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Zygmunt Bauman e a lógica

escolar no ensino médio


ON ABRIL 11, 2016 POR VINICIUS EM MODERNIDADE LÍQUIDA

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O fracasso da escola pública brasileira,


para além de ser resultado de má administração, é fruto de seu próprio
projeto. Adriano Machado Oliveira[1] (com ajuda de Bauman) concebe a
produção do fracasso da escola universal brasileira a partir de uma
perspectiva histórica e sociológica.

Foi com o advento da república que um cenário otimista para as classes


médias burguesas (com o pensamento liberal em voga) surgiu. Neste
momento histórico, a escravidão teve seu fim, o trabalho assalariado se
expandiu e a lei passou a tratar de maneira igualitária qualquer cidadão,
independentemente de cor ou classe social.
Ao mesmo tempo, a demanda de trabalhadores na indústria abriu espaço
para o êxodo do campo para as cidades que se formavam,

A crescente complexificação da indústria, por sua vez, trazia a necessidade de


que uma instrução mínima fosse fornecida a um enorme contingente de
homens e mulheres do campo que chegavam às cidades urbanizadas. É nesse
contexto, pois, que a ideologia liberal começa a fazer parte, progressivamente,
do pensamento educacional brasileiro[2].

A entrada do pensamento liberal na formação do sistema educacional


trouxe, consigo, a noção de mérito como causa de qualquer sucesso. Se,
diferente de épocas passadas, agora qualquer pessoa pode entrar em uma
escola e ter aprendizado comum para operar máquinas, fazer contas, ler e
escrever, então o sucesso passa a depender somente do indivíduo. Uma
grande contribuição para a crença na liberdade individual e no progresso
técnico e científico como fruto da racionalidade humana.

Neste ponto, a teoria de Bauman passa a ser importante para Oliveira, já


que é a escola nascido no seio do pensamento liberal que começa a
produzir subjetividades. Estas, por sua vez, estão enquadradas no modus
operandi da modernidade: é projeto desta época retirar as curvas e manter
as linhas retas, retirar aquilo que é anormal, que é estranho, que é impuro e
manter o mundo nos eixos de um progresso infinito.

As ciências humanas, logo após conseguirem o status científico, ficaram a


cabo de nomear o anormal, de classificar a desordem e, desta forma,
conseguir explicar a pobreza, as diferenças de aprendizagem entre crianças
escolarizadas e das doenças mentais, por exemplo.

O objetivo da modernidade era manter-se limpa, pura,


Não há nenhum meio de pensar sobre a pureza sem ter uma imagem da
“ordem”, sem atribuir às coisas seus lugares “justos” e “convenientes” – que
ocorre serem aqueles lugares que elas não preencheriam “naturalmente”, por
sua livre vontade. O oposto da “pureza” – o sujo, o imundo, os “agentes
poluidores” – são coisas “fora do lugar”. Não são as características intrínsecas
das coisas que as transformam em “sujas”, mas tão-somente sua localização
e, mais precisamente, sua localização na ordem de coisas idealizada pelos que
procuram a pureza[3].

Os puros, por sua vez, não são os dominantes. Não se trata de um


esquema de dominação, unicamente. Os puros são aqueles que estão
dentro da ordem, seja como dominante ou como dominado. A pureza é
relacionada com a ordem e a presença dos indivíduos dentro da ordem,
dentro da previsibilidade já programada, os coloca como indivíduo “limpos”.
O impuro, por sua vez, é aquele que não faz sentido, que não foi previsto.

Os impuros na escola pública de ensino médio, passaram a existir devido às


tentativas da psicologia em justificar as desigualdades entre alunos:

A psicologia científica nascente neste mesmo período não poderia ser


diferente; gerada nos laboratórios de fisiologia experimental, fortemente
influenciada pela teoria da evolução natural e pelo exaltado cientificismo da
época, tornou-se especialmente apta a desempenhar seu primeiro e principal
papel: descobrir os mais e os menos aptos a trilhar “a carreira aberta
ao talento” supostamente presente na nova organização social e assim
colaborar, de modo importantíssimo, com a crença na chegada de uma vida
social fundada na justiça[4].

A busca pelo aptos e inaptos, os puros e impuros, tem teste final na escolha
pelo ensino superior. Inúmeros professores e atores escolares, afirma
Oliveira, verbalizam a meta final do estudo na entrada ao ensino superior. É
desta maneira que o aluno acaba sendo homogeneizado, coberto por uma
meta universal.

No entanto, não são todos os alunos que desejam entrar em uma faculdade.
Esta sobra que não guarda esperança ou vontade para a universidade é a
parcela estranha do sistema educacional. Para eles, a escola aparece como
um ambiente hostil, já que não são enquadrados como legítimos
estudantes.

A disciplina escolar, inflexibilidade curricular e o silêncio imposto aos


estudantes como parte da metodologia pedagógica não dão conta de todos
os alunos que, ao serem colocados diante de um sentido único para seus
estudos – o ensino superior – não aderem a qualquer forma padrão de
conduta no ambiente escolar.

