturas, cada uma com suas especificidades de tempo e lugar”.

A partir do olhar, Corrêa (2011, p. 170) expõe que “[...] a diversidade cultural
não pode ser restrita às convencionais diferenças raciais, étnicas, linguísticas ou
religiosas”. Para Geertz (2008), quando o conceito de cultura delineia formas,
torna-se limitado, pois age especificando, sufocando e representando uma análise
não esclarecedora, apontando que não é adequado elaborar uma “Teoria Geral de
Interpretação Cultural”, tendo em vista que:

[...] O homem é um animal amarrado a teias de significados que ele


mesmo teceu, assume a cultura como sendo teias e a sua análise.
Portant,o não como uma ciência experimental em busca de leis, mas
como uma ciência interpretativa à procura do significado (GEERTZ,
2008, p. 4).

Cada grupo social produz cultura, e essa são várias, e podem ser recriadas,
heterogêneas e variantes.

Na geografia, em uma escala gradual de correntes, entende-se que a


diretriz do pensamento clássico progressista não foi capaz de sanar ou explicar
as dúvidas recorrentes do século XIX e XX. Ao longo da busca por um rumo, a
geografia foi apresentada à corrente do pensamento radical crítico, situando a
ciência nas realidades econômica, social e política.

44
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Essa conversa, da geografia cultura com a matriz crítica, apesar de


importante, por vezes, desvalorizou temas complementares, a exemplo de
concepções religiosas na geografia, sob a influência dos materialismos histórico
e dialético. Ainda, a retórica nas lutas de classes entre proletariado e burgueses,
processo produtivo, ou seja, em todo universo da produção capitalista.

A reflexão teórica marxista foi aplicada aos problemas sociais e


aos de ação política de transformação da sociedade em direção ao
socialismo. O procedimento rigorosamente materialista de análise
em busca de novas forças que realmente moviam a sociedade levou
os geógrafos críticos a marginalizarem as questões religiosas de seus
estudos. Em realidade, o materialismo histórico e dialético é ateu, isto
é, diferentemente de considerar a existência de Deus uma questão
científica, como no positivismo, admite plenamente, com base na visão
materialista, a inexistência de Deus (ROSENDAHL, 1996, p. 22).

Nos embalos das diversas possibilidades de pesquisa, a temática emudecida


na geografia tradicional e avivada na virada cultural foi a sacrorreligiosa. Apesar
de ecoar antes da renovação ou evolução da geografia de 1980, por décadas, foi
ignorada e, quando estudada, colocada sob a ótica do visível, palpável e objetivo.

Toda a movimentação colaborou para que o espaço de discussões ficasse


aberto para o surgimento de novas intervenções epistemológicas. A proposta
estava em dispor as diferentes possibilidades de análise, descapsulando as
práticas remanescentes, que determinavam alguns resultados e métodos únicos
como verdades absolutas.

Essas reflexões acerca do quadro epistemológico permitiram dar


abertura para a subjetividade humana no campo das pesquisas nas ciências
sociais, potencializando o processo da virada cultural. A ressurreição da ordem
fenomenológica reencontra ideologias ligadas às experiências dos homens nos
meios social e ambiental, compreendendo a significação no sentido dado às vidas
e à diversidade (CLAVAL, 2011).

[...] A corrente nova parece virar as costas à atualidade: volta-se para


as lembranças de infância e à maneira como modela a sensibilidade
das pessoas. Fala-se daquilo que dá charme às paisagens, descobre-se
a festa, o espetáculo (CLAVAL, 2011, p. 221).

O novo momento da geografia trouxe novas perspectivas e paradigmas


de análise, dando, ao indivíduo, a possibilidade de se apresentar a partir da sua
história de vida, contemplando a percepção que tem do mundo por meio da
construção que faz do lugar onde produz suas relações, envolvendo, inclusive,
suas convicções religiosas (ROSENDAHL, 1996).

Compreende-se que, no novo ciclo, a dimensão subjetiva não se sobrepôs


às análises de cultura material, mas construiu uma dinâmica aberta, valorizando
tanto uma quanto a outra, mediante o uso optativo nas pesquisas.

45
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Outro quesito preservado é a cerne conceitual da geografia: território,


lugar, região, paisagem e espaço. A partir destes que outros temas surgem. São
como uma trama, que cruzam segundo as perspectivas simbólicas e tecem as
variantes pertencentes aos conhecimentos geográfico e cultural. Questões são
levantadas, como identidade territorial, imaginário espacial, formas simbólicas,
literatura e música, religião etc.

Corrêa e Rosendahl (2012) consideram a geografia cultural um


conhecimento heterotópico, pois tem a capacidade de se enraizar por diferentes
horizontes a partir de uma base, sendo que nenhuma dessas zonas de ramificação,
por mais plural que seja, pode se sentir superior, já que a diversidade caracteriza
uma cultura aberta, sujeita a uma amplitude no campo de investigação.

A seguir, apresentaremos um resumo reflexivo de três concepções de


cultura utilizadas ao longo das três fases da geografia cultural.

QUADRO 2 – CONCEPÇÕES DE CULTURA

Classificação de três concepções culturais


CULTURA
• Conjunto de práticas, conhecimentos e valores.
Primeira • Cada indivíduo recebe e se adapta a situações evolutivas.
Concepção • Aparece, ao mesmo tempo, como uma realidade individual (resultante da
experiência de cada pessoa) e social (resultante de processos de comunicação).
• Não é uma realidade homogênea.
• Compõe muitas variações.
• Apresentada como um conjunto de princípios, regras, normas e valores que
deveriam determinar as escolhas dos indivíduos e orientar a ação.
Segunda
• Define-se como imutável.
Concepção
• É útil para compreender a componente normativa dos comportamentos.
• As regras são interpretadas para justificar e motivar as escolhas diversas.
• Apresentada como um conjunto de atitudes e costumes que dão, ao grupo
Terceira
social, a sua unidade.
Concepção
• Tem um papel importante na construção das identidades coletivas.

FONTE: Adaptado de Claval (2002)

Caro aluno, a compreensão de cultura ultrapassa níveis de realidades


diferentes, não podendo ser considerado um aspecto banal de ser analisado.
A cultura pode ser considerada um meio para interpretar formações sociais
complexas, grupos identitários, classes sociais com alguns seguimentos das
ciências, como antropologia, sociologia, história, religião e geografia, porém, nesta
última é importante percebê-la enquanto fenômeno dentro da ordem espacial. A
reflexão sobre o aparato discursivo propõe apresentar seus avanços, levando em
consideração a epistemologia, espaço dos acontecimentos e experiência de cada
autor no desenvolvimento de teorias e interpretações sobre a cultura.

46
TÓPICO 2 — UMA REFERÊNCIA AOS PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO DA GEOGRAFIA CULTURAL

DICAS

Sobre a perspectiva de estudo da geografia cultural, indicamos o vídeo Relação


da geografia com a cultura, desenvolvido pelo Observatório do Desenvolvimento Regional
(ObservaDR). A conversa foi realizada com o Dr. Rogério Haesbaert da Costa, a partir do uso
das categorias geográficas território, paisagem e lugar e suas conexões interpretativas. O
vídeo possui, aproximadamente, 11 min de duração, e pode ser encontrado na plataforma
digital do youtube, no endereço https://www.youtube.com/watch?v=P5N2x78YZYk.

47
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Na virada do Século XIX para Século XX, algumas mudanças ocorriam no


cenário científico. A geografia, enquanto ciência, abriu espaço mesmo que,
timidamente, para o desenvolvimento de um subcampo diferente de todos, o
da geografia cultural. É a área que se interessou pelas dimensões espaciais da
cultura, elevando temas referentes ao gênero de vida e paisagem cultural. As
escolas geográficas dominantes, no primeiro momento, atendiam aos interesses
vidalianos e ratzelianos.

• Por volta de 1925, nos Estados Unidos, na escola de Berkeley, a geografia


cultural apresenta uma força anteriormente não experienciada. Com Carl
Sauer, o subcampo foi difundido, motivo pelo qual construiu uma identidade
própria, firmada nas sociedades tradicionais, no historicismo e na antropologia
de Kroeber e demais autores da teoria supraorgânica.

• A geografia cultural passou por um período de inexpressividade, que se


iniciou na década de 1950, estendendo-se ao fim dos anos 1970. As críticas
advieram das correntes predominantes e da versão dos materialismos histórico
e dialético. Uns julgavam pela geografia cultural não conter uma análise fiel ao
teor pragmático, e outros por não se preocupar com as causas sociais e grupos
dominantes através do capitalismo, por exemplo.

• O processo de democratização do estudo da geografia cultural foi fomentado


desde a virada dos séculos 1970 para 1980, firmando em 1990, quando as críticas
cresceram e novos contextos teóricos sobre a valorização cultural surgiram.
Pode ser considerado um processo de evolução complementar, respeitando as
discussões em sua diversidade.

• Fizeram parte do movimento de renovação: a tradição contida nos estudos


de Sauer, as incursões da escola francesa de Vidal de La Blache, a corrente
filosófica fenomenológica, de significação e experiências, o materialismo
histórico representado por uma cultura dominante e alternativa de sociedades
de classes e, por fim, a concordância com as ciências humanas antropologia,
sociologia, das religiões e outras, que foram fundamentais para o fortalecimento
do subcampo da geografia cultural.

48
AUTOATIVIDADE

1 O nascimento da geografia cultural ocorreu no fim do Século XIX,


coincidindo com:

a) ( ) O nascimento da geografia econômica.


b) ( ) O nascimento da geografia física.
c) ( ) O nascimento da geografia humana.
d) ( ) O nascimento da geografia da religião.

2 Sobre os estudos de Carl Sauer, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Suas teorias foram amparadas na antropologia de Franz Boas do


supraorgânico, em que a cultura foi considerada uma entidade acima
do homem.
b) ( ) Foi a partir de 1925, em Berkeley, que a geografia cultural ganhou
identidade, segundo as bases do historicismo e sua valorização do presente.
c) ( ) O historicismo amparado no idealismo e a visão de cultura supraorgânica
de Kroeber conduziram os estudos de Carl Sauer.
d) ( ) Os discípulos de Sauer, em 1962, privilegiaram o estudo de cinco temas
na escola de Berkeley: cultura, paisagem cultural, história da cultura,
cultura dominante e ecologia cultural.

3 Quais as duas principais correntes do pensamento geográfico que fizeram


crítica à escola de Berkeley?

a) ( ) Teorético – quantitativa e fenomenologia.


b) ( ) Historicismo e materialismo histórico dialético.
c) ( ) Teorético – quantitativa e historicismo.
d) ( ) Teorético – quantitativa e materialismo histórico dialético.

4 Sobre a renovação da geografia cultural, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A década de 1980 representou uma fase obscura na geografia cultural,


prevalecendo o determinismo cultural e o senso comum.
b) ( ) A década de 1980 representou uma democratização dos estudos
culturais na geografia, a espacialização da cultura, a valorização
das perspectivas material e não material, o objetivo e subjetivo e as
experiências expressamente vividas e planejadas.
c) ( ) O período de renovação da cultura, apesar de ser valorizado com a
eclosão da “virada cultural”, não foi satisfatório, pois o conceito de
cultura não pôde ser redefinido, permanecendo com perspectiva única
do supraorgânico.
d) ( ) A renovação remonta um marco na geografia segundo o amparo na
base estruturalista, em que os estudos culturais estavam aliados a uma
compreensão mais ampla de mundo.
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50
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA


CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, até o presente momento, trouxemos, nos tópicos
anteriores, uma contextualização importante sobre os parâmetros em que
a geografia cultural se posicionou. Aparentemente localizadas em esferas
longínquas, as grandes escolas do pensamento geográfico, a exemplo da França,
Alemanha e Estados Unidos da América, tocaram, literalmente, a geografia no
Brasil, sim, algumas influências mais fervorosas, outras menos, mas assim que se
fortaleceu o campo cultural.

É chegada a hora de vocês conhecerem o perfil e incursões culturais


geográficas no Brasil entre as décadas de 1930 e posteriores, seus desdobramentos,
alguns pesquisadores, além de analogias.

Identificamos que o campo de estudo no Brasil constitui uma resposta


do processo de difusão realizado a partir de eventos de proporções maiores. Os
atos realizados formaram a inserção salutar, visto que, a partir do Século XIX,
o prisma sobre a geografia cultural ganhou um perfil caleidoscópico. A cada
giro ou fenômenos no espaço, uma nova abordagem se formava sobre cultura
na geografia. O processor de formas e funções diferenciadas foi mudando até o
formato que temos na década de 2000 na, então, geografia cultural brasileira.

A proposta congregou, nas temáticas, o cunho explicativo sobre a


história e desenvolvimento da geografia cultural no e do Brasil. A princípio, com
“Geografia cultural no Brasil: uma prévia das primeiras incursões”, “A produção
acadêmica da geografia cultural”, “Geografia cultural: um campo negligenciado
no Brasil”, “O florescer dos estudos culturais pós-1980”, “Principais difusores: a
expansão e o interesse da geografia cultural” e, por fim, “A produção acadêmica
da geografia cultural”.

51
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

2 GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UMA PRÉVIA DAS


PRIMEIRAS INCURSÕES
Iniciamos fazendo uma abordagem geral da condição da geografia do
Brasil enquanto grande disciplina entre os anos de 1930 a 1970. É certo que a
busca por uma compreensão mais abrangente se traduz em explicações futuras
sobre o campo da geografia cultural.

Antes da geografia ser estudada academicamente no país, o conhecimento


geográfico se fazia presente a partir de formas comunicadoras, a exemplo das
letras com a literaturas e imagens com a linguagem visual. Eram realizadas
descrições, classificações que traduziam as paisagens, além das distribuições
locacionais, porém, com uma percepção europeia marcada, inicialmente, pela
herança colonialista portuguesa (MOREIRA, 2008).

Moreira (2008, p. 30) afirma que “a geografia brasileira já nasce clássica”.


A máxima vem explicar que o desenvolvimento da ciência geográfica brasileira
se deve a um movimento sinalizado pela ciência em âmbito das grandes escolas
geográficas já existentes no mundo, cujas referências influenciaram diretamente
o crescimento.

Oportunamente, no Século XX, inúmeros trabalhos geográficos foram


produzidos. Apesar de obedecer às regras vigentes dos modelos descritivos e
estatísticos, tal ato se transformou em estratégia para fomentar a geografia no
Brasil. Com o apadrinhamento estrangeiro, foi natural que, de maneira inicial, a
geografia no Brasil tivesse sua essência marcada por princípios e interpretações de
ordens francesa, alemã e norte-americana. As influências enriqueceram a ciência
e, mais tarde, o diálogo se deu de maneira mais equilibrada, frente às construções
de conhecimento geográfico próprio do Brasil, proporcionando a construção
identitária de uma geografia brasileira realizada por sua gente (CLAVAL, 2012).

No ano de 1934, a geografia no Brasil ganha o primeiro capítulo: torna-


se acadêmica na Universidade de São Paulo (USP). Naquele ano, foi criado
o departamento de geografia e o de história. Mais adiante, em 1936, no Rio de
Janeiro, o segundo curso de geografia foi criado, na antiga universidade UDF,
atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (CORRÊA; ROSENDAHL,
2005; MOREIRA, 2008).

Geógrafos como Miguel Delgado de Carvalho, Everardo Backheuser,


Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines se destacaram por auxiliar na implantação
dos cursos, associação dos geógrafos do Brasil, congressos de geografia, conselho
nacional de geografia e órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).

52
TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

Delgado de Carvalho foi um dos grandes nomes do Século XX na


geografia brasileira. Foi ele quem introduziu o sentido de uma geografia
moderna no país. Com uma formação acadêmica francesa, Carvalho mergulhou
nas bases vidalianas que estavam em voga no começo daquele século, trazendo
a origem da escola francesa para lapidar os primeiros cursos e instituições de
geografia no Brasil. O tema relativo às ordens físicas sobre a primeira proposta
de divisão regional do Brasil, setentrional, meridional, norte oriental, oriental,
central/ocidental, subsidiou as posteriores divisões regionais elaboradas pelo
IBGE (MORREIRA, 2008).

FIGURA 7 – PRIMEIRA DIVISÃO REGIONAL EM 1913 POR DELGADO DE CARVALHO

FONTE: Costa e Farias (2009, p. 6)

53
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Everardo Backheuser também foi um dos representantes contemporâneos


no desenvolvimento da geografia brasileira. Ele traça adaptações da
antropogeografia ratzeliana com elementos conceituais franceses, segundo
Brunhes e Vallaux. Com uma pluralidade e diversidade de temas, Backheuser
hora perpassa pela geologia, geomorfologia, e outrora na geopolítica. Como
possibilidade, em 1944, ele apresenta uma combinação da geografia com a
religião, “a religião em antropogeografia” (MOREIRA, 2008).

Tanto Monbeig quanto Deffontaines foram discípulos de Vidal de La


Blache, fonte que direcionou teoricamente a geografia brasileira, as primeiras e as
gerações posteriores, consequentemente. O papel de ambos se cruzou mediante
as responsabilidades acadêmicas assumidas, primeiramente, com a USP e, depois,
com a UFRJ. Em um comparativo, Moreira (2008) singulariza Monbeig como
um produtor de trabalhos clássicos focado na geografia agrária, na base físico-
territorial, caracterizando a atomização em campos setoriais, ou seja, estudos
fracionados. Deffontaines, como um produtor de geografia integrada, baseado
na geografia humana do Brasil. O homem, meio descrito por ele, tinha uma
comunicação intrínseca, pois partilhava de uma leitura dos aspectos humanos e
do meio natural.

Para Claval (2012), Deffontaines teve um papel fundamental na


construção da geografia cultural, principalmente por suas reflexões acerca da
criação de cidades brasileiras. Ele percebeu que os grandes latifundiários, em sua
maioria, edificavam um templo que atendesse a necessidades da população. Em
torno da criação da igreja, passava a existir uma dinâmica espacial envolvida,
que modificava os arredores. Um grupo de pessoas passava a se deslocar
semanalmente para participar, por horas, das atividades religiosas desenvolvidas.
Em outros casos, havia a permanência de pessoas naquele espaço durante todo
o fim de semana, nas chamadas casas secundárias, aquelas construídas para uso
excepcional, no caso, para o compromisso religioso.

Durante a caminhada profissional, Pierre Deffontaines ressaltou algumas


pesquisas que apontam para uma geografia cultural francesa sobre folclore
e etnografia rural. Os recortes espaciais contemplam suas vivências pessoais e
manifestações visíveis da cultura referente aos países e regiões nos quais residiu:
no Sudoeste e Leste da França, Europa Central, Quebec, Catalunha e o Brasil,
num período curto antes da segunda guerra (CLAVAL, 2012).

Suas obras, para as geografias humana e cultural, O homem e a serra, O


homem e a floresta, O homem e o inverno no Canadá, O homem e a vinha, O homem
e o arado, O homem e as plantas cultivadas, substantivaram geógrafos brasileiros,
dos quais destacou-se Alberto Ribeiro Lamego Jr. Ele escreveu, nas décadas de
1940 e 1950, obras em estruturas semelhantes às de Deffontaines, mas com o teor
conteudístico brasileiro: O homem e o brejo (1946), O homem e a restinga (1946), O
homem e a Guanabara (1948) e O homem e a montanha (1950).

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TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

Como a mais importante matriz geográfica do Brasil, a escola francesa


se preocupava em apresentar, em suas pesquisas, os estudos regionais. De
forma alegórica, a cultura aparecia em uma ação conjunta entre elementos para
fornecimento de uma identidade regional.

Tratando-se da influência da escola sauariana nos estudos geográficos


brasileiros, pode-se dizer que, apesar de ter sido implantado pelo professor
Hilgard Sternberg na Universidade do Brasil até meados de 1960, o resultado
foi insatisfatório, pois não houve uma adesão frente à linha teórica holística de
Berkeley. Da década de 1970 até 1980, a geografia brasileira era dividida em
três linhas: tradução francesa, visão teorético-quantitativa e a referenciada pelo
materialismo histórico e dialético (CLAVAL, 2012).

Significativamente, a geografia cresceu, pesquisadores surgiram, mas o


campo da geografia cultural permanecia marginalizado. Independentemente
das particularidades, dinamismo e heterogeneidade cultural existentes no Brasil,
até o fim da década de 1980, inúmeros geógrafos desconheciam o subcampo de
conhecimento pertencente à ordem geográfica.

3 GEOGRAFIA CULTURAL: UM CAMPO NEGLIGENCIADO


NO BRASIL
Uma modesta perspectiva de crescimento quanto ao estudo cultural
geográfico pôde ser evidenciada na passagem da década de 1970 para 1980. O
período mostrou as ebulições científicas, o princípio de decadência das orientações
quantitativas e a ascensão de uma geografia radical ou crítica.

Contudo, algumas obras pós 1980, a exemplo de dicionários da geografia


humana-cultural, foram escritas com o intuito de reafirmar a geografia cultural
como ciência descritiva, com definições estabelecidas e conceitos existentes,
uma geografia norte-americana de ramo sistemático da geografia humana com
análises morfológicas em sua essência.

Apesar da efervescência iniciada em anos anteriores, inclusive com a


virada linguística, não mudou bruscamente a realidade do ramo da geografia. A
abordagem cultural ocorria esparsamente em pequenos grupos.

A passagem da década de 1970 no Brasil pouco impactou os movimentos


culturais na geografia, pois a influência da geografia clássica francesa prevaleceu,
principalmente nas produções acadêmicas. Com os trabalhos de conclusão de
curso, geralmente, permeavam temáticas de interesse regionais e locais, deixando
adormecido o aspecto cultural na maioria das pesquisas.

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UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Segundo Claval (2012), os geógrafos brasileiros estavam fadados às práticas


recorrentes e entusiasmados para experimentar outras epistemologias e temas
voltados para atualidade da época, como a dinâmica e conceituação do espaço.
Então, introduzida, pela literatura do geógrafo Pierre George, a compreensão do
movimento da geografia ativa ou crítica, além da base marxista, com vistas para
a geografia das populações mundiais.

No período, o Brasil estava sob a governança militar, motivo que favoreceu


a busca pelo afastamento do regime socialista e a implantação do experimento
comunista no país. O regime militar investiu nas incursões quantitativas
difundidas pelos Estados Unidos, com a justificativa: a aproximação com o
pragmatismo desvincularia o país do progressismo encontrado na Europa.

Em virtude da tomada e declínio militar, o contexto geográfico também


absorveu as mudanças. No fim da era militar, inúmeras hipóteses foram
contestadas e a verdades absolutas dadas como incertas, primeiramente, em
relação à geografia regional instituída pela escola francesa e, posteriormente, com
a geografia quantitativa norte-americana, com duas correntes que influenciaram
o desenvolvimento da geografia no Brasil.

Em 1970, como protagonista, a geografia crítica ou radical se instala


principalmente com a difusão de pensamentos materializados por Milton Santos.
Ele representou o start da renovação da disciplina no país, abordando temáticas
anteriormente sem esclarecimentos geográficos. Ainda, foi a fundo nos processos
de urbanização, globalização, países subdesenvolvidos. Um pesquisador ativo
desde que deixou um legado importante para a geografia.

O retrato da geografia cultural de 1950 a meados de 1980, no Brasil, era de


esquecimento ou desprezo quanto à renovação. Apesar do processo ter iniciado
na Europa, não foi suficiente para conquistar de imediato as cátedras brasileiras.
Empecilhos e interesses contra a efervescência permearam até a condição política,
pois o sentido científico oficial eram aqueles baseados na geografia lógica.

As conquistas da virada cultural no Brasil são introduzidas segundo práticas


disciplinares de uma geografia que renasce com a aplicação de representações
espaciais mentais, com os “mapas mentais”, de origem interdisciplinar, voltados
para a psicologia, cartografia e geografia, seguindo os autores Jean Piaget,
Bárbara Petchenik e o humanista Yi – Fu Tuan, grandes representantes na escala
de conhecimento.

A assimilação humanística se deu a partir da professora Lívia de Oliveira,


na passagem de 1960 para 1970. Como precursora de uma geografia humanística
no Brasil, Oliveira apontou para a possibilidade de estudar os fenômenos
imateriais com os de ordem material. Ela também trouxe, para a geografia,
associações didáticas baseadas nas leituras afetiva e cognitiva piagetiana. Em
parceria com Lucy Marion C. P. M., em 1975, desenvolveu trabalhos sobre a
percepção geográfica de adolescentes a partir de noções topológicas e euclidianas
na construção de mapas iniciais.

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TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

4 O FLORESCER DOS ESTUDOS CULTURAIS PÓS-1980


A reinterpretação cultural dirigiu parte das mudanças na geografia
cultural. Tem-se a impressão de se tornar mais coerente e participativa nas leituras
geográficas. Métodos alternativos, como traduções de materiais acadêmicos,
influenciaram positivamente, como o caso do livro Topofilia (topo= lugar, filia=
gostar de), de Yi-fu Tuan.

O geógrafo tornou-se o precursor de um pensamento humanista voltado


para as dimensões sensoriais e afetivas na geografia. A paisagem, por exemplo,
torna-se mais do que a conceituação “até onde nossos olhos possam ver”. Com a
nova dimensão, é possível utilizar todos os sentidos humanos.

Tuan realizou novas associações com incursões fenomenológicas, criando


uma geografia sob a compreensão do homem e suas realidades e, num sentido
interdisciplinar, aproximou-se das ‘convicções’ do Eric Dardel (1900-1968),
historiador, com formação semelhante à dos geógrafos na França.

Claval (2011, p. 157) aponta que L’homme et la terre “[...] foi escrito em uma
linguagem magnífica, clara, musical”.

Claval (2011) afirma que, principalmente, na obra, Dardel propôs


comunicar alguns novos aspectos possíveis na geografia a partir da apropriação
dos sentidos dados para si (homens) em relação às vivências na superfície terrestre:

1) Investigar mais intensamente sobre o sentido da existência humana no globo


terrestre.
2) Reconhecer as convicções religiosas.
3) Os mitos como abordagem na geografia.
4) Dimensões sobrenaturais, relativas ao que se torna indissociável ou
transcendente.

O período em que aconteciam as transformações ideológicas no Brasil,


a partir de autores como Lívia de Oliveira, refletiu os processos de “cultural
turn”, com as desconstruções conceituais anteriormente postas como verdades
absolutas e enrijecidas pelos métodos científicos.

A virada cultural chegou para dar continuidade à crítica dos fundamentos


dos povos ocidentais, difundindo técnicas de desconstrução e destacando teses
sobre os preconceitos europeu, oriental e o desenvolvimento após o colonialismo
(CLAVAL, 2011).

Claval (2011, p. 11) denomina o período pré-virada cultural a partir de um


contexto sem interconexão dentro da própria ciência geográfica:

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UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

A disciplina aprecia, como um conjunto de disciplinas: a geografia


econômica, geografia política, geografia social, geografia urbana,
geografia rural, geografia cultural etc. As fronteiras entre disciplinas
eram fortes e rígidas. As fronteiras entre a geografia, as outras ciências
sociais (salvo história) e as humanidades eram ainda mais altas e
rígidas.

Quando a virada cultural surge, tem o propósito de não permitir fronteiras


no interior da geografia, nem a relação dela com os demais campos científicos.
A finalidade é enxergar a cultura não apenas nas entrelinhas, mas em níveis
anteriormente desconhecidos, naqueles que revelam poder, crença e cotidiano,
por exemplo.

Não existe uma fronteira rígida entre a geografia cultural e a geografia


econômica: a oferta e a procura nunca são categorias econômicas
puras. A oferta vem de empresas, que têm culturas próprias; a procura
não se exprime em categorias abstratas. No Brasil, a procura de
alimentos é uma procura de feijões pretos, de farinha, de carne de sol,
ou camarões; na França, é uma procura de pão, vinho, de batatas, de
fígado gordo (CLAVAL, 2011, p. 11).

A virada cultural ocorrida no Brasil, em meados de 1990, descreveu um


movimento de dimensões compactas, mas com uma preocupação evidente: o
zelo pela solidez das bases teóricas. O ato de traduzir, para a língua portuguesa,
textos clássicos, materiais teóricos de diversos autores e em diferentes períodos
de evolução geográfica funcionou como estratégia, livrando a geografia cultural
de um possível caminho com superficialidade e efemeridade. A absorção cultural
na geografia não poderia se tornar um mero modismo que, a curto prazo, fosse
substituída por outros ventos de doutrinas.

A partir de então, iniciou-se o processo de plantação acerca do interesse


cultural e, a comunidade de geógrafos no Brasil, aos poucos, se deu conta da
diversidade e das características ricas, enérgicas e vivas da cultura presente no
território e povo brasileiro.

A cultura é comum, existe em todos os lugares e se manifesta rotineiramente


no espaço e tempo. No caso do Brasil, é possível que ela tenha dimensões maiores,
por apresentar características distintas entre as complexas e diferentes regiões.

Ao chegar em 1990, a geografia cultural passa a romper com aquela fase


de nulidade e silenciamento do ramo. Um novo ciclo se inicia, abrindo portas para
um processo de expansão que significa muito mais pela qualidade da pesquisa de
uma geografia brasileira.

Houve uma adesão de um novo público, conforme diagnosticaram Corrêa


e Rosendahl (2005). Apontam que os congressos rendiam números cada vez mais
expressivos, entre 2000 a 3000 geógrafos originários do Brasil, Europa e América
do Norte. Eram estudantes e profissionais, além de simpatizantes de áreas afins,
todos interessados em estimular a importância pela dimensão cultural do espaço.

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TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

Após a década, o bloco de estudos culturais que surgiu abordou “[...] a


natureza da experiência religiosa e, particularmente, as formas que assumem
no espaço”, ou seja, uma nova perspectiva que se distinguiu daquela em que a
paisagem refletia, materialmente, o impacto da religião (ROSENDAHL, 2003).

A geografia cultural, apesar de uma essência tradicional firmada nos


estudos vidalianos e, posteriormente, sauariana, somou possibilidades com a nova
versão da dimensão espacial da cultura, além das significações democratizadas.

5 PRINCIPAIS DIFUSORES: A EXPANSÃO E O INTERESSE DA


GEOGRAFIA CULTURAL
Sobre a expansão do estudo da geografia cultural, Corrêa e Rosendahl
(2005) afirmam que o esforço em estimular a área cultural no Brasil vem de
várias frentes, a princípio, da heterogeneidade cultural do país, da vitalidade, da
criatividade dos geógrafos brasileiros e, por fim, das relações entre profissionais
estadunidenses e europeus que incentivaram o estudo.

[...] Surgem periódicos especializados, como o Géographie et Cultures,


na França, criado por Paul Claval, em 1992, e o Ecumene, na Inglaterra
e nos Estados Unidos, em 1994, posteriormente redenominado de
Cultural Geographies. Ambos se juntam ao Journal of Cultural
Geography, criado nos Estados Unidos. A criação posterior do Social
and Cultural Geography ampliou as possibilidades de publicação de
textos relacionados à geografia cultural (CORRÊA, 2009, p. 2).

O fim do Século XX e início do Século XXI, no Brasil, mostraram ser


períodos significativos por alguns motivos, como a seguridade da virada
cultural. Em 1990, núcleos de pesquisa, a exemplo do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Espaço e Cultura (NEPEC), do Núcleo Paranaense de Pesquisa
em Religião (NUPPER), Núcleo Estudo em Espaços e Representações (NEER),
revistas, congressos e encontros, ganharam notoriedade e expressividade com a
disseminação dos aspectos culturais da geografia.

Nos dias atuais, já se sabe que houve mais disseminação de núcleos


de estudos culturais. Nos primórdios de 1993, o primeiro deles e de maior
expressividade nacional foi criado em novembro daquele ano, e coordenado pela
professora doutora Zeny Rosendahl e Roberto Lobato Corrêa, no Departamento
de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. A fonte de inspiração
para a introdução pioneira do “Espaço e Cultura” no Brasil originou-se de uma
unidade semelhante criada por Claval em Paris, em 1980.

Certamente, você deve estar se perguntado: Do que se trata o NEPEC?


Corrêa e Rosendahl (2005, p. 99) respondem que “[...] trata-se de um pequeno,
porém, ativo centro de produção e difusão no Brasil da geografia cultural.
Suas pesquisas têm três direções: relações entre espaço e religião, espaço e

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UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

simbolismo e cultura popular. A ênfase fixou-se na primeira das três temáticas”,


porque Zeny estava concluindo a tese de doutorado, cujo tema foi acerca do
centro de peregrinação do Porto das Caixas, na Baixada Fluminense. Os dois
outros eixos passavam a ser sustentados pelo interesse do professor geógrafo
Roberto Lobato Corrêa, meios auxiliares para o entendimento da ação humana
(ROSENDAHL, 2003).

De acordo com Rosendahl (2010), os anos 1990 se constituíram como


divisores de águas, marcados por algumas investidas na produção bibliográfica
e ousadas propostas de estudo: religião como uma construção cultural, paisagem
cultural, espaços públicos, literatura e música, percepção e significado, cinema,
espaço de festas populares, território, imaginário espacial, imagens, história
e biografia, grupos étnicos, gênero e sexualidade e identidade territorial
(ROSENDAHL, 2010). Todas essas temáticas se fortaleceram ao decorrer do
desenvolvimento da pesquisa da geografia cultural frente aos anos 2000.

A disseminação ocorre por várias frentes. A primeira delas refere-se


ao periódico espaço e cultura criado desde 1995. Geógrafos, colaboradores do
núcleo, como demais geógrafos com interesse em apresentar os resultados de
suas pesquisas. Outro instrumento lançado em 1996 foram as séries de livros
“Geografia e Cultura”, o simpósio internacional sobre espaço e cultura, NEPEC
textos etc.

O segundo núcleo foi fundado pelo professor Sylvio Fausto Gil Filho, em
2003, na Universidade Federal do Paraná. O NUPPER surge como um grupo de
investigação científica baseado nas humanidades, incluindo a geografia cultural.
São analisados fenômenos religiosos frente ao dualismo da singularidade e
pluralismo.

O NUPPER iniciou com o objetivo central de disseminar a tendência de


crescimento sobre as pesquisas referentes à religião, religiosidade e instituições
religiosas. Por meio de publicações de artigos na plataforma digital, e com
o fomento dos eventos de maior e menor proporção, como os congressos,
encontros e seminários, há facilitação do processo de conhecimento sobre parte
do ramo cultural. Inúmeros pesquisadores e estudiosos apresentam, discutem
cientificamente temáticas sobre novas metodologias, técnicas ou outras formas de
comunicação envolvendo diversos temas.

O NEER foi gestado a partir do movimento da “virada cultural”, na


década de 1990, sendo concebido somente no dia 19 de outubro de 2004. Seu
pleito maior se caracteriza pela institucionalização da abordagem cultural da
geografia praticada no Brasil. Para conquistar seus objetivos, o NEER tornou-se
um núcleo articulador, agregando conhecimento a partir de projetos e grupos
de pesquisas nas “universidades periféricas” (Salvador, Porto Alegre, Curitiba e
Porto Velho), ecoando a voz daqueles cursos que, por vezes, tiveram uma pequena
representatividade, por não estarem nos grandes centros, como São Paulo e Rio
de Janeiro (CLAVAL, 2012).

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TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

Reflexo de um processo evolutivo, o núcleo cresceu em números, dinâmica


e qualidade. Em 2019, são vinte instituições nacionais de ensino superior que
cobrem todas as regiões do país e, colaborativamente, produzem conhecimento
nas áreas de nova geografia cultural, geografia humanista, estudos de percepção
e cognição em geografia, geografia das representações e ensino de geografia no
Brasil.

O resultado dessas ações vem representar o êxito, a boa aceitação da


abordagem cultural na década de 2000, constituindo outros centros e pesquisadores
responsáveis pela difusão da disciplina, além do NEPEC, NUPPER e NEER.

6 A PRODUÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL


A produção acadêmica, na área da geografia cultural, iniciou-se,
pioneiramente, desde os anos de 1972, com a pesquisa da vanguarda no âmbito
geográfico religioso: “Pequenos centros paulistas de função religiosa”, por Maria
Cecília França, apresentada para título de doutoramento na USP. Com um tema
inédito nas cátedras brasileiras, França foi influenciada pela perspectiva do
impacto religioso sobre a paisagem nas cidades de Iguape, Bom Jesus dos Perdões
e Pirapora do Bom Jesus.

Contudo, a partir de 1990, seu crescimento se deu de forma criativa, e


temas como paisagem cultural, percepção e significados, religião como construção
cultural, espaço geográfico e literatura, cinema, espaço de festas populares,
território, imaginário e identidade passaram a fazer parte da diversa produção
acadêmica no e do Brasil (CORRÊA; ROSENDAHL, 2005).

Zeny Rosendahl é um dos grandes nomes que, com Roberto Lobato


Azevedo Corrêa, contribuiu para o desenvolvimento da produção cultural na
geografia.

São gerados conceitos e princípios dentro do campo da geografia da


religião. O primeiro é do espaço sagrado, explicado pela inter-relação entre
ponto fixo e entorno. Com outros conceitos geográficos, é lançada a concepção de
espaço profano. Os demais temas propostos foram: fé, espaço, tempo-difusão e
área de abrangência; os centros de convergência e irradiação religiosa; território e
territorialidade; e lugar sagrado, vivência, percepção e simbolismo.

Destaca-se que a análise do estudo sobre espaço e religião traz a concepção


ontológica do filósofo das religiões, historiador e sociólogo Mircea Eliade, o qual
trouxe, para a geografia da religião, a compreensão e a distinção conceitual sobre
o sagrado e o profano.

61
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

A geografia da religião, como um campo da geografia cultural, passa a ser


interpretada segundo processos dinâmicos que ocorrem entre os grupos sociais
em espaços diversos. Portanto, seu estudo representa inúmeras possibilidades de
enxergar as influências religiosas no espaço.

Na geografia da religião brasileira, também se destaca um grande nome,


o do professor Sylvio Fausto Gil Filho, com diversas publicações. Em obras,
são explicados conceitos de poder, representações e o sagrado. Na geografia,
espaços de representações e da territorialidade do sagrado. À luz da teoria, foram
colocadas três realidades religiosas diferentes: o estudo do cristianismo católico
romano, do islã shi’i e da peregrinação bahá’í, nas cidades de Haifa e Akká.

NOTA

Shi’i refere-se à frase “seguidores de Ali”. É um termo corriqueiramente escrito


como xiita na língua portuguesa, referindo-se àquele grupo que tem, como crença, uma
sucessão espiritual e temporal do profeta, o qual segue uma linhagem de descendentes
mediante o genro do profeta Ali (GIL, 2012).

A fé bahá’í refere-se à religião que teve origem em 1844, na antiga Pérsia, onde
se localiza, atualmente, o Irã. Seu fundador foi Mírzá Husayn ‘Ali Nurí. Após sua trajetória,
a fé bahá’í destinou-se a defender uma mensagem da unidade mundial. A destinação
da peregrinação para Akká tem correspondência com a história da religião. O lugar é
considerado uma Terra Santa para os devotos (GIL, 2012).

Esses são os principais nomes de influência e pesquisa atuantes na área


da geografia cultural no Brasil, a qual abrange temas culturais para além da
religião. Assim, teoria e conhecimento vêm sendo disseminados, fomentando o
despertar das novas possibilidades de compreender o espaço, além do acréscimo
da produtividade acadêmica segundo o olhar heterogêneo das temáticas
encontradas pelos geógrafos brasileiros.

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TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

A GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL

Roberto Lobato Corrêa


Zeny Rosendahl

Negligência e gênese da Geografia Cultural

A geografia brasileira de cunho acadêmico nasce em 1934, com a criação


do departamento de geografia (e história) na Universidade de São Paulo. Em
1936, aparece na cidade do Rio de Janeiro o segundo curso, na atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, há mais de 150 cursos de geografia, dos
quais 25 oferecem cursos em nível de mestrado. Rapidamente, o número de
cursos oferecendo o nível de doutorado aumenta, ultrapassando meia dezena.

A despeito do elevado número de cursos de geografia, a grande maioria


dedicados quase que, exclusivamente, à formação de professores do ensino
secundário, e a despeito da heterogeneidade cultural do Brasil, a geografia
cultural foi, até ao fim da década de 1980, negligenciada, mesmo desconhecida
pelos geógrafos brasileiros. Aspectos da cultura, no entanto, eram tratados nos
estudos regionais, mas não eram priorizados, nem se tinha a consciência de que a
cultura, em suas múltiplas manifestações, poderia ser tema central nas pesquisas.

A escola francesa de geografia, a mais importante matriz da geografia


brasileira, priorizava os estudos regionais e a cultura se constituía em mais um
elemento da complexa combinação de elementos que forneciam a identidade
regional. A geografia saueriana, a despeito dos esforços do geógrafo brasileiro
Hilgard Sternberg, professor no Rio de Janeiro até meados da década de 1960,
depois transferindo-se para Berkeley, não repercutiu no país. Durante as décadas
de 1970 e 1980, a geografia brasileira dividia-se em três linhas, de acordo com a
tradição francesa, segundo a visão teorético-quantitativa e de acordo, após 1980,
com a perspectiva crítica, calcada no materialismo histórico e dialético.

A heterogeneidade cultural do Brasil, assim como o seu dinamismo, a


escala dos praticantes da geografia (os congressos de geografia reúnem entre
2,000 e 3,000 pessoas) e as inúmeras redes estabelecidas com geógrafos europeus
e norte-americanos contribuíram para que fosse despertado o interesse pela
dimensão cultural do espaço. Afinal, parafraseando Denis Cosgrove, a cultura
está em toda parte, manifestando-se no espaço e no tempo, especialmente se o
espaço for amplo, diversificado e mutável, como é o Brasil.

A geografia cultural está implantada no Brasil. Como tal, entende-se aquelas


geografias de matriz saueriana, influenciada pela denominada nova geografia
cultural e pelo approche culturel de Claval. A sua implantação gerou polêmicas

63
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

pois, afinal, o que é visto como novo pode desafiar o establishment geográfico. No
entanto, os adeptos da geografia cultural brasileira são, por definição, adeptos de
uma heterotopia geográfica, sem a ascendência de nenhum grupo.

A expansão da Geografia Cultural: o NEPEC

Em 1993, foi criado, no Departamento de Geografia da UERJ (Universidade


do Estado do Rio de Janeiro), o NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Espaço e Cultura). Criado e coordenado por Zeny Rosendahl, trata-se de um
pequeno, porém ativo centro de produção e difusão no Brasil da geografia
cultural. Suas pesquisas direcionar-se-iam em três direções: relações entre espaço
e religião, espaço e simbolismo e cultura popular. A ênfase, contudo, fixou-se na
primeira das três temáticas.

Em 1995, foi lançado, pelo NEPEC, o periódico Espaço e Cultura, com dois
números por ano. Em seu Conselho Consultivo fazem parte, entre outros, Marvin
Mikesell, Denis Cosgrove, Paul Claval, representantes, respectivamente, da
perspectiva saueriana, da denominada nova geografia cultural e da visão francesa
em geografia cultural. O teólogo Leonardo Boff (Teologia da Libertação) também
é membro do Conselho. No fim de 2003, quinze números foram publicados.

Em 1996, aparece a série de livros intitulada Geografia Cultural, que tem


uma difusão mais ampla do que o periódico. Trabalhos completos de um geógrafo
brasileiro e coletâneas de importantes textos publicados originalmente em outra
língua são publicados na coleção que já possui dez livros publicados.

Três simpósios de âmbito nacional foram realizados, em 1998, 2000


e 2002, cada um 16-20 “papers” e participação de 120-200 pessoas, estudantes,
pesquisadores e professores universitários.

Em 2003, dez anos de existência, o NEPEC lança outra publicação, NEPEC


TEXTOS, de produção artesanal e destinada à divulgação de suas próprias
pesquisas, as quais estão fortemente focalizadas nas relações entre espaço e
religião.

Contudo, é preciso ressaltar e existência de outros focos autônomos, nos


quais a geografia cultural constitui-se em prática por parte de alguns geógrafos.
São universidades públicas que têm um programa de pós-graduação em geografia,
entre elas as de Goiânia, Fortaleza, Uberlândia e outras universidades na cidade
do Rio de Janeiro. A produção desses focos é significativa e serão comentados,
mais adiante, os livros de Almeida e Ratts, Haesbaert e Monteiro.

A expansão da geografia cultural no Brasil fez com que, em 2003,


a International Geographical Union (IGU) organizasse, por intermédio do
Working Group of Cultural Approach in Geography, presidido por Paul Claval, uma
Conferência Regional sobre a Dimensão Histórica da Cultura. Realizada na cidade
do Rio de Janeiro, reuniu cerca de 100 “papers”, 60 de brasileiros.

64
TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

As traduções como estratégia de difusão

Os organizadores do periódico Espaço e Cultura e da série de livros


intitulada Geografia Cultural têm tido, como uma de suas preocupações, contribuir
para estabelecer uma sólida base teórica na geografia cultural brasileira. O cultural
turn que, no Brasil, ocorreu, ainda que de modo restrito, a partir do início da
década de 1990, poderia correr o risco de uma apropriação superficial e efêmera,
transformando-se em moda a ser substituída em breve por outra. A apropriação
superficial e efêmera já ocorrera na geografia brasileira, primeiramente, com a
denominada geografia teorético-quantitativa, por volta de 1970 e, em segundo
lugar, com a geografia radical, de matriz marxista, por volta de 1980. Com a
geografia humanista, a difusão e adoção foram mais efêmeras e limitadas ainda,
e os seus poucos adeptos foram incorporados à geografia cultural na década de
1990. A tradução, para a língua portuguesa, de textos clássicos, que representam
posições teóricas nitidamente identificáveis, e de debates no âmbito da geografia
cultural, foi uma solução encontrada. Solução condizente com as necessidades e
vicissitudes da geografia brasileira.

Dos textos traduzidos e publicados, citam-se os de Carl Sauer (1998, 2000a,


2000b), incluindo o clássico The Morphology of Landscape, de 1925. A geografia
cultural da Escola de Berkeley está ainda representada com a introdução de
Readings in Cultural Geography, de Wagner e Mikesell (2000). A denominada
nova geografia cultural, por sua vez, está presente com textos referentes às
críticas à Escola de Berkeley, como Duncan (2002) e Cosgrove (1997). Cosgrove
e Jackson (2000), Cosgrove (1998, 2000) e Duncan (2000) apresentam os aspectos
fundamentais da geografia cultural renovada. Meinig (2002) foi incorporado à
língua portuguesa pelo seu texto sobre as dez versões de uma mesma paisagem.

A contribuição a uma perspectiva marxista da geografia cultural levou à


tradução do texto de Williams (2002) sobre base e superestrutura, assim como ao
polêmico artigo de Mitchell (1999), seguido das réplicas de Cosgrove, Duncans e
Jackson e da tréplica do próprio Mitchell.

A geografia francesa, de forte influência na geografia brasileira, teve


traduzidos, entre outros, textos de Sorre (2002), sobre os “genres de vie”, Gallais
(2002), a respeito do “espace vécu” nos países tropicais, de Bonnemaison (2002),
sobre o conceito de território, assim como pequenos textos extraídos do debate,
publicado em 1981, na revista L’Espace Géographique. Paul Claval, fundador do
periódico Géographie et Cultures, tem exercido forte e fértil influência na geografia
cultural brasileira. Além de seu Géographie Culturelle, traduzido e publicado pela
EDUSC (CLAVAL, 1999b), há, em língua portuguesa, uma avaliação da geografia
cultural brasileira (CLAVAL, 1999a) e dois outros textos sobre a natureza da
geografia cultural (CLAVAL, 2002) e sobre a contribuição da geografia francesa à
geografia cultural (CLAVAL, 2003).

Os textos indicados estão, sobretudo, na série de livros Geografia Cultural


(CORRÊA; ROSENDAHL, 1998, 2000a, 2000b, 2002 e 2003).

65
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

A produção brasileira: uma seleção

Parcialmente influenciada pelas traduções, mas dotada de forte


criatividade, a produção brasileira, em geografia cultural, tem crescido muito a
partir da década de 1990. Paisagem cultural, percepção e significados, religião
como uma construção cultural, espaço geográfico e literatura, cinema e espaço de
festas populares, tanto o carnaval do Rio de Janeiro como festas de origem rural,
território, imaginário e identidade são alguns dos temas abordados e publicados
(ROSENDAHL; CORRÊA, 1999, 2001a, 2001b, 2001c).

Pela importância que apresentam, foram destacados os textos sobre


religião e espaço de Rosendahl (1996, 1997, 1999), de Haesbaert (1997), Monteiro
(2002) e Almeida e Ratts (2003).

Espaço e religião têm, em Rosendahl, grande ênfase. A partir das ideias


de Mircea Eliade, o sagrado e o profano têm sido vistos numa perspectiva
geográfica. A autora propõe, inicialmente (ROSENDAHL, 1996), os temas (a) fé,
espaço e tempo: difusão e área de abrangência; (b) os centros da convergência e
irradiação; (c) religião, território e territorialidade; e (d) espaço e lugar sagrado:
percepção, vivência e simbolismo. Esses temas foram, posteriormente, ampliados
e agrupados em três dimensões de análise, econômica, política e do lugar
(ROSENDAHL, 2003). As hierópolis têm sido também um foco de interesse da
autora (ROSENDAHL, 1999), que analisou centros de peregrinação na periferia
da metrópole do Rio de Janeiro, no Nordeste e na região Centro-Oeste. Seus
interesses estendem-se a centros religiosos latino-americanos e europeus.

A contribuição de Haesbaert (1997) situa-se nas confluências da geografia


cultural e geografia regional. Ao Oeste do Estado da Bahia, analisa e interpreta as
profundas transformações regionais envolvendo mudanças econômicas, sociais,
políticas e culturais, com a substituição da cultura tradicional do Nordeste,
associada à pecuária extensiva, por uma cultura moderna, de imigrantes oriundos
do Sul do Brasil e associada à agricultura especulativa da soja. A paisagem cultural
é transformada radicalmente.

Espaço geográfico e literatura constitui-se em tema que, nos últimos 30


anos, tem atraído o crescente interesse dos geógrafos. Douglas Pocock e Marc
Brossseau, por exemplo, têm grandes contribuições a respeito. No Brasil, onde o
interesse pela temática tem as origens no começo dos anos 90, destaca-se o livro
de Monteiro (2002), O mapa e a trama. Geógrafo oriundo da climatologia, área na
qual tornou-se um expoente, interessou-se, recentemente, pela geografia cultural,
particularmente, pelas relações entre espaço e literatura.

Em seu livro, romances de seis consagrados autores brasileiros são


geograficamente interpretados. Três – Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Lima
Barreto – retratam, cada um a seu modo, a cidade do Rio de Janeiro do Século

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TÓPICO 3 — A CENTRALIDADE DA ABORDAGEM DA GEOGRAFIA CULTURAL NO BRASIL: UM CAMINHAR PARALELO ENTRE A
ORIGEM, “NEGLIGÊNCIA” E DINAMISMO

XIX, quando a cidade passa por grandes transformações socioespaciais. Os três


outros autores – Graça Aranha, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa –, do Século
XX, retratam o mundo rural, a colonização alemã no estado do Espírito Santo,
o drama da seca no Sertão do Nordeste e a vida na região do cerrado em Minas
Gerais.

