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Beijo de amor

Barbara Cartland

Coleção Barbara Cartland nº 355

Título original: A KISS OF LOVE


Copyright: © 1994 by Barbara Cartland
Tradução: Nancy de Pieri Mielli
Copyright para língua portuguesa: 1994
CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 — 9° andar
CEP 01410-901 — São Paulo — SP — Brasil
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

Digitalização:

Revisão: Ana Claudia M.


Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

A mais famosa autora de romances históricos, com


600 milhões de livros vendidos em todo o mundo

Um casamento arranjado? Nem pensar!

Malvina, rica e bonita, não aceita a decisão do pai de arranjar um casamento de


conveniência por temer vê-la envolvida com algum caça-dotes. Ainda mais com um
homem que ela nem conhece. Escondida do pai vai a Paris para ver quem é o
“candidato a marido”. Quando o encontra, não revela sua verdadeira identidade, a
fim de conhecê-lo melhor. Acabam, porém, se apaixonando. “E agora?”, Malvina se
pergunta. “Será que ao revelar-lhe a verdade, Charles não a julgará uma mulher sem
caráter?”
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Barbara Cartland é, sem dúvida, a mais famosa escritora romântica


do mundo. Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar algumas: é historiadora,
geógrafa, poetisa e especialista em dietas naturais. Atuante personalidade política, sempre
lutou pelos direitos dos grupos menos favorecidos da sociedade inglesa, especialmente os
ciganos, viúvas pobres e crianças abandonadas. Super criativa e culta, já escreveu mais de
550 livros, editados em todo o mundo cm dezenas de idiomas e dialetos, tendo alcançado
com essas obras a incrível marca de 600 milhões de exemplares vendidos.
Algumas datas da vida de Barbara Cartland:
1901 - Nascimento, no dia 9 de julho
1923 - Publica seu primeiro livro
1927 - Casa-se com Alexandre McCorquodale
1933 - O primeiro casamento é desfeito
1936 - Casa-se em segundas núpcias com Hugh McCorquodale, primo de seu
primeiro marido
1963 - Publica seu centésimo livro
1976 - Sua filha Raine casa-se com o Conde Spencer, pai da princesa Diana
1981 - A princesa Diana, enteada de sua filha, casa-se com Charles, príncipe-
herdeiro da Inglaterra
1983 - Entra no livro de recordes Guinness
1991 - Recebe o título de “Dame” do Império Britânico

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

NOTA DA AUTORA

Em setembro de 1870, um ano depois desta história, chegou ao fim o


brilhante e excitante segundo império.
A guerra franco-prussiana teve início em julho e o imperador e suas
tropas se renderam em Sedan, no mês de setembro.
Nessa época, a maior preocupação de Cora Pearl era seus estábulos. De
uma forma inexplicável, ela conseguiu esconder oito dos seus cavalos. Sua
casa foi transformada em hospital para os soldados. Todas as despesas eram
pagas por ela própria.
Quando Paris capitulou, em janeiro de 1871 e a paz foi assinada em
maio, ela continuou a representar nos palcos de Paris, e se tornou uma das
mais famosas cortesãs do país.
Mas a alegria reinante antes da ocupação alemã nunca mais tornou a ser
a mesma.
Cora morreu de câncer aos cinqüenta anos de idade.
Blanche d'Antigny estava em Toulouse nas vésperas da guerra franco-
prussiana. Com o advento dos problemas, ela voltou para Paris e
transformou parte de sua casa em hospital, onde cuidou de quarenta
soldados bretões, com seu próprio dinheiro.
Quando a paz voltou a reinar, esses homens a visitavam sempre que
possível, trazendo-lhe galinhas, batatas e porcos, de presente.
Este é um dos bilhetes que costumavam lhe mandar:
“Rezamos todos os dias à Virgem Maria por você. Adeus querida amiga.
Nossas saudações a todos os seus maridos.”
Blanche organizava festas em sua residência em prol dos feridos.
Quando a guerra terminou, entretanto, muitas pessoas acusaram as cortesãs
pela trágica falha do velho regime. Diziam que eram culpadas pelo fato de
minarem a força de vontade dos homens e principalmente seu bom senso.
Blanche se apaixonou apenas uma vez em sua vida. Seu coração foi
entregue a um tenor, de nome Luce, que morreu em 1873 de tuberculose.
Blanche nunca foi capaz de esquecer o homem que lhe proporcionara tão
completa felicidade. Depois de sua morte, ela não ligou para mais nada,
principalmente para o dinheiro.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Quando morreu, aos trinta e quatro anos, embora a doença


diagnosticada fosse o tifo, as pessoas diziam que contraíra tuberculose de seu
amante.
A história das cortesãs é uma parte genuína da história do segundo
império e os nomes de Cora Pearl e de Blanche d'Antigny sempre serão
lembrados.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO I

1869

Ao ouvir os cavalos se deterem diante da porta principal, milady


Malvina Silisley desceu correndo as escadas. Seu pai, o conde de Silstone,
estava saindo da carruagem no instante em que ela chegou ao pátio.
— Você voltou, papai! — Malvina o abraçou pelo pescoço. — Senti tanta
saudade. Como pôde ficar longe por tanto tempo?
— Foi só uma semana, minha filha — o conde replicou sorridente — mas
sinto-me lisonjeado por ter se sentido só sem mim.
— Muito, muito só — Malvina confirmou. — Não imagina o quanto
tenho para lhe contar. Entre e tome seu chá. Ele já está pronto e à sua espera,
na sala de estar.
Pai e filha adentraram a mansão que servia de lar a todos os condes de
Silstone e suas famílias, há três séculos. Era uma construção imponente e
muito bem cuidada. Entretanto, não fora sempre assim. Antes de seu pai, o
quinto conde, providenciar os serviços de reparos, a mansão havia sofrido
vários problemas de manutenção.
Seu pai fora muito feliz em ter condições de devolver ao lar de seus
ancestrais seu aspecto original. Um padrinho, que enriquecera ao explorar o
mundo, deixara-lhe toda sua fortuna ao morrer.
As últimas gerações dos Silisley sempre lastimaram a impossibilidade de
o chefe da família ocupar a mansão que lhe deveria servir de teto, por direito.
Dessa forma, foi uma alegria geral quando seu pai começou a executar os
trabalhos de restauração, auxiliado pela esposa que era dona de um bom
gosto inigualável.
O resultado de tal empreendimento foi o reconhecimento de Silstone
Court, como era conhecida a mansão, como a casa ancestral mais linda do
país.
Mas não era apenas a casa que era admirada. O conde era querido e
bem-vindo em toda a vizinhança, e não por causa de seu dinheiro, mas por si
próprio. Era um homem inteligente, charmoso e muito bem-humorado,
sempre pronto a ajudar quem precisasse.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Assim que recebeu a herança, o conde Silstone recebeu um grande


número de conterrâneos, e não deixou faltar auxílio a nenhum. Além do
amparo material, ele os ajudou com palavras e conselhos. Nunca fez pouco
caso ou se negou a ouvir uma história triste.
Até a esposa morrer, era extremamente feliz. Sua única tristeza era não
terem conseguido gerar um filho que, um dia, viesse a herdar o título da
família. Apesar de adorar a filha meiga, inteligente e linda, quando falecesse,
seria um primo, a quem ninguém estimava, o sucessor do condado.
Por outro lado, o conde ainda era um homem relativamente jovem. Força
e saúde não lhe faltavam. Era muito freqüente ouvir-se comentários sobre um
provável futuro casamento seu, com a vinda do tão esperado herdeiro.
Até o presente momento, contudo, o conde não tivera tempo para se
dedicar à procura de uma nova esposa. A filha acabara de voltar para casa,
após completar uma educação esmerada.
Para a única filha, o conde escolhera nada menos do que a mais
renomada das escolas para moças, em St. Cloud, nos arredores de Paris.
As alunas nascidas das famílias aristocratas dos mais diversos países
europeus eram matriculadas naquela escola, mantida por uma ordem de
religiosas, e que contava, entre seu corpo docente, com os melhores e mais
experientes professores e mestres de toda a França.
Malvina se formara com louvor. As notas de seu boletim eram
excepcionais. Quatro medalhas de mérito o provavam.
A volta para casa era um sonho realizado. Apesar de gostar muito da
escola e das colegas, sempre sentira muita saudade de seu lar.
Agora, com a ausência do pai, dedicara a maior parte do tempo
cavalgando e explorando a propriedade, em especial as novas construções e
plantações que foram realizadas durante o curso em St. Cloud,
Sua maior paixão eram os livros. Dessa forma, a parte da casa que mais a
atraía era justamente a biblioteca. Seu pai, um homem de muita cultura, lhe
fizera uma agradável surpresa, adquirindo todos os livros de importância
que haviam sido publicados durante sua permanência no colégio.
Era uma maravilha vê-los, à sua espera, em excepcional ordem nas
prateleiras.
Naquele instante, conforme acompanhava o pai para dentro da casa,
ocupou-se em lhe contar as novidades sobre as éguas que haviam acabado de
ter seus potrinhos, e sobre as orquídeas recém-florescidas, que haviam sido
trazidas do Oriente.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Você precisa vê-las, papai, assim que tomar seu chá — Malvina
comentou ao chegarem à sala de estar, um ambiente particularmente
aconchegante e luxuoso que fora decorado pela falecida condessa com
mobília e objetos do período de Luís XIV.
Os quadros, em sua totalidade, eram de autoria de famosos pintores
franceses, a maioria dos quais fora adquirido pelo conde em suas visitas
periódicas a Malvina.
De acordo com os desejos da condessa, quando em vida, havia uma
profusão de flores por toda a parte. Sob os raios do sol, que também incidia
sobre o aparelho de chá em prata, havia beleza, alegria e cores.
— Agora que já lhe contei as novidades — declarou Malvina enquanto
passava ao pai o cesto com pãezinhos quentes — fale-me sobre o que fez em
Londres.
O conde fez uma ligeira pausa antes de responder:
— Estive procurando um marido para você, minha querida.
Os olhos grandes e azuis de Malvina se abriram, surpresos. A voz
incrédula e inquisitiva dava sinais de que ansiava por ter interpretado
erroneamente as palavras.
— Um marido? — repetiu, por fim.
— Ando muito preocupado — confessou o conde. — Estive pensando
que daqui a poucos meses estaremos em nossa casa em Park Lane, em
Londres, para a abertura da temporada. Você se transformou em uma moça
muito linda, meu tesouro. Temo que seja perseguida pelos caçadores de
fortunas.
Malvina riu,
— Não precisa se preocupar, papai. Sou esperta demais para ser
enganada por um homem que prefere meu dinheiro a mim.
— Não duvido que seja desejada pelo que é, pois é bonita demais —
replicou o conde —, mas a fortuna que envolve seu nome é como a cobertura
de um bolo. As pessoas admiram-na mais do que o próprio conteúdo.
— Não ligo para meu dinheiro.
— Sei disso, mas aqueles que vierem a conhecê-la certamente falarão a
respeito. — O pai balançou a cabeça. — Conheço muito bem esse tipo de
gente, especialmente os homens. Os caçadores de fortunas são muito ladinos
quando querem convencer uma mulher de que é só o amor que conta.
— Não entendo por que está se preocupando tanto com isso, agora, meu
pai — Malvina estranhou. — Não pretendo me casar. Não quero deixá-lo.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Estive longe de casa por muito tempo. Agora que voltei, sinto-me no paraíso.
O pai a fitou com adoração.
— Estou muito feliz que se sinta assim. Ao mesmo tempo, acredito ter
encontrado o marido perfeito para você e é um alívio para eu deixar essa
preocupação com seu futuro de lado.
Fez-se um longo silêncio até Malvina argumentar:
— Está falando sério, papai?
— Muito sério, meu bem.
— Acredita realmente que eu me casaria com um homem que sequer
conheço?
— Não se trata de alguém de quem nunca ouviu falar. O marido que
escolhi para você é conhecido de nossa família. Você já o viu embora não se
lembre. Eram crianças quando se separaram. Ele é jovem, charmoso e
admirável. Sei, por instinto, que serão muito felizes juntos.
— Quem deve decidir isso sou eu, não acha papai? De qualquer modo,
por favor, fale-me sobre esse homem que lhe causou tão boa impressão.
O conde se recostou no sofá.
— Você ficará admirada, mas o marido que tenho em mente é, na
verdade, nosso vizinho. Será um casamento feliz e muito vantajoso de ambas
as partes. Imagine nossas propriedades unidas, sem delimitações. Serão as
maiores e mais lucrativas de toda a Inglaterra.
— Não sei do que você está falando — Malvina interveio. — Nem sei
quem é esse tal vizinho.
— A resposta está na sua ausência do país por um longo período. Nesse
espaço de tempo acabou se esquecendo de que é o marquês de Arramford
quem mora a apenas seis ou sete quilômetros de distância de nós, e cujas
terras se encontram com as nossas no rio Need. Encontrei-o no White's Club
há três dias — continuou o conde —, e ele me confidenciou sobre suas
preocupações com o filho, o conde de Arram, por ele não dar sinais de querer
se casar. Próximo de completar seus vinte e sete anos, a seu ver ele já deveria
ter se estabelecido e iniciado uma família.
O conde olhou de esguelha para a filha. Como ela não tecesse
comentários, continuou:
— Assim como aconteceu comigo e com sua mãe, o marquês está ansioso
pelo nascimento de um neto e herdeiro. De outra forma, se algo acontecer
com Charles, o marquesado será extinto, uma vez que não há outro parente
que possa vir a assumi-lo em caso de morte.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Que história complicada! Por outro lado, caso Charles Arram não
queira se casar, não vejo quem poderá obrigá-lo, ou sequer levá-lo a mudar
de idéia. Eu, muito menos.
O conde riu.
— Ele se casará com você, tenho certeza. O pai acha a idéia excelente.
Ficou deslumbrado com a possibilidade, não apenas por você ser minha filha
e nós sermos grandes amigos, mas também pelo fato de estar enfrentando
dificuldades financeiras, no momento. O marquês está precisando de
dinheiro não só para a manutenção de sua casa, mas principalmente para o
cultivo das terras. Nada lhe daria mais prazer do que tê-la como nora.
— Você já pensou, por um instante, papai, que o marquês de Arramford
se encaixa exatamente no que acabou de me contar sobre os caçadores de
fortunas?
— Claro que sim — concordou o conde. — Qualquer pai, que tenha um
filho atraente destinado a herdar seu título, deseja que ele se case com alguém
a quem ame e que seja bonita, mas que também possua um grande dote para
ajudá-lo com as despesas de suas propriedades.
Malvina não concordava com as idéias do pai, mas nada respondeu.
— O mesmo acontece, como você bem sabe, com as mães ambiciosas que
procuram noivos com títulos para suas filhas. Eu não sou sua mãe, Malvina,
mas como um pai zeloso, impossibilitado de casá-la com a realeza, ficaria
encantado em entregá-la nas mãos de um jovem que, eventualmente, a
tornará a marquesa de Arramford.
— Se quer saber minha opinião — Malvina declarou após um momento
— acho tudo isso muito desagradável. No colégio, minhas amigas e eu
costumávamos falar sobre o amor. O sonho de todas nós era conhecer um
homem charmoso e bonito que se apaixonaria por nós com a mesma
intensidade que nos apaixonaríamos por eles.
— Será exatamente isso que acontecerá — o conde afirmou. — Apenas a
estarei poupando do assédio dos caça-dotes de Londres. Você é rica, minha
filha. Não haveria como evitá-los. No entanto, Charles Arram tem a lhe
oferecer tanto quanto você tem a oferecer a ele.
O conde aguardou um sinal de Malvina. Como ele não viesse,
prosseguiu:
— A família dele é mais antiga do que a nossa. O marquês goza de uma
posição privilegiada na corte. A rainha Bicharia, inclusive, lhe tem grande
afeição. Vive se queixando de que ele não lhe dedica tanto do seu tempo
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

quanto desejaria, embora entenda que os negócios o prendam muito.


