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a RENATO MEIRELLES & CELSO ATHAYDE & ee es eter eee Pre een Sos ae ener e recs Oe ere See ce niicleos desenvolvem oficios na formalidade. No total, 49% tém cartera assinada na iniciativa privada e 3% sio funcioné- ros pablicos. (© registro empregaticio garante treze salios, uma pou- panca por meio do fundo de garantia e acesso ao crédito, ‘modificando a vida das pessoas e revolacionando seus redutos de moradia. Por meio do estimulo a0 consumo e da criaga0 ‘massiva de postos de trabalho, mais do que por meio dos programas sociais, 0 Brasil tem reduzido paulatinamente a desigualdade e constituido beneficios inéditos para os mais ppobres, em especial para os habitantes das favelas Se pretendemos compreender o pais que muda para melhos, 1 despeito de intimeras pendéncias seculares no que tange & universalizagéo de direitos, convém que olhemos para as favela. Elas sdo fundamentais para que reconhecamos, na experiéncia pretérita, 0 erros na gestio do Estado e para que possamos, com. ‘igncia e generosidade, construir agora o Brasil do futuro. Que seam lembrados,naslinhasfinaisdeste denso capitulo, alguns versos de £ Favela, de Claca Nunes, homenagem justa a esses lugares do viver crativo © intenso, edutos de gente forte eterna, onde o Brasil vai se abastecer de energiae fé £280 favela A inficia que tive no posso esquecer Quanto tempo importante passe! por agus, aqui A berrena surgi, mas me fi superar [Nosso amor esperanca retorna a flair fui. (Candeia Jaime, Clara Nunes, Esperanga, EMI-Odeon, 1973). © Dados do Instuto Data Populae 0 LABORATORIO DA NOWA ECONO WIA POPULAR uum garoto quase adolescente fala com a mie, ela no trabalho ‘em um baiero da Zona Sul. “Pode deixar, eu fag a lighos vou deixar oeaderno em cima da mesa da cozinha”,promete, com vox fina e timida Empenhado em guiar os olhares, Marivaldo agora ergue « dedo para cima c 0 movimenta lentamente, acompanhando uma das 152 gndolas do teleérico do Alero, sistema de transporte inaugurado em 2011 que facltou a locomocio nas comunidades. Sao seis estas, uma dels faz a ponte coma malha ferroviria da cidade. Para o morador orgulhoso, 8 obra jé se incoxporous ao menu turstico do Rio. *A vista lt de cima €expetacular”, informs Depois de fixarse no cfu cnzento,cogita a possibildade de chuva, mas io desanima de exibie eu lugar. “Nasci aqui mesmo, na verdade, em Nova Brasilia, nécleo aqui vzinbo, cm uma familia que supecou muitas dificuldades", conta, reprodazindo uma histéria ouvida em outrasfavelas braslias. “Minha mae deu duo para sustentar os filhos ese esforgou para colocar todos eles no bom caminho”. Depois de refer alguns segundos, Marivaldo define a mu- dlanga no ambiente das favelas. Para ele, a principal deas, sgeradora de todas as outras, éecondmnica Segundo ele, as comu nidades sio menos pobres do que nos anos 1980, quando gato 2 juventude a procura de um meio honesto de sobrevivenia. No entanto, pretende adiar 0 debate sobre o assunto, Quer exercita ainda mais a visio dos vistantes. © passo vai conduzindo a um brago mais estreto da rua. Exgue-se alia capelaeatdlica de Sio Joaquim ¢ Santana. A frente dela, um sgaroto com a camisa do Vasco da Gama faz embaixadinhas Um rapaz pula da bicicleta para recolocar a corrente na catraca “Mas isto aqui no era tranquilo assim, nao”, adverte Mativaldo, lembrando que pisava sobre uma frea de desova, de vitimas abatidas pelo crime organizado. ‘anforme as narrativas locais, a vida sem tormentos de guerra otigina-se na instalagio das Unidades de Policia Pacfi- teadora (UPPs), na entrada da década. Sua manutengio tem relagio direta com a criagio ea ampliagio dos negécios leas, mesmo aqueles nao formais. Se as pessoas agora trabalham, ‘comercalizam e constituem renda, menos espago sobra a0 de- senvolvimento das priticas infracionais. Por ali, hé gente que entra e sai de uma agéncia verme- hina de um banco, pioneiro na regio, Uma senhora de ca- belos grisalhos para na porta e conta um maco de dinheiro. Niio parece