O mapa e a trama representa um esforço ampliado e sistemático de fortalecer


a geografia cultural por meio da interpretação geográfica de textos literários.
Artigos, dissertações de mestrado e teses de doutorado também contribuíram
para o avanço da geografia cultural, mas ainda há muito a ser feito. Afinal, a
heterogeneidade cultural do Brasil suscitou, de um lado, uma rica literatura de
cunho urbano e regional e, de outro, uma rica produção geográfica. O diálogo
entre ambos, como sugere Brosseau (1996), está apenas iniciado no Brasil.

Geografia e Leitura Culturais, coletânea organizada por Almeida e Ratts


(2003), constitui-se em outra significativa expressão da produção brasileira em
geografia cultural. Reúne doze textos de geógrafos, dos quais dez são brasileiros.
O conjunto de textos revela uma visão ampla do que se entende por cultura e
geografia cultural. A influência francesa, cuja matriz reside na Escola Vidaliana
e é mantida graças à forte e fértil influência de Paul Claval, está presente na
maior parte dos textos. A influência da Escola de Berkeley e da denominada nova
geografia cultural é praticamente nula, refletindo, sem dúvida, a matriz francesa
na formação dos geógrafos brasileiros, iniciada com a criação do primeiro
departamento de geografia (e história) em 1934, na Universidade de São Paulo.

Os textos incluem uma variedade de temas, paisagem cultural, percepção


e imaginário, os territórios indígena e de ex-escravos (quilombos), sistema de
cidades, cemitérios, festa popular e cartografia cultural. Agricultores, ciganos,
índios e citadinos de diferentes classes sociais são os atores sociais que os textos
abordam. O presente, por sua vez, entendido como uma seção atual do tempo,
dotado de longa espessura, é privilegiado nos textos da coletânea organizada por
Almeida e Ratts. A região Nordeste, em cujas universidades leciona grande parte
dos autores, é o foco principal de interesse. Regiões como a Amazônica e o Sul
estão ausentes da coletânea.

Apesar de muitos dos doze artigos não revelarem uma explícita base
teórica, caracterizando-se como descrições ou interpretações superficiais, trata-se
de um grande esforço que representa um grande passo no processo de construção
de uma sólida e rica geografia cultural brasileira.

Os geógrafos brasileiros iniciaram apreciação da obra de expoentes da


geografia cultural e humanista. Sauer, Schluter, Tuan, Dardel e Berque já foram
apreciados (ROSENDAHL; CORRÊA, 2001a).

67
UNIDADE 1 — UMA VERSÃO INTRODUTÓRIA DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL, CONTEXTOS, ABORDAGENS,
RETRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

Perspectivas para a pesquisa

Com uma superfície de 8,5 milhões de km2 e uma população superior a 170
milhões de habitantes, a geografia cultural tem muito mais a fazer. Especialmente
porque rápidos e intensos processos de transformações econômica, social e
cultural alteram a distribuição espacial da população, valores, hábitos e crenças, a
paisagem cultural e os significados atribuídos à natureza e às formas socialmente
produzidas. Ainda, há áreas para povoamento. País industrializado e urbanizado,
com moderna atividade agropecuária e áreas de fronteira de povoamento, o
Brasil oferece contrastes que incluem desde a região metropolitana de São Paulo,
com 18 milhões de habitantes, até selvagens vales da bacia amazônica, áreas de
colonização alemã e áreas de decadentes plantações canavieiras. Ainda, áreas
com fortes conflitos pela terra.

As perspectivas para a pesquisa em geografia cultural são imensas.


Admite-se que pesquisas empíricas em um contexto policultural como o Brasil
podem alimentar novos conceitos e ampliar a base teórica da geografia cultural.
Hipotetiza-se, a partir da produção brasileira em geografia cultural, que conceitos
como regiões culturais emergentes, regiões culturais residuais, paisagem
poligenética e simulacros espaços-temporais (disneyfi cation) possam ser
enriquecidos a partir do Brasil, país de contrastes culturais e de forte dinamismo
espacial.

FONTE: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. A geografia cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro, 2005.

CHAMADA

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68
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Por traz dos resultados de uma geografia cultural sólida no Brasil, houve
um processo de formação da subdisciplina que iniciou academicamente no
decorrer da década de 1930, com a criação de órgãos e cursos de geografia. A
influência francesa predominou com perspectivas regionais de Deffontaines e
demais geógrafos. Quanto à introdução cultural na geografia, esta restringiu-
se a aparições sutis como partes dos estudos regionais, evidenciadas pelas
construções de templos de igrejas e manifestações culturais visíveis.

• A geografia cultural passou por algumas fases em âmbito global e no Brasil.


Uma reflete a negligência pelo interesse da dimensão cultural encontrado
no espaço, principalmente pelos modos vidaliano, o teorético quantitativo e
o materialismo histórico e dialético. Todos apontavam secundariamente os
aspectos culturais, embora o período de 1980 fosse favorável em virtude da
alta renovação cultural ocorrida na Europa. No Brasil, ainda havia retração,
não sendo aceitas, de imediato, as perspectivas da virada cultural.

• A virada cultural tornou-se efetiva no Brasil em 1990, período em que se


desenvolveu uma efetiva preocupação pela dimensão cultural do espaço.
Houvre busca de conhecimento evidenciada por traduções de textos clássicos
para língua portuguesa, além do cuidado com as bases teóricas escritas por
autores diversos e com diferentes linhas de pensamentos.

• Quando tratamos das pesquisas de ordem cultural na geografia, ao invés de


excluir, trata-se de agregar, além de repensar conceitos, modelos teóricos e
crenças. Torna-se um ato de reflexão o estudo da espacialização da cultura.
A exemplo da paisagem, ela torna-se além de um reflexo social do passado/
presente, são adicionados o sentimento, a emoção entre o observador e a
paisagem.

• No Brasil, os estudos de geografia cultural tomaram forma com a criação de


núcleos de pesquisas, a exemplo do NEPEC, NEER e NUPPER. Eles tiveram
um papel fundamental, incentivaram a comunidade de geógrafos por meio
da diversidade e com características ricas e enérgicas da cultura presente no
território e povo.

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AUTOATIVIDADE

1 Analisamos que, desde a formação da geografia acadêmica na década de


1930, até meados de 1980, a geografia cultural foi negligenciada por vários
motivos. Assim, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A geografia, no Brasil, por ter influência francesa, atribuiu os aspectos


culturais aos estudos regionais. A associação aprisionou e limitou a
consciência de cultura e sua manifestação no espaço.
b) ( ) A escola francesa de geografia constituiu uma matriz importante na
geografia brasileira. Ela se caracterizou pela priorização da cultura nos
estudos regionais.
c) ( ) A geografia cultural brasileira, assegurada pelas influências suariana
e vidaliana, motivou a prática reprimida dos estudos de cultura na
geografia.
d) ( ) Os geógrafos brasileiros defendiam a perspectiva da geografia cultural
como subdisciplina da geografia.

2 O Brasil possui uma extensão territorial acima dos 8,5 milhões de


quilômetros quadrados, número que o eleva à categoria de quinto maior país
em dimensões territoriais da terra. Além disso, a estimativa populacional,
para 2019, segundo o IBGE, ultrapassa a casa dos 210 milhões de habitantes
entre estados e municípios. Assim, compreendemos a combinação de
fatores dimensionados em números, como aqueles de origem qualitativa,
que produzem efeitos dinâmicos na sociedade, que podem ser observados
pela espacialização da cultura na geografia cultural. Corrêa e Rosendahl
(2005, p. 101) afirmaram que a geografia cultural tem uma missão ampla,
direcionada pela força dinâmica das “transformações econômicas, sociais
e culturais. Estas alteram a distribuição espacial da população, valores,
hábitos e crenças, a paisagem cultural e os significados atribuídos à
natureza e às formas socialmente produzidas”. A partir das informações,
o que querem dizer Correia e Rosendahl (2005) sobre as perspectivas de
estudo no âmbito da geografia cultural?

FONTE: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. A geografia cultural no Brasil. Rio de Janeiro:


Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. p. 97-102.

a) ( ) O estudo da geografia cultural encontra-se saturado, pois seu campo


de atuação já compreendeu todo universo policultural do Brasil.
b) ( ) A geografia cultural possui um perfil de pesquisa dinâmico. Assuntos
de interesse são paisagem cultural, espaço geográfico e literatura,
religião, território, identidade, exceto festas populares.
c) ( ) As perspectivas para a pesquisa no âmbito da geografia cultural são
inúmeras, visto o amplo campo de pesquisa, além de o Brasil possuir
fortes contrastes culturais e intensa dinâmica espacial.
d) ( ) Nenhuma das alternativas está correta.

70
3 O período da construção da geografia cultural no Brasil foi marcado por uma
escala temporal e, a partir de 1990, a dimensão espacial da cultura passou
por um processo de expansão, ou seja, de um relativo desconhecimento
do subcampo ao conhecimento e aceitação. De acordo com a afirmativa, é
correto afirmar que:

a) ( ) Ao chegar na década de 1990, a geografia cultural, apesar de ter crescido


em pesquisa e prática, aos poucos, a subcampo, sofreu um processo de
estagnação.
b) ( ) A década de 1990 corresponde a um processo de renovação e efetivação
da geografia cultural brasileira. A preocupação estava em receber as
influências da virada cultural e aderir a análises fenomenológicas,
vislumbrando as dimensões afetivas e sensoriais.
c) ( ) A década de 1990 representou um divisor de águas para a geografia
cultural. Com a virada cultural aceita, novos materiais foram traduzidos
para língua portuguesa, alguns núcleos de pesquisa cultural foram
abertos, periódicos criados, eventos da área disseminados e estratégias
vieram a favorecer a expansão da geografia cultural.
d) ( ) Todas as alternativas estão corretas.

71
UNIDADE1—UMAVERSÃOINTRODUTÓRIADAHISTÓRIADAGEOGRAFIACULTURAL,CONTEXTOS,ABORDAGENS,RETRAÇÕESEDESENVOLVIMENTO

72
UNIDADE 2 —

ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO


FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA
A CONTEMPORANEIDADE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o conhecimento geográfico como meio introdutório à


elevação sistematizada da geografia, percebendo as influências de
elementos culturais no seu desenvolvimento, e, como meio extensivo,
entender os rumos tomados pela geografia cultural em meio às escolas e
matrizes epistemológicas do pensamento geográfico;
• conhecer algumas das contribuições propostas pelo francês Paul Claval,
que geraram o desenvolvimento da geografia cultural de maneira ampla
e democrática;
• discutir algumas reflexões a respeito da concepção das formas simbólicas
espaciais, desde a conceituação aos exemplos de dispersões ou
materialização na superfície terrestre e paisagens;
• relacionar os aspectos conceituais da paisagem, identidade, território e
territorialidade, como fenômenos de ordem da geografia cultural;
• compreender os estudos da geografia cultural segundo as dimensões:
música, literatura e imagem, como representantes da categoria das
expressões culturais;
• apresentar algumas possibilidades de introduzir reflexões da geografia
cultural na matéria escolar da geografia, como a extensão de assuntos
vistos no âmbito universitário para o entendimento e discussões em sala
de aula, à luz da Base Nacional Comum Curricular.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES


DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL
TÓPICO 2 – APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO
DA GEOGRAFIA CULTURAL
TÓPICO 3 – POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA
COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO
ESPAÇO

73
CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

74
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES


DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, seja bem-vindo à Unidade 2. A partir deste momento,
convidamos você a aprofundarem os seus conhecimentos a respeito da disciplina
da geografia, a Geografia Cultural. A proposta permite que cada um entenda
que a cronologia dos fatos representados pela dimensão tempo – espaço não se
passou rapidamente, como vem sendo contada em parágrafos curtos, mas ela
cruza séculos até o presente momento. A geografia absorveu, verdadeiramente,
cada transformação social, cultural, econômica, natural, compreensões objetivas,
subjetivas, materiais e imateriais, até se elevar à categoria de ciência, mesmo
quando se tornou um conhecimento sistematizado. A inquietação por métodos
e novas possibilidades de pesquisa fez ela se arriscar e meandrar por discussões
diversas e heterotópicas.

Neste tópico, serão desenvolvidos, além da introdução às temáticas, três


assuntos complementares: geografia: o conhecimento que está em toda parte?;
notas: do nascimento da geografia escolar a uma geografia universitária; os
primeiros estudos contemporâneos da geografia cultural: uma breve compreensão.
Ao fim das leituras, serão introduzidos, de maneira complementar, o resumo
referente ao tópico e as autoatividades.

A temática “geografia: o conhecimento que está em toda parte?” buscou,


através de um diálogo, compreender, em períodos anteriores, a formação da
sistematização da ciência geográfica e sua relação e alinhamento com assuntos
encontrados nos estudos da geografia cultural. Alguns materiais dispensam a
história dos desenvolvimentos humano e espacial, por entenderem que assuntos
que vieram antes da ciência não fazem parte dela, porém, enquanto geógrafos da
ordem cultural, a abordagem de outrora possui significado e contribuições para
a compreensão dos processos.

As “notas: do nascimento da geografia escolar a uma geografia


universitária” propõem ser a continuidade, prolongando as discussões acerca
do processo da escolarização e a introdução da disciplina da geografia em anos
iniciais de escolas europeias, até chegarmos à evolução discursiva da geografia
enquanto conhecimento sistematizado.

75
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Por fim, abordaremos as discussões dos rumos que a geografia cultural


tomou, segundo as escolas estadunidense, inglesa e francesa, e matrizes
epistemológicas de pesquisas disseminadas, a exemplo dos materialismos
histórico e dialético, fenomenologia e a hermenêutica. Nomes como Denis
Cosgrove, Petter Jakcson, Yi – Fu Tuan, Armand Frémont, Augustin Berque, Pierre
Raison, Joël Bonnemaison, Robert Pitte, Debarbieux e Michel Lussault nortearam
a discussão contemporânea da geografia cultural.

NOTA

Caro acadêmico, a palavra heterotopia (aglutinação de hetero = outro + topia =


espaço) é um conceito da geografia humana, elaborado pelo filósofo Michel Foucault, que
descreve lugares e espaços que funcionam em condições não hegemônicas. Foucault usa
o termo heterotopia para descrever espaços que têm múltiplas camadas de significação ou
de relações a outros lugares, cuja complexidade não pode ser vista imediatamente.

FONTE: FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8.


ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

2 GEOGRAFIA: O CONHECIMENTO QUE ESTÁ EM TODA


PARTE?
Acadêmico, se voltarmos ao entendimento do caminho que a geografia
fez enquanto ciência, vamos nos deparar com uma longa, antiga e ativa trajetória
que se fez e refez, tornando, sempre possível, optar entre as clássicas ou atuais
linhas de pesquisa. As novidades ou novas respostas às discussões antigas são
intrínsecas, pois a sua dinâmica propicia novas interpretações aos fenômenos,
mesmo àqueles de outrora existentes. As relações socioespaciais não são fixas,
elas estão sempre em movimento. As paisagens, as distribuições espaciais, as
relações interculturais, todas variam, as regras mudam, e, por vezes, tornam-se
exceções. É, dentro desse processo, que a geografia pode ser percebida e analisada,
independente, nas dimensões coletivas ou individuais.

Então, é viável dizer, metaforicamente, que a geografia pode ser


encontrada nos quatro cantos da Terra? Em tempos pretéritos? Sim, com isso,
levamos em consideração não apenas os quesitos naturais, aqueles estabelecidos
pela geografia física, mas a humanização, na prática da expressão “quatro
cantos da Terra”. Generosamente, a interpretação da geografia cultural propõe
a compreensão de que a relação homem e espaço demonstra uma versatilidade
conteudística.

76
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

NOTA

A expressão “quatro quantos da Terra” pode ser considerada uma metáfora.


Esse sentido figurado se reporta à orientação geográfica dos principais pontos cardeais,
norte, sul, leste e oeste, e não à forma geométrica, a exemplo do quadrado equivalente à
formação das medidas do ângulo reto.

FIGURA 1 – ROSA DOS VENTOS

FONTE: O autor

A geografia é uma ciência que pode ser analisada por prismas diferentes,
mas sempre atenuando as relações com o espaço e as dinâmicas da sociedade.
Embora muitos não saibam, o conhecimento da geografia se inicia com a
apreensão, experiência e descoberta, através do senso comum. Possivelmente,
esse conhecimento geográfico acompanha o homem desde a sua existência,
atravessando séculos, até o estabelecimento como ciência.

Esta parte busca trazer tais informações, visando estabelecer uma linha
cronológica de fatos, portanto, será notório o resgate histórico da dinâmica do
conhecimento geográfico. Possivelmente, vocês também perceberão trechos que
sinalizarão as forças espiritual e religiosa na formação da sociedade e construção
dos seus espaços.

Na sua interpretação, Lencioni (2003) indica que, antes do conhecimento


sistematizado elevado à categoria científica, o homem obteve o conhecimento da
geografia por meio de conexões com o espaço, gerando, então, a interpretação
de mundo desde as civilizações passadas, ou seja, essas perspectivas podem ser
apontadas.

77
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 2 – PLACA DA CONCEITUAÇÃO

FONTE: Adaptado de Lencioni (2003)

Uma se refere à era pré-histórica do pensamento geográfico, permeando


a linha da curiosidade e as experiências coletivas despretensiosas, sem vínculo
científico comprovado por meio de métodos. Esse primeiro contato com os
elementos geográficos se torna intrínseco à vivência humana, cujo ciclo remete à
produção de interpretações socioespaciais expressas.

Uma segunda perspectiva reflete o lema característico da ciência, que


gera o aprofundamento do conhecimento de algo ou algum fenômeno. Para
tal proposta, existem meios que levam à sapiência de determinados assuntos,
geralmente, com a organização sistematizada do conteúdo. Embarcando com a
proposta de se tornar ciência com respectiva autonomia, a geografia se apresentou
como conhecimento científico, aproximadamente, no fim do século XIX.

Apesar de considerarmos, atualmente, que o saber geográfico evoluiu


em relação a épocas passadas, admitimos, claramente, que os conhecimentos
dos aspectos geográficos às luzes cartográficas registraram o modo de vida de
inúmeras comunidades.

Quando tratamos dos povos pré-históricos, ressaltamos que a sabedoria


dos deslocamentos não obteve registros a partir da escrita, para validação científica
da precisão, mas, com uma característica rudimentar e inteligente, a comunicação
ocorreu por meio das inscrições rupestres, e passou a ser uma aliada estratégica
para povos se desenvolverem. Esses desenhos descritivos eram projetados nas
rochas por meio de pinturas, ou entalhados/esculpidos, com os próprios artefatos
rochosos.

78
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Todo esse perfil de conhecimento teve, como objetivo, a capacidade de


compreensão da terra a partir de uma visão de mundo particular, por meio da
autoidentificação dos povos, da catalogação das espécies selvagens, caça e coleta,
das constelações, eventos naturais de dimensões astronômicas, primeiras noções
de representação cartográfica, todos encontrados nas inscrições rupestres, que
tiveram início com os povos pré-históricos, auxiliando-os a catalogarem territórios,
rotas e localizações. Por motivos migratórios, tudo isso se fazia necessário.

Como meio auxiliar, trouxemos algumas imagens, entre inúmeros acervos,


que representam a evolução da percepção do homem a respeito do espaço.
Destacamos as figuras referentes à caverna de Altamira, na Espanha, o mapa
remanecente da região de Gar – Sur, e uma das figuras das pedras itaquatiara do
Ingá, localizado na Paraíba.

Esses desenhos são datados da era paleolítica, e se distribuem nas rochas


em formas abstratas, animais e outros seres míticos.

FIGURA 3 – ARTE RUPESTRE EM ALTAMIRA – ESPANHA

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/d0/41/e6/d041e6b2b19c8875740372447a6ca1be.jpg>.
Acesso em: 2 set. 2020.

O exposto a seguir é uma pequena representação geográfica, em argila, do


espaço de Gar – Sur, um dos mapas mais antigos referentes à vivência dos grupos
primitivos que habitavam a Mesopotâmia. São encontrados pontos de referência
naturais, a exemplo da cadeia montanhosa e do rio Eufrades.

79
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 4 – MAPA REMANESCENTE DA REGIÃO DE GAR - SUR

FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-0WF8aZDAdvY/VOM4bJVYuKI/
AAAAAAAAADQ/9Y07QInb6P8/s1600/2.jpg>. Acesso em: 4 set. 2020.

A seguir, um monumento arqueológico com inscrições rupestres


localizado no estado da Paraíba, mais precisamente, na cidade de Ingá, onde as
figuras expostas nas rochas gnaisse são compreensíveis constelações, como a de
Órion, animais, representações humanas etc.

FIGURA 5 – PEDRA ITAQUATIARA DO INGÁ – PARAÍBA

FONTE: <https://www.destinoparaiba.pb.gov.br/wp-content/uploads/2019/08/agreste-
N00000181-Itacoatiara-Ing%C3%A1-PB-www.caciomurilo.com_.jpg>. Acesso em: 2 set. 2020.

80
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Com todo esse aparato icnográfico, pode-se entender que o senso de


representação do espaço geográfico, assim como uma prévia organização
espacial, estabeleceu-se desde períodos passados. Entende-se, também, como o
desenvolvimento da ciência cartográfica e da geografia se tornou instrumento
de análise para fenômenos naturais que ocorrem no espaço, além das interações
socioculturais compreendidas nas mesmas zonas espaciais.

O livro Espaço e religião: uma abordagem geográfica (1996), de Zeny


Rosendahl, possui um tópico a respeito da origem das cidades e do papel do
sagrado. Permeando duas linhas de abordagem, a primeira com o papel ativo da
religião e, o segundo, com os aspectos técnicos e econômicos do nascimento da
vida e a estrutura urbana, Rosendahl (1996) discute, principalmente, a relação
dos antigos santuários paleolíticos como forma de evolução. Como tudo isso
existiu? Segundo a criação e desenvolvimento das cidades à luz da religião, tais
insinuações não partem apenas da autora, mas de um elenco de profissionais,
pesquisadores, como Eliade, Coulanges, Mumford, Tuan etc.

Para a geografia da religião, a era paleolítica estava além das inscrições


rupestres e localizações espaciais, pois as cavernas eram compreendidas como
santuários, os homens as reconheciam a partir de um significado, cada gruta se
referenciava, também, pelo elo sobrenatural, divino e místico. Em virtude das
práticas de fé, esse lugar ou lugares atraíam homens e famílias inteiras para
praticar e compartilhar as experiências vividas pelo viés espiritual.

As cavernas, por exemplo, não representavam apenas abrigo e lugar


de expressão artística. Exerciam, também, um poder de atração para
homens vindos de muito longe, atraídos pelo estímulo espiritual,
para compartilhar as mesmas práticas mágicas ou crenças religiosas
(ROSENDAHL, 1996, p. 40).

A evolução e a percepção da ciência, da geografia cultural e da religião


estiveram ligadas, intrinsicamente, à evolução das sociedades humana e urbana,
assim como foi exposto desde a era paleolítica. “As famílias viviam em seu próprio
lar, possuíam seu próprio deus, seu próprio oratório, seu próprio cemitério,
falando a mesma língua e participando de um modo de vida semelhante”
(ROSENDALH, 1996, p. 40-41). Essa afirmativa não quer dizer que os paleolíticos
eram urbanizados, mas foram semeadores desse modo de vida.

Quando os povos são retratados, fica evidenciado que, apesar deles serem
singulares, tendo em vista que, individualmente, eles se apresentavam cada um
com seus hábitos, costumes e cultura, entende-se que tal formação demonstra o
início de uma futura vida urbana que pode se tornar real a partir do momento em
que comunidades ou povos específicos passam a não hostilizar, mas a respeitar
culturas diversas, incluindo, principalmente, a união e reverência a deuses. No
caso, é perceptível a importância dada ao universo religioso frente à criação das
primeiras cidades.

81
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Prosseguindo, a respeito do sagrado, Rosendahl (1996) expõe que a


força do desenvolvimento das comunidades, no período neolítico, não anulou a
presença do sagrado na paisagem, pois os santuários tribais, pirâmides e centro
cerimonial continuaram a existir, com um adendo, que agregou, ao seu então
valor, o sentido de elementos de referência cultural.

A tendência do tema religião continua com o desenvolvimento


socioespacial. Ela passou a ser interpretada, com frequência, com o surgimento
de cidades e suas autoridades outorgadas: “a cidade foi erguida pela vontade de
Deus, e o ‘sacerdote-rei’ era o símbolo do todo poderoso, era um ser semidivino,
um intermediário entre o céu e a terra. O cocriador do cosmo” (ROSENDAHL,
1996, p. 42).

Concordamos que esse processo de desenvolvimento socioespacial


comungou com a evolução da ciência geográfica. Segundo Sodré (1982), a
geografia apresenta uma história anterior a muitas outras ciências, podendo ser
considerada a mais antiga, tendo em vista que suas evidências históricas advêm
de tempos de outrora.

Porém, desde o início, esse conhecimento se apresenta dividido entre


duas tendências oposta ou complementares. De um lado, os geômetras
e os astrônomos; do outro, os políticos, que, sensíveis aos aspectos
do quadro natural, das produções, dos povos, e dos seus costumes,
refletem a respeito das relações entre os diferentes territórios e as
várias sociedades humanas. Os périplos, as conquistas, os contatos
com o mundo bárbaro vão, paulatinamente, alargando o horizonte
geográfico (PEREIRA, 1999, p. 83).

Em uma linha cronológica, pode-se perceber que a evolução organizada


dos conhecimentos e técnicas contribuiu para a aprendizagem dos elementos
geográficos, que acompanharam a rotina dos povos e, principalmente, para o
desenvolvimento da futura ciência geográfica.

O período da antiguidade clássica foi representado, sobretudo, pela


Grécia antiga. Foi ela que, praticamente, embalou o nascimento da civilização do
ocidente, com a preconização e o fortalecimento das ciências, principalmente, a
filosofia, considerada a mãe do conhecimento científico, do saber racionalizado,
das artes e da estética expressa pela percepção humana (IBGE, 2020). Como afirma
Martonne (1953), outros povos e civilizações experimentaram o conhecimento
geográfico, mas os gregos tiveram uma participação decisiva na base da construção
e sistematização da geografia enquanto ciência.

Algumas personalidades se destacaram pela busca de comprovações de


métodos que se aproximassem da representação terrestre. Como precursor, tem-
se o filósofo, geógrafo e matemático Eratóstenes, nascido em 276 a.C., na cidade
de Cirene, colônia da Grécia. Foi, no século III a.C., que ele apresentou a primeira
classificação da palavra geografia como o estudo da descrição da Terra, e a definiu
como: Geo = Terra | Grafia = Descrição.

82
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 6 – GEÓGRAFO ERATÓSTENES DE CIRENE

FONTE: <https://blog.kakaocdn.net/dn/T008G/btqEq72pwnC/o1LqkzZhc8LPk6JIvaxiE0/img.jpg>.
Acesso em: 2 set. 2020.

No século VI a.C., na Grécia, Anaximandro de Mileto desenvolve o


primeiro esboço do “mundo”, chamado de carta (PEREIRA, 1999). As necessidades
de conquistas além-mar de navegações e missões militares, no século VI a.C.,
geraram, mais tarde, o fortalecimento das ciências, por meio da compreensão
de métodos na astronomia, matemática e, principalmente, através do campo de
estudo da cosmografia e sua compreensão descritiva do universo. O alinhamento
dessas áreas explorou meios que reproduzissem a superfície terrestre. Ainda,
foram responsáveis pelo cálculo da circunferência da Terra, pelo primeiro atlas
universal, coordenadas de latitude e longitude, e projeções cônicas (IBGE, 2020).

No período da antiguidade clássica, foram iniciados os estudos dos assuntos


relacionados à geografia. Estes possuíam um caráter de descobrimento, pois
pouco se sabia da superfície terrestre e do universo. Então, o conhecimento ligado
ao planeta Terra e os elementos naturais, em relação aos aspectos dimensionais,
como o formato, tamanho, extensão, proporções entre superfícies cobertas por
águas e demais frações, descrição dos povos, lugarejos e reproduções das zonas
costeiras, foram surgindo, assim como as pesquisas, na área da astronomia, a
respeito do universo, órbita, estrelas etc. (CARVALHO, 2006).

O mundo clássico apresentou seu grau de relevância com as descobertas


da geografia através de pensadores, como Tales de Mileto, Pitágoras, Aristóteles,
Erastóstenes de Cirene, Claúdio Ptolomeu, Estrabão, Hiparco, Heródoto etc. Eles
substantivaram o conhecimento da época e, consequentemente, influenciaram
os demais períodos, porém, ainda se tinha uma longa jornada de descobertas a
respeito do planeta Terra e do universo, além de alguns métodos serem julgados
como pouco precisos, por representarem a linha empírica ou factual.

A fase de transição da Idade Antiga ou Clássica para a Idade Média, e,


depois, para a Idade Moderna renascentista, foi marcada pela forte influência da
religião sobre a produção, conquistas da ciência e derrocada do império romano,
além da tomada de Constantinopla pelos turcos. Acadêmico, o que isso significa

83
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

para a geografia? Podemos afirmar que significa, a princípio, a maneira de


representação ou de mapeamento de continentes através da influência da religião
na construção socioespacial, da paisagem, além do que se refere à conquista
territorial.

Tem-se, por exemplo, o mapa “Die Ganze Welt In Einem Kleberbat”


T- 0, conhecido por sua semelhança com o trevo ou cruz. Foi uma versão
representativa criada por Isodoro, o bispo de Sevilha, que, a partir da sua visão
religiosa e simbólica de mundo, transferiu, para a representação gráfica, um
modelo com tais características. O sacerdote apresentou, em primeiro plano,
os três continentes, a Europa, Ásia e África, e, ao centro, a cidade símbolo do
cristianismo, Jerusalém; secundariamente, a América, a grande área geográfica
considerada pouco habitada. A interpretação religiosa afirmou que, após
o grande dilúvio, Noé e seus descendentes realizaram a divisão das áreas
geográficas habitáveis (IBGE, 2020).

FIGURA 7 – DIE GANZE WELT IN EINEM KLEBERBAT

FONTE: <https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/historia/hist_cart_6.jpg>.
Acesso em: 2 set. 2020.

A unicidade do Império Romano permaneceu até meados de 395 d.C.,


quando o imperador Constantino se estabeleceu na capital Bizâncio. A priori,
deu-se a partir do ato de renomear a cidade, caracterizando-a, identitariamente,
segundo o poder exercido por grupos do oriente sobre aquele território.
Constantinopla, assim chamada pelo então comando, apresentou-se, na história,
por sofrer as insistentes invasões. A tomada daquele território, por povos diversos,
justificou-se pela sua importância territorial, sua localização favorável e riquezas
adquiridas, que fizeram dela a cidade mais desenvolvida da época.

84
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

A posição geográfica da rebatizada Constantinopla, ligando o Ocidente


e o Oriente, as suas defesas naturais (Bósforo, mar de Mármara,
Corno de Ouro) e a sua privilegiada articulação com as grandes rotas
comerciais terrestres e marítimas (Europa-Ásia e mar Negro-mar
Egeu) justificam, plenamente, a escolha do primeiro imperador cristão
(MONTEIRO, 2016, p. 18).

Após a queda do Império Romano, os graus de formação dos novos Estados


estavam se estabelecendo, já fazendo sentido uma reorganização territorial,
inclusive, com a tomada de Constantinopla pelo Império Turco Otomano, por
exemplo, a paisagem transmitiu mudanças, como o nome da cidade, a religião
oficial, transformações de elementos simbólicos da paisagem, transição de
catedrais para mesquitas etc. Istambul ficou conhecida e se tornou, oficialmente,
a capital do império otomano.

A Era Moderna assume conflitos e transições, desde a derrocada do Império


Bizantino, pelos turcos, até a crise do sistema feudal. Ainda, há a sucessão do
modelo econômico feudal para o capitalismo, a Revolução Francesa, o Iluminismo,
a ascensão da burguesia, os fenômenos modernos do Renascentismo, as reformas
protestantes, a configuração do Estado absolutista e a expansão ultramarina.

O período de descobrimentos e conquistas (do século XV-XVIII) adentrou


na Era do Iluminismo. As grandes navegações contavam com registros de
descrições, orientações geográficas, distâncias, desenhos, tudo para clarificar
o desconhecido. Antes, como ferramentas das elites, os mapas passaram a ser
disseminados em línguas diferentes do latim, a fim de possibilitar o conhecimento.
Primeiramente, com Ortelius, criador do mapa “Theatrum Orbis Terrarum”,
depois, no ano de 1569, o mapa convencionado por Mercator “Americae Sive
Novi Orbis” (IBGE, 2020).

O que se pode entender, parcialmente, do século das luzes, foi sua


democratização em relação ao acesso ao conhecimento. O ideal iluminista,
assentado na crença do poder e da razão humana, é que passa a defender a
ampliação da formação cultural para todos, como forma capaz de transformar o
homem e, por meio dele, a sociedade (PEREIRA, 1999).

Anteriormente, na sociedade antiga, os privilegiados faziam parte da


alta cúpula conhecida como a nobreza e clero. Eles justificavam sua boa vida e
benefícios sociais alcançados, incluindo o do letramento, em Deus e nos direitos
“concedidos” por Ele através da igreja. Após o movimento revolucionário
iluminista, “[...] pode-se dizer que a maioridade se alcança pela capacidade do
homem de se tornar autônomo, senhor de si pela razão. A antiga sociedade,
formada por senhores e servos, deve ser substituída por uma sociedade mais
justa, mais igualitária”, reflete Pereira (1999, p. 21), a respeito dos ensinamentos
deixados por Kant, em 1783.

85
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Para quem desconhece a geografia de Kant na Era das Luzes, vale ressaltar
que ele assume um papel preponderante, pois realizou o entendimento de uma
geografia física que valorizava para além das rochas, valorizava os seres vivos,
incluindo o homem. Ele criou uma forma de enxergar o planeta Terra em uma
maior dimensão, vislumbrando as relações constantes entre seres humanos e
natureza. Os seus ensinamentos foram influenciados pelas reflexões dos geógrafos
anteriores: Eratóstenes, Ptolomeu, Estrabão e Varenius. Os estudos da terra foram
realizados pelas experiências de campo que ele tomava dos relatos vivenciados
por Foster e Humboltd. Essa trajetória provocou o desenvolvimento da obra
kantiana, um material com uma identidade original, para a fase da geografia,
próxima à sistematização científica.

DICAS

Com relação à participação de Kant nos estudos geográficos, sugerimos uma


seleção de quatro vídeos: Kant e a Geografia I/Pensamentos Geográficos, e, de forma
complementar, Kant e a Geografia II/Influências Geográficas. O terceiro: Kant e a Geografia
III/A Geografia de Kant, e, por fim, a quarta entrevista, intitulada de Kant e a Geografia IV/
Implicações na Atualidade.

Todo o material diz respeito a edições do Canal Descomplicando, com o professor


Douglas Sathler – UFVJM e o entrevistado, o professor Oswaldo Bueno Amorim Filho, da
PUCMINAS.

O vídeo 1 possui, aproximadamente, 7’:33’’ de duração e pode ser encontrado na plataforma


digital do youtube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=yHZLfX5teac.

O vídeo 2 possui, aproximadamente, 5’:22’’ de duração e pode ser encontrado na plataforma


digital do youtube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=Q0Lw1N9NY_k.

O vídeo 3 possui, aproximadamente, 12’:10’’ de duração e pode ser encontrado na plataforma


digital do youtube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=ws_yfuCXm8U.

O vídeo 4 possui, aproximadamente, 9’:15’’ de duração e pode ser encontrado na plataforma


digital do youtube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=9k3WnYvSxFo.

A compreensão, no tempo do iluminismo, estava para desatar os homens


dos dogmas e intolerâncias. Ela não estava, diretamente, contra a religião,
mas contra os privilégios escondidos por trás dela. A Era do Discernimento
antropocêntrico, do direito ao conhecimento concedido amplamente a todos os
homens, foi iniciada na França, em 1782, com o ato da Revolução Francesa, depois,
com o Marquês de Condorcet, e, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, tornando-se um dever, do Estado, fornecer, sem exceção, o direito ao
conhecimento. Leia-se educação pública para todos de forma obrigatória e laica
(PEREIRA, 1999).

86
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Em um estudo mais aprofundado, Pereira (1999) aborda como se deu


o nascimento da geografia com o ensino. Alerta que a prática de educar todos,
sem exclusão, iniciou pelos germânicos e demais países, onde houve a reforma
protestante. O objetivo da educação pública religiosa estendeu o conhecimento
e proporcionou, aos fiéis cristãos, a alfabetização, com a leitura das sagradas
escrituras, a “Bíblia”, para o livre esclarecimento da salvação da alma. Porém,
aponta, também, que a possibilidade de um ensino baseado na liberdade e
laicidade se iniciou a partir das conquistas da Revolução Francesa.

NOTA

O que foi a Reforma Protestante? Um movimento do século XVI liderado por


Martinho Lutero, em 31 de outubro de 1517, na Alemanha, com os intuitos de esclarecer
e romper com práticas da Igreja Católica Apostólica Romana, acerca do comércio de
indulgências. Lutero fixou 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg. Tal ato
provocou uma revolução religiosa, na qual muitos países, governos e religiosos apoiaram
o feito, fazendo parte a Inglaterra, Suíça, França, Escandinávia, Hungria e países bálticos.
Contudo, foram feitos atos repreensivos, como o movimento da contrarreforma e a divisão
entre católicos romanos e os reformados protestantes.

Alguns fatos históricos mundiais estão no texto, mas parecem fora do


contexto, será que você pensou dessa forma? Visto todo esse ciclo, pedimos para
que não se percam, pois podemos realizar um link desses fatos contextualizados
com a geografia enquanto ciência.

É possível que você lembre da placa de conceituação, certo?! Esta contém


uma divisão entre o conhecimento a respeito dos saberes da geografia e a geografia
enquanto ciência sistematizada. Pois bem, até o presente momento, trouxemos
fatos e argumentos que, juntos, encaminham-se para uma compreensão anterior
ao nascimento da ciência geográfica.

2.1 NOTAS: DO NASCIMENTO DA GEOGRAFIA ESCOLAR


A UMA GEOGRAFIA UNIVERSITÁRIA
Temos, como objetivo, prolongar a discussão acerca do processo da
escolarização e a introdução da disciplina da geografia nos anos iniciais das
escolas europeias, principalmente, entre Alemanha e França. Apesar do assunto já
ter sido levemente pontuado, propomos uma evolução discursiva, até chegarmos
à geografia enquanto conhecimento sistematizado.

87
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

A pergunta que não quer calar é: onde, de fato, a escola e o processo de


escolarização se encontram com a geografia? É, exatamente, no período do século
XIX que ambos são oficializados: “as interligações entre a escola e a geografia
se situam no contexto do século passado, em que diferentes interesses políticos,
econômicos e sociais estão em jogo” (PEREIRA, 1999, p. 29).

O século XIX se destacou pelo ideal da Revolução Francesa para a


constituição das mudanças políticas e sociais, além da revolução inglesa, que se
traduz na emblemática transformação econômica representada pelo capitalismo
e as criações técnicas e científicas.

A escola e a escolarização se firmam ao longo do século XIX, no mesmo


momento em que se dá a consolidação do Estado e do capitalismo, sob
a hegemonia da burguesia. Detentora do poder político, ela percebe
que sua dominação pode ser mantida não apenas através do poder
repressivo, mas também da disseminação de seus valores de classe
apresentados como universais (PEREIRA, 1999, p. 26-27).

Tendo uma França unificada e uma Inglaterra, também, com ideais de
nação bem formados, ambos os países priorizaram a utilização da geografia
para viabilizar a permanência da burguesia no poder e a distinção de classes em
detrimento do crescimento do capitalismo.

Em um primeiro momento, a geografia francesa apontou para um norte


específico, o que custou demandas e reformulações mais tarde, no entanto,
a França, por ser considerada uma nação bem estruturada, sem necessidade
de unificação territorial, optou por seguir com a geografia como assistente da
história, que era uma disciplina de maior vulto.

Já a Alemanha esbarra em uma realidade diferente, começando pela alta


sociedade então estabelecida, a aristocracia rural e a não unificação territorial em
pleno século XIX.

Segundo Pereira (1999, p. 98-99), “no início do século XIX, a Alemanha


ainda não havia se constituído como uma nação, ainda era como um Estado
nacional. Ela se acha dividida em números de feudos (principados, ducados,
reinos, terras eclesiásticas, cidades livres), unidos, apenas, por alguns traços
culturais comuns”.

A escola alemã entra como um instrumento de construção da unificação


nacional, propiciando a propagação das ideologias patrióticas e nacionalistas,
e, como parte do currículo escolar, as disciplinas de geografia, história e língua
nacional auxiliaram no processo. Basicamente, a classe favorecida buscou a
perpetuação da hegemonia e, com o poder do capital, viabilizou-se a consolidação
do Estado. O papel da geografia se estende pela apresentação do território a ser
delimitado em limites e fronteiras frente ao capital, cultura e língua.

88
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

O esforço comum para edificar essa nacionalidade e criar uma identidade


coesa teve, como base, a anulação das diferenças:

A divisão social precisa ser ocultada para que se crie uma comunhão
entre os que nascem num mesmo lugar, falam a mesma língua e
respeitam as mesmas tradições. A língua encarna a possibilidade de
uma unidade cultural, unidade intricadamente ligada a um tempo
(história) e a um espaço (geografia) (PEREIRA, 1999, p. 27-28).

Nas linhas e entre linhas, falava-se em domínio territorial, ou seja, numa


geopolítica estratégica dentro dessa geografia escolar nada amistosa. A geografia,
enquanto disciplina escolar, tinha uma missão objetiva. Com uma análise mais
distante, é possível perceber que esse estudo nasce com um intuito da criação do
Estado, para fortalecê-lo. “A geografia analisa o físico, mas o estudo do físico, em
si mesmo, não tem sentido. Ele só terá ser for considerado como dominado pelo
homem e ligado à ideia de um espaço em que exerce uma determinada cidadania”
(PEREIRA, 1999, p. 39).

O desenvolvimento da disciplina geográfica, além do pioneirismo na


formação de geógrafos, pode se justificar pelo desenvolvimento e nascimento
retardatário do Estado alemão. Há uma corrida contra o tempo, a fim de encontrar
meios concretos para unificar e tornar a Alemanha uma grande nação.

A geografia dos professores tomou corpo intimamente relacionado


ao esforço da escolarização desenvolvido pela Alemanha durante o
século XIX e, ligada a esse desenvolvimento da geografia nos ensinos
primário e secundário, cresce, também, a produção editorial de caráter
geográfico e cartográfico (PEREIRA, 1999, p. 41).

Acadêmico, lembre-se de que os primeiros assuntos dos conhecimentos


geográficos chegaram no momento em que os homens atentaram para as
necessidades de descrever e se localizar no espaço geográfico.

Príncipes, comandantes de guerra/embarcações e influentes do Estado


maior previram o desenvolvimento de cartas e futuros mapas geográficos para se
beneficiar com tais informações privilegiadas.

Estrategicamente, no século XIX, um processo inverso acontece: o


conhecimento centralizado dos elementos geográficos deixa de ser elitizado
e passa a ser descentralizado. A geografia se torna propagada entre crianças e
jovens, e esse jogo dialético, ao longo da criação da ciência geográfica, tornou-se
meio de conquista e poder, como veremos nos parágrafos a seguir.

Segundo Pereira (1999), as motivações, para a organização do sistema


escolar alemão, também podem ter encontrado suas raízes na expansão territorial
dos franceses, com Napoleão Bonaparte, vista a unicidade da nação francesa em
relação à fragilidade dos estados germânicos.

89
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Para a autora supracitada, o governo alemão, intuitivamente, atentou


para a elevação de esforços na educação e elevação da formação de jovens,
uma preparação dupla: mental/intelectual e física. Como diversas matérias
apresentadas, a geografia se destacava pelo estudo dos continentes da Alemanha
e estados prussianos, além da geografia comercial e das relações internacionais. Já
a preparação física do jovem, incluída no currículo, estava baseada nos modelos
gregos, como se exercitar ao ar livre. Consequentemente, todo esse apoio
vislumbrou respostas futuras.

Como os alemães conseguiram os resultados positivos frente à elevação


categórica da geografia escolar para o auge científico? Com base nos estudos de
Pereira (1999), foram através de uma série de medidas, que se iniciou no século
XVIII.

Medidas

• No ano de 1763, o ensino primário foi instituído como obrigatório para o sexo
masculino.
• No século XIX, no ano de 1839, apenas seriam empregadas crianças a partir dos
nove anos que, minimamente, tivessem três anos concluídos de estudo.
• O ano de 1860 foi marcado pela escolarização obrigatória para todos os
prussianos dos seis aos quinze anos.

Respostas

• Desenvolvimento da geografia universitária.


• Elevação exponencial do número de docentes.
• Queda das taxas de analfabetismo.
• Presença da disciplina de geografia em toda ampla rede de ensino, nos níveis
fundamentais e médio (referentes aos dias atuais).
• Em 1870, a Alemanha vence a França na guerra franco-prussiana, tendo, como
álibi, o ensino da austeridade, objetividade e reconhecimento espacial.
• Superioridade do modelo de ensino alemão.

Chegamos ao ponto crucial, o início da história do pensamento geográfico


quando se centralizam as duas escolas principais: a francesa e a alemã. É possível
que vocês tenham em mente o desenrolar dessa perspectiva da geografia, mas, de
todo modo, propomos um breve resgate, um resumo epistemológico.

Até a concretização e formulação das vertentes humanística e cultural,


a busca por um objeto de análise e método de pesquisa na geografia percorreu
décadas e entrou em séculos, portanto, apresentaremos o início dos pontos de
partida da escola alemã e, posteriormente, da francesa, contudo, não será objetivo,
aqui, aprofundar tais acontecimentos.

90
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

O exposto a seguir apresentará três geógrafos representantes do primeiro


ciclo científico da geografia alemã: Kant, Alexander Von Humboldt e Karl Ritter.
Eles trabalharam pela concretude geográfica nos âmbitos acadêmico e pedagógico.
O primeiro, no período do século XVIII, e, os outros dois, foram contemporâneos
do seguinte século.

FIGURA 8 – GEOGRAFIA ALEMÃ - KANT, ALEXANDER VON HUMBOLDT E KARL RITTER

Kant Humboldt (1769-1859) Karl Ritter (1779-1859)

O primeiro professor a Prussia. Saxônia alemã.


ensinar geografia física Naturalista/Comparativo. Idealista/Histórico.
nos anos 1756-1796 Geográfo explorador. Geógrafo de gabinete.
na Universidade de Dominio natural: composições Dominio das ciências humanas:
Königsberg geológica e mineralógica. filosofia e história.
Fundador da geografia Fundador da geografia
moderna. moderna.
Perfil de natureza científica. Perfil de natureza pedagógica.
Alto escalão do Estado alemão. Alto escalão do Estado alemão.
Participante dos processos Participante dos processos
de unificação alemã e de unificação alemã e
desenvolvimento capitalista. desenvolvimento capitalista.

FONTE: Adaptado de Pereira (1999)

Como um quebra-cabeça, que possui inúmeras peças e precisa ser montado,


a geografia do final do século XVIII sinalizava para uma possível ação conjunta
que unisse os vários elementos, que se alinhasse ao campo de conhecimento para
a sistematização. Muitos dos elementos estudados pela geografia também eram
objetos de análise de outras ciências, situação que gerou a intencionalidade de
personalizá-la como o ato da descrição da superfície terrestre (SODRÉ, 1982).

Diante de uma longa busca por um objeto de análise, e com a terra já


dimensionada, a pergunta seria: o que será da geografia enquanto ciência, já que
foram concluídas as tarefas de conhecer e descrever a superfície da Terra? Então,
surge a necessidade de saber o que existe em cada lugar da Terra, passando a se
preocupar com os assuntos da diferenciação dos espaços, além das interações
entre o homem e o meio (FERREIRA; SIMÕES, 1994).

91
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Apesar de eles serem considerados os fundadores da ciência geográfica,


manterem certa proximidade, e trabalharem na mesma linha de frente, Humboltd
e Ritter apresentaram dicotomias entre si:

Humboldt era um grande naturalista e explorador. Seus escritos


são resumos de viagens, anotações resultantes da observação direta.
Além da estrutura descritiva, há uma intenção deliberada de verificar
as relações de interdependência entre os fenômenos e as leis que
determinam a distribuição espacial. A um certo privilegiamento do
enfoque natural, associa-se a utilização do método comparativo. A
geografia, para ele, aparece como uma disciplina sintética que, através
da articulação entre os diversos elementos, busca a causalidade
existente na natureza (PEREIRA, 1999, p. 125).

Humboldt apresentou, claramente, nas suas pesquisas, dois princípios


para a geografia, os quais a diferenciavam das demais ciências. O primeiro é o
da causalidade, ou seja, um único fato não era o bastante para fazer a relação
de causa e consequência, era apenas um fato isolado. O segundo é o princípio
da geografia geral, cujo objetivo está em assegurar que nada no globo terrestre
pode ser analisado ou visto de maneira independente do todo. Essa integração
proporciona um conhecimento rico e denso.

DICAS

Para fortalecer a aprendizagem, sugerimos um curto vídeo acerca do naturalista,


diplomata e geógrafo Alexander Von Humboldt. O pequeno documentário aborda quem foi
o cientista Alexander Von Humboltd, além dos seus importantes relatos de expedições pela
América Latina e suas perspectivas de pesquisas no século XIX: https://www.dw.com/pt-br/
alexander-von-humboldt-o- pesquisador-que-redescobriu-a-américa-latina/av-36680466.

Com um perfil de conhecimento pedagógico e normativo, Ritter


complementou o meio geográfico, segundo suas experiências enquanto professor
da Universidade de Berlim, com uma geografia comparada.

Ritter, ao contrário, opta pelo enfoque histórico, e vê o espaço


terrestre como o teatro da história, considerando que a maior
harmonia entre o homem e a natureza se produz nos momentos de
maior desenvolvimento cultural. Ritter é, sobretudo, um geógrafo
de gabinete que produz suas obras a partir da leitura de uma vasta
literatura geográfica (PEREIRA, 1999, p. 125).

O saxônico apresenta uma geografia baseada em relações entre dois


universos anteriormente separados: o ambiente natural e o homem. Basicamente,
Ritter descreveu lugares e sua interação entre o físico e a apropriação humana, e cada

92
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

área descrita possuía sua singularidade, pois apenas nela ocorriam combinações
de fenômenos únicos. O empenho pela compreensão do desenvolvimento
humano, atrelado à relação do homem e meio ambiente, fortalece a discussão da
totalidade implantada na sua obra.

Humboldt e Ritter chegaram, juntos, à compreensão científica da visão


geográfica pela totalidade, visando romper com a implantação dualista, mesmo
que seus meios de pesquisas fossem distintos. A representação da igualdade
colocou o universo físico, referente à geografia geral, e o outro, representante
da geografia regional, como duplamente essenciais. A união marcou o fim da
perseguição pela divisão da antiguidade clássica, mas datou um novo momento
para a separação e submissão entre geografia humana e física. Tal marco foi
referenciado pelo positivismo.

A partir de então, a geografia ganhou um novo capítulo, baseado, não


apenas, no saber superficial, mas na perspectiva sistematizada da ciência. Pode-
se dizer que chegou a era da geografia moderna. Com novas participações, o fim
do século XIX apresenta o geógrafo alemão Friedrich Ratzel e o francês Paul Vidal
de La Blache, dois novos nomes que se destacaram na elaboração da geografia
científica dos séculos XIX e XX.