Eles são “estigmatizados como os desinteressados, bagunceiros, filhos de


famílias desfavorecidas e empobrecidas culturalmente, cuja soma de
conflitos sociais e familiares hipoteticamente os impediria de aprender” [5].

Os estranhos são, portanto, “sujeitos cuja forma de ser e agir na escola não
consegue ser enquadrada e codificada de modo claro e inequívoco pelos
agentes da pureza escolar idealizada”[6].

O nascimento do estranho, por sua vez, se dá através da positividade de


uma narrativa dominante. Ele só aparece após a definição de um projeto
normativo feito por um grupo dominante. É este grupo que controla a
classificação e designação, tornando sua narrativa, uma forma de
dominação.

Para oliveira, o viés psicologizante se mantém como narrativa de dominação


no ambiente escolar. Ainda é por ele que as diferenças de aprendizagem
são justificadas a partir da classificação de indivíduo em “hiperativos” ou
“com déficit de atenção” e, ao mesmo tempo, a saúde emocional está com o
estudante quieto, bem comportado, aplicado e compenetrado.

De outro lado, por sua vez, incrementa-se o vocabulário professoral com outras
designações não científicas que possuem um poder ordenador/estigmatizador
igualmente contundente, como se apresentam os jovens nominados como
delinqüentes, imorais, maconheiros, bandidos, perdidos, repetentes, fracos e
que não têm futuro[7].

Para além destes, ainda existem aqueles que veem no ensino médio uma
utilidade temporária, mas nada relevante a longo prazo. São alunos que não
podem ser enquadrados de nenhum jeito acima explícito: não são
compenetrados, por que bagunçam, mas tiram notas boas, conseguem lidar
com o estilo memorístico do ensino público.

Na impossibilidade de classifica-los e aplicar a disciplina corretamente, eles


acabam sendo os estranhos no sistema educacional.

É o estranho, por sua vez, que torna tênue a linha divisória entre o normal e
o anormal, porque ele é justamente gerado pela sociedade que não deseja
o ter por perto. É seu oposto, seu subproduto. A modernidade, que surge
com uma receita para a organização, se perde com a presença dos
estranhos, que obscurecem as fronteiras entre o bom e o mau, o aluno
compenetrado e o bagunceiro. Estas, por sua vez, deveriam ser vistas
claramente por todos os indivíduos.

O estranho causa angústia e incerteza na ação, ou seja, naqueles que


dominam o poder da narrativa classificatória. Desse modo, a seu turno, a
escola de ensino médio tem produzido muitos estranhos. As antigas oposições
agora se confundem, de forma que o mesmo aluno compenetrado, em um
dado momento, apresenta-se como o baderneiro em outro. Assim como o
aluno passivo e cuja audição parece aceitar os sentidos impostos pelo docente
para o ensino médio, ao mesmo tempo em que obtém notas muito boas,
locupleta tantos outros momentos da mesma disciplina manuseando seu
celular ou zoando com os demais colegas, apesar dos reiterados pedidos de
silêncio do professor[8].

O estranho, para concluir, é o elemento que mostra o enfraquecimento do


poder disciplinar do sistema educacional. É o indivíduo que faz parte do
teatro escolar para obter uma diplomação mínima e depois dar sentido a
sua vida de outras maneiras. Se trata, portanto, de uma estratégia de
resistência, ainda em elaboração, da juventude perante o sistema
educacional.

Em sociedades regidas pela ordem, a presença do estranho é garantida.


Agora, deve-se entender como a escola irá lidar com estes elementos.

Referências
[1]
↑ Professor Assistente, na área de Psicologia da Educação, da
Universidade Federal do Tocantins.

[2]
↑ OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre impuros e estranho: o
pensamento de Zygmunt Bauman e a lógica escolar do ensino médio.
Revista Espaço Acadêmico, Nº125. 2011, p.2.

[3]
↑ BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. – Rio de
Janeiro, RJ:Jorge Zahar Editor, 1998 IN OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre
impuros e estranho: o pensamento de Zygmunt Bauman e a lógica escolar
do ensino médio. Revista Espaço Acadêmico, Nº125. 2011, p.2.

[4]
↑ PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar:
histórias de submissão e rebeldia. 3ª edição. – São Paulo, SP: Casa do
Psicólogo, 2008. IN OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre impuros e estranho:
o pensamento de Zygmunt Bauman e a lógica escolar do ensino médio.
Revista Espaço Acadêmico, Nº125. 2011, p.2.

[5]
↑ OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre impuros e estranho: o pensamento
de Zygmunt Bauman e a lógica escolar do ensino médio… p.6.

[6]
↑ OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre impuros e estranho: o pensamento
de Zygmunt Bauman e a lógica escolar do ensino médio… p.6.

[7]
↑ OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre impuros e estranho: o pensamento
de Zygmunt Bauman e a lógica escolar do ensino médio… p.7.

[8]
↑ OLIVEIRA, Adriano Machado. Entre impuros e estranho: o pensamento
de Zygmunt Bauman e a lógica escolar do ensino médio… p.8.

***

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