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Resumo
O artigo analisou a coleção de revistas Bello Horizonte, das décadas de 1930 e
1940, disponibilizadas ao público através do site do APCBH. As revistas circularam,
sobretudo, na capital mineira. Eram utilizados contos, textos, crônicas e poemas em suas
páginas, que falavam do cotidiano em Belo Horizonte. A partir de uma leitura
generalizada, foi possível selecionar alguns exemplares para análise. A análise visual
levou em consideração aspectos do design gráfico. A análise textual levou em
consideração, principalmente, o tipo de texto e o conteúdo. Concluiu-se que o
deslocamento do centro urbano de Belo Horizonte, em 1936, foi um marco na transição
da cidade administrativa para a metrópole atual, bem como para o amadurecimento do
conteúdo da revista e uma significativa mudança nos aspectos gráficos da mesma.
Palavras-chave: Art Déco, Revista, Belo Horizonte
Resumen
El artículo examinó la colección de revistas Bello Horizonte, de las décadas de
1930 y 1940, a disposición del público a través del sítio web del APCBH. Las revistas
circularon, sobre todo, en la capital de Minas Gerais. Eran usados cuentos, textos,
crónicas y poemas en sus páginas, que hablavan de la vida cotidiana en Belo Horizonte.
Desde una lectura general, fue posible seleccionar a algunas muestras para su análisis.
En el análisis visual se tomaron en cuenta aspectos del diseño gráfico. El análisis textual
tuvo en cuenta el tipo de texto y el contenido. Se concluyó que el desplazamiento del
centro urbano de Belo Horizonte, en 1936, fue un hito en la transición de la ciudad
administrativa para la metrópoli, así como para la maduración del contenido de la
revista, y un significativo cambio en los aspectos gráficos de la misma.
Palabras-clave: Art Deco, Revista, Belo Horizonte
* Graduado em Artes e Design pela UFJF. Mestrando em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG. E-
mail: kadu.olliveira@gmail.com
Introdução
[...] de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento
dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o
que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente
numa massa amorfa, [...] é o que, na própria raiz do enunciado-acontecimento
e no corpo em que se dá, define, desde o início, o sistema de sua
enunciabilidade. [...] é o que diferencia os discursos em sua existência
múltipla e os especifica em sua duração própria (FOUCAULT, p.149, 1987).
E é isso o que, de certo modo, uma revista faz. Ela determina quais personagens
e quais notícias podem aparecer e pertencer ao seu mundo, prezando por uma certa
coerência entre os elementos distintos, que não permite a eles serem vistos pelo leitor
como uma massa de textos desconexos.
Ao falar da vida cotidiana, da evolução da cidade e das personalidades dessa
sociedade, a revista Bello Horizonte se torna um ponto de referência das distintas
manifestações humanas na capital mineira, pelas décadas de 1930 e 1940. O que reforça
seu caráter de arquivo é a presença física e armazenadora de documentos que cada
revista carrega, pois, de acordo com o sentido de “arquivo”, o termo surge para designar
“inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço, a residência dos magistrados
superiores, os arcontes, aqueles que comandavam” (DERRIDA, p.12, 2001). Sendo os
arcontes sujeitos capazes e responsáveis de armazenar documentos diversos em suas
próprias casas, o espaço físico que guarda um arquivo é um espaço físico capaz de
protegê-lo e mantê-lo disponível para consulta sempre que necessário. De acordo com
Derrida (2001), o arquivo “tem lugar em lugar da memória”, sendo ele um local de
apoio e armazenamento das memórias. Desta forma, “o arquivo apresenta-se assim
como um lugar físico que abriga o destino dessa espécie de rastro que cuidadosamente
distinguimos do rastro cerebral e do rastro afetivo, a saber, o rastro documental”
(RICOEUR, p.177, 2007).
A revista Bello Horizonte teve como foco principal retratar a vida cotidiana da
cidade de Belo Horizonte. De início, as crônicas giravam em torno do centro urbano,
sobretudo nas imediações da Avenida Afonso Pena com a Rua da Bahia, e os cinemas da
capital. À medida que a cidade foi crescendo, a revista evoluiu: as reportagens
ganharam mais espaço, fatos de outras cidades começaram a aparecer em suas páginas,
a publicação se tornou mensal, e o design se alterou de acordo com a estética vigente.
Porém, a revista nunca deixou de falar da capital, de seus “moradores ilustres” e das
transformações que a urbe sofria com o passar dos anos.