— Quais são exatamente os planos que fez para mim? — Malvina
indagou, a voz tensa.
As palavras do pai haviam sido um choque. No entanto, conhecendo-o
como conhecia, não se atrevia a contrariá-lo de imediato. Mas ela também se
conhecia muito bem e não tinha a menor intenção de se casar com um
homem, cujo pai estava interessado em seu dinheiro. Ou com um homem
escolhido por seu próprio pai.
Por outro lado, era inteligente demais para criar um caso antes de
conhecer a história toda. Dessa forma, com uma voz arduamente controlada,
Malvina pediu.
— Estou me sentindo um tanto ansiosa, papai. Conte-me tudo desde o
começo. Você encontrou o marquês no White's Club e ele lhe contou que está
preocupado por causa do filho.
— Foi mais ou menos assim — admitiu o conde. — Eu lhe perguntei
como Charles estava passando e ele me respondeu que o filho andava
pensando apenas em se divertir, como acontece com a maioria dos jovens.
Confidenciou-me, então, que acreditava ser mais do que hora de ele se
acomodar.
— Por que ele não dá tempo ao tempo?
O conde sorriu.
— Você não conhece os homens! Mas deve ter ouvido falar a respeito.
Eles acham que seriam tolos se não colhessem todas as flores que surgem em
seu caminho.
— Em outras palavras, Charles Arram é do tipo que se envolve com
muitas mulheres — Malvina resumiu aborrecida.
— Sim, ele é. Acontece o mesmo com todos os rapazes que vivem nos
círculos sociais, onde são recebidos de braços abertos.
— Por que, então, ainda não se casou?
— Porque, minha querida, seus affaires-de-coeur, como dizem os
franceses, sempre envolvem mulheres casadas ou viúvas. Jovem e atraente,
Charles encara as mulheres como fontes de prazer apenas. Nunca se ouviu
qualquer rumor sobre ele estar namorando seriamente uma garota e muito
menos sobre um próximo casamento.
— Você acha que essa vida de aventuras amorosas começou a cansá-lo,
ou é apenas o pai que decidiu que ele deve passar a encarar a vida com maior
seriedade?
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

O conde olhou para Malvina com admiração. Suas perguntas eram


sagazes e seu comportamento calmo. Para ser franco consigo mesmo, ele se
preparara para atitudes até mesmo histéricas em sua recusa de discutir um
casamento de conveniência.
— O marquês me informou que Charles está em Paris no momento.
Ficou combinado que ele o trará para almoçar ou jantar em nossa casa, assim
que regressar. Nós dois estamos certos de que vocês gostarão um do outro
quando se encontrarem. Nesse instante, todas as peças se encaixarão em seus
lugares.
— Eu acho papai, que você está abrindo suas portas para um estranho.
Apesar de ser amigo de seu vizinho, não sabe que tipo de homem é o filho.
Um aventureiro, para dizer o mínimo. E por tudo o que li, embora não tenha
experiência, o amor surge inesperadamente e em geral quando não é
conveniente.
— Você tem lido romances demais — o conde comentou, divertido. —
Posso lhe garantir que é muito fácil um homem se apaixonar à primeira vista
por uma garota bonita, e você é linda.
— E Charles Arram?
— Pelo que o pai me contou, as mulheres o perseguem desde que deixou
o berço. Além de ser muito atraente, ele gosta de viver a vida. Dessa forma,
todos que o rodeiam, se divertem também.
Fez-se um novo silêncio.
— O que o conde está fazendo em Paris? — Malvina quis saber, de
repente.
— Será que você não adivinha? — o pai perguntou, rindo. — Embora
tenha estudado em um colégio de freiras, deve ter ouvido falar que a França é
o país mais glamoroso da Europa. A beleza e o charme de suas mulheres são
aclamados mundialmente. O imperador e a imperatriz fizeram da capital o
lugar mais fascinante e divertido que a França já conheceu. — O conde
suspirou. — Quando ouço as notícias sobre o que ocorre em Paris,
freqüentemente me entrego aos sonhos de voltar a ser jovem.
— Você não é um velho, papai — Malvina retrucou. — Por que não faz
uma viagem a Paris e se diverte o quanto quiser?
— Para ser sincero, prefiro ficar em casa com você. Oh, e por falar em
viajar, estou me lembrando de que precisarei ir à Escócia na semana que vem.
— Oh, não, papai! — Malvina exclamou. — Outra vez? Por quê?
— Recebi uma carta do meu corretor, comunicando sobre os reparos
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

urgentes que devem ser feitos no castelo. Parece que surgiu, também, uma
oportunidade de se adquirir centenas de acres.
— Pensei que nossos bens já fossem mais do que suficientes — Malvina
retrucou.
— Terras nunca são demais. O dono dessas charnecas, que são excelentes
para a caça, faleceu recentemente.
— Então você resolveu ir até lá e averiguar.
— Não ficarei longe por muito tempo. Dez dias no máximo — o conde
prometeu. — Assim que retornar, iremos a Londres. Eu já deveria tê-la
levado e apresentado à sociedade, mas faz tão pouco tempo que você voltou
do colégio. Achei que um mês de festas e vida social seria plenamente
satisfatório. Afinal, o baile mais importante, Royal Ascot, será realizado
apenas em junho, exatamente o mês que eu escolhi para a viagem.
— Conheço você muito bem, papai — Malvina o interrompeu. — A
verdade é que adiou a viagem a Londres para que eu possa me envolver com
Charles Arram antes. Não estou certa?
O conde sorriu.
— Se você estiver comprometida com Charles, mesmo secretamente, não
haverá necessidade de perdermos nosso tempo com almoços e jantares sem
fim às mães ambiciosas que querem apresentar os filhos, de bolsos e cabeças
vazias, às moças ricas em idade de se casarem.
Malvina riu apesar da contrariedade.
— Você fica tão engraçado, papai, quando fala desse jeito. Por outro
lado, não posso aprovar seu esquema no sentido de arquitetar um casamento
com alguém que não conheço.
— Sei o que estou fazendo, Malvina. Sinto que nada nos faria mais feliz
do que uma união de nossa família com a família Arramford.
Malvina preferiu não insistir em seu ponto de vista. O pai havia acabado
de regressar de viagem e ela não queria brigar. Conhecia-o bem demais. Por
mais que discutisse e tentasse provar que ele estava errado, nada conseguiria.
Quando seu pai colocava uma idéia na cabeça, nada o fazia voltar atrás. Seria
difícil persuadi-lo de que não estava disposta a se casar por enquanto,
principalmente com um desconhecido.
Mais tarde, quando subiu a seus aposentos para se banhar e trocar,
mirou-se no espelho e indagou a si mesma.
— Como poderei me apaixonar por um homem escolhido por meu pai?
O banho havia sido preparado em frente à lareira com água quente
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

trazida pelos lacaios. Mas eram as camareiras que a despejavam na banheira e


a perfumavam com óleo de violetas.
Conforme se sentia relaxada e confortável, Malvina dizia a si mesmo que
não tinha o menor desejo de ir embora daquela casa. Aos dezoito anos, por
que deveria ter pressa? Por que seu pai estava se preocupando como se fosse
uma solteirona?
A razão, obviamente, não era essa. O conde sempre fora um homem
ambicioso. Antes de herdar sua fortuna, fora muito pobre e o passado ainda
lhe pesava. De vez em quando portava-se como se ainda precisasse escalar
muitos degraus para alcançar o sucesso. Em conseqüência queria sempre
mais para conseguir se satisfazer.
— Não me importa o que ele diga ou faça, não me casarei com um
homem sem que o ame — Malvina decidiu.
A mera idéia de entrar em uma igreja, com Charles Arram esperando-a
no altar, a enchia de pavor.
— Fingirei que concordo com papai até conhecer Charles. Se ele se
mostrar tão relutante quanto eu, ambos combinaremos uma maneira de
persuadir nossos pais a esquecer o plano.
Esse caminho lhe parecia o melhor a seguir. Tinha certeza, porém, de
antemão, que não funcionaria. A família Arramford estava necessitada de
dinheiro. Charles, portanto, não perderia a oportunidade de resolver esse
problema fosse como fosse.
Acostumado a viver uma vida de luxo e frivolidade entre as mulheres
mais lindas do Beau Monde, ele não dispensaria uma boa fonte de dinheiro.
As cortesãs eram caras. Embora houvesse estudado em um colégio de
freiras, com um convento agregado, as histórias sobre as mulheres de vida
fácil que tornaram a França famosa, eram discutidas regularmente entre as
alunas. Muitas delas tinham irmãos e presenciavam suas conversas.
As alunas eram jovens e inocentes, sem dúvida, mas também espertas.
Não lhes escapava a importância da existência de cortesãs em Paris. A
maioria das festas eram dadas em sua homenagem. As maiores quantidades
de jóias extravagantes e flores caras eram compradas para elas. Sussurros
sobre a beleza dessas mulheres corriam por todos os dormitórios, quando as
alunas se recolhiam.
— Meu irmão foi a uma festa — contou uma das amigas de Malvina —,
em que as cocottes recebiam um pequeno estojo contendo uma orquídea e
uma nota de mil francos ao seu redor.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Mil francos! — exclamou outra. — Quanto dinheiro?!


— Eu soube de uma festa em que Cora Pearl, a mulher mais desejada de
todos os homens, esteve presente — anunciou outra garota. — Ela dançou ao
som de uma música sensual, sobre um tapete de orquídeas brancas naturais.
Malvina se aborreceu com aquela história. Parecia-lhe cruel que flores
fossem sacrificadas sob os pés de alguém, em vez de colocadas em um vaso
ou conservadas nos jardins, para serem admiradas.
Quanto às outras histórias, eram tão exageradas e extraordinárias, que
preferia não acreditar no que ouvia.
— Se eu tivesse um marido — Malvina começara a pensar — nunca
permitiria que viajasse a Paris sem mim.
Naquele instante se lembrou não só do pensamento da época da escola,
como também do paradeiro de Charles.
— Acostumado como está às mulheres e ao prazer, Charles certamente
não se casará. Se o fizer, insistirá em continuar mantendo o mesmo estilo de
vida.
As perspectivas não a deixaram dormir. Quando amanheceu, preparou-
se para cavalgar. Era um hábito que ela e o pai cultivavam sempre que
possível: uma hora de exercício antes do desjejum.
A propriedade contava não só com estábulos e cavalos magníficos, mas
também com uma pista de corrida equipada com obstáculos para saltos.
— Ninguém cavalga tão bem quanto você, papai — Malvina o
cumprimentou, quase sem fôlego, após uma corrida.
— O marquês me disse que o filho é um cavaleiro fantástico — informou
o conde.
Pela resposta inesperada, Malvina descobriu que o pai, assim como ela,
não dormira a noite de tanto pensar no casamento.
— Não o obedecerei desta vez — Malvina falou consigo mesma — mas
não direi nada até passar o primeiro momento de entusiasmo.
À tarde, ela o levou à estufa para mostrar as últimas espécimes de
orquídeas que haviam sido entregues enquanto ele estava viajando, e
também as demais flores, diferentes de tudo o que se via normalmente na
Inglaterra.
Entusiasmado com o gosto demonstrado pela filha em matéria de flores,
o conde prometeu que faria indagações a respeito de todas as novidades
chegadas do exterior.
— Que sorte que você goste de plantas e flores tanto quanto eu, Malvina.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

E não apenas das comuns, mas daquilo que é mais raro e exótico.
— Sim, papai — Malvina concordou, e aproveitando a oportunidade. —
É por isso que gostaria de conhecer vários tipos diferentes de homens antes
de me casar com um.
O conde franziu o cenho.
— Está sugerindo me dar um desconhecido como genro?
— Por que não, se ele for melhor do que os ingleses comuns pelos quais
você tem tão pouco respeito?
— Isso é um absurdo! — o pai ralhou, pela primeira vez. — Você se
casará com um inglês, é claro. Com Charles. Ele é a escolha perfeita. Você
seria uma tola se não o aceitasse.
— Ele ainda não me pediu — Malvina lembrou. — Talvez considere a
vida em Paris mais interessante do que uma esposa.
— O que está querendo dizer com isso? — o pai perguntou brusco.
— Sabe muito bem o que quero dizer — Malvina replicou. — Embora
tenha estudado em um colégio de freiras, não sou cega nem surda.
— Estou vendo que foi um grande erro mandá-la para a França. Paris foi
feita para os homens. Quem pode recriminá-los por quererem se divertir,
assim como eu me diverti anos atrás? — Seguiu-se um suspiro. — Mas nós
dois, minha querida, estamos falando sobre casamento, que é um assunto
muito diferente. Para marido, você precisa de um cavalheiro, um homem que
a respeite. Quanto menos você souber do que se passa no mundo, melhor.
— Oh, papai, que maneira mais antiga de se encarar os fatos. Eu sei o
que são as cocottes.
— Esse tipo de palavra nunca deveria ser pronunciado por seus lábios —
o pai reprovou.
— Minhas colegas falavam sobre elas e os jornais proclamavam suas
festas que, invariavelmente, causavam sensação em Paris. Li, também, que
elas costumam ganhar uma enorme quantidade de jóias não só dos
imperadores, reis e príncipes, mas de homens ricos de todas as procedências.
— Se soubesse que conversas como essa aconteciam no colégio, eu a teria
trazido para casa imediatamente e matriculado em uma escola tradicional na
própria Inglaterra.
— O conhecimento não me fez mal algum — Malvina se defendeu. —
Você não pode esperar que eu viva encerrada em uma torre para não ouvir os
comentários sobre outros tipos de gente.
— Assim mesmo, estou extremamente aborrecido que tenha aprendido
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

coisas tão vulgares em uma escola que se supõe a melhor e mais cara do
mundo.
— O problema foi ela estar localizada tão perto de Paris. O conde estava
realmente tão aborrecido com o que acabara de saber que não continuou a
conversar. Malvina, que
o amava muito e que não queria vê-lo tão preocupado, achou melhor mudar
de assunto. Dessa forma, quando ele sugeriu uma visita a Arramford Court,
no dia seguinte, aceitou sem reservas.
Afinal de contas, seria interessante conhecer o marquês. Estando o filho
em Paris, não teria de enfrentar o dilema de aceitá-lo, ou não.
Quando se aproximou à hora da visita, o pai se mostrou muito excitado,
chegando a tentar escolher o vestido que ela deveria usar para a ocasião.
Malvina lembrava-se apenas vagamente da casa vizinha, pois ainda era
criança quando a visitara pela última vez, por ocasião de um aniversário de
Charles. Por ser oito anos mais velho, Charles não lhe prestara atenção. Nem
ela a ele. Talvez fosse por isso que não fazia, agora, a menor idéia de como ele
seria.
A casa era imponente. Conforme a carruagem se aproximava, porém,
ficava evidente a necessidade de reparos.
Não era difícil se adivinhar, portanto, a razão pela qual o marquês
desejava tanto um casamento vantajoso para o filho.
Os tapetes estavam gastos, os tecidos dos sofás e cadeiras puídos. Os
quadros, muitos deles de autoria de pintores famosos, necessitavam de
restauração.
O marquês, um homem ainda muito atraente, os saudou com euforia.
— É uma honra recebê-lo em minha casa, Silstone. Sua filha é ainda mais
linda do que a mãe, a quem eu sempre dediquei extrema admiração.
— O senhor é muito amável, milorde — Malvina respondeu. — Oxalá
fosse verdade.
— Juro que todos os comentários que ouvi sobre sua beleza não foram
exagerados — confirmou o marquês.
Malvina e o conde foram levados até a sala de estar e apresentados aos
demais convidados, a maioria dos quais eram parentes idosos.
Ao final do almoço, Malvina compreendeu por que Charles Arram
preferia viver em Paris a estar em casa.
Não podia, contudo, incluir o marquês nessa categoria. Muito atencioso,
ele insistiu em levá-la para conhecer a casa, assim que terminaram de
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

almoçar.
Todos os cômodos eram amplos e antigos. A sala de música, o salão de
baile, a galeria, o conservatório, e também os dormitórios, todos em uso há
séculos. Assim como a parte externa da casa, o interior também precisava de
uma remodelação.
O que o marquês tinha em mente era óbvio, Malvina cogitou. Uma pena
que tivesse de desapontá-lo, mas não havia alternativa.
— Soube que seu filho está em Paris.
— Charles adora Paris — confirmou o marquês. — Infelizmente, ela não
é apenas a cidade mais divertida da França, mas também a mais cara. É lá que
os tolos jogam seu dinheiro fora. Se dependesse de mim, mandaria fechá-la.
O modo com que o marquês se queixou fez Malvina perceber que ele
estava realmente ressentido com os gastos efetuados pelo filho.
No trajeto para casa, o conde não perdeu tempo em saciar a curiosidade.
— O que você achou da casa e do marquês?
— A casa está precisando de uma reforma urgente.
— Com o bom gosto que herdou de sua mãe, você a transformará em um
lugar belíssimo.
Malvina não respondeu. Após alguns minutos, o pai voltou a falar.
— Do marquês você gostou, não? Ele é um homem bom e sempre nos
demos bem.
— Mas você sempre se dá bem com todo o mundo, papai.
O pai a fitou com ar de suspeita.
— Está querendo me dizer que não gostou do marquês?
— Eu o achei ansioso demais para botar as mãos em nosso dinheiro.
Nenhum dos dois tomou a falar até se aproximarem de casa.
— Estou certo de que você mudará de idéia quando conhecer Charles —
o pai murmurou.
— O marquês foi bastante evasivo quanto à data de seu retorno. Eu ouvi
você lhe perguntar a respeito por duas vezes, sem que ele se abalasse.
Foi a vez do conde não responder.
A carruagem foi recebida por dois criados, em elegante libre.
A visita a Arramford Court não foi o sucesso esperado pelo conde. Na
opinião de Malvina, ela foi, inclusive, um erro.
Se Charles Arram fosse o espelho de sua casa, Malvina pensou, não
quereria ter amizade com ele, quanto mais se casar. Seu pai não poderia
obrigá-la. Mas como faria para convencê-lo de que seu sonho era, na verdade,
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

um pesadelo?
Dois dias depois, enquanto tomavam o desjejum, chegou uma
correspondência da Escócia informando que a propriedade, pela qual o conde
se interessara, fora colocada à venda antes do esperado. O corretor dizia:
“Há muitos fazendeiros e habitantes locais interessados nas terras. Se o
senhor não vier para a Escócia imediatamente, temo que passem para outras
mãos, o que será lastimável.
— Preciso partir amanhã o mais tardar — afirmou o conde, ao terminar
de ler a carta para Malvina. — Essa urgência é um transtorno, mas, por outro
lado, eu poderei estar de volta uma semana antes do programado, e antecipar
nossa viagem a Londres.
— A viagem a Londres não me importa. Sinto apenas que você tenha de
se ausentar outra vez.
— Eu também lastimo minha querida. Gostaria de poder ficar mais
tempo ao seu lado. Para passar o tempo e diminuir a solidão, por que não faz
uma visita a alguns de nossos parentes? Há vários que moram nestes
arredores.
Prometendo que iria pensar a respeito, Malvina se despediu do pai. Ela
sabia que ele procurara ser otimista, mas que seu regresso da viagem por mar
não ocorreria antes de duas ou três semanas.
Assim que se despediram, Malvina entrou na casa e se sentou na sala
onde ambos costumavam conversar. Subitamente teve uma idéia. Era tão
surpreendente e fantástica que, por um minuto, considerou-a absurda. Pouco
a pouco, contudo, a imagem começou a tomar forma. Não seria um absurdo,
mas uma aventura. Seu futuro merecia uma chance.
O plano era conhecer Charles Arram como verdadeiramente era, em seu
atual ambiente, sem imaginar que ela era sua rica e provável noiva.
— Irei a Paris — Malvina falou consigo mesma. — Se Charles for tão
charmoso e fascinante como papai o julga, então o receberei de maneira
totalmente diferente da que pretendia, quando ele voltar para casa.
Seu pai ficaria furioso se descobrisse. Uma jovem de sua classe
certamente não deveria se expor a uma aventura como essa. Mas havia muito
em jogo. Agindo assim, estaria protegendo sua futura felicidade.
Não aceitaria um casamento arranjado por nada no mundo. Por outro
lado, sabia que não seria fácil desobedecer ao pai, assim como Charles seria
obrigado a aceitar a determinação do pai dele.
O marquês não fizera segredo de suas ambições quanto tê-la como
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