Em linhas gerais, trouxemos uma exposição breve de fatos de outrora.


Certamente, a partir de agora, você pode fazer a ligação entre as Unidades 1 e
2, quando abordamos, introdutoriamente, a criação da geografia cultural e as
influências das escolas alemã e francesa.

Acadêmico, a partir de agora, iremos para um novo ciclo científico da


geografia contemporânea.

3 ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DA GEOGRAFIA


CULTURAL: UMA BREVE COMPREENSÃO
A princípio, gostaríamos de perguntar: o que significa a palavra
contemporâneo? Você saberia explicar dentro do contexto geográfico? Sim,
vamos construir o raciocínio a partir do ponto de vista da idade e do mundo
contemporâneo. A idade contemporânea reflete a passagem do século XVIII, da
idade moderna para o século atual, XXI, que se refere à idade contemporânea.

O mundo contemporâneo não marginaliza a discussão a respeito do


tempo, ao contrário, um complementa o outro. Podemos dizer que existe uma
relação alinhada de tempo, sociedade e espaço na configuração dos estudos
contemporâneos da geografia em questão.

93
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

O percurso dessas transformações espaciais atravessou séculos, e cada


uma marcou as relações socioespaciais de forma contínua e complementar. A
princípio, tivemos uma forte revolução política e social e, posteriormente, um
impacto com a revolução econômica, trocando em miúdos.

A primeira discursou acerca da igualdade, divisões de terras, com a


aplicação da reforma agrária e a liberdade governativa; a segunda se baseou nas
transformações econômicas e comerciais em virtude das revoluções industriais,
com um ritmo de produção acelerado. O mundo capitalista analisou suas criações
e inovações e aprofundou as divisões de classes. Toda essa formatação do mundo
influenciou, diretamente, com o desenvolver das geografias.

No artigo New directions in cultural geography, em português Novos rumos


da geografia cultural, publicado, originalmente, nos anos de 1987, e traduzido por
Márcia Trigueiro, em 2011, Denis E. Cosgrove e Petter Jackson reafirmam que as
diversas perspectivas das análises da geografia cultural passaram a ser renovadas.

Como já apresentado, havia um contexto de renovação e inquietação da


ciência geográfica no fim de 1960 e início de 1970, pelas tantas possibilidades e
novas perspectivas em relação às matrizes epistemológicas, principalmente, com a
inclusão dos materialismos histórico e dialético no âmbito das academias inglesas
(CORRÊA, 2011). Segundo Cosgrove e Jackson (2011, p. 135), “os progressos
da geografia cultural radical foram focalizados numa edição recente da revista
Antípode”.

Como outras matrizes epistemológicas antagônicas aos materialismos


histórico e dialético se desenvolviam colateralmente, a exemplo da fenomenologia
e da hermenêutica, uma se dedicou à geografia humanística, com o Yi-Fu Tuan,
e, a outra, mais fortemente à nova geografia cultural, mas não se nega que,
basicamente, essa tríade inspirou a nova geografia cultural (CORRÊA, 2011).

O processo de renovação, de maneira incisiva, iniciou na escola sauariana,


nos Estados Unidos, com a crítica de Duncan diante da perspectiva da visão da
cultura supraorgânica de Sauer e seus discípulos.

Na Inglaterra, Peter Jackson, no ano de 1980, tentava um elo entre a


geografia cultural e a geografia social, com base e método da antropologia social
(COSGROVE, 2011), portanto, foi criada, semelhantemente à geografia norte-
americana, a geografia cultural inglesa (CORRÊA, 2011).

Segundo Cosgrove (2011), nas produções da geografia cultura radical,


inicialmente, foi trabalhada a perspectiva teórica, com produções literárias
culturais, política relacionada ao lugar, culturas dominantes e subordinadas,
especificidades e tensões culturais demonstradas nas paisagens políticas e
próprias daquele lugar (vernacular).

94
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Essa geografia cultural inglesa foi profundamente influenciada pelas


ideias desenvolvidas no Entre for Contemporary Cultural Studies, da
Universidade de Birmingham, liderado por Stuart Hall. Foi influenciada,
também, por Raymond Williams, professor em Oxford. Williams
critica a visão de cultura como superestrutura, admitindo-a como,
simultaneamente, reflexo, meio e condição. Por outro lado, distingue
as culturas dominante, residual e emergente, resgatando, ainda, a ideia
gramsciana da hegemonia cultural (CORRÊA, 2011, p. 8).

Partiu-se do princípio de que essa “nova geografia” foi formada por uma
alquimia de combinações distintas, então, pode-se reconhecer o “[...] legado
saueriano, a contribuição da tradição inglesa da geografia social, assim como
os aportes da fenomenologia, hermenêutica, materialismos histórico e dialético,
ciências sociais, como a antropologia interpretativa, linguística, história da arte e
a semiótica” (CORRÊA, 2011, p. 8).

Percebe-se que o caminho rumo ao futuro são os olhares diversos que


contribuem e ampliam conhecimentos frente às discussões com outras áreas,
para que o debate seja enriquecido. A geografia cultural tende a buscar, desde
1980, a democratização dos debates entre perspectivas da linha sauariana, não
sauarianas e dos representantes da “nova” geografia cultural.

DICAS

Caso você tenha interesse em conhecer, um pouco mais, a respeito da


geografia cultural, indicamos o artigo Não existe aquilo que chamamos de cultura: para
uma reconceitualização para a ideia de cultura para a geografia, de Don Mitchell. Acesse:
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/7074/5009.

A segunda leitura congrega quatro artigos compostos por Peter Jackson, Denis
Cosgrove, James Duncan e Nancy Duncan.

1 – A ideia de cultura: uma resposta a Don Mitchell.


2 – Ideias e cultura: uma resposta a Don Mitchell.
3 – Reconceitualizando a ideia de cultura em geografia: uma resposta a Don Mitchell.
4 – Explicação em geografia cultural: uma resposta a Cosgrove, Jackson e aos Duncans.

Acesse: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/7075/5010.

95
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Frente a essa inquietação, a geografia francesa também buscou encontrar


um caminho rumo à nova perspectiva da geografia cultural.

De acordo com Claval (2011), esse momento foi separado em duas


etapas: primeiramente, deu-se a fase do conhecimento, com um caráter curioso e
principiante de descobertas acerca das novas possibilidades dessa nova geografia;
depois, houve a utilização da compreensão da geografia cultural para transformar
a perspectiva até então estabelecida pela geografia humana em detrimento das
ciências naturais.

As possibilidades de descobertas pelos geógrafos franceses pairaram


os domínios estabelecidos pela cultura que, de fato, fazia frente com um
entendimento da geografia humana, ou seja, a geografia humana discutindo fatos
relacionados à cultura, a exemplo da cultura como espaço vivido, a função dos
sentidos e corpo na geografia cultural, as dimensões das representações, imagens
mentais e discurso como abordagem cultural na geografia.

A crítica estabelecida por Armand Frémont, contra as análises


neopositivistas atenuadas nos anos “entas”, contribui para formalizar o novo
momento em que a geografia renascia. Ele afirmou que não era possível analisar
as singularidades das paisagens, nem dos habitantes, a partir de uma narrativa
sintética ou natural, mas “a geografia tinha que falar das formas, das cores, dos
cheiros, dos sons, dos ruídos” (CLAVAL, 2011, p. 158).

O modo Frémont de fazer geografia pelos olhos da cultura, como espaço


vivido, contagiou seus pares franceses, que, por sua vez, descobriram, em
pesquisas, que parte da sociedade não conseguia expressar suas identidades sem
se relacionar com o espaço vivido, onde reside e constrói suas vidas. Dentre os
estudiosos, há Jean Pierre Raison, que identificou a sociedade do espaço vivido
como “sociedade geográfica”; Joël Bonnemaison, que, a partir da sua pesquisa
na ilha de Vanuantu, localizada ao norte do território francês, apontou para uma
geografia concebida e vivenciada por essa população; Augustin Berque, um
exemplo de pesquisador e geógrafo que trabalhou para compreender o espaço
vivido dos japoneses e a sociedade oriental, com a obra “Vivre L espace au Japon”;
e Robert Pitter, com uma temática até então pouco discutida, porém curiosa, a
respeito dos espaços da morte e dos mortos (CLAVAL, 2011).

Um dos principais gatilhos para a compreensão de outras dimensões


estudadas pela geografia humana, de cunho cultural, foi, sem dúvida, o estudo
dos espaços vividos, além de outras possibilidades de análise, a exemplo do papel
dos “sentidos” e do “corpo”.

Apesar de interessante, a geografia de gênero foi um dos assuntos pouco


explorados, no entanto, os estudos dos sentidos, na geografia, reinventaram-se
em tantas outras versões, como a geografia dos sons, dos cheiros e, inclusive, dos
gostos (CLAVAL, 2011).

96
TÓPICO 1 — APROFUNDAMENTO DAS PERSPECTIVAS E APLICAÇÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO FRENTE À
INTERPRETAÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Caro acadêmico, seria possível você compreender, a partir de fatos


pessoais, algumas dessas dimensões estudadas pela geografia? Existem estímulos
que lhe aproximarão dos aspectos subjetivos da análise da geografia cultural.
Imaginamos que, em algum momento da sua vida, lugares ou paisagens trazem,
à memória, sensações, cheiros, sabores e o enraizamento cultural que te faz, em
instantes, conectar-se, sensorialmente, a uma experiência vivida.

Na geografia francesa, dentre todos os sentidos, o mais aplicado às


análises culturais foi a visão. O tema em questão, a paisagem, anteriormente, era
lidada como funcionalista ou arqueológica, e, a partir das novas perspectivas,
uma dimensão objetiva e subjetiva, o olhar e a relação entre a paisagem como
marcas da cultura e a paisagem como matriz da cultura foram assinalados como
via de mão dupla na década de 1990, por Augustin Berque. A obra Lá médiance
compreendeu as relações homem/meio ambiente, segundo o entendimento da
influência recíproca, (CLAVAL, 2011).

Para a compreensão da natureza da geografia humana, Berque produziu


o L’ ecumène, e entende-se que “[...] o ecumène está presente na mente dos
indivíduos, e as paisagens são marcadas pelos sonhos e planos dos indivíduos:
as pessoas necessitam ancorar as suas identidades na realidade circundante”
(CLAVAL, 2011, p. 162).

Outros domínios foram as representações, imagens mentais e discursos.


Um exemplo de estudo foi conduzido por Debarbieux. Com relação a algumas
representações mentais, teve, como objetivo, analisar áreas naturais frias, com a
imagem dos alpes, neve, população local e turistas, além de nomes estabelecidos
para alguns maciços montanhosos. Michel Lussault, por exemplo, analisou
discursos políticos, com o poder de persuasão para investimentos econômicos,
relacionados à implantação da indústria e serviços.

97
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Existe uma diferença entre o conhecimento geográfico e a ciência geográfica.


Segundo uma linha cronológica ou temporal estipulada desde a pré-história
até parte da Idade Moderna, o conhecimento geográfico foi alinhado à
transformação que ocorria com a sociedade, a princípio, com as breves noções
e conexões que o homem sem vínculo científico tinha com o espaço e os
elementos geográficos via curiosidade e experiências despretensiosas.

• Uma conexão entre elementos da ordem cultural era muito comum, a exemplo
da influência religiosa na formação social e do conhecimento. Existia, sempre,
uma relação muito forte em torno da relação homem, espaço e religião, o que
contribuía para a formação do conhecimento, embora, ainda, não tenha caráter
científico. A princípio, as cavernas eram compreendidas como santuários; a
formação da localização espacial através dos primeiros mapas, a exemplo do
T-0; o mapa que priorizou Jerusalém numa posição central, e com um desenho
semelhante à cruz, símbolo cristão; e, até mesmo, as escolhas de autoridades que
regiam a sociedade, pois elas tinham que apresentar uma premissa religiosa,
que pode ser compreendida culturalmente.

• Um novo momento surge com a Idade Moderna e todos os movimentos


insurgentes, a exemplo do iluminismo, quando ouve a democratização do
conhecimento com os novos preceitos econômicos e políticos que constituíram
esse período. Um nome que se destacou para a geografia foi o de Kant. Sua
trajetória provocou o desenvolvimento de um material com uma identidade
original para a fase da geografia próxima à sistematização científica.

• O ensino da geografia e a ciência geográfica nasceram, a princípio, no século


XIX. A sistematização ocorreu entre as duas principais escolas, a francesa e
alemã, em contextos diferenciados, porém, ambas contribuíram para as
“novas” perspectivas da geografia.

• Os novos rumos da geografia cultural não negaram as contribuições da escola


sauariana e da geografia social. Contudo, foi reconduzida e inspirada a partir
do desenvolvimento de matrizes epistemológicas referentes aos materialismos
histórico e dialético, fenomenologia e hermenêutica, além das ciências
colaboradoras, a exemplo da antropologia.

98
• A renovação da geografia ocorreu, intensamente, nos Estados Unidos, por
críticas realizadas à escola sauariana e ao conceito do supraorgânico, por
James S. Duncan, em 1980. Na Inglaterra, um elo foi proposto entre a geografia
cultural e a social, por Peter Jackson. Com relação às primeiras temáticas da
geografia cultural radical (referentes aos materialismos histórico e dialético),
trabalhou-se com a perspectiva de produzir materiais culturais e políticos para
explicar categorias da geografia.

• A geografia francesa também se atentou aos novos rumos, e se dedicou a


trabalhar em busca de uma base cultural para a geografia humana, a exemplo do
estudo do espaço vivido, além das funções dos sentidos e corpo, as dimensões
das representações, imagens mentais e discursos e outros domínios. Destacamos
Armand Frémont, Jean – Pierre Raison, Joël Bonnemaison, Augustin Berque,
Jean – Robert Pitte e Bernard Debarbieux.

99
AUTOATIVIDADE

1 Os elementos e fenômenos geográficos são encontrados na superfície


terrestre desde épocas pré-históricas, portanto, naquele momento, eles
podiam ser considerados conhecimento geográfico ou ciência geográfica?
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O homem obteve os primeiros conhecimentos da geografia por


meio de conexões com o espaço, gerando a interpretação de mundo
desde as civilizações passadas, porém, esses aspectos geográficos não
eram regidos por métodos e procedimentos científicos, mas por fatos
superficiais, ou seja, não científicos.
b) ( ) A sistematização da geografia não tem vínculo com o “conhecimento
geográfico”, pois são definidos em tempos distintos.
c) ( ) O homem obteve os primeiros conhecimentos da geografia por meio
de conexões com o espaço, gerando a interpretação de mundo desde
as civilizações passadas, portanto, tais aspectos vivenciados são de
origem científica.
d) ( ) Tanto o conhecimento geográfico quanto a ciência geográfica podem
ser considerados iguais, pois um complementa o outro.

2 A geografia, enquanto ciência, apresentou resistência ao tratar dos


fenômenos geográficos com base cultural, com algumas exceções. Essa falta
foi parcialmente sanada no momento de renovação, quando novas matrizes
epistemológicas, teóricas e metodológicas vieram a ser discutidas. Quais
dessas filosofias podem ser elencadas?

a) ( ) Fenomenologia, hermenêutica, materialismos histórico e dialético.


b) ( ) Positivismo, materialismos histórico e dialético e fenomenologia.
c) ( ) Neopositivismo, positivismo e estruturalismo.
d) ( ) Teorético, quantitativa, fenomenologia e historicismo.

3 Com relação aos autores contemporâneos, qual foi referência por criticar a
geografia sauariana no ano de 1980?

a) ( ) Roberto Lobato Corrêa, pois Sauer adotou uma política antiurbana.


b) ( ) Marvin W. Mikesell, pois, apesar de discípulo de Sauer, eles não
concordavam com a teoria supraorgânica.
c) ( ) Yi-Fu Tuan, pois, enquanto representante da perspectiva radical,
realizou uma crítica fundamentada nos materialismos histórico e
dialético, indicando que a teoria supraorgânica não legitimava a
geografia cultural.
d) ( ) James Duncan, pois realizou uma crítica severa a respeito da geografia
cultural sauariana e sua visão de cultura com entidade supraorgânica,
pois não considerava a cultura como autônoma, acima da sociedade e
detentora dos poderes explicativos.
100
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO


DA GEOGRAFIA CULTURAL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, esta fase compreende uma singela parte do processo de
renovação da geografia cultural, que se distribuiu em pesquisas bases com
nomes de referência para a ciência, ressignificação de conceitos, persistência
e desafios para a produção do conhecimento, na área da geografia, para além
das influências econômicas, políticas e relações de classe sociais. Esse momento
sinaliza as novas dimensões dos estudos a respeito da evolução das discussões
e narrativas ancoradas no espaço frente às dinâmicas culturais. A interpretação
dimensiona a cultura, espaço e tempo, mediante suas ocorrências nos caráteres
material e imaterial.

Seja bem-vindo ao Tópico 2 da Unidade 2! A partir de agora, convidamos


você a aprofundar os estudos. Neste tópico, serão desenvolvidos, além da
introdução às temáticas, dois assuntos complementares: Paul Claval e os estudos
culturais e formas simbólicas espaciais. Ao fim das leituras, serão introduzidos o
resumo referente ao tópico e as autoatividades.

Introduziremos as contribuições do autor francês Paul Claval e seu


dinamismo na geografia cultural a respeito da relação do homem x espaço e
cultura. A proposta de apresentar o geógrafo como referência está pelo seu
papel de destaque na atualidade, que, de maneira generosa, busca interpretar a
história ou natureza das relações sociais e culturais. Claval apresenta, com muita
destreza, simplicidade e leveza, desde os temas acirrados do pensamento histórico
geográfico aos temas vivenciados, diariamente, por geógrafos e não geógrafos,
mas, que outrora, foram impedidos de ser chamados de trabalhos científicos. Ele,
a partir de uma base teórica interdisciplinar, sai do óbvio e objetivo e propõe
significar os conceitos por hora enrijecidos, propondo discussões das expressões
culturais, espaços e grupos sociais.

Ainda, haverá a discussão de um assunto pertinente às novas concepções


da geografia cultural após 1970: as formas simbólicas e suas espacialidades. Essa
relação opta por um caminho crítico, humano e simbólico, material e imaterial, a
respeito das perspectivas tradicionais da geografia.

101
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Confiamos a introdução do estudo em questão ao autor Roberto Lobato


Corrêa, geógrafo brasileiro que trabalha com as áreas da geografia urbana e da
geografia cultural, ou seja, os estudos urbanos no âmbito da geografia cultural
renovada. A partir da exposição de Corrêa, traremos alguns exemplos de alguns dos
assuntos relacionados às formas simbólicas espaciais construídas pela sociedade,
além da dinâmica da vida mediante o poder, simbolismo/memorialização, tempo
(passado, presente e futuro), forças opostas entre concordâncias, contradições,
diferenças, igualdade, celebração e altercação.

2 PAUL CLAVAL E OS ESTUDOS CULTURAIS


O século XX foi marcado por inúmeros acontecimentos, principalmente,
nos âmbitos tecnológico e científico, os quais, juntos, favoreceram a cientificidade
da geografia. Claramente, a ótica de ler o espaço deixou de ser uma via única,
mas tornou-se democrática e dinâmica, ao final da segunda metade do século XX
(assunto que pode ser compreendido na Unidade 1). Para tal evolução na ciência
geográfica, nomes conhecidos entre os acadêmicos da geografia representaram
esse quadro de mudanças, sendo, um deles, o francês Paul Claval.

Nascido no ano de 1932, na comuna de Meudon, um dos vilarejos da


Idade Medieval, considerada a menor e mais antiga subdivisão administrativa
da França, Claval partiu vinte e três anos mais tarde, no ano de 1955, e iniciou
seus primeiros passos da sua longa jornada na geografia, primeiramente, como
professor em escolas secundárias (1955-1960), depois, como conferencista e
professor da Universidade de Besançon (FRA), professor na Universidade de
Paris XIII – Nord, conquistando, enfim, a vaga de catedrático, na Universidade
de Paris IV – Sorbonne (1973-1998), e Emérito, em 1998.

Com uma característica versátil, ele não se apegou a um fenômeno


específico, mas permitiu, na sua vida acadêmica, gostar de aprender, ser um
observador entusiasmado em descobrir o novo, motivo pelo qual percorreu os
cinco continentes até então definidos. Tal ato o aproximou dos exímios geógrafos
anteriores a ele, pois sua percepção dos continentes, países e capitais do mundo
o gabaritou para desenvolver ricas produções nas geografias cultural, regional,
econômica e epistemologia da geografia. Com um trato singular, suas observações
aglutinaram traços da escola francesa, além do movimento de renovação, que
cercou transformações para a compreensão das categorias da geografia.

Pode-se dizer que Claval foi um dos precursores da renovação geográfica


do século XX. Da França para o mundo, o catedrático fomentou, nas suas obras,
a criação dos ramos da geografia e gerou a importância dos outros campos
geográficos outrora menosprezados, motivo que o tornou um referencial para a
academia.

102
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

As suas obras, para além das fronteiras francesas, foram reconhecidas


e traduzidas para inúmeros idiomas. Temos, por exemplo, o Espaço e poder, a
Geografia cultural, os Princípios de geografia social, a Geografia econômica e A lógica
das cidades. Ao todo, Claval publicou 40 livros e uma média acima dos 700 artigos
científicos.

Marcante na sua trajetória, Claval conquista reconhecimentos e prêmios


internacionais. Assim, listaremos alguns títulos encontrados no seu currículo: em
1992, tornou-se fundador da revista Géographie et cultures, doutor honoris causa
das Universidades de Genebra (1980), Trieste (1997), Trento (1998), Buenos Aires
(1999), Tsukuba (1999), Roma (2001) e Montreal (2008). No ano de 1996, recebeu
o prêmio internacional Vautrin Lud, e, em 2004, o prêmio de prestígio da União
Geográfica Internacional (IGU) – Lauréat d'honneur.

NOTA

O que significa o prêmio Vautrin Lud?

Criado pelo festival internacional de geografia em Saint-Dié-des-Vosges. Para os


geógrafos, o Vautrin Lud é um prêmio notável, consagrado como o “Nobel da Geografia”. Ele
foi um meio que a comunidade científica encontrou para reconhecer geógrafos autores de
contribuições significativas para a ciência da geografia, já que o prêmio Nobel não abrange
essa categoria científica. No ano de 2020, o prêmio completa 29 anos de existência, e vem
sendo um canal de propagação de nomes internacionais.

Anualmente, desde 1991, aqueles que fazem a diferença com suas obras e meio
de pesquisa são selecionados, e, assim como toda seleção, existe um tramite a ser seguido,
com o Vautrin Lud não é diferente. Em etapa eliminatória, 240 profissionais da geografia
escolhem alguns nomes para ser levados ao júri final, que é composto por cinco geógrafos
de distintas nacionalidades, e, a partir das análises minuciosas das obras é que sairá o
geógrafo coroado do ano. No Brasil, apenas Milton Santos teve esse reconhecimento,
datado no ano de 1994.

Por traz da escolha da cidade e do nome do prêmio, existem algumas curiosidades


e simbolismos para a geografia. Foi, na pequena Saint-Dié-des-Vosges, nordeste da França,
que a “América” teve seu nome consagrado por Martin Waldseemüller, o criador do mapa
mundi, em 1507 (o primeiro mapa que apresentou o mundo em quatro partes: a Europa,
a América do Sul, a América do Norte e a América), diferente do mapa da Figura 7. Essa
nomenclatura, curiosamente, teve, como influência, o nome do navegador e cartógrafo
“Américo Vespúcio”, aquele que afirmou ter primeiro encontrado o continente da América
nas suas navegações.

Vautrin Lud foi um cônego, líder religioso e estudioso da cosmografia. Ele dirigia
uma equipe dos trabalhos referentes aos mapas e, a partir da conciliação das informações
das expedições marítimas, elaborava representações dos continentes. Uma das imagens
mais esperadas e emblemática foi o mapa do novo mundo, que teve, como parceiro, o
integrante acadêmico Martin Waldseemüller.

103
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Prêmio IGU – Lauréat d'honneur

O prêmio Lauréat d'honneur é oferecido pela união geográfica internacional desde


1976, e destina-se a um público que se destaca com pesquisas, obras emblemáticas ou
com trabalhos prestados à união geográfica internacional, no campo da geografia ou meio
ambiente. Para mais informações, acesse: https://igu-online.org/about-us/roll-of-honour/.

Na geografia brasileira, Claval tem genuína contribuição, principalmente,


quanto à inclusão dos estudos da geografia cultural. Segundo Almeida e Arrais
(2013), os elos formados por Claval provêm da sua primeira visita ao país, no
ano de 1986, e, posteriormente, quando um dos seus livros foi traduzido para a
língua portuguesa, em 1999, motivo pelo qual houve uma aproximação entre os
acadêmicos brasileiros e o francês estudioso da geografia cultural. Em parceria
com Kozel e Sousa, em 2007, Claval participou de uma expedição chamada
“Amazônica”, pois se distribuiu nos territórios de Roraima e Amazonas. O
objetivo era percorrer cidades, comunidades ribeirinhas com pouca terra e muito
água. Referimo-nos aos rios, para pesquisar as manifestações culturais dos
lugares visitados, como a festa do boi-bumbá, os povos ribeirinhos, lançando,
como resultado, a interpretação do sujeito a partir da sua história, vivências e
percepções do lugar (KOZEL; SOUSA, 2013).

Claval (2012) discorre a respeito das influências das escolas do pensamento


geográfico na geografia brasileira e toda sua história. Ainda, aborda a seara das
diversidades étnica e religiosa da cultura brasileira, apresentando conteúdos
riquíssimos pesquisados. Claval entende que o país é uma fonte abundante para
os geógrafos da geografia cultural. Os assuntos podem e são explorados a partir
das raízes ameríndias da cultura nacional, extensivos aos hábitos e modo de vida
dos sujeitos (atividades agrícolas, formas alimentares). Ainda, há influências da
cultura africana pelo sincretismo religioso das religiões afro-brasileiras, como
a umbanda e o candomblé, assim como os neoafricanos, caracterizados pelas
comunidades quilombolas. Outro perfil trazido pela colonização europeia, que
também pode ser tema, são os cristãos novos “marranos”, ciganos que estão
distribuídos pelo território nacional e trazem seus hábitos, costumes e fé. Uma
outra perspectiva são as abordagens que versam a respeito das contradições
sociais e as ingerências provocadas.

A população brasileira está cada vez mais urbanizada. A abordagem


cultural se interessa pelas diversas formas de segregação das cidades
brasileiras, por suas favelas e seus condomínios fechados. Os problemas
que assolam as cidades, a prostituição, a criminalidade, o tráfico de
drogas são objetos de pesquisas sérias (CLAVAL, 2012, p. 19).

104
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Em uma conferência, Claval discorreu a respeito da contribuição francesa


ao desenvolvimento da abordagem cultural na geografia, e, como parte da
discussão, ele se declarou que faz parte de uma classe de geógrafos que entende
que todos os fatos geográficos também possuem uma origem cultural, e que boa
parte dos geógrafos franceses investe em reconstruir a geografia humana sobre as
bases da cultura (CLAVAL, 2011).

Na geografia francesa, Claval também possui uma extensa contribuição,


trazendo os ensinamentos de geógrafos, como Vidal de La Blache (1845-1918) e
seus herdeiros vidalianos, Albert Demangeon (1872-1940), Jean Gottmann (1917-
1995), Jean Brunhes (1869-1930), Pierre Deffontaines (1894-1978), Roger Dion
(1896-1981), Xavier de Planhol (1926-2016) e Eric Dardel (1900-1968). Ainda, há
outros autores, como referências da nova fase da geografia cultural: Armand
Frémont, Jean Pierre Raison, Joël Bonnemaison, Augustin Berque, Jean Robert
Pitte, Bernard Debarbieux, Antoine Bailly, Vincent Berdoulay, Michel Lussault e
outros que não foram mencionados.

3 FORMAS SIMBÓLICAS ESPACIAIS: BREVES


APONTAMENTOS
Temos, como objetivo, apontar determinadas reflexões acerca das formas
simbólicas no campo da dimensão do espaço, as quais são muito presentes no
estudo da geografia cultural da segunda metade de 1970. Cuidadosamente, são
introduzidos, com criticidade, os moldes de análises tradicionais, as máximas
filosóficas referentes ao marxismo, humanidades e significados.

Para a discussão das formas simbólicas e espaciais, tratamos de convidar,


ao texto, o geógrafo Roberto Lobato Corrêa, autor brasileiro que mais traduz
conceitos e estudos da temática. Nas suas leituras, é possível enxergar que as
formas simbólicas espaciais podem ser materiais, imateriais e podem aparecer em
diferentes domínios. É possível que alguns, ou todos vocês, conheçam shopping
centers, templos, monumentos, parques temáticos, procissões e paradas,
cemitérios, palácios etc. Todas essas esferas em discussão são passíveis de se
tornarem um meio de pesquisa na geografia cultural, cuja finalidade representa
a análise entre as relações das formas simbólicas, identidade e a variável tempo,
com a reinterpretação do passado e as vistas das novas possibilidades do futuro.

O grande teórico cultural, sociólogo e estudioso da identidade, Stuart Hall
(2006), afirma que, em um grupo cultural, as trocas podem ser tão intensas e
complexas entre os entes que as comunidades passam a ser capazes de produzir e
difundir significados dos elementos materiais ou não. A partir deles que existirão
as representações da realidade, que, consequentemente, projetam-se nas formas
simbólicas. Assim, fica entendido que as formas simbólicas, automaticamente,
são as representantes da realidade.

105
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Segundo Corrêa (2007), as formas simbólicas, materiais e não materiais,


formam signos, e estes, por sua vez, passam por um processo de criação, a
partir da conexão entre formas, significantes, conceitos e significados. Então,
pode-se entender que essas relações ou conexões são homônimas, apresentam,
aparentemente, uma mesma estrutura para a elaboração dos significados, porém,
são de livres interpretações, pois são diversas, tendo em vista as possibilidades e
variabilidade de significados pelos diferentes grupos culturais.

Na contramão de um pensamento generalizado, baseado na hegemonia


cultural, a polivocalidade (pluralidade e liberdade dos significados) adentrou
no campo geográfico, fortalecendo-se com uma gama de novas possibilidades
de analisar os espaços que foram rotulados como lugares marginalizados, não
hegemônicos e de alteridades. As formas simbólicas se tratam de um alargamento
do espectro da ciência geográfica, o que dá voz aos diversos significados,
sujeitos, tempos e espacialidades. “A geografia cultural se beneficiou com
aportes do marxismo, da fenomenologia, da hermenêutica, das ciências sociais
e humanidades, como a crítica literária e a linguística, e das ciências naturais”
(CORRÊA; ROSENDAHL, 2012, p. 90).

Propomos apresentar a construção da espacialidade, pela ação humana,


como um reflexo simbólico não apenas pela perspectiva econômica, mas associado,
ou seja, o simbolismo e o econômico juntos, com suas cargas de influências com
as dimensões espaciais.

A corrente que caracteriza a essência da interpretação do signo, na


perspectiva de Corrêa, é a construcionista. Hall (2006) denomina como sendo uma
corrente em que os significados são criados/construídos segundo o raciocínio
de comunidades e pessoas que significam e interpretam as formas simbólicas.
Todavia, nessa via de mão dupla, é possível que não haja a unicidade de
significado, mas interpretações diversas que, apesar do valor adquirido, venham
gerar instabilidade de significados por essa pluralidade.

Existe uma relação muito direta entre as formas simbólicas com o espaço,
pois essa conexão transforma as formas simbólicas em formas simbólicas
espaciais, a partir do momento em que os fixos e fluxos são incluídos no processo
de compreensão. Assim, todo o conjunto passa a fazer sentido.

NOTA

Relembrando fixos e fluxos em poucas linhas: os fixos possuem formas, são


elementos fixados na materialidade, em algum lugar e espaço (localização), como algumas
construções civis, usinas, prédios, casas e imóveis em geral. Os fluxos são caracterizados
pela imaterialidade, fluidez e dinamicidade (itinerários); eles vivificam os fixos, e podem ser
entendidos por serem rotas de produtos, serviços, informações e culturas.

106
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

São considerados correntes de formas simbólicas espaciais “palácios,


templos, cemitérios, memoriais, obeliscos, estátuas, monumentos em geral,
shopping centers, nomes de logradouros públicos, cidades e elementos da
natureza, procissões, desfiles, paradas etc.” (CORRÊA, 2007, p. 9).

No parágrafo anterior, com Corrêa (2007), foram apresentadas,


nominalmente, algumas formas simbólicas espaciais, portanto, para não fique
no campo imaginário, trouxemos, através de imagens capturadas da internet,
uma pequena, diante do vasto campo de estudo. Propomos que vocês façam um
exercício para compreensão visual, e entendam, a partir de alguns exemplos, do
que se tratam as formas simbólicas espaciais, que estão distribuídas em territórios
nacionais e em internacionais. Certamente, a partir dessa experiência, você
analisará a sua cidade, e também identificará algum ponto com formas simbólicas
espaciais.

A primeira figura é o palácio de Buckingham, localizado em Londres.


Ele foi erguido pelo duque Buckingham, mas se tornou residência oficial da
monarquia britânica em meados dos anos 1763, quando comprado pelo Rei
George III. Apesar do palácio ser fortificado por ferro, bronze forjado, ao longo
das guerras, esse complexo sofreu ataques e bombardeios, fomentando reformas
e melhorias arquitetônicas. O palácio se tornou o símbolo da pujança da nobreza
do Reino Unido, atrai desde a população britânica a turistas de todo o mundo.
Esse lugar possui uma atmosfera de significados.

FIGURA 9 – PALÁCIO DE BUCKINGHAM – LONDRES

FONTE: <https://cdn.civitatis.com/reino-unido/londres/galeria/palacio-buckingham-cambio-
guardia.jpg>. Acesso em: 2 set. 2020.

A basílica de São Pedro, localizada no Vaticano e sua construção suntuosa,


trata-se do maior complexo religioso referente ao catolicismo, constituindo uma
unidade política e espacial. De acordo com Rosendahl (2003), o sagrado dispõe de
uma gestão hierárquica. No caso do Vaticano, ele representa uma sede oficial e se
caracteriza por ser um território religioso administrativo.

107
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Segundo Corrêa (2005, p. 12), “as instituições religiosas, por outro lado,
ao construírem seus templos e outras formas simbólicas, materializam o local
do culto e exibem o poder da instituição ao comunicar a mensagem religiosa
proclamada, que une e identifica a comunidade dos seus fiéis”.

FIGURA 10 – BASÍLICA DE SÃO PEDRO – VATICANO

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcRJ827IYsnRfhJnfZfkHq
UVpSK2SDJV3Z-i4A&usqp=CAU>. Acesso em: 2 set. 2020.

Com relação aos monumentos que vêm a ser apresentados: o Cristo


Redentor e o do Dr. Blumenau. Cada um possui um significado particular: o
primeiro reflete, nacional e internacionalmente, o símbolo do Rio de Janeiro e
a identidade católica da população brasileira, estimada como o país de maior
número de católicos do mundo. Em proporção menor, tem-se o monumento
e mausoléu de Hermann Bruno Otto Blumenau, fundador da colônia e, hoje,
cidade de Santa Catarina, localizada no Vale do Itajaí, que leva o seu sobrenome,
Blumenau. Esse lugar foi edificado com o objetivo de homenagear o fundador
da cidade, e, para manter a conexão com a população, a fundação da cultura da
cidade, regularmente, abre espaço para exposições das artes.

FIGURA 11 – MONUMENTO DO CRISTO REDENTOR – RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://pbs.twimg.com/media/CEhLqt9WIAA5GCF.jpg>. Acesso em: 2 set. 2020.

108
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 12 – MONUMENTO E MAUSOLÉU DR. BLUMENAU – BLUMENAU

FONTE: <https://mapio.net/images-p/19401243.jpg>. Acesso em: 2 set. 2020.

Os nomes dos lugares podem significar, além da linguística e da


base etimológica, aspectos geográficos, históricos, sociais, econômicos e
antropoculturais. Um exemplo foi a renomeação das ruas em Paris, Lisboa
e no Brasil, com o nome da então vereadora assassinada Marielle Franco. O
acontecimento ganhou força política, por ela ser representante das classes
minoritárias enquanto mulher.

FIGURA 13 – NOME DO LOGRADOURO MARIELLE FRANCO - RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://www.culturamix.com/wp-content/uploads/2020/06/Rua-Marielle-Franco.jpg>.
Acesso em: 2 set. 2020.

Os cemitérios também faz parte de uma temática estudada pela geografia


cultural. Esses lugares podem falar muito dos acontecimentos históricos, como
veremos adiante. Em alguns casos, cemitérios podem explicar as relações das
classe sociais, mas, no caso do cemitério judeu em Praga, no bairro de Josefov,
em particular, a religião, identidade cultural, tradição e seus simbolismos são as
marcas fortes a serem discutidas, além dos temas relacionados ao antissemitismo,
e os pogroms, considerados os atos violentos contra os judeus.

109
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 14 – ANTIGO CEMITÉRIO JUDAICO DE PRAGA

FONTE: <https://mundovastomundo.com.br/wp-content/uploads/2018/12/Cemit%C3%A9rio-
judaico2-e1545506694980.jpg>. Acesso em: 2 set. 2020.

O exposto a seguir representará o movimento da Marcha para Jesus, na


cidade de São Paulo, lugar onde nasceu a primeira MPJ no Brasil. Esse movimento
denota a força da religião evangélica de ocupar espaços públicos, difundindo-se,
espacialmente, com atos populares religiosos e ideais políticos, visando fortalecer,
promover sua identidade religiosa. Essa ocupação funcional dos espaços públicos
por grupos sociais pode se caracterizar como forma simbólica.

FIGURA 15 – MARCHA PARA JESUS – SÃO PAULO

FONTE: <https://noticias.r7.com/fotos/marcha-para-jesus-leva-milhares-de-fieis-as-ruas-de-sao-
-paulo-veja-fotos-20062019#!/foto/1>. Acesso em: 4 set. 2020.

A procissão do Círio de Nazaré pode render análises dos muitos


aspectos para a geografia cultural. Segundo Rosendahl (2003), a marca do ano
de 1800 representou o fechamento de três séculos de conquista das colônias e dos
processos de missões e evangelização do catolicismo. Esse poder, vinculado à
religião, disseminou-se por nove unidade territoriais do Brasil, e uma dessas foi
Belém, região norte do país. A paroquia de Nossa Senhora de Nazaré foi criada
em 1861, e todas as assimilações de milagres designadas à santa contribuíram
para o crescimento dos devotos, por conseguinte, da procissão, tornando aquele
espaço uma área de grande influência política e religiosa, pois o catolicismo, face
aos festejos, utiliza-se dos espaços e vias públicas para expor sua fé e afirmar a
sua identidade religiosa.

110
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 16 – PROCISSÃO DO CÍRIO DE NAZARÉ – BELÉM DO PARÁ

FONTE: <https://pbs.twimg.com/media/EXdVkDwXsAIXwlF.jpg:large>. Acesso em: 2 set. 2020.

Acadêmico, para as todas as formas simbólicas, existem políticas que


as regem, a exemplo da política locacional e de escala. Segundo Corrêa (2007),
a política locacional se divide em localização absoluta, localização relativa e
localização relacional, e a política de escala em dimensão absoluta e dimensão
relacional.

• Absoluta

É possível que, do ponto de vista histórico, você se lembre de algum


lugar da sua cidade que tenha uma história marcante, lembrou? Certo, então,
a localização absoluta pode partir desse princípio ou, simplesmente, a partir da
criação de um significado para uma localização absoluta qualquer, quando se
deseja transformá-la em um local de destaque.

“Uma forma simbólica tem uma localização absoluta, um sítio onde


ocorreu um dado evento considerado significativo ou que se deseja transformar
em um local de celebração, contestação ou memorialização, por apresentar um
potencial positivo para esse fim” (CORRÊA, 2007, p. 9).

Alguns exemplos das formas simbólicas são evidenciados em literaturas


anteriores aos anos 2000, e podem ser datados desde o século XIX. Cidades
americanas e europeias são exemplos da criação de monumentos de grande porte,
como estátuas, memoriais e templos. O intuito vai além da aparência estética, mas
contém um conteúdo político, econômico, social.

Corrêa (2005) apresenta alguns exemplos de formas simbólicas de


dimensões maiores que, quando construídas com o intuito de permanecerem
na memória, geraram conflitos ou contestação, como a estátua erguida em
Londres, do Sir Arthur “Bomber”, marechal da real força aérea que comandou
o bombardeio de cidades alemãs. Outra manifestação foi da manutenção do

111
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

monumento do exército vermelho, em Budapeste. Outros exemplos citados por


Corrêa (2005), dotado de conotação política e de identidade, foram a construção
das basílicas católicas Sacré Coeur de Montmartre (França) e a Catedral Cristo
Salvador (Rússia).

Além da identificação de grandes formas simbólicas e seus contextos


históricos ancorados a guerras e eventos mundiais, outras formas simbólicas
menores foram inspiradas e, consequentemente, construídas. Com essa ideologia,
acreditamos que seja possível reduzir esse espectro de acordo com a realidade
individual. Vamos ao exemplo: na cidade de Campina Grande-PB, às margens
do açude velho (reservatório hídrico urbanizado que, hoje, é um ponto turístico
na cidade paraibana), foi inaugurado o monumento chamado “Os Pioneiros da
Borborema”, em 1964. Representa a materialização, memorialização e homenagem
a três figuras importantes dos processos de criação e crescimento da cidade: os
nativos, representados pelo índio, como símbolo da resistência e luta; a colhedora
de algodão, figura feminina que representou a força com a economia do ouro
branco, quando o município se tornou o segundo maior exportador de fibra no
mundo; e o terceiro personifica o homem colaborador comercial, caracterizado
pelo tropeiro, aquele que conduziu tropas de Equus asinus, popularmente
conhecido como “burro”. Todos transportavam cargas de algodão e cereais
(milho, arroz, feijão) do litoral ao sertão do estado.

FIGURA 17 – OS PIONEIROS DA BORBOREMA – CAMPINA GRANDE

FONTE: <https://www.paraibacriativa.com.br/artista/os-pioneiros-da-borborema/>.
Acesso em: 4 set. 2020.

Outro aspecto curioso foi a localização escolhida, em posição nascente,


para que todos que olhem vejam o brilhar do sol no monumento, uma mensagem
sutil, quanto às perspectivas de progresso e esperança em relação ao futuro. Além
disso, como fator real, esse perímetro circundou a história da criação da cidade,
um eixo de relações econômicas, comerciais, religiosas, de rota geográfica e de
todo início do grande processo de urbanização.

112
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Outro exemplo pode ser o Riacho do Ipiranga – São Paulo, local que detém
um significado do dia da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. O
fato foi narrado em uma cena iconográfica, pelo artista plástico Pedro Américo,
em sua obra de arte “Independência ou Morte”, de 1888, sessenta e seis anos após
o ocorrido.

A construção da imagem, a distribuição dos personagens na tela e suas


posturas apontam para a elevação de D. Pedro I ao status de herói nacional e à
ideia de construção da identidade e do patriotismo por meio do passado glorioso
e suas representações épicas (ITAMARATY, 2020).

FIGURA 18 – INDEPENDÊNCIA OU MORTE – O GRITO DO IPIRANGA

FONTE: <https://culturanerdegeek.com.br/wp-content/uploads/2016/09/Independence_of_
Brazil_1888.jpg>. Acesso em: 2 set. 2020.

O hino nacional também apresenta o Riacho Ipiranga como uma referência


física geográfica, um espaço absoluto para o ato de “separação” entre a colônia e
os colonizadores. Conta-se que a submissão do Brasil foi finalmente findada com
a declaração da independência, por Dom Pedro I, ao império português, naquele
ponto.

Ouviram do Ipiranga às margens plácidas de um povo heroico o


brado retumbante, e o sol da liberdade, em raios fúlgidos brilhou no
céu da pátria nesse instante, se o penhor dessa igualdade conseguimos
conquistar com braço forte, em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso
peito a própria morte [...] (JOAQUIM; SILVA, 1922, s.p.).

Em virtude da importância da identidade histórica do país, na Avenida


Nazaré, no bairro Ipiranga, em São Paulo, no final de 1980, foi criado um
complexo ou sítio, considerado patrimônio histórico cultural: o conjunto do
Ipiranga abrange uma área de 161,3 mil m2. Foram agregados o museu paulista, a
casa do grito, o monumento à independência e o parque da independência, todos
espaços identificados e georreferenciados.

113
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Para conhecer um pouco mais do complexo do Ipiranga, podemos indicar


um vídeo, “Marco da Independência, Rio Ipiranga nasce na Zona Sul de São Paulo”. Em 1’ e
30’’, você, brevemente, viajará para esse ponto turístico brasileiro, e conhecerá um pouco
mais de uma página contada acerca da independência do país: https://www.youtube.com/
watch?v=A8xmNlKxVJY.

Tivemos dois recortes espaciais, um de ordem local e, o outro, de ordem


nacional.

• Relativa

A localização relativa se vincula a dois fatores: visibilidade e, principalmente,


acessibilidade. Tomando os exemplos, de nada adiantaria se os dois locais citados
(tropeiro e Riacho do Ipiranga) não fossem visíveis e, especialmente, acessíveis.
Trocando por miúdos, pode-se dizer que se não fossem acessíveis, as pessoas não
poderiam nem alcançar aquele ponto, muito menos visualizar aquelas formas
simbólicas. A seguir, será possível notar que o posicionamento do monumento
foi erguido em um percurso de fácil acesso e de grande visibilidade, numa área
que se tornou ponto turístico e rota de passagem de viajantes etc.

As formas simbólicas, por outro lado, têm uma localização relativa,


associada à visibilidade, mas, sobretudo, à acessibilidade, face a toda
a cidade ou espaço regional ou nacional. Essa acessibilidade é um
dos meios mais importantes para que as formas simbólicas possam
transmitir as mensagens que delas se esperam (CORRÊA, 2007, p. 9).

FIGURA 19 – LOCALIZAÇÃO DO MONUMENTO OS PIONEIROS DA BORBOREMA

FONTE: O autor

114
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

• Relacional

Segundo Corrêa (2007, p. 9), “são localizadas em relação a outras formas


simbólicas que denotam interesses divergentes: as localizações delas enfatizam
um conjunto de valores que é referenciado a um dado espaço, o qual se opõe ao
outro espaço”.

Vamos entendendo o conceito, primeiramente, pelo significado da palavra


em um dos gêneros. A palavra relacional diz que há relação ou que envolve um
tipo de relação, ou seja, tudo que é relacional pode gerar algum tipo de relação, ou
tem algum ponto de contato. Quando trazemos para a área das formas simbólicas
espaciais, entendemos que os locais se expressam, individualmente, pelas suas
diferenças em termos de significado e intenções, mas compartilham uma função
genérica entre si, que é de se comunicar.

Vamos ao Rio de Janeiro, e tomamos dois casos: o monumento do


Cristo Redentor (1931) e o Museu do Amanhã (2015). É capaz que você tenha
conhecimento da imagem do Cristo. Considera-se um símbolo religioso marcante
onde pessoas pagam suas promessas, fazem preces, batizam filhos, inclusive,
realizam cerimônia religiosa de casamento aos pés do Cristo. Além da chama
religiosa, existem aquelas pessoas que visitam para conhecer e desfrutar da
paisagem. Com o peso simbólico representativo dessa imagem, o Rio de Janeiro,
década após década, adquiriu fama nacional e internacional. Já o Museu do
Amanhã nasceu de uma revitalização da zona portuária. Como construção mais
recente, o objetivo indica outras perspectivas, principalmente, a de apresentar a
ciência para a comunidade visitante, com intuito provocativo: as exposições do
museu geram reflexão de quem somos? onde estamos? de onde viemos? para onde
vamos? como desejamos chegar ao futuro? qual cenário de futuro pretendemos
encontrar? É possível perceber um apelo voltado ao antropocêntrico, no qual
se eleva a categoria do homem ao centro das discussões a respeito do mundo.
Portanto, ambos foram construídos, criados para vestir uma identidade, porém,
apresentam finalidades distintas.

FIGURA 20 – MUSEU DO AMANHÃ – RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://i1.wp.com/becodaspalavras.com/wp-content/uploads/2018/09/museu-do-
amanha.jpg?fit=1280%2C720&ssl=1>. Acesso em: 2 set. 2020.

115
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Propomos que vocês conheçam as perspectivas do Museu do Amanhã. Assim,


no vídeo a seguir, o curador Luiz Oliveira explica o porquê de um Museu do Amanhã:
https://www.youtube.com/watch?time_continue=17&v=fbIRDSzZbrQ&feature=emb_logo.

Os dimensionamentos atribuídos, neste momento, são aqueles garantidos


pela escala, que pode se dividir em absoluta ou relacional. A escala, no âmbito
abrangente da geografia, apresenta-se como um instrumento de medida, no
caso de extensão territorial, de área, a partir de recortes espaciais, propriedades
urbanas/rurais. No domínio local, no regional, podem ser identificados estados,
e, no nacional e no global, os países, por exemplo.

O absoluto, segundo Corrêa (2007, p. 9), “[...] diz respeito ao fato de a


forma simbólica apresentar uma certa dimensão física, expressa em área, volume
e altura, a qual se associa à magnitude do evento ou personagem a ser celebrado,
contestado ou memorializado, e aos recursos disponíveis”.

Enquanto a dimensão relacional das formas simbólicas propõe uma


análise comparativa entre uma e demais formas simbólicas, consequentemente,
essa comparação abarca as dimensões físicas grandiosas e todas outras possíveis
características, de anfitrião de eventos, representante de uma identidade criada
ou posicionado como frente de dissensão e conflitos (CORRÊA, 2007).

Por trás da perspectiva física, as formas simbólicas espaciais abrangem


outras conotações que, na maioria das vezes, são originadas a partir das
transformações da sociedade associadas às interferências de ordem política/social.

Para Corrêa (2007), na interpretação das formas simbólicas, é agregada a


dimensão espacial, além dos significados políticos, de identidade, da reconstrução
do passado e o anúncio do futuro.

O significado político tem uma importante presença na construção das


formas simbólicas espaciais, pois agregam o que Rowntree e Conley (1980 apud
CORRÊA, 2007, p. 10) chamam de “mecanismos regulatórios de informações que
controlam significado”. Ou seja, os grupos políticos criam funções com o intuito
claro de regular, no sentido de regulamentar os meios simbólicos espaciais por
meio de regras, leis e orientações que dirijam, com significância, o valor simbólico
dado pelos seus criadores.

Para contextualizar, Corrêa (2007) elege alguns exemplos de estudos


clássicos apresentados em seis pontos que, geralmente, são identificados nas
formas simbólicas espaciais e significado político. Traremos essas informações
reunidas a seguir.

