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Artigo Democracia Semidireta HTTPWWW - Esdc.com - Brseerindex.phprbdcarticleview7373 PDF
Artigo Democracia Semidireta HTTPWWW - Esdc.com - Brseerindex.phprbdcarticleview7373 PDF
DENISE AUAD
Mestre em Direito Público pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo.
forma de democracia ideal,2 mas considera- políticos que pudessem organizar os dife-
va que sua aplicação seria muito difícil em rentes anseios dos cidadãos e desempenhar
Estados de larga escala, o que fatalmente o papel de instrumentos eficazes para vei-
ocasionaria a implementação prática da cular a opinião pública. Segundo as pala-
democracia representativa, pela qual os ci- vras de Stuart Mill: “Democracia (...) re-
dadãos escolheriam representantes, cuja fun- presentativa de todos e não somente da
ção específica seria o exercício da política. maioria – na qual os interesses, as opiniões,
É na América do Norte que encontra- os graus de intelecto que são excedidos
mos a primeira tentativa de implementação pelo número seriam apesar disso ouvidos,
de um governo democrático moderno. Com e que teriam a oportunidade de obter pelo
a independência das treze colônias ingle- peso do caráter e pela força do argumento
sas, em 1776, buscou-se implantar um influência que não pertenceria à força
novo Estado que se diferenciasse o máximo numérica – essa democracia, que é a única
possível do modelo monárquico europeu, igual, a única imparcial, a única que seja
o qual, na visão dos norte-americanos, era governo de todos por todos, o tipo único
um modelo fadado ao insucesso.3 A luta de verdadeira democracia, ver-se-ia livre
política e ideológica de três autores fede- dos maiores males das democracias assim
ralistas – Alexander Hamilton, James falsamente chamadas, que hoje predomi-
Madson e John Jay –, os quais, juntos, nam, e das quais se deriva exclusivamente
publicaram artigos na imprensa de Nova a idéia corrente de democracia”.4
York, contribuiu para a consolidação de Atualmente, nos Estados Ocidentais, a
uma Constituição norte-americana. Esses democracia pautada principalmente na idéia
artigos previam a implantação de um regi- de representação política é consagrada como
me democrático, com respeito à separação a melhor forma de governo (ou mesmo
entre os Poderes Legislativo, Executivo e como a “menos pior”), defendida em inú-
Judiciário, dentro de uma estrutura federa- meros discursos políticos como o regime
lista de Estado. Tal Constituição, apesar de viabilizador do desenvolvimento social, da
manter um poder central, proporcionava paz, do pluralismo, do diálogo político e
autonomia aos Estados-membros da Fede- do respeito aos Direitos Humanos.5 No
ração; assim, de forma inovadora, implan- entanto, é patente o deslocamento dos
tou-se pela primeira vez na História um ideais democráticos, consolidados na dou-
modelo de regime democrático em um trina política dos pensadores clássicos, em
espaço de larga escala e pautado em uma face da realidade concreta vivida pelos
economia de mercado. O modelo escolhi- Estados que se consideram democráticos.
do, no entanto, estava baseado na idéia de A implementação da democracia ainda é
representação política e no voto censitário. um grande desafio para a humanidade.
A idéia de democracia representativa é Segundo Norberto Bobbio, o pressupos-
bastante explorada por Stuart Mill em sua to para a implementação do regime demo-
obra Considerações sobre o governo re- crático está na correta definição das “regras
presentativo, publicada em 1861. Nessa do jogo”, para que tanto o cidadão quanto
época, já se intensificava um forte pensa- o governo saibam de antemão como devem
mento no sentido de que os caminhos para proceder para viabilizar o diálogo político.
a implantação de um regime democrático “Afirmo preliminarmente que o único
dependiam da estruturação de partidos modo de se chegar a um acordo quando se
fala de democracia, entendida como con- balança que deve reger o processo demo-
traposta a todas as formas de governo crático.
autocrático, é o de considerá-la caracteri- Em relação ao Brasil, objeto de nosso
zada por um conjunto de regras (primárias estudo, podemos dizer que a implementa-
ou fundamentais) que estabelecem quem ção de seu regime democrático está em fase
está autorizado a tomar as decisões cole- de consolidação. Grande parte de nossa
tivas e com quais procedimentos.”6 História foi marcada por golpes de Estado
Conforme colocado por Bobbio, é regra e revoluções, como a de 1930 e a de 1964.
basilar do regime democrático a definição A cada ruptura institucional, a democracia
de povo, ou seja, de quem efetivamente sofre duro golpe, pois é atingida em seu
poderá participar da decisão política. Quanto ponto fundamental: o respeito ao Estado
maior a extensão da soberania popular, Democrático de Direito. A consolidação de
mais próxima estará a democracia de seu um regime democrático requer discerni-
verdadeiro sentido. No entanto, não é mento, bem como um melhor esclareci-
simples a criação de regras que viabilizem mento sobre os mecanismos disponíveis
a ampla participação e, além disso, ofere- para uma participação mais efetiva no pro-
çam mecanismos para concretizar as deci- cesso. A base de sustentação da democracia
sões de forma fiel aos anseios populares. como forma de governo é a soberania
Outro grande desafio na atualidade7 rela- popular, exercida por meio do voto direto,
ciona-se à elaboração de normas que ga- secreto, universal e periódico. O voto é um
rantam eficiência e governabilidade ao direito garantido e assegurado a todos,
Estado sem sacrificar os instrumentos de- previsto no art. 60, § 4.º, II, da CF/88 como
mocráticos. Se não houver regras do jogo uma cláusula pétrea, o que impede qualquer
bem estabelecidas, a democracia não pas- proposta de emenda constitucional tendente
sará de um conjunto de dogmas meramente a aboli-lo.