Na edição que comemorou os sete anos de existência da revista (em setembro de
1938), uma reportagem informava que, em 1900, Belo Horizonte contava com 13.472
habitantes; em 1938, a população era de 208.177 habitantes (o projeto inicial previa
100.000 moradores ao longo de 100 anos). Em 1905 eram 3.213 prédios na capital; já
em 1938 a população contava com 29.605 edifícios erguidos. Dentre as novas
edificações, em outra reportagem, a revista destacou algumas imagens da fachada e
interior do armazém e da usina da firma Ulysses Vasconcelos. O edifício, em estilo Art
Déco, foi composto dentro das regras clássicas da arquitetura deste período: janelas
amplas em grade de ferro e vidro formando uma malha geométrica retangular, linhas
horizontais e verticais ressaltando o efeito de escalonamento (efeito “escadinha” feito
com a sucessão progressiva das formas, geralmente de forma ascendente), e ocultando o
telhado de cerâmica, considerado “feio” à época, por não ser uma tecnologia moderna
como o concreto armado.
Além das imagens, aqui encontramos um depoimento da revista sobre o senhor
Vasconcelos:
Esse ângulo reto formado no coração de Bello Horizonte pela rua da Bahia e
pela avenida Affonso Penna, em todo o esplendor de sua beleza elegante, já
está celebre na memoria da nossa cidade moderna. Ali, a cidade genuflecte-
se, como numa procissão de fé. E´a ronda das mulheres mais bellas e
elegantes, que passam numa espuma de sedas e numa onda de perfumes, na
hora macia da tarde, quando até o ar parece mais leve. O encontro dessas ruas
elegantes, até faz lembrar o reflexo de fadas encantadas passando por dois
espelhos, como nas nossas historias de creança. Quanta belleza, quanto
esplendor nesse vae e vem constante (BELLO HORIZONTE, p.8, 1933).
O destaque dado à presença das mulheres transitando revelou muito mais do que
o tecido usado por elas na época. Mostrou qual era o público que frequentava essa
região, a forma como a mulher era vista naquele momento, a importância de se viver e
conviver na cidade, a calma que o tempo permitia aos sujeitos (apesar da vida moderna),
capazes de passear em pleno centro da cidade e parando, inclusive, para admirar o
passar do outro. O desejo de ser moderno, e não mais interior, foi apontado pela revista
como um ideal da própria população. A descrição também revelou um hábito social dos
belo-horizontinos, o footing – o andar pela cidade onde se podia ver e ser visto, onde se
conhecia pessoas e flertava-se através do olhar. Moças e rapazes se arrumavam para
caminhar nas proximidades do Bar do Ponto, a fim de se conhecerem e buscarem um
relacionamento. “Footing” era também o nome de uma coluna da revista. Durante o
período em que Bello Horizonte foi uma revista semanal, a coluna trazia uma crônica
sobre o footing da semana. Às vezes com alguma fotografia das moças que por ali
transitavam, a coluna mostrava conversas de homens sobre as garotas, ou simplesmente
comentava o quanto elas eram importantes naquele evento e naquela semana.
O Bar do Ponto, considerado importante já naquela época para a memória da
cidade, foi substituído por volta de 1935, segundo Castriota e Passos (1998). Conforme
dito anteriormente, Belo Horizonte ultrapassara os 100 mil habitantes na década de
1930 e, naquela mesma década, aspirava ser uma metrópole. Seu desejo de crescimento,
reconhecido pela população, foi pensado a partir de 1934 com a criação da Comissão
Técnica Consultiva da Cidade. Parte dessa comissão foi responsável por reformular o
plano urbanístico da capital, e, por conta disso, o ponto central dos bondes mudou de
endereço: “a transferência da estação central de bondes do ‘Ponto’ para a Praça Sete
veio marcar o deslocamento do ‘centro’ da cidade” (CASTRIOTA E PASSOS, p.134,
1998). As implicações desse deslocamento se refletiram no editorial da revista Bello
Horizonte: uma tradicional coluna, chamada “Avenida”, não apareceu publicada em
1936. De forma versada, “Avenida” era uma coluna/poema que informava o que
acontecia no Bar do Ponto e nas redondezas deste com a Avenida Afonso Pena.
A edição de 12 de junho de 1937 trouxe de volta o poema periódico – agora sob
o título de “Praça Sete”, uma indicação de que o centro da cidade mudara. Com a
assinatura de Dom Sancho, em oposição à Dom Ruy (autor de “Avenida”), o poema
seguia a mesma estrutura e estilo de contar aquilo que acontecia durante o footing e o
cotidiano da cidade, principalmente em relação às mulheres. Segue um trecho
destacado:
A Praça 7, agora, virou sala:
E´ali que se “corta”, é ali que se fala...
Segredam, quando passas, junto ás louras,
Que já não és, amor, o que tu fôras...
Ninguém sabe, meu bem, si és feliz,
Si já encontraste aquelle que te quis...
Agora isso é verdade; o povo dil-o:
Quando tu queres isso, é bem aquillo...
–Veja que loura vem passar, depois... –
E´ ”blonde”, sim, – mas H²O²[...]
Olha quem vae ali: E´ um caso sério...
A sua vida – dizem – é um mysterio...
Um bom malandro; nunca viu trabalho...
Outra vida não quer: – é do baralho...