116
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

QUADRO 1 – FUNÇÕES POLÍTICAS ACERCA DAS FORMAS SIMBÓLICAS ESPACIAIS

Algumas funções políticas das formas simbólicas espaciais


Estabelece a prorrogativa do tempo, enaltece o Unificação dos valores de um dado grupo
passado, porém, reforça concepções pertinentes específico sem respeitar as particularidades dos
do presente em detrimento do futuro. demais (relação de poder).
Recria o passado, concedendo significados
recentes. As tradições conferidas a um lugar A segmentação da sociedade em grupos, os
podem ser uma mera criação humana para quais afirmam e reafirmam as suas identidades
apresentar uma verdade, que muitos vão (religioso, étnico, racial ou social).
comprar como sendo absoluta.
Construir lugares de reminiscência, aqueles que
Insinuações do tempo futuro (a linha tênue entre
sempre são guardados nas lembranças, pois
a constância de estar e a frenética marcha do
vêm definir e conservar a coesão social por meio
seguir) em algum momento do tempo presente,
do passado compartilhado (NORA, 1989 apud
e anunciação dos fatores favoráveis.
CORRÊA, 2007)

FONTE: Adaptado de Corrêa (2007)

A partir do momento em que foram apresentados os significados políticos,


é possível que os demais assuntos associados às formas simbólicas espaciais
transitem livremente pelo quadro de referência, como as formas simbólicas
espaciais e identidade, formas simbólicas espaciais e reconstrução do passado e
formas simbólicas espaciais e o anúncio do futuro.

Com relação à identidade e geossímbolos, Corrêa (2007) buscou as devidas


correlações entre as formas simbólicas espaciais e o elemento da “identidade”.

A primeira ocorrência identifica que as formas simbólicas espaciais vão


dando sentido ao andamento, desenvolvimento e permanência das identidades.
Significa dizer que a característica do que é idêntico ou semelhante entre os
mais diversos grupos (religioso, étnico, racial) e espaços (lugares, geossímbolos,
toponímia) é alimentada pela criação das formas.

Para Corrêa (2007, p. 11), “toponímia constitui uma forma simbólica que
identifica um logradouro público, bairro, cidade, país ou forma da natureza,
atribuindo um significado que pode valorizar ou estigmatizar o próprio objeto”.

Acadêmico, não será tão difícil você perceber, em uma escala micro, no seu
estado, município, ruas comerciais ou residenciais, as influências da toponímia.
Ainda, pode ser visto, em escalas macro, nas realidades internacionais, que os
lugares passam a ser renomeados em virtude de decisões políticas, identitárias,
influenciadas pela relação de poder territorial e outros fatores.

A relação da toponímia no Brasil se deu por meio dos modos de ocupação


territorial, desde o período da colonização. Só puderam ser compreendidos pela
união do entendimento da geografia e ciências, como história e arqueologia. A
combinação propiciou o desenvolvimento do estudo.

117
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

A toponímia, enquanto formas simbólicas com conotação político-


territorial e identitária, foi um dos meios pelos quais a Companhia
Geral do Grão-Pará e Maranhão, entre 1755 e 1778, estabeleceu marcas
do domínio português na Amazônia. As antigas aldeias indígenas,
transformadas em aldeias missiónarias, tiveram seus nomes indígenas
alterados, exibindo nomes de povoações portuguesas: Alenquer,
Almeirim, Barcelos, Borba, Breves, Ega, Faro, Óbidos, Ourém,
Santarém e Soure etc. (CORRÊA, 2007, p. 11).

Como exemplo, traremos a história contada pela prefeitura da cidade
paraense a respeito da origem do nome de Santarém. A lenda tem origem na
Europa, em Escalabis, cidade portuguesa. Segundo a história reproduzida, as
afirmações colaboram com o entendimento das formas simbólicas espaciais, além
da identidade do lugar, conforme o relato a seguir.

Em uma cidade portuguesa, uma jovem virgem, chamada Irene, educada


no convento, despertou a paixão de um jovem fidalgo, porém sem pretensões
amorosas, a moça o desprezou, o que gerou uma trágica morte. Telbaldo a
matou e arremessou aquele corpo às correntezas do rio Tejo, chegando à praia de
Escalabis, porém, anjos a retiraram das águas, e, com misericórdia, construíram
uma lápide de mármore, e guardaram o corpo da religiosa.

O fato é que tal criação do lugar e da história se tornou tradição, e a cidade


passou a ser reconhecida por Mártir Irene. O número expressivo de visitantes
projetou Escalabis como a cidade da Santa, o que veio se confirmar com o novo
batismo. A cidade foi rebatizada pelos portugueses de Sant” Irene. Sua locução
original lusófona sofreu alterações até se tornar Santarém, assim, permaneceu até
os dias de hoje.

A ligação da nomenclatura da cidade paraense adveio através de Mendonça


Furtado (que foi governador geral do Estado do Grão-Pará e Maranhão), em
referência à cidade de Santarém, em Portugal, em 1758, quando ele renomeou a
Aldeia dos Tapajós para Santarém. A aldeia passava à categoria de vila.

Outros elementos que devem ser rememorados, frente às formas


simbólicas espaciais e identidades, são os espaços novos do geossímbolos. Para
Bonnemaison (2012, p. 292), “um geossímbolo pode ser definido como um lugar,
um itinerário, uma extensão que, por razões religiosas, políticas ou culturais, aos
olhos de certas pessoas e grupos étnicos, assume uma dimensão simbólica que
fortalece a sua identidade”.

Existem lugares que apresentam valores simbólicos tão fortes que se


enquadram na categoria de geossímbolos, principalmente, no Brasil, um país
diverso em religião, festas e grupos étnicos. São “representados por pontos
fixos, como construções, caminhos, formas do relevo, rios, árvores, estradas e
itinerários reconhecidos, traçando, na superfície, uma semiografia engendrada
por símbolos, figuras e sistemas espaciais” (BONNEMAISON, 2012, p. 105).

118
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

Para preservar a sua memória, tem-se, como exemplo, de geossímbolo,


além do Cristo Redentor, do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida e
outros, a procissão católica da Nossa Senhora de Nazaré, ou o Círio de Nazaré.
Com sentido religioso de ordem cristã, possui o objetivo de devoção, certo?!
Contudo, além do perfil religioso, esse ato também passa a ser um objeto de
análise da geografia cultural, um geossímbolo, pois compõe elementos suficientes.
Descritivamente, a arquidiocese de Belém, baseada no Círio de Nazaré, apresenta
o caminho/itinerário a ser percorrido pelos romeiros, discriminando pontos fixos,
caminhos, itinerários, rios e outros elementos de grande identidade cultural:

Para o povo cristão, se os locais consagrados a Deus, como igrejas e


capelas, apresentam-se como especiais por si mesmos, mais especiais,
ainda, são os que apresentam a característica de terem sido escolhidos
por Ele para a realização de acontecimentos importantes, como os
locais sagrados da Terra Santa, os das aparições de Nossa Senhora ou
de manifestações prodigiosas, como é o caso do achado da imagem de
Nossa Senhora de Nazaré em Belém, que colocou esse lugar em um
patamar importante, que exige especial consagração por conta dos
acontecimentos. Em 1861, foi criada a Paróquia Nossa Senhora de Nazaré
[...]. Em 1908, chegou, ao Pará, o padre Luiz Zóia, que considerou matriz
acanhada e sem estilo [...]. Era necessário erguer um novo templo [...].
Sua proposta foi erguer uma réplica reduzida da Basílica de São Paulo
entre muros, de Roma [...]. Praticamente, todo o templo foi erguido
com partes pré-moldadas por diversas empresas da França, Itália e,
também, do Brasil [...]. Foram trazidas milimetricamente nos seus
lugares, fazendo parte dos elementos que compõem o Círio de Nazaré.
A Basílica integra o conjunto da declaração da festa como patrimônio
cultural imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas
(Unesco), em 2013 (COLENY, 2020 apud DUBOIS, 1953, s.p.).

Torna-se possível absorver, claramente, o entendimento de Corrêa (2007),


quando ele explica que os geossímbolos aparecem em meio ao espaço de formas
simbólicas culturais. Os intuitos são reconhecer e trazer, de forma aparente, a
identidade de um grupo ou comunidade, associada a uma dada paisagem.
A constituição desse percurso e a paisagem do Círio de Nazaré “apresentam
geossímbolos fixos, que, por serem dotados de significados identitários, fortalecem
a identidade cultural dos grupos” (CORRÊA, 2008, p. 12).

Os exemplos mencionados acerca dos geossímbolos produzem uma forte


identidade nacional voltada para a Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil.
Consequentemente, surge a retórica de fortalecimento e poder dessa instituição.

Associadas à criação da identidade dos espaços através dos geossímbolos,


as formas simbólicas espaciais e a reconstrução do passado refletem,
intrinsecamente, as possibilidades de criar e recriar um passado de acordo com as
necessidades da identidade, quer seja ela social, de lugar, de outros elementos. “O
passado pode ser visto como um texto incompleto, cuja leitura permite, mais do
que o presente, interpretações diversas, possibilitando reconstruções adequadas
às vicissitudes de cada momento e de cada grupo social” (CORRÊA, 2007, p. 15).

119
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Você saberia identificar ou interpretar as reconstruções do passado


no espaço? Segundo Corrêa (2007, p. 15), “as interpretações do passado e suas
reconstruções podem ser expressas de diversos modos, como as formas simbólicas
espaciais como estátuas, memoriais e prédios”. Não é difícil encontrar, nas mais
diversas realidades, a reconstrução do passado. Andando pela cidade, basta
explorar, ser observador e buscar identificar, na história, as alterações ocorridas
no espaço. Corrêa (2007) apresenta exemplos no seu texto, como o palácio de Neue
Wache. Contudo, dentro da sua realidade, é possível encontrar essas alterações
ou reconstrução do passado percebendo sua cidade, estado ou país de origem.
Às vezes, os significados não são tão intensos quanto o de Neue Wache, mas,
certamente, há um valor singular.

A fachada e o interior de um prédio podem ser remodelados,


alterando-se a sua iconografia de acordo com a intenção de quem
pretende reciclar significados do passado, “apagando” a iconografia,
cuja intenção era gerar outra interpretação. Mais que uma estátua ou
um memorial, um prédio apresenta uma flexibilidade que permite
uma refuncionalização simbólica. Um prédio pode, assim, tornar-se
um meio útil para uma política de significados (CORRÊA, 2007, p. 15).

Mais uma vez, reduziremos o espectro do entendimento a partir de um


exemplo local, na cidade de Campina Grande-PB. Através dos olhares dissertativos
de Queiroz (2010) e Rossi (2010), trazemos a acelerada expansão, além de
transformações arquitetônicas dessa cidade no século XX, mais precisamente,
entre 1930 e 1940, além dos seus desdobramentos.

Precisamente, no ano de 1936, o então prefeito Vergniaud Wanderley deu


início às reformas nas estruturas do centro urbanístico tradicional, amparado
pelas leis sanitarista e urbanística. “Pouquíssimos prédios ecléticos sobreviveram
a esse choque de ordem que, em menos de 15 anos, muda totalmente a feição da
cidade” (ROSSI, 2010, p. 30).

Campina Grande, na época, passava por um profundo processo


reformador de coisas e pessoas, em consonância com todos os esforços
para anexar o Brasil à rede do capitalismo internacional, para torná-lo
civilizado, urbano, industrial e moderno. O lema higienizar, circular e
embelezar guiou intervenções da estrutura física do município, com o
intuito de distanciá-lo do aspecto colonial que dominava a cena urbana
até as primeiras décadas do século XX (QUEIROZ, 2010, p. 35-36).

120
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 21 – CROQUI DA RUA MACIEL PINHEIRO EM ART DÉCO/ BIBLIOTECA MUNICIPAL E


SOBRADOS COMERCIAIS

FONTE: Rossi (2010, p. 30)

Em Campina Grande, as “formas escalonadas, aerodinâmicas e os baixos


e altos relevos de figuras geométricas na fachada foram o comum da produção,
associado a, praticamente, todos os programas arquitetônicos da época, das
igrejas aos cabarés” (QUEIROZ, 2010, p. 36).

No ano de 2014, foi realizada uma exposição da artista plástica Margarete


Aurélio Colaço Agra, na Secretaria de Cultura de Campina Grande, com o intuito
de apresentar as transformações arquitetônicas que a cidade havia passado. O
exposto a seguir representará o auge das construções modernas nas áreas centrais
da cidade paraibana. Do lado esquerdo, tem-se a casa noturna “Casino Eldorado”,
e, ao lado direito, o residencial “Abdallah”, edifício considerado de alto padrão
da época, um projeto que trouxe, no seu conceito de criação, uma praça privativa
na cobertura, com direito à iluminação noturna, bancos e uma espécie de coreto.

FIGURA 22 – CAMPINA GRANDE ART DÉCO - PINTURA DO CASINO ELDORADO E


RESIDENCIAL ABDALLAH

FONTE: O autor

121
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Segundo Queiroz (2010), a representação arquitetônica em art déco


decorou prédios e fachadas em Campina Grande e em outras cidades do
Brasil, com um intuito de apresentar a chegada da modernidade, civilidade e
prosperidade econômica municipal.

Portanto, com a política de fomento pelas autoridades políticas e


econômicas (senhores do algodão), a construção e a reformulação das fachadas
da cidade paraibana agregaram um número expressivo de imóveis, atendendo
às características da modernidade. Em contrapartida, houve a perda de uma
parcela significativa da sua história, estabelecida nos séculos XVIII e XIX, com as
demolições das estruturas físicas.

DICAS

O vídeo a seguir, realizado pelo canal de televisão Itararé, exibido no programa


“Diversidade”, apresenta Campina Grande Art Déco. É uma breve explicação do estilo
arquitetônico. Em linhas gerais, contempla algumas perguntas, a exemplo de onde surgiu,
quais as referências de influência, o que a substantivou e a sua relação com a cidade
paraibana: https://www.youtube.com/watch?v=3QM60bdP6GM.

Esse complexo arquitetônico, visto em uma cidade do interior da Paraíba,


transmite informações históricas das influências políticas e econômicas, nacionais
e internacionais, a partir de uma leitura material ou física do espaço. De acordo
com o assunto exposto, podemos compreender que os escopos de percepção
acerca das reconstruções do passado, por meio das formas simbólicas, podem ser
encontrados próximos da realidade e experiência de vida.

A partir desse novo parágrafo, traremos as formas simbólicas espaciais e


o anúncio do futuro. Segundo Corrêa (2007, p. 14), “o futuro é, assim, marcado
por uma tensão entre permanência e mudança. As formas simbólicas espaciais
constituem um importante veículo por meio do qual o futuro pode ter a sua
concepção comunicada, aprovada ou contestada”.

Para uma melhor compreensão, Corrêa (2007) elege exemplos de estudos


clássicos, e um deles é de André Breton, que discute, amplamente, o anúncio de
futuro a partir da Feira Mundial de Paris, em 1937.

“A Feira Universal de Paris, realizada dois anos antes da Segunda Guerra


Mundial, anunciava dois aspectos cruciais do capitalismo da década de 1930: o
começo da expansão da publicidade e do consumo de massa e a devastadora
guerra” (CORRÊA, 2007, p. 15). A feira tinha uma característica peculiar, que

122
TÓPICO 2 — APOIOS, DINAMISMO E RESISTÊNCIA DA COMPOSIÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL

rendeu exposições das grandes atualidades industriais da época, portanto, aquele


lugar reverenciava as últimas novidades e, assim, apontou o caminho que estava
seguindo o futuro. Certamente, a chave para a compreensão era que as ideias
e a materialização do futuro ocorreram naquele espaço designado de formas
simbólicas espaciais.

Outro aspecto importante da feira foi, sem dúvida, o sentido político que
ela compartilhou. Colocava, frente a frente, “as formas simbólicas associadas à
Alemanha nazista, à Itália fascista, à Espanha republicana e à União Soviética”
(CORRÊA, 2005, p. 15).

Trouxemos uma pequena parcela de um vasto campo de estudo. As


formas simbólicas espaciais atuam na superfície terrestre em escalas micro e
macro. Intencionalmente, elas colaboram, deixando, aparentes, as representações
edificadas por grupos da sociedade. Ainda, apresentam as diversas identidades
da dinâmica sociedade-cultura-espaço-tempo, ou seja, apresentam o presente,
o passado e o futuro, o que Corrêa (2007, p. 15) chama de “as diferenças e a
igualdade e o poder, a celebração e a contestação e a memorialização”.

123
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O francês Paul Claval se tornou um dos grandes geógrafos precursores da


renovação geográfica do século XX. Ele fomentou, nas suas obras, a criação de
ramos da geografia, como a importância de outros campos geográficos outrora
menosprezados. Sua percepção dos continentes, países e capitais do mundo o
gabaritou para desenvolver ricas produções nas geografias cultural, regional,
econômica e epistemologia da geografia.

• Claval denomina que todos os fatos geográficos também possuem uma origem
cultural, e que boa parte dos geógrafos franceses investe em reconstruir a
geografia humana a partir das bases da cultura.

• Na geografia brasileira, Claval tem uma contribuição, principalmente, para a


inclusão dos estudos da geografia cultural. Ele propõe uma fortificação dessa
área, mediante os conteúdos das diversidades étnica e religiosa da cultura
brasileira. Ele referencia as raízes ameríndias na cultura nacional, as influências
da cultura africana e neoafricanos, a colonização europeia, ciganos, inúmeros
representantes de grupos com hábitos, costumes e fé, algumas das consoantes
que podem ser expressas e analisadas no espaço.

• As formas simbólicas espaciais ocorrem por toda superfície terrestre, não apenas
através de uma perspectiva econômica, mas também por um simbolismo.
Podem ser materiais e imateriais, e, através da identidade, reconectam-se com
o passado, reconstruindo. Com os nortes do futuro, buscam a permanência ou
as transformações.

• As formas simbólicas são consideradas representantes da realidade. Elas


passam por um processo de criação e, a partir disso, os grupos sociais/culturais
semelhantes imputam seus significados. Em virtude da descontinuidade do
pensamento entre grupos culturais, as formas simbólicas também ficam sujeitas
a interpretações variadas, pelos diferentes significados designados.

• São exemplos de formas simbólicas espaciais identificados por localização


e itinerários: palácios, templos, cemitérios, memoriais, obeliscos, estátuas,
monumentos em geral, shoppings centers, nomes de logradouros públicos,
cidades e elementos da natureza, procissões, desfiles, paradas etc.

• Para todas as formas simbólicas espaciais, existem políticas que as regem, como
a política locacional, que compreende localização absoluta, localização relativa
e localização relacional, e a política de escala, que se divide em dimensão
absoluta e dimensão relacional.

124
AUTOATIVIDADE

1 Paul Claval, autor francês, congregou e apresentou, no artigo A geografia


cultural no Brasil (2012), alguns assuntos que fornecem, à geografia cultural
do Brasil, estudos-base da diversidade étnica, tradições religiosas da cultura
brasileira. A partir do enunciado, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Desses temas são incluídos gênero, a introdução do conceito de cultura


supraorgânico e toponímia.
b) ( ) Raízes ameríndias, as influências da cultura africana e os neoafricanos,
a colonização europeia e inúmeros representantes dos grupos com
hábitos, costumes e fé.
c) ( ) Raízes ameríndias, as influências da cultura norte-americana, inglesa
e neoafricanos, a colonização europeia e inúmeros representantes dos
grupos com hábitos, costumes e fé.
d) ( ) Desses temas, são incluídos gênero, a introdução do conceito de cultura
supraorgânico, toponímia e identidade.

2 Para todas as formas simbólicas espaciais, existem políticas que as regem,


como a política locacional, que compreende localização absoluta, localização
relativa e localização relacional, e a política de escala, que se divide em
dimensão absoluta e dimensão relacional. Essa estrutura se encontra em
Corrêa (2007). Assim, relacione:

1- Localização absoluta.
2- Localização relativa.
3- Localização relacional.
4- Dimensão absoluta.
5- Dimensão relacional.

( ) Está associada à visibilidade, mas, especialmente, à acessibilidade, pois


o acesso facilitado permite que as formas simbólicas transmitam as
mensagens que elas se propõem, na cidade ou espaço regional ou nacional.
( ) Considera-se que uma forma simbólica possui uma localização absoluta,
ou seja, um lugar onde tenha acontecido um evento importante ou um
local que deva se tornar um importante meio de celebração, contestação
ou memorialização, por apresentar um potencial positivo.
( ) Esta se localiza em relação a uma outra, mas possui interesses opostos.
( ) Quando as formas simbólicas apresentam uma característica física
demonstrada em área, volume e altura, as quais se associam à magnitude
do evento ou personagem a ser celebrado, contestado ou memorializado,
e aos recursos disponíveis.
( ) Compreende uma análise comparativa entre uma e demais formas
simbólicas, as dimensões físicas e todas as outras características, anfitrião
de eventos, representante de uma identidade criada ou frente de dissensão
e conflitos.
125
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) 1 - 2 - 3 - 4 - 5.
b) ( ) 2 - 1 - 3 - 4 - 5.
c) ( ) 2 - 1 - 3 - 5 - 4.
d) ( ) 1 - 2 - 3 - 5 - 4.

3 De acordo com a abordagem cultural de Bonnemaison, como é definido um


geossímbolo?

126
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO


DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, chegamos ao fim da Unidade 2. Temos, como objetivo
principal, trazer o conhecimento de alguns temas que enobrecem e evidenciam a
riqueza da interpretação cultural da geografia. Como um subcampo, a geografia
cultural se apresenta calcada na tradição do século XIX, porém, com novas
feições adquiridas no final do século XX, mudanças aparentes e importantes que
incluem novos temas, além das novas dimensões que não se limitam a estudar a
materialidade cultural, mas a imaterialidade.

Questões, como paisagem cultural, continuam assumindo uma grande


responsabilidade nos estudos, mas a inserção de representações fílmicas e
imagem, música e literatura, e tantos outros temas, passou a ser objeto de
interesse dos geógrafos culturais. Ainda sobre esse novo caminho da geografia
cultural, espaços podem se tornar um território, principalmente, quando são
públicos; temas, como toponímia e associações identitárias; e festa, gênero e
religião, indicando interferências econômicas, políticas de um dado lugar, com
a legitimação da linha de possibilidades. Consideramos como temas populares,
possíveis e reais, tendo em vista que cada indivíduo vivencia, em algum espaço,
combinações que tornam esses fenômenos um alvo da pesquisa geográfica.

Neste tópico, serão desenvolvidas, além desta introdução, as temáticas


paisagem cultural, território, territorialidade e identidade: compostos na geografia
cultural; dimensão espacial: literatura, música popular e imagem; e introdução da
geografia cultural em sala de aula. Ainda, resumos individualizados referentes ao
tópico, e, ao fim, autoatividades, visando auxiliar o processo de aprendizagem.

Apresentaremos conceitos que são bases da geografia, direcionados


para a aplicação no âmbito da geografia cultural; novas possibilidades de
pesquisa, segundo algumas expressões culturais que podem ser comprovadas e
dimensionadas no espaço geográfico mediante um contexto das relações tempo-
espaço; por fim, as possibilidades de temas culturais na educação básica com
amparo da Base Nacional Comum Curricular.

Apresentaremos os fenômenos geográficos segundo a natureza cultural


que eles carregam, com a finalidade de complementar a interpretação um do
outro. Bons estudos!

127
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

2 PAISAGEM CULTURAL, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E


IDENTIDADE: COMPOSTOS NA GEOGRAFIA CULTURAL
A função de trazer algumas dimensões estudadas da geografia permite que
você, enquanto aluno, pesquisador e futuro professor da ciência geográfica, possa
identificar possibilidades mensuráveis de estudo, a materialização e combinações
dos elementos: paisagem cultural, identidade, território e territorialidade se
tornam fenômenos de ordem da geografia cultural, quando distribuídos, ocupam
e manifestam suas devidas porções no espaço.

O espaço, paisagem, cultura, identidade, território e territorialidade


possuem conceitos distintos, porém, um não nega o outro, ao contrário, dialogam
perfeitamente entre si, basicamente, um é complementar ao entendimento do
outro.

Em uma breve compreensão, iniciamos pela base da geografia, o espaço.


Entende-se que o espaço se forma através de processos dinâmicos de construção
e reconstrução, por meio de ações humanas, segundo uma substituição de
elementos naturais por aqueles criados pelo homem, tornando-os artificiais, ou
seja, vive-se um ciclo dinâmico de transformação das formas naturais e artificiais
do espaço (SANTOS, 2006). “[...] A sociedade evolui no tempo e no espaço. O
espaço é o resultado dessa associação que se desfaz e se renova continuamente,
entre uma sociedade em movimento permanente e uma paisagem em evolução
permanente” (SANTOS, 1979, p. 42). É importante entendermos que toda essa
formação e transformações do espaço se refletem nas paisagens, por meio das
formas, função, estrutura e processo. São fundamentais as análises espaciais por
meio dessas categorias e descrições expostas a seguir.

FIGURA 23 – CATEGORIAS E DESCRIÇÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

Forma
Materializa-se no visível.
Exemplos: Shopping,
Casas, Praças.

Processo Função
Ações de dinamicidade Aplica a função das formas
e transformação sobre a Exemplo: Trabalho,
estrutura. Residência, Lazer.

Estrutura- sociedade
Sustentáculos das formas.
Exemplo: Econômico,
Social, Cultural,
Politico.

FONTE: Adaptado de Corrêa (2009)

128
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Corrêa (2009, p. 1) elabora uma análise das quatro categorias compreendidas


por Santos (1997):

Milton Santos define, brevemente, as quatro categorias, considerando,


como estrutura, a própria sociedade, com suas características
econômicas, sociais, políticas e culturais. Processo é considerado como
o conjunto de mecanismos e ações a partir dos quais a estrutura se
movimenta, alterando as suas características. Função, por sua vez,
diz respeito às atividades da sociedade, redefinidas a cada momento,
que permitem a existência e reprodução social. Forma, finalmente, é
definida como as criações humanas, materiais ou não, por meio das
quais as diversas atividades se realizam [...]. A forma se manifesta em
várias escalas, tendo uma localização e um arranjo espacial. Trata-se,
sem dúvida, da forma espacial.

O espaço geográfico se torna a base dos acontecimentos, congregando os


indivíduos e, por conseguinte, as paisagens natural e artificial (SANTOS, 1988).
A paisagem, como pode ser conceituada? Adiante, apresentaremos essa resposta,
mas desde já salientamos que são dois conceitos distintos, mas complementares,
principalmente, quando postos para analisar as efervescências e transformações
sociais.

Segundo Corrêa (2011), no continente Europeu, e depois nos Estados


Unidos, que se iniciaram as pesquisas a respeito da paisagem. Datam-se,
aproximadamente, da década de 1940, quando foram detectadas as primeiras
reflexões teóricas dos estudos empíricos. “A paisagem cultural se constitui, desde
o final do século XIX, quando da institucionalização da geografia como disciplina
acadêmica, em um dos seus mais importantes conceitos” (CORRÊA, 2011, p. 14).

Os autores que trouxeram, para a geografia cultural, a definição de


paisagem cultural, no Brasil, foram Zeny Rosendahl e Roberto Lobato Corrêa,
através de transcrições e seleções bibliográficas de autores que publicaram ao
longo do século XX. A obra Paisagem, tempo e cultura, de 1998, torna-se um exemplo
de trabalho que conglomera a evolução, adaptação ou moldagem do conceito
de paisagem cultural mediante as transformações socioespaciais em intervalos
temporais diferentes. O norte principal da apresentação dos textos é, sem dúvida,
a conceituação de paisagem. A distribuição da obra percorre escritos desde
1925 a 1989. São divididos em quatro capítulos e cinco autores. Possivelmente,
vocês conhecem, parcialmente, o primeiro autor da Unidade 1, Carl O. Sauer.
Como todos sabem, foi a partir desse momento que a geografia cultural passa
a tomar forma. Só então, no final de 1940, que Fians Bobek e Josef Schmithúsen,
ambos representantes da escola alemã, apresentam A paisagem e o sistema lógico da
geografia, frente a uma relação homem e natureza, uma perspectiva da paisagem
cultural baseada na descrição e observação, porém, a obra não se restringiu a,
apenas, essa discussão, deu-se conta de uma inter-relação maior entre os homens
distribuídos em sociedade e os fenômenos espaciais-temporais, contribuindo
para a formação da paisagem cultural. Ainda, Paisagem – marca, paisagem matriz:
elementos de uma problemática para uma geografia cultural, de Augustin Berque. Em

129
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

1984, o geógrafo francês e orientalista interpretou que a paisagem representa um


sentido maior quando ela manifesta as relações da sociedade, espaço e natureza.
Indica que a paisagem reflete os movimentos que a sociedade produz, inclusive,
os traços culturais, e a paisagem é o lugar-matriz onde essas transformações são
geradas mediante as ações, percepções e concepções. Esse é um estudo orientado
pela geografia humanista e com raízes fenomenológicas. A última produção
bibliográfica foi realizada por Denis Cosgrove, em 1989, com característica crítica
dos materialismos histórico e dialético e o simbolismo. Cosgrove iniciou sua
percepção para dar respostas às reflexões de ordem interrogativa, a respeito das
interferências das análises quantitativas com o texto. A geografia está em toda
parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas, ou seja, a tríade paisagem,
cultura e simbolismo rege o pensamento do autor, explicando as paisagens
geográficas a partir das culturas dominantes e aquelas versões e variações de
paisagens alternativas, como as residuais, emergentes e excluídas. Tais explicações
seguem com Corrêa (1995) em compreensões futuras.

A contribuição para o estudo da paisagem não surge para informar


uma abordagem geográfica específica entre o certo e errado, mas para abrir
possibilidade, mostrando que, dentro de uma complexidade da temática
paisagem, existem correntes que propõem suportes clássicos e meios alternativos,
mas científicos, que buscam contemplar, mais profundamente, apontamentos
multidisciplinares.

Na ciência geográfica, e em inúmeras áreas, a noção de paisagem é objeto


de análise, porém, é importante lembrar que as aplicações de uso e interpretação
são diferentes, portanto, não podemos debitar um valor unitário da paisagem
para as artes, incluindo a fotografia e as músicas, nem para as ciências, como
arquitetura, urbanismo, geografia, turismo e biologia, pois cada um possui sua
percepção e seu nível científico.

Se, por acaso, você apresentar dúvida do significado da palavra


“paisagem”, e procurar um dicionário comum da língua portuguesa para auxiliar,
possivelmente, características de ordem natural vão se sobrepor. Segundo o
dicionário online de português, a paisagem significa “a extensão do território
que o olhar alcança num lance”. Também quer dizer “vista” ou conjunto de
componentes naturais, ou não”; “natureza, tipo ou característica de um espaço
geográfico: paisagem repleta de montanha”, ainda, outro significado imputado
paira a partir da expressão artística referente a pinturas, desenhos, fotografias e
gravuras”.

Segundo Domingues (2001), numa esfera não geográfica, a utilização da


palavra paisagem faz parte do vocabulário comum, e o seu sentido se aproxima de
duas perspectivas: uma naturalista e, a outra, culturalista. A primeira fazer alusão
a elementos de referenciação e, a segunda, ao estilo literário. Maximiano (2004,
p. 84) se aprofunda ainda mais, quando afirma que as inscrições rupestres “são
os registros mais antigos que se conhece da observação humana da paisagem”.

130
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Para Alves (2001), a aplicação da nomenclatura paisagem é datada


do século XVIII, com as expressões artísticas conforme expressa o dicionário
supracitado. A utilização do termo expressava, a princípio, obras representadas
pela pintura artística de cenários naturais, ou relatos de viajantes, a exemplo de
Von Humboldt, o geógrafo que realizava expedições com o intuito de descrever
as características naturais dos continentes encontrados.

Em seu desenvolvimento, na ciência geográfica, no século XIX, o conceito


de paisagem passa, ao longo do tempo, por adequações, frente aos posicionamentos
das escolas predominantes (Alemanha, França, Estados Unidos). Seus métodos são
seguidos pelos respectivos pesquisadores, considerados as vozes do século XIX, como
Humboldt, Ritter, Ratzel e Vidal de la Blache. Ainda, outros do século XX, como Hettner,
Siegfried Passarge e Otto Schlüter (Passarge e Schlüter buscavam a compreensão de
quanto aos meios que tornavam a paisagem hierarquizada e como ocorria a mudança
da paisagem natural para cultural). Sauer, o geógrafo da morfologia da paisagem,
estudou a temática relacionada a paisagens agrárias (CORRÊA, 1995).

Com naturalidade, o conceito de paisagem adquiriu uma característica


polissêmica, migrando entre a realidade do que a vista enxergava para o modo
como a vista percebia a realidade (SALGUEIRO, 2001).

Ainda, o autor supracitado afirma que, quase numa totalidade absoluta,


a academia geográfica se dedicava a estudar a paisagem segundo métodos
descritivos da virtude de catalogar as formas físicas naturais da superfície terrestre.
Contudo, era preciso buscar compreensões reais, introduzindo as atividades
humanas, a princípio, como gatilhos, e, depois, como fontes fundamentais para a
transformação paisagística.

A escola germânica, as compreensões enrijecidas, a escola francesa e o


posicionamento mais fluido e dinâmico convergiram para o entendimento
da paisagem por meio da materialidade estratificada no espaço mediante as
atividades antrópicas. Nas bases filosóficas neopositivista e materialista, foi
proposto redirecionar a abordagem da paisagem para dentro das conotações
da região, ou seja, surgiram conceitos congêneres, dois em um, porém, com a
importante ressalva: seus nortes filosóficos são distintos, um faz algumas sinapses
frente ao sistema econômico capitalista, enxergando a paisagem ou região como
produto territorial do capital e, o outro, realiza abstrações, isola um elemento
ou aspecto natural contido naquela paisagem ou região e aplica um método
quantitativo para tentar obter explicações. A busca, para além da compreensão
visual da paisagem, gerou observações de outros métodos (SALGUEIRO, 2001).

A partir de 1970, com a humanização da ciência geográfica, tornavam-se


possíveis novas possibilidades para estudar a paisagem, porém, não elegeram,
de forma unificada, a conceituação de paisagem, mas trouxeram reflexos
paradigmáticos diversos, como a supressão do estudo da paisagem a partir das
perspectivas positivistas e neopositivistas, a catalogação de apoio a discussões a
respeito da visão simbólica da paisagem e a ampliação do conceito denotativo
pela geografia física, segundo elementos humanos e civilizatórios.

131
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

A paisagem não é objeto autônomo em si, face do qual o sujeito


poderia se situar em uma relação de exterioridade. Ela se revela numa
experiência em que o sujeito e objeto são inseparáveis, não somente
porque o objeto espacial é constituído pelo sujeito, mas também porque
o sujeito, por sua vez, aí se acha envolvido pelo espaço (COLLOT,
1990, p. 22).

No início da discussão do assunto, foi proposto não apresentar uma fórmula


mágica para a noção de paisagem, pois ela não é limitável. Respeitosamente,
existem pesquisadores que, ainda, nos dias atuais, conseguem realizar um link
com a perspectiva naturalista do século XIX, entre a paisagem e a ecologia,
sinalizando uma conexão com a interpretação do lado físico da geografia.

Outros descobriram a dinâmica humana da paisagem, vislumbrando


análises de pontos sensíveis da percepção e experiência de vida do sujeito, além
do eixo de atribuições críticas e culturais, o qual introduz o conceito de paisagem
e o peso dos aspectos econômicos e fenômenos culturais.

Embora a paisagem tenha uma conotação física, a validade das relações


sociais e culturais interfere, com seus signos e significados subjetivos, incluindo
o afetivo. “A paisagem não se refere à essência, ao que é visto, mas representa a
inserção do homem no mundo, a manifestação do seu ser, base do seu ser social”
(DARDEL, 1990, p. 54).

O entendimento da paisagem permeia todos os campos sensoriais do ser


humano, desde a visão ao tato. A proposta está, de fato, em experienciar o lugar,
numa relação de afeto, emoção e, até mesmo, paixão. “O mundo percebido pelos
olhos é mais abstrato do que o conhecido por nós, por meio dos outros sentidos”
(TUAN, 2012, p. 28).

Ele propõe que você, enquanto ser humano, permita-se relacionar com
o meio utilizando aspectos despercebidos, os subjetivos. Entende-se que estes
se caracterizam por todas as suas sensações, sentimentos e ideias, por um
determinado lugar e sua paisagem.

Os sentidos do olfato e do tato são educados mentalmente? Tendemos


a negligenciar o poder cognitivo desses sentidos. No entanto, o verbo
francês savoir (‘saber’) está intimamente relacionado com o inglês
savor. O paladar, o olfato e o tato podem atingir um extraordinário
refinamento. Eles discriminam, em meio à riqueza de sensações, e
articulam os mundos gustativo, olfativo e textural (TUAN, 1983, p. 11).

Imagine um ambiente físico que esteja no seu universo e no imaginário social.


Pois bem, ele representa exatamente aquilo que se encontra no seu imaginário e em
todos os imaginários coletivos? Possivelmente, não! Você saberia explicar? Sim,
isso mesmo, cada indivíduo possui uma interpretação de mundo variada mediante
a subjetividade individual. Dentro das relações de proximidades (individuais ou
coletivas), existem, ao menos, três campos que chamamos de flutuantes: paisagem,
memória e cultura. São variáveis importantes, porém, condicionantes, que decidem a
respeito das relações e percepções entre o homem e o espaço.

132
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Existem as dinamicidades temporal, social (coletiva e individual), cultural


e histórica, que interferem diretamente nas percepções dos grupos culturais.
Segundo Tuan (2012, p. 139), “o prazer visual da natureza varia em tipo e
intensidade, podendo ser um pouco mais do que a aceitação de uma convenção
social”.

Essa importante abordagem realizada é a apresentação dos grupos


culturais diferentes (indígenas, indonésios, chineses), de como eles ocupam e
compreendem o espaço em diferentes situações. Como resposta, tem-se que cada
grupo apresentou seus costumes, sua identidade, que se distanciava das culturas
homogeneizadoras, indicando uma sensação de pertencimento, superioridade e
manutenção da cultura.

Milton Santos possui, na obra Metamorfoses do espaço habitado, questões


que ratificam a conceituação e apreensão da paisagem ensinada por Tuan. Em
uma das suas exposições, apresentou a perspectiva de utilização dos sentidos
para ler a paisagem. Santos (1997, p. 61) afirma que “tudo aquilo que nós vemos,
o que nossa visão alcança, é a paisagem [...]. Não é formada apenas de volumes,
mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.”.

Semelhantemente, mais uma vez, Santos (1997, p. 62) aplica a percepção


de paisagem como um meio seletivo captado pelos sentidos, pelas diferentes
sociedades, sujeitos e cultura.

A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos


sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa
apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal,
é feita de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diferentes
versões do mesmo fato [...]. Se a realidade é apenas uma, cada pessoa
a vê de forma diferenciada. Dessa forma, a visão, pelo homem, das
coisas materiais, é sempre deformada [...].

DICAS

Caso você se interesse pela temática, indicamos a leitura do livro Topofilia: um


estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Uma das principais obras do
autor Yi-fu Tuan, publicada, originalmente, em 1974, e traduzida para a língua portuguesa
pela Dra Lívia de Oliveira, em 1980. Essa é uma referência atemporal para os geógrafos.
Ainda, em uma entrevista a respeito da Serra da Mantiqueira, a geógrafa Lívia explica
alguns dos conceitos, como topofilia, topofobia, topocídio e topo reabilitação, conteúdos
encontrados no livro de Yi-Fu Tuan. Tal conteúdo pode ser encontrado em: http://g1.globo.
com/economia/agronegocios/noticia/2015/09/globo-rural-apresenta-formacao-da-serra-
da-mantiqueira-desde-o-inicio.html.

133
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Segundo Meininig (2002), a paisagem possui possibilidades inesgotáveis


para ser interpretada. O autor tem, como objetivo, apresentar uma diversidade de
propostas e significados da paisagem. Ele percorre sua análise segundo as cenas
nomeadas por: paisagem como natureza, paisagem como habitat, paisagem como
artefato, paisagem como sistema, paisagem como problema, paisagem como
riqueza, paisagem como ideologia, paisagem como história, paisagem como
lugar e paisagem como estética.

Diante das nuances da perspectiva da paisagem, Corrêa (1995) se dedica


a explicar a paisagem cultural. No momento, chama atenção para a compreensão
dessa paisagem. Segundo Corrêa (1995, p. 4), “trata-se de paisagem cultural um
conjunto de formas materiais dispostas e articuladas entre si no espaço, como
campos, cercas vivas, os caminhos, a casa, a igreja etc., com seus estilos e cores
resultantes da ação transformadora do homem sobre a natureza”.

Retomando uma breve discussão, ele coloca algumas disposições iniciais


para os estudos da paisagem cultural sob aspectos simbólicos e funcionais, a
exemplo da análise do cemitério, temática outrora despercebida.

Ele mapeia, descritivamente, boa parte da estruturação dos cemitérios


brasileiros nas ruas principais, adjacentes e periferias, relacionando com a
formação de centros urbanos e a realidade capitalista da sociedade em classes,
com seus privilégios ou desfavorecimentos.

A paisagem dos cemitérios das grandes cidades brasileiras é exemplar.


Na frente, juntos à rua ou à praça, estão os túmulos das pessoas ricas e
de prestígio, de mármore ou granito, e ornamentados com imponentes
símbolos. Em torno, como que formando um semicírculo, estão os
túmulos dos indivíduos de classe média, mais simples e baratos,
porém, duradouros. Na periferia do cemitério, de acessibilidade
mais difícil, estão enterrados, sem nenhum jazigo, os indivíduos das
camadas populares. Essa paisagem é, simultaneamente, funcional e
simbólica, reproduzindo o status social que os indivíduos tiveram
em vida, assim como a localização residencial no espaço urbano
(CORRÊA, 1995, p. 5).

Segundo a análise realizada por Corrêa (1995), as paisagens culturais


podem ser encontradas em lugares onde não existem tantas buscas por
compressão. Ele trouxe uma realidade de muitos cemitérios brasileiros.

Indagamos você frente à análise realizada: é possível que o conceito


arquitetônico das construções fúnebres, em 2020, tenha mudado? Sim, é possível,
mas continua sendo um campo de paisagem cultural que indica mudanças no
universo social. Implacavelmente, cemitérios luxuosos passam a ser construídos
por diversas regiões, e apresentam uma narrativa oposta daquela que muitos
anos sustentavam, começando pela desconstrução da identidade sóbria para
dar espaço à narrativa de que o cemitério é um lugar de paz ou, até mesmo,

134
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

de lindas histórias. Essa tendência começa pelos nomes: em um determinado


período, apenas aos nomes dos cemitérios era acrescentado o país, cidade ou
o bairro do qual fazia parte. Também apareciam nomes relacionados a alguma
figura sagrada, mas, na atualidade, ganham outros nomes, como bosque da
esperança, campo santo parque da paz, parque da colina, além de serviços de
velório (salas de velórios com salas de repouso, banheiro privativo, floricultura,
cafeteria, lanchonete) e missas, cultos ou, até mesmo, palestras ecumênicas, no
dia de finados.

Possivelmente, adentrássemos nessa discussão, encontraríamos uma


relação de classe um pouco mais aprofundada. Se, antes, o que separava o
indivíduo pobre do rico eram as ruas dentro de um mesmo cemitério, hoje,
podemos compreender complexos funerários que excluem, definitivamente,
classes sociais menos favorecidas.

Em concordância, Cosgrove e Jackson (2011) e Corrêa (2011) entendem


que a paisagem advém de uma forma de enxergar ou ver, formas ou cenas
ajustadas em processos de transformações e diferenças econômicas, sociais,
políticas, culturais, incluindo tradições, credos e moral. “A paisagem urbana
permite múltiplas leituras a partir de diversos contextos históricos e culturais,
envolvendo diferenças sociais, poder, crenças e valores” (CORRÊA, 2011, p. 179).

Um dos grandes nomes da geografia, Cosgrove, trabalhou em prol da


união do marxismo e da geografia cultural. Era preciso obter uma pesquisa com
resultados reais em virtude das relações entre o homem e o espaço, utilizando
os materialismos histórico e dialético e as realidades sensorial e simbólica.
A perspectiva da paisagem tem, como objetivo, analisar relações objetivas e
subjetivas frente à organização social, modo de produção e ocupação do espaço.
Para Cosgrove (2011, p. 103), “os seres humanos experienciam e transformam o
mundo natural em mundo humano, através do seu engajamento direto enquanto
seres pensantes, com suas realidades sensorial e material”.

A produção e reprodução da vida material são, necessariamente,


uma arte coletiva, mediada na consciência e sustentada através de
códigos de comunicação. Essa última é produção simbólica. Tais
códigos incluem não apenas a linguagem em seu sentido formal,
mas também o gesto, o vestuário, as condutas pessoal e social, a
música, a pintura, a dança, o ritual, as cerimônias e as construções
(COSGROVE, 2011, p. 103).

Segundo Santos (1997a), geógrafo que segue uma linha crítica, a


paisagem carrega pontos que a designam como artefatos e sistemas. Por ser uma
produção humana associada a elementos invisíveis que se interligam, também
pode sustentar a riqueza, por motivar crenças e ideias com o intuito de formar
ideologias.

135
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

A paisagem nada tem de fixo, de imóvel. Cada vez que a sociedade


passa por um processo de mudança, a economia, as relações sociais
e políticas também mudam, em ritmos e intensidades variados. A
mesma coisa acontece em relação ao espaço e à paisagem, que se
transformam para se adaptar às novas necessidades da sociedade
(SANTOS, 1997a, p. 37).

Entende-se que a paisagem possui um caráter cultural diretamente


relacionado a ela. Afeta, diretamente, a transmissão da verdade passada por meio
dos grupos, símbolos, identidades culturais e linguagens.

Corrêa (1995) apresenta o estudo das paisagens culturais. Em uma


perspectiva crítica dos materialismos histórico e dialético, ele identifica duas
grandes categorias de paisagens: a primeira se refere às paisagens dominantes,
elencando as características de imposição e maior visibilidade das classes de
poder; a segunda reflete as paisagens alternativas que, contrariamente, possuem
uma linha de ínfima visibilidade e poder, e são desenvolvidas por grupos não
dominantes.

Continuando as identificações da paisagem, são desenvolvidas as


perspectivas ou tipos: (a) paisagens residuais, (b) paisagens emergentes; e (c)
paisagens excluídas. Para cada, existe uma explicação, assim, começaremos pela
(a): as paisagens residuais são aquelas que existem, porém, possuem poucas
expressões, como as áreas rurais e de alguns pontos encontrados nas grandes
cidades; (b) paisagens emergentes estão diretamente ligadas aos lugares que
precisam transmitir um recado de um grupo que emerge de uma sociedade de
classes, porém, sua característica é a transitoriedade, assim, foi dado o exemplo
das comunidades hippies de 1960 nos Estados Unidos da América, além dos
acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); por
fim, (c) as paisagens excluídas, pois, assim como o próprio nome afirma, esse
tipo de paisagem compreende grupos que sofrem exclusão, referidos como
minorias, como ciganos, religiosos e raciais. As minorias, apesar de possuírem
traços históricos e culturais fortes e resistentes, contendo símbolo e significado,
são diminuídas pela cultura dominante, com a consequência da invisibilidade.

Os aspectos da cultura são considerados interpretativos, por apresentarem


variáveis mutáveis entre as experiências subjetivas dos indivíduos quanto às
leituras dos elementos da paisagem.

Na prática, entende-se que, em uma gama de grupos sociais, possivelmente,


todos apresentam características que os diferem dos outros, como atividades
particulares, linguagens, formações culturais etc.

Como base estruturante da pesquisa, foram buscadas, nos conceitos


geográficos de território e territorialidade, suas aplicabilidades no campo da
geografia cultural.

136
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

A terminologia territorium tem suas bases no latim clássico, mas o uso


conceitual da palavra tem um histórico mais moderno, referente à geografia
tradicional, que, erroneamente, algumas vezes, foi atrelada, apenas, a concepções
de uso delimitado para uma vertente política. O território subsistia à luz do
material, visível, tangível ou palpável, passando a ser entendido como um
perímetro controlado por alguma representatividade social.

Haesbaert (2010) e Souza (2015) afirmam que, mesmo havendo um


norteamento político do território, suas discussões geram um ciclo vicioso da
simplificação, caso não se recorra a uma compreensão mais abrangente, como
as dimensões simbólicas. Tomamos, como exemplo, o caso de um dos mais
tradicionalistas, Friedrich Ratzel, que tratou, em um dos seus estudos mais
recentes, da correlação entre os vínculos de aproximação do indivíduo e do
solo (unidade conceitual que outrora era apenas tratada enquanto sinônimo
de território), por meio de questões religiosas, espiritualizadas e psicológicas
(HAESBAERT, 2010).

Souza (2015) aponta que a definição de território se conecta, muitas vezes,


às relações de poder, tornando, consequentemente, um discurso aproximado da
dimensão política. Tal fato, todavia, não é capaz de tornar ilegítima a concepção
de território sob a ótica cultural, uma vez que as relações simbólicas, as teias
de significados e as identidades são vertentes e meios para tratar e conceituar o
território.

Após apresentar uma primeira vertente do território, Souza (1995, p.


87) expõe uma segunda aproximação conceitual, dizendo que “territórios são,
no fundo, antes relações sociais projetadas no espaço que espaços concretos”,
indicando que a base concreta se minimiza a “substratos materiais”, ocorrendo as
intensas relações de territorialidade.

Apesar das práticas reducionistas circundarem o campo geográfico como


hábito durante séculos, Souza (2015, p. 56) alerta para uma adequação quanto à
interligação dos modos de compreensão conceitual:

As razões e motivações para conquistar ou defender um território


podem ser fortemente ou primariamente de cunho cultural ou
econômico; é óbvio que não são, sempre, de ordem “estritamente”
política. Aliás, a própria separação entre político, cultural e
econômico, da maneira como amiúde é feita, tem muito de cartesiana.
Artificialmente, é preocupada em separar aquilo que é distinguível,
mas não propriamente separável.

Para Souza (1995, p. 81), os territórios podem surgir em gradientes


maiores e menores, entre os extremos dos países às ruas. Podem ser construídos
e descontruídos, contudo, sempre imbuídos pela dimensão temporal: “territórios
podem ter um caráter permanente, mas também podem ter experiência periódica,
cíclica”.

137
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Segundo Haesbaert (1999; 2010), o conceito pode ultrapassar a


interpretação constante de dominação, alcançando a consciência de que a
perspectiva simbólica aponta para o espaço-território como um canalizador da
produção das identidades, dadas as interações por grupos sociais.

Em concordância com a temática, Santos (2000, p. 96) afirma que o


território, antes de ser um recorte apenas material, representa uma identidade
simbólica, uma vinculação entre as relações pessoais e o material:

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto


de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo
homem. O território é o chão e mais população, isto é, uma identidade,
o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território
é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais
e da vida. Quando se fala de território, deve-se, logo, entender que se
está falando de território usado, utilizado por uma dada população.

Em conformidade, Raffestin (1993) salienta que o território é o local


onde se firmam e acontecem as relações de poder, por meio das ações dos atores
da sociedade. Para Foucault (1979), o poder está inserido em todas as relações
humanas e, principalmente, dentro do escopo religioso.

Sob o olhar da geografia cultural, discutir território é se apropriar dos


espaços imaterial e material substanciados das dimensões simbólicas em que
identidades são afirmadas e reafirmadas.

Rosendahl (2002, p. 59) menciona que os “espaços apropriados, efetiva ou


afetivamente, são denominados territórios”, sendo, as territorialidades, parte das
relações estabelecidas por grupos e agentes sociais no escopo espacial.