teóricos. O Estado brasileiro adotou, em seu texto
Falar em consolidação de um processo constitucional, a democracia representativa
democrático implica, também, um profun- conjugada a mecanismos de participação
do investimento na educação dos cidadãos. popular,8 ou seja, nossa democracia deve
Uma educação que proporcione a cada ser exercida, conjuntamente, por represen-
cidadão condições de compreender o con- tantes livremente eleitos pelo povo e, na
texto social em que vive, e, conseqüente- medida do possível, diretamente pelos ci-
mente, garanta sua liberdade de escolha. dadãos. Ressalta-se que, no cenário político
Subjacente a isso, pressupõe-se um contex- mundial, a representação assume o papel
to de igualdade de oportunidades, a fim de central no jogo democrático em quase
que cada um possa desenvolver seus po- todas as democracias, o mesmo ocorrendo
tenciais e estar no espaço público, em que no Brasil. No entanto, o instituto da demo-
ocorrem as decisões políticas, com a mes- cracia participativa vem ganhando cada
ma dignidade que os demais participantes, vez mais espaço, o que contribui sobrema-
caso contrário, o processo de escolha e de neira para o aperfeiçoamento do Estado
deliberação estará viciado, pois alguns ci- que pretenda verdadeiramente firmar-se
dadãos terão mais poder para convencer e como democrático.
para impor seus interesses do que outros, Mesmo diante dessa conjuntura, o povo
fator que desequilibra por completo a brasileiro não se deu conta ainda do sig-
mento leva a um círculo sem fim, no qual haja vista que ainda é um modelo político
o povo jamais conseguiria atingir o direito indispensável para a sustentação da gover-
de votar e, portanto, ficaria alijado do nabilidade.
poder político. Conforme expressa Bolívar Lamounier:
Estando a democracia representativa tão “Até onde a vista alcança, não há fortes
desacreditada e não podendo a sociedade razões para se supor que a representação
como um todo fazer uso do poder que lhe parlamentar e partidária venha a deixar de
é conferido pela Constituição,19 como su- ser o fulcro da organização democrática da
prir a lacuna que o sistema representativo vida política em sociedades de larga escala.
deixa? A flagrante insatisfação dos repre- A afirmação de que uma democracia ‘par-
sentados nos leva a analisar a possibilidade ticipativa’ tende cada vez mais a coexistir
de, concomitantemente ao sistema repre- com a ‘representativa’ pode, evidentemen-
sentativo, existirem mecanismos de parti- te, ser aceita. De fato, a evolução prática
cipação popular direta nas decisões políti- dos regimes democráticos ao longo deste
cas do País. A pergunta que surge neste século caracterizou-se por duas tendências
momento nos leva a refletir se é possível marcantes, e na verdade não imagináveis
corrigir a crise do sistema de democracia a partir dos embriões históricos e debates
representativa. teóricos sobre esse sistema no século 19:
Seria ingênuo acreditar, diante do atual 1) uma ampliação impressionante no uni-
estágio de organização social, que seria verso dos participantes potenciais do jogo
viável, de uma hora para outra, como num político; 2) um fortalecimento não menos
passe de mágica, substituir o sistema de marcante da expectativa de que os titulares
democracia representativa por outro com- (eletivos ou designados) das funções públi-
pletamente novo, o qual fosse capaz de cas sejam sensíveis à opinião pública, ou
resolver todos os problemas decorrentes da seja, a pressões e reivindicações que se
representatividade. A democracia é um originam em círculos cada vez mais distan-
processo lento e contínuo de adaptação dos tes do epicentro partidário e parlamentar do
anseios sociais aos modelos institucionais sistema”.21
vigentes, mas tais modelos respondem ao Busca-se, como saída, a complementa-
desejo popular de forma limitada, ou seja, ção do sistema representativo, pois uma
de acordo com sua capacidade de resposta. ponderação a respeito da complexidade da
Como diz Norberto Bobbio, não existem organização estatal, hoje, demonstra que a
estruturas perfeitas e a atitude do bom aplicação da democracia direta pura tam-
democrata é a de não se iludir sobre o bém estaria fadada ao insucesso. Primeiro,
melhor sistema político e a de não se porque as pessoas não têm tempo de se
conformar com o pior.20 dedicar à política praticamente de forma
Aos sinais de desgaste da democracia integral como lhes seria exigido do siste-
indireta pura, surge como uma alternativa ma;22 segundo, porque estamos vivendo
a implementação de mecanismos de parti- um momento de especialização e vertica-
cipação popular de forma complementar à lização das grandes questões sociais, a
representação. Não se propõe uma substi- exigir respostas pautadas, muitas vezes, no
tuição radical do sistema representativo conhecimento de técnicos e especialistas.
tradicional pela democracia direta, mas, Seria “humanamente” impossível que um
sim, uma complementação desse sistema, único indivíduo conseguisse acumular em
históricos, que não contemplaram nesses vos para sua implementação. Esse é o
dez anos nenhum exemplo substancial objetivo deste trabalho: informar e escla-
relacionado à utilização da consulta popu- recer as principais dúvidas relacionadas ao
lar, com exceção do plebiscito de 1993, plebiscito, ao referendo e à iniciativa po-
para a escolha da forma e do sistema de pular, os quais, a seguir, passam a ser
governo a vigorar no País.25 objeto de uma análise mais minuciosa.