membro de sua família. O pai, por sua vez, que a amava muito, acreditava
estar agindo para seu próprio bem. A única maneira de resistir seria lhe
fornecer provas concretas de que Charles não seria o genro que ele esperava.
O problema maior era o tempo. Ela teria de se apressar. Em primeiro
lugar, precisaria encontrar alguém disponível para acompanhá-la. De
preferência sua antiga babá, que continuava morando em sua casa, ocupando
o quarto que servira de berçário e depois de sala de aula, quando ela era
criança.
Entusiasmada, Malvina se precipitou para o segundo andar e encontrou
a velha babá, conforme esperava, sentada em frente a lareira, tricotando.
A babá era a responsável pela confecção de todos os suéteres e cachecóis
para todos os moradores daquela casa, assim como muitos habitantes do
vilarejo.
Ao vê-la, a babá, que estava perto de completar seu sexagésimo
aniversário, recebeu-a com um largo sorriso.
— Estou muito feliz em vê-la. Faz tempo que não vem aqui.
— Não vim apenas para vê-la, Nanny, mas para pedir que faça suas
malas. Papai viajou e não voltará antes de duas semanas. Enquanto isso, nós
iremos a Londres.
— Você já avisou os criados, em Park Lane, sobre sua ida?
— Sim, é claro. Avisei que chegaremos muito breve. A verdade, Nanny,
é que desejo partir em uma hora.
— Uma hora! — exclamou a babá. — Isso é o que chamo de pressa!
Tenho estado sentada entre estas quatro paredes, dia após dia, mês após mês,
e, de repente, surge-me uma oportunidade dessas! Arrumarei as malas em
um instante.
— Ainda bem que você gostou da idéia, Nanny. Iremos a Londres em
primeiro lugar. Depois resolverei o que faremos.
— Só espero que me leve para algum lugar confortável. Da última vez
em que fiquei com sua tia Ethel tive uma crise de artrite.
— Não iremos à casa de tia Ethel, prometo. Mas, por favor, se apresse.
Quero estar em Londres a tempo para o jantar.
Malvina voltou para seu próprio quarto, ansiosa. Sabia que a babá não
lhe criaria dificuldades. Ela sempre se queixava de não ter o que fazer desde
que seu pai contratara uma tutora para lhe ministrar os primeiros
ensinamentos antes de matriculá-la no colégio das freiras.
Por outro lado, apesar da grande amizade que as unia, Malvina decidiu
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

que seria um erro revelar à mulher seu verdadeiro plano. Nanny saberia
sobre a visita a Paris apenas no momento oportuno. Nessa ocasião a faria
jurar segredo. Seu maior receio era que o secretário do pai descobrisse sobre a
aventura e contasse ao patrão. Faria todos os criados pensarem, portanto, que
ela estaria em casa de parentes.
O próximo passo seria conseguir dinheiro para a viagem.
Malvina vestiu o traje de viagem e foi até o escritório do secretário, um
homem baixinho e muito consciencioso. Quando lhe disse, por exemplo, que
precisava fazer compras em Londres, ele sugeriu que mandasse as lojas
enviarem a cobrança para sua casa.
— Eu preferiria ter algum dinheiro em minhas mãos para o caso de
resolver comprar em lojas onde não sou conhecida — Malvina argumentou.
— Seria melhor se eu tivesse, também, um talão de cheques. Soube que papai
abriu uma conta para mim no banco. Assim sendo, acredito que duzentas
libras em dinheiro serão suficientes.
Embora contra a sua vontade, o Sr. Watkins entregou a quantia
solicitada. Malvina guardou-a na bolsa, juntamente com o talão, agradeceu e
se despediu. Conforme saía do escritório, entretanto, o homem a deteve.
— A senhorita não me forneceu o endereço onde poderá ser encontrada,
milady. E importante que eu saiba.
— Sim, é claro, Sr. Watkins. Estarei em nossa casa, em Park Lane, em
primeiro lugar. Depois, quando visitar os parentes, mandarei avisá-lo sobre o
novo endereço.
A partida se deu em uma hora e meia, com o secretário não muito
satisfeito com as explicações, na carruagem aparelhada com os quatro cavalos
mais rápidos de propriedade de seu pai, e conduzida pelo experiente
cocheiro.
Ao atravessar os portões, Malvina sorriu consigo mesma. Sabia que
enfrentaria dificuldades quando seu pai voltasse da Escócia, mas por
enquanto ele estava no mar, e ela seguia disposta não só a evitar um
casamento arranjado, como também a conhecer alguém que a amasse pelo
que era, e não pelo dinheiro que possuía.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO II

Malvina e sua dama-de-companhia chegaram a Silstone House, em Park


Lane, às quinze horas, após uma pausa para o almoço e para o devido
descanso dos cavalos.
Durante todo o trajeto Malvina não parou de pensar no homem com
quem seu pai queria que se casasse. Era imprescindível conhecê-lo, sem que
ele soubesse sua verdadeira identidade.
Ao chegarem, o mordomo reclamou por não ter sido informado com
antecedência sobre sua vinda.
— Recebi um convite de uma de minhas amigas para uma festa —
Malvina mentiu. — Como papai estava atarefado demais com a antecipação
de sua viagem a Escócia, eu não quis lhe dar mais uma preocupação.
O mordomo acabou sorrindo. Conhecia Malvina desde que nascera e
sempre a mimara demais.
— Avise a cozinheira que já almoçamos, mas que adoraríamos aquele
chá que só ela sabe preparar.
Malvina gostava de agradar os criados, principalmente por conhecer a
quase todos desde criança. Auxiliada por uma jovem, subiu aos seus
aposentos e imediatamente foi verificar os armários, onde deixara alguns
vestidos da última vez que ali estivera. Nenhum deles era apropriado para
uma visita a Paris. Sairei para as compras amanhã mesmo, logo cedo — falou
consigo. — O quanto antes eu for para Paris, melhor será.
Assim que desceu, Malvina foi cumprimentar o secretário do pai, que
administrava a casa em sua ausência, e Ethel contou a mesma história de que
precisava de dinheiro para comprar alguns itens e de que, devido a urgência,
não podia” esperar pela abertura de uma conta bancária.
Após alguns protestos, à maneira do outro secretário, Malvina recebeu
trezentas libras, o que somava, agora, uma quantia razoável para sua
aventura.
Ao contrário do que alegara, Malvina não gastou um único centavo em
compras, mandando cobrá-las em seu endereço. Ao todo escolheu três
vestidos modernos e elegantes, que a faziam parecer mais velha e sofisticada.
O próximo passo seria procurar uma agência de viagens e encontrar

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

alguém que lhe comprasse as passagens e a acompanhasse até Paris. O ponto


de encontro seria a estação Victoria. Não queria que ninguém, em Park Lane,
desconfiasse sobre seu paradeiro. Caso o agente viesse buscá-las, poderia
acabar respondendo alguma pergunta e ela não estava disposta a admitir esse
tipo de falha em seu plano. Todo o cuidado seria pouco.
Acertado o encontro para as dez horas da manhã seguinte, Malvina
voltou para casa e se dirigiu diretamente ao sótão. Lembrava-se de que sua
tia Beatrice havia falecido naquela casa e que seus pertences foram guardados
em alguns baús.
Tia Beatrice fora uma mulher belíssima, casada com lord Morecambe,
secretário de Estado. Apenas depois de fica viúva, viera morar em Silstone
House, onde permanecer até o último de seus dias.
Aos oito anos, em plena fase da curiosidade, Malvina s deleitava em vê-
la entretida com variados produtos de maquiagem. Sua esperança, agora, era
encontrar alguns que lhe servissem.
Não se enganou. Havia uma caixa repleta de estojos de couro e veludo
com as iniciais da tia, os quais Malvina examinou até encontrar o que
desejava: pó, rouge, máscara para cílios e um lápis de sobrancelha.
Já estava deixando o sótão, quando outra idéia lhe veio à mente.
Ao se aproximar dos sessenta anos, por não gostar de cabelos grisalhos,
sua tia passara a usar uma peruca preta. Lembrava-se ainda dos comentários
de sua mãe sobre a tia ter gasto tanto dinheiro, apesar de que a economia com
cabeleireiros seria grande a partir daí.
Depois de procurá-la por um longo tempo e finalmente encontrá-la no
fundo de um armário, Malvina a levou consigo para o quarto, escondendo-a
sob um chapéu, dentro de uma caixa.
A hora do jantar estava se aproximando e ela desceu. Havia se esquecido
completamente sobre a festa. Foi Bates, o mordomo, quem a lembrou.
— Deseja comer alguma coisa, milady, antes de sair? Malvina precisou
inventar rapidamente uma desculpa.
— Oh, eu me esqueci de avisar. A festa foi adiada. Uma pena. Minha
amiga apanhou um forte resfriado e está tossindo muito.
— Sinto muito, milady. Nesse caso, pedirei à cozinheira que prepare
uma refeição o mais depressa possível.
— Um jantar leve e simples, por favor — Malvina pediu. Nanny e eu
partiremos pela manhã.
— Tão cedo! — Bates exclamou, penalizado.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Estou sendo esperada no sul da Inglaterra por amigos. Como a


viagem de trem é mais rápida, gostaria que providenciasse para que a
carruagem nos levasse à estação.
Seu pedido é uma ordem, milady. Lamento que sua estadia seja tão
breve.
— Voltarei logo, prometo. Você sabe que gosto muito daqui. Mas após
tantos anos de afastamento, preciso rever meus antigos amigos.
— Assim que seu pai voltar, poderá matar a saudade de muitos. Tenho
certeza de que não faltarão convites para festas e bailes
Malvina jantou sozinha aquela noite e em seguida quis verificar
novamente a bagagem. Não podia se esquecer de nada, embora não fosse
realmente possível prever quais os itens que lhe seriam necessários durante a
viagem.
Partiram pela manhã e, conforme o combinado, o homem da agência as
estava esperando sob o relógio da estação, com passagens de primeira classe
para Dover.
Foi só depois de embarcarem que Nanny demonstrou alguma
curiosidade.
— Você anda tão apressada que nem me contou onde ficaremos
hospedadas esta noite.
— Esta noite, Nanny, dormiremos em um trem a caminho de Paris.
— Paris! — exclamou a babá. — Você nunca mencionou que iríamos
para lá!
— Porque eu própria não sabia. Tenho recebido diversos convites por
parte de amigas, mas nunca os aceitei par£ não me afastar de papai. Agora
que ele viajou para a Escócia achei que seria uma boa oportunidade para
revê-los. Além disso, estaremos de volta antes dele.
— Eu nunca imaginei que fosse conhecer Paris um dia Não posso me
queixar.
— É uma linda cidade, Nanny. Tenho certeza de que você adorará a
experiência.
— Onde ficaremos?
— Lembra-se da prima Violet, que se tornou lady Walton?
— Acho que sim. Não foi ela que morou na índia, quando se casou com
um membro do serviço diplomático?
— Foi, mas desde que o marido morreu, prima Violet se mudou para
Paris.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Ela deve estar com bastante idade.


— Sim, mas gosta de conversar sobre os velhos tempos e sobre o sucesso
que eram suas festas. Quando freqüentava o colégio, eu costumava visitá-la
uma vez por mês.
O que Malvina não comentou foi que lady Walton estava, agora, quase
senil, sem ter noção do que se passava ao seu redor. Durante o colégio,
visitava-a mais por um senso de dever. Da última vez, inclusive, a prima de
seu pai não a reconhecera.
Lady Walton, contudo, era dona de uma casa muito confortável em
Faubourg St. Honoré, um bairro próximo da embaixada inglesa.
O trem não demorou a chegar em Dover, onde Malvina e Nanny
pegariam um navio com destino a Calais.
Com receio de ser vista e reconhecida por algum amigo de seu pai,
Malvina se dirigiu ao seu camarote particular assim que embarcou. Dessa
forma, ambas chegaram a Calais sem quaisquer incidentes.
Outro trem as esperava ao chegarem.
O agente de viagem as colocou em uma cabine-leito, uma ao lado da
outra, e se ofereceu para ajudá-las no que fosse preciso, uma vez que também
seguiria para Paris.
O trem começou a se afastar da estação e Malvina não pôde resistir sair
no corredor e olhar pela janela. Quando estava se virando para entrar
novamente em sua cabine, uma voz a chamou:
— Mas se não é Malvina Silisley! Eu a vi no navio, mas fiquei em
dúvida…
Surpresa, Malvina reconheceu o irmão de uma de suas melhores amigas
do colégio, o conde de Michlet.
Donos de uma linda casa em Paris e de um castelo no vale do Loire, os
Michlet costumavam convidá-la para muitos almoços. Em certa ocasião,
Malvina chegara a viajar com eles para o castelo.
O conde era o irmão mais velho de Denise. Talvez por achá-la ainda uma
criança, nunca demonstrara qualquer interesse. No entanto, ele a estava
fitando de um modo diferente, naquele instante. Por causa do penteado preso
e das roupas novas, provavelmente.
— Por que está indo a Paris? — ele quis saber.
— Meu pai se encontra na Escócia e eu achei que seria uma boa
oportunidade para visitar minha prima, lady Walton, que se encontra
enferma.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— E muita bondade sua, mas me parece um desperdício vir a Paris para


fazer só isso.
— Na verdade, eu gostaria de fazer outras coisas — Malvina confessou
com um sorriso —, mas talvez seja difícil. Resolvi viajar de repente. Ninguém
foi comunicado sobre minha chegada.
— Eu estou ciente — disse o conde. — Que acha de| nos sentarmos e
conversarmos um pouco? Você pode m dizer quais os lugares que pretende
conhecer em Paris ou; rever.
Malvina o convidou para entrar em sua cabine. Nanny, no
compartimento vizinho, já deveria ter se deitado. A travessia pelo canal a
deixara enjoada.
Assim que se acomodaram no banco, que se transforma em leito,
Malvina pediu que o conde lhe contasse as últimas novidades sobre Paris.
— Denise e eu costumávamos ouvir histórias fantásticas que se
passavam nessa cidade. Não sei se eram verdadeiras ou apenas imaginação
de alguém.
— Que tipo de histórias? — indagou o conde.
— Tente adivinhar — Malvina respondeu com um risinho. — Denise me
contava sobre as lindas mulheres com quem você era visto.
__Quem diria! — o conde riu, por sua vez. — Nunca pensei que minha
irmã conversasse com as amigas sobre meus casos.
— Gostávamos de ler sobre as festas luxuosas que aquelas mulheres
ofereciam.
— Eram caríssimas, nisso você tem razão, mas não serviam para moças
como você e minha irmã. Em uma família basta que uma pessoa as freqüente:
o homem.
— Eu era a única da turma que não tinha um irmão para me contar
histórias picantes sobre essas mulheres. Mas, não é nelas que estou
interessada, e sim em um jovem rapaz.
— Qual a razão do interesse? Trata-se de um pretendente?
— Não, nada disso. — Malvina se apressou a negar. Eu sequer o
conheço. Mas meu pai e o dele são grades amigos e o marquês está
preocupado com as extravagâncias e com o comportamento do filho.
— Via de regra, todos os jovens são extravagantes em Paris — declarou o
conde. — Por que não me diz seu nome. Talvez eu o conheça.
— O pai dele é o marquês de Arramford. O rapaz chama-se Charles
Arram.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Eu o conheço. Charles é um dos homens que mais se faz presente


nesse tipo de festas para as quais você nunca será convidada.
— Fale sobre elas.
— Bem, na última em que tomei parte, há uma semana a anfitriã se
apresentou dentro de uma imensa caixa em forma de sopeira, vestindo muito
pouca roupa.
O conde fez uma pausa e riu antes de continuar.
— O prato tinha um nome especial, que não posso repetir por não ser
apropriado para seus ouvidos.
— Você gostou da festa?
— Foi incomum, isso eu posso garantir, e muito divertida.
— Charles estava entre os presentes?
— Sem dúvida. Ele era o anfitrião, inclusive.
— E quem era a anfitriã? — Malvina quis saber.
— Dizer seu nome seria uma indiscrição. Por outro lado, como você não
vive em Paris, a pessoa em questão não deve ser ninguém de seu
conhecimento.
— Oh, por favor, me conte. E tudo tão fascinante!
— Se faz tanta questão, o nome dela é Cora Pearl. Charles e essa linda
mulher estão tendo um caso.
Malvina ouvia tudo com os olhos arregalados. Entusiasmado por ter
alguém com quem conversar, o conde começou a revelar até mais do que
Malvina esperava.
— Sua amante anterior era ainda mais linda, em minha opinião.
— Como era o nome dela?
— Blanche d'Antigny, uma das dançarinas mais famosas e menos
vestidas de Paris.
— E o que ela tem feito, ultimamente?
— Vive em uma linda casa, certamente paga por ui admirador, e se
tornou a estrela do novo espetáculo que está sendo exibido no Palais-Royal.
O brilho de seus diamantes prova que faz sucesso não apenas no palco e
também fora dele.
— Diamantes! Será que ela ganha tanto assim para comprá-los?
Mal terminou de falar, Malvina percebeu o quanto fora tola.
— Oh, é claro que os diamantes foram presentes.
— Sem dúvida — confirmou o conde. — Seus homens gastam
verdadeiras fortunas para presenteá-la, e não apenas com diamantes, mas
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