Conforme Fernandes (2015, p. 208), existem ordens de categorização


de territórios diferentes, além da construção de um território imaterial que
solidifica a reprodução material, “relacionado com o controle, o domínio do
processo de construção do conhecimento e suas interpretações”. Inseridas no
contexto, encontram-se, ao menos, cinco variáveis: a teoria, o conceito, o método,
a metodologia e a ideologia.

Toda perspectiva que venha determinar, parcialmente ou completamente,


uma informação, visando nortear, persuadir e/ou induzir. Deve haver a intenção
de cooptar o indivíduo, a princípio, a um território imaterial.

Com a perspectiva de território, outra categoria se torna parceira das


discussões da geografia, a territorialização. De acordo com Haesbaert (2007),
a territorialidade, além de incorporar uma dimensão mais política, amplia-
se, também, nas discussões das relações econômicas e culturais, pois está
intrinsecamente ligada ao modo como as pessoas se relacionam com a terra, em
forma de organização espacial e como o significado é dado ao lugar.

138
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Segundo Haesbaert (2007, p. 26):

[...] Devemos, primeiramente, distinguir os territórios de acordo com


aqueles que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais/
culturais, o Estado, empresas, instituições, como igreja etc. Os objetivos
do controle social, através da sua territorialização, variam conforme a
sua sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, o próprio indivíduo.

Rosendahl (2002, p. 59) considera que a territorialidade se apresenta como


uma condição estratégica e influente no “controle de coisas e pessoas, ampliando,
muitas vezes, o domínio sobre espaços que a religião se estrutura enquanto
instituição, criando territórios seus”.

Conforme Rosendahl (2002), a territorialidade pode ser fortalecida pelas


experiências religiosas coletivas ou individuais que os grupos podem manter em
um lugar considerado sagrado ou nos itinerários, que constituem o território.

A territorialidade, enquanto conceito, pode ser identificada como um


componente de poder que vai além do objetivo de apenas manter a
ordem num território. Ela pode ser entendida como uma estratégia
para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do
qual se pode experimentar o mundo, dotando-o de significado.
A territorialidade pode ter uma dimensão imaterial, no sentido
ontológico de que, enquanto imagem ou símbolo de um território,
existe e pode se inserir como uma estratégia político-cultural, mesmo
que o território ao qual se refira não esteja concretamente manifestado
(VANDERLINDE, 2012, p. 11).

Introdutoriamente, a perspectiva da geografia da religião, segundo


Rosendahl (1996, p. 59), é “uma organização complexa, como a Igreja Católica
Romana, que desenvolveu exemplos notáveis do uso da territorialidade religiosa
em diferentes espaços, durante o longo tempo de história”, tendo em vista a
representação de uma ordem e um poder que paira além da esfera religiosa.

Na geografia da religião, é possível destacar grandes produções que


atuaram na perspectiva da confluência entre território, territorialidade e religião.
Assim, apresentamos Sack e Sopher como autores. As duas possuem semelhanças,
no sentido de que a Igreja controla muitos tipos de territórios, mas, principalmente,
dois grandes tipos: os lugares sagrados e a estrutura administrativa ou episcopal.
Essa estrutura é, também, uma forma de administrar uma instituição que tem
poderes políticos e econômicos.

As obras desses autores são precursoras para emergir a tríade território,


territorialidade e religião na realidade da estrutura administrativa, principalmente,
da Igreja Católica Romana. As dioceses eram territórios de propósitos múltiplos,
sendo, a religião, apenas mais uma das suas funções (ROSENDAHL, 1996).

139
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Rosendahl (1996) diz que os estudos de Sack apontam que a Igreja Católica
Romana possui duas características principais: uma se refere às questões tangíveis,
como as imponentes estruturações físicas, hierarquia eclesiástica, propriedades
de terras e a ampla membresia; a outra é a representação intangível, referente às
ordens espiritual, religiosa e aos princípios desenvolvidos.

Sopher (1967), conforme citado por Rosendahl (2002), destaca que o


sistema microgeográfico da religião, por meio do qual são fornecidos modelos de
interação entre os sistemas religiosos, traça que a territorialidade pode ser advinda
de três tipos comportamentais: por coexistência pacífica, por instabilidade e
competição e por intolerância e exclusão.

Os comportamentos analisados devem deixar de ser atribuídos, apenas, à


esfera conceitual religiosa, pois tais atitudes podem não ser fruto dela. “Algumas
vezes, esses comportamentos são produtos de longa experiência histórica que
subsiste à tradição das comunidades envolvidas, mesmo quando a fé e a prática
religiosa estejam diminuindo” (ROSENDAHL, 2002, p. 207). Essas práticas
comportamentais mais exclusivistas, de acordo com a autora, são características
de religiões antigas que buscam reivindicar posse de únicas verdades religiosas,
cujos resultados são, em alguns casos, reações hostis entre adeptos de sistemas
religiosos antagônicos.

Em estudos mais recentes, entretanto, ainda numa vertente do cristianismo,


a respeito do estabelecimento da relação entre território, territorialidade e religião,
Machado (1992 apud ROSENDAHL, 1996, p. 63) declara que, após o advento do
pentecostalismo, diferentemente da Igreja Católica, “a territorialidade é informal
e fugaz, não se limitando a uma estrutura territorial formal e perene, expressa
pelas paróquias e dioceses católicas, que são delimitadas e permanentes”.

Em conformidade, no âmbito da geografia cultural, Dias (2016) analisa


as estratégias de difusão espacial do protestantismo, através do estudo de caso
da Igreja Projeto Vida Nova, no Rio de Janeiro. Nesse estudo, foram elencadas
algumas estratégias que levam esse grupo a crescer, em quantidades de templos,
nacional e internacionalmente.

Destaca-se a periodicidade da ocupação dos espaços públicos, no


período do carnaval, para aplicação da ação evangelizadora, que gera práticas
de territorialização pelo grupo neopentecostal. Numa linha semelhante, porém,
guardando a singularidade da temática, Sampaio (2018) trata da compreensão dos
processos que influenciam as (re)construções identitárias frente ao fenômeno dos
eventos religiosos na cidade de Campina Grande, Paraíba, no período momesco
de 2017.

A composição material dos territórios organizados pelas igrejas evangélicas


vem crescendo, mas se diferenciando dos formatos estabelecidos pelas igrejas
católicas. Por exemplo, o campo territorial católico se estrutura dentro de uma
hierarquia rígida, perene, enquanto as igrejas evangélicas apresentam diferentes
partições, não pactuando com a uma mesma composição territorial formal.

140
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Com uma visão geográfica, Rosendahl (2003) ressalta que os geógrafos


devem desvendar as territorialidades visíveis e invisíveis, no caso específico
dos diferentes grupos religiosos. Pode-se observar, nessa afirmação, dois pontos
importantes que devem ser levados em consideração quando se pretende analisar
alguma problemática sob a ótica da geografia da religião: os territórios e as
territorialidades religiosas, sobretudo, nos dias atuais.

Com relação ao primeiro ponto, devemos focar no espaço em si e em como


a religião é capaz de unir ou separar um povo e, ao mesmo tempo, delimitar
um território. Já com relação ao segundo ponto, deve-se considerar as múltiplas
faces religiosas existentes na sociedade e qual a capacidade que elas possuem
de interferir em porções espaciais por meio de ações estratégicas de dominação,
tendo em vista que a religião é um dos fatores influenciadores do processo de
territorialidade, vistos o protecionismo e a manutenção da identidade dos grupos
religiosos.

A temática da geografia cultural, referente à geografia da religião,


apresenta-se, nesse primeiro instante, pontualmente, tendo em vista que a
Unidade 3 aborda, com mais detalhes, os assuntos relacionados aos caminhos
que esse campo percorreu e até onde ele pretende chegar como uma geografia
possível, popular, referente às questões vivenciadas dia a dia por pessoas no
espaço considerado geográfico.

A compreensão da identidade pode invadir vários campos, inclusive, o da


geografia cultural, com festas, religião, literatura, música e tantas outras vertentes.
Claval (1997) afirma que a cultura forma a identidade dos membros de uma
sociedade através de um esquema de acumulação de conhecimento, estruturação
das informações, significação e ressignificação das informações ao longo da vida.

Para Claval (1997, p. 97), a cultura tem um papel substantivo na aquisição


de valores identitários individuais, que reflete três pilares em três fases distintas
da vida: a infantil, a juvenil e a adulta. “O primeiro pilar trata de guiar a
ação, escrevendo-a em um quadro normativo; o segundo trata de sublinhar a
especificidade de tudo que é social, alcançando a dignidade e passando pelo
procedimento da institucionalização; e o terceiro pilar dá um sentido à vida social”.
Cada pilar se estrutura da seguinte forma: primeiramente, os sujeitos absorvem
valores que os encaminham para um destino coletivo; posteriormente, com
maturidade, adquirem uma identidade; logo, conquistam o status de pertencer a
um grupo. Consequentemente, projetam-se para as demais coletividades.

Aprofundando a discussão do assunto, Goffman (1988) conduz uma


pauta das possibilidades do ser enquanto sujeito no sentido de atentar para
as identidades contidas em si. Para ele, o ser humano, na sua essência, possui
dois tipos de identidades: a virtual e a real. Na primeira, são consideradas as
qualidades normais e aceitas pelos ditames da sociedade, já a segunda trata da
sua realidade enquanto indivíduo, baseado nas possibilidades do psíquico, das
naturezas biológica e cultural, rompendo com as relações da identidade virtual.

141
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Em contrapartida, Hall (2006) apresenta três concepções de identidade


para o indivíduo, seguindo a nomenclatura do sujeito do iluminismo, sociológico
e pós-moderno.

A primeira se refere a uma pessoa com uma identidade centrada na


autossuficiência do ser desde o nascimento, com uma existência quase intocada
pelas influências externas; a segunda já traz a unificação entre o mundo interior
do sujeito e a identidade adquirida fora; e, a terceira, retrata um processo de
mudança na estrutura social e influências culturais, caracterizando-se por não
dispor de uma identidade estável, por não ser definida por processos biológicos,
e se mostra como uma construção errante de si.

A interpretação para a afirmativa tem, como base, que a identidade é um


processo dinâmico, cíclico, reflexivo e contraditório, uma vez que se estrutura por
meio das relações interpessoais e interculturais diariamente.

Hall (2006) aponta que os atores sociais adotam inúmeras identidades, de


ordem étnica, religiosa, política ou, até mesmo, de gênero, existindo, dentro de
mim, identidades contraditórias, levando-nos a diferentes direções, de tal modo
que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se o indivíduo
sentir que tem uma identidade unificada desde o nascimento até a sua morte,
é porque foi construída uma cômoda e confortadora narrativa de si. O sujeito
está, continuamente, nos processos de aquisição de informações, associação e
mudança, a partir do que constitui como identificações.

Como um alerta a respeito das construções identitária e dialética da


cultura, Claval (1997, p. 105) afirma:

Como fundamento das identidades, a cultura reúne os homens ou os


separa. Quando as pessoas aderem às mesmas crenças, dividem os
mesmos valores e associam sua existência a objetivos próximos. Desde
que saem do grupo no qual se sentem solidárias, suas atitudes mudam:
a desconfiança se instala, as trocas se tornam uma fonte ameaçada na
medida em que elas podem questionar a estrutura sob a qual foram
construídas a personalidade dos indivíduos e a identidade dos grupos.

Ortiz (1980) aborda a pluralidade de identidades, e afirma que não existe


uma identidade autêntica, porque é construída por diferentes grupos sociais em
diferentes momentos históricos. Tratando-se de uma base da construção cultural
latina, Canclini (2006) conclui que é híbrida, pelo processo de influência que foi
recebido dos colonizadores europeus, escravos africanos e dos remanescentes
indígenas. Ou seja, a formação étnica e as representações culturais latinas não
podem ser adjetivadas pela pureza, mas pela diversidade.

Com a fluidez da temática, são desenvolvidos campos da geografia cultural


que abrangem uma infinidade de associações com a diversidade, tornando-se,
cada vez mais interessante, discutir a respeito do território, territorialidade,
identidade no contexto da geografia cultural da literatura, música, cinema,
religião etc.

142
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Pode-se dizer que é desafiador, mas necessário entender as dinâmicas


espaciais à luz do poder influenciador da geografia cultural na organização do
espaço. Apensar de ser considerada uma abordagem nova, a geografia cultural só
veio ser discutida, no Brasil, a partir de 1990.

3 DIMENSÕES ESPACIAIS ATRAVÉS DA LITERATURA, MÚSICA


POPULAR E IMAGEM
A partir deste momento, convidamos você a compreender os estudos
da geografia cultural, que enquadra as dimensões: música, literatura e imagem.
Como representantes da categoria expressões culturais, têm, como objetivo,
disseminar a identidade de conhecimentos de bases culturais simbólicas mediante
manifestações artísticas no espaço.

Segundo Corrêa (1998), a literatura e a música podem surgir em


circunstâncias e contextos distintos, mas, por qualidades socioespaciais,
disseminam-se no espaço e tempo, na maioria das vezes. As músicas e literaturas
são um fio condutor que comunica através de letras, de sentimentos, simbolismo,
por meio da relação de identidade, pela sensação de pertencer a lugares e
pela paisagem simbólica. Ainda, são feitas denúncias socioespaciais, as quais
distinguem os sujeitos por meio das suas regiões.

Esse processo se configura como uma linguagem artística, longe da


cientificidade quantitativa, porém, possui uma natureza pedagógica que auxilia
com instrumentos culturais de reflexão acerca das relações homem-espaço-
tempo. As expressões asseguram uma linguagem popular, que se faz presente
no cotidiano das pessoas. No caso da música, podem ser encontradas pelos
aplicativos de música, no convencional rádio ou televisão. Ainda, nas igrejas,
cinemas, algo completamente inserido na sociedade.

Apesar de serem campos muito ricos e disseminados nos estudos


contemporâneos, dentro da perspectiva da geografia escolar, geopolítica, e,
especificamente, da geografia cultural, a música e a literatura foram desconsideradas
por décadas, motivo pelo qual deixaram uma lacuna nas pesquisas geográficas
brasileiras. Enxergando possibilidades, cientistas das áreas sociais investiram no
campo da investigação somente a partir de 1990, com o movimento de adesão dos
geógrafos brasileiros quanto ao uso da literatura (CORRÊA, 1998).

De forma convidativa, Corrêa (1998) ressalta uma vasta literatura brasileira


correspondente ao estudo de interesse no espaço, paisagem, religião, lugar,
território, numa rápida série de nomes específicos, mas altamente gabaritada da
literatura nacional: Ferreira de Castro, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Mário Palmério, Bernardo
Elis, Machado de Assis, Lima Barreto e Érico Veríssimo são alguns dos autores
cujas obras têm interesse geográfico.

143
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Retrospectivamente, Corrêa (1995) registra a origem dos estudos à luz


da ciência geográfica. Assim como todo movimento de renovação da geografia
adveio do continente europeu e norte-americano, consequentemente, essas
possibilidades foram geradas em vários países, como Estados Unidos, Inglaterra
e França, embora o Brasil tenha apresentado grande potencial cultural a ser
desvendado. Os geógrafos do século XIX e XX analisaram incontáveis obras
romancistas com o intuito de destilar temáticas plurais referentes às paisagens
rurais, formação do espaço urbano, e questões sociais, políticas, econômicas e
culturais ganharam espaço. “Dentre os romancistas, citam-se Thomas Hardy,
Walter Scott, Marcel Proust, Jules Verne, Julian Gracq, William Faulkner e John
dos Passos. Dante e Shakespeare foram, também, analisados pelos geógrafos”
(CORRÊA, 1998, p. 59).

Não apenas as literaturas representaram a força na perspectiva da


geografia cultural naquele momento, mas as músicas também, através dos
inúmeros gêneros, como a popular música country, o rock, a música cultural
world music e o jazz. Com relação aos geógrafos que abriram caminho frente
à percepção da paisagem (geografia) e literatura, encontram-se os estudos de
Meinig, Pocock, Salter, Tuan, e as obras de Simpson, Housley e MaIlory, a partir
de uma perspectiva, e as de Brosseau e Chevalier, a partir de outra. A princípio,
eles são as bases para o estudo para fundamentar a geografia e a literatura. Já
no campo da música popular e geografia, são referências “os estudos de Nash e
aqueles contidos nas coletâneas organizadas por Carney, assim como as análises
de Kong” (CORRÊA, 1998, p. 59).

DICAS

Caro acadêmico, caso você se interesse pela temática, indicamos a leitura


do material Educação e música: diálogos, organizado por Alessandro Dozena: https://
repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/21381/1/Geografia%20e%20Música%20
%28livro%20digital%29.pdf.

Uma segunda indicação é o artigo Geografia, literatura e música popular uma


bibliografia, escrito por Roberto Lobato Corrêa. O que consideramos o mais rico desse
texto, além das colocações rápidas, acertadas e oportunas do autor, são as bibliografias.
Elas estão contidas como parte do artigo, a partir de uma vasta seleção da produção-base
da literatura e música: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/
view/3583/2503.

144
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Igualmente, as temáticas literárias ou musicais, com a inserção da imagem


em análises geográficas como expressão artística, chegaram com mais fervor do
período de renovação da nova geografia, assim explica Gomes (2008).

Certamente, é preciso refletir que os estudos a respeito das imagens na


geografia parecem algo comum, pois existem relatos de que, antes de se tornar
ciência, já se apresentavam análises através do campo visual, como os estudos
das representações cartográficas, como exposto nas seções anteriores, porém,
para o campo da geografia cultural, existem algumas diferenças relacionadas às
perspectivas de análise que não podem ser confundidas. A geografia clássica usa a
representação cartográfica para se localizar, determinar territórios ou observar os
horizontes do solo numa dinâmica sintética. O outro se enquadra na perspectiva
de captura das diversas expressões culturais que ocorrem nos espaços, por meio
de cenas filmadas dinamicamente ou estaticamente com a fotografia. Assim, são
expostas as manifestações culturais de um grupo folclórico, religioso ou, até
mesmo, uma paisagem associada pela identidade de um povo. Entenda que uma
perspectiva não nega a outra, mas se complementam, em um cenário plural de
entendimento.

Sabe-se que, desde o início, a ciência geográfica indicou que adicionaria


a disciplina às representações, os mapas, os diários de viagens de geógrafos com
desenhos da fauna e flora e os globos terrestres. Atualmente, existem os aplicativos
(APP), como o Google Earth, Maps e outros, que fazem você entrar em cidades,
bairros, ruas, parques e, virtualmente, conhecê-los.

A notoriedade das imagens fez Yi-Fu Tuan (1979), em um dos seus escritos,
comparar o estudo médico da anatomia e a ciência geográfica. O princípio subsiste
em que ambas necessitam de representações para serem ensinadas: a primeira
constrói conhecimento através do estudo do corpo humano e suas estruturas
representadas pelo esqueleto, e, a segunda, por meio das representações das
imagens, por meio das câmeras.

Com uma abordagem interessante para a prática de ensino, Moreira e


Sene (2000, p. 15) apresentam que as imagens são mais que a representação de um
único parâmetro da paisagem, pois elas “podem representar a paisagem de modos
totalmente diferentes, porque cada um tem seu ponto de vista, destacando uns
aspectos e não outros”. Basicamente, entende-se que o registro da imagem, muitas
vezes, serve apenas para endossar o processo de construção de um conhecimento
literal, no caso da ciência geográfica, mas é importante ressaltar que essa imagem
não precisa apenas ser afirmada a partir de um conhecimento enraizado ou
estereotipado, mas é importante que a construção do conhecimento, através da
imagem, seja livre, e se preciso for, que seja reconstruída ou descontruída.

Para a compreensão do campo das imagens na geografia cultural,


Rosendahl (2010, p. 2) apresenta e indica os autores: “Barbosa e Corrêa A. (2001);
Costa, M. H. (2002; 2005); Daou (2001); Myaneki (2008); Novaes (2008); Santos, A.
(2008)” como base para o desenvolvimento das pesquisas na área.

145
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

DICAS

Como indicação de leitura, apresentamos o artigo Outsiders na caatinga:


representações cinematográficas do semiárido nordestino através do “olhar estrangeiro”,
de Pedro P. P. M. Filho: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/
view/8468/6278.

4 INTRODUÇÃO DA GEOGRAFIA CULTURAL EM SALA DE


AULA
Acadêmico, o texto em questão tem, como objetivo, apresentar algumas
possibilidades de introduzir, complementarmente, reflexões da geografia cultural
à matéria escolar geografia. Assim, propomos uma extensão de assuntos vistos no
âmbito universitário para a aplicação do entendimento e discussões em sala de aula.

Como propõe a missão dada, a disciplina, após a sua renovação, indica


que as discussões não devem ocorrer apenas na esfera acadêmica, mas, sobretudo,
entre os professores da base escolar referente ao ensino básico (BRASIL, 1991).

Esse fio norteador se ampara na trajetória da formalização do ensino da


geografia e demais disciplinas, até a criação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), homologada em dezembro de 2018.

O que, de fato, é a Base Comum Curricular? Resume-se a um documento


que rege, normativamente, a educação do país, fruto de muita pesquisa e
discussões entre a comunidade de gestores, professores e técnicos na área
da educação. Essas normas apresentam uma combinação de aprendizagens
essenciais nas etapas escolares.

Qual o motivo da criação da Base Nacional Comum? O ensino brasileiro


precisava encontrar um equilíbrio da qualidade da aprendizagem entre as regiões
e seus municípios. Assim, a base vem com esse caráter, o de estabelecer esse
padrão mínimo de desenvolvimento do ensino e aprendizagem.

A BNCC não surge do acaso, mas do alinhamento e afunilamento de


diretrizes, incluindo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). O primeiro, com aspecto geral da educação,
representando uma força de lei, já o segundo defende a aplicação dos temas
transversais.

A BNCC gera o aprimoramento dos objetos de aprendizagem essenciais


e competências por ano, ou seja, gradativamente, durante a educação básica, o
aluno se aprofunda mediante as unidades temáticas em conceitos, conteúdo e
desenvolvendo habilidades.

146
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

A aplicação da técnica se apresenta, no currículo, em espiral, dos primeiros


anos aos anos finais. Esse modelo funciona da seguinte forma: os conteúdos, nas
primeiras unidades, passam a ser aplicados de maneira mais ampla, retornando
nos anos vindouros com perspectivas mais instigantes, integrativas e complexas.

As aprendizagens essenciais, dispostas na BNCC, e as competências


gerais e por disciplinas também devem ser cobradas na educação básica nos
níveis infantil, fundamental e médio. As competências apresentadas focam na
mobilização de conhecimentos, referindo-se aos conceitos e procedimentos. As
habilidades se referem às práticas cognitivas e socioemocionais, e as atitudes e
valores se enquadram no princípio da resolução de problemas da vida, inserção
cidadã e mundo do trabalho.

Ao todo, são elencadas dez competências gerais a serem trabalhadas


em todas as áreas de conhecimento em maior ou menor grau. Descritivamente,
elas são reconhecidas como: conhecimento; pensamentos científico, crítico e
criativo; repertório cultural; comunicação; cultura digital; trabalho e projeto de
vida; argumentação; autoconhecimento e autocuidado; empatia e cooperação; e
responsabilidade e cidadania.

Quanto à disciplina, engloba as discussões da BNCC inserida em uma das


cinco grandes áreas da educação básica.

FIGURA 24 – ÁREA DE INSERÇÃO DA GEOGRAFIA, SEGUNDO A BNCC,


PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

{
Grande área
Competência

Desenvolvimento do
raciocínio articulado
espacial e temporal.
Ciências Humanas Geografia + História

FONTE: Adaptado de Brasil (2018)

DICAS

Para compreensão da Base Comum Curricular, o site http://basenacional


comum.mec.gov.br/implementacao/pro-bncc/material-de-apoio disponibiliza material de
apoio, que pode ser visto em um vídeo de 6’ 10’’ de duração.

147
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

A geografia, com o seu foco principal voltado para o espaço geográfico e a


perspectiva do espaço vivido, ocupado e transformado pelo homem, proporciona,
no ensinar dessa disciplina, um meio para apresentar compreensões do mundo
e sua dinâmica. Quando ela é combinada aos auxílios científicos plurais, sua
discussão e aprendizagem são ampliadas, tornando-a mais rica, como as trocas
de informações com as áreas de humanas, como história, literatura, sociologia,
artes, antropologia e demais campos, como a matemática e ciências biológicas,
que, organicamente, ajudam a compreender a paisagem, formação e organização
de arranjos socioespaciais, identidade cultural e tantos outros temas.

A BNCC solicita que os professores desenvolvam, com os alunos, dois


aspectos importantes: o pensamento espacial e o raciocínio geográfico.

O primeiro permite uma abertura da geografia com outras áreas, porém,


sem que a geografia perca sua identidade espacial; o segundo requer o exercício
dos princípios do raciocínio geográfico compreendidos em: analogia, conexão,
distribuição, ordem, localização, diferenciação e extensão.

As competências gerais que mais se aproximam das discussões das


ciências humanas são: repertório cultural, cultura digital, comunicação, trabalho
e projeto de vida, argumentação, autoconhecimento e autocuidado, empatia e
cooperação e responsabilidade e cidadania.

A organização da disciplina no ensino fundamental passou a ser


estruturada por unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades.
Todos devem atender aos propósitos das cinco unidades, compostas por: o
sujeito e seu lugar no mundo, conexões e escalas, mundo do trabalho, formas de
representação e pensamento espacial e natureza, ambiente e qualidade de vida.

Ainda, respeitando os diferentes patamares de complexidade por


unidades e construindo elos de diálogo, a BNCC introduziu, na sua essência, os
conceitos que regem a geografia contemporânea, passando pelo entendimento
do espaço geográfico e suas demandas distintas, território, lugar, região, meio
ambiente e paisagem.

Fazendo um contraponto, é possível que você se lembre de que a geografia


cultural, obrigatoriamente, alinha-se à grande disciplina, mediante o seu contexto
de análise e as dimensões que contribuem com a explicação do objeto da geografia,
o “espaço”, além das categorias “território, lugar, região e paisagem”. Toda essa
dinâmica pode contribuir para a abordagem do conteúdo exigido.

Em uma perspectiva explicativa, traremos um quadro da estrutura da


BNCC apontando, descritivamente, como se estruturam o primeiro e quarto
ano de geografia do ensino fundamental em suas unidades temáticas, objetos de
conhecimento e habilidades. O intuito é apresentar as evoluções e aprofundamento
do objeto da geografia e suas categorias ao longo dos avanços anuais.

148
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

QUADRO 2 – ESTRUTURA DE CONTEÚDO DO PRIMEIRO ANO DOS ANOS INICIAIS


MEDIANTE A BNCC

Unidades Objetos de
Habilidades
temáticas conhecimento

(EF01GE01) Descrever características observadas de seus


O modo de vida lugares de vivência (moradia, escola etc.) e identificar
das crianças semelhanças e diferenças entre esses lugares.
em diferentes
lugares (EF01GE02) Identificar semelhanças e diferenças entre
O sujeito e o seu jogos e brincadeiras de diferentes épocas e lugares.
lugar no mundo
(EF01GE03) Identificar e relatar semelhanças e diferenças
Situações de de usos do espaço público (praças, parques) para o lazer e
convívio em diferentes manifestações.
diferentes
lugares (EF01GE04) Discutir e elaborar, coletivamente, regras de
convívio em diferentes espaços (sala de aula, escola etc.).
(EF01GE05) Observar e descrever ritmos naturais (dia
Ciclos naturais
Conexões e e noite, variação de temperatura e umidade etc.) em
e a vida
escalas diferentes escalas espaciais e temporais, comparando a
cotidiana
sua realidade com outras.
(EF01GE06) Descrever e comparar diferentes tipos de
moradia ou objetos de uso cotidiano (brinquedos, roupas,
Diferentes tipos
mobiliários), considerando técnicas e materiais utilizados
Mundo do de trabalho
na sua produção.
trabalho existentes no
seu dia a dia
(EF01GE07) Descrever atividades de trabalho relacionadas
com o dia a dia da sua comunidade.
(EF01GE08) Criar mapas mentais e desenhos com base
em itinerários, contos literários, histórias inventadas e
brincadeiras.
Formas de
representação Pontos de
(EF01GE09) Elaborar e utilizar mapas simples para
e pensamento referência
localizar elementos do local de vivência, considerando
espacial
referenciais espaciais (frente e atrás, esquerda e direita,
em cima e embaixo, dentro e fora) e tendo o corpo como
referência.
(EF01GE10) Descrever características dos seus lugares
de vivência relacionadas aos ritmos da natureza (chuva,
Natureza, vento, calor etc.).
Condições de
ambientes e
vida nos lugares
qualidade de (EF01GE11) Associar mudanças do vestuário e hábitos
de vivência
vida alimentares na sua comunidade ao longo do ano,
decorrentes da variação da temperatura e umidade no
ambiente.

FONTE: Adaptado de Brasil (2018)

149
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Observando o quadro de compreensão de ensino e aprendizagem do


primeiro ano, percebe-se que a formação intelectual geográfica se forma sob o
ponto de vista da relação da criança com sua vivência, algo voltado ao seu contato
com o entorno.

Nessa fase, é fundamental que os alunos consigam saber e responder


algumas questões a respeito de si, das pessoas e dos objetos: Onde
se localiza? Por que se localiza? Como se distribui? Quais são as
características socioespaciais? Essas perguntas mobilizam as crianças
a pensarem a respeito da localização dos objetos e das pessoas no
mundo, permitindo que compreendam seu lugar no mundo (BRASIL,
2018, p. 365).

Tornou-se uma proposta voltada para o despertar das primeiras noções,


direcionadas a partir da condução entre professor e aluno, de quatro pontos que
se interligam e contemplam as seguintes perguntas: Onde? Por quê? Como?
Quais? Referenciadas, a primeira dá a identificação de pertença, a segunda reflete
o entendimento da localização, a terceira conduz o indivíduo a partir do aspecto
da orientação, e a quarta traduz a relação compreendida no espaço referente à
organização e vivência socioespacial.

Esses primeiros contatos com o cronograma de conhecimento geográfico


geram uma predominância do ensino para a alfabetização cartográfica, relação
do meio natural com o homem, e sua manifestação em frentes como paisagem,
território e lugar, porém, o viés humano está atrelado às discussões, e precisa
ser delicadamente discutido na composição e formação cidadã dos alunos pela
relação que o indivíduo possui com o espaço em que ele vive e constrói.

Partindo dos exemplos da unidade temática “O sujeito e o seu lugar


no mundo”, podem ser vistas percepções claras, discutidas à luz da geografia
cultural. Veja habilidades que devem ser desenvolvidas no aluno: “a identificação,
semelhança e diferença do uso dos espaços públicos”, uma visão amplamente
pesquisada no âmbito cultural da geografia, apresentando grupos e suas
relações de territorialidade com os lugares; e “as semelhanças e diferenças entre
jogos e brincadeiras de diferentes épocas e lugares”, apresentando, ao aluno,
a heterogeneidade dos povos, culturas e lugares. O Brasil, por exemplo, é um
país continental, dividido por regiões distintas em fauna, flora, colonização e,
por conseguinte, a distinção cultural reflete no modo de vida, na produção da
paisagem, e, inclusive, no desenvolvimento das brincadeiras. A partir do fomento
dessas habilidades, inicia-se a valorização da cultura do outro, respeitando,
democraticamente, a história de cada povo, as pluralidades étnica e cultural em
que o Brasil se apresenta.

O quadro a seguir, assim como o anterior, segue um padrão das unidades


temáticas, porém, com um tom de aprofundamento, podendo ser visto nos novos
objetos de conhecimento e nas habilidades a serem desenvolvidas.

150
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Abordando a Unidade 1, “O sujeito e o seu lugar no mundo”, com o


objetivo de conhecimento do território e da diversidade cultural, o professor tem,
como objetivo, desenvolver habilidades no campo da representatividade cultural
inserida no território. Referente à unidade, vamos fazer uma breve retrospectiva
das habilidades?

É preciso direcionar o foco às palavras descrever e identificar. Esses verbos


que os alunos precisam utilizar para iniciar o desenvolvimento da aprendizagem
no campo da geografia. As crianças, com a perspectiva de descobrir, precisam
fazer um exercício de reconhecimento, nesse caso, descrevendo, com riqueza
de detalhes, o que compõe os lugares onde vivenciam. Depois, identificar as
semelhanças e dessemelhanças entre o seu lugar de residência com os outros
lugares da cidade, como a vizinhança da escola. Nesse passo, surge o “jogo dos
sete erros”, pois a criança passa a reconhecer o modo de vida e as dinâmicas
dessas vivências. A interpretação dos diversos lugares as encaminha para a
compreensão de categorias importantes para a geografia.

DICAS

Convidamos, a quem se interessar, a saber da importância da brincadeira para


alunos de séries iniciais. Leia o artigo chamado Os mais variados jeitos de brincar: https://
novaescola.org.br/conteudo/6926/os-mais-variados-jeitos-de-brincar.

Para se inspirar em brincadeiras que possam ser aplicadas com os alunos,


convidamos você a acompanhar uma playlist com diversas brincadeiras que identificam e
diferenciam as cinco regiões do país: https://www.youtube.com/playlist?list=PLfarCWFbZ2
YaduKWfvwtY80yshrgenjVB.

Na temática do quarto ano, o conhecimento geográfico atravessa as barreiras


do pertencimento e vivências, de forma respeitosa e pactual, vislumbrando um
universo maior, agora, também, representado por regiões. É relevante que o ensino
ganhe força teórica dos conceitos sistematizados, como paisagem, região e território,
para que o espectro da disciplina consiga tomar forma.

151
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

QUADRO 3 – ESTRUTURA DO CONTEÚDO DO QUARTO ANO DOS ANOS INICIAIS


MEDIANTE A BNCC

Unidades Objetos de
Habilidades
temáticas conhecimento
(EF04GE01) Selecionar, em seus lugares de vivência e em
suas histórias familiares e/ou da
Território e comunidade, elementos de distintas culturas (indígenas,
diversidade de outras regiões do país, latino-americanas, europeias,
cultural asiáticas etc.), valorizando o que é próprio em cada uma
delas e sua contribuição para a formação das culturas local,
O sujeito e o regional e brasileira.
seu lugar no Processos
(EF04GE02) Descrever processos migratórios e suas
mundo migratórios no
contribuições para a formação da sociedade brasileira.
Brasil
Instâncias do
(EF04GE03) Distinguir funções e papéis dos órgãos do
poder público
poder público municipal e canais de participação social na
e canais de
gestão do município, incluindo a Câmara de Vereadores e
participação
Conselhos Municipais.
social
(EF04GE04) Reconhecer especificidades e analisar a
Relação campo
interdependência do campo e da cidade, considerando
e cidade
fluxos econômicos, de informações, de ideias e de pessoas.
Unidades (EF04GE05) Distinguir unidades político-administrativas
político- oficiais nacionais (Distrito, Município, Unidade da
Conexões e
administrativas Federação e grande região), suas fronteiras e sua hierarquia,
escalas
do Brasil localizando seus lugares de vivência.
(EF04GE06) Identificar e descrever territórios étnico-
Territórios culturais existentes no Brasil, como terras indígenas e de
étnico-culturais comunidades remanescentes de quilombos, reconhecendo a
legitimidade da demarcação desses territórios.
Trabalho no
(EF04GE07) Comparar as características do trabalho no
Mundo do campo e na
campo e na cidade.
trabalho cidade
Produção, (EF04GE08) Descrever e discutir o processo de produção
circulação e (transformação de matérias-primas), circulação e consumo
consumo de diferentes produtos.
(EF04GE09) Utilizar as direções cardeais na localização
Sistema de
Formas de de componentes físicos e humanos nas paisagens rurais e
orientação
representação urbanas.
e pensamento Elementos (EF04GE10) Comparar tipos variados de mapas,
espacial constitutivos identificando suas características, elaboradores, finalidades,
dos mapas diferenças e semelhanças.
Natureza, (EF04GE11) Identificar as características das paisagens
Conservação e
ambientes e naturais e antrópicas (relevo, cobertura vegetal, rios
degradação da
qualidade de etc.) no ambiente em que vive, além da ação humana na
natureza
vida conservação ou degradação dessas áreas.

FONTE: Adaptado de Brasil (2018)

152
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Não é abandonando o conhecimento prévio desse aluno, mas associados


esses conhecimentos de maneira integrativa, para que ele consiga sair da
alfabetização geográfica para iniciar as interligações e análises dos fenômenos e
dinâmicas (ambiental, política, econômica, social). É preciso partir do município
onde reside para outros e, assim, englobar uma escala de entendimento macro, a
exemplo da complexidade do seu país de origem.

A premissa básica é possibilitar que os alunos absorvam e compreendam,


a partir das variáveis espaço-tempo, as feições referentes aos aspectos naturais e
culturais de distintas sociedades, paisagens e lugares.

Enquanto professor, proponha o reconhecimento da diversidade nos


âmbitos social e local, pois o aluno, consequentemente, identificará o universo
dinâmico e heterogêneo que ele e outros atuam. Neste momento, a geografia
cultural pode ser uma fonte de busca e um meio de interpretação das relações
da sociodiversidade, das culturas, das ações de territorialidades, formação de
paisagens e demais adendos, compreendendo os povos tradicionais: índios, afro-
brasileiros, quilombolas, ciganos etc.

No momento, a manifestação da natureza, visualizada a partir da


paisagem local, indica uma explicação geral das trocas entre homem/sociedade
e natureza. Assim, podem ser identificadas interferências políticas, atividades
econômicas, tradições culturais e tantos outros elementos que contribuem para
a transformação do lugar e, consequentemente, da paisagem da qual esse aluno
faz parte.

Embora as perspectivas naturais sejam intensificadas nas unidades, as


influências sociais também participam com as representações materiais e não
materiais, como a arquitetura dos lugares, dos costumes alimentares e das técnicas
implantadas no trabalho e no lazer. Esses e outros aspectos podem ser explorados
e trabalhados em sala de aula.

A partir de uma leitura rápida das unidades, percebe-se a possibilidade


de introduzir temáticas viáveis ao viés cultural, e, como meio propagador da
aplicação da diversidade sociocultural, propomos, também, a introdução de
competências gerais.

O repertório cultural, nas ciências humanas, tem, como objetivo, abordar


as identidades que os alunos possuem enquanto brasileiros pertencentes das
diversas regiões do país. Ainda, apresentar, a partir da divisão regional, o
desenvolvimento das características culturais próprias, além do movimento
de absorção cultural, quando também assimilam as influências em maior ou
menor grau das outras culturas. Neste instante, a geografia visa à valorização da
diversidade cultural.

153
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Mediante a competência 3, “repertórios culturais”, espera-se, pela


estrutura desenvolvida pela BNCC, que o aluno desenvolva seis pontos diretos,
representados pela fruição, expressão, investigação e identidade cultural,
consciência multicultural, respeito à diversidade cultural e mediação da
diversidade cultural.

QUADRO 4 – META DE DESENVOLVIMENTO DO ALUNO ATÉ O TÉRMINO


DO ENSINO FUNDAMENTAL
META DE DESENVOLVIMENTO DOS ALUNOS
Vivenciar sua identidade, comunidade e cultura e demonstrar
Fruição sentimento de pertencimento, por meio de experiências artísticas e
explorando relações entre culturas, sociedades e as artes.
Expressar sentimentos, ideias, histórias e experiências por meio das
Expressão
artes. Documentar, compartilhar e analisar obras criativas.
Investigação e Reconhecer e discutir o significado de eventos e manifestações culturais
identidade cultural e da influência da cultura na formação dos grupos e identidades.
Desenvolver senso das identidades individual e cultural, e demonstrar
Consciência
curiosidade, compreensão e respeito com diferentes culturas e visões
multicultural
de mundo.
Experimentar diferentes vivências culturais e compreender a
Respeito à diversidade
importância de valorizar identidades, tradições, manifestações, trocas
cultural
e colaborações culturais diversas.
Reconhecer os desafios e benefícios de se viver e trabalhar em sociedades
Mediação da
culturalmente diversas e explorar novas formas de reconciliar valores
diversidade cultural
e perspectivas culturais diferentes ao abordar desafios em comum.

FONTE: <https://novaescola.org.br/bncc/conteudo/7/competencia-3-repertorio-cultural>.
Acesso em: 26 ago. 2020.

Anteriores à validação da BNCC, nos Parâmetros Curriculares Nacionais


(PCNs), os temas transversais, através do item pluralidade cultural, firmavam
relações estreitas com a geografia e suas abordagens conteudísticas, pois
substantivavam a disciplina mediante projetos de interpretação humanista,
compartilhando visões colaborativas com áreas próximas.

Apesar de ter sido aglutinada e reformulada pela BNCC, a compreensão


apresentada pelos PCNs continua sendo uma narrativa atualizada em virtude
dos seus objetivos de existência em relação à pluralidade cultural:

Para viver democraticamente em uma sociedade plural, é preciso


respeitar e valorizar as diversidades étnica e cultural. Por sua
formação histórica, a sociedade brasileira é marcada pela presença
de diferentes etnias, grupos culturais, descendentes de imigrantes
de diversas nacionalidades, religiões e línguas. No que se refere à
composição populacional, as regiões brasileiras apresentam diferenças
entre si; cada região é marcada por características culturais próprias,
assim como pela convivência interna dos grupos diferenciados. Essa
diversidade etnocultural, frequentemente, é alvo de preconceito e
discriminação, atingindo a escola e se reproduzindo no seu interior. A

154
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

desigualdade, que não se confunde com a diversidade, também está


presente em nosso país como resultado da injustiça social. Ambas as
posturas exigem ações efetivas de superação. Nesse sentido, a escola
deve ser local de aprendizagem, para que as regras do espaço público
democrático garantam a igualdade, do ponto de vista da cidadania,
e, ao mesmo tempo, a diversidade, como direito. O trabalho com a
pluralidade cultural se dá, assim, a cada instante, propiciando que a
escola coopere na formação e consolidação de uma cultura da paz,
baseada na tolerância, no respeito aos direitos humanos universais e
cidadania compartilhada por todos os brasileiros. Esse aprendizado
exige, sobretudo, a vivência de princípios democráticos no interior
de cada escola, no trabalho cotidiano de buscar a superação de
qualquer tipo de discriminação e exclusão social, valorizando cada
indivíduo e todos os grupos que compõem a sociedade brasileira
(BRASIL, 1998a, p. 69).

Vislumbrando uma análise cultural, seguimos afirmando que, ao passar


das unidades e complexidades dos anos fundamentais para o ensino médio,
alguns temas podem ser dimensionados pelo aspecto da geografia cultural, como
a formação socioespacial campo e cidade, conteúdo relacionado a monumentos
(formas simbólicas espaciais), os museus como referência histórica na leitura e
compreensão das transformações do espaço, o dinamismo e diversidade dos
conjuntos arquitetônicos urbanos de monumentos históricos, a evolução das
formas e estruturas urbanas, temas relacionados às festas e às tradições do folclore
brasileiro, como resistências e permanências dos traços de identidades regionais.

Conteúdos que tratam das paisagens e diversidade territorial no Brasil, um


assunto que desperta a interpretação dos vários “brasis”, a partir da diversidade
das regiões, além das suas singularidades, seus aspectos sociais, culturais e
ambientais refletidos nas passagens da sua heterogeneidade.

155
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

LEITURA COMPLEMENTAR

As regiões brasileiras possuem identidades que podem ser estudadas


por espectros maiores e mais complexos do que as anteriores divisões territoriais
administrativas. Em uma região, existem rede urbana, atividades agrícolas,
manifestações culturais, enfim, tantos prismas que formam grandes teias de
análises.

Um exemplo muito corriqueiro se refere ao bioma caatinga. Por muito


tempo, apenas se empregou, ao estudo da caatinga, um estereótipo formado
a partir do conhecimento alheio ao lugar, ou a partir da perspectiva de
desenvolvimento regional, tendo em vista os aspectos políticos e econômicos,
esquecendo-se de identificar toda historicidade e cultura regional, além da
naturalidade da heterogeneidade, que deixa de qualificar, competitivamente,
regiões/paisagens entre melhores ou piores, mas resgata e compreende as
identidades e suas dissemelhanças, que também são essenciais ao processo de
ensino e aprendizagem.

Por exemplo, algumas das grandes produções cinematográficas brasileiras


acerca da região nordeste, principalmente, no cenário do semiárido, onde se
encontra o bioma da caatinga. Há, como objetivo, retratar uma narrativa do
sofrimento, seca, fome, desprezo, pois são algumas das realidades, mas se alargam
como estereótipos únicos e gigantes, formados para retratar aquela região,
as paisagens e comunidades. Então, vamos aos questionamentos: como será o
semiárido visto pelo olhar dos nordestinos? Será que aquelas paisagens apenas
expressam sentimentos negativos? Será que a população representa uma figura
tosca, com um vocabulário raso? Portanto, o olhar do outro acerca da região nem
sempre contém uma característica plural ou endêmica, principalmente, quando
este não pertence ao lugar ou não possui vínculos afetivos a ele.

Uma paisagem árida, com rochas aparentes, além do sol, seca e calor,
transmite, dentre tantas sensações, um sentimento único de pertencimento,
de que ser um indivíduo forte é uma decisão da vida, superar-se mediante as
adversidades naturais e sociais se torna uma obrigação, e não uma possibilidade
de escolha.

Além de tudo, existe uma questão entre os sertanejos nordestinos: entre


viver e sobreviver se escolhe, sabiamente, saber viver entre a fartura ou a falta
dela.

Como exemplo correspondente ao assunto, uma música que representa


o olhar próximo e de experiência com o lugar, de um compositor nordestino,
paraibano, Ton Oliveira, que apresenta Paraíba Joia Rara (2011), uma Paraíba para
além da escassez, mas repleta de encantos.

156
TÓPICO 3 — POSSIBILIDADES DE ESTUDO A PARTIR DA COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO ESPAÇO

Engloba um sentido de identidade para os conterrâneos dessa terra,


elegendo, positivamente, as paisagens, os elementos históricos, personalidades
da literatura e a cultura regional. A canção representa, para alguns, o hino da
Paraíba, pela importância de destacar o lado positivo do estado. Tal música foi
elevada à categoria de patrimônio imaterial desde 2017.

Aqui, o sol nasce primeiro e tão desinibido, e a lua exibe um estrelado


com tanta beleza que até o algodão se empolga e já vem colorindo
exibições inexplicáveis da mãe-natureza. Aqui, até os dinossauros
fizeram morada e a gente pode, ao som de Jackson, pandeirear, ouvir
a voz que, na bandeira, ficou estampada, dar frutos que o tempo e a
história não vão apagar. Eu sou da Paraíba, é meu esse lugar, a cara
desse povo tem a minha cara, encanto da beleza que me faz sonhar,
lugar tão lindo assim pra mim é joia rara, que bom estar no ponto mais
oriental astrologicamente, ser um ariano, rimar como um augusto tão
angelical, eu sou muito feliz, eu sou paraibano (OLIVEIRA, 2011, s.p.).

Numa visão menos romantizada e mais politizada acerca da luta de


classes e formação do proletariado, Graciliano Ramos, em Vidas secas, escrita em
1938, aponta para a perspectiva do materialismo histórico dialético. Nas suas
entrelinhas, numa relação de sofrimento em meio ao histórico das condições
naturais de seca que o nordeste vinha enfrentando, ele discorre a respeito das
relações social e de trabalho injustas em que os personagens viviam. Realizou uma
forte crítica social através da literatura, frente à falta de escolarização, indiferença
política, fome, escassez dos recursos hídricos e de todos os recursos básicos da
sobrevivência humana.

A respeito da diversidade da população brasileira, tem-se, ainda, a


perspectiva cultural, com o fragmento literário atribuído à obra de Guimarães
Rosa. Na visão sensível do autor, há a diversidade religiosa e a relação desta com
os sujeitos de “origem cultural mestiça”. Ainda, como a prática dialogal religiosa
pode ocorrer de maneira espontânea.

O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor,


eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece, principalmente, de
religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara loucura.
No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... muita religião, seu moço!
Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água
de todo rio... Uma só, para mim, é pouca, talvez não me chegue. Rezo
cristão, católico, embrenho a certo, e aceito as preces de compadre
meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso,
vou no Mondubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se
acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos, belos deles.
Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca.
Mas é só muito provisório. Eu queria rezar - o tempo todo. Muita
gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégio, invariável
[...] (ROSA, 2006, p. 16).

157
UNIDADE 2 — ESPAÇO E CULTURA: UM BALANÇO FUNDAMENTAL, UM CAMINHO PARA A CONTEMPORANEIDADE

Esse trecho aponta para um sujeito que enxerga, nas preces religiosas, um
acalento, um refúgio que ameniza os caminhos árduos da vida. Ele se interessa
pelo diverso, pela dicotomia da sua formação cultural, advogando as diferentes
dimensões identitárias por meio da religião, e nos apresentando uma ideia de
como o pluralismo religioso é aplicado ao mais simples dos homens e como tal
ato interfere na sua formação identitária.

Segundo Steil (2008), a pluralidade e a fragmentação religiosa são frutos


da própria dinâmica social contemporânea. A globalização multiplica e aproxima
as tradições e os universos religiosos de forma que sua diversidade pode ser vista
como interna e estrutural ao processo social.

As leituras das paisagens regionais, território, lugar, diversidades


populacional, cultural e demais assuntos podem ser percebidas, geograficamente,
mediante trechos musicais e referências literárias. As músicas também se
consagram como elementos de interpretação do espaço geográfico, como a
compreensão de lugar, com “Asa Branca”, música de Luís Gonzaga e Humberto
Teixeira. Quanto à paisagem e território brasileiro, às diversidades regional e
cultural, tem-se a música de Silas de Oliveira, “Aquarela brasileira”, e inúmeras
outras que permitem as abordagens natural e humana.

Foi apresentado um pouco do extenso conteúdo da BNCC frente à


disciplina, além da possibilidade da introdução da perspectiva do subcampo
da geografia cultural como um breve exemplo da análise da estrutura dos anos
iniciais. Complementarmente, um avanço das temáticas possíveis em anos
vindouros.

DICAS

Como inspiração para a elaboração de planos de aula alinhados à BNCC, a


plataforma online da Nova Escola aborda temáticas da geografia e facilita os processos
de criação e estruturação da aula: https://novaescola.org.br/plano-de-aula/sequencia/as-
paisagens-se-transformam-de-acordo-com-seus-processos-e-historia-locais/952.

158
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os conceitos da geografia, como paisagem, território e territorialidade, aliam-


se a discussões culturais e de identidade direcionadas para a aplicação da
geografia cultural.

• Apesar do respeito ao entendimento e interpretação de Carl Sauer em 1925,


a respeito da paisagem cultural, novos horizontes foram escritos, com Fians
Bobek e Josef Schmithúsen. Ainda, Augustin Berque, segundo a filosofia da
fenomenologia, destacando as paisagens mediante as ações, percepções e
concepções das relações humanas com a natureza e espaço. Ele refletiu que até
os sonhos e planos contribuíam para marcar a paisagem.

• Denis Cosgrove, em 1989, a partir dos materialismos histórico e dialético e


do simbolismo, iniciou sua percepção, explicando as paisagens geográficas a
partir das culturas dominantes, e aquelas versões e variações das paisagens
alternativas, com as residuais, emergentes e excluídas.