Apenas em 1998 foi promulgada uma
lei infraconstitucional com o escopo de 2. Plebiscito
regulamentar o referendo, o plebiscito e a
iniciativa popular – Lei 9.709, de De maneira geral, plebiscito é uma
18.11.1998. Era grande a expectativa dos consulta prévia à população sobre determi-
doutrinadores, estudiosos do assunto e nada questão de interesse coletivo.
defensores da democracia, no sentido de
No Brasil, de acordo com a Lei 9.709/98,
que tal lei abarcasse as principais questões
o plebiscito poderá versar sobre matéria de
relacionadas aos mecanismos de participa-
acentuada relevância constitucional, admi-
ção e pudesse realmente ser um canal para
nistrativa ou legislativa, podendo, inclusive,
o exercício da soberania popular de forma
ser utilizado para aprovar ou não atos nor-
mais freqüente em nosso país. Diversos
mativos.26
estudos haviam sido desenvolvidos para
dar consistência à regulamentação infra-
constitucional, como o estudo da Professo- 2.1 Antecedentes históricos
ra Maria Victoria Benevides, publicado,
posteriormente, em seu livro A cidadania Na antiga Roma havia uma grande
ativa: referendo, plebiscito e iniciativa diferença entre as classes sociais, situação
popular. Todavia, a Lei 9.709/98 frustrou que pode ser constatada, por exemplo, pela
essa expectativa, mostrando-se lacunosa. análise das diferentes prerrogativas entre os
Além disso, foi deveras tímida em relação patrícios e os plebeus. Os patrícios repre-
à ampliação do exercício da soberania sentavam a aristocracia romana e possuíam
popular e não regulou importantes assuntos privilégios relacionados a direitos políticos
relacionados à viabilidade da aplicação da e civis, enquanto os plebeus representavam
democracia semidireta no País. Pratica- a grande maioria da população e, supõe-se,
mente é uma cópia das disposições cons- eram descendentes dos povos conquistados
titucionais sobre o assunto sem maiores e subjugados.
esclarecimentos. Com a evolução da sociedade romana
Infelizmente, os mecanismos de partici- e o crescimento de sua população, os
pação popular no Brasil ainda não são plebeus passaram a exigir direitos e prer-
direitos que fazem parte de nosso cotidiano rogativas perante os patrícios, os quais
político, tanto que muitos brasileiros se- foram obrigados a aderir aos anseios da
quer os conhecem. Provavelmente, o prin- plebe, criando-lhes cargos públicos pró-
cipal caminho para que a democracia se- prios. Assim nasceu o “Tribunato da Ple-
midireta saia do papel e integre nossa be”, que permitia aos plebeus vetar as leis
realidade é uma educação voltada para a que fossem contrárias aos seus interesses.
cidadania, a fim de que as pessoas, ao A Lex Hortensia deu-lhes o direito de votar
conhecer seus direitos, sejam sujeitos ati- as resoluções da assembléia popular, com
presidente João Goulart, que possuía ten- legislativo, com proposta de, no mínimo, 1/
dências socialistas, fato que assustava não 3 dos integrantes de qualquer uma das
só os militares, como também os detentores Casas, ou seja, este dispositivo legal retira
do poder à época. Por meio de uma das mãos do povo a possibilidade de decidir
manobra política, João Goulart conseguiu qual assunto considera relevante para ser
conclamar o plebiscito com o objetivo de discutido e consultado no âmbito nacional,
trazer de volta o sistema presidencialista ao já que restringe ao Congresso Nacional a
Brasil, a fim de governar com mais liber- prerrogativa de deliberar o que deverá passar
dade. As urnas foram favoráveis à proposta ou não pelo crivo popular. No âmbito es-
e o presidencialismo foi vitorioso com 80% tadual e municipal, o plebiscito será convo-
dos votos. Todavia, após apresentar suas cado em conformidade com a respectiva
“Reformas de Base”, o que despertou o Constituição Estadual e com a Lei Orgânica
medo do comunismo, o presidente João Municipal, como veremos adiante.
Goulart foi deposto em 1964 pelo chamado O plebiscito no Brasil poderá abranger
“Golpe Militar”. duas formas: a ampla e a orgânica. A ampla
Na Constituição de 1988, encontramos versa sobre qualquer questão de relevância
o instituto do plebiscito em cinco artigos: nacional, de competência dos Poderes
o art. 14, I, prevê o exercício da soberania Legislativo ou Executivo (não é previsto
popular também por meio de plebiscito; o para o Judiciário), é o caso descrito no
art. 18 possibilita a incorporação, subdivi- parágrafo anterior. A orgânica está relacio-
são e desmembramento de Estados entre si; nada com a incorporação, subdivisão e
o art. 18, § 4.°, dispõe sobre a criação, desmembramento de Estados ou fusão,
incorporação, fusão e desmembramento de incorporação, criação e desmembramento
Municípios; o art. 49, XV, estabelece a de Municípios. Em relação aos Estados, é
competência exclusiva do Congresso Na- necessária, segundo o art. 4.º da Lei 9.709/
cional para convocação de plebiscitos; e o 98, a aprovação da população diretamente
art. 2.° do ADCT determinou a realização interessada por meio de plebiscito, o qual
de plebiscito para a escolha da forma e do deverá ser realizado em data e horário
sistema de governo em 07.09.1993. coincidentes em cada Estado, bem como a
Somente em 18.11.1998, dez anos após aprovação do Congresso Nacional, por
a promulgação da Constituição Federal, foi meio de lei complementar, depois de ou-
promulgada a Lei 9.709/98, com o intuito vidas as respectivas Assembléias Legisla-
de regulamentar os mecanismos de parti- tivas. Já em relação aos Municípios, a Lei
cipação popular no Brasil, previstos nos 9.709/98 prevê, em seu art. 5.º, a convo-
incisos I, II e III do art. 14 da CF. Esta cação do plebiscito pela Assembléia Legis-
norma legal prevê que o plebiscito será lativa do Estado, em conformidade com a
convocado com anterioridade ao ato legis- legislação federal e estadual.