com todo o tipo de jóias, roupas peles. No segundo ato da peça Le Château à
Totó, que exibiu uma trilha sonora magnífica de Offenbach, Blanch usou um
vestido no valor de dezesseis mil francos. No terceiro ato, o penhoar
transparente, que deixou todas as mulheres de Paris verdes de inveja, custou
seis mil francos. Seu novo papel também está sendo um sucesso, pelo que
ouvi dizer, embora ainda não o tenha visto.
— Se ela é tão linda e sofisticada, por que Charles Arram a deixou?
O conde deu de ombros.
— Charles, como a maioria dos homens, deve gostar de variar. Mas se
era das despesas que ele pretendia fugir, descobrirá em breve que sua nova
conquista é ainda mais cara. Não se contenta com uma pequena casa na
Avenue de Friedland como Blanche.
Malvina sentiu a cabeça rodopiar com todas aquelas informações. Suas
amigas haviam lhe contado muitos detalhes sobre as cocottes de Paris, mas ela
nunca imaginara que vivessem em confortáveis casas próprias. Também
subestimara a quantia de dinheiro que os homens despendiam para agradá-
las. Agora era possível entender por que o marquês estava tão preocupado e
por que não lhe sobrava o suficiente para manter a propriedade.
Era óbvio que uma nora rica seria uma tábua de salvação, não só para ele
como para Charles, que deveria ter uma série de dívidas.
— Jante comigo — o conde pediu. — O tempo passou tão depressa
enquanto conversávamos que não me lembrei de que precisava trocar de
roupa. Virei buscá-la daqui a meia hora, se me der o prazer de sua
companhia.
Sem ter a quem perguntar se era correto ou não jantar com um
cavalheiro, em um trem, Malvina decidiu seguir a própria intuição. O que
poderia haver de reprovador em se jantar com o irmão de uma amiga?
Nanny apoiou sua decisão.
— Gostaria de acompanhá-la, querida, mas ainda não me sinto muito
bem.
— Descanse, então. Chegaremos antes das oito, amanhã, e você precisa
estar melhor. Não voltarei tarde. Mas, caso esteja dormindo, não a acordarei.
— Tenho um sono muito leve, você sabe. Se não conseguir desabotoar o
vestido, ou qualquer coisa, pode me chamar tranqüilamente.
Era verdade. Quando criança, bastava ela se virar na cama para Nanny
vir se certificar de que não havia nada de errado,
Meia hora depois, o conde bateu à sua porta, impecável em sua camisa e
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

gravata brancas e paletó de veludo. Ela, com um vestido cor-de-rosa e os


cabelos presos, também estava encantadora. Ao passarem, vários olhares os
seguiram.
A mesa, entretanto, que o conde havia reservado, ficava em um canto do
restaurante, onde ambos não seriam perturbados.
Assim que se sentaram, ele voltou a falar sobre as atrações de Paris.
— Gostaria muito de convidá-la para ficar em nossa casai em vez de se
hospedar com sua prima, lady Walton, mas como Denise e meus pais se
encontram no campo, infelizmente isso não será possível.
— Eu agradeço sua atenção, mas realmente preciso ficai com minha
prima.
— Nesse caso eu a visitarei. Quem sabe, inclusive, possa convidá-la para
algum baile em casa de uma das amigas de minha mãe.
— Seria maravilhoso, mas não ficarei em Paris por muito tempo.
— Você mudou desde que saiu do colégio — o conde murmurou e
Malvina precisou controlar um sorriso. Era i primeira vez que ele a tratava
como uma mulher, e não como uma criança. Chegou a lhe dizer até os nomes
de duas outras cocottes com quem Charles Arram havia sido visto nos últimos
tempos.
— Seus romances nunca duram — o conde afirmou. — Eu não sou como
ele, embora, às vezes, fique tentado a variar, também.
Durante o jantar, Malvina notou que ele estava bebendo muito
champanhe. Até chegarem à sobremesa, portanto, as precauções começaram
a ser esquecidas.
— Se quer saber minha opinião, o amigo do seu pai, o marquês, deveria
chamar o filho de volta para casa. Charles está gastando tempo e dinheiro
demais com mulheres que não o merecem.
— Por que será que todos os homens perdem a cabeça por elas? —
Malvina indagou inocentemente.
O conde riu de sua pergunta.
— Porque se acham muito espertos em possuir algo bonito. Adoram
serem encarados com inveja. Sentem-se como alguém que acabou de ganhar
uma corrida com seu cavalo favorito. Chega uma época, porém, em que não
tem mais um centavo para gastar.
Malvina desejaria perguntar por que uma mulher custava tanto, mas não
se atreveu. Pouco depois, agradeceu o conde pelo jantar e se despediu.
A cama já estava arrumada, quando entrou na cabine. Como o vestido
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

foi fácil de ser desabotoado, não precisou chamar a babá. Em minutos estava
deitada. Apesar do ruído das rodas e da excitação que a engolfara desde que
tomara a decisão de viajar a Paris, dormiu serenamente.
Pela manhã, foi acordada por um funcionário do trem, que avisou-a a
respeito da chegada em Gare du Nord no espaço de uma hora.
Nanny a procurou em seguida, já recuperada e vestida, pronta para
ajudá-la.
— Como foi o jantar, minha querida?
— Muito interessante. Aprendi um bocado de coisas sobre Paris.
— Ainda bem. Assim não nos sentiremos tão perdidas ao chegar. Por
falar nisso, coloque seu chapéu. Em minutos estaremos na estação.
Quando saíram para o corredor, o agente de viagens s apressou a buscar
a bagagem. Em seguida, surgiu o conde os olhos um tanto vermelhos.
— Direi a Denise que você está em Paris, apesar de que ela só deva
chegar daqui a uma semana. Espero que vocês ainda se encontrem.
— Não creio que fique por aqui por tanto tempo — Malvina respondeu.
— Caso não nos vejamos, dê-lhe minhas lembranças. Muito obrigada, mais
uma vez, pelo jantar.
— Espero não tê-la chocada com minhas histórias.
— Claro que não.
— Quando me deitei, fiquei cogitando se você ainda na' era jovem
demais para saber aquele tipo de coisas. Por outro lado, você precisa crescer
mais cedo ou mais tarde.
— Eu já cresci — Malvina replicou. — E o que voe me contou foi muito
útil.
Ao perceber a aproximação de seu valete com a bagagem o conde tirou o
chapéu e se despediu.
— Tenho compromissos nas próximas duas ou três noites, mas a
convidarei para jantar antes do final da semana.
— Será maravilhoso — Malvina agradeceu. — Mas e não poderei sair
com você sozinha.
Pela expressão do conde, Malvina percebeu que ele não havia antecipado
esse tipo de obstáculo, embora nada comentasse.
— Até logo e divirta-se.
— Obrigada.
Momentos depois, ambas as mulheres seguiam em direção à casa de lady
Walton, em Faubourg St. Honoré, cujo criados as receberam com sincera
30
Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

cortesia.
Malvina foi levada ao melhor quarto da casa depois de usado pela prima
Violet que, segundo uma das enfermeiras, não estava nada bem de saúde.
— Ela dorme a maior parte do tempo. Por felicidade, não sente dor
alguma. Segundo os médicos, não há cura para sua doença.
Malvina acompanhou a enfermeira até o quarto de lady Walton. Era uma
judiação que uma mulher tão linda, no passado, agora parecesse tão pequena,
pálida e enrugada. Com os olhos fechados, não parecia mais pertencer a este
mundo.
De volta ao seu quarto, Malvina trocou a roupa de viagem por um dos
vestidos que havia comprado em Londres e que fazia conjunto com um
casaco e um chapéu. Em seguida avisou Nanny;
— Vou dar um passeio até a embaixada. Como fica muito perto e não
pretendo demorar, irei sozinha, se não se importa.
— Apenas tenha cuidado, minha filha. Como não dormi bem esta noite,
até prefiro ficar.
— O que houve? Está com dor de cabeça?
— Estou, mas não muito forte. Em uma hora ou duas estarei boa.
Almoçará comigo?
— Claro que sim, a menos que me convidem para almoçar na
embaixada. Assim sendo, não me espere. Se eu não estiver aqui até o meio-
dia, é porque não virei.
Fechada a porta, Malvina quase se pôs a correr pela rua. Passou pela
embaixada e não entrou. Fez sinal para um fiacre.
— Por favor, leve-me para o número onze da Avenue de Friedland.
Sabia que seu pai e qualquer pessoa de seu relacionamento abominaria
essa sua atitude, mas estava tão determinada a investigar sobre Charles
Arram que não se deteria diante de nenhum obstáculo. Queria saber a
verdade a qualquer preço. Como poderia se casar com um homem que
acabaria gastando todo o seu dinheiro, assim como gastara o do pai?
Ao passar pela Place de Ia Concorde Malvina pôs de lado os pensamentos
para admirar a beleza do lugar, apesar de que jamais conseguiria esquecer a
tragédia que acontecera ali, quando Louis XVI subira o cadafalso rumo à
guilhotina.
Naquele dia, com o sol brilhando no céu, as fontes pareciam ter vida. Sua
aventura estava começando. Apesar dos primeiros passos já terem sido dados
no campo e depois em Londres, seria em Paris que encontraria o desfecho e,
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

oxalá, a solução para todos os problemas ligados ao futuro.


Seu coração acelerou quando os cavalos se detiveram junto à casa. Por
um instante, quase desistiu da idéia. Talvez fosse melhor seguir adiante e
esquecer seu propósito. Chamou-se, então, de covarde e desceu quando o
condutor lhe abriu a porta. Antes de se anunciar à proprietária, contudo,
pediu que o condutor a esperasse.
Aguardou alguns segundos até a porta ser aberta por um criado de libre,
tão atencioso e elegante quanto os que trabalhavam para seu pai, o que lhe
causou surpresa.
— Sou lady Malvina Silisley — anunciou-se. — Poderia falar com
madame d'Antigny, por favor? Venho da Inglaterra e trago uma mensagem
de seu interesse.
— Um momento, milady. Perguntarei a madame se ela poderá recebê-la.
O homem atravessou um hall decorado com tapeçarias e plantas
exóticas, além de uma profusão de flores, e levou-a até a sala de estar repleta
de ornamentos, lustres de cristal, tapetes orientais e cortinas de veludo azul.
Era tudo tão diferente do que Malvina imaginara! Requinte não faltava!
O relógio sobre o console tinha o formato de uma estatueta de Pedro, o
Grande. Aquilo lhe chamou a atenção a tal ponto que se viu recordando a
conversa que tivera no trem com o irmão de Denise. Depois de beber várias
taças de champanhe, ele comentara sobre o romance que Blanche d'Antigny
mantivera com um príncipe russo. O príncipe chegara a lhe propor que viesse
morar com ele em seu palácio em St. Petersburg.
A julgar pelas riquezas que possuía, Malvina não duvidava das palavras
do conde sobre os nobres brigarem pela posse daquela beldade.
O conde dissera, também, que após recusar o convite do príncipe de se
mudar para a Rússia antes do término do verão, ela viajara com ele para
Wiesbaden, onde causara furor e jogara sem limites.
Blanche d'Antigny viveu com o príncipe por quatro anos até que a
admiração fervorosa dos fãs e os aplausos lhe subiram à cabeça. Nessa
ocasião, acabou caindo na desgraça da alta sociedade. Também pudera! Para
ir a um baile, onde não deveria participar, Blanche praticamente roubou o
vestido que a imperatriz encomendara ao maior costureiro russo. Ao vê-lo,
ela decidiu que o usaria e fugiu com o vestido, após colocar um punhado de
notas na mão do costureiro boquiaberto.
— O que aconteceu depois? — Malvina indagou perplexa.
— No dia seguinte, ela foi expulsa do país.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Malvina tornou a olhar para o relógio. O que teria sentido Blanche? Teria
chorado a perda do amante, ou encarara o fato apenas como mais um degrau
ultrapassado em direção ao topo?
Antes que pudesse tentar responder a questão, a porta se abriu e o criado
pediu que o seguisse.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO III

O mordomo conduziu Malvina através de uma longa escadaria de


mármore e de um corredor repleto de quadros. Abriu, finalmente, uma das
portas e anunciou-a com entonação formal.
— Milady Malvina Silisley, madame.
Malvina entrou boquiaberta, naquele que era o quarto mais glamoroso
que já vira. A cama de dossel estava recoberta por um cortinado de seda e
renda azul. A impressão que ela teve foi de um trono semi-oculto por nuvens.
A mulher que se encontrava recostada sobre as almofadas também azuis, em
cetim, debruadas da mais fina renda, era de uma beleza sem par.
Esperava encontrar uma mulher belíssima, conforme elogios ouvidos,
mas Blanche d'Antigny era mais do que isso. Sua pele era alva e macia, as
maçãs do rosto suavemente rosadas, os olhos quase infantis, embora
brilhassem como estrelas.
Quando estendeu-lhe a mão coberta por anéis de ouro a pedras
preciosas, Malvina entendeu porque Blanche d'Antigny fazia tanto sucesso
com os homens.
A expressão da francesa era de franca curiosidade. Após apertar-lhe a
mão, fez um gesto para que se sentasse na cadeira ao lado da cama. Seu olhar
a convidava ao início da conversação.
— Perdoe-me, madame, por ter tomado a liberdade de vir à sua casa,
sem termos sido apresentadas, mas preciso desesperadamente de sua ajuda.
— Minha ajuda? — repetiu Blanche, assombrada. — Por quê?
Malvina procurou se acomodar melhor na cadeira.
— É um tanto constrangedor explicar. Espero que não se ofenda.
— Raramente me ofendo com alguma coisa — Blanche replicou,
divertida. — A menos, é claro, que me tratem com grosseria, o que, tenho
certeza, não será o caso.
— Eu seria incapaz — Malvina declarou. — O que me trouxe aqui foi
uma informação que recebi do irmão de uma amiga. Descobri que você é a
única pessoa que pode me ajudar a solucionar um problema muito difícil.
Blanche se mostrou ainda mais curiosa.
— Fale-me a respeito.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Estou em Paris sem que ninguém, em casa, saiba sobre meu paradeiro
— Malvina confessou tímida.
— Mas não está sozinha, certamente.
— Não. Trouxe minha velha babá comigo e estou hospedada na
residência de uma parenta, seriamente enferma, que mora em Faubourg St.
Honoré.
Malvina se deteve por um momento, mas o silêncio logo foi quebrado
por Blanche.
— Ainda não consigo entender como posso ter qualquer relação com seu
problema.
— Eu soube… — Malvina prosseguiu hesitante — que você conhece
muito bem o conde de Arram.
Os olhos lindos de Blanche assumiram um brilho diferente.
— É verdade. Charles e eu somos amigos há vários anos.
— Foi o que me disse o conde de Michlet.
Pela expressão da outra. Malvina percebeu que ela também conhecia o
irmão de Denise.
— Depois de sair da escola de St. Cloud, quando voltei para casa,
descobri que meu pai e o marquês de Arramford haviam decidido entre si
que eu deveria me casar com o conde. Fiquei desesperada. Como poderei me
casar com alguém a quem não vejo desde criança? Como poderei aceitar um
casamento com alguém que não conheço?
Blanche sorriu.
— Posso entender seus sentimentos. Na França os casamentos arranjados
são muito comuns, principalmente entre a aristocracia e a realeza. Seu pai e o
marquês devem se julgar pertencentes à mesma categoria.
— Pois eu considero os casamentos arranjados abomináveis! — Malvina
exclamou.
— Concordo plenamente — Blanche declarou —, mas como você ainda é
muito jovem, duvido que queiram ouvir seus protestos.
— É o que penso. Daí minha decisão de procurá-la. Mais uma vez,
Blanche manifestou sua surpresa.
— Não consigo imaginar como poderei ajudá-la.
— O que desejo, se for possível, é ver Charles Arram socialmente, sem
que ele saiba quem sou. Quero conhecê-lo como realmente é, sem artifícios.
Se estivesse na presença do meu pai, ou do dele, seu comportamento seria
estudado e impecável.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Malvina fez uma pausa e constatou o quanto Blanche estava atenta à