• Na geografia cultural contemporânea, foram abertas novas possibilidades de


pesquisar fenômenos culturais que podem ser comprovadas e dimensionadas
no espaço geográfico em diferentes tempos.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

159
AUTOATIVIDADE

1 Com relação à paisagem, assinale V para as alternativas verdadeiras e F


para as alternativas falsas:

( ) O conceito de paisagem tem origem, apenas, na geografia, após 1970, com


a geografia crítica.
( ) O conceito de paisagem vem sendo concebido por diferentes perspectivas
e correntes geográficas, mas o enfoque renovado na geografia cultural
veio após 1970.
( ) A paisagem é apenas uma referência espacial ou um objeto observação.
( ) A paisagem, embora apresente uma conotação física, representa a validade
das relações sociais e culturais com seus signos e significados subjetivos,
incluindo o afetivo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F, F, F, V.
b) ( ) F, V, F, F.
c) ( ) F, V, F, V.
d) ( ) V, F, F, V.

2 Na geografia cultural contemporânea, foram abertas novas possibilidades


de pesquisar fenômenos geográficos que podem ser comprovadas e
dimensionadas no espaço geográfico em diferentes tempos. Assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) A geografia cultural contemporânea brasileira apresentou ínfimas


mudanças quanto à produção e análises dos novos conteúdos.
b) ( ) Apesar do grande potencial da evolução da geografia cultural no Brasil,
temas, como religião e festas, foram desprezados pelos pesquisadores.
c) ( ) A inserção da análise das representações, a partir de filmes, imagens, música,
literatura etc., passou a ser objeto de interesse dos geógrafos culturais.
d) ( ) Todas as afirmativas estão corretas.

3 Dentro da geografia escolar, é possível aplicar os preceitos da geografia


cultural. Em sala de aula, de maneira abrangente. Quais premissas são
importantes para elencar aos alunos?

a) ( ) Apresentar as regiões brasileiras, alegando discrepâncias sociais e


econômicas, pois essa visão apresenta a única realidade do país.
b) ( ) Negar a prática de narrativas preconceituosas referentes às intolerâncias
étnica, religiosa e regional, mas defender a coexistência de grupos
distintos, apresentar as pluralidades social e cultural formadas por
etnias variadas e respeitar os diversos grupos que compõem a sociedade.
c) ( ) Defender a coexistência de grupos distintos, mas gerar competitividade,
elegendo a melhor e pior cultura por região.
d) ( ) Todas as alternativas estão erradas, exceto a Letra b.
160
UNIDADE 3 —
ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA
ABORDAGEM GEOGRÁFICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender, através da geografia cultural pós-1980, as novas relações


existentes entre geografia e religião;
• identificar como os estudos da religião, na academia, podem ser de
interesse ao geógrafo e sua pesquisa;
• entender como o geógrafo estuda, analisa, interpreta e espacializa as
ações e transformações geradas por uma determinada religião e seus
devotos no espaço geográfico;
• diferenciar a análise dos estudos geográficos da religião com as demais
ciências sociais e ciências humanas – sociologia, antropologia e história;
• compreender que os estudos apresentados ao longo desta terceira
unidade refletem o interesse geográfico pelo estudo da cultura em suas
diferentes esferas de interpretação através dos estudos da religião;
• discutir, a partir do estado da arte, uma vertente dos estudos sobre a
gênese das cidades, através dos primeiros grupos sociais humanos e sua
relação com o fogo sagrado;
• conhecer as principais referências e estudiosos da geografia da religião no
Brasil e no mundo;
• visualizar as principais categorias, conceitos e teorias que norteiam os
estudos da religião;

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA


TÓPICO 2 – O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS
RELIGIOSOS
TÓPICO 3 – NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E
HIPERMODERNIDADE

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

161
162
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

1 INTRODUÇÃO
Olá, estudante! Seja bem-vindo a terceira e última unidade de Geografia
Cultural! Ao longo das Unidades 1 e 2, apresentamos, a vocês, um dos campos
geográficos que mais cresce e se difunde na geografia. Essa ocorrência pode
ser observada não apenas no Brasil, mas na América Latina, Estados Unidos,
Europa e Ásia. Isso é perceptível, graças ao número crescente de referências e
estudos publicados nos últimos anos. É muito comum, hoje, ao acessarmos
plataformas educacionais e periódicos, encontrarmos diversos artigos e trabalhos
de pesquisadores que possuem interesse pela dinâmica espacial da cultura.

Nas Unidades 1 e 2, viemos traçando um paralelo desde a gênese (quando


falamos em gênese, estamos falando sobre o início/sobre o interesse inicial) até a
fase atual da geografia cultural como um importante campo do saber na ciência
geográfica. Como vimos, a geografia cultural não surgiu no fim da década de
80, ou início da década de 90, pelo contrário, sua gênese na geografia remonta
ao início do século passado – século XX. Em especial, os estudos da cultura na
geografia tinham uma percepção mais calcada no materialismo, no concreto.

Na obra Sobre Carl Sauer (2011), o Professor Roberto Lobato Corrêa – UFRJ
(muito conhecido em seus trabalhos sobre geografia urbana, o meio urbano e
seus diferentes agentes e atores sociais) apresenta, aos geógrafos e interessados
nos estudos da cultura, um estudo que tinha interesse em dialogar com outras
ciências, como a antropologia, a história e a sociologia. Os estudos de Sauer
foram de suma importância para o desenvolvimento de uma geografia cultural
da primeira metade do século XX.

Seu legado é seguido ainda por muitos apreciadores de seus estudos.


Sauer terminou seu doutorado em 1914 sob orientações do geomorfólogo norte-
americano Rollin Salisbury. Em 1923, passou a ser professor da Universidade de
Berkeley, tornando-se professor emérito em 1957.

163
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 1 – COLEÇÃO GEOGRAFIA CULTURAL E CARL SAUER

FONTE: O autor

Sauer trabalha com uma perspectiva mais aprofundada das relações


entre sociedade e natureza, ou seja, das relações entre o homem e o ambiente,
rompendo a barreira de apenas uma diferenciação das paisagens. A paisagem
passa a ser vista como um habitat, como um ambiente onde o homem é o agente
transformador. Dessa maneira, a geografia cultural deveria buscar um interesse
na compreensão e na análise das ações e intervenções humanos sobre o espaço
e suas impressões. O mundo vivido, o espaço vivenciado e compreendido por
diferentes pessoas através de suas influências culturais era importante para a
Geografia (HOLZER, 2000). Cada visão, cada percepção, cada vivência se torna
importante, dadas as diferentes visões de mundo realizadas por cada indivíduo
(Tempo 1).

Em um segundo momento, foram apresentados a importância dos


estudos da cultura para a geografia, a cultura vista como um processo de
diferentes somas, de diferentes culturas, povos, línguas, saberes, e a cultura como
uma teia de significados. O entendimento da cultura e sua interpretação podem
ser aprofundados na leitura do artigo do antropólogo estadunidense Clifford
James Geertz, de 1973. O autor destaca que a cultura é uma teia de significados
construída, alicerçada pelo homem. Essa teia, produzida por ele, é o que orienta a
existência humana, ou seja, é um sistema de símbolos que possui interações com
outros sistemas de símbolos que cada indivíduo possui, gerando, assim, uma
interação recíproca (GEERTZ, 2008).

Depois de um período após a Segunda Guerra Mundial, com processos


de reconstruções, novos planos econômicos e sociais, cresceu, na geografia, a
demanda de estudos voltados para métodos quantitativos e métodos lógicos. No
período, os estudos da cultura (Tempo 2) passaram a entrar em declínio/hiato –
período da geografia quantitativa, período pós-guerra e de inúmeros conflitos
e crises econômicas. O interesse da geografia acaba sendo mais direcionado ao
suporte econômico. Com o surgimento de uma geografia crítica, e em períodos

164
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

de inúmeras contestações socioculturais, como os manifestados no ano de 1968


– revoluções feministas na França; movimentos hippies; Revolução Cultural
Chinesa – Mao Tsé Tung; Wood Stock etc., houve, na sociedade, no início da década
de 70, um novo olhar, uma nova dinâmica. A religião também acompanhou essas
mudanças e transformações – Recrudescimento Religioso e Concílio Vaticano II.

A partir da última fase, observamos um retorno dos geógrafos para os


estudos culturais, com novo vigor e inéditos interesses até antes não estudados
(Tempo 3). Agora, não apenas os bens materiais concretos e os estudos apresentados
por Sauer retornam com uma nova análise, mas os estudos imateriais – a percepção
humana, o interpretar das músicas e suas diferentes espacialidades, o estudo
do gênero, o estudo das literaturas e a fé através dos estudos da religião. Todos
ganharam mais força e interesse na geografia. Assim, a partir da década de 1970
e no fim da década de 1980, no Brasil, os estudos da nova geografia cultural, ou
geografia cultural renovada, floresceram como um novo campo repleto de frentes
e possibilidades. A seguir, temos um resumo dessa periodização da geografia
cultural em suas diferentes trajetórias.

FIGURA 2 – GEOGRAFIA CULTURAL - TEMPORALIDADES

GEOGRAFIA CULTURAL – TEMPORALIDADES

1890 / 1940 Escola de Berkeley – Carl Sauer

1940 / 1970 Período de Hiato

1970 – Dias atuais Transformações na sociedade pós-1968

FONTE: O autor

Para o geógrafo inglês Denis Cosgrove (1998 [1989]), a geografia passa


a estar em toda parte, e cabe, a nós, geógrafos, espacializarmos os diferentes
elementos que compõem e constituem a sociedade humana. Dessa maneira,
a inteligibilidade de diversos caminhos e objetos podem ser estudada pelo
geógrafo. Nesse sentido, ocorreu um interesse por parte dos geógrafos, além
de um recrudescimento de suas pesquisas nos estudos sobre a música, a arte, a
literatura e a religião, principalmente.

Um bom aprofundamento teórico sobre esses diferentes meandros e


caminhos, pelos quais a geografia veio perpassando ao longo dos estudos da
geografia cultural em seus diferentes períodos, é o livro Introdução à Geografia
Cultural, lançado, em 2003, pelos geógrafos Roberto Lobato Corrêa e Zeny
Rosendahl. No livro, os autores trazem as diferentes abordagens metodológicas e
históricas do da geografia cultural, além das diferentes temporalidades.

165
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Através dos novos estudos, oriundos a partir da década de 1970,


não somente a geografia cultural passa a ser influenciada pelas filosofias do
significado. Esta favoreceu o florescimento de diversas pesquisas, favorecendo,
hoje, os estudos geográficos, campos que mais crescem.

O interessante da disciplina é apresentar, para os geógrafos, estudos


relativamente desconhecidos ao campo disciplinar e que, de certa maneira,
enriquecem nossos estudos e nos permitem vislumbrar novas ideias e
pensamentos até então considerados não geográficos. Dessa maneira, neste livro,
desbravaremos, juntos, o campo da geografia da religião e, a partir deste, vamos
procurar entender quais seriam essas relações. Poderemos verificar que, apesar
de ser um tema curioso, se pararmos para pensar, observaremos que a religião,
como fenômeno cultural presente no espaço, está repleta de elementos simbólicos
e espacialidades inteligíveis aos nossos estudos. Seguiremos juntos na construção.

FIGURA 3 – INTRODUÇÃO À GEOGRAFIA CULTURAL (2003)

FONTE: Oliveira (2020)

166
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

2 DISCUSSÕES
FIGURA 4 – AS DIFERENTES RELIGIÕES

FONTE: O autor

A figura com a qual escolhemos abrir este tópico representa alguns


símbolos e, até mesmo, formas simbólicas espaciais religiosas construídas e
utilizadas por diversas religiões presentes em nosso mundo. Como veremos ao
longo deste livro, especialmente no Tópico 2, sobre as relações entre o sagrado
e o urbano, observaremos como a religião, em sua estrutura complexa e, muitas
vezes, hierarquizada, apresenta elementos, símbolos e funções que despertam o
interesse de diferentes estudiosos nos diferentes campos do saber.

Vocês já ouviram falar em Sociologia da Religião? Filosofia da Religião?


Antropologia da Religião? Ciências da Religião? Cremos que sim, caso não,
procurem em alguma pesquisa na internet, que será possível verificar que essas
ciências e algumas outras estudam as religiões em suas diferentes interpretações.
E a geografia? De que maneira a nossa ciência poderia estudar a religião? Como
isso é possível? Será que ainda estaríamos fazendo geografia?

As relações entre o homem e o divino, uma divindade nas religiões


monoteístas ou divindades nas religiões politeístas, tornaram-se campo de
análise em diversas ciências, e cada uma possui sua especificidade nos estudos.
A antropologia se preocupa com seu objeto primordial, o homem, em suas
dimensões biológica e cultural; a sociologia, que se preocupa com as formas e
processos nos quais as interações intrinsecamente humanas se realizam; a filosofia,
que se preocupa com o homem enquanto animal rationale e symbolicum; métodos
dedutivos, que permitem refletir o conhecimento epistemológico; e a teologia, que
se atém ao sagrado e suas múltiplas manifestações, metalinguagens e hierocracia.

167
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A geografia, como ciência do homem, preocupa-se com a análise da


dimensão espacial do sagrado em suas múltiplas esferas de interpretações
repletas de simbolismos e significados. É capaz de realizar transformações
espaciais marcantes no tempo e no espaço a partir dos peregrinos, devotos,
religiosos, como agentes modeladores do espaço. Essas ações podem ocorrer
tanto na perspectiva concreta, como igrejas, templos, terreiros, entre outros locais
de culto, como através do ciberespaço. Em tempos de globalização, e com as
novas tecnologias, as mídias, aplicativos de telefone etc. possibilitam, ao homem
religioso, diferentes maneiras de contato e vivência com o sagrado. Veremos ao
longo deste livro.

O objetivo deste primeiro tópico é apresentar, para cada um de vocês,


as relações entre geografia e religião, como veremos, ambas se encontram a
partir de uma dinâmica espacial. A geografia, como ciência do homem, estuda
as diferentes ações e transformações humanas e sociais na superfície terrestre. A
religião, como um fenômeno cultural, está presente no espaço. Dessa maneira, ela
se apresenta inteligível, ou seja, pode vir a ser de interesse aos estudos geográficos
(ROSENDAHL, 2002).

A geografia, diferentemente das outras ciências, não possui uma


preocupação nas relações entre o homem e o sagrado (no sentido teológico), mas
nas diferentes produções espaciais oriundas das relações. Como assim? Como
isso pode ser percebido e verificado? Ao longo dos tópicos, vamos, juntos,
construindo essas diferentes relações e construções.

Na geografia brasileiras, encontramos geógrafos e outros pesquisadores


com reconhecimento nos estudos desse temário, como podemos destacar:

• Professora Maria Cecília França (1927 - 2010) – geógrafa e reconhecida como


uma das primeiras professoras a estudar Geografia da Religião no Brasil,
porém em um viés diferente dos outros autores que apresentaremos. Maria
Cecília França realizou estudos sobre pequenos santuários católicos do Bom
Jesus, localizados no Estado de São Paulo. Sua tese de doutorado, defendida
em 1972, sobre os pequenos centros paulistas de funções religiosas, ganhou o
prêmio Governador do Estado pela originalidade da obra. Em seus estudos, a
preocupação principal, dentro da história do pensamento geográfico, estava
inserida dentro do positivismo lógico, baseando-se mais em uma pesquisa
quantitativa, com levantamento de dados e informações sobre os santuários.
A religião, em seus estudos, foi um dos divisores para a gênese/início daquilo
que iria se tornar a geografia da religião no Brasil.
• Professora Zeny Rosendahl – fundadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Espaço e Cultura – NEPEC (1993) e do periódico Espaço e Cultura (1995). O
periódico em questão é reconhecido internacionalmente como a terceira revista
a trabalhar com a dinâmica espacial da cultura em suas múltiplas esferas.

168
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 5 – PROFa. DRa. ZENY ROSENDAHL

FONTE: O autor

Com estudos realizados vinte anos após a Professora Maria Cecília


França, a geógrafa Zeny Rosendahl (1945 – atualmente) defendeu sua tese de
doutoramento pela Universidade de São Paulo em 1994, com o tema – Porto
das Caixas: Espaço Sagrado da Baixada Fluminense. Porto das Caixas pertence ao
município de Itaboraí, no Rio de Janeiro. O nome é alusivo ao período de intenso
processo de transportes de produtos em caixas.

Porto das Caixas recebia, durante o período colonial e do império, produtos


oriundos da Região Serrana do Rio de Janeiro, como o açúcar, que era despachado
pela Baia de Guanabara para outras localidades. Como o açúcar chegava através
dos animais de transporte e em sacos, isso dificultava o transporte dos produtos
durante a viagem. Assim, a necessidade de colocar o açúcar e outros produtos
dentro de caixas. Contudo, qual era o interesse da pesquisadora em estudar essa
localidade?

Após um período de apogeu econômico, tendo um status de vila e, até


mesmo, jornal impresso na época, com a queda da produção e mudança dos
transportes, Porto das Caixas entrou em um profundo declínio econômico, que
só veio a mudar através da uma hierofania. Conhecem essa palavra?

Hierofania vem do grego HIEROS (ἱερός) = (SAGRADO) + FANEIA


(φαίνειν) = (MANIFESTO), ou seja, a manifestação do sagrado. O termo foi
criado pelo professor e estudioso das religiões Mircea Eliade. Esse termo, até
então conhecido em outras ciências, foi inserido nos estudos geográficos através
dos estudos de Rosendahl (1994).

169
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A relação entre a hierofania e seus estudos sobre Porto das Caixas ocorre
com a manifestação do sagrado em uma cruz no Santuário de Jesus Crucificado,
nome atual da antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição. No ano de 1968,
durante uma missa, o Padre Carlos Guillena observou gotas de líquido vermelho,
que fora confundido, em um primeiro momento, como possível tinta, dado o calor
oriundo daquela região localizada no recôncavo da Baia de Guanabara, uma das
áreas mais quentes.

Contudo, a relíquia datada do século XVII estava apresentando gotas


vermelhas que escorriam da imagem e estavam sendo percebidas pelos fiéis da
igreja durante a missa. O milagre de Cristo Crucificado de Porto de Caixas tomou
proporções em todo o Rio de Janeiro, favorecendo a difusão e a convergência de
fiéis de todo o Estado para visita ao Porto das Caixas.

Nesse sentido, o bairro que antes estava em um período de declínio


econômico, através da manifestação do sagrado, possibilitou um novo
recrudescimento econômico, além de religioso no lugar. O mesmo ocorreu em
cidades como Aparecida, Lourdes, Meca etc.

O que diferencia o trabalho da geógrafa Rosendahl para o de França é a


perspectiva da geografia cultural pós-1980, ou seja, nos estudos de Rosendahl,
a preocupação era de estudar um santuário através da dimensão do sagrado no
lugar, não sendo um estudo quantitativo, positivista, mas qualitativo.

A partir da sua tese, a autora produziu dois livros que fizeram grande
sucesso na Coleção Geografia Cultural da EdUERJ, que hoje conta com mais de
23 livros. O primeiro livro lançado em 1996 – Espaço e Religião: Uma Abordagem
Geográfica, e o de 1999 – Hierópolis: o Sagrado e o Urbano. Ambos os livros são
reconhecidos não apenas como principais coleções do mundo sobre geografia
cultural e geografia da religião, mas também pelas suas diferentes cores.

No livro rosa, a autora apresenta quatro proposições temáticas para os


estudos da religião e, que posteriormente, são inseridos nos estudos das dimensões
de análise: a política, a econômica e a do lugar. As proposições temáticas são:

(1) Fé, espaço e tempo – difusão e área de abrangência;


(2) Centros de convergência e irradiação;
(3) Religião, território e territorialidade; e
(4) Espaço e lugar sagrado: vivência, percepção e simbolismo.

Através das proposições temáticas, surgiram inúmeras possibilidades e


interpretações acerca das relações entre o sagrado e o homem religioso, como
os estudos de peregrinações, os estudos das hierópolis ou cidades-santuários,
os estudos das categorias de análise, o sagrado e o profano, de santuários, de
práticas devocionais em diferentes religiões etc.

170
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 6 – COLEÇÃO GEOGRAFIA CULTURAL – LIVROS I E III

FONTE: O autor

• Professor Sylvio Fausto Gil Filho – geógrafo e doutor em história pela UFPR
em 2002, é participante e um dos fundadores do Núcleo de Pesquisa em Religião –
NUPPER e do Núcleo de Estudos em Espaço e Representações – NEER. Sylvio, vinte
anos após os estudos de Rosendahl, possui os seus estudos baseados nas filosofias
do significado, na fenomenologia e com reflexões mais históricas e filosóficas
dos estudos da religião na geografia. Em seus estudos, assim como na geografia
humanista, a fenomenologia ganha importância. A partir da fenomenologia, a
geografia passa a estudar um campo mais diversificado, integrando as relações
dos indivíduos com os lugares, com a subjetividade, com os sentimentos,
experiências.

FIGURA 7 – PROF. DR. SYLVIO FAUSTO GIL FILHO

FONTE: <http://faustogil.ggf.br/home/>. Acesso em: 18 jun. 2020.

171
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

• Além dos três professores aqui apresentados, dentro do cenário brasileiro dos
estudos geográficos da religião, ainda, podemos destacar nomes de professores
e pesquisadores, como:

Prof. Dr. Jefferson Rodrigues de Oliveira (NEPEC/UERJ);


Prof. Dr. José Arilson Xavier de Souza (UEMA) ;
Profa. Dr.a Aureanice de Mello Correa (UERJ);
Prof. Dr. Otavio José Lemos Costa (UECE);
Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira (UFCE);
Profa. Dr.a Patrícia Frangelli Bugallo Lopes (IFPR);
Profa. Dr.a Sandy Regina Cadete Barbosa de Jesus (NEPEC/UERJ);

E no campo geográfico internacional? Será que também temos grandes


nomes que desenvolveram e desenvolvem pesquisas relacionadas à dimensão
espacial do sagrado na geografia?

Se, em um primeiro momento, você pensou que, talvez, fosse um estudo


apenas mais voltado para a geografia brasileira, estaria totalmente enganado.
Algumas literaturas apontam estudos sobre religião na geografia desde o início do
século XX, em especial, por geógrafos alemães.

No campo internacional, podemos destacar grandes nomes que trouxeram


importantes contribuições para o campo de estudo:

Prof. Dr. Paul Fickeler (Alemanha);


Prof. Dr. Paul Claval (França);
Prof. Dr. David Sopher (Estados Unidos);
Prof. Dr. Pierre Deffontaines (França);
Prof. Dr. Roger Stump (Estados Unidos);
Profa. Dr.a Lily Kong (Singapura);
Profa. Dr.a Cristina Teresa Carballo (Argentina);
Prof . Dr.a Maria da Graça Mouga Poças Santos (Portugal);
a

Prof. Dr. Fabián C. Flores (Argentina);


Prof. Dr. Chris Park (Estados Unidos).

A seguir, apresentaremos a religião e sua espacialidade, abordando a


manifestação do sagrado, rituais de construção e o interesse do geógrafo pelo
campo de estudos.

172
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

3 RELIGIÃO E SUA ESPACIALIDADE: REPETIÇÃO DA


HIEROFANIA INICIAL
Interpretar a espacialidade da religião na geografia é reconhecer as
abordagens culturais na geografia pós-80. Quando destacamos os estudos
pós-1980, estamos nos referindo aos estudos da geografia cultural no Brasil.
Na geografia cultural, a manifestação espacial da cultura é questão central. O
geógrafo analisa a configuração que determinada prática cultural no espaço. Na
geografia cultural pós-80, os rearranjos espaciais das manifestações culturais são
privilegiados em suas formas e no tempo que ocorrem.

No saber geográfico, uma das preocupações dos geógrafos culturais


é o tratamento analítico do homem como participante e portador da cultura.
Rosendahl (2002) destaca dois tipos de estudos: um ligado à interação espacial
entre uma cultura e seu ambiente terrestre complexo e, o outro, à situação
espacial entre diferentes culturas. A geografia da religião investiga essas relações
espaciais, concentrando sua atenção sobre o componente religioso na cultura.

À literatura francesa, cabe direcionar, para os geógrafos estudiosos da


religião, uma tarefa, a de explorar o universo das representações mentais, além de
compreender como essas representações se inserem na paisagem e na organização
do espaço. Ainda, é preciso tomar, por base, na ótica francesa, o viés de análise
do sagrado e do profano na vida das coletividades humanas. Dessa maneira,
“é conveniente partir da experiência religiosa quando se deseja compreender
a distribuição dos homens, o controle das paisagens e a organização do espaço
afetado pela fé” (ROSENDAHL, 2002, p. 18).

Os estudos realizados, mencionando Büttner (geógrafo alemão), trazem


a ideia de que os geógrafos devem se tornar cientes da religião e seus efeitos
através do aprendizado em outros ramos de estudos religiosos; só então, podem
fornecer contribuições valiosas. Dessa maneira, para uma legitimação de uma
pesquisa em religião, o pesquisador deve estar familiarizado com a religião a ser
estudada.

A relação ocorre pelo grau de entendimento que o pesquisador possui


no perceber e no entender a relação com o ritual religioso que ocorre no lugar
(ROSENDAHL, 2002). Assim, muitos geógrafos que vivenciam uma determinada
religião a ser estudada conseguem compreender melhor alguns elementos e
decodificar alguns simbolismos e práticas que apenas um devoto conseguiria
decodificar. Claro que essas questões não fecham ou criam barreiras para qualquer
geógrafo estudar uma determinada religião no campo geográfico, mas dependem
da sensibilidade do pesquisador para interpretar e conhecer uma determinada
religião e sua ação no espaço.

173
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A geógrafa Lily Kong (1990), em seu artigo intitulado Geography and


Religion: Trends and Prospects (Geografia e Religião: Tendências e Perspectivas), traz
que, na geografia da religião, assim como nas demais ciências que estudam a
religião, as pesquisas ainda possuem embasamento em diversas ciências que
se destacaram nesses estudos, como a antropologia, a sociologia, a filosofia, a
história etc., tendo uma ligação de propagação a partir de autores clássicos, como
Eliade, Weber, Durkheim, Otto etc., que oferecem suporte aos estudos.

Embora o estudo das religiões tenha atraído a atenção de um amplo e


sempre crescente círculo de estudiosos, a pesquisa tende a prosseguir
sob as variadas rubricas da sociologia, antropologia, filosofia,
história e, certamente, teologia. Clássicos que tiveram um impacto
significativo no desenvolvimento do "pensamento religioso" surgiram
das canetas de estudiosos que professam várias disciplinas diversas.
Por exemplo, Weber (1904-5), Durkheim (1915), Otto (1917) e Eliade
(1959) representam apenas uma amostra dos escritos variados que
moldaram grande parte do pensamento dos estudantes de religião.
Essas diversas fontes ilustram amplamente, entre outras coisas, o
potencial do trabalho multidisciplinar (KONG, 1990, p. 2).

Para Kong (1990), o campo de estudo do geógrafo da religião é vasto e,


em seu artigo, verificamos uma abordagem histórica da relação entre geografia e
religião, e que essa ligação vem desde períodos antigos, com os gregos. Ao longo
dos séculos, as percepções acerca desses estudos foram variadas, perpassando
desde um período de uma geografia cultural tradicional até os atuais estudos
variados e plurais da nova geografia.

O pensamento de Klaus Hock (2010), como cientista da religião, assemelha-


se às abordagens realizadas por Lily Kong (1990), no que tange às relações entre
geografia e religião, principalmente nas questões históricas, porém, ele destaca
que a “geografia da religião se dedica, de modo sistemático, às relações entre a
religião e o meio ambiente geográfico” (HOCK, 2010, p. 183).

4 CATEGORIAS DE ANÁLISE: SAGRADO E PROFANO


Os estudos geográficos da religião, enfatizados pela perspectiva cultural,
têm, por base, o estudo/análise do sagrado e do profano em sua relação com a
sociedade e o espaço a partir das dimensões de análise propostas por Rosendahl
(2003).

A partir de Rosendahl (2008, p. 9), “como toda construção humana, o


sagrado é dotado de uma espacialidade que se traduz por atributos próprios e
está inserido na espacialidade humana geral”. Dessa maneira, a religião, segundo
a autora, imprime uma ordem no espaço que, para os crentes, é marcada por
momentos de transcendências, os quais, a cada tempo sagrado, diferenciam,
criando espaços e itinerários sagrados. Nos estudos propostos por Rosendahl, os

174
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

fundamentais, ao estudo das relações entre o sagrado e profano, são o cotidiano


e o extra cotidiano (ambas ações podem imprimir marcas e transformações no
espaço). Na dimensão espacial do sagrado, Rosendahl (2008, p. 30) define o
espaço sagrado como:

[...] um campo de forças e valores que eleva o homem religioso


acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto no qual
transcorre sua existência. É por meio de símbolos, dos mitos, dos
ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e
a divindade. E é o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado,
que possibilita, ao homem, entrar em contato com a realidade
transcendente chamada deuses.

O espaço sagrado se constitui de duas áreas qualitativas fortes: um ponto


fixo, marcado pela hierofania, e um entorno impregnado do sagrado, no qual
se encontram os elementos necessários ao crente para a realização de práticas
e roteiros devocionais. No espaço sagrado, através de mitos, símbolos e ritos, o
homem se encontra com sua divindade (ROSENDAHL, 1997).

O termo hierofania foi proposto para designar a manifestação do


sagrado em objetos ou pessoas. A materialização do sagrado pode ocorrer
em grutas, colinas, rios, pedras, árvores e, simbolicamente, origina o lugar
sagrado, consagrando o espaço, tornando-o qualitativamente forte, demarcado e
diferenciado (ROSENDAHL, 2002).

O espaço sagrado apresenta três naturezas, podendo ser fixo, móvel ou


imaginalis. Nos limites do espaço sagrado, localiza-se o espaço profano, onde
não existem interditos do sagrado. Ambos se atraem e, concomitantemente, se
opõem, mas nunca se misturam (ROSENDAHL, 2008). A relação é subjetiva.
A passagem de uma área profana a um lugar sagrado se constitui, em alguns
casos, pela prática do sacra facere, fazer sacrifício, através dos ritos devocionais de
sacrifício (ROSENDAHL, 2002).

Na compreensão do sagrado, o espaço sagrado valida uma vivência


oposta ao espaço profano. O primeiro possui valor existencial para o devoto:
é o seu referencial, o cosmo, ponto de toda orientação inicial, o centro do
mundo. No “recinto sagrado, torna-se possível a comunicação com os deuses;
consequentemente, deve existir uma ‘porta’ para o alto, por onde os deuses
podem descer e o homem pode subir simbolicamente ao Céu” (ELIADE, 2008,
p. 29). O segundo ocorre na ausência do ponto fixo, que qualifica a permanência
do caos.

O espaço profano se constitui naquele espaço ao “redor” do espaço


sagrado. Em relação ao espaço profano, aplicam-se as interdições aos objetos e
coisas que estão vinculadas ao sagrado, numa realidade diferenciada da realidade
sagrada. Através da segregação que o sagrado impõe a organização espacial.
Identifica-se o espaço profano diretamente vinculado ao sagrado, o espaço

175
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

profano indiretamente vinculado ao sagrado, e o espaço profano remotamente


vinculado ao sagrado. O comércio e o lazer, nas hierópolis, estão nos espaços
profanos (ROSENDAHL, 2002). O interessante é podermos distinguir o termo
profano da interpretação no senso comum. Como vimos, a palavra profano está
diretamente ligada às ações do sagrado.

O espaço sagrado e o espaço profano estão vinculados a um espaço social


de maneira que a ordenação do espaço requer sua distribuição entre sagrado e
profano. O sagrado delimita e possibilita o profano. Assim, esses dois espaços
se encontram em uma relação de ideal e comum, de excepcional e cotidiano
(ROSENDAHL, 2008). Veremos melhor essas relações com exemplos empíricos.

A partir dos estudos de Eliade (2008, p. 32), devemos ressaltar que o


espaço sagrado nem sempre ocorre a partir de uma manifestação hierofânica,
como no caso de muitas hierópolis ou cidades-santuário, como Lourdes, Fátima,
Aparecida, mas ele pode ser criado também através de um ritual de construção,
ou seja, “na realidade, o ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado
é eficiente à medida que ele reproduz a obra dos deuses”. Ainda, para Eliade
(2008, p. 35), quanto à construção do espaço sagrado, devemos ressaltar que
“não devemos acreditar que se trata de um trabalho humano, que é graças ao seu
esforço que o homem consegue consagrar um espaço”.

No entendimento, o espaço sagrado pode vir a ocorrer não apenas


através da manifestação do sagrado, mas através de um ritual de construção.
Assim são construídos Igrejas, Templos, Sinagogas e Mesquitas. Durante a missa,
por exemplo, quando o agente religioso, na figura do padre, consagra a hóstia
como Corpo de Cristo, naquele momento, um ritual de construção é realizado em
memória a um fato ocorrido em in illo tempore, em um tempo passado.

4.1 AS DIMENSÕES DE ANÁLISE


No artigo Espaço, Cultura e Religião: Dimensões de Análise (2003), publicado
no livro Introdução à Geografia Cultural, Rosendahl (2003) apresenta um texto
complexo e tem, por objetivo, traçar as relações entre o sagrado e profano a partir
de uma espacialidade geográfica.

A autora destaca que o geógrafo que tem interesse em analisar as relações


existentes entre geografia e religião deve partir do estudo dessas duas categorias
de análise, para que, segundo as dimensões de análise, possa interpretar e
decodificar determinada religião e sua relação com o espaço e o lugar. As
dimensões propostas por Rosendahl são:

176
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

a) Dimensão Econômica – Bens simbólicos, mercados e redes – Na dimensão, a


autora analisa as relações entre o processo produtivo desses bens e sua ligação
com o sagrado. Essas ações podem ocorrem, em especial, voltadas para os
devotos como consumidores do sagrado, envolvendo uma rede de diversos
agentes, localizações e fluxos inserida no contexto das hierópolis ou cidades-
santuário. Essa associação ou vínculo pode vir a ocorrer fora também das
cidades-santuário, em igrejas católicas ou de outras doutrinas, e outras religiões.
b) Dimensão Política – Religião, território e territorialidade; Religião civil,
sacralidade e identidade – Na dimensão, a autora trabalha com o estudo
da religião a partir de territórios criados e administrados pelo agente social
religioso ou não, que cria territorialidades para gestão e manutenção desses
territórios. Também encontramos, como possibilidades de estudo, a religião
civil e pseudorreligiões, assim como a sacralidade e identidade religiosa.
c) Dimensão do Lugar – Difusão da fé, comunidade e identidade religiosa;
Hierópolis: a construção de uma teoria; Percepção, vivência e simbolismo;
Paisagem religiosa e Região Cultural – Na dimensão, a autora trabalha com os
estudos das cidades-santuário, cidades que possuem uma predominância da fé
frente a outras funções – político-econômica.

Nas cidades, os peregrinos são reconhecidos como agentes modeladores


do espaço urbano, cujas cidades se transformam para receber seus visitantes. À
medida que as peregrinações vão tomando forma e escopo, essas cidades tendem
a apresentar um processo de crescimento econômico e especialização para melhor
atender peregrinos. Também podemos destacar os estudos da difusão da fé em
suas diferentes esferas de possibilidades e a percepção, vivência e simbolismo
que determinada religião imprime no espaço.

FIGURA 8 – DIMENSÕES DE ANÁLISE

Dimensões de Análise Dimensão Política:

• Religião, território e
territorialidade
• Religião civil, sacralidade
Dimensão Econômica: Sagrado e identidade
e Profano
• Bens simbólicos,
mercados e redes

Dimensão do Lugar:

• Difusão da fé, comunidade e identidade religiosa


• Hierópolis: a construção de uma teoria
• Percepção, vivência e simbolismo
• Paisagem religiosa e Região Cultural

FONTE: Adaptado de Rosendahl (2003)

177
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

5 HIERÓPOLIS OU CIDADES-SANTUÁRIO
Antes de chegarmos aqui, já estávamos abordando o nome hierópolis
ou cidades-santuário. Elas são cidades que possuem uma dinâmica espacial
diferenciada. O nome hierópolis serve para designar e qualificar as cidades que
possuem uma predominância do sagrado frente às funções de cada cidade, ou
seja, a função religiosa é predominante entre as funções econômica, política e
social. Há uma dinâmica diferenciada das funções nessas cidades.

Por hierópolis ou cidades-santuário, entendemos que, segundo Rosendahl


(2002, p. 82):

Referem-se às cidades que possuem uma ordem espiritual


predominante e marcadas pela prática religiosa da peregrinação ou
romaria ao lugar sagrado. Pelo simbolismo religioso que esses locais
possuem e pelo caráter sagrado atribuído ao espaço, podemos chamar
esses locais de hierópolis ou cidades-santuário. Assim, cidades-
santuário são centros de convergência de peregrinos que, com suas
práticas e crenças, materializam uma peculiar organização funcional e
social do espaço. O arranjo singular e repetitivo pode ser de natureza
permanente ou apresentar uma periodicidade marcada por tempos
de festividades, próprios de cada centro de peregrinação. Nesses
períodos, as funções urbanas presentes consideram como um tipo
particular de cidade. Nas cidades-santuário ou hierópolis, as funções
urbanas são, em muitos casos, fortemente especializadas, associadas à
ordem sagrada: suas funções básicas são de natureza religiosa.

Muitas cidades apresentam funções e características semelhantes às


hierópolis ou cidades-santuário. Dessa maneira, através da tipologia desenvolvida
por Rosendahl (2003), podemos compreender melhor as transformações e
dinâmicas espaciais ligadas à ótica do sagrado nessas cidades. Alguns pontos e
funções importantes veremos no Tópico 2 deste livro.

Segundo Rosendahl (2003, as cidades-santuário possuem certas funções


e ações que as diferenciam das demais cidades com outras funções. Visando
apresentar essas diferenças, a autora desenvolveu uma tipologia para essas
cidades religiosas. São seis itens, pelos quais, compreendidos em articulação,
torna-se possível diferenciar essas relações entre as outras, cujas funções se
sobrepõem.

As tipologias são:

(1) A proeminência do sagrado sobre o profano nas funções urbanas.


(2) A variabilidade das funções segundo os ritmos próprios do tempo sagrado.
(3) A natureza específica do alcance espacial que não se manifesta pelas leis de
mercado.
(4) Os participantes têm motivações ideológicas e desempenham roteiros
devocionais que não são racionais, segundo os padrões da economia.

178
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

(5) As atividades apresentam uma organização de seu espaço interno fortemente


marcado pela própria lógica do sagrado, conferindo, ao espaço, um tipo
particular de centralidade e segregação.
(6) As hierópolis, além do religioso e ideológico, desempenham, também,
enquanto hierópolis, um papel político (ROSENDAHL, 2009).

Esses seis itens demarcam, conjuntamente, que as hierópolis apresentam


uma ordem simbólica que é marcada pela prática e pelas atividades religiosas
do homem religioso. Essa prática pode se apresentar através da peregrinação,
dos rituais diários ou sazonais, porém, sempre respeitando certa periodicidade,
representada pelo tempo comum e o tempo sagrado, que imprimem, no lócus
religioso, um ritmo peculiar.

As cidades-santuário, como Lourdes, Fátima, Santiago de Compostela,


“promoveram, sobretudo, funções urbanas relacionadas com os peregrinos”
(ROSENDAHL, 2009, p. 17). Ainda, com relação aos deslocamentos dos peregrinos
e dos turistas para o exercício de sua religião ou de visita ao lugar. Estes podem
vir a ocorrer a partir de um fluxo permanente ou através de um fluxo periódico
de peregrinos. Dessa maneira, Rosendahl (2009, p. 27-28) traz que:

As hierópolis que atraem um fluxo permanente de peregrinos são


aquelas para as quais fluem milhares de fiéis ao santuário durante
todo o ano e não somente por ocasião das festas. As outras, cidades-
santuário de fluxo periódico, são aquelas em que a prática religiosa
implica a ida em certas ocasiões, geralmente, uma ou duas vezes por
ano, coincidindo com os dias de festividades.

Uma outra característica a ser destacada nas cidades-santuário é a sua


organização espacial. Encontramos um comércio anexo no lugar de atividade
religiosa, ou seja, os bens simbólicos religiosos. Muitas cidades apresentam, em
ruas que dão acesso ao santuário, feiras, lojas para a venda de produtos religiosos e
pequenas lembranças. Muitas cidades, como Aparecida, apresentam, além desses
elementos, pequenos shoppings de lojas comerciais de rua que vendem também
uma diversidade de produtos que não contemplam apenas os bens simbólicos
religiosos. De acordo com Rosendahl (2009, p. 29):

Na organização espacial das cidades-santuário, encontra-se,


frequentemente, um comércio anexo no lugar de atividade religiosa,
aquele de objetos da devoção do peregrino. Encontram-se restaurantes,
farmácias e comércio de artigos não religiosos. A presença dessas
atividades qualifica o espaço profano das cidades-santuário. A cada
fluxo concentrado de peregrinos, seja semanal, mensal ou anual, a
vida urbana é recriada nas cidades-santuário.

Na perspectiva entre o sagrado e o urbano, a partir das diferenciações entre


as hierópolis da América Latina e Europa estudadas, destacamos a existência de
espaços sagrados localizados em diferentes lugares nas hierópolis. Os estudos
apontam duas maneiras dessa manifestação: a primeira seria o espaço sagrado
principal e, a segunda, o espaço sagrado secundário, na mesma cidade-santuário.

179
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

No primeiro tipo, o sagrado que define a organização espacial no


centro religioso tem expresso, na paisagem, formas espaciais duplas.
Trata-se da existência de dois espaços sagrados – espaço sagrado
primário e espaço sagrado secundário – aquele tendo surgido em
primeiro lugar. Há o lócus da hierofania, e sua localização geográfica
permanece fixa através do tempo. A presença do espaço sagrado
secundário ocorre em santuários onde o crescimento contínuo de
peregrinos exige a expansão física da hierópolis. Nesses casos, a forma
espacial resultante está fortemente ritualizada pelas práticas religiosas
realizadas pelo devoto em seu roteiro de visita aos dois espaços
sagrados (ROSENDAHL, 2009, p. 82).

Podemos trazer essa visão para a análise de exemplo, a cidade de


Cachoeira Paulista. A cidade está localizada no Vale do Paraíba Paulista, interior
de São Paulo e, atualmente, faz parte do Circuito Turístico Religioso do Estado
de São Paulo, em um acordo feito com as prefeituras e o SABRAE-SP. Cachoeira
Paulista é uma cidade que, ao longo de sua história, desde o período colonial, até
a atualidade, teve, em seus cenários, períodos distintos, marcados por diferentes
funções. A primeira seria relacionada ao período colonial; a segunda, vinculada
à produção do café; a terceira, com a queda e declínio econômico dessa produção
cafeeira e, por último; um período referente ao crescimento da cidade através do
recrudescimento religioso no lugar. Como ocorreu o processo?

A cidade de Cachoeira Paulista é conhecida em todo Brasil, por ser a


sede nacional da comunidade católica Canção Nova, inserida no movimento
de Renovação Carismática Católica – RCC. A chegada do grupo social religioso
na década de 80 na cidade favoreceu o crescimento econômico ligado a novas
funções religiosas, a da peregrinação, dos acampamentos de oração, do turismo
religioso e dos diferentes meios de comunicação utilizados pela comunidade.

As características apresentadas no exemplo de Cachoeira Paulista,


estudada pelo geógrafo Jefferson Oliveira (2015), se confirmam nas análises de
Carlos (2009) e Singer (1990), quando trazem que cada cidade possui diferentes
etapas de um processo histórico, assumindo, assim, “formas, características e
funções distintas. Ela seria, assim, em cada época, o produto da divisão, do tipo
e dos objetos de trabalho, além do poder centralizado” (CARLOS, 2009, p. 56).

Atualmente, Cachoeira Paulista se configura como uma hierópolis ou


cidade-santuário. Atualmente, o turista/peregrino, que viaja até a cidade para
participar dos acampamentos de oração dentro da Canção Nova, acaba se
tornando agente modelador do espaço urbano do município. Contudo, de que
maneira tudo isso é perceptível?

Na construção de hotéis, pousadas com nomes alusivos ao temário religioso


(Pousada Capelinha, Pousada São João, Pousada Santa Inês), restaurantes,
transportes para o deslocamento dos peregrinos e, principalmente, lojas e vendas
de bens simbólicos religiosos ou de consumo, como caracterizados nos estudos
das hierópolis. As figuras a seguir apresentam um pouco da dinâmica.

180
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 9 – POUSADAS

FONTE: O autor

181
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 10 – BOX DE BARRACAS NA RUA DE ACESSO À CANÇÃO NOVA

FONTE: O autor

De acordo com Rosendahl (2009, p. 29), “encontram-se, também,


restaurantes, farmácias e comércio de artigos não religiosos. A presença dessas
atividades qualifica o espaço profano das cidades-santuário”. Segundo a autora,
a cada fluxo concentrado de peregrinos, seja semanal, mensal ou anual, a vida
urbana é recriada nas cidades-santuário.

182
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 11 – BOX E BARRACAS DE COMÉRCIO INFORMAL

FONTE: O autor

183
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A peregrinação na cidade favorece o crescimento e desenvolvimento


econômico do município, que, até os dias de hoje, não possui outra função
econômica que seja de suporte. Outro exemplo de cidade-santuário no Brasil,
e que é próxima da cidade de Cachoeira Paulista, é Aparecida, que possui uma
lógica econômica semelhante, porém, com números econômicos mais expressivos.
Aparecida recebe, em média, mais de 12 milhões de peregrinos anuais, enquanto
Cachoeira Paulista uma média de 1,5 milhão de peregrinos (OLIVEIRA, 2015).

A seguir, há fotos da Canção Nova. Se notarmos o Centro de Evangelização,


um templo coberto com capacidade para mais de 70 mil pessoas, é o principal
centro de encontro dos peregrinos que visitam Cachoeira Paulista. Em alguns
acampamentos, a cidade, com quase 33 mil habitantes (IBGE, 2016), pode receber
de 10 mil a 200 mil peregrinos. Esses acampamentos, normalmente, são realizados
durante o fim de semana.

FIGURA 12 – CANÇÃO NOVA EM CACHOEIRA PAULISTA

FONTE: O autor

A seguir, apresentaremos um exemplo do cotidiano de um romeiro, ou


um peregrino na visita de um centro religioso. Encontramos as atividades e
práticas devocionais de um peregrino durante um período de 24 horas. Durante
a sua chegada, o peregrino visita, primeiramente, o espaço profano (pousada,
hotéis, restaurantes), indo uma ou mais vezes durante o dia no Espaço Sagrado –
na Igreja, no Templo, na Mesquita, na Sinagoga fazer suas orações e ter o contato
com o sagrado.

184
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Após sua prática devocional, pode perpassar pelos diferentes espaços


profanos presentes na cidade. Lembrando que o espaço profano, quando falamos
anteriormente, é aquilo que está em frente ou ao redor do sagrado. Ele dá o
suporte. No caso das hierópolis, quanto mais próximo ao sagrado, maior são as
ofertas de produtos e serviços. À medida que vamos nos afastando, a abrangência
e influência do sagrado vão diminuindo. Vale ressaltar que essas ações mudam a
cada tempo e período festivo.

Comungando com as ideias de estudiosos da religião, o sagrado se amplia


e se dilata no espaço movido pela demanda dos fiéis. A oferta do sagrado também
se amplia. Na análise, percebemos o espaço profano diretamente vinculado ao
sagrado em forma espacial única e ao redor dos espaços sagrados existentes. A
arquitetura do sagrado impõe limites entre as atividades religiosas, as práticas
religiosas e o comportamento do peregrino em ações não religiosas. Acrescenta-
se, também, que o vínculo com o comportamento religioso imprime marcas
fortemente demonstradas no espaço e no tempo de devoção.

Os estudos sobre Cachoeira Paulista e sua dinâmica, como uma hierópolis


ou cidade-santuário, estão presentes na obra do geógrafo Jefferson Oliveira:
Canção Nova e as Peregrinações Pós-Modernas: Hierópolis Carismática de Cachoeira
Paulista – SP. O livro, lançando em 2015, apresenta os diferentes processos e
transformações ocorridos no município de Cachoeira Paulista. Trata-se de uma
leitura interessante para os geógrafos que tenham interesse no estudo geográfico
da religião.

FIGURA 13 – CANÇÃO NOVA EM CACHOEIRA PAULISTA

FONTE: Adaptado de Rosendahl (2018)

185
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 14 – LIVRO CANÇÃO NOVA E AS PEREGRINAÇÕES PÓS-MODERNAS

FONTE: O autor

6 O ESTUDO GEOGRÁFICO DAS PEREGRINAÇÕES


Nos estudos da religião na geografia, a temática da peregrinação é
apresentada a partir de um leque diversificado de estudos, principalmente por
possuir fortes características de cada lugar onde ocorrem as manifestações. No
caso do Brasil, as peregrinações estão ligadas, em sua maioria, a um catolicismo
popular, que se desenvolveu no país desde o período colonial até os dias de hoje,
trazendo diversas percepções de credos e rituais impregnados da cultura do
grupo étnico religioso no espaço sagrado da manifestação da fé.

O ato de peregrinar envolve diversos atores do social, do político, do


econômico e do religioso. Envolve sentimentos, os aspectos simbólicos que levam
o homem religioso à necessidade de buscar o sagrado, no lugar identificado
como detentor de maior grau de sacralidade. No espaço sagrado, o devoto pode
alcançar a transcendência e realizar suas práticas devocionais de sacra facere,
fazer o sagrado, ou sacrifícios em formato de oração, realizados no tempo de
peregrinação.

Diversos são os autores que trabalham com a temática da peregrinação em


diferentes escalas, aportes teóricos e empíricos a partir de exemplos de diferentes
religiões e que servem de base para os estudos das peregrinações na geografia.
Autores como King (1972), Bowman (1992), Cohen (1992), Morinis (1992), Preston
(1992), Smith (1992), Wood (1992), Rosendahl (2002; 2006; 2008; 2009; 2012),
Abumanssur (2005), Carballo (2010; 2012), Santos (2010), Costa (2011), Steil e
Marques (2011), Carneiro (2011; 2012), Flores (2015) e Souza (2017) desenvolveram
inúmeros trabalhos acadêmicos acerca das peregrinações em diferentes contextos
e motivações religiosas.

186
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A partir de uma literatura de peregrinação, como apontamos no parágrafo


anterior, podemos destacar que se trata de uma prática tradicional (na busca
do lugar sagrado, as necessidades de encontro e contato com o sagrado para
sacrifícios, pedidos, ex-votos, promessas) e, ao mesmo tempo, pós-moderna (na
prática devocional, o peregrino acredita que o sagrado está em seu interior, e
busca o lugar sagrado para manifestar o sagrado no coletivo. Muito comum em
práticas do movimento de Renovação Carismática Católica - RCC de aliança do
homem religioso com a divindade (OLIVEIRA, 2010; 2011). A peregrinação é
uma forma de ser no mundo e no espaço. A palavra peregrinar vem do latim
peregrinare, que tem, por significado, a busca ao lugar de santidade, lugares santos
ou de devoção, os quais estão simbolicamente carregados de valores devocionais
para um determinado grupo social que tem, por objetivo, a veneração do lugar
visitado para a prática do pedido por ajuda ou obrigações religiosas.