[...] (BELLO HORIZONTE, p.15, 1937)
Entretanto, esse ainda não era o período máximo do evoluir da cidade. A fase
de mais intenso progresso desta começou em 1935, com a sua transfiguração
decorrente de uma série imensa e grandiosa de melhoramentos, realizados no
período administrativo do Prefeito Otacílio Negrão de Lima, mandatário da
confiança do Excelentíssimo Senhor Governador Benedito Valadares. Em
seguida, [...], tivemos a dinâmica e arrojada fase governamental do Prefeito
Juscelino Kubitschek de Oliveira, fortemente prestigiado pelo Excelentíssimo
Senhor Governador Benedito Valadares [...] (BELLO HORIZONTE, p.42,
1944).
Capas
Percebeu-se, ao longo da
análise, um uso predominante dos
vermelhos, verdes e negros nas
ilustrações de capa (Figura 1). Levando
em consideração que boa parte dos
impressos da época eram feitos em
tipografias, onde as cores eram
Figura 2: Capa da revista Bello Horizonte de 18 de aplicadas ao papel, uma a uma, tem-se
Setembro de 1933. Fonte: APCBH/ Coleção Revista
Bello Horizonte. uma referência dos motivos da pouca
exploração cromática nas capas
do início da publicação –
quanto mais cores, maior o
trabalho, mais caro o produto
final. Os traços das ilustrações
possuíam linhas puras e,
geralmente, a figura feminina.
Figura 3: Capas da revista Bello Horizonte de Março de 1934 O desenho firme e preciso, com
e Fevereiro de 1934, respectivamente. Fonte: APCBH/
Coleção Revista Bello Horizonte.
preenchimento maciço, foi uma
característica do estilo Art
Déco. A geometrização das formas se fez presente nestas ilustrações que demarcaram
um primeiro momento da revista, quando ainda era publicada semanalmente. A
tipografia do logotipo Bello Horizonte não seguia o estilo Art Déco, que buscava formas
geométricas e puras:
A tipografia de estilo Art Déco, por ter sua construção baseada nos princípios
geométricos, aparenta ser de fácil execução, o que levou, em diversos
momentos, a ser executada por pessoas com pouca intimidade com os
procedimentos do desenho tipográfico, resultando em exemplares com
formas no mínimo curiosas, que apresentam também soluções únicas de
aplicação, geralmente para possibilitar que um tamanho determinado de letras
se encaixe no espaço físico disponível, ou de outros procedimentos que
variam caso por caso (D’ELBOUX, p. 281, 2013).
cidade se deslocara para a Praça Sete. Nessa transição, o layout da capa recebeu uma
faixa superior e um logotipo (figura 4). A revista também passou a publicar um conto
em sua capa, compondo e trazendo sentido à ilustração. Percebeu-se que houve um
investimento na colorização das ilustrações, talvez a chegada de uma nova tecnologia
gráfica permitia a impressão em mais de uma cor ao mesmo tempo, barateando os
custos de produção de imagens policromadas, bem como a busca por um estilo mais
próximo ao das edições do final da década de 1940, que já apresentavam traços da
presença do modernismo nas artes gráficas. Em três das quatro capas analisadas, o
logotipo possuía fonte em estilo Art Déco. Houve, também, uma fixação do logotipo na
área superior da capa.
Algumas capas foram classificadas como edições especiais (figura 5). Nelas, a
ilustração ou a fotografia fizeram parte da reportagem principal. As edições especiais
foram, em sua maioria, mensais, e se distanciavam, de certo modo, das capas das outras
edições, por serem mais autênticas em função da temática empregada. As capas das
edições especiais variavam entre si, de
acordo com o tema proposto. Utilizaram
tecnologias de impressão modernas para a
época e foram mais exuberantes do que as
anteriores. A ousadia permitida pelo tema
da publicação era vista na composição
entre ilustração e tipografia, ou fotografia
Figura 6: Coluna "Avenida". Tipografia. Fonte: e logotipo, que variavam e se adequavam
APCBH/ Coleção Revista Bello Horizonte.
entre si, não importando tanto a estética
vigente.
Páginas internas
Figura 9: Colagem. Tipografias Art Déco utilizadas pela revista. Fonte: APCBH/ Coleção Revista Bello
Horizonte.
Conclusão
Referências Bibliográficas
LEMME, Arie Van de. Guia de Arte Deco. Tradução: Eduardo Saló. Lisboa:
Estampa, 1996.
LUPTON, Ellen. Pensar com Tipos: guia para designers, escritores, editores e
estudantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 1, n. 12, 16 nov. 1933.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 1, n. 18, 19 jan. 1934.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 4, n. 73, 30 out. 1936.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 4, n. 82, 12 jun. 1937.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 5, n. 93, 3 jun. 1938.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 7, n. 107, set. 1939.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 7, n. 111, jan. 1940.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 10, n. 148, jan. 1943.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 12, n. 166, jul./ago. 1944.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Miguel Chalup (Dir.), a. 14, n. 188, dez. 1947