preocupada. Depois de pigarrear, coloca tudo no bolso do vestide florido, e se vai sobre passos répidos. Diante da casa lotérica, beneficio também recente, outra senhora, ma- sinha e de pele vincada, balbucia os ntimeros de sua aposta. ‘Ao mesmo tempo, forga a vista para determinar 0 valor de uma conta. “A gente logo se acostuma com a comodidade”,flosofa Mativaldo, “Mas isto tudo aqui é novidade, porque nem ir € ‘ir era uma coisa tio simples para o povo da favela.” le conta das barreiras levantadas pelos traficantes © dos horrores vividos pelos pais de familia. “Quando havia troca de tros, eu ficava com 0 coragio na mio, sabendo que minha filha ia atravessar a lina de batalha quando voltasse para ‘casa, recorda. Por entre as lacunas do luxo fervihante, avista-se uma loja {que exibe pegas de lingerie, algumas que balougam ao vento.com, cheiro de terra que precede a chuva. Hé originalidade e modelos ‘usados que expdem a criatividade dos fabricantes. Sobram se eeu jf desconta a inflag30 do period, de reas, o equivalente ao que todos os bolivianos, por exemplo, fazem circular em suas interveng6es de consumo, Desse total, 51% estavam concentrados na regiio Sudeste, o equivalente a 32 bills de reais. Em segundo lugar, encontrava-seo Nordeste, ‘com 22% de share, © que correspondia a 14 bilhoes de reais, Outro dado saltava aos olhos. A renda média dos traba- Ihadores das regides Norte e Nordeste mostrava-se inferior & média nacional das favelas. No Norte, era 3% menor; 10 Nordeste, 22%. Nas comunidades, em que 53% das pessoas jé passaram fome, a vida melhora se ocorre alguma elevacio nos ganhos dda familia, £ a economia, em seus aspectos mais essenciais, quedefineohumordos cidadios. Em 2013,76% consideravam. ‘que a vida efetivamente havia melhorado © 93% estavam ‘otimistas em relagio aos doze meses seguintes. No entanto, a principal responsabilidade por esse avango raras vezes foi atribuida as polticas governamentais ous oportunidades criadas pela iniciativa privada. Para 42%, o salto teve origem no esforgo pessoal. Outros 40% 0 consideraram uma dadiva de Deus. A familia figurou em terceiro lugar, com 14% das referéncias. Apenas 1% lembrou-se do governo, enquanto jqual magra parcela preferiu saudar o empregador. [esse universo, o Bolsa Familia (BF) figura como reforgo de renda, capaz de aquecer a economia local, No total, 24% dos habitantes de favelas tfm alguém no domiclio que recebe 0 beneficio, Eo equivalente a 2,8 milhdes de pessoas. Aocompletar dz anos, em outubro de 2013, o programa acendia a 13,8 mi- ‘hGes de familias, 6,9 milhdes delas nos estados do Nordeste. Quando do langamento, 0 valor médio do beneficio era de 74 zeais mensais. Uma década depois, chegou a 152,67 reais. ses valores, por menores que sejam, no apenas susten- tam familias, mas asseguram meios para que seus integrantes, aaa sh cea seal especialmente as mulheres, empenhem-se em atividades pro- ddutivas. Quem tem garantido o pao de cada dia pode se dedicar, por exemplo, a uma oficina de costura ou & prepara- ‘gio e venda de algum quirute. Esse ganho mensal garantido ‘stimulou as chefes dos nicleos familiares a estudar as melho- res priticas de consumo e a fazer uso de saberes contabeis. ‘Afinal, para quem vive com pouco, cada real tem grande valor. Com o Bolsa Familia e programas afins, como o Brasil Carinhoso, ganhou obviamente o mercado de géneros alimen- ticios, No entanto, outros segmentos foram beneficiados. (© brasileito passou também a adquirir mais roupas, mais ‘medicamentos, mais cosméticos e mais itens de higiene pes- soal. A transferéncia de renda faz 0 dinkeiro circular e aquece, rta ou indiretamente, todos os setores da producio. ‘Com 50 milhdes de beneficiérios, o BF é um multplicador rno ambiente das trocas econdmicas. Se a poupanca “seques- tra” dinheiro dos mezcados, esse tipo de investimento social o ‘multplica, No fim de 2013, segundo dados do Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (Ipea), os gastos com 0 BE cequivaliam a menos de 0,5% do Produto Interno