A peregrinação é uma prática de devoção ao sagrado na sociedade desde


tempos antigos, tempos remotos em que o homem, por diversas necessidades,
sociais, políticas ou econômicas, tinha uma necessidade de maior contato com o
divino. Na literatura, observamos que as primeiras peregrinações ocorreram em
tempos primitivos. O homem pertencente a uma determinada tribo, e por estar
longe do seu lugar de morada, necessitava de uma conexão, uma ajuda divina,
para que pudesse retornar para o seu lar (JARRET, 2000).

Em estudo de caso no Brasil, as peregrinações estão ligadas, na sua


maioria, a um catolicismo popular, trazendo diferentes percepções de credos e
rituais, que buscam, no lugar sagrado, a vivência da fé em sua dimensão religiosa.

O ato de peregrinar, através de um itinerário simbólico defendido pelo


geógrafo (BONNEMAISON, 2002), é construído, experienciado, vivenciado pelo
homem religioso, no sentido de seguir os passos do sagrado, ou representar uma
sacra facere durante sua peregrinação. A palavra peregrino, que vem do latim
peregrinus, tem, por significado, a palavra estrangeiro, itinerante, aquele que viaja
ou anda por terras distantes. Para Rosendahl (2009, p. 100), “a natureza do ato
de peregrinar está intimamente ligada à devoção religiosa de visitas a lugares
sagrados”.

Várias classificações existem para o perfil do romeiro ou peregrino


em sua posição de religioso no espaço sagrado. Ao nos aprofundarmos nessa
subjetividade, no que tange aos tipos de comportamentos no ato de peregrinar, de
cada pessoa, podemos exemplificar com a tipologia das peregrinações proposta
por Smith (1992). Em seus estudos, o autor destaca cinco tipos de peregrinos:
o piedoso-peregrino, peregrino-devoto, peregrino-turista, turista-peregrino e o
turista-secular. A partir dos estudos etnográficos de Smith (1992), o autor traz
uma tipologia de turistas e peregrinos, criados por ele, em relação aos visitantes
do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Dessa maneira, a tipologia
sugerida:

187
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Peregrino-turista que “envolve experiências pessoais profundas ao


sagrado”. Os agentes modeladores nos santuários, definidos pelo
autor, são: piedoso-peregrino (pios pilgrim), peregrino-devoto
(pilgrim over tourist), peregrino-turista (pilgrim as much as tourist),
turista-peregrino (tourist more than pilgrim) e o turista-secular. Essas
cinco categorias contêm uma multiplicidade de motivações espirituais
que transcende o domínio da religião (ROSENDAHL, 2009, p. 101).

Peregrino-piedoso é classificado como o devoto que vai ao lugar sagrado


em busca da transcendência. É, no lugar, que ocorre a manifestação do sagrado,
ou seja, o santuário possui o poder milagroso. A exemplo, um peregrino que vai
até a Basílica de Nossa Senhora Aparecida do Brasil tem uma motivação de fé,
ligada às práticas religiosas tradicionais de fazer um sacrifício, pagar ou realizar
promessas, implorar por milagres, agradecer, fazer votos. O devoto tem que se
deslocar de seu lugar de morada para o espaço religioso no lócus da hierofania.

Carneiro (2012, p. 72) traz a ideia de que a peregrinação tradicional está


ligada ao lugar de chegada ou ao objeto de devoção. Ou seja, “no sistema de
peregrinação tradicional, o sacrifício tem um significado predominante, é uma
forma de penitência orientada por aquilo que Turner (1978) chama de “paradigma
da via crucis””.

Nas reflexões de Rosendahl (2003), há outra possível nomenclatura dos


tipos de peregrinos apresentados por Smith (1992). Aqui, além dos peregrinos
em práticas tradicionais, estamos apresentando, também, o peregrino pós-
moderno, isto é, um tipo não descrito por Smith (1992). O peregrino, em tempos
pós-modernos, diferente do peregrino de práticas do catolicismo tradicional,
acredita que o sagrado já existe dentro dele, em seu self, sendo que ele precisa
estar no lugar sagrado para que ocorra a transcendência. Ambos vivenciam o
espaço, a dinâmica dessa subjetividade é fator predominante. Essas relações que
se configuram como pós-modernas e demais variâncias estão relacionadas não
apenas com a ida e busca ao lugar, mas também com as práticas de devoção ao
sagrado.

As práticas religiosas dos peregrinos na sociedade hipermoderna, que


veremos melhor no terceiro tópico deste livro, estão em harmonia com as práticas
religiosas inseridas na Renovação Carismática Católica. As vivências espirituais
dos peregrinos estão inseridas em um contexto midiático e do ciberespaço. O
geógrafo Souza (2017) destaca, em seu estudo, a denominação de ciber-peregrino,
ratificando as relações entre o sagrado, as novas tecnologias, as mídias e a
internet. O santuário e o peregrino passam a ter uma nova relação, dessa maneira,
é possível atribuir, ao ciber-peregrino, “a realização de preces e doações on-line,
como acender velas virtuais, conhecer os caminhos e a estrutura dos centros de
peregrinações reais e acompanhar celebrações em tempo real”. O autor pensa que
a utilização desses recursos pode levar à visita física, contribuindo, incisivamente,
para a constituição simbólica dos espaços de peregrinação (SOUZA, 2017, p. 61).

188
TÓPICO 1 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Para melhor esclarecimento, o peregrino pós-moderno vai além do ciber-


peregrino. O fiel, assim denominado, está inserido no campo virtual e no campo
real. Ele, o devoto, vai ao santuário na busca do sagrado que está nele, mas só se
manifesta no espaço sagrado.

É oportuno esclarecer que a ida ao santuário ocorre de diversas maneiras


entre os peregrinos:

a) deslocamentos individuais de suas moradias;


b) saídas em caravanas com um tipo de coletivo;
c) saídas de cunho familiar. A diferenciação ocorre em relação às práticas religiosas
de transporte específico. Quer individual ou em grupo, um católico carismático
vivencia a Renovação Carismática em suas práticas de fé e ações diferenciadas
de um devoto do católico tradicional, que possui práticas diferenciadas dos
carismáticos.

189
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

LEITURA COMPLEMENTAR

Texto do geógrafo Paul Fickeler: Questões Fundamentais na Geografia


da Religião.

O autor vem apresentando as principais questões fundamentais e


norteadoras dos estudos da religião na geografia. Acesse: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/6132/4405.

190
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• À primeira vista, geografia e religião parecem ser companheiros curiosos. No


entanto, mesmo uma breve reflexão revela uma infinidade de maneiras em que
os dois campos interagem. A religião afeta as pessoas e seu comportamento
de muitas maneiras diferentes, e os geógrafos, ao longo dos últimos anos,
possuem preocupações com os diferentes padrões espaciais, as distribuições e
manifestações das pessoas e o ambiente.

• A religião, enquanto um fato social, torna-se inteligível e de grande interesse


aos estudos geográficos. Geografia e religião, aparentemente temas distintos,
“são, em primeiro lugar, duas práticas sociais, a geografia na análise do espaço
e a religião como um fenômeno cultural, ocorre espacialmente” (ROSENDAHL,
2002, p. 11).

• O campo geográfico da religião não é exatamente um campo de estudo


recente na geografia, pelo contrário, ele data desde o início do século XX, com
os estudos de geógrafos alemães e, até mesmo, com os estudos da Escola de
Berkeley – fundada pelo geógrafo Carl Sauer.

• No Brasil, o campo ganhou difusão e ampliação de estudos e teorias através


dos estudos de geógrafos, como Maria Cecília França, Zeny Rosendahl e
Sylvio Fausto Gil Jr. A religião, nos estudos da geografia brasileira, tornou-
se reconhecida internacionalmente com a fundação do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Espaço e Cultura – NEPEC, a Revista Espaço e Cultura e a
Coleção Geografia Cultural, ambos fundados pela geógrafa Zeny Rosendahl
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

• Nos estudos geográficos da religião, partimos da análise de duas categorias


de análise: o sagrado e o profano. A partir dessas categorias, que possuem
importantes inter-relações no espaço, torna-se possível a compreensão
de diferentes fenômenos religiosos, suas distribuições, transformações e
espacialidades. Sagrado e profano coexistem, um necessita do outro, porém,
nunca se misturam.

• A partir das categorias de análise, o sagrado e o profano, encontramos as


dimensões de análises, dimensão política, dimensão econômica e a dimensão
do lugar. Através delas, encontramos as proposições temáticas apresentadas
no início do tópico, assim como trabalhos com os conceitos geográficos: espaço,
lugar, território, região e paisagem.

191
• As hierópolis ou cidades-santuário são utilizadas, por geógrafos e cientistas da
religião, para designar e qualificar cidades que possuem uma ordem espacial,
predominando a lógica do sagrado. A função religiosa é predominante entre
as funções econômica, política e social. Há uma dinâmica diferenciada nessas
cidades: o sagrado possui papel importante como agente social e, os peregrinos,
modeladores do espaço urbano dessas cidades.

• Uma das principais pesquisadoras dos estudos de hierópolis ou cidades-


santuário, na geografia, é a geógrafa Rosendahl (2002, p. 82), que pontua que o
termo “refere-se às cidades que possuem uma ordem espiritual predominante e
marcadas pela prática religiosa da peregrinação ou romaria ao lugar sagrado”.
A autora reforça o simbolismo: “Pelo simbolismo religioso que esses locais
possuem, e pelo caráter sagrado atribuído ao espaço, podem chamar esses
locais de hierópolis ou cidades-santuário”.

• A geógrafa define: cidades-santuário são centros de convergência de peregrinos


que, com suas práticas e crenças, materializam uma peculiar organização
funcional e social do espaço. Ainda, o arranjo singular e repetitivo pode ser de
natureza permanente ou apresentar uma periodicidade marcada por tempos
de festividades, próprios de cada centro de peregrinação.

• Ao comparar com outras definições, a autora afirma que, nesses “períodos, as


funções urbanas presentes permitem considerá-las como um tipo particular
de cidade. Nas cidades-santuário ou hierópolis, as funções urbanas são, em
muitos casos, fortemente especializadas, associadas à ordem sagrada: suas
funções básicas são de natureza religiosa” (ROSENDAHL, 2002, p. 82).

• As peregrinações ou romarias estão ligadas à busca pelo lugar. Em sua maioria,


estão interligadas às práticas de um catolicismo popular, no caso do Brasil,
onde as peregrinações possuem características singulares, de acordo com
cada lugar. Em especial, são ligadas às questões culturais. O homem religioso,
imbuído de sentimentos, possuí a necessidade de busca do lugar sagrado
para manifestação de sua fé e realização das suas práticas devocionais, fazer
votos, promessas, pagar votos, fazer sacrifícios. Na medida em que a sociedade
vai evoluindo e, com ela, as novas tecnologias, é perceptível abarcar novas
abordagens sobre as peregrinações.

192
AUTOATIVIDADE

1 A religião é tema de interesse em diversas áreas e ciências, sejam as de cunho


social, humano e, até mesmo, no campo das exatas. Em diferentes ciências,
como a sociologia, a antropologia, a filosofia etc., o homem religioso e suas
ações no espaço e na prática de devoção ao sagrado ganham, a cada dia
mais, destaques. Dessa maneira, como cada uma dessas ciências interpreta
e estuda as religiões através dos seus campos de análise?

2 Na pergunta anterior, fizemos um questionamento buscando compreender


as relações entre as demais ciências sociais e humanas, no entendimento
e nos seus estudos sobre o campo da religião. Na geografia, qual seria o
interesse do geógrafo em estudar determinada religião, ou seja, de que
maneira ocorrem os estudos da religião a partir da geografia?

3 No campo geográfico nacional, apresentamos alguns autores e informações


sobre seus estudos com relação às relações entre geografia e religião. Foram
eles: Maria Cecília França, Zeny Rosendahl e Sylvio Fausto Gil. A partir da
leitura do texto, quais seriam as principais características dos estudos de
cada pesquisador, assim como as diferenças entre as suas análises?

4 No campo de estudo da geografia da religião fora do Brasil, alguns


pesquisadores possuíram vital importância para o contínuo desenvolvimento
do campo. Dentre eles, podemos destacar?

a) ( ) Lily Kong, Chris Park e Patrícia Frangelli.


b) ( ) Christian Dennys, Otávio Costa e Paul Fickeler.
c) ( ) Lily Kong, Chris Park e Pierre Deffontaines.
d) ( ) David Sopher, Jefferson Oliveira, Zeny Rosendahl.

5 No que se refere aos estudos das hierópolis ou cidades-santuário, a geógrafa


Rosendahl (2003; 2009) é uma das principais estudiosas e pesquisadoras do
campo da geografia. Segundo Rosendahl (2003; 2009), as cidades-santuário
possuem uma predominância do sagrado perante as outras funções
econômicas da cidade. Visando compreender e qualificar essas cidades, a
autora criou uma tipologia que caracteriza essas cidades como hierópolis.
Quais seriam essas tipologias?

193
194
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS


RELIGIOSOS

1 INTRODUÇÃO

FIGURA 15 – BASÍLICA DE NOSSA SENHORA DE LUJÁN - ARGENTINA

FONTE: O autor

A geografia, como ciência, é rica em estudos e diferentes análises acerca


da perspectiva espacial do homem na sociedade e na superfície terrestre. O
geógrafo, através de diferentes espacialidades, possui interesse nos estudos das
ações humanas, da cultura, do meio urbano, do meio rural, entre outros temas
estudados ao longo das correntes do pensamento geográfico. A geografia é plural,
e através dos estudos da geografia cultural pós-1980, pesquisas e temas antes não
abordados pelos geógrafos, como a religião, a música, a literatura, tornaram-se
inteligíveis (OLIVEIRA, 2017).

195
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

O objetivo é apresentar, para vocês, uma outra visão do espaço urbano,


visão traçada em uma busca, um resgate histórico e geográfico da formação e
gênese das primeiras cidades. Será que a religião também está inserida no
contexto? Isso se torna relevante para nossos estudos, visto que possibilita uma
interpretação totalmente diferenciada de uma lógica capitalista de produção.
Vamos continuar?

Em muitos estudos, autores destacam que o surgimento das cidades estaria


interligado a um processo de acumulação de capitais, assim como o processo de
desenvolvimento do sistema capitalista de produção. Contudo, observaremos duas
visões, a primeira, nessa perspectiva e, a segunda, através do sagrado, ou seja, o
surgimento dos primeiros grupos sociais, as primeiras comunidades interligadas
ao fogo sagrado, este como ele de ligação e pertencimento de diferentes grupos
em prol de uma divindade antes familiar e, depois, coletiva. O ser humano deixa
de viver apenas em grupos domésticos e surgem as primeiras comunidades, uma
relação múltipla com um deus ou deuses. Quanto maior for o tempo de duração
do fogo sagrado de um determinado grupo social, mais importância ele ganharia,
assim como o seu deus.

Assim, torna-se interessante, para a nossa leitura, fazermos um breve


resgate sobre o estudo da cidade, o meio urbano e seu processo de constante
transformação e mutação, os agentes que compõem e decodificam. Dessa maneira,
a partir das análises de algumas literaturas, ou seja, através de alguns autores
clássicos e relevantes ao tema, poderemos trazer uma discussão diferenciada em
relação à gênese das cidades, destacando o sagrado e sua gênese (nascimento,
local de criação, onde surgiu) na fundação de cidades.

O interessante do estudo que estamos construindo é poder observar que


a geografia, como ciência, está totalmente integrada entre os seus diferentes
campos, não estando, assim, engavetada, ou seja, dentro de gavetas. Em cada
uma delas, poderíamos buscar informações e significados. Como podemos
observar, estamos fazendo uma construção na geografia da religião, mas trazendo
a ligação entre os diferentes campos geográficos, até mesmo, para facilitar o nosso
entendimento. Assim, faremos uma abordagem na geografia urbana, para que
possamos compreender os diferentes processos e transformações das cidades,
para que o sagrado, em sua inserção como elo de construção, seja visível.

196
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

2 A CIDADE: TRANSFORMAÇÕES E PROCESSOS


O meio urbano, a cidade, seu processo de crescimento e acumulação
de bens e capitais vêm sendo estudados ao longo de décadas em diferentes
literaturas. Os estudiosos voltados para o temário do urbano na geografia vieram
perpassando seus trabalhos ao longo de um estudo urbano tradicional até os mais
específicos, como os de Capel (2002), Carlos (2009), Corrêa (1999), Santos (2006),
Singer (1990) etc.

Para auxiliar cada de vocês ao longo do processo, é preciso realizar um


breve retorno à história da formação e fundação das cidades, partindo, como
pressuposto, da análise de alguns autores, como Beaujeu-Garnier (1993), Carlos
(2009), Corrêa (1999; 2010) e Lefebvre (1976; 1999), com destaque na temática.
Assim, o que seria a cidade? A partir dos estudos analisados, observamos, ao
longo do processo de crescimento das cidades, uma especificidade histórica e os
contextos temporal, social e cultural de cada país, possuindo uma singularidade
definida.

Observamos, porém, que a cidade, em sua gênese, tinha um objetivo, que


fora sendo modificado e alterado no decorrer do desenvolvimento da sociedade
urbana, assim como a industrialização, o advento de novas tecnologias e o capital
(BEAUJEU-GARNIER, 1983; LEFEBVRE, 1976). A cidade, antes vista em uma
concepção de bem-estar social e qualidade de vida, passa a ser um modelo de
reprodução capitalista, em suas diferentes esferas. Para Carlos (2009, p. 12):

As catedrais, apesar de construídas pelo homem, pertencem a Deus;


já as cidades de hoje pertencem ao capital. Para usufruir da primeira,
é necessária a subjugação a Deus, seguir seus mandamentos. No caso
da cidade, é a subjugação do homem diante das necessidades de
reprodução do capital; o homem se vê capturado pelas necessidades
do consumo e do lazer.

De acordo com os estudos urbanos de Lefebvre (1976, p. 65), a cidade,


como criação humana, foi uma obra de excelência e que possui diferentes
características em sua construção:

La ciudad, desde los principios mismos de la era agraria, fue una


creación humana, la obra por excelencia; su papel histórico es aun
mal conocido, especialmente en Oriente, y la teoría del modo de
producción asiático nos reserva todavía alguna que otra sorpresa por
lo que se refiere a la relación entre la ciudad y el campo. En lo que
concierne al Occidente propiamente dicho, esa relación conflictiva, es
decir, dialéctica, es una de las que los historiadores menos conocen.
En lo tocante a la ciudad en sí misma, tanto la oriental, como la de la
Antigüedad, la del Mediovo etc., se han propuesto una extensa serie
de conceptos.

197
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Lynch (1999), em seus estudos sobre a cidade, traz que ela não é apenas
um objeto estudado ou percebido por milhões de pessoas com classes sociais e
características diversas, mas também como produto de muitos construtores, que,
por razões próprias, nunca deixam de vir a modificar sua estrutura. Para Lynch
(1999), a cidade se, por linhas gerais, pode ser estável por algum tempo, por
outro lado, está em constante modificação em seus detalhes. Um controle parcial
poderia ser exercido apenas em seu crescimento e forma.

Comungando com as ideias de Lefebvre (1976), podemos observar a cidade


como um objeto espacial, que ocupa um lugar e uma situação e que deve, por
conseguinte, ser estudada, deve ser analisada como objeto, através de diferentes
técnicas e métodos, sejam econômicos, políticos, demográficos ou sociais. Ocupa
um espaço específico totalmente distinto do espaço rural. Interessante, em sua
análise, como na de outros autores, os quais veremos, posteriormente, que, na
maioria dos casos, apresentam essa dissociação entre cidade e campo.

Ao longo das transformações e processos perpassados pelas cidades,


antes vista como um modelo ideal de vivência e de inovação, torna-se apenas um
novo uso de produção capitalista. Carlos (2009) traz uma análise da realidade
atual das cidades, na qual o tempo passa a ser o mediador da vida das pessoas,
assim como de seus relacionamentos com os outros, ou seja, perdem-se a o valor
e a sociabilidade, e a vida passa a ser algo coisificado, e o tempo passa a ser um
discurso capitalista de produção. Uma frase classifica muito bem essa linha de
raciocínio: Time is Money.

O sinal dá as ideias do tempo e do entendimento sobre o tempo. O


semáforo é o símbolo da cidade de hoje, do seu ritmo febricitante,
dos signos que emitem ordem. Do tempo visto como sinônimo da
pressa. De um tempo social diferencial construído por relações
produtivas. O decurso de tempo entre o “verde-amarelo-vermelho”
marca o tempo da conversa, do relacionamento com o outro. Impõe
o corre-corre, subtraindo, do tempo, a vida, no cotidiano do cidadão
da grande cidade. O tempo passa a mediar a vida das pessoas, do
seu relacionamento com o outro, uma relação coisificada, mediada
pelo dinheiro e pela necessidade de ganhá-lo. “TIMES IS MONEY”
(CARLOS, 2009, p. 18).

A cidade, em sua origem e como morada humana, tinha certo princípio


de formação, que visava ao bem-estar e qualidade de vida dos moradores.
Poderíamos até apresentar essa cidade como ideal de vida para esse morador que
vinha do campo e ia buscar, na cidade, o bem-estar, a qualidade de vida, ou seja,
o seu lugar de morada, tendo, por essa, um elo de afetividade (MELLO, 1997).
Esse processo, contudo, foi se transfigurando, devido ao processo capitalista de
produção.

198
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

Para Beaujeu-Garnier (1983, p. 14):

A cidade, fortemente aglutinada atrás de uma couraça proctetora de


muralhas, distinguia-se imediatamente da região vizinha por onde
se prolongavam, por vezes, precários arrabaldes e onde a agricultura
reinava sem divisão. Mas à medida que eram sentidos os efeitos do
progresso técnico e do crescimento demográfico, com os das mudanças
nas condições dos conflitos militares, as cidades ultrapassaram as suas
antigas muralhas.

No processo de modificações socioculturais e urbanas, Beaujeu-Garnier


(1983) apresenta que a qualidade dos transportes veio assegurar o poder de
juntar, num mesmo lugar, diferentes fatores e usos, como as matérias-primas e
a alimentação necessária a populações cada vez maiores, principalmente, com
o progresso do desenvolvimento industrial. A cidade foi crescendo em número
populacional e multiplicando-se em vários aspectos, passando a dispor de meios de
transporte coletivo e, posteriormente, individuais, cada vez mais desenvolvidos.
As cidades cresceram, alargaram-se, espraiaram-se através do campo. O processo
de industrialização em massa propiciou, para a cidade, um espaço comum e
aberto a todos. Um campo segregativo de rivalidades econômicas no qual tudo
se vende.

Comungando com as ideias de Beaujeu-Garnier (1983), Lefebvre (1976,


p. 67) afirma que, com o processo de industrialização, ocorre um processo de
generalização, ou seja:

Con la industria, se produjo la generalización del intercambio y del


comercio; las costumbres y el valor de costumbres han desaparecido
casi por completo la faceta cualitativa de las costumbres. Con
dicha generalización del intercambio, el suelo se ha convertido en
mercadería. El espacio imprescindible para la vida cotidiana, se vede
y se compra. Todo cuanto constituyó la vitalidad de la ciudad, en tanto
que obra, ha desaparecido ante la generalización del producto.

Apesar dos avanços atuais em relação às cidades, é interessante trazer


questionamentos e concepções de autores clássicos, como Lefebvre (1976), que
realiza uma conjuntura histórica da cidade, seus processos de desenvolvimento
e crescimento a partir de uma ótica de mercado. Beaujeu-Garnier (1983)
também apresenta e menciona essas relações de modernização do modo de
vida e as transformações e consequências geradas na cidade. Dessa maneira, na
academia e, ao pesquisador, torna-se, de grande interesse, compreender esses
questionamentos, para que se possa entender a linha de pensamento dos autores,
além da lógica de mercado, pois o capital é o lócus central das cidades atuais.
Com efeito, podemos confirmar tais ações abordadas através dos trabalhos de
Carlos (2009) e Corrêa (1999), este último, principalmente, ao apresentar os
agentes construtores e modeladores do espaço urbano. Para Carlos (2009, p. 18):

199
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

O ritmo da cidade, esse tempo-duração, marca, de tal modo, a vida


das pessoas que estas perdem a identificação com o lugar e com outras
pessoas. A duração é determinada por um tempo que tem a dimensão
do produzir-se social e historicamente, diferente do tempo biológico,
que é determinado pela natureza (CARLOS, 2009, p. 18).

Ainda, de acordo com os apontamentos de Carlos (2009), a vida das


pessoas se modifica com uma rapidez semelhante com a que se reproduz a cidade.
Lugares antes de convívio social, de festas, desaparecem. As brincadeiras infantis
se tornam raras, a tecnologia e o advento da informática tiraram as crianças das
ruas e as prenderam, e liberam, para as ruas, crianças desabrigadas, drogadas,
mendigas. Partes das cidades são vendidas no mercado, árvores são destruídas,
praças perdem sua sensibilidade e harmonia para dar lugar ao concreto.

O mundo dos homens é cada vez mais o mundo da mercadoria e


do que é possível comprar. A relação das pessoas – mediada pelo
dinheiro – passa pela relação das coisas “Me perdoe a pressa, é a alma
dos negócios” ou, ainda, “tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu
lugar futuro”. Essas metáforas expressam, de forma clara, o fato de que
a relação entre as pessoas na metrópole é mediada pela mercadoria,
pelo dinheiro (CARLOS, 2009, p. 19).

Agora, a indústria, por conseguinte, prende a natureza, a captura e não a


respeita, utiliza suas energias, a absorve para poder se apoderar dos seus recursos,
energia e matéria, transformando-a em valor agregado de uso e capital. Produzem-
se meios intercambiáveis e vendáveis que não se encontram na natureza.

Através dessas análises, ainda observamos que, na sociedade atual, o


homem passa a ser visto não como pessoa, mas como operário. Ele se torna apenas
uma expressão do tempo. É o tempo que dá a medida da vida e impõe um ritmo,
o do urbano. O tempo passa o todo, o homem, em consequência, não é nada
além de um operário. Ele só se distingue do outro, pela qualidade e quantidade
produzida em seus serviços e ações. Corroborando, o mundo dos homens passa
a ser o mundo das coisas (CARLOS, 2009).

Nesse ínterim, o cotidiano, que demonstra a separação entre o homem


e a natureza, demonstra o crescimento do processo de individualização, a
fragmentação dos indivíduos, as ideias e trabalhos aparecem com toda força.
A cidade passa a ser uma expressão contundente do processo de produção
da humanidade sob uma guisa de relações desencadeadas pelas formações
econômica e social.

O interessante, nessa construção, é que podemos observar algo, a


modificação do processo e transformação da sociedade e das cidades. Antes
repletas de significados, de vivência e tranquilidade, passam a ser o caos ligado à
destruição, aos conflitos gerados pelas contradições entre o processo de produção
socializado e sua apropriação privada. A cidade é, antes de tudo, um trabalho

200
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

objetivado, materializado, e que aparece através daquilo que Carlos (2009) chama
entre o construído – as casas, ruas, avenidas, estradas, e o não construído, o natural
de um lado e o movimento de outro, com relação ao deslocamento de homens e
mercadorias.

A partir do momento, chegamos a um entendimento, mesmo que breve,


das relações entre o homem e seu processo de escravização de um modelo ideal de
vida e cidade para um movimento de produção capitalista do espaço. Daremos,
agora, continuidade, apresentando um pouco da história das cidades, para que
possamos entender o processo evolutivo.

2.1 A HISTÓRIA DA CIDADE: AS VERSÕES E OS OLHARES


O geógrafo, que inicia um estudo, percebe a cidade de diversas
maneiras: por corresponder a um modo particular de ocupação do solo;
por se reunir num espaço mais ou menos vasto, mas, no entanto muito
denso; grupos de indivíduos que vivem e produzem; a cidade pode ser
dinâmica e próspera, ou degradada e quase moribunda; é o nó de fluxos
sucessivamente centrípetos ou centrífugos, de toda a natureza; em
diversos graus e sob várias formas, a cidade é o elemento fundamental
da organização do espaço (BEAUJEU-GARNIER, 1983, p. 16).

A partir da análise da citação, retomamos os estudos de Carlos (2009), no


que tange à formação da cidade. Ela a recorta em dois períodos. O primeiro deles
seria um período primitivo, com o processo evolutivo da sociedade, o advento
das práticas e ações na agricultura, a domesticação de animais, a criação de novas
tecnologias que possibilitariam um aumento da produção de matérias-primas
em, um primeiro momento, para o consumo de determinado povoado, que era
itinerante, que não tinha um lugar fixo, a princípio, mas com os avanços das
técnicas, passou-se de um lugar móvel para um de morada fixa.

Observa-se um início do princípio de surgimento de cidades. Em um


primeiro momento, o que fora produzido era para a subsistência, mas com
o advento das técnicas e modernizações agrícolas, notamos um princípio de
pequenas trocas comerciais ainda incipientes, mas que seriam de formação e
gênese para as cidades. O processo aumentou com a troca de mercadorias com
o oriente, mas, com a invasão sarracena no século VII, ocorre a inviabilização do
comércio e das trocas comerciais com o bloqueio do mar Mediterrâneo, de maneira
que as cidades entraram em processo de declínio, voltando a ter um processo de
produção agrícola inicial voltado para a subsistência (CARLOS, 2009).

Dessa maneira, observamos outra configuração para o surgimento das


cidades após o período de fechamento. Este, o feudalismo, que se diferenciava
das cidades na antiguidade, posto que estas, através do comércio, obtinham
um crescimento, enquanto no feudalismo, a produção e consumo eram
autossuficientes, sem mercados ou consumo externo.

201
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A partir do século XI, as cidades começam a renascer, o feudo, antes


autossuficiente, no início da Idade Média, torna-se uma economia monetária,
com um comércio em expansão. As cidades começaram, assim, a surgir nos
cruzamentos de estradas e nas embocaduras dos rios, locais de facilidade para
locomoção e circulação.

Além do advento de crescimento comercial e da troca, de uma economia


monetária, de uma divisão do trabalho, as cruzadas também tiveram papel de
destaque no processo de comercialização, principalmente, na busca e invasão
de terras para trocas comerciais. As indústrias, antes caseiras, tornaram-se mais
especializadas. “A produção do excedente, a possibilidade da troca e o uso do
dinheiro dão, ao artesão, as oportunidades de abandonar a agricultura e viver do
seu próprio ofício” (CARLOS, 2009, p. 64).

Ainda, para Carlos (2009, p. 65), “o ressurgimento da cidade aparece


como um elo responsável pela dissolução do modo de produção feudal e da
transição deste para o capitalismo”. Na medida em que o desenvolvimento fora
crescendo, a indústria foi se desenvolvendo mais, o avanço tecnológico da ciência
possibilitou uma especialização e uma modificação na divisão internacional do
trabalho. Assim, vamos chegar ao encontro do processo histórico da cidade vista
nos itens anteriores.

Observamos que, ao longo da história, a natureza veio a ser um meio


de subsistência e fonte de recursos para a evolução do homem, principalmente
em seu processo de formação capitalista. A natureza, na sociedade, passou de
dominadora a dominante, ou seja, ela passa a ser, conforme Meinig (2003), uma
paisagem de artefato. Observamos o fim de uma simbiose entre o homem e seu
meio. Ela passa a ser modificada e transformada segundo os seus interesses e
cultura. Claval (1999, p. 63) traz que a cultura seria:

[...] a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos


conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante
suas vidas e, em uma outra escala, pelo conjunto dos grupos. A cultura
é herança transmitida de uma geração a outra.

Acerca dessa perspectiva apresentada, observamos que o homem possui


uma transmissão de uma determinada cultura, passada de geração em geração,
a qual possibilitou a continuidade de seu processo evolutivo, assim como
destrutivo, chegando à construção de cidades e uma gama de fixos, bens de
capital que validam a concepção capitalista. Com efeito, o grande vilão e predador
da sociedade é o próprio homem, até ser dominado pelo tempo e o cotidiano
das grandes cidades, mantendo essa relação de tempo abstraído de geração em
geração em um processo evolutivo.

202
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

Para um entendimento do olhar cultural, podemos trazer, como exemplo,


a visão de Meinig (2003), trazendo sua relação com a cidade a partir de três de
suas dez versões de uma mesma cena, em nosso caso, a cidade. Para Meinig (2003,
p. 14):

a paisagem se diferencia da natureza pelo caráter unitário que imprime,


de cenário porque não nos relacionamos apenas esteticamente com
ela; de ambiente porque não trata apenas de nossa sustentabilidade
enquanto seres vivos, de região e da área porque o sentido da paisagem
é eminentemente simbólico e, dos lugares, pois estes se referem ao
indivíduo e são nomeados, enquanto a paisagem se caracteriza mais
como superfície contínua, e não como foco de atenção.

Assim, escolhemos a visão de paisagem como natureza, tendo, por base,


a análise da cidade. Nessa visão, o homem e seus trabalhos são considerados
ínfimos, ou seja, sem expressividade com relação ao trabalho da natureza e sua
obra. Observa-se um enaltecimento desta, como objeto dominante em relação ao
homem. Se a natureza é dominante, o homem é retirado de cena pelo olhar do
observador.

Dessa maneira, aqueles que observam essa natureza a observam como


uma paisagem natural. Podemos ter, como exemplo, o período nômade do
homem antes do surgimento das cidades.

Como segunda visão, podemos trazer a ideia da paisagem do homem


como habitat. A terra, antes vista como dominante, passa a ser dominada quando
o homem a doméstica e a utiliza. O homem não se adapta à natureza, mais sim a
natureza que passa a se adaptar ao homem, em um processo de simbiose.

Na medida em que o homem vai deixando de ser coletor puro e,


simplesmente, dedicando-se ao cultivo de plantas e à domesticação
de animais na chamada “revolução agrícola” (uma das etapas do
processo sociocultural), ele vai deixando de ser nômade. Quando o
homem começa a produzir, ele muda as suas relações com o meio. Ele
passa a produzir um espaço e, nesse relacionamento, ambos começam
a se modificar. Nessa evolução de relações, a sociedade cria técnicas
para o suprimento de suas necessidades de sobrevivência (CARLOS,
2009, p. 30-31).

Durante o processo evolutivo do homem e sua relação com o meio,


começamos a observar uma simbiose, que durou alguns períodos históricos
até os surgimentos das primeiras cidades. Ainda assim, como mencionamos
anteriormente, a cidade, em sua gênese, pelos autores anteriormente mencionados,
em sua formação inicial, ainda que possuindo um breve mercado, muitos se
voltavam para o próprio consumo interno, de maneira que a cidade era vista
como um meio novo, agradável, que se diferenciava do campo, um lugar de bem-
estar e morada.

203
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

O último período traz a paisagem vista como artefato. Observamos a marca


do homem presente em tudo. Ocorre o fim da simbiose, a natureza passa a ser
somente um suporte para o homem. Como consequência, há a implicação de uma
alta degradação na natureza, com a poluição, evoluções urbanas e industriais.
Desse modo, toda paisagem passa a ser um artefato, e o homem passa a ser o
criador, o conquistador da natureza, passando a modificá-la e a transformar a
terra de acordo com os seus interesses.

Em consequência desse desenvolvimento, observamos não somente


uma modificação na natureza e em sua paisagem, mas também uma percepção
diferenciada para a cidade, que cresce e se transforma, se modifica, extrapola
os limites das muralhas. Com as tecnologias, o tempo/espaço de deslocamento
ficam menores, os mercados crescem, o homem evolui, mas, ao mesmo tempo,
torna-se presa da sua própria criatura, a cidade.

Ainda, traremos, a partir de pesquisas realizadas por outros autores, a


gênese, a transformação e o crescimento das cidades, a partir de uma lógica que,
a princípio, não seria capitalista, mas sim a do sagrado, ponto alto do Tópico
2. Como seria essa relação entre o sagrado e a cidade? Será que realmente
poderíamos ratificar essas relações?

3 O SAGRADO E O URBANO: UMA INTRÍNSECA RELAÇÃO?


O meio urbano, como tema de estudos e pesquisa na geografia, é de
interesse de muitos geógrafos, principalmente aqueles interessados nas questões
urbanas e seus processos de construção e reprodução do espaço. Esses estudos,
como vimos no início do tópico, relatam que o processo de transformação das
cidades foi realizado em diferentes concepções e períodos históricos, tomando,
por base, apontamentos que ligam a evolução das cidades e do meio urbano,
através de um processo de diferenciação social, além da apropriação de excedentes
(ROSENDAHL, 2009), ou seja, a evolução do homem como reprodutor de um
espaço, um mercado de valores de troca, serviços e mercadorias.

Ao analisarmos essa correlação em um processo de transformação das


cidades e do meio urbano, fica claro que, ao longo desse período, a cidade,
antes vista como ponto de encontro e de convívio social (LEFEBREVE, 1976;
BEAUJEU-GARNIER, 1983), passa por transformações em suas bases, possuindo
uma nova perspectiva e novas lógicas, a do mercado, do capital, da construção e
reprodução de um espaço capitalista. Essas ações tornam a cidade não com sua
concepção inicial, de transcendência, de um lugar de morada, e de visão de uma
nova vida, de bem-estar e vínculo social fora do campo, mas uma cidade inserida
em um processo de modernização, industrialização, uma divisão internacional
do trabalho, interligando, principalmente, ao processo capitalista de produção e
reprodução do espaço.

204
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

Na geografia urbana, diversos são os agentes que contribuíram para os


processos de transformação, remodelação e crescimento do espaço urbano e
das cidades, os agentes modeladores do espaço. Corrêa (1999) apresenta alguns
desses agentes, como o Estado, os proprietários dos meios de produção, os
proprietários fundiários, os promotores imobiliários, os grupos sociais excluídos,
que foram analisados a partir dessa perspectiva. Tudo se apresenta na origem da
cidade, ligada aos processos de diferenciação social e apropriação de excedentes
(ROSENDAHL, 2009).

O interessante, nessas análises, é que, muitas vezes, o agente religioso


é abstraído dessas correlações. Dessa maneira, apresentaremos uma correlação
entre o sagrado e urbano, para constatar a validação e importância do agente.

E
IMPORTANT

Qual será a
importância do
homem religioso
no processo de
desenvolvimento de
uma cidade?

Conseguiram pensar de que maneira o homem


religioso pode ser capaz de ser um agente
transformador/modelador do espaço urbano
de uma cidade? Continuemos a nossa leitura e
vamos, juntos, buscar compreender essa lógica

Ao longo desta unidade, estamos fazendo várias citações de Carlos (2009),


sobre a gênese da cidade e seus inúmeros processos e transformações. A autora,
com relação, ainda, a essas relações, apresenta outra citação bem pertinente para
a nossa abordagem ao longo deste tópico, sobre as funções de cada cidade. Cada
espaço urbano pode ter uma determinada função, seja ela religiosa, industrial,
portuária, universitária etc.

205
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Com relação às cidades com funções religiosas:

Na literatura urbana da década de 60 e na quase totalidade dos livros


didáticos de hoje, a origem da cidade se vincula à existência de uma
ou mais funções urbanas. Nessa perspectiva, a origem de uma cidade
pode ser: industrial, caso do ABCD paulista (conjunto formado pelos
municípios de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema);
cultural e, aqui, temos, segundo alguns autores, a subdivisão entre a)
religiosas (caso de Jerusalém, Meca, Aparecida do Norte); b) cidades
universitárias, como Oxford ou Cambridge; c) cidades – museus como
Versalhes (França) e Veneza (na Itália); ou, ainda, as cidades cujas
origens ligam-se às atividades comerciais, administrativas ou políticas,
as capitais de estados ou país, ou as que têm origem em estações de
águas, lugares de veraneio ou sanatórios (CARLOS, 2009, p. 56).

Ainda que fosse destacada, em diversos trabalhos, a perspectiva do


urbano nas cidades, e seu processo de acumulação de capital, podemos observar,
segundo Carlos (2009) e Singer (1990), uma análise em relação às cidades que
poderiam ter uma função religiosa, mas não mencionam que o agente religioso
poderia ter sido a culminação do crescimento e desenvolvimento de cidades.
A visão holística de que toda cidade surge através de uma lógica de mercado,
que cresce, se reproduz, agrega valores e capitais, favorecendo o processo de
acumulação de capital, o desenvolvimento e a expansão do capitalismo, deve ser
ampliada. Dessa maneira, traremos a análise do sagrado como elo também de
formação de cidades, o que corrobora com o exemplo apresentado no caso da
cidade de Cachoeira Paulista.

Devemos ressaltar que, apesar do que estamos apresentando aqui,


não estamos descartando as ideias desses autores, mas trazendo luz a outras
interpretações, uma visão diferenciada em relação ao sagrado e urbano. Assim,
não estamos desconsiderando o capitalismo como um processo de crescimento
e evolução das cidades, mas ressaltando que também existe outro agente, outro
construtor, o religioso, que possibilitou o surgimento de cidades e, posteriormente,
seus processos de crescimento e acumulação de capital.

Carlos (2009) vincula a existência das cidades a, pelo menos, seis elementos.
São eles:

1) divisão do trabalho;
2) divisão da sociedade em classes;
3) acumulação tecnológica;
4) produção do excedente agrícola decorrente da evolução tecnológica;
5) um sistema de comunicação;
6) uma certa concentração espacial das atividades não agrícolas.

É possível observar seis elementos que estão vinculados à existência das


cidades. Dessa maneira, poderíamos criar outro elemento, um sétimo (7º), que
poderia se chamar elemento da função religiosa como elo de surgimento das
cidades.

206
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

4 O FOGO SAGRADO, O COLETIVO E AS PRIMEIRAS


CIDADES
Muitas cidades antigas, assim como povos nômades, antes mesmo de
existir, propriamente dito, um Deus cristão ou de outra religião, as sociedades,
nesses períodos históricos, possuíam um culto a um deus que, para eles, era
superior, um doméstico, ligado a um fogo sagrado, existente em cada família.
À medida que ocorriam casamentos, por exemplo, a noiva deixava de ser parte
integrante daquele deus doméstico familiar para ser membro de um existente na
família do noivo.

Uma curiosidade, através dessa construção, é que, quando um fogo sagrado


familiar se apagava, aquela família passava a adorar, contemplar o deus no fogo
presente na casa de uma outra família. Dessa maneira, começava o surgimento
das primeiras sociedades, além de um processo de coletividade, ou seja, nascem
as primeiras comunidades e esboços das atuais cidades (ROSENDAHL, 2009).

Os agentes reprodutores do espaço ainda são estudados e discutidos na


academia, mas a religião, como produtor e reprodutor do espaço, fora deixada,
durante um tempo, à margem, de lado. A partir dos estudos de Rosendahl (2009),
a autora traz uma visão diferenciada com autores que comungam com as ideias
de origem da cidade, a partir de uma interpretação que vê, na religião, a base
genética da cidade. Podemos destacar os estudos de Coulanges (1988), Eliade
(2008), Mumford (1998) e Tuan (1983). Esses autores, em suas obras, apresentam
elementos, funções, construções, agentes e inúmeras outras práticas humanas
que ratificam a cidade ligada a um processo ligado ao sagrado.

O francês Numa Denis Fustel de Coulanges (1830 - 1889) foi o autor da


pioneira obra de estudo sobre as cidades e de investigações sistemáticas das
instituições. Sua obra A cidade antiga; estudo sobre o culto, o direito, e as instituições
da Grécia e Roma (1864), tornou-se um clássico para diversos estudiosos que
observavam, na obra do autor, um escopo histórico, antropológico, sociológico,
de economia e de estudos jurídicos. Em seu trabalho, instituições, como a religião,
a família e a propriedade, eram utilizadas como análise, ou seja, para ele, todas
as instituições tinham sua gênese nas crenças históricas. Com relação à religião,
o principal fenômeno e objetivo de estudo teriam surgido através do culto dos
ancestrais, aquilo que apresentamos nas relações familiares ao fogo sagrado.
Dessa maneira, a gênese daquilo que hoje conhecemos como família fora criada,
construída a partir da religião (COULANGES, 1988).

207
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

FIGURA 16 – NUMA DENIS FUSTEL DE COULANGES (1830 - 1889)

FONTE: <https://www.politiquemagazine.fr/culture/fustel-de-coulanges-historien-de-la-communion/>.
Acesso em: 19 jun. 2020.

Autores como Childe (1974), Harvey (1980), Ribeiro (1979) e Sjoberg


(1960) difundem o surgimento/gênese das cidades através do sistema capitalista
de produção, diferenciação social e apropriação de excedentes.

Para compreender melhor essas relações, será que há um exemplo


brasileiro da relação entre o sagrado e as cidades? No caso brasileiro, temos os
estudos de Vasconcelos (2006). O autor traz os estudos dos agentes modeladores
das cidades brasileiras no período colonial. É interessante, esse estudo, pelo
fato de observarmos a importância da Igreja Católica e de seus devotos como
agentes religiosos de construção e imposição territorial em determinados lugares,
contribuindo, assim, para o crescimento das cidades.

O autor traz um recorte histórico do período colonial brasileiro, dando,


como exemplos, os agentes mencionados nos estudos de Corrêa (1997; 1999).

No caso da cidade colonial brasileira, considerando as transformações


ocorridas na sociedade ao longo de mais de três séculos, procura-se,
neste trabalho, elaborar uma proposta de desdobramento dos agentes
que tiveram papel importante na conformação da cidade colonial, e
que não poderiam corresponder, evidentemente, aos atuais agentes da
produção da cidade capitalista (VASCONCELOS, 2006, p. 249).

Sobre o período colonial, destacam-se os principais agentes modeladores


das cidades: a Igreja, as ordens leigas, o Estado, os agentes econômicos, a
população e os movimentos sociais. Como nossa ênfase é trabalhar com o agente
religioso, tomaremos, como norte, a presença da Igreja.

A Igreja Católica, no Brasil, possui uma trajetória histórica que se diferencia,


de acordo com as diferentes conjunturas históricas. Dessa maneira, observamos que
a Igreja, neste caso, possui importância para o crescimento das cidades. Devemos
lembrar que, no período, a Igreja ainda estava ligada à Coroa, ou seja, no período
colonial brasileiro, havia um acordo entre o Papado e a Coroa Portuguesa através do
Padroado. A Igreja tinha seu dízimo recolhido pela Coroa, e ela se tornava responsável
pela manutenção das despesas (VASCONCELOS, 2006).

208
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

Para Vasconcelos (2006), as ordens religiosas tiveram grande destaque no


processo de expansão e espraiamento das cidades coloniais no Brasil:

As ordens que se estabeleceram em primeiro lugar, como a dos


jesuítas, localizaram-se perto dos núcleos iniciais (Salvador, Rio
de Janeiro, Olinda), e as que chegaram posteriormente, foram se
instalando nas periferias imediatas das cidades, extramuros, como
no caso de Salvador (beneditinos e carmelitas). Contudo, sendo
grandes consumidores de terrenos, tanto pelo seu porte como pelas
suas atividades complementares (hortas, estábulos etc.), os conventos
tiveram um papel de ponta na expansão urbana colonial: localizados
nas periferias, nos finais dos eixos de crescimento urbano, tendiam
a atrair o crescimento das cidades em sua direção (VASCONCELOS,
2006, p. 252).

Ainda encontramos citações que corroboram com essas afirmações. Um


exemplo, novamente, é a cidade de São Paulo. Vemos que:

Em São Paulo, finalmente, o convento dos jesuítas, com o colégio, deu


origem à cidade. Os conventos dos beneditinos, das carmelitas e dos
franciscanos formavam o “triângulo” que delimitava o atual centro
de São Paulo, na elevação entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú
(VASCONCELOS, 2006, p. 253).

A citação ratifica ainda mais essas relações, confirmando o agente religioso


como elo de formação das cidades. O poder religioso era administrado tanto pela
Instituição Eclesiástica como pela gestão das Irmandades e Ordens Religiosas.

Para Vasconcelos (2006), a Igreja teve um papel importante antes e depois


da separação do poder do Estado com a Proclamação da República. O autor
menciona que a cidade do Rio de Janeiro, coberta de morros, possuía, em suas
partes altas, grande parte da concentração de estabelecimentos religiosos, dando
a importância ao sagrado como algo superior, e a cidade, abaixo dos morros.
Mesmo em cidades interioranas, como São Paulo e Ouro Preto, suas funções
religiosas, seus fixos e monumentos estavam destacados em partes mais altas da
cidade, dando ainda mais importância para a Igreja e o seu papel. Para Vasconcelos
(2006, p. 70), “no Brasil, no período colonial, podemos afirmar que seu papel foi
determinante na estruturação das cidades”.

Observamos que o sagrado impõe respeito e admiração ao lugar. Até os


dias atuais, mesmo inseridas em uma ótica de mercado, existem cidades cujas
funções estão extremamente ligadas à lógica do sagrado. Assim, Carballo (2010),
Costa (2010), Rosendahl (1994; 2002; 2003; 2008; 2009) e Santos (2006) trazem,
em seus estudos, exemplos de hierópolis ou cidades-santuário. Esses estudos
possuem uma temática relevante para a geografia cultural, contribuindo para
o desvendar das múltiplas funcionalidades urbanas, ou seja, indicando, com
clareza, a natureza simbólica, sagrada, uma construção da realidade pelo homem
(ROSENDAHL, 2009).

209
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Por hierópolis, entendem-se aqueles lugares considerados sagrados


por uma dada população local, regional ou nacional. As hierópolis
constituem lugares de peregrinação de diferentes religiões
(ROSENDAHL, 2009, p. 9).

5 O SAGRADO E O URBANO: GÊNESE E FUNÇÃO DAS


CIDADES
Com relação à origem das cidades, vem, à cabeça, aquilo que veio sendo
discutido ao longo dos tópicos anteriores, mas, até o momento, conseguimos
trazer a ideia da cidade ligada também a um agente, o religioso, que propiciou
seu crescimento, além de mudanças na estrutura. Para Vasconcelos (2006), o tema
acerca do agente religioso nos estudos urbanos ainda é pouco difundido ou,
muitas vezes, nem estudado.

Rosendahl (2009) menciona que é possível reconhecer, no sagrado,


um elemento de produção do espaço. Lewandowski (1984) e alguns autores
sustentam ao dizer que as construções são moldadas pelas ideias da sociedade, ou
seja, “suas formas de organização econômica e social, a distribuição de recursos e
autoridade, suas atividades, crenças e valores prevalecentes em qualquer período
de tempo” (ROSENDAHL, 2009, p. 15).

Ao relacionarmos o sagrado e o urbano, estamos colocando, em nossa


análise, o tempo como um elemento da conexão entre a cidade e a religião. Dessa
maneira, a presença do santuário, ocupando um lugar central nos primeiros
núcleos, é reconhecida pelas duas vertentes anteriormente citadas com relação ao
surgimento das cidades.

Com essa perspectiva, percebemos, assim, o surgimento de um deus,


não mais doméstico, mas uma divindade superior que, ao passar a ser comum
a todos, asseguraria todo o grupo. Coulanges (1988) menciona que, com o
desenvolvimento da religião, a sociedade humana veio a se engrandecer.