explicação.
— Ouvi dizer que Charles Arram mantém uma vida frívola e
extravagante. É por isso, madame, que lhe suplico ajuda no sentido de me
permitir vê-lo sem que perceba que está sendo vigiado em sentido crítico.
Nem bem Malvina terminou de falar, Blanche jogou a cabeça para trás e
se pôs a rir.
— Tenho de admitir que nunca me fizeram um pedido desse tipo antes.
Acho que será muito divertido. Acho, também, que você é muito corajosa
para vir até minha casa e tentar algo tão incomum.
— Realmente pensei muito antes de tomar esta atitude. Mas o que mais
poderia fazer para me salvar?
— Acho que você fez bem. Sua atitude demonstra o quanto é inteligente
— Blanche elogiou.
— Não sei como e quando você poderá me ajudar — Malvina continuou
—, mas trouxe comigo uma peruca no caso de precisar usar um disfarce. Ela é
preta. Se estiver usando-a, quando Charles me vir, talvez nem desconfie de
que sou inglesa.
Sua voz havia adquirido uma nota de súplica. Na última explicação,
Blanche lhe parecera hesitante. De repente, porém, o silêncio foi quebrado.
— Seu pedido me parece mais do que justo. Para ser franca, será possível
ver Charles ainda esta noite.
— Esta noite! — Malvina exclamou, enrubescendo.
— Darei um jantar esta noite e meus motivos são bastante especiais.
Antes de prosseguir, Blanche olhou para Malvina por um longo tempo,
como se não tivesse certeza se deveria ou não lhe confiar a verdade.
— Imagino que o conde de Michlet, a quem conheço superficialmente,
mas que parece saber muito sobre mim, tenha lhe contado que meu romance
com Charles terminou há algum tempo.
Malvina fez um sinal afirmativo com a cabeça.
— Sim, ele comentou a respeito.
— Não estou aborrecida. Esse é o preço da fama. Todos falam a seu
respeito.
— Pelo que o conde me disse — Malvina confirmou —, você é muito,
muito famosa e todos a admiram e veneram.
Blanche sorriu.
__Espero que sim. Faz tão bem se sentir admirada. Charles me deixou, é
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

verdade, mas eu tive a sorte de encontrar outro homem fascinante para me


proteger, o príncipe de Trémere.
— Ele é francês?
— Sim, é. Para ser sincera, foi um alívio encontrá-lo após lidar com as
peculiaridades e esquisitices de um inglês.
Foi a vez de Malvina rir.
— Embora não conheça Charles Arram, tenho certeza de que ele não se
considera “esquisito”.
— Estou me referindo mais à sua arrogância. Charles Arram é muito
convencido. Acha-se o homem mais importante do mundo. Para ele, todas as
mulheres que lhe caem nos braços devem se considerar afortunadas.
O modo com que Blanche falou sobre Charles deu a entender que ainda
não havia se recuperado da dor ou do ciúme da perda. Malvina achou que
deveria aproveitar a oportunidade.
— Você entende, não, o quanto é assustador ouvir alguém dizer que seu
casamento com um estranho é um fato, e que esse estranho é do tipo que
gosta de colecionar mulheres e gastar mais do que possui.
— Eu sabia sobre esse problema dele. Da última vez em: que foi para
casa, Charles teve uma briga terrível com o pai por causa de dinheiro.
— E você acha que não lhe causarei problemas se participar do jantar?
— O príncipe estará presente e Charles, também. Quero que ele saiba
que não sinto a menor falta dele. Aliás, par reforçar minha posição, o convite
que lhe mandei era extensivo a Cora Peari, sobre quem você já deve ter
ouvido falar.
— O conde realmente a mencionou — Malvina admitiu. — Ela é inglesa,
mas tem feito um enorme sucesso em Paris. Sua maior predileção são os
homens que ostentam um título. Tenho certeza de que não se dignaria a olhar
duas vezes para Charles, se ele não fosse um conde.
Malvina apertou as mãos uma contra a outra.
— Oh, por favor, convide-me para sua festa. Seria uma oportunidade
maravilhosa para eu conhecer Charles Arram. Acho que nunca mais poderia
me acontecer nada tão propício.
Por um momento, Blanche não respondeu. Seu olhar era crítico. Deveria
estar cogitando se Malvina conseguiria se disfarçar o suficiente para não
despertar a curiosidade de seus amigos.
Nesse instante, Malvina fez uma pequena prece para que a cortesã
concordasse em ajudá-la.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Você disse que trouxe consigo uma peruca que disfarça seu aspecto
inglês. Concorda que minha camareira a maquie? Não poderia recebê-la em
minha festa com essa aparência de menina.
— Farei o que você quiser — Malvina concordou, quase sem fôlego. —
Sua bondade nunca será esquecida.
— Precisamos combinar, então, como faremos. O melhor é você chegar
aqui mais cedo do que os outros. Meu cabeleireiro arrumará a peruca, minha
camareira providenciará a maquiagem, e eu lhe emprestarei um dos meus
vestidos.
Malvina bateu palmas, tal sua excitação.
— Fará tudo isso por mim? Oh, nunca poderei lhe agradecer o suficiente.
Estava pensando em sair e comprar algo adequado, mas receava não saber
escolher direito.
— Caso seja preciso prolongarmos o disfarce, além desta noite, lhe
fornecerei o endereço de meu costureiro, que é o mais famoso de Paris, mas,
infelizmente, o mais caro, também.
— Não estou preocupada com dinheiro — Malvina informou. — Meu
pai é um homem rico. Razão pela qual, sem dúvida, o pai de Charles, o
marquês de Arramford, me quer como nora.
__ A situação não poderia ser mais clara — Blanche ergueu as mãos. —
Charles precisa de muito dinheiro se quiser continuar com Cora Pearl, que é
famosa por arruinar todos os homens com quem se envolve. Dizem que é a
mulher mais esperta e interesseira de toda a França.
Mais uma vez Malvina constatou um tom ríspido na voz de Blanche. Era
óbvio que não havia perdoado Charles por tê-la abandonado, apesar de já tê-
lo substituído por um príncipe.
— A que horas devo chegar, madame, e lhe agradecer do fundo do meu
coração por ser tão boa e compreensiva?
— Sou mulher, minha cara. Como não entender que uma garota bonita,
ou melhor linda, queira se casar com um homem que a ame e que pretenda
lhe ser fiel? — Blanche suspirou. — Os ingleses são considerados os homens
mais fiéis de todas as nações da Europa. No entanto, eu sempre ouvi Charles
dizer que o casamento não figura entre seus planos de vida.
— Foi o que pensei. Dessa forma, de todas as maneiras humanamente
possíveis, evitarei me casar com alguém que só queira meu dinheiro.
— Com sua beleza, isso seria um insulto imperdoável — afirmou
Blanche. — Agora, ma chère, vá para casa e volte aqui às seis horas. Meu
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

cabeleireiro estará à sua espera.


— Muito obrigada! Eu estava com medo de procurá-la. Agora sinto-me
honrada em ter tido o prazer de conhecer alguém tão maravilhosa. Fez por
mim o que nenhuma outra mulher faria.
Blanche sorriu e tocou um sininho de ouro que se encontrava em sua
mesa de cabeceira. A porta se abriu em seguida.
— Acompanhe milady até a porta — Blanche ordenou.
— Ela estará de volta às seis horas para que Jacques a penteie e você a
maquie. Milady também precisará de um dos meus vestidos. Quero que
escolha um que eu não use há muito tempo, para que ninguém se lembre de
tê-lo visto. Faça o que for possível para que esta jovem seja uma de minhas
mais lindas convidadas.
— Será fácil, madame — a criada respondeu. — Terei tudo pronto.
— Obrigada mais uma vez.
Depois de agradecer, Malvina se levantou, hesitante.
— Gostaria de lhe dar algo para provar minha gratidão
— Malvina murmurou. — Mas há tantas flores por toda a parte, que não
consigo pensar em nada.
— Esqueça sobre isso — Blanche recomendou. — Falaremos a respeito
mais tarde, quando sua missão a Paris estiver concluída e você satisfeita com
o resultado.
Malvina sorriu e se encaminhou para a porta. Antes de sair, virou-se e
fitou aquela que lhe parecia a mulher mais linda que já vira. Com o tapete
branco de pele ao lado da cama de dossel, e uma imagem do Cristo sobre a
mesa de cabeceira, ela até lhe parecia uma santa.
Em seguida, a camareira fechou a porta e a conduziu ao longo do
corredor.
A porta ao lado do quarto se abria para um banheiro branco, todo de
mármore. Ao ver a imensa banheira, Malvina se lembrou das palavras do
conde de Michlet sobre Blanche misturar duzentas garrafas de Montebello
quando estava se sentindo especialmente cansada.
Ao chegar no andar térreo, Malvina se espantou em ver ainda mais flores
nos vasos e também em cestos.
Dois criados, em libre, lhe fizeram um sinal com a cabeça. O primeiro, o
mesmo que a conduzira ao quarto de Blanche, lhe abriu a porta, e
acompanhou-a até o fiacre que permanecera à sua espera.
Apesar do condutor perfazer o mesmo caminho de volta para a casa da
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

prima Violet, Malvina não prestou atenção na beleza de Paris. Estava


ocupada demais com seus pensamentos. Ainda lhe parecia incrível que
tivesse conseguido o que queria. A sorte não lhe faltara.
Seu plano, que antes lhe parecia praticamente impossível de observar
Charles Arram sem ser notada, seria realizado aquela mesma noite.
Uma sensação de triunfo lhe inundava o coração. Ao mesmo tempo
sentia-se temerosa diante do comportamento que teria de assumir.
Ninguém em casa de lady Walton parecia ter dado por sua falta. Nanny,
principalmente, apenas perguntou se havia conseguido encontrar suas
amigas.
— Sim, eu as encontrei e fui convidada para jantar com elas esta noite.
— Oh, que ótima oportunidade. Eu estava pensando no quanto seria
monótono se você não tivesse um convite para uma festa em Paris. Sempre
ouvi dizer que são diferentes daquelas realizadas na Inglaterra.
Malvina reprimiu um sorriso. Se Nanny pudesse adivinhar a que tipo de
festa ela iria! No íntimo, ela própria estava preocupada. Seria estranho e até
mesmo assustador portar-se como alguém que não era.
Malvina subiu para seu quarto e abriu uma das caixas de chapéus. Havia
trazido várias, pois cada chapéu deveria, combinar com uma roupa. A que
desejava, no momento,: era a que continha a peruca caríssima que pertencera
à tia, e que era feita de cabelos naturais muito bem cuidados.
Procurou uma caixa menor, no guarda-roupa, e escondeu-a. Não queria
que Nanny a surpreendesse com ela. Não saberia o que dizer.
A tarde passou célere. Embora a tia não estivesse em condições de ler ou
se inteirar das notícias, havia uma pilha de jornais no armário da sala.
Malvina procurou ler as colunas sociais. Estava ansiosa por descobrir
algumas novidades sobre a vida das personagens mais famosas de Paris.
Em um dos jornais, leu que o príncipe Napoleão havia sido um dos
“protetores”, se essa era a palavra certa, de Cora Pearl. Dono de uma pensão
de um milhão de francos por ano, e considerado um homem muito generoso,
a famosa cocotte não o deixara escapar.
O príncipe, muito apaixonado, a instalara em um verdadeiro palácio na
Rue de Chaillot, número 101, chamado Les Petites Tuileries. Além do palácio,
sabia-se que Cora Pearl recebia uma importância de doze mil francos mensais
por parte dele, apesar dos presentes somarem mais do que o dobro.
O artigo dizia ainda mais. A banheira de Cora Pearl, em mármore cor-
de-rosa, exibia as iniciais de sua dona em ouro, na parte do fundo. Em frente
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

a banheira, para que ela pudesse se admirar enquanto se banhava, havia um


retrato seu a óleo.
Ambiciosa como poucas, Cora Pearl exigira uma segunda residência do
príncipe. E ele dera. O endereço era Rue des Bassins, número 6.
Foi só depois que terminou de ler a matéria que Malvina se apercebeu da
data da publicação. Não era das mais recentes. Interessada em saber o
máximo possível sobre a atual amante de Charles Arram, ela vasculhou entre
a pilha.
Encontrou um que dizia que a famosa mulher havia se vestido como
Eva, em um baile a fantasia, exibindo-se exatamente como a Eva original.
Um jornal, publicado havia um ano, contava que Cora Pearl se
apresentara quase nua em uma peça de teatro, cantando canções ousadas de
amor, em uma noite em que todos os nomes constantes do Livro de Ouro da
Nobreza Francesa estavam presentes.
O jovem duque de Grammont-Caderousse proferira uma frase que se
tornara célebre ao seu respeito:
“Se os frades Provençaux servissem omeletes de diamantes, Cora jantaria
com eles todas as noites”.
Outro mexerico reportado era que, ao sair de uma apresentação, Cora
deixava um diamante de gorjeta para a responsável por seu guarda-roupa.
No valor de quatro mil francos, o presente valia mais do dobro do salário
anual da funcionária.
O redator da notícia encerrou o comentário com um toque de cinismo.
“Cora Pearl deu a pedra de presente por não poder carregá-la com tanto
peso que tinha de sustentar. Ela parecia uma vitrine de uma joalheria”.
Sua fama era tão grande que um conde chegara a oferecer cinqüenta mil
francos pelos sapatos que usara durante a peça, por serem abotoados por dois
imensos diamantes.
Quanto a talento dramático, os jornais não eram muito favoráveis, mas
nessa parte Malvina não prestou atenção. O que lhe interessava era a carreira
de Cora Pearl, como cortesã. Depois de um caso com o príncipe Napoleão, ela
tivera um romance escandaloso com um atraente príncipe armênio, que
culminara em um duelo com outra cortesã, chamada Marthe de Vere. A arma
fora um chicote de montaria. Dizia-se que ambas haviam causado sérios
estragos ao rosto uma da outra, impedindo-as de aparecerem em público por
uma semana. Nesse prazo, o príncipe desapareceu de vista.
Malvina largou os jornais com um suspiro. Se aquele era o tipo de
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

mulher com quem Charles Arram gostava de conviver, detestaria sua


companhia.
Em outro jornal, Malvina encontrou o que queria. Uma notícia sobre um
jantar oferecido por Cora, em que o chão ficara forrado de orquídeas brancas,
como se fossem um tapete. Sobre elas, a anfitriã dançara o can-can.
O jornalista presente, na ocasião, aproveitara o ensejo para informar os
leitores de que em uma festa similar, em que o príncipe lhe enviara um cesto
de flores, ela as atirara ao chão e as pisoteara, dizendo que estava cansada de
sua admiração.
A notícia ainda era recente. O mais provável era que Cora Pearl tivesse
se cansado do príncipe, depois de conhecer os braços de Charles Arram.
Subitamente, ao notar o adiantado da hora, Malvina largou os jornais,
cogitando na razão de terem sido guardados por tanto tempo, e se dirigiu
para o quarto.
Às cinco horas em ponto, trocou o vestido e apanhou a peruca. A
imagem de seu pai lhe veio à mente e ela procurou afastá-la. Seu pai ficaria
furioso se soubesse o que estava prestes a fazer. As freiras, então, levariam as
mãos à cabeça em profundo horror, se soubessem que iria se encontrar com
uma das mais famosas cortesãs de Paris.
— Pode ser errado, mas eu preciso conhecer o homem com quem
querem que me case — Malvina falou consigo mesma.
Precisava se esquecer temporariamente de que era uma nobre inglesa. A
atitude correta seria enviar uma mensagem a Blanche agradecendo pelo
amável convite, mas dizendo que havia mudado de idéia. Uma atitude
covarde, pensou em seguida. Afinal de contas, viera a Paris determinada a
descobrir tudo sobre Charles.
Já havia ouvido notícias sobre as cortesãs quando estava na escola. Não
as informações detalhadas que acabara de ler nos jornais guardados no
armário da sala de lady Walton, é claro. As freiras eram bastante rigorosas
quanto a escolha das leituras das alunas.
Parecia-lhe incrível que homens notáveis como o príncipe Napoleão e
outros membros da aristocracia pudessem se interessar tanto pelas cocottes de
Paris, mesmo que elas apresentassem uma originalidade inexistente em
qualquer outra cidade do mundo.
Mas tanto dinheiro era gasto com elas! Tanto dinheiro era desperdiçado!
Gostassem os franceses ou não, a verdade era que as cortesãs faziam
parte da história do país.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Talvez ela devesse realmente desistir de se envolver com aquele tipo de


mulheres, mas não tinha forças para voltar atrás.
Às quinze para as seis, desceu para o hall, vestida com um traje de noite
coberto por uma capa de cetim.
Nanny surpreendeu-a quando passou pela sala.
— Oh, você já vai sair, querida? Por que não me chamou para ajudá-la a
se vestir?
— Não foi preciso, obrigada — Malvina agradeceu. — Espero que esteja
se sentindo bem, Nanny. Não ficará muito só?
— Não, que idéia! Como você não estará aqui para jantar comigo, farei
companhia às enfermeiras. Elas estavam se queixando, hoje, da monotonia de
não verem um único rosto diferente há semanas.
Malvina se pôs a refletir por um instante.
— Se ficarmos aqui por algum tempo, talvez possamos cuidar da prima
Violet por uma noite, para que as enfermeiras tenham uma folga. Quem sabe
queiram ir ao teatro?
— Um pensamento amável de sua parte, querida — Nanny aprovou. —
Sua mãe ficaria orgulhosa. Esse era o tipo de atitude que ela tomaria. Sim, é
claro, que faremos isso. Na verdade, eu daria conta dela, sozinha, se, por
acaso, surgisse algum convite para você.
Enquanto falava, a babá examinava o vestido.
— Você está muito bonita esta noite. É uma pena que não esteja saindo
para jantar com um jovem, em vez de se encontrar com amigas. Mas, quem
sabe, haverá alguns rapazes presentes para admirá-la.
— Pelo que me disseram, haverá muitos convidados — Malvina explicou
—, mas mesmo que a noite seja um sucesso, espero não chegar muito tarde.
— Bem, se eu estiver dormindo, acorde-me para ajudá-la a se despir.
Malvina beijou a babá em despedida.
— Você é um amor, Nanny. Estou muito feliz em tê-la comigo.
A babá sorriu.
— Vamos, vamos! Está na hora. Divirta-se. Espero que ao jantar se siga
um baile.
— Não sei sobre isso — Malvina respondeu.
O mordomo a esperava na porta com um fiacre. Sensata como era,
Malvina havia escrito o endereço em um pedaço de papel, para que não
precisasse informar o condutor em voz alta diante do criado. Para que ele não
tivesse a oportunidade de ler, entregou o papel pessoalmente.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

