Dia nublado. A sala é pouco decorada, apenas com uma mesa e uma cadeira. Na mesa está um retrato emoldurado de uuma mulher. Ecoam os sons dos carros e as buzinas no exterior. PSICOPATA, um homem sério na casa dos 30, lê o jornal sentado na cadeira. O Psicopata é moreno, atraente e veste camisa branca e calça preta. Ecoa o folhear do jornal, juntamente com os sons da rua, o som de uns saltos altos a caminhar perto do Psicopata e de sussurros oriundos da mente do Psicopata, vozes femininas e masculinas... PSICOPATA (a ler o jornal) Sim... (pausa) Amanhã vai estar bom tempo... se a Mãe quiser, vamos passear... (pausa) Podemos ir ao jardim da cidade... ou fazer um picnic... (pausa) O Psicopata vira a folha. No jornal lê-se: "Rapariga de 22 anos desaparecida desde Terça. Luísa, estudante de Psicologia, foi vista pela última vez no campus da Faculdade. As autoridades estão a investigar." Os sussurros tornam-se cada vez mais altos. O Psicopata treme. Tensão. Enraivecido, o Psicopata começa a ouvir os saltos altos a caminharem cada vez mais perto. O Psicopata fecha os olhos e leva a mão à testa, esfregando-a. De repente, ouve-se o som de alguém a sentar-se na cadeira ao lado do Psicopata. Insano, o Psicopata desvia o seu olhar do jornal para a cadeira, vazia. Em frente, encontram-se um par de saltos altos. Ecoa o som de vidro a partir, oriundo da cave. Os sussurros voltam ao som normal. O Psicopata fecha o jornal e pousa-o com força sobre a mesa e olha para a escadaria. Pausa. Irritado, levanta-se rápidamente. Serrando os dentes, caminha em passos largos em direção à cave, e desce as escadas.
INT. CAVE - DIA
A luz é fraca. O som da rua é substituído por uma melodia clássica vinda de um gira-discos, que toca em loop. REFÉM, uma rapariga na casa dos 20, encontra-se encostada à parede com cordas à volta dos tornozelos e dos pulsos, com uma expressão de medo na sua cara. A Refém tem o seu cabelo loiro atado em coque e veste um vestido azul, sujo, e no pé esquerdo tem um salto alto calçado. O outro salto encontra-se mais afastado da Refém. A Refém chora e soluça, suavemente. Há medo na sua cara. A melodia continua a tocar. Troca de olhares. Tensão. Os sussurros da cabeça do Psicopata páram. O Psicopata repara no projetor de luz partido no chão. Calmo, caminha até ao projetor e levanta-o do chão, pontapeando os vidros partidos para debaixo de uma cómoda próxima. A Refém dobra os joelhos até ao seu peito. O Psicopata desvia o olhar para o pé descalço da Refém. O Psicopata pega no salto alto que estava no chão e agacha-se em frente da Refém, e coloca o salto alto no pé da Refém, calçando-a. O Psicopata aproxima-se ainda mais da Refém e beija-a com ternura na testa. A expressão facial da Refém grita medo, desespero, nojo, socorro... O Psicopata afasta-se. Troca de olhares. Tensão. PSICOPATA Agora sim, está bonita. O Psicopata sorri. A Refém chora, soluça, e mexe os tornozelos e os braços a tentar escapar das cordas. Ecoa o choro, os soluços, o som das cordas, juntamente com o som da melodia. Pensador e insano, o Psicopata leva as mãos à cabeça. Os sussurros voltam. Os dedos do Psicopata entrelaçam-se no seu cabelo, nervoso, fora de si... Determinado, o Psicopata larga os seus cabelos e caminha até uma mesa próxima, onde se encontra uma faca. A Refém acalma-se. O Psicopata pega na faca e roça a lâmina na mesa, sob o olhar atento da Refém. O Psicopata caminha até à Refém, olhando para a faca e mexendo na lâmina. O Psicopata olha a Refém nos olhos. Tensão. Os sussurros páram. A música toca. A respiração do Psicopata é calma enquanto a respiração da Refém é ofegante. O Psicopata aproxima-se da Refém. O gira-discos encrava e a música trava. Tensão. O Psicopata respira ofegantemente enquanto a respiração da Refém acalma. O Psicopata larga a faca, fazendo a mesma cair no chão, perto da sua bota. Nervoso e ansioso, o Psicopata corre para o piso de cima. A Refém suspira de alívio. Os sussurros voltam.
INT. SALA DE ESTAR - DIA
O Psicopata leva as suas mãos à cabeça, agarrando nos cabelos com força. Os sussurros aumentam de volume e uma voz feminina salienta-se das outras. Existe tristeza, desespero, raiva na sua expressão. Os sons da rua misturam-se com os sussurros. O Psicopata está à beira de um ataque. De repente, os olhos do Psicopata encontram os olhos da mulher na fotografia em cima da mesa. O Psicopata aproxima-se e pega na fotografia. Tensão. O Psicopata olha nos olhos da mulher na fotografia, a sua mãe falecida. Há ternura, amor, saudade no olhar do Psicopata... a fotografia acalma-o. Ecoa o barulho da agulha do gira-discos a desencravar. A melodia retorna a tocar. O Psicopata desvia o olhar da fotografia e dirige-o à escadaria. A raiva voltou. Decidido, o Psicopata pousa o retrato na mesa e volta a descer as escadas. O som da rua desvanece e o som da melodia ecoa pela casa. Os sussurros mantém-se. Ouve-se um grito. FIM.