Rosendahl (2009, p. 18) comunga com a perspectiva da cidade, ligada a uma


divindade, quando menciona que, antes das principais invenções e instituições
neolíticas criadas, “o sagrado estava visivelmente presente nos santuários.
Anteriormente, não encontramos o mercado ou a fortaleza, mas a ideia da criação
sobrenatural do mundo”. Ainda, para Rosendahl (2009, p. 18-19):

Os rituais religiosos do paleolítico não se apagaram com a ascensão da


cidade, pelo contrário, o sagrado permaneceu e aplicou a sua eficácia
e alcance. O que efetivamente foi verificado, com o surgimento das
cidades, foi a concentração de diversas funções até ali dispersas e
desorganizadas dentro de uma área limitada. Essa concentração,
realizada no interior de muralhas, já continha partes da protocidade:
santuário, fonte, aldeia, mercado e fortificação. A cidade se revelou

210
TÓPICO 2 — O SAGRADO E A CIDADE: OLHARES SIMBÓLICOS RELIGIOSOS

não simplesmente como um meio de expressar, em termos concretos,


a ampliação do poder sagrado e secular, mas um meio de expressão
ampliado de todas as dimensões da vida.

Dessa maneira, para fazer uma interpretação da origem das cidades, é


preciso tratar, igualmente, da técnica, da política e da religião, principalmente
do aspecto religioso da transformação. A partir dos estudos de Mumford (1998)
e Tuan (1983), fica clara a importância do sagrado como elo de fundação das
cidades, posto que documentos encontrados e monumentos salientam afirmações.
As inscrições e documentos, encontrados entre as ruínas, eram mais de natureza
religiosa.

Essas questões nos fazem pensar na ideia da cidade erguida pela vontade
de deus e o sacerdote-rei que a dominava, possuindo um simbolismo de poder
e dominação, um ser semidivino, um elo de mediar o homem e o ser superior,
fazendo essa conexão entre o céu e a terra.

A complexidade funcional das cidades do mundo moderno tem, na


grande divisão territorial do trabalho, a sua maior expressão. Há, de
um lado, cidades centrais, de distribuição de produtos industrializados
e prestação de serviços, cidades hierarquizadas entre si e, de outro,
cidades especializadas, como as cidades-portuárias, cidades-
industriais, cidades-administrativas, cidades de recreação, cidades
universitárias e cidades religiosas. Nas primeiras, as atividades básicas
são múltiplas, enquanto, nas segundas, são específicas, possuindo um
padrão de localização próprio (ROSENDAHL, 2009, p. 26).

A cidade, em sua especialidade, possui diversas ou uma determinada


função predominante. Nas especialidades religiosas, encontramos uma ordem
espiritual predominante, sendo marcadas pela prática religiosa da peregrinação
ao lugar sagrado.

As cidades possuem determinadas características que as qualificam como


função religiosa predominante, pelo simbolismo religioso que elas possuem
e pelo caráter sagrado que o espaço atribui. Temos as hierópolis ou cidades-
santuário (lembrando de Cachoeira Paulista e Aparecida). Suas funções, em
grande parte, obedecem à lógica do sagrado. São exemplos de cidades: Jerusalém,
Meca, Lourdes, Fátima, Luján etc. São centros de convergência de peregrinos ou
romeiros que, com suas práticas e vivências do sagrado, materializam, no espaço,
uma peculiar organização funcional (ROSENDAHL, 1994).

211
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

DICAS

Texto de Zeny Rosendahl: O Sagrado e o Urbano: Gênese e Função das Cidades.

A geógrafa realiza um resgate sobre os diferentes processos de origens das cidades,


em especial, a partir da religião. O texto vai de encontro com aquilo que trabalhamos ao
longo desta unidade.

Faça uma leitura do texto e realize um fichamento, fazendo anotações e


separando os principais pontos do texto que, durante a sua leitura, demonstraram-se mais
importantes. Acesse: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/
view/6135/4419.

212
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A gênese e as diferentes funções que as cidades foram possuindo ao longo


da sua trajetória histórica ocorreram através do processo de acumulação de
capitais e com o desenvolvimento do capitalismo. Os estudos de Lefebvre
(1976; 1999), Singer (1990), Beaujeu-Garnier (1983), Corrêa (1999; 2010), Capel
(2002), Santos (2006), Carlos (2009) etc. foram fundamentais para a construção
do pensamento.

• A cidade, em sua gênese, possuía um objetivo inicial, que veio sendo modificado
e alterado no decorrer do desenvolvimento da sociedade urbana. Isso ocorreu
através dos processos de industrialização, o advento de novas tecnologias e o
capital (BEAUJEU-GARNIER, 1983; LEFEBVRE, 1976). A cidade, antes vista
em uma concepção de bem-estar social e qualidade de vida, passa a ser um
modelo de reprodução capitalista, em suas diferentes esferas.

• A partir das transformações socioeconômicas que as cidades vieram


perpassando ao longo da história, observamos que o tempo passou a ser o
mediador da vida das pessoas, assim como dos seus relacionamentos com
os outros, ou seja, perdem-se o valor e a sociabilidade, e a vida passa a ser
algo coisificado. O tempo passa a ser um discurso capitalista de produção.
Não é à toa que, hoje em dia, achamos que o tempo não é o mesmo da nossa
infância, atualmente, a vida parece cada vez mais corrida e, de certa maneira,
ela está, mas tudo isso é reflexo dos diferentes processos do sistema capitalista
de produção – neoliberalismo, globalização, capitalismo artístico e estético.
Estamos inseridos em uma constante redoma de mudanças e novas ações
relacionadas ao capital.

• O homem passa a ser visto não como pessoa, mas como operário. Ele se torna
apenas uma expressão do tempo. É o tempo que dá a medida da vida e impõe
um ritmo, o urbano. O tempo passa o todo, o homem, em consequência, não
é nada além de um operário. Ele só se distingue do outro pela qualidade e
quantidade produzida em seus serviços e ações – o mundo dos homens passa
a ser o mundo das coisas (CARLOS, 2009).

• No processo de gênese das cidades, através do processo de acumulação de


materiais e excedentes, em um primeiro momento, o que fora produzido era
para a subsistência, mas com o advento das técnicas e modernizações agrícolas,
notamos um princípio de pequenas trocas comerciais ainda incipientes, mas
que seriam de formação inicial para o surgimento das cidades (CARLOS, 2009).

213
• Na geografia urbana, diversos são os agentes que contribuíram para os
processos de transformação, remodelação e crescimento do espaço urbano e
das cidades: os agentes modeladores do espaço. Alguns desses agentes são: o
Estado, os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários, os grupos sociais excluídos, analisados a partir dessa
perspectiva (CORRÊA, 1999).

• Na perspectiva atribuída à gênese das cidades, através da ótica do sagrado,


apresentamos que essas relações tiveram início com os povos nômades, as
primeiras civilizações que possuem culto ao fogo sagrado, o culto aos mortos.
Mesmo antes de existir, propriamente dito, um Deus cristão ou de outra
religião, as sociedades, nesses períodos históricos, possuíam seus cultos e suas
características culturais.

• O fogo sagrado estaria ligado ao culto de um deus doméstico, existente em cada


família. Na medida em que o fogo sagrado familiar se apagava, aquela família
passava a adorar, contemplar o deus no fogo presente na casa de uma outra
família. Dessa maneira, começava o surgimento das primeiras sociedades, além
de um processo de coletividade, ou seja, nasceram as primeiras comunidades e
esboços das atuais cidades (ROSENDAHL, 2009).

• Nos estudos urbanos da geografia, os agentes reprodutores do espaço ainda


são estudados e discutidos na academia, mas a religião, como um produtor e
reprodutor do espaço, fora deixada, durante um tempo, à margem.

• A partir dos estudos de Rosendahl (2009), passamos a observar uma visão


diferenciada sobre a gênese das cidades, com autores que comungam com
as ideias de origem, através de uma interpretação que vê, na religião, a base
genética da cidade. São Coulanges (1988), Eliade (2008), Mumford (1998) e
Tuan (1983). Esses autores, em suas obras, apresentam elementos, funções,
construções, agentes e inúmeras outras práticas humanas que ratificam a ideia
de cidade ligada ao sagrado.

• Rosendahl (2009) menciona que é possível reconhecer, no sagrado, um elemento


de produção do espaço. Ao relacionarmos o sagrado e o urbano, estamos
colocando, em nossa análise, o tempo como um elemento da conexão entre
a cidade e a religião. Dessa maneira, a presença do santuário, ocupando um
lugar central nos primeiros núcleos de povoamentos, é reconhecida pelas duas
vertentes anteriormente citadas. Anteriormente, não encontramos o mercado
ou a fortaleza, mas a ideia da criação sobrenatural do mundo.

• A Igreja e seus agentes religiosos, em especial, a Igreja Católica Apostólica


Romana, como exemplo brasileiro, foram vitais para o crescimento e manutenção
das cidades, cujos santuários, igrejas e templos estavam localizados nas áreas
centrais dessas cidades.

214
AUTOATIVIDADE

1 Ao longo desta unidade, trazemos várias citações de Carlos (2009), sobre


a gênese da cidade e seus inúmeros processos e transformações. A autora,
com relação a essas relações, apresenta que as cidades possuem, em suas
especificidades e construções diferentes, funções que as caracterizam.
Quais seriam?

2 O francês Numa Denis Fustel de Coulanges (1830 - 1889) foi o autor da


pioneira obra de estudo das cidades e de investigações sistemáticas das
instituições. Sua principal obra apresentava importantes contribuições e
perspectivas daquilo que caracterizava, por exemplo, a gênese das cidades.
Para o autor, de que maneira as religiões teriam surgido?

3 Durante a leitura do texto, fica clara a divisão em duas versões com relação
à gênese e à origem das cidades. Se pararmos para analisar, ambas as
construções podem ser articuladas entre si, elas não são indissociáveis, e
apresentam diferentes perspectivas durante os processos. Rosendahl (2009)
apresenta as diferenças de cada uma dessas visões e suas características.
Quais seriam essas visões, seus principais autores e linhas de pensamento?

4 Cidades, como Aparecida, Cachoeira Paulista, Fátima e Lourdes, estariam


interligadas a uma ótica de produção capitalista de produção ou apenas a
uma função religiosa? O sagrado sempre foi o elo principal dessas cidades
através de uma hierofania ou um ritual de construção?

215
216
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E


HIPERMODERNIDADE

1 INTRODUÇÃO
FIGURA 17 – DIFUSÃO MIDIÁTICA DA FÉ

FONTE: O autor

A religião se adapta diante das práticas sociais. A Igreja Católica Apostólica


Romana, conservadora da nova realidade de comunicação, e com a perda de fiéis
em suas igrejas, passou a compreender que o domínio poderoso da comunicação
religiosa deve ser de extrema relevância e oportuno para manutenção do poder
da gestão religiosa no mundo.

As mudanças, que serão aqui apresentadas, possuem características que


se configuram naquilo que muitas literaturas, em especial, a francesa, apresentam
como hipermodernidade. Já ouviram falar desse termo? Os termos mais conhecidos
seriam a modernidade, a pós-modernidade e, agora, a hipermodernidade. A

217
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

última, em especial, vem se caracterizando como presença constante em nossa


sociedade, vide que as novas demandas e conjunturas socioculturais que estamos
perpassando não são mais correspondidas e decodificadas pela pós-modernidade.

O termo hipermodernidade foi criado a partir dos pensamentos do


filósofo francês Gilles Lipovetsky, professor da Universidade de Grenoble, na
França. Sua principal característica é o prefixo “hiper” que, acompanhado do
termo modernidade – hiper+modernidade, traduz uma exacerbação de valores, uma
cultura do excesso e uma abundância de produções que gera, por consequência, o
consumo (LIPOVETSKY; SERROY, 2011).

Um dos marcos dessa nova realidade contemporânea é a ampliação do uso


das tecnologias, além da ampliação das nanotecnologias e robótica, a inteligência
artificial e a internet das coisas. Podemos, ainda, acrescentar a crescente prática
do individualismo, a busca pelo self, a estética, a ótica do mercado em progressão
geométrica, os hipershows, hipereventos e outras ações que caracterizam,
segundo o autor, aquilo que seria hoje uma das marcas altas do capitalismo, o
capitalismo estético (LIPOVETSKY; SERROY, 2015).

Inseridos no contexto estético da sociedade hipermoderna, outros


autores também comungam com esses estudos e ideias, permitindo uma melhor
compreensão dessa teoria e seu estudo. Bauman (2003; 2007; 2008) destaca,
em seus estudos, essas novas práticas a partir dos estudos sobre modernidade
líquida, cultura líquida, cultura do consumo, consumo de massa e sociedade
individualizada. Segundo o autor, o mundo contemporâneo é marcado por uma
sociedade líquida, cujos laços e posições sociais são fluidos e incertos, gerando
uma busca das práticas religiosas, procura por referências extraterrestres.

Ainda nesse campo, podemos destacar que o avançar desse encadeamento


social hodierno está também nas relações que se intensificam cada vez mais,
abraçadas pelos processos ligados ao avanço das redes de comunicação, em uma
sociedade em redes (CASTELLS, 1999).

O Ciberespaço, o Mass Media, as Online Communities, os meios de comunicação


(TV, rádio, internet), sistemas operacionais móbile, como o Android, da Google, e
iOS, da Apple, e as mídias/redes sociais no ciberespaço, como Facebook, Snapchat,
YouTube, Twitter, Tumblr, Google+, Instagram, Flick, WhatsApp, são novas estratégias
que possibilitam, à Igreja, ter ação de poder, domínio e controle dos fiéis.

A difusão da fé, através dos meios de comunicação, em suas diferentes


esferas e escalas de uso, possibilita, ao devoto, uma aproximação com o divino.
Um comportamento de mudança na tradicionalidade da Igreja. Antes, o ritual
com o divino só poderia ocorrer dentro das Igrejas, dos Templos. A mudança
ocorre no rito da difusão por contato, atualmente, no período pós-moderno ou
hipermoderno.

218
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

A prática devocional da difusão por contato ocorre também fora da Igreja


ou do Templo Religioso, a apropriação da forma midiática, porém, com a mesma
função devocional. As novas dinâmicas interligadas pelo ciberespaço favorecem,
ao devoto/homem religioso, sua participação na missa, no culto, nos encontros
de oração, na reza do terço, na leitura da Bíblia e no evangelho do dia. Ainda,
participação em shows, em palestras e em inúmeras outros rituais religiosos sem
sair de sua casa. A TV, a internet ou o celular permite a vivência religiosa no
tempo e no espaço.

A dualidade espaço e tempo religioso se insere, até mesmo, nos tipos de


peregrinações (OLIVEIRA, 2011; 2015) e, ao mesmo tempo, no novo. Apresenta
a estratégia da Igreja em apresentar, à sociedade, a sua busca tradicional,
permanecendo o conservadorismo na Igreja (CARRANZA; MARIZ, 2009). Nesse
sentido, ressaltamos que, apesar de existirem novas frentes de evangelização,
o católico praticante continua participando dessas práticas dentro da Igreja. O
contato físico no lugar – Igreja.

A relação do homem com a divindade se apresenta variada em múltiplas


religiões. A subjetividade, na identidade religiosa, faz parte do diálogo. “Por que
as religiões são diferentes?”, perguntam-se as pessoas, e a resposta é “porque
as experiências individuais são diferentes. Quando se reúnem em torno de um
denominador comum, configura-se uma religião” (SKORKA; BERGOGLIO,
2013, p. 27).

A difusão da fé on-line e os diferentes tipos de expansão da devoção em


fluxo de mensagem na mídia permitem atingir inúmeros devotos. Assim, há um
fluxo de informações da mensagem religiosa por diferentes meios, diferentes
novos usos da informática. A Igreja Católica Apostólica Romana, através das
diferentes frentes de difusão da fé, como as comunidades de vida e aliança
ligadas ao movimento de Renovação Carismática Católica, apropria-se das
novas tecnologias e das mídias para comunicação da boa nova. Trata-se de uma
estratégia de divulgação das ideias, a de cunho religioso tem sucesso, como os
canais e páginas católicas no Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, Flick etc.

Consideramos que o homem religioso, na hipermodernidade, não apenas


possui suas características e práticas tradicionais do viver e sentir o sagrado,
mas também apresenta novas práticas de vivência da fé a partir dos meios de
comunicação e o ciberespaço, ou seja, uma prática religiosa virtual, imaginária e
simbólica. “O homem religioso é aquele que foi tocado pela potência sagrada.
Ele pode orar, oferecer sacrifícios, realizar atos religiosamente motivados, uma
vez que foi atingido pela manifestação do Sagrado”. Esse sagrado transforma
seu ser e sua existência, tornando-o seu interlocutor e solicitando sua resposta.
É constituído como sujeito de uma experiência, enquanto é o “objeto” da ação
divina (GRECO, 2009, p. 87-88).

219
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

A partir dessa dinâmica, o homem religioso participa de missas, cultos,


shows e eventos que são transmitidos através de redes de televisões religiosas, a
partir da internet e de aplicativos em smartphones. Atualmente, o uso das lives em
aplicativos, como Instagram, Facebook e YouTube, ganhou força entre os religiosos,
em especial, no período da pandemia (COVID-19) vivenciado pela sociedade no
início de 2020.

O tempo religioso entre o homo religiosus e o sagrado pode vir a ocorrer


também através de capelas virtuais, velas virtuais, aplicativos para leitura da
Bíblia, evangelho do dia, salmos, aplicativos para assistir programações religiosas.
O pensamento de Bauman (2008), as ideias de Lipovetsky e Charles (2004) e as
análises de Goffman (1989) se completam na nossa reflexão investigativa. A
sociedade pode estar inserida na hipermodernidade através da busca pelo self e o
individualismo, mas também está interligada na modernidade líquida. As perdas
de valores e a necessidade de se expor no grupo ganham destaque na sociedade.

Ainda, há a relação da cultura líquida em uma sociedade de valores duos.


Aquilo que, antes, era privado, no self do individualismo, torna-se coletivo no
ambiente virtual, como frente de exposição. Bauman (2008, p. 9) revela que “os
adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis são apenas
aprendizes, treinando e treinados na arte de viver numa sociedade confessional”,
ou seja, “uma sociedade notória, por eliminar a fronteira que antes separava
o privado e o público, por transformar o ato de expor publicamente o privado
numa virtude e num dever público”.

A definição de Lévy (1999) sobre ciberespaço e cibercultura é de extrema


relevância para nossa compreensão, principalmente, quando buscamos um
entendimento das relações existentes entre um espaço geográfico físico, concreto,
para estudarmos um espaço geográfico virtual, ou seja, um novo mundo ligado a
partir de redes de informação, a internet.

Essa perspectiva entraria no contexto da dimensão de análise, na Dimensão


da Política da Fé, em que podemos destacar a difusão e abrangência da fé através
da internet e tecnologias da informação; a cibercultura; a ciberteologia; religião
virtual; mídias sociais/redes sociais; smartphones e tablets. Tudo isso está de
acordo com aquilo que apresentamos em nosso primeiro tópico, lembram? As
relações entre as categorias de análise, sagrado/profano, a partir das dimensões
das análises política, econômica e a do lugar.

O interessante, nessa perspectiva, é trazer, para o estudo geográfico, essas


relações sociais plurais. Encontram-se em larga expansão, num universo paralelo,
que é individual, mas, ao mesmo tempo, coletivo, a partir das mídias e redes
sociais. Assim, podemos buscar verificar que, a partir de um universo paralelo ou
digital, que concentra 3,773 bilhões de pessoas no mundo (WEARESOCIAL, 2017),
estar inserido nessas redes de informações e no ciberespaço para manutenção e
difusão de um domínio religioso é extremamente necessário e importante.

220
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

O exposto a seguir evidencia alguns dados importantes sobre o mundo


hiperconectado através das redes de informações e internet. É possível perceber
um pouco mais da metade da população mundial que tem acesso à internet.
Desse total, quase três bilhões de pessoas possuem acesso às mídias sociais e dois
bilhões e meio são usuários ativos nas mídias e redes sociais.

FIGURA 18 – MUNDO HIPERCONECTADO

FONTE: <https://wearesocial.com/special-reports/digital-in-2017-global-overview>.
Acesso em: 15 out. 2017.

2 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE RELIGIOSA ON-LINE:


NOVAS ESTRATÉGIAS DE DIFUSÃO A PARTIR DAS MÍDIAS
Ao pensarmos no quadro atual religioso no Brasil, podemos destacar a
efervescência de um pluralismo religioso. Os avanços da sociedade no século
XXI possibilitaram, ao homem, conhecer novas formas de proximidade com o
sagrado, a partir de diferentes práticas religiosas e ações, desde a busca no lugar
sagrado a uma experiência a partir do ciberespaço e meios de comunicação.
Essas mudanças, a partir de uma sociedade hipermoderna, trazem, também, a

221
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

proliferação de diversas doutrinas, seitas religiosas e, até mesmo, pseudorreligiões


(ELIADE, 2008), estas que buscam, a partir da nova conjuntura, criar territórios
religiosos para exercer a sua territorialidade religiosa, permitindo, ainda mais, a
diversidade religiosa no Brasil.

A religião católica ainda é considerada a principal religião do Brasil,


representando em torno de 64,6% dos brasileiros, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2010). No censo realizado no ano 2000,
pelo mesmo Instituto, o número de católicos representava 73,6% da população
brasileira.

Em um país que apresenta determinada religião dominante, como


a religião católica, no país, é muito comum que, com o tempo, essa religião
majoritária apresente uma diminuição de fiéis, pela perda de fiéis para outras
doutrinas religiosas.

Ao observarmos essas mudanças, torna-se necessário, para a religião


majoritária, criar estratégias de difusão e manutenção dos seus territórios tanto
em escala física quanto na escala do ciberespaço, além do uso dos meios de
comunicação, para sua continuidade no poder.

Quando pensamos em território religioso e territorialidade religiosa da


Igreja Católica, destacamos Rosendahl (2012). A geógrafa destaca as diferentes
estratégias espaciais de manutenção e difusão da fé católica no Brasil em diferentes
períodos históricos.

FIGURA 19 – PRIMEIRO A OBRIGAÇÃO, DEPOIS A DEVOÇÃO

FONTE: O autor

222
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

Para poder realizar a gestão dos seus territórios, a Igreja Católica criou,
a partir de uma territorialidade religiosa, ações para o controle. Com relação
à territorialidade, devemos destacar que se trata de uma ação realizada de
maneira individual ou em grupo. É preciso realizar uma influência ou controle
de pessoas, fenômenos e relações, possibilitando, dessa maneira, o controle sobre
uma determinada área (SACK, 1986). Segundo Rosendahl (2002; 2003; 2012;
2018), interpretar o fenômeno religioso, no contexto em questão, é de extrema
importância para inquirir a estratégia geográfica de controle de pessoas e coisas
em territórios onde a religião se estrutura enquanto instituição.

Desse modo, a territorialidade, em um contexto religioso, ou seja,


uma territorialidade religiosa, a partir do viés geográfico, seria um conjunto
de práticas que uma determinada instituição, grupo social religioso ou leigo
desenvolve com o objetivo de controlar um dado território religioso. No
território, o sagrado e seu efeito de poder transmitem uma identidade de fé em
um sentimento de propriedade mútuo (ROSENDAHL, 2001). Se trouxermos a
interpretação da territorialidade religiosa para a abordagem da geografia cultural
pós-1980, teremos, em seu significado, um conjunto de práticas desenvolvidas
por instituições ou grupos religiosos. É preciso manter, controlar pessoas ou
objetos em um território religioso, legitimando determinada fé (ROSENDAHL,
2005; 2008).

Rosendahl (2012) destaca as ações realizadas pela Igreja Católica desde


1500 até o ano de 2005, ou seja, 505 anos de estudos sobre a gestão e criações
de territórios religiosos, que são controlados a partir de uma territorialidade
religiosa. Apesar de exercer, de maneira qualificada, a gestão dos seus territórios,
a instituição católica existe há mais de 2000 mil anos. Assim, novas estratégias
para o controle da organização espacial deveriam ser criadas, possibilitando a
continuidade das suas relações de poder nos territórios.

Conforme Rosendahl (2012), a paróquia, como território religioso, possui


um papel estratégico dentro da Igreja Católica, visto que representa, para o
homem religioso, um território religioso próximo. As ações da Diocese e o
Vaticano atingem o devoto, um lugar simbólico, um elo entre ele e a divindade.
No caso, observamos uma forte identidade religiosa no lugar. A paróquia é tida
como um território religioso principal da vida das comunidades locais. Ela, como
território, torna-se reconhecida, visto que nela ocorre o controle da liturgia diária,
estando, assim, na escala da convivência humana.

A Igreja Católica, em toda sua construção hierárquica, mantém, até os


dias atuais, seus territórios religiosos a partir de ações e práticas desenvolvidas.
É preciso controlar pessoas e objetos, legitimando e mantendo sua existência
através da territorialidade religiosa. A hierarquia territorial da Igreja Católica
é construída a partir de redes, constituída, inicialmente, a partir do Vaticano,
onde o Papa comanda todas as unidades territoriais, os arcebispos sobre as
arquidioceses, os bispos sobre as dioceses, e os sacerdotes com jurisdição em suas
paróquias (ROSENDAHL, 2012).

223
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Agora, não apenas os territórios religiosos controlados por um


profissional religioso em seus três níveis hierárquicos (ROSENDAHL, 2012) se
tornam necessários para a continuidade institucional, como temos uma escala
decrescente de importância hierárquica político-administrativa na Igreja Católica,
como o Vaticano, Dioceses e Paróquias. Também se torna necessária a expansão
das suas fronteiras territoriais para outros territórios, como o ciberespaço e os
meios de comunicação.

Os territórios oriundos através do ciberespaço, como sites, blogs,


Facebook, jogos, aplicativos para smartphones, canais no YouTube, e dos meios
de comunicação, como redes de TV católicas e rádios, são vitais para o auxílio
da continuidade da Igreja. A partir do Concílio Vaticano II, o surgimento do
Movimento da Renovação Carismática Católica - RCC está propiciando um
recrudescimento religioso, por ser tratar de um movimento que consegue ter
acesso mais aberto com os jovens, além de fomentar uma renovação e fornecer
a criação de novas estratégias para difusão da fé católica, diminuindo, assim, a
perda de fiéis (OLIVEIRA, 2015).

No contexto pós-moderno, em especial, a partir da hipermodernidade, na


qual temos o contexto da difusão da fé através das mídias e do mercado, podemos
destacar o pensamento de Silveira (2014, p. 221):

Desencaixadas de seu lócus de origem e circulando por meio do


consumo de bens simbólicos-materiais, as representações imagísticas
são catapultadas pelas mídias de massa e eletrônicas, em um
processo de convergência com novas plataformas físicas (celulares,
ipads, iphones), potencializando o circuito do consumo e afetando
fortemente a maneira como se concebe o religioso, além da experiência
do sagrado e das religiões.

Ainda, segundo Silveira (2014, p. 221), “é, na hipermodernidade, entendida


como aceleração da modernidade capitalista em suas dinâmicas e contradições
internas, que a religião interage com o consumo e o espetáculo, dilacerada entre
a autonomia e a heteronomia, o endurecimento e a liquefação, as reiterações e as
invenções”. Essa afirmação demonstra a liquidez do fenômeno religioso no atual
período.

A partir da hipermodernidade, com o avanço das tecnologias e de novas


maneiras de ver e sentir o sagrado, a territorialidade católica alcançou novos
patamares a partir da difusão das mídias, englobando, aqui TV, rádio e internet.
A paróquia, como principal lugar de contato e vivência da fé católica, passou a
dar lugar para experiências fora de suas fronteiras físicas, ou seja, ocorre uma
expansão do polo hierofânico.

O destaque para essas transformações ocorre através das mídias ,


programas de rádio, como o do Padre Marcelo Rossi, permitindo, ao devoto,
transcender para um espaço sagrado imaginalis, um espaço de encontro com o
sagrado (ROSENDAHL, 2002).

224
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

3 TV, RÁDIO E INTERNET: O PODER DAS MÍDIAS NA


DIFUSÃO DA FÉ
Segundo o cientista da religião e comunicólogo Jorge Miklos (2012),
as religiões passaram a utilizar as mídias com uma justificativa oficial de
conversão. Atualmente, observamos uma variedade de programações de rádios
e, especialmente, na TV, focada em doutrinas religiosas católicas ou cristãs de
cunhos protestante pentecostal e neopentecostal através de jornais, revistas, sites
especializados em conteúdos voltados para o público gospel.

Verificamos, a partir dessas ações, uma teia de inter-relações e a


construção de um mercado consumidor em elevada expansão, que possui um
púbico que consome aquilo que é produzido. Para Miklos (2012, p. 20), os meios
de comunicação e a religião estão interligados, possuindo, assim, “uma relação de
interdependência. Passam a formar um conglomerado complexo, uno e diverso”,
ou seja, um canal, “um caminho de difusão de bens simbólicos, especificamente
dos emblemas religiosos que pautam a visão de mundo proposta pela religião,
esta que utiliza meios eletrônicos” (MIKLOS, 2012, p. 29).

Com relação à Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, a preocupação


maior seria em manter a sua hegemonia à frente de outras doutrinas religiosas.
Com as mudanças sociais e culturais na sociedade ocorridas a partir do fim
do século XX e início do século XXI com uma ampliação na difusão dos meios
eletrônicos, a evangelização, que ocorria, especialmente, de maneira tradicional,
através de missas presenciais, passa a ter um novo alcance e abrangência a partir
das massas consumidoras cristãs ou não (MIKLOS, 2012).

Sbardelotto (2012) faz alusão à palavra bit que, da informática, significa


dígito binário, a menor unidade de informação que pode ser armazenada ou
transmitida para retratar as novas relações entre o homem religioso e o sagrado
no período pós-moderno. Se, antes, o verbo físico e concreto era a palavra de
Deus, atualmente, um novo verbo surgiu, ou seja, Deus é disponibilizado na rede
e, a partir desta, o homem religioso pode ter acesso a diferentes interações com o
sagrado em uma ambiência religiosa e digital.

Hoje, por meio das mídias digitais, especialmente da internet,


manifesta-se a configuração de um “novo verbo”, de um novo
tipo de relação fiel-sagrado. Em uma “sociedade da comunicação
generalizada”, especialmente a partir do surgimento das mídias
digitais, percebemos que a internet passa a ser, também, um
ambiente para as práticas religiosas, que caracterizam um fenômeno
de midiatização das sociedades contemporâneas (SBARDELOTTO,
2012, p. 23).

A mídia, no contexto hipermoderno, possui uma grande importância de


inteligibilidade para compreensão das novas relações sociais. Comungando com
as ideias de Puntel (2012, p. 63), a mídia “é um sistema complexo que envolve não
mais simplesmente os meios, mas o sujeito, os meios (artefatos), as organizações
de mídia com as suas várias combinações e articulações: publicidade, marketing

225
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

etc.”. Dessa maneira, continua, a autora, ao relacionar mídia como um sistema


complexo. É nele que o homem contemporâneo se move, se articula, se alimenta,
produz, consome e satisfaz seus desejos, através da variedade e diversidade
das ofertas sempre em crescente inovação. Silverstone (2002, p. 9) frisa que não
podemos escapar da mídia, pois “ela está presente em todos os aspectos da nossa
vida cotidiana”.

Como exemplo, no caso do Brasil, mais de 80% da população nacional


está ativa na internet e possui, pelo menos, uma conta de acesso em alguma rede
social. Além do Facebook, outras redes sociais e aplicativos se destacam, como o
WhatsApp, aplicativo de mensagens, áudio e vídeo com mais de 1 bilhão e 200
milhões de usuários. Ainda, há o YouTube, uma rede de vídeos com mais de 1
bilhão e 500 milhões de usuários, além do Instagram, rede social de fotos com
mais de 700 milhões de usuários (STATISTA, 2017). Todos esses dados ratificam a
importância do ciberespaço na análise da religião e sua prática virtual.

Esses espaços virtuais, inseridos no ciberespaço, são um campo de luta,


no caso brasileiro, de igrejas cristãs e outras doutrinas religiosas em busca do
território virtual. Ter um território virtual no Facebook, um canal no YouTube ou um
perfil social no Instagram ou Twitter é, hoje, ferramenta de difusão dos conteúdos
religiosos e da palavra de Deus. Os territórios virtuais, em sua maioria, são
geridos pelas próprias instituições que realizam um processo de territorialidade
virtual nesses espaços e/ou lugares virtuais. São defendidos, difundidos e
compartilhados pelos seus devotos.

Tal defesa vem com o Papa João Paulo II durante o 36° Dia Mundial das
Comunicações Sociais, no ano de 2002, que frisou a importância da internet para
a Igreja. Segundo ele, a internet se constitui como um novo foro, uma nova frente
de evangelização. Ele ressalta, ainda, que a internet pode vir a ser usada tanto
em aspectos benéficos, como também na ação de expor os piores aspectos da
natureza humana. Para ele, o espaço cibernético é, por assim dizer, uma nova
fronteira que se abre no início do novo milênio, e ainda continua, ao enfatizar
que, para a Igreja, o novo mundo do espaço cibernético é uma exortação à grande
aventura do uso do seu potencial, proclamando a mensagem evangélica (PAPA
JOÃO PAULO II, 2002).

Considerado, por muitos, um Papa mais acadêmico, o Papa Emérito Bento


XVI, durante o 47º Dia Mundial das Comunicações Sociais, realizado no ano de
2013, também ressalta a importância do ambiente digital e das redes sociais como
ferramentas que propiciam, ao homem, uma oportunidade de oração, meditação
ou partilha da palavra de Deus. Ainda, segundo Bento XVI, as redes oferecem
abertura para outras dimensões da fé a partir da vivência on-line, no que tange
às relações entre comunidade e, até mesmo, peregrinações. Dessa maneira,
procurando tornar o Evangelho presente no ambiente digital, podemos convidar
as pessoas a viverem encontros de oração ou celebrações litúrgicas em lugares
concretos, como igrejas ou capelas (PAPA BENTO XVI, 2013). Ele termina sua fala
salientando que não deve ocorrer falta de coerência ou unidade entre a expressão
e o testemunho da fé na vivência física ou digital.

226
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

Seguindo a mesma estratégia dos Papas João Paulo II e Bento XVI, o atual
Papa Francisco, durante uma Plenária do Pontifício Conselho das Comunicações
Sociais (PCCS), no ano de 2013, ressaltou que é importante a presença da Igreja
no mundo da comunicação, para dialogar com o homem de hoje e levá-lo ao
encontro de Cristo, na certeza, porém, de que somos meios e que o problema
fundamental não é a aquisição de tecnologias sofisticadas, embora necessárias
para uma presença atual e válida (CANÇÃO NOVA NOTÍCIAS, 2013).

4 A RELIGIÃO E AS NOVAS INTERFACES DO SAGRADO NAS


ERAS 2.0 E 3.0: AS PEREGRINAÇÕES ON-LINE
A ação de peregrinar envolve diferentes atores. Podem ser de cunho social,
político, econômico e religioso, envolvendo sentimentos e aspectos simbólicos.
Conduz o homem religioso à necessidade de buscar o sagrado, no lugar
identificado como detentor de maior grau de sacralidade, portanto, no espaço
sagrado, pode alcançar sua transcendência e realizar suas práticas devocionais.
Como essa transcendência pode ser alcançada a partir das peregrinações 2.0/3.0
ligadas à hipermodernidade?

Além da prática de devoção ao sagrado, sua vivência e percepção,


podemos destacar, ainda, o peregrino em um contexto 2.0, fazendo uma alusão à
Web 2.0, que seria uma evolução da Web 1.0. Durante muito tempo, vivenciamos
um período tecnológico determinado pela Web 1.0, que era caracterizada pela
primeira geração da internet, ou seja, a internet como surgiu, sem interatividade
alguma com o usuário, algo estático. Com o advento tecnológico, chegamos à
Web 2.0, que possui, como principal funcionalidade, uma interatividade entre a
internet e o usuário, permitindo um conjunto de técnicas para design e execução
de páginas da Web.

A Web 2.0 ainda trouxe novas funções e uma Web mais participativa,
com o surgimento dos blogs, chats, mídias sociais e redes sociais, como Facebook,
Twitter, Instagram, YouTube e Wikipédia. O internauta, além da interatividade que
passou a ganhar, veio a produzir seu próprio conteúdo. Essas novas ferramentas
geraram uma revolução exponencial no mercado. A internet passou a ter, cada
vez mais, importância, e seus seguidores passaram a ser tendências e fontes de
divulgação e consumo.

A interatividade no universo 2.0 permite que empresas possam observar e


identificar melhor o interesse dos consumidores. Estamos em processo de avanço
para um melhor estabelecimento do universo Web 3.0, focado na inteligência
artificial e na tecnologia de ponta, a tecnologia 5G, a internet das coisas, buscando
a melhor relação entre a máquina, o mundo virtual e o usuário. A Web 3.0 será
marcada pela união de todas as tecnologias. O ser humano estará conectado a ela
24 horas por dia, com smartphones, smart TVs, tablets, carros, casas inteligentes e
cidades inteligentes.

227
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Como as ações poderiam ser empregadas em relação às peregrinações? A


peregrinação tradicional pode ser destacada como a Web 1.0, sendo algo estático
de uma relação vertical entre o peregrino e o divino, a ida e a busca do lugar
sagrado, no tempo kairós. Ocorre uma necessidade, um anseio de ir ao lugar, para
que sua ação, seu desejo de elo/ligação se torne algo real, concreto. Observamos,
ainda, muito esse tipo de peregrinação, em especial, as ligadas ao catolicismo
tradicional popular brasileiro.

Com relação à Web 2.0, temos os peregrinos pós-modernos/peregrinos


renovados. Ao chamarmos de peregrinos 2.0, estamos destacando que sua prática
devocional não está apenas no acreditar que o sagrado está em seu self, e nem
na necessidade de ir ao lugar para manifestação desse sagrado existente em
si no coletivo, mas sim a partir do uso das tecnologias aliadas à peregrinação.
Atualmente, a Igreja Católica e comunidades religiosas criam sites, com conteúdo
e interações para o peregrino, para que este tenha uma melhor interação com
o santuário, comunidade, ou outro lugar a ser visitado. O mesmo ocorre via
programas de TV e rádio.

Dessa maneira, podemos destacar, dentro do item Peregrinação 2.0, além


de um peregrino pós-moderno, ligado ao movimento da RCC, um peregrino
midiático e um peregrino virtual. Estes podem ser encontrados não apenas
entre os católicos participantes da RCC, mas também em outros movimentos
eclesiais católicos. Esse processo vem tendo uma expansão significativa a partir
do surgimento e crescimento de novas comunidades católicas e, principalmente,
da inserção destas nos meios de comunicação.

O peregrino midiático/peregrino virtual é considerado como aquele


peregrino que vivencia a sua fé através das mídias e do ciberespaço. Vale ressaltar
que muitos possuem tanto a vivência física, de ir ao lugar sagrado, como a vivência
virtual, porém, em muitos casos, onde não há igrejas ou comunidades, as mídias
chegaram facilitando o contato desse peregrino com a sua fé. No exemplo do
catolicismo, podemos destacar duas divisões desse tipo de peregrino:

a) O peregrino midiático é aquele que vivencia a sua experiência e a sua fé a


partir das mídias/ meios de comunicação e do ciberespaço. Esse peregrino
participa de encontros, acampamentos de oração, adorações e, até mesmo, de
experiências de transcendência com o sagrado, muitas vezes, a partir de uma
manifestação hierofânica, uma experiência transcendental sem sair de casa,
através das mídias.
b) O peregrino virtual é aquele que possui uma vivência caracterizada por uma
prática e vivência de fé virtual, através da participação em redes sociais, grupos
religiosos no Facebook, participação em sites e interações por vídeos. Essa
vivência estaria muito mais interligada com a juventude.

228
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

Com relação à peregrinação 3.0, ainda estamos aguardando os novos


processos que se intensificarão com as interações sociais existentes a partir
do universo virtual, como a Igreja Católica e, em especial, através dos seus
movimentos basilares, que poderão criar estratégias de manutenção e difusão da
fé on-line.

As redes sociais possibilitam, ao fiel, diferentes experiências e vivências


com o sagrado. Observamos, também, uma experiência virtual com o sagrado, a
partir das capelas virtuais, grupos de orações virtuais, momentos de oração por
vídeos, envio de orações e as formações bíblica e religiosa. O devoto pode, agora,
experienciar, sentir emoções e ações do sagrado em sua própria casa, sem precisar
ir ao lugar sagrado, ainda que tenha vital importância em sua prática de fé.

A seguir, há um exemplo esquemático dessas novas relações entre o


homem religioso, o sagrado e as novas maneiras e possibilidades de peregrinar
na contemporaneidade. Há vínculos entre a peregrinação pós-moderna/renovada
e as ligações entre o movimento de Renovação Carismática Católica e os outros
movimentos que dão vida e dinâmica a essas novas interfaces.

FIGURA 20 – NOVAS PRÁTICAS RELIGIOSAS NA PEREGRINAÇÃO

FONTE: O autor

229
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

5 O SAGRADO E O PROFANO NA ERA HIPERMODERNA


A partir de uma sociedade cada vez mais plural e que, a cada novo
ano, perpassa por mudanças econômicas, políticas, culturais, religiosas e,
principalmente, tecnológicas, com o avanço da hipermodernidade (LIPOVETSKY;
SERROY, 2011), novas frentes e possibilidades de estudos surgem. No caso da
geografia da religião, apoiada nessas novas conjunturas social e cultural que
viemos discutindo ao longo desta unidade, torna-se relevante a ampliação dos
estudos sobre as categorias de análise sagrado e profano, em especial, a partir das
dimensões de análise propostas por Rosendahl (2003).

O temário apresentado é atual e oportuno para análise geográfica, porém,


a hipermodernidade e seus novos paradigmas permitem, ao homem religioso,
vivenciar novas experiências com o sagrado a partir das mídias e do ciberespaço.
A seguir, apresentaremos, novamente, as dimensões de análise, porém, com as
novas propostas de estudos que serão acrescentadas com as já existentes.

Na dimensão econômica, não apenas os bens simbólicos, mercados e redes


podem ser estudados, mas também, agora, a religião, estética e arte, mercado da
fé/lógica midiático-consumerista. Na nova abordagem inserida, o estudo da fé e
da religião pode ser analisado a partir da estética e da arte no capitalismo artista.
Ainda, o estudo da fé como mercado inserido na lógica midiático-consumerista,
através dos shows, eventos musicais e religiosos, marchas, padres cantores e
escritores, livros, CDs, DVDs, bandas religiosas e toda uma lógica de produção
ligada ao consumo. A religião produz e o homem consome.

Na dimensão política, temos acréscimo aos temas apresentados a partir


da difusão midiática da fé, ciberespaço e hipermodernidade. No novo item,
temos os estudos da difusão e abrangência da fé através das mídias, cibercultura,
ciberteologia, religião virtual, território e territorialidade religiosa on-line, mídias
sociais/redes sociais etc.

Na dimensão do lugar, acrescentamos o estudo das peregrinações


tradicionais e das peregrinações pós-modernas. Como ocorrem as novas ações
de peregrinar em um período hipermoderno? As peregrinações tradicionais
também apresentam mudanças? O peregrinar, na sua concepção pós-moderna,
possibilita, ao devoto, novas vivências e práticas nos/dos lugares virtual e físico?
Esses são alguns pontos que podem ser discutidos.

230
TÓPICO 3 — NOVAS DINÂMICAS DO SÉCULO XXI – RELIGIÃO E HIPERMODERNIDADE

FIGURA 21 – DIMENSÕES DE ANÁLISE E AS NOVAS FRENTES DE ESTUDOS

Dimensões de Análise Dimensão Política:

Dimensão Econômica: • Religião, território e


territorialidade
• Bens simbólicos, • Religião civil, sacralidade
Sagrado e identidade
mercados e redes
• Religião, estética e arte e Profano • Difusão midiática
(Mercado da fé / lógica da fé, ciberespaço e
midiática-consumerista) hipermodernidade

Dimensão do Lugar:

• Difusão da fé, comunidade e identidade religiosa


• Hierópolis: a construção de uma teoria
• Percepção, vivência e simbolismo
• Paisagem religiosa e Região Cultural
• Peregrinação tradicional, peregrinação pós-moderna

FONTE: O autor

Frisamos que as três dimensões apresentadas não são excludentes entre


si, pelo contrário, elas se interpõem, e se complementam, formando, assim, um
conjunto. Cabe, ao geógrafo da religião, a partir do seu objetivo de estudo, verificar
qual ou quais dimensões e suas diferentes abordagens poderão vir a ser seu canal
de investigação e ensaio. Ratificamos, ao longo deste livro, que as dimensões aqui
apresentadas, em suas novas conjunturas, apresentam um temário forte, recente e
oportuno, como frente conceitual para novas abordagens na geografia da religião.

Concluímos este tópico marcando e delimitando essas novas abordagens


geográficas a partir das categorias sagrado e profano.

231
UNIDADE 3 — ESPAÇO E RELIGIÃO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

DICAS

Texto de Jefferson Rodrigues de Oliveira: Geografia, Religião e Mídia: Novas


Interfaces do Sagrado na Era Hipermoderna.

O geógrafo faz uma leitura das atuais conjunturas socioculturais da sociedade
do/no século XXI, a partir da hipermodernidade. Através dessas novas transformações, ele
apresenta como as religiões, em especial, a Igreja Católica, insere-se nessa nova dinâmica
hodierna, com a expansão do ciberespaço e a difusão de conteúdos pelas mídias. Essas
transformações possibilitam o surgimento de novas ações de gestões territoriais, além de
novas práticas de devoção ao sagrado.

Faça uma leitura do texto e realize um fichamento, fazendo anotações e separando


os principais pontos do texto que, durante a sua leitura, demonstraram-se mais importantes.
Acesse: https://revistas.pucsp.br/rever/article/view/46927.

232
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há diversas novas dinâmicas e transformações sociais na sociedade do século


XXI, como o conceito de hipermodernidade criado pelo filósofo francês Gilles
Lipovetsky. A principal característica é o prefixo “hiper” que, acompanhado
do termo modernidade, hiper+modernidade, traduz uma exacerbação de valores,
uma cultura do excesso e uma superabundância de produções que gera, por
consequência, o consumo (LIPOVETSKY; SERROY, 2011).

• Nesses processos de constantes mudanças, quais seriam as principais


características e transformações na sociedade? A tecnologia e a difusão do
seu uso no processo de desenvolvimento são marcas da nova realidade
contemporânea, que está, ainda, atrelada a outras características da sociedade
hipermoderna, como a prática do individualismo, a prática da busca do self, das
questões de estética (ligadas a um novo processo capitalista de produção, ligado,
a questões imateriais, anseios e desejos do consumidor), da ótica do mercado
em progressão geométrica, dos hiper shows, hipereventos, nanotecnologia,
robótica, internet das coisas, e outras ações que configuram aquilo que seria
hoje uma das marcas altas do capitalismo moderno (LIPOVETSKY; SERROY,
2015).

• Bauman (2007; 2008) apresenta, em seus estudos, as práticas sobre modernidade


líquida, cultura líquida, cultura do consumo, consumo de massa e sociedade
individualizada. Para Bauman, o mundo contemporâneo é marcado por uma
sociedade líquida, cujos laços e posições sociais são fluidos e incertos.

• O avançar desse encadeamento social hodierno está também nas relações que
se intensificam cada vez mais, abraçadas pelos processos ligados ao avanço
das redes de comunicação, em uma sociedade em redes (CASTELLS, 1999) e,
principalmente, pelo ciberespaço e pela cibercultura (LÉVY, 1996; 1999).

• A religião se adapta diante dessas novas práticas sociais, nas quais a sociedade
está inserida. A Igreja Católica Apostólica Romana, por exemplo, que
durante muitos anos se manteve conservadora, frente às novas realidades
de comunicação, com a perda de fiéis, passou a compreender que o domínio
poderoso da comunicação religiosa (ciberespaço e as mídias) deve ser de
extrema relevância e oportuno para a manutenção do poder de gestão religiosa
no mundo.

233
• O Ciberespaço, o Mass Media, as Online Communities, os meios de comunicação
(TV, rádio, internet), sistemas operacionais móbile, como o Android, da Google,
e iOS, da Apple, e as mídias/redes sociais no ciberespaço, como Facebook,
Snapchat, YouTube, Twitter, Tumblr, Google+, Instagram, Flick, WhatsApp, são novas
estratégias que possibilitam, à Igreja, ter ação de poder, domínio e controle dos
fiéis.

• A difusão da fé, através dos meios de comunicação em suas diferentes esferas e


escalas de uso, possibilitou, atualmente, ao homem religioso, uma aproximação
com o sagrado. Antes, os diferentes rituais de contato com o divino só poderiam
ocorrer dentro das Igrejas, dos Templos. Agora, através dos diferentes meios
de comunicação e do ciberespaço, essa comunicação se amplia, alcançando
novos patamares e a necessidade de novas estratégias de domínio e controle.
Nunca, como antes, as competições religiosas nas mídias, pela captação de fiéis,
foram tão intensificadas, gerando, muitas vezes, conflitos e relações de poder,
causando ações de intolerância religiosa e descriminação pelas doutrinas ou
pseudorreligiões minoritárias.

• A prática devocional da difusão por contato ocorre também fora da Igreja


ou do Templo Religioso, a apropriação da forma midiática, porém, com a
mesma função devocional. As novas dinâmicas interligadas pelo ciberespaço
favorecem, ao devoto/homem religioso, sua participação na missa, no culto,
nos encontros de oração, na reza do terço, na leitura da Bíblia e do evangelho do
dia, a participação em shows, em palestras e inúmeras outros rituais religiosos
sem sair de sua casa. A TV, a internet ou o celular permite a vivência religiosa
no tempo e no espaço.

• A geografia e as demais ciências sociais e humanas acompanham essas


modificações e transformações da sociedade. Dessa maneira, teorias antes
apresentadas como ênfase nos estudos do campo da geografia da religião,
como as dimensões de análise, ganham novos conceitos e frentes de estudos
através da hipermodernidade.

CHAMADA

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234
AUTOATIVIDADE

1 A hipermodernidade, como nova característica da sociedade capitalista


moderna, apresenta inúmeras transformações que permitem, ao homem
religioso, novas frentes e possibilidades de contato com o sagrado. A partir
da leitura do texto, quais seriam essas novas relações?

2 De acordo com a leitura do texto, e se pararmos para imaginar as novas


práticas e ações sociais na hipermodernidade, ela pode apresentar
características positivas e, também, negativas, principalmente no que tange
às relações interpessoais. A partir dessa lógica, quais seriam as principais
características da hipermodernidade e as novas dinâmicas sociais
intensificadas?

3 As categorias de análise, o sagado e o profano, na geografia, ganham,


nas dimensões de análise, inúmeros estudos e campos de análise para
os estudiosos da geografia que tenham interesse na dimensão espacial
do sagrado. Com a hipermodernidade, novas teorias e possibilidades
de estudos surgem. Quais seriam essas novas frentes em cada uma das
dimensões de análise?

4 Durante o avanço tecnológico da sociedade, observamos, hoje, que o campo


da internet ganha, a cada novo dia, novas modalidades de uso e de interação
entre a máquina e o usuário. Essas diferentes temporalidades acompanham
o homem desde os primeiros computadores, quando estes vieram a surgir
nos Estados Unidos. De certa maneira, nunca poderíamos acreditar na
atual dependência tecnológica que possuímos dessas novas tecnologias.
Em nosso texto, trazemos uma discussão sobre os diferentes processos
evolutivos da internet, além das novas possibilidades de interação. As
religiões, no vasto campo, estão ganhando diferentes campos e frentes de
evangelização e difusão da palavra. Dessa maneira, apresente quais seriam
os principais processos evolutivos da internet e seus processos de interação
homem/máquina.

235
236
REFERÊNCIAS
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