O mordomo fechou a porta com uma pequena reverência e o fiacre


partiu.
O coração de Malvina estava aos saltos. A aventura que viveria aquela
noite era algo nunca sonhado por qualquer garota de seu círculo de
amizades.
— Será uma experiência digna de eu mencionar em meu livro de
memórias, caso resolva escrevê-lo algum dia — Malvina falou consigo
mesma. — Meu marido poderia rir dessa aventura. Isso se eu me casar, é
claro.
Por outro lado, se o marido fosse Charles Arram, a história seria outra. O
que ela estava prestes a fazer era uma espécie de espionagem. Qual o homem
que esperaria uma situação como essa, imaginando-se seguro, longe de sua
família e de seu país?
Malvina, contudo, recusava-se a encontrar desculpas para o
comportamento dele, ou sentir pena. Quem mandava ele jogar dinheiro fora
com uma mulher sem escrúpulos como Cora Pearl?
Ele estava ciente das condições precárias de sua casa e de sua
propriedade, e também do desespero do pai.
Gastar seu dinheiro com uma mulher que já vivia coberta de diamantes
lhe parecia algo tremendamente errado.
— Ele deve pensar que ninguém na Inglaterra sabe a seu respeito, e é por
isso que fica aqui. Terei coragem para sugerir que volte para casa e que se
comporte como um homem adulto e inteligente?
Em seguida, Malvina balançou a cabeça. Por que estava se preocupando
tanto? Charles Arram era o último homem no mundo com quem queria se
casar. Ele que gastasse até o último centavo de sua família, namorando uma
cortesã depois de outra.
— Tenho certeza de que meu pai nunca faria isso. Malvina lembrou-se,
então, de que o pai também vivera em Paris quando tinha a idade de Charles.
Ainda por cima, era bem mais pobre. Isso não o impedira, porém, de querer
se divertir como, aparentemente, todos os homens queriam.,
— O que essas mulheres têm que nós não temos? — Malvina perguntou
a si mesma, assim como muitas outras haviam perguntado antes dela.
Talvez aquele fosse um segredo prestes a ser desvendado por ela
naquela noite. Embora houvesse lido muito a respeito delas, nada seria
melhor do que observá-las pessoalmente.;
Lera sobre Cora Pearl, por exemplo, sobre ela ser filha de um professor
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

de música de Plymouth. Era incrível que houvesse se transformado na


sensação da cidade mais glamorosa do mundo, com a educação que recebera.
No caso de Blanche d'Antigny, conforme Malvina descobriria mais tarde,
ela era a filha mais velha de uma família com três crianças. O pai, carpinteiro,
residia em Martizay, uma pequena cidade perto de Bourges. Quando
Blanche, batizada Marie-Ernestine, completou sete anos, o pai abandonou a
esposa, para se divertir com as mulheres de Paris. Depois de um ano, a
esposa resolveu sair à sua procura, deixando as crianças com uma tia.
Marie-Ernestine, com seus olhos verdes, cabelos loiros e uma pele alva
como o leite, conheceu os prazeres de uma nova vida ao ar livre. Cavalgava e
passeava pelos campos. Quando a mãe a levou para Paris, Marie-Ernestine se
enclausurou no sótão. Não podia suportar a idéia de se afastar da vida do
campo.
Ao conhecê-la, Malvina não podia imaginar que a cortesã, que fora tão
boa para ela, adorava o campo da mesma maneira. Seu único pensamento era
que Blanche d'Antigny era linda como uma deusa, em seu leito azul. Parecia-
lhe impossível que Charles Arram a tivesse trocado por Cora Pearl.
Isso a fez ter absoluta certeza de que nunca seria atraente para um
homem capaz de abandonar alguém tão adorável. Exceto por um detalhe: seu
dinheiro!
O fiacre se deteve diante da porta de Blanche, e ela foi recebida pelo
mesmo criado que a recepcionara pela manhã.
— Eu a levarei até a camareira de madame, mademoiselle. Ela a aguarda
no andar superior.
Malvina agradeceu e seguiu-o, enquanto carregava cuidadosamente sua
peruca.
Em vez de conduzi-la ao longo do corredor, o criado virou à direita e
introduziu-a em um pequeno quarto, onde uma jovem realmente a esperava.
Havia uma penteadeira repleta de uma variedade de cosméticos e um
espelho. Sobre a cama simples, de solteiro, estava estendido um vestido, que
Malvina notou ser espetacular.
— Está tudo preparado, mademoiselle. Antes de começarmos, porém,
“devemos aguardar monsieur Jacques, que é o cabeleireiro mais famoso de
Paris. É ele o responsável pelos penteados da imperatriz e de todas as
mulheres lindas e ricas que desejam brilhar ainda mais.
— Estou muito agradecida pela oportunidade de conhecê-lo e de ser
penteada por ele — Malvina respondeu.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Ele cobra caro — a camareira observou.


— Trouxe algum dinheiro comigo — Malvina a tranqüilizou. '
O comentário a surpreendera. Por que seria que a jovem desconfiara que
ela poderia se recusar a pagar pelo favor?
Sem dizer nada, Malvina tirou a capa que estava usando e sentou-se à
penteadeira. Em questão de segundos, a porta tornou a se abrir para dar
passagem ao cabeleireiro.
O homem tinha a aparência exata imaginada por Malvina. Era magro,
mas sua postura impecável. Ele caminhava como se tivesse plena consciência
de sua importância e talento.
Quando ela se levantou, apertou-lhe a mão e agradeceu-o por vir, ele fez
um sinal de aprovação. Em seguida a encarou como se fosse uma criatura de
outro planeta, e não uma jovem normal.
— Minhas instruções, mademoiselle, são para torná-la uma pessoa
diferente do que é.
— Estou ciente — Malvina concordou. — É imprescindível que eu fique
parecida com todas as outras mulheres que estarão presentes ao jantar desta
noite.
— Essa tarefa é impossível, mademoiselle. Sua beleza é superior à maioria
de todas as outras.
O homem fez o comentário como quem estabelecia um fato e não tecia
um elogio.
— Tenho certeza de que o senhor fará o que puder por mim. Aqui está
minha peruca.
Monsieur Jacques inspecionou a peruca como quem não daria sua
aprovação. No entanto, por ela ser feita do melhor tipo de cabelo, não fez
nenhuma observação em contrário.
Quando a colocou em Malvina, não parecia a mesma usada, no passado,
pela tia. Malvina tinha de admitir, também, que ela própria não parecia a
mesma. Na verdade, era o rosto de uma estranha que a fitava através do
espelho.
A camareira, que os havia deixado a sós, retornou com o recado de que
madame Blanche o aguardava. O cabeleireiro concluiu seu trabalho, recebeu
o pagamento que pareceu satisfazê-lo, e saiu.
A camareira começou a fazer a maquiagem com esmerado desvelo.
Quando finalmente terminou, Malvina mal podia acreditar que era ela
mesma. Nem seu pai a reconheceria, tinha certeza. Nem as amigas com quem
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

estudara.
Seus olhos estavam enormes. Os lábios vermelhos. O rosto muito branco.
Apenas as faces exibiam um leve rosado.
— Madame imaginou que a senhorita não estaria usando jóias. Ofereceu
emprestar-lhe um colar de diamantes e brincos para fazerem conjunto. Pediu
para aceitá-los como uma amiga.
— Ela é muito gentil — Malvina agradeceu. — Mas, talvez, eu devesse
experimentar antes o vestido.
— Tenho certeza de que irá servir. Ambas são muito parecidas em
medidas — comentou a camareira.
O vestido era maravilhoso, de renda cor-de-rosa forte. Apenas o decote
não lhe agradou. Era tão pronunciado que, só ao vê-lo, Malvina corou. Seu
corpo ficaria à mostra como nunca acontecera antes. Os seios, a cintura, os
quadris, todas as curvas se tomaram evidentes sob o vestido.
Conforme se movia, a renda parecia ser um prolongamento de sua pele.
Os bordados ao redor do decote brilharam como gemas. A luz dos
candelabros, ela pareceria a lua. Depois de acrescentar o colar e os brincos,
pareceria o sol.
Malvina se sentia como se fosse pisar em um palco ao sair daquele
quarto, e não em uma sala comum.
— Não posso acreditar que sou eu mesma — confidenciou.
— A madame ficará muito satisfeita quando a vir respondeu a
camareira. — As outras mulheres morderão lábios de inveja.
— Não quero que isso aconteça. A jovem riu.
— É espantoso o que monsieur Jacques, a madame e fizemos com a
senhorita.
— Concordo plenamente. Só espero não fazer nada errado para aborrecê-
la durante o jantar.
— Oh, não se preocupe. Ela ficará bem. Basta que a senhorita não tente
roubar-lhe a nova conquista. Madame ficou chocada quando seu último
homem a deixou por Co Pearl. As mulheres, em geral, a detestam. Os
príncipes, entanto, voam ao seu redor como abelhas em torno de u pote de
mel. Infelizmente, não há nada que se possa faze a respeito.
— Eu não tenho a menor intenção de tirar nenhum homem de ninguém
— Malvina confirmou.
— Se não mudar de idéia, tudo dará certo. Mas, par ser sincera, eu acho
isso improvável.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Malvina riu do pensamento da jovem. Ao mesmo tempo, sentia-se


desconfortável. Não desejava atrair a atenção alheia para sua pessoa, nem
roubar namorados das outras mulheres.
— Preciso ter muito cuidado — disse a si mesma. — Vim a Paris apenas
para descobrir a respeito de Charles Arram.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO IV

Um criado lhe abriu a porta da sala de recepção, local que ainda não
tivera a oportunidade de ver.
Além de imensa, a sala era de uma elegância e de um luxo incríveis.
Flores em profusão adornavam cada móvel.
Ao entrar, Malvina pensou que não havia ninguém presente. Em
seguida, Blanche se levantou de um sofá que ocupava juntamente com um
homem.
Embora exagerado, o vestido que usava era muito bonito.
— Oh, finalmente você chegou, querida. Estava acabando de dizer ao
príncipe que minha amiga Celeste Doré seria uma convidada extra na noite
de hoje. Venha. Quero apresentá-los.
Malvina obedeceu sem retrucar. Se aquele era o nome que Blanche
escolhera para identificá-la, a partir daquele instante seria assim que
chamaria.
Blanche parecia ter adivinhado seus pensamentos. Há poucos instantes,
quando descera para o andar térreo, viera cogitando sobre essa falta de
lembrança. Certamente não poderia se apresentar aos convidados com seu
nome verdadeiro.
O homem, que se levantou do sofá, era atraente, mas um pouco velho
demais para a cortesã.
— Permita-me lhe apresentar minha nova amiga Celeste, Garton
querido. Tenho certeza de que concordará comigo de que ela é encantadora.
O príncipe Garton de Tremére se curvou polidamente sobre a mão de
Malvina. Em seguida, como teria dito qualquer francês:
— Como não concordar, ma chère — o príncipe respondeu com um
sorriso.
Malvina não perdeu a troca de olhares entre os dois. Era óbvio que o
príncipe estava apaixonado por Blanche, e nada surpreendente. Ninguém, em
sua opinião, poderia resistir ao charme de Blanche d'Antigny. Com uma tiara
de diamantes nos cabelos, ela parecia uma deusa.
— Esqueci de lhe dizer que hoje é o aniversário de Cora Pearl. É por esse
motivo que estou oferecendo este jantar especial. — Blanche se deteve e

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

apanhou um pacote sobre uma das cadeiras. — Como todos lhe oferecerão
um presente, pensei que você, talvez, quisesse lhe dar este.
— O que é? — Malvina quis saber, ao segurar a caixa embrulhada em
papel colorido e amarrada com uma fita.
— Verá quando Cora abrir. Será uma surpresa para ambas. Naquele
instante, a porta se abriu e um criado anunciou a chegada do próximo
convidado. Após ele, os outros vieram em rápida sucessão.
As mulheres eram uma mais linda do que a outra. Todas, sem exceção,
portavam vestidos extravagantes e jóias em quantidade. Seus rostos estavam
tão maquiados quanto o de Malvina.
Os homens, por sua vez, vestiam trajes de gala e a maioria era dono de
um título de nobreza.
O champanhe corria por entre os convivas. Malvina estava deslumbrada.
Não sabia para onde olhar. Por toda a parte havia luxo, animação e beleza. O
mais provável era que nunca mais tivesse a oportunidade de participar de
um evento como aquele.
De repente, quando parecia que a sala não comportaria mais ninguém, o
criado anunciou a presença de Cora Pearl e do conde de Arram.
Todas as cabeças se viraram para eles.
Malvina pensou que seria difícil se ver um casal mais bonito.
Cora Pearl não era dona de unia beleza tão perfeita quanto a de Blanche
d'Antigny, mas sua personalidade, sem dúvida, era marcante. E suas jóias.
Embora todas as mulheres presentes ostentassem verdadeiras fortunas, as
jóias de Cora Pearl excediam qualquer uma.
Ela brilhava da cabeça aos pés, literalmente.
Não era de se admirar que os homens tivessem dificuldade em afastar os
olhos de seu rosto e de seu corpo.
— Muitas felicidades por seu aniversário, querida Cora — Blanche
estava dizendo. — Todos nós trouxemos presentes para você. Poderá abri-los
mais tarde.
— Foi muita gentileza da parte de vocês — Cora agradeceu, embora
lançasse um olhar aos demais convidados de quem se surpreenderia caso os
presentes não houvessem sido trazidos.
O jantar foi anunciado.
Blanche, como anfitriã, conduziu as pessoas para a sala contígua.
A mesa estava decorada com orquídeas brancas que eram as flores
preferidas da aniversariante. A toalha e os guardanapos de linho também
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

eram brancos. Apenas as velas eram cor-de-rosa.


Os nomes dos convidados estavam escritos em cartões, diante de cada
lugar.
Malvina avistou o seu, e se sentou. O cartão do seu lado direito
mencionava o nome do duque de Lavissé. Conforme ela se virava para o lado
esquerdo, para descobrir quem seria seu outro vizinho, foi cumprimentada
por uma voz gutural.
— Sou o barão Wilhelm von Herdorf. Como ainda não fomos
apresentados, gostaria de saber seu nome.
Foi com dificuldade que Malvina calou seu verdadeiro nome, para dizer
Celeste Doré.
— Estou encantado em conhecê-la. Diga-me. Por que não nos
conhecemos até hoje?
As maneiras do homem eram ríspidas e dominadoras, Malvina pensou.
Como a maioria dos alemães, era alto e forte. Os cabelos eram escuros e
espessos e ele já não era tão jovem. Foi um alívio vê-lo conversando com sua
outra vizinha de mesa.
O duque, ela notou subitamente, estava com o braço esquerdo protegido
por uma tipóia. Embora seus cabelos também fossem escuros, seus traços não
eram tão evidentemente franceses.
De seu lugar, Malvina podia ver Charles Arram ao lado de Cora Pearl.
Também podia ver o príncipe e Blanche, na outra extremidade da mesa.
Entre todos os presentes, Charles Arram lhe parecia o mais bonito. Era
fácil entender por que as mulheres se sentiam tão atraídas por ele. Era o único
loiro, de olhos azuis. O modo de usar o cabelo penteado para trás realçava a
cor dos olhos. Seria impossível atribuir-lhe outra nacionalidade, que não a
inglesa.
Naquele momento ele estava conversando e rindo.
Sem que pudesse imaginar que estava sendo observada, Malvina foi
surpreendida por um comentário por parte do duque.
— Será possível, linda dama, que também tenha entregue seu coração ao
cavalheiro inglês, que já roubou tantas beldades de nós, pobres franceses?
Malvina riu.
— Está se referindo ao conde de Arram?
— Claro que estou — respondeu o duque. — Você deve ser nova em
Paris, mas logo descobrirá que o conde é o assunto principal de todas as
festas.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Malvina tornou a rir.


— Ele deve considerar os comentários muito lisonjeiros.
— Estou certo de que sim, especialmente os vindos da mulher que se
encontra a seu lado. Mas diga-me — pediu o duque — por que ainda não a
conheço?
— A resposta é simples — replicou Malvina. — Vim a Paris apenas para
uma rápida visita e nossa anfitriã foi muito gentil em me convidar para sua
festa.
— Então, permita-me dizer, que é muito bem-vinda nesta cidade de
lindas mulheres, entre as quais você se tornará a nova sensação.
— Oh, não! — Malvina exclamou. — Não tenho a menor vontade de me
tornar o centro das atrações. Quero permanecer apenas uma observadora,
que é o que sou no momento:
— Está sendo modesta — insistiu o duque. — É claro que precisa tomar
parte neste conto de aventuras e romances que é Paris.
— Li a respeito e ouvi muitas conversas sobre esta cidade. Na verdade,
ainda mal consigo acreditar que não esteja sonhando.
— Esse deslumbramento é normal em todos os visitantes. Até nós, os
franceses, às vezes nos sentimentos assim. Mas você ainda não me disse o que
a trouxe a Paris, e por que não veio para cá antes.
Como não estava preparada para responder perguntas, Malvina
procurou mudar de assunto.
— Acho que é minha vez de perguntar. Por que seu braço está
dependurado em uma tipóia?
O duque olhou para o braço com desapontamento.
— Gostaria de lhe falar sobre romances impossíveis e duelos, mas a
verdade é que cai do meu cavalo.
A resposta foi tão inesperada, e o modo do duque tão engraçado, que
Malvina riu.
— Sabia que você acharia engraçado, mas na hora doeu muito.
— Como foi que aconteceu?
— Eu fiz um cavalo, que havia acabado de comprar e que, portanto, não
conhecia bem, saltar sobre um obstáculo alto demais para sua capacidade. No
último minuto, ele se recusou a saltar. Eu, no entanto, fui para frente com
tudo, e acabei me estatelando sobre as pedras.
— Sinto muito por você — Malvina murmurou. — Sei o quanto os
cavalos novos podem dar trabalho. Meu pai, muito sabiamente, mandou
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

colocar areia ao redor dos obstáculos onde treinamos os recém-comprados.