Bruo (PIB). Entretanto, cada 1 real aplicado agregava 1,78 real ao PIB © fazia girat 2,40 reais no consumo das familias.” abe aqui uma comparagdo, Com investimentos da ordem de 0,6% do PIB, © seguro-desemprego adicionava sroporcionalmente 1,09 real ao PIB e entregava 1,34 real a0 rcuito de consumo. “Muitas pessoas no entendem como isso ocorre. Seria ‘mégica? Nao. Na verdade, os mais pobres, em especial os favelados, tém a necessidade de gastar mais do que outras © Disponivel em: hespfwawsae gov beste! anon, 118062. Acesso em faixas da populagio. Isso quer dizer que reforgos financeiros ‘io logo aplicados na satisfagio de necessidades urgentes. F ‘mais: irrigam a economia local. No caso das favelas, 0s valores recebidos sto gastos, quase sempre, no comércio da comu dade, fo que ocorre, por exemplo, nas transagées efetivadas na citada rua Joaquim de Queiroz, no Complexo do Alemio. ‘No caso do BF, o impacto maior ocorre naquelas familias com mais baixos rendimentos. Considerando 0 decénio adotado como recorte de nossa aniliss, a renda média real ddos 10% mais pobres no pais cresceu 120%, em valores que logo foram despejados no circuito de produgio e comércio. Hé um beneficio colateral positivo na aplicagio do pro- ‘grama, de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvi- ‘mento Social ¢ Combate a Fome. Olhemos com atengio para regio Nordeste, por exemplo. Ali respeita-se a determinag? ‘de que os alunos entre 6 e 15 anos devem consignar frequen ‘escolar superior a 85%, De 2006 a 2012, essa exigéncia foi atendida por 97,3% dos beneficistios. ses efeitos parecem duradouros, Em 2012, 3,8% dos be- neficitios nordestinos do BF abandonaram o ensino funda- ‘mental. No caso dos outros alunos da rede, porém, indice foi de 7,5%. Considerado o desafio da sadde, as metas também tém sido cumpridas, Nas familias nordestinas que recebem a bolsa, 99% das criangas com até 7 anos estavam com a vaci- nagdo em dia em meados de 2013. Nessa época, 98% das sgestantesfaziam a0 menos uma consulta médica pré-natal Esses ntimeros, coincidentemente, io bastante préximos ‘daqueles registrados nas favelas que bordam as grandes © médias cidades, de Norte a Sul do pats. No entanto, as pesquisas do Data Favela mostram que 0 principal fator dinamizador da economia nas comunidades nao €o bem-sucedido Bolsa Familia, mas a eriagio massiva de ee cempregos nos der anos que precedem a pesquisa. Quando da redagdo deste liveo, em janeiro de 2014, foram criados 25.595 postos formas de trabalho, mesmo em um periodo marcado pela demissio dos temporsrios agregados na época das festas. ‘A taxa de desemprego no pats, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE) era de 4,8% da populagio economica- ‘mente ativa, 0 mais baixo patamar da série histérica para 0 més, No caso do Rio de Janeiro, em que 10% da populacio -vive em favelas, a taxa era ainda mais baixa: 3,6%. A pesquis apontou que o rendimento médio dos ocupados nas seis re- sides metropolitanas pesquisadas era de 1.983,80 reais, valor 3,6% mais alto que aquele registrado em janeiro de 2013." ‘Ajustemosaluneta para investigaro que ocortia especfiea- ‘mente nas comunidades durante o periodo de pesquisa do Data Favela, no segundo semestre de 2013. Dos que traba- thavam, 49% compunham 0 exército formal de mio de obra, fou seja, guardavam uma carteira de trabalho preenchida na gaveta do criado-mudo, Ao mesmo tempo, 21% cerravam fileiras no mercado informal, 19% ganhavam a vida como ‘anténomos, 4% contribufam para a economia como empre- ‘gadores, 3% tinham empregos piiblicos e mais 3% desenvol- viam outras ocupagdes. ‘Além do trabalho em si, a revolugio silenciosa da favela tem como base a formalizacio das atividades profissionais. O contracheque impresso abre portas para 0 crédito € para o ‘consumo, Seus portadores podem planejar o futuro e repartir ‘0 dnus das aquisigées em 12, 24 ow 36 obrigacées mensais Dos mifhares emilhares de TVs de tela plana que entraram no 7 Disponive eme

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