lativo ou administrativo e que caberá ao Finalmente, são de responsabilidade da
povo aprovar ou denegar, pelo voto, o que Justiça Eleitoral os trâmites administrativos
lhe foi submetido. do plebiscito, tais como data, cédula de
O art. 3.° da referida lei estabelece que, votação, instruções para realização, entre
para questões de relevante interesse nacio- outros. Se o assunto a ser consultado
nal, a convocação do plebiscito será feita constar de projeto de lei em tramitação ou
pelo Congresso Nacional, mediante decreto de medida administrativa não efetuada,
popular e, ao mesmo tempo, manter a suas regras são as mesmas que servem de
estrutura da democracia representativa. Len- parâmetro para o plebiscito, apesar de
tamente, diversos outros países ocidentais serem institutos diferentes, que não podem
passaram a prever o referendo em suas ser confundidos.37
Constituições; todavia, em muitos deles, tal Segundo o art. 2.º da referida lei, “ple-
figura jurídica restou esquecida no texto biscito e referendo são consultas formula-
legal, sem qualquer expressão prática. das ao povo para que delibere sobre ma-
Há, no entanto, alguns exemplos histó- téria de acentuada relevância, de natureza
ricos em que o referendo foi utilizado para constitucional, legislativa ou administrati-
solucionar importantes questões políticas.36 va”; porém, conforme preleciona o § 2.º do
Podemos citar a França, que em 1962 dispositivo mencionado, “o referendo é
recorreu ao referendo para reformar a convocado com posterioridade a ato legis-
Constituição da Quinta República e im- lativo ou administrativo, cumprindo ao
plantar o regime semipresidencialista, bem povo a respectiva ratificação ou rejeição”.
como eleições diretas para a escolha do A diferenciação feita pela legislação
Presidente. Na década de 90, os cidadãos está basicamente relacionada ao aspecto
franceses foram novamente consultados, temporal desses institutos: o plebiscito é
desta vez por François Miterrand, para se convocado com anterioridade ao ato legis-
pronunciarem sobre a ratificação do Tra- lativo ou administrativo, objeto de consul-
tado de Maastricht, sustentáculo para o ta, enquanto a convocação do referendo é
sucesso da União Européia. Por pouco o posterior. A lei não especifica qualquer
Tratado não foi ratificado pelos franceses, detalhe sobre o significado do verbo “con-
pois apenas 51% dos votos foram favorá- vocar”, utilizado para ambos os institutos,
veis. Em 1991, Gorbatchov propôs um apesar de a Constituição Federal, em seu
referendo na ex-União Soviética para a art. 49, XV, estabelecer que é da compe-
criação da Comunidade de Estados Inde- tência exclusiva do Congresso Nacional
pendentes (CEI). Com a posterior ascensão “autorizar” referendo e “convocar” plebis-
de Yeltsin ao poder e o conseqüente aban- cito. Pela forma como o assunto está
dono da CEI por dezessete Repúblicas, regulado, tudo indica que a lei não abre
transformando-a na atual Rússia, foram espaço para que o povo, pautando-se em
propostas, em 1993, outras duas consultas um determinado número de assinaturas,
populares: a primeira para a legitimação de possa dar início a uma consulta popular,
Yeltsin e de sua política econômica de cunho mesmo sobre um assunto que considere de
mais liberal, e a segunda para a aprovação relevante interesse social. Tal fator enfra-
de um novo texto constitucional. quece o próprio escopo dos mecanismos de
participação popular, qual seja resgatar a
3.2 A regulação do referendo no Brasil força da soberania popular nos sistemas de
democracia representativa, já enfraqueci-
O referendo entrou para o ordenamento dos por uma séria crise de legitimidade.
jurídico brasileiro apenas com a Constitui- Apesar de a Constituição silenciar a
ção Federal de 1988. Está regulado na Lei respeito da possibilidade ou não de concla-
9.709/98, com o plebiscito e a iniciativa mação de referendo para aprovação de
popular. Tal lei é bastante reticente em emenda constitucional,38 uma interpreta-
relação ao referendo, tanto que muitas de ção sistemática do art. 2.º da Lei 9.709/98,
mínimo 0,2% de eleitores em cada um Art. 45: “As questões relevantes aos
deles, requeira à Assembléia Legislativa a destinos do Município poderão ser subme-
realização de referendo sobre lei.41 tidas a plebiscito ou referendo por proposta
A Constituição do Estado de São Paulo do Executivo, por 1/3 (um terço) dos
é, portanto, mais ampliativa que a Consti- vereadores ou por pelo menos 2% (dois por
tuição Federal e a própria Lei 9.709/98, ao cento) do eleitorado, decidido pelo Plená-
regular expressamente que, no âmbito esta- rio da Câmara Municipal”.
dual, a prerrogativa para requerer referendo Ao que tudo indica, há uma colisão
também cabe aos cidadãos, ou seja, não é insuperável entre esses dois dispositivos43
exclusiva do Poder Legislativo. Vale ressal- impossível de ser solucionada apenas pelo
tar, entretanto, que a expressão utilizada método interpretativo. Nesse sentido, será
pelo dispositivo da Constituição paulista é necessária uma nova emenda à Lei Orgâ-
“referendo sobre lei”, o que nos faz deduzir nica paulista para ser fixada qual é a
que o legislador não permite a conclamação porcentagem correta exigida pelo legisla-
de referendo por 1% do eleitorado do Esta- dor para que o povo possa requerer o
do para o caso de ato administrativo. referendo. Sem dúvida, o art. 45 é mais
A Lei Orgânica do Município paulista gravoso, pois, além de ter elevado o parâ-
segue a mesma linha. Dispõe em seu art. metro de assinaturas para 2% do eleitorado,
14, X, que “compete privativamente à determina que o Plenário da Câmara
Câmara Municipal: autorizar a convocação Municipal decidirá sobre a proposta apre-
de referendo e plebiscito, exceto os casos sentada.
previstos nesta Lei”, e, em seu art. 44, II, Para facilitar a compreensão desses dois
que 1% do eleitorado poderá requerer à dispositivos, temos a seguinte tabela:
Câmara Municipal a realização de referen-
do sobre lei. Além disso, amplia a força da
participação popular ao assegurar tramita- Eleitores em 2003 1% 2%
ção especial e urgente ao pedido de con- Eleitores do Município
7.587.634 75.876 151.753
de São Paulo
sulta solicitado pelo povo, bem como ao
Dados de Dez/03
possibilitar a defesa oral da proposta pelos Fonte: TRE/SP (www.tre-sp.gov.br)
representantes dos proponentes.42
Apesar dessa inovação, a nova redação
do art. 45 da Lei Orgânica paulista, alterada 4. Iniciativa popular
pela Emenda 24 de 2001, nos causa estra-
nheza, haja vista que seu conteúdo é 4.1 Conceito
incompatível com a redação do art. 44, II,
mencionado acima. Comparemos os dois A iniciativa popular se autodefine pelo
dispositivos: exercício da soberania popular, ao permitir
Art. 44, II: “Para requerer à Câmara o acesso de um grupo de cidadãos, na
Municipal a realização do plebiscito sobre elaboração de um projeto de lei, submeten-
questões de relevante interesse do Municí- do-o à apreciação do Poder Legislativo,
pio, da cidade ou de bairros, bem como desde que cumpridos os pressupostos le-
para a realização de referendo sobre lei, gais. A Constituição Federal de 1988 aco-
será necessária a manifestação de pelo lheu seu uso conforme o disposto no art.
menos 1% (um por cento) do eleitorado”. 14, III, e art. 61, § 2.º.
Congresso Nacional votar o projeto de lei Municípios com não menos que dois dé-
advindo de iniciativa popular, e em qual cimos de unidade por cento de eleitores em
prazo. Também não esclarece se o Presi- cada um deles.”
dente da República, após os trâmites legais “5 – não serão suscetíveis de iniciativa
da votação do projeto pelos parlamentares, popular matérias de iniciativa exclusiva,
poderá ou não exercer o seu poder de veto. definidas nesta Constituição.”
Há, no entanto, o aspecto moral que atrela Podemos visualizar melhor esses núme-
tanto o Poder Legislativo quanto o Poder ros na seguinte tabela:47
Executivo para a promulgação de lei ori-
ginária de iniciativa popular, pois, caso
Eleitores em 2003 0,5%
contrário, cairão em descrédito diante de
Eleitores no Estado de São Paulo 26.092.920 130.465
seus eleitores.
Dados de Dez/03
No cenário do federalismo brasileiro, as Fonte: TRE/SP (www.tre-sp.gov.br)
A leitura do art. 3.º da Lei 9.709/98 porcentual de um terço poderia ser com-
também aponta uma outra preocupação. plementado, ou seria necessário movimen-
Estabelece tal dispositivo: “nas questões de tar o Congresso para elaborar o decreto
relevância nacional, de competência do legislativo partindo-se do ponto zero?
Poder Legislativo ou do Poder Executivo, Tomando-se como referência a segunda
e, no caso do § 3.º do art. 18 da Consti- hipótese, ou seja, de que sempre é neces-
tuição Federal, o plebiscito e o referendo sária a elaboração de um decreto legislativo
são convocados mediante decreto legisla- por proposta de um terço, no mínimo, dos
tivo, por proposta de um terço, no mínimo, membros que compõem qualquer das Ca-
dos membros que compõem qualquer das sas do Congresso Nacional, também esta-
Casas do Congresso Nacional”.49 Como ríamos diante de outro problema: E se o
seria o trâmite deste decreto legislativo? A Congresso não se movimentar para elabo-
questão complica em relação ao referendo rar o decreto legislativo, como forçá-lo
quando a própria lei, objeto de referendo, para tal? E ainda: E no caso de o percentual
prevê tal consulta em um de seus disposi- de um terço de votos favoráveis não for
tivos. É o caso do Estatuto do Desarma- alcançado? Como regular juridicamente
mento. Vejamos: essas situações, já que é a própria lei
Art. 28: É proibida a comercialização de ordinária que prevê a realização do refe-
arma de fogo e munição em todo o terri- rendo?