— Você também monta? — o duque indagou, com um tom de surpresa
que Malvina considerou hilário. Em seguida se repreendeu pelo deslize.
Vestida e pintada como estava, não podia parecer uma amazona.
— Sim, quando estou em casa. E o que mais gosto de fazer.
— Também penso assim — concordou o duque. — Estas últimas
semanas, portanto, me foram extremamente penosas, por não ter cavalgado
conforme é o meu hábito. Vim a Paris por motivo de saúde. Queria consultar
o melhor dos ortopedistas.
— Fez o certo — opinou Malvina. — Sempre ouvi dizer que os cirurgiões
de Paris são melhores do que os de Londres.
Mal terminou de falar, Malvina reconheceu que havia cometido um erro.
Por ter estudado em St. Cloud, ninguém suspeitava de que sua origem não
fosse francesa.
Para remediar a situação, prosseguiu rápida.
— Um amigo meu, que estava passando férias na Inglaterra, sofreu uma
queda. O cirurgião inglês, que operou fez um trabalho horrível.
— Sinto muito por seu amigo. Quanto a mim, espero estar montando
novamente na próxima semana.
— Precisará ter cuidado no início — Malvina o preveniu.
— Sei disso. Mas conte-me sobre seus cavalos. Onde os comprou e onde
os guarda?
— Por que não me fala, primeiro, sobre os seus?
— Moro na Normandia — informou o duque —, e meu castelo, que é
quase uma fortaleza, data do ano de 1200.
Malvina se interessou.
— Sempre desejei conhecer um castelo antigo. Você tem muita sorte em
possuir um.
— Infelizmente é um bem que custa muito caro para manter — explicou
o duque com voz triste.
— Está querendo dizer que não está em condições de morar nele?
— Não se trata disso exatamente, mas estou estranhando que em uma
festa como esta, você esteja interessada nos problemas de um homem do
campo.
— Agora que começou a falar sobre seu castelo, você precisa ir até o fim
— Malvina insistiu.
— Muito bem. Ele é muito grande e importante. Houve uma época em
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

que pertenceu à realeza. Um ancestral meu, que era guerreiro, diplomata e


um devoto das artes o recebeu de presente da família real.
— Um presente e tanto — brincou Malvina.
— Meu ancestral era o homem mais rico da França, depois do rei —
continuou o duque. — Ele possuía cento e trinta castelos, três mansões em
Paris, e ainda por cima exercia grande influência entre os membros do
governo.
— Ele devia ser muito inteligente para conseguir reunir uma fortuna tão
imensa.
— Pelo que ouvi dizer, era um gênio. Uma pena que eu não tivesse
vivido naquele tempo para desfrutar de sua companhia.
— O que houve com ele?
— Com o advento da revolução, meu ancestral percebeu que para se
manter vivo, teria de conseguir o apoio dos republicanos, de uma forma ou
de outra.
— Como conseguiu?
— Ele mandou que o povo da aldeia, onde morava, destruísse seu maior
e mais importante castelo.
Malvina deu um pequeno grito.
— Não acredito.
— E verdade — confirmou o duque. — Eles derrubaram a frente, as
torres, a entrada e a ponte levadiça, sobre a qual os visitantes atravessavam o
fosso.
— Esse sacrifício lhe salvou a vida? — Malvina quis saber, quase sem
fôlego.
— Ao menos não o sentenciaram à guilhotina.
— A guilhotina sempre me pareceu uma maneira demasiadamente
drástica de se satisfazer os revolucionários.
— Ou era o castelo ou seu pescoço — comentou o duque. — Para se
sentir ainda mais seguro, meu ancestral vendeu toda a mobília e todos os
objetos do castelo.
— Só em pensar, sinto-me mal. Ele deve ter sofrido terrivelmente.
— Foi o fim de seu glorioso reinado.
— Você poderia estar morando naquele castelo, se nada daquilo
houvesse acontecido.
— Apesar dos problemas, eu ainda recebi sua herança, assim como meus
antepassados. Moro em outro castelo, perto do primeiro. Meu maior sonho é
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

restaurá-lo conforme o original, que era considerado uma das maiores


atrações da Normandia.
— Fará isso, não?
O duque sorriu.
— É apenas uma questão de dinheiro. Até consegui-lo, quero aproveitar
a oportunidade de me divertir nesta cidade. Como você deve ter percebido,
não é sempre que venho a Paris e que tenho a companhia de pessoas tão
adoráveis.
— Nesse caso, você precisa conhecer pessoas.
— E o que espero fazer. Ou melhor, é o que estou fazendo. Que
companhia melhor do que a sua, eu poderia querer?
— Obrigada pelo elogio, mas do jeito que falou, sinto-me como se o
tivesse obrigado a dizê-lo.
— Jamais seria tão rude. Juro que estou encantado, honrado e
impressionado com sua presença.
Malvina agradeceu mais uma vez e pediu que o duque continuasse a
falar sobre seus cavalos. Como era experiente nesse assunto, a conversa se
tornou animada.
De repente, sem que ela percebesse, o barão a censurou;
— Estou me sentindo ofendido, mademoiselle Doré. Durante todo o jantar,
não me dirigiu a palavra uma só vez.
— Perdoe-me se lhe pareci rude, mas estávamos falando sobre cavalos,
que é um assunto que me entusiasma ao ponto de me esquecer de tudo.
— Se você quer cavalos, eu lhe darei cavalos — afirmou o barão.
— Então o senhor também possui cavalos — Malvina repetiu, sem
entender muito bem o que o homem estava querendo dizer.
— Sou muito rico e possuo tudo o que desejo. Se está em Paris há alguns
dias, já deve ter ouvido falar a meu respeito. Sou dono de vários bancos, tanto
na França quanto na Alemanha. Portanto, onde quer que eu vá, sou muito
conhecido.
Malvina o julgou extremamente convencido, mas nada comentou por
não ser de seu feitio a falta de cordialidade.
— Que interessante. Acho que nunca conheci um banqueiro antes.
— A maioria não é como eu — declarou o barão — como você mesma
descobrirá quando pudermos nos conhecer melhor.
Passou pela mente de Malvina o pensamento de que ela não sentia a
menor vontade de conhecer melhor aquele homem. Dessa forma, procurou
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

dedicar sua atenção à mulher que se encontrava ao lado do duque, uma atriz.
Mas a conversa entre ambos lhe pareceu um tanto confidencial e ela não teve
outro jeito a não ser continuar conversando com o barão.
Não sabia se era impressão, mas ele parecia fitá-la de um modo
embaraçoso.
— Mora em Paris? — ela indagou.
— Tenho uma casa em Champs Élysées — respondeu o barão —, mas
fico lá apenas uma parte do ano. A permanência pode ou não se prolongar
dependendo da pessoa em quem estou interessado.
— Há alguém em especial, no momento? — Malvina indagou, mais para
continuar a conversa, sem imaginar que poderia estar dando margem a uma
intimidade indesejável.
— Não havia até eu vir aqui esta noite. Esse alguém é você, minha linda
dama.
Malvina não acreditou que ele estivesse falando a sério. Porém, quando
se aproximou mais e colocou sua mão sobre a dela, teve ímpetos de se
levantar e fugir.
Por sorte, os criados voltaram à sala de jantar para servir o terceiro prato.
Não que ela sentisse qualquer apetite. A excitação da noite a impedia de
comer. Agora, com o comportamento do barão, não conseguia sequer falar.
Olhou ao redor e ficou ainda mais chocada ao notar que alguns dos
convidados mantinham um comportamento peculiar. Em frente a ela, por
exemplo, um homem beijava o ombro desnudo da mulher ao seu lado. Mais
para o lado direito, uma mulher muito bonita e ruiva, com um vestido verde
extremamente decotado, estava sentada sobre o joelho do homem ao seu
lado, e ainda por cima com os braços ao redor de seu pescoço.
As bebidas corriam pela mesa. Nem bem um convidado esvaziava o
copo, um criado tornava a enchê-lo com vinho ou champanhe. Todos
pareciam alegres demais. O som normal da conversa havia se transformado
em uma algazarra. Os risos eram tão exagerados que era praticamente
impossível ouvir o que o barão estava dizendo.
Em certa oportunidade, Malvina comentou com o duque.
— O barulho está muito alto e o cavalheiro alemão, ao meu lado, tem um
timbre de voz tão grave que não consigo entender o que está falando.
— Você não está perdendo muito — respondeu o duque. — Quanto ao
barulho, infelizmente ele ainda vai aumentar, daqui para frente.
Como em resposta àquelas palavras, ouviu-se uma gargalhada
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

estrondosa e uma salva de palmas. Era por causa do bolo de aniversário que
estava sendo trazido para a sala, e que foi colocado diante de Cora Pearl.
Blanche se inclinou sobre a mesa.
— Feliz aniversário, querida Cora. Pode assoprar as trinta e quatro
velinhas.
— Trinta e quatro? — protestou a cortesã. — Todos sabem que estou
completando trinta anos na data de hoje!
— Oh, não, Cora — Blanche revidou. — Você é cinco anos mais velha do
que eu e fiz vinte e nove, como Charles deve se lembrar.
— Estou fazendo trinta anos — gritou Cora. — Trinta! No momento
imediato, quatro velinhas foram arrancadas do bolo e jogadas sobre a mesa.
— Se Cora afirma que tem trinta anos, é porque essa é sua idade —
Charles bradou tão alto que todos fizeram silêncio. Em seguida, deu
gentilmente a mão a Cora para que esta se levantasse e lhe entregou uma faca
para que cortasse o bolo.
— Sopre as velinhas primeiro, querida.
Um sorriso feiticeiro foi a resposta. Na opinião de Malvina, seria difícil
algum homem resistir a ele. Depois, Cora se inclinou e soprou.
Sem a luminosidade das chamas, foi possível ver o desenho de uma
bailarina nua. Mesmo à distância, também era possível notar que a imagem
estava distorcida, se é que fora feita para representar a aniversariante.
Era gorda e as pernas curtas e roliças. O corpo desproporcional.
Por um momento, Malvina acreditou que o erro partisse do confeiteiro.
Mas, ao ver a expressão de Blanche, soube que a atitude fora intencional.
Cora, sem dúvida, reconheceu a verdade de imediato.
— Se essa bailarina sou eu, considero um insulto de sua parte. E para
provar que você agiu de má fé, dançarei para todos os presentes, sobre esta
mesa, se alguém prepará-la.
Cora estava furiosa. Os homens, porém, não poderiam se revelar mais
satisfeitos.
— Dance, Cora. Brinde-nos com sua figura e com sua arte. Mostre-nos o
que sabe fazer.
A faixa da cintura foi imediatamente retirada. Mas antes que Cora
retirasse alguma outra peça de roupa, Charles ergueu uma das mãos.
— Antes de tudo, acho que devemos entregar nossos presentes a Cora. O
meu será o primeiro.
Do bolso de sua calça foi retirado um estojo que, obviamente, continha
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

uma jóia. Todos aqueles que moravam em Paris conheciam a marca Oscar
Mossin. Ele era o dono da maior, mais cara, e mais admirada joalheria da
cidade.
Antes mesmo que Cora Pearl o abrisse, as mulheres a rodearam, ansiosas
para verem o conteúdo.
O bracelete de diamantes brilhou à luz das velas. As mulheres deixaram
escapar um murmúrio de admiração. De repente, para perplexidade geral,
Cora exclamou:
— Não era esse o bracelete que eu queria! Eu preferia o outro!
— O que você queria, infelizmente, era caro demais para quem não é um
rei ou um sultão — Charles se justificou.
— Dá para entender — comentou um dos homens.
— Pois eu não entendo — Cora retrucou. — No dia do meu aniversário
você deveria ter me dado o que eu queria.
Cora atirou o bracelete sobre a mesa com expressão de desdém. No
instante seguinte, o silêncio de estupefação foi quebrado pela voz gutural do
barão:
— Eu lhe darei o que deseja. Leve-me à joalheria e o bracelete será seu.
— Oh, obrigada, obrigada — Cora agradeceu. Charles, entretanto, olhou
para o barão com ar de desafio.
— Fique fora disto! O que eu posso ou não dar a Cora não é da sua conta.
Peço-lhe o obséquio, barão, de não se intrometer entre nós.
— Sim, é da minha conta. — O barão se levantou, muito vermelho. — Se
quero dar um bracelete de diamantes a uma dama, que considero adorável,
nada pode me deter.
— Eu não teria tanta certeza — ameaçou Charles.
Os dois homens se digladiavam com o olhar. Blanche intercedeu.
— Não vou admitir brigas dentro da minha casa. Se querem discutir,
devem sair. Enquanto decidem, proponho um brinde pela saúde de Cora em
seu aniversário e lhe desejo felicidades. Além disso, ainda faltam muitos
presentes para ela abrir.
Blanche ergueu o copo e todos, ao redor da mesa, se levantaram, meio
cambaleantes, imitando-a.
— Saúde!
— Viva!
— Felicidades!
Cada um fez um voto a Cora. Mas, apesar do esforço geral, ela continuou
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

se portando de maneira desagradável. Charles, Malvina notou, recolheu o


bracelete de cima da mesa e guardou-o novamente no bolso. Ato contíguo, a
um sinal de Blanche, um criado levou o bolo para outra sala.
No mesmo instante, os convidados começaram a colocar os presentes
diante de Cora. Parecia que ela fosse se recusar a abri-los, mas a curiosidade
venceu.
Todos os convidados rodeavam a aniversariante. Apenas Malvina e o
duque ainda não haviam se movido. Ela, por timidez.
Sem saber o que fazer, Malvina não recusou o convite do duque, quando
ele lhe propôs que fossem a um lugar mais tranqüilo.
— Em poucos instantes, Cora fará sua exibição e eu duvido que você
aprecie o espetáculo.
Como se o duque tivesse adivinhado, as portas da sala se abriram e uma
banda se pôs a tocar uma música em alto volume.
Sem que ninguém, aparentemente, os notasse, ele e Malvina se dirigiram
ao hall. O duque seguiu em frente e começou a subir as escadas. No primeiro
andar, passaram por uma sala de estar que Malvina já conhecia, mas ele não
parou.
Não havia um único criado a vista. Malvina estranhou, mas logo se
lembrou de que todos deveriam estar ocupados em servir os convidados.
A música era tão alta que os alcançava.
O duque, então, abriu uma porta e fez um gesto para que entrasse. Era
uma sala, em penumbra. Malvina notou as duas poltronas em frente a lareira.
Sobre uma mesinha de canto havia um lampião, que o duque se apressou a
acender. Como era verão, o ambiente estava repleto de flores.
Um olhar para o outro lado revelou uma cama de casal coberta por uma
cortina cor-de-rosa, que vinha do teto.
Com a claridade, ela viu que as flores eram cor-de-rosa como a cama, e
que adornavam várias peças de mobília. Encantada com a decoração, não
entendeu as palavras do duque.
— Talvez você precise me ajudar a tirar o paletó, por causa do problema
com meu braço. Mas garanto-lhe, pequena, que nos divertiremos muito,
apesar desse contratempo.
Ela o fitou inquiritivamente. Ele se aproximou e tentou abraçá-la pela
cintura. A compreensão se fez acompanhar por um grito de alarme. Malvina
correu para a porta e girou a maçaneta. Nada aconteceu. Sem que percebesse,
o duque havia trancado a porta quando entraram.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Deixe-me sair! — implorou assustada.


O duque, que havia se livrado da tipóia, pareceu surpreso.
— O que há com você?
— Não deveria ter me trazido aqui. Eu não sabia… — murmurou,
incoerente.
— Não sabia o quê? Que é adorável e que eu quero lhe provar o quanto a
admiro?
Malvina reprimiu a vontade de gritar.
— Você não está entendendo. Eu preciso sair daqui. Agora!
O duque se sentou calmamente em uma das poltronas.
— Pare de se comportar como uma histérica e me conte o que é que a
está perturbando.
— Foi um engano — Malvina murmurou. — Eu não deveria ter vindo a
esta festa. Se estou aqui, é por uma razão muito especial.
— Que razão?
Malvina ainda não havia largado a maçaneta. Nesse instante o fez e se
apoiou contra a porta.
— Por favor, deixe-me sair. Como eu disse, trata-se de um engano.
— Um engano da parte de quem?
— Minha — Malvina respondeu.
— Você veio a este jantar ciente do que aconteceria, é claro. Se é amiga
de Blanche, deve saber que a festa nada mais é do que um plano de vingança
por Charles Arram tê-la abandonado por Cora Pearl.
— Eu não sabia. Ela deixou que eu comparecesse para me fazer um
favor. Eu precisava descobrir algo.
— O quê?
— Não é nada que tenha relação a você. Se o acompanhei para fora
daquela sala, foi porque pensei que iria me poupar a cena de ver Cora Pearl
dançando nua.
— Eu a trouxe para cá porque realmente queria que ficássemos a sós.
Como o ambiente não estava muito agradável, imaginei que nos sentiríamos
muito mais felizes aqui.
Ele fez uma pausa e continuou:
— Tentarei fazê-la feliz.
— Mas eu não posso ficar aqui com você — Malvina respondeu, com um
fio de voz. — Por favor, deixe-me ir.
— Se é isso que deseja, não me colocarei em seu caminho.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Malvina suspirou de alívio.