tório nacional, salvo para as entidades Outro ponto importante a ser discutido
previstas no art. 6.º desta Lei. em relação à aplicabilidade prática dos
Parágrafo único. Este dispositivo, para mecanismos de participação popular diz
entrar em vigor, dependerá de aprovação respeito a quais questões deveriam ser
mediante referendo popular, a ser realizado objeto de consulta. A Lei 9.709/98 deter-
em outubro de 2005. mina em seu art. 2.º que “plebiscito e
Pergunta-se: diante desta situação, po- referendo são consultas formuladas ao povo
demos considerar que o referendo já estaria para que delibere sobre matéria de acen-
convocado, ou, apesar da previsão legal do tuada relevância, de natureza constitucio-
parágrafo único do art. 28, seria necessário nal, legislativa ou administrativa”. O termo
movimentar o Congresso Nacional para “matéria de acentuada relevância”, no
que elabore um decreto legislativo para entanto, é dotado de um grande subjetivis-
convocar a consulta? mo. Assim, se for entendido que a compe-
Tomando-se a primeira hipótese, ou tência para convocar a consulta popular é
seja, considerando que o referendo já es- apenas do Congresso Nacional, será ele o
taria convocado pela própria previsão le- detentor exclusivo do poder de dizer o que
gal, estaríamos diante de um problema: a considera ser matéria de acentuada rele-
aprovação de um projeto de lei ordinária vância ou não.
requer quorum de maioria simples, segun- Diante desse fato, e para evitar incer-
do o art. 47 da CF, o qual pode ser um tezas, seria importante que a legislação
número menor do que o porcentual de um demarcasse melhor quais as matérias sus-
terço exigido pela Lei 9.709/98 para a cetíveis à consulta popular. Nesse sentido,
elaboração do decreto legislativo.50 O que apontamos duas soluções possíveis. Uma
fazer neste caso? O número faltante de delas consiste na própria Constituição es-
votos favoráveis para ser alcançado o pecificar taxativamente tais questões. No
entanto, se esta for a solução adotada, gera um compromisso moral para o Con-
desde já se deixa o alerta de que tal método gresso e o Executivo acatarem a decisão do
é restritivo e, como conseqüência, poucas povo; caso contrário, criariam um canal de
matérias poderiam ser arroladas no texto impopularidade que colocaria em risco
constitucional, a não ser que se apelasse seus próprios mandatos, como conseqüên-
novamente a termos subjetivos. Outra cia da perda do apoio de seus eleitores.
maneira baseia-se no caminho inverso, ou Fator que também deve ser discutido
seja, a Constituição prever taxativamente está relacionado à redação das questões que
quais assuntos não poderiam, em hipótese envolvem os mecanismos de democracia
alguma, ser objeto de consulta, como as semidireta. Por exemplo: como escrever o
cláusulas pétreas, os princípios fundamen- projeto de lei advindo da iniciativa popu-
tais arrolados no Título I, os princípios lar? Conforme demonstrado acima, a via-
sensíveis previstos no art. 34, VII, do texto bilização desse instituto já está dificultada
constitucional. Esta solução apresenta-se pelo elevado número de assinaturas exigi-
bastante plausível por abrir uma possibili- do para sua propositura no art. 61, § 2.º,
dade democrática de discussão sobre quais de nossa Constituição;52 assim, achamos
assuntos passariam pelo crivo da consulta. que não seria viável dificultá-lo ainda mais
A Professora Maria Victoria Benevides com a exigência de que o projeto de lei a
sugere alguns temas cuja consulta, em sua ser apresentado ao Congresso esteja reves-
opinião, deveria ser obrigatória pela in- tido das formalidades exigidas pelo proces-
fluência que trazem à vida dos brasileiros: so legislativo (artigos, incisos, parágrafos).
questões relacionadas aos direitos huma- Como conseqüência, deve-se permitir sua
nos, a fim de aumentar o rol de proteção apresentação por meio de moção, isto é,
à pessoa e nunca de restringi-lo; políticas uma redação simples que exteriorize a
públicas de grande impacto nacional e as vontade popular, ou em forma de articula-
matérias legislativas de interesse corpora- do, o qual é uma apresentação em tópicos
tivo dos parlamentares para evitar a “de- do assunto a ser objeto de legislação,
liberação em causa própria”, como o au- deixando para o Congresso, quando da
mento de seus vencimentos, os privilégios promulgação, proceder à correta redação
de aposentadoria etc.51 da lei, conforme as regras do processo
Quanto ao resultado da consulta, per- legislativo, mas sempre fiel à vontade
gunta-se: deveria ser vinculante ao Con- popular manifestada.53
gresso ou não? Consideramos que sim, Ainda no tocante à redação das ques-
apesar de a Lei 9.709/98 não dispor sobre tões, urge levantar o quão delicado é a
esse mérito, a não ser para o caso de elaboração das perguntas que serão objeto
alteração territorial (art. 4.º, § 1.º). Se o de plebiscito ou de referendo. Como sin-
resultado da consulta não fosse vinculante, tetizar, em forma de pergunta, o assunto
haveria um desvirtuamento do escopo do que está sendo debatido, a fim de facilitar
próprio instituto, bem como um esvazia- a contagem dos votos a favor ou contra as
mento do princípio da soberania popular, propostas apresentadas e evitar ambigüida-
previsto no caput do art. 14 da Constitui- des? Veja-se, por exemplo, a subjetividade
ção. Mesmo assim, qualquer resultado da questão formulada no referendo de
advindo de referendo ou de plebiscito, seja 17.03.1991 na URSS: “Considera necessá-
a favor ou contra a proposta apresentada, rio preservar a União das Repúblicas So-
31. Art. 10: “O Legislativo e o Executivo 40. O Estatuto do Desarmamento, por exem-
tomarão a iniciativa de propor a convocação de plo, prevê a realização de referendo na própria
plebiscitos antes de proceder à discussão e lei, suspendendo a vigência do dispositivo que
aprovação de obras de valor elevado ou que proíbe a comercialização de armas de fogo e de
tenham significativo impacto ambiental, segun- munição para civis até que tal assunto seja
do estabelecido em lei”. decidido por consulta popular, agendada para
32. Caio Márcio de Brito Ávila, Mecanis- outubro de 2005.
mos de democracia participativa no direito 41. Em termos de números, conferir tabelas
brasileiro, p. 62 (grifos nossos). do item 2.3 deste trabalho.
33. A cidadania ativa: referendo, plebiscito 42. Cf. art. 44, § 1.º, da Lei Orgânica do
e iniciativa popular, p. 34. Município de São Paulo.
34. Interessante mencionar que os Estados 43. Perceba-se que a incompatibilidade
Unidos, pelo modelo federalista adotado, rara- atinge tanto o referendo quanto o plebiscito, já
mente utilizam o instituto com abrangência que ambos os institutos estão regulados nos
nacional, sua prática é mais comumente encon- artigos supracitados.
trada nos Estados-membros da Federação, desde 44. A cidadania ativa: referendo, plebiscito
sua adoção até os dias de hoje. e iniciativa popular, p. 33.
35. O referendo foi adotado por vários 45. Cf. Caio Márcio de Brito Ávila, Meca-
países europeus após a Primeira Guerra: Tche- nismos de democracia participativa no direito
coslováquia, Espanha republicana, Alemanha brasileiro, p. 79-83.
(1919 – todavia, os constituintes não o coloca- 46. Art. 61, § 2.º, da CF/88.
ram na Constituição de 1949, após a desastrosa 47. Para uma melhor noção da distribuição
utilização do instituto por Hitler). Atualmente, dos eleitores nos 5 dentre os 15 maiores
encontra-se nas Constituições da Austrália, Municípios do Estado, conferir tabela do item
Canadá, Espanha, França, Itália, Grécia, Suíça, 2.3 deste trabalho.
Irlanda, Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo, 48. Segundo o art. 1.º da Lei 9.709/98: “§
Países Baixos e diversos países da África de 1.º O plebiscito é convocado com anterioridade
expressão francesa. Cf. Maria Victória Benevi- a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao
des, A cidadania ativa: referendo, plebiscito e povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe
iniciativa popular, p. 41. tenha sido submetido”. “§ 2.º O referendo é
36. Os exemplos citados podem ser encon- convocado com posterioridade a ato legislativo
trados no artigo de Marco Maciel: O desarma- ou administrativo, cumprindo ao povo a respec-
mento e o referendo, publicado no jornal Folha tiva ratificação ou rejeição” (grifos nossos).
de S. Paulo em 03.08.2003. 49. Grifos nossos.
37. Este é um dos motivos que contribui 50. Peguemos como exemplo a aprovação
para que o referendo e o plebiscito sejam de um projeto de lei ordinária na Câmara dos
equiparados, o que gera uma grande confusão Deputados, a qual é composta por 513 deputa-
entre os dois institutos. dos. Suponhamos que se encontrem na sessão
38. Aponta José Afonso da Silva em seu 260 deputados, o que permite iniciar a votação,
livro Curso de direito constitucional positivo, pois está presente a maioria absoluta de seus
p. 65: “A Constituição não introduziu inovação membros. Neste caso, a aprovação de uma lei
de realce no sistema de sua modificação. Até ordinária será obtida com, pelo menos, 131
a votação no Plenário, anteprojetos e projetos votos favoráveis. Já para a convocação de
admitiam, expressa e especificamente, a inici- referendo mediante decreto legislativo, seriam
ativa e o referendo populares em matéria de necessários, no mínimo, 175 votos favoráveis.
emenda constitucional. No plenário, contudo, os A mesma situação poderia ocorrer se tomásse-
conservadores derrubaram essa possibilidade mos como exemplo o Senado Federal, composto
clara que constava do § 2.º do art. 74 do Projeto por 81 senadores.
aprovado na Comissão de Sistematização”. 51. A cidadania ativa: referendo, plebiscito
39. Cf. arts. 8.º e 10 da Lei 9.709/98. e iniciativa popular, p. 149-154.
52. Art. 61 da CF/88: “A iniciativa popular que é manual, mas também com o auxílio da
pode ser exercida pela apresentação à Câmara Internet e do sistema 0800 de discagem telefô-
dos Deputados de projeto de lei subscrito por, nica. A proposta pode ser benéfica para facilitar
no mínimo, um por cento do eleitorado nacio- a iniciativa popular, mas desde que preveja
nal, distribuído pelo menos por cinco Estados, meios seguros para a aferição das assinaturas,
com não menos de três décimos por cento dos a fim de evitar fraudes.
eleitores de cada um deles”. 58. Uma recente estatística fornecida pela
53. Segundo o art. 13, § 2.º, da Lei 9709/98: ONU aponta que 88,39% dos homicídios come-
“O projeto de lei de iniciativa popular não poderá tidos no país ocorreram com a utilização de
ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câ- armas de fogo.
mara dos Deputados, por seu órgão competente, 59. Vide art. 30, V, do texto constitucional:
providenciar a correção de eventuais improprie- “Compete aos Municípios – organizar e prestar,
dades de técnica legislativa ou de redação”. diretamente ou sob regime de concessão ou
54. Ambos os exemplos foram retirados do permissão, os serviços públicos de interesse
livro A cidadania ativa: referendo, plebiscito e local, incluído o de transporte coletivo, que tem
iniciativa popular, de Maria Victoria Benevides, caráter essencial”.
e encontram-se, respectivamente, nas páginas 60. Todavia, as máquinas jamais substitui-
182-183 e na nota de rodapé n. 24, referente rão o ser humano na “arte” de fazer política,
à página 187. pois esta depende da subjetividade humana, a
55. A cidadania ativa: referendo, plebiscito qual nenhuma máquina é capaz de decifrar. Os
e iniciativa popular, p. 181: “Creio que a computadores podem ajudar a colher dados, a
possibilidade de escolha aumenta a liberdade transmitir informações em um menor tempo,
decisória do povo. Em princípio, ela evita, mas não criam soluções para compor os dife-
ademais, um tipo de manobra que consistiria em rentes anseios políticos que fazem parte de cada
prejudicar determinado tema apresentado sob a um de nós.
forma de questão única, fechada, que suscitaria 61. Páginas 54-57.
o repúdio popular, previamente conhecido. Creio,
igualmente, que para muitas questões a inexis-
tência de alternativa ‘desmotiva’ a participação
Referências
popular – ou porque o eleitorado, desconhecen-
do os aspectos técnico-legais da questão, se
constrange em dar um voto ‘fechado’, ou ÁVILA, Caio Márcio de Brito. Mecanismos de
porque faz parte de uma cultura política a democracia participativa no direito brasileiro.
preferência por escolha entre alternativas”. 2002. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
56. Dispõe o art. 8.º da Lei 9.709/98: Direito da USP, São Paulo.
“Aprovado o ato convocatório, o Presidente do
BALBACHEVSKY, Elizabeth. Stuart Mill: li-
Congresso Nacional dará ciência à Justiça Elei-
berdade e representação. In: WEFFORT, Fran-
toral, a quem incumbirá, nos limites de sua
cisco C. Os clássicos da política: Burke, Kant,
circunscrição: (...) IV – assegurar a gratuidade
Hegel, Tocqueville, Stuart Mill e Marx. 10. ed.
nos meios de comunicação em massa conces-
São Paulo: Ática, 2002. v. 2, p. 189-223.
sionários de serviço público, aos partidos po-
líticos e às frentes suprapartidárias organizadas BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A
pela sociedade civil em torno da matéria em cidadania ativa: referendo, plebiscito e inicia-
questão, para a divulgação de seus postulados tiva popular. São Paulo: Ática, 1991.
referentes ao tema sob consulta”.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia.
57. Em relação à dificuldade imposta pelo Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6. ed.
elevado número de assinaturas previsto no art. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
61, § 2.º, da CF, há um interessante Projeto de
Resolução, proposto pelo Deputado Eduardo ––––––. Teoria geral da política: a filosofia
Gomes, o qual objetiva permitir a coleta de política e a lição dos clássicos. Organizado por
assinaturas não apenas pelo processo tradicional Michelangelo Bovero. Tradução de Daniela
Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administra-
2000. tivo brasileiro. 25. ed. São Paulo, Malheiros,
2000.
BOVERO, Michelangelo. Contra o governo
dos piores: uma gramática da democracia. MORAES. Direito constitucional. 11. ed., São
Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Paulo: Atlas, 2002.
Janeiro: Campus, 2002.
QUIRINO, Célia Galvão. Tocqueville: sobre a
BUENO, Eduardo. História do Brasil. 2. ed. liberdade e a igualdade. In: WEFFORT, Fran-
São Paulo: Empresa Folha da Manhã e Zero cisco C. Os clássicos da política: Burke, Kant,
Hora/RBS Jornal, 1997. Hegel, Tocqueville, Stuart Mill e Marx. 10. ed.
São Paulo: Ática, 2002. v. 2, p. 149-188.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de
teoria geral do Estado. 19. ed. São Paulo: ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social:
Saraiva, 1995. princípios de direito político. Tradução de José
Cretella Júnior e Agnes Cretella. São Paulo: RT,
LAMOUNIER, Bolívar. A democracia brasilei-
2002.
ra no limiar do século 21. Pesquisas, São Paulo:
Centro de Estudos da Fundação Konrad-Ade- SILVA, José Afonso da. Curso de direito
nauer-Stifung, n. 5, 1996. constitucional positivo. 15. ed. São Paulo,
Malheiros, 1998.
MADSON, James; HAMILTON Alexander;
JAY, John. Os artigos federalistas. Tradução de STUART MILL, John. Considerações sobre o
Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: governo representativo. Tradução de E. Jacy
Nova Fronteira, 1993. Monteiro. 2. ed., São Paulo: Ibrasa, 1983.