— E verdade? Abrirá a porta para mim?
— Jamais forcei uma mulher em minha vida. Quero que saiba, porém,
que estou muito desapontado. Vamos. Eu a levarei para casa.
— Não é preciso. Posso voltar sozinha. O duque sorriu.
— Vestida como está, será um perigo. A menos, é claro, que tenha uma
carruagem e criados esperando-a.
Malvina baixou os olhos. Havia se esquecido de sua aparência. Se saísse
pelas ruas, vestida e maquiada como estava, obviamente seria abordada.
Como se lesse seus pensamentos, ele insistiu.
— Venha. Tenho uma carruagem lá embaixo, e posso levá-la para onde
quiser. Confesso que estou muito curioso a seu respeito. Seu comportamento
não condiz com sua aparência. Não entendo o que faz aqui, em uma festa de
cortesãs.
— Fui uma tola — Malvina confessou. — Mas tinha boas razões para vir.
Embora não houvesse necessidade de se explicar a um desconhecido,
Malvina sentiu que lhe devia uma justificativa. Mas não tinha coragem para
contar.
O duque se levantou, guardou a tipóia no bolso, e se encaminhou para a
porta.
— Não vai apoiar o braço? — Malvina o tocou inadvertidamente.
— Não, neste momento. No entanto, como estou me sentindo em relação
a você, é melhor não me tocar.
Malvina corou e recolheu rapidamente a mão.
— Como foi que se meteu nesta enrascada? — ele insistiu. A porta se
abriu e o ruído da música e das risadas os fez calar.
— Acho melhor sairmos pela porta lateral — o duque aconselhou. —
Conheço o caminho. Tome cuidado porque estará escuro.
Ele virou à esquerda e conduziu-a por um corredor e depois por degraus
estreitos que davam na cozinha. Não havia ninguém ali. A travessaram-na e
continuaram descendo degraus até saírem na calçada.
O ar da noite acariciou o rosto afogueado de Malvina.
Em rápidas passadas, ela subiu na carruagem vazia que o duque lhe
indicou. Ele, por sua vez, seguiu até um grupo de cocheiros, mais adiante.
— Oh, desculpe, milorde — disse um deles. — Não esperava que saísse
tão cedo.
— Fiquei o suficiente — replicou o duque. — Agora iremos levar uma
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

dama para casa.


O duque subiu na carruagem e se sentou ao lado de Malvina.
— Onde está hospedada?
— Em Faubourg St. Honoré, número 9.
A expressão do duque parecia de surpresa, mas como estava escuro,
Malvina não teve certeza. O cocheiro fechou a porta e eles partiram.
— Obrigada pela gentileza. Sinto muito ter estragado sua noite.
— Não a estragou. Apenas me deixou curioso. Fez-se um longo silêncio.
— Esqueça o que aconteceu esta noite e que me conheceu — Malvina
murmurou, por fim. — Como não tornaremos a nos ver, será fácil para você.
— Por que está dizendo que não tornaremos a nos ver? Eu quero
encontrá-la novamente. Precisamos conversar. Você precisa me ajudar a
solucionar esta charada, pois não consigo encontrar a resposta.
— Quando voltar para seus cavalos, esquecerá de mim.
— Algo me diz que não. Dessa forma, virei buscá-la amanhã para
almoçarmos ou jantarmos juntos. Começaremos pelo princípio. Do jeito que a
conheci, sinto-me como o espectador que entra no teatro no meio da peça,
sem saber o que aconteceu.
Malvina riu.
— Você é engraçado.
— O que mais posso ser? Não queria ir à festa esta noite.
Achei que haveria confusão e meu braço doía. Deve ter sido o destino
que me impulsionou.
— Talvez o destino também tenha decidido que não devemos tornar a
nos ver — Malvina concluiu.
— Por que está falando assim comigo? — o duque indagou. — Não fiz o
que você queria? Não a trouxe para casa, como um cavalheiro?
— Se quiser retornar à festa, ainda haverá tempo.
O duque riu.
— A esta altura, os pares já se formaram. Só não posso apostar em
Charles Arram e no barão. O que quer que aconteça, porém, tenho certeza de
que Cora conseguirá o tal bracelete.
— Como ela pode ser capaz? O homem é horrível!
— Ninguém é horrível para Cora Pearl, quando tem dinheiro.
Malvina se calou. Não queria nem pensar a respeito.
— Tem razão. Não deve deixar que pensamentos como esse manchem
sua mente.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Você está lendo meus pensamentos! — Malvina exclamou.


— Eu também estou surpreso por essa repentina capacidade — afirmou
o duque. — Nunca me aconteceu isso antes. Espero que se repita.
Naquele momento, a carruagem passou pela Place de ia Concorde,
— Como Paris pode ser tão linda? — Malvina murmurou, olhando para
a fonte.
— É o que a maioria das pessoas diz. Os homens, em especial, não
admiram apenas a cidade, mas também suas mulheres.
— Você também? — Malvina perguntou, sem raciocinar. O duque
refletiu por um instante.
— Pensei que os portões do paraíso fossem se abrir para mim, mas você
os fechou.
— Esqueça-me. Por favor, esqueça-me. Perdoe-me por ter estragado sua
noite. E muito obrigada por ter sido tão gentil e me trazer para casa.
Os cavalos pararam e o cocheiro desceu para abrir a porta. Malvina tirou
a chave da bolsa, que levara para não acordar os criados de madrugada. O
duque a tirou de sua mão, abriu a porta e entrou. O hall estava escuro.
Apenas uma fraca luz, no alto da escada, iluminava o ambiente.
— Você está bem? — ele quis saber. — Há alguém na casa que possa
cuidar de você?
— Sim. Mais uma vez obrigada por me trazer.
Enquanto falava, Malvina o fitou nos olhos. Ele se inclinou e beijou-a
suavemente. Um beijo de um homem para uma criança. Mesmo assim,
Malvina prendeu a respiração e ficou imóvel. Só conseguiu subir os degraus e
ir para o quarto, quando ouviu a porta se fechar e a carruagem se afastar pela
rua.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO V

Malvina demorou a conciliar no sono. Quando acordou, o sol se


infiltrava através das laterais da cortina. Levantou-se e estava se vestindo,
quando Nanny entrou.
— Não pensei que já estivesse acordada. Para quem foi dormir tarde,
você está bem disposta.
— Minha idéia é voltarmos esta tarde para a Inglaterra.
Nanny balançou a cabeça.
— Oh, não esta tarde!
— Por que não? — Malvina estranhou.
— Você não disse que dispensaria as enfermeiras, uma noite, para irem
ao teatro? Pois eu transmiti seu recado a elas e também ao mordomo e à
cozinheira. E como não sabia a data de nosso regresso, pedi a elas que
comprassem um ingresso para mim, também. Estou ansiosa por assistir ao
teatro de variedades, que, segundo ouvi dizer, é realmente bom.
— Pode ir, então, Nanny. Deixaremos a viagem para amanhã. Eu, como
não tenho nenhum compromisso, ficarei tomando conta de prima Violet.
— Não é preciso — Nanny explicou. — Os criados tomaram todas as
providências. A irmã da cozinheira e seu marido, que moram nesta mesma
rua, se ofereceram para dormir aqui esta noite. Vá se despedir de suas amigas
ou dê uma última volta por Paris. Não precisa se preocupar com nada. Nem
com a hora de voltar.
— Está bem. Espero que se divirtam, especialmente você, Nanny.
— Muito obrigada. Depois de passar tanto tempo isolada no campo,
acho que nem me lembro mais do aspecto de um palco.
— Espere até entrar em um esta noite. As recordações voltarão
imediatamente.
Quando se despira na noite anterior, Malvina tivera o cuidado de
esconder o vestido e as jóias de Blanche dentro de uma gaveta. Era de suma
importância que ninguém os visse.
Por sorte, as peças já haviam sido embrulhadas em papel de seda e
transferidas para uma caixa vazia, quando a babá veio a seu quarto.
— O desjejum está pronto há tempos. Estava cogitando sobre a razão do

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

seu atraso.
— Acabei de embrulhar algo que preciso levar a uma de minhas amigas
— Malvina informou. — Irei visitá-la tão logo termine de tomar o café. Se
quiser fazer compras, Nanny, não terá oportunidade melhor do que esta.
— Na verdade, eu estava mesmo pensando em levar alguns itens para a
Inglaterra, que não podem ser encontrados por lá. E alguns amigos me
pediram para lhes comprar cartões postais.
— Esteja à vontade, Nanny.
A fim de evitar que a babá pudesse tentar examinar o conteúdo da caixa,
Malvina a levou consigo para a sala de jantar, onde o desjejum seria servido.
Antes que terminasse a refeição, ela chamou o mordomo.
— Se alguém aparecer por aqui, hoje, e chamar por mademoiselle Celeste
Doré, por favor diga que ela foi embora, e que você não tem a menor idéia
para onde foi ou quando regressará.
Como o homem se mostrasse surpreso, Malvina esclareceu: -
— Ela é uma de minhas amigas e está procurando evitar o assédio de um
cavalheiro que a aborrece. Deu-lhe este endereço apenas para despistá-lo.
Celeste não quer que ele saiba onde ela realmente mora.
O mordomo aceitou a explicação sem problemas. Afinal era francês.
Fosse um inglês, a curiosidade teria sido muito maior.
De qualquer forma, caso o duque viesse e perguntasse por mademoiselle
Doré, receberia o devido recado.
Malvina não queria admitir, mas sentia, no íntimo, que ele a procuraria
outra vez.
Assim que terminou de comer, levantou-se e se encaminhou para a porta
sem dizer a ninguém onde pretendia ir.
Preferia calar-se a dizer mentiras, e sair rapidamente antes que Nanny
resolvesse investigar o que havia na caixa.
Alguns passos depois encontrou um fiacre, e pediu ao condutor que a
levasse à casa de Blanche d'Antigny.
Chegou por volta das dez horas. Não havia se detido para pensar se o
horário era conveniente. Agora receava encontrar Blanche dormindo.
Outra pessoa deixaria o pacote em mãos de um criado com uma nota de
agradecimento. Ela, no entanto, considerava essa uma atitude descortês.
Gostaria de devolver o vestido e a jóia em pessoa.
A porta foi aberta por um criado que não a reconheceu. Malvina não se
admirou. Estava muito diferente da noite anterior. Mas, conforme começou a
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

falar, o homem a interrompeu.


— A senhorita esteve aqui ontem de manhã, pedindo para falar com
madame!
— Sim, estive — Malvina confirmou. — Se ela estiver acordada, poderia
avisar que Malvina Silisley gostaria de vê-la?
O homem a conduziu à mesma sala em que estivera na manhã anterior,
embora parecesse outra devido à desarrumação.
Havia papéis coloridos amassados sobre uma cadeira, com os quais os
presentes de Cora Pearl deviam ter sido embrulhados. Sobre a mesa,
encontrava-se um leque quebrado. Vários lenços e écharpes, certamente
esquecidos por alguns convidados, estavam empilhados sobre outra cadeira.
Malvina não precisou esperar muito até o criado voltar e dizer que
madame Blanche teria muito prazer em recebê-la.
Malvina subiu para o lindo quarto azul e viu a cortesã, com os cabelos
loiros espalhados pelos ombros, recostada contra as almofadas.
Mesmo sem maquiagem, ela era linda.
— Bom dia, Celeste. O que aconteceu com você ontem a noite? Procurei-
a e ao duque e não encontrei nenhum dos dois.
— Ele me levou para casa — Malvina respondeu —, uma vez que eu já
tinha visto tudo o que precisava. Trouxe seu vestido e as jóias e quero lhe
agradecer um milhão de vezes pelo empréstimo e também por me convidar
para uma festa tão sensacional e incomum.
Blanche pareceu divertida.
— Sabia que seria incomum para você. Foi uma boa idéia sair antes do
fim.
— Por quê? — Malvina quis saber.
— Porque Charles e o barão tiveram uma briga violenta. Os outros
convidados se divertiram, mas eu acho que você teria ficado chocada.
— Alguma razão especial?
— Charles mandou que o barão cuidasse de sua própria vida. Alegou
que ele não tinha o direito de oferecer presentes a Cora Pearl enquanto ela
estivesse sob sua proteção.
— Suponho que ele estivesse certo.
— Embora não seja oficializada, essa é realmente uma lei que deveria ser
respeitada — Blanche deu de ombros.
— Mas, como Cora Pearl roubou Charles de mim, eu não pude evitar de
rir da situação.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— O que foi que aconteceu exatamente?


— Os dois homens discutiram com um palavreado bastante
desagradável. Ainda bem que não chegaram ao limite de um duelo.
— Fico aliviada em saber, embora tenha certeza de que Charles venceria
o barão.
— Eu não me sentiria tão segura — Blanche respondeu.
— O barão é um excelente pugilista e já venceu vários duelos.
Malvina ficou surpresa.
— E como a história terminou?
— Cora, ainda fingindo que só tinha trinta anos, e não trinta e quatro,
levou Charles embora, fazendo questão de deixar bem claro a todos, inclusive
a mim, que ele lhe pertencia. Ao mesmo tempo, enquanto Charles não estava
olhando, ela sorriu bem coquete para o barão e lhe apertou a mão, em sinal
de que estava pronta para aceitar o bracelete no momento em que ele
quisesse.
Malvina fez um esgar de repulsa.
— Oh, como ela pôde ser capaz? Aquele homem é horrível.
— Mas é rico — Blanche declarou — e a riqueza significa mais do que
qualquer coisa para Cora.
— Você deve saber que Charles Arram não está em condições de gastar
como gasta. O pai dele está enfrentando sérias dificuldades para conservar a
casa e a propriedade em ordem. E por não ver saída para a situação, meu pai
quer ajudá-lo, persuadindo-me a me casar com Charles.
— Agora que o conheceu, está preparada para aceitá-lo e fazê-lo se
comportar como um verdadeiro cavalheiro inglês?
Malvina negou com um movimento de cabeça.
— Antes de vir para Paris, eu estava determinada a não concordar com
um casamento arranjado. Agora minha determinação se tornou ainda mais
firme. Jamais me casarei com um homem que não me ame e por quem eu não
esteja apaixonada.
Blanche bateu palmas.
— Tem toda a razão. E assim que uma jovem de sua idade deve se sentir.
Meus desejos sinceros são que seus sonhos se realizem. — Blanche suspirou.
— Eu também sonhava quando era mais nova. Não posso dizer que não
tenha me enamorado e sido feliz com alguns homens, mas sempre soube que
o que eles sentiam por mim não duraria.
Havia tanta tristeza na voz da cortesã que Malvina não pôde evitar a
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

compaixão.
— Sinto muito. Blanche riu.
— Ninguém que a ouvisse acreditaria que eu sou digna de piedade neste
momento. Sou uma das pessoas de maior sucesso em Paris, e há uma fila de
homens ilustres ansiosos por tomarem o lugar de Charles Arram.
— Eu acredito. Você é tão linda.
— Eles me querem porque lhes dou a felicidade c o prazer que não
conseguem achar em lugar algum — Blanche respondeu. — O príncipe, com
quem me viu ontem a noite, esperou cinco anos por mim. Mas agora está
muito feliz.
— Sim, mas por quanto tempo?
A pergunta poderia ter sido indelicada, Malvina cogitou, mas a
curiosidade a vencera.
Blanche fez um gesto de impotência com as mãos.
— Só a própria deusa do amor pode saber. Espero que dure por muito
tempo. No entanto, poderá surgir outra Cora Pearl para enfeitiçá-lo, a
qualquer instante.
Malvina nunca havia pensado antes que um homem pudesse abandonar
uma mulher dona de tanta beleza. Agora sabia que havia outros valores
importantes. Agora sabia, também, que a bela cortesã realmente amara
Charles Arram.
Porém, como não lhe cabia resolver o problema, procurou mudar de
assunto.
— Cora Pearl chegou a dançar, ontem a noite, conforme prometeu?
A gargalhada, que ela deu, pareceu afastar a tristeza de seus olhos.
— Sem dúvida. Ela precisava provar aos presentes que era mais bonita
do que a efígie do bolo de aniversário.
Malvina se reprimiu a fazer a próxima pergunta, mas Blanche a
respondeu como se adivinhasse seus pensamentos.
— Ela ficou quase nua e provou que seu corpo é realmente tão perfeito
quanto todos acreditavam.
Malvina sentiu-se aliviada por não ter estado presente. E Blanche, mais
uma vez, pareceu adivinhar seus pensamentos.
— Ainda bem que o duque a levou embora. Você é jovem demais para
presenciar certas coisas. Por isso, trate de esquecer tudo o que viu aqui,
quando voltar para a Inglaterra.
— Estou pensando em regressar amanhã — Malvina informou.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— E o melhor que tem a fazer. Espero que consiga persuadir seu pai de
que Charles Arram não é o marido ideal para você.
— Será difícil — Malvina sussurrou —, mas como ele me adora, estou
certa de que acabará entendendo.
— Eu também estou certa disso.
Malvina se levantou.
— Quero lhe agradecer mais uma vez por tudo o que fez por mim. Se
algum dia for a Inglaterra, faço questão de recebê-la em minha casa e de lhe
mostrar os cavalos. 3 magníficos do meu pai.
— Pensarei a respeito. Por outro lado, acho melhor você tentar esquecer
que um dia conheceu Blanche d'Antigny que foi apresentada a Cora Pearl.
Malvina riu baixinho.
— Não esquecerei, mas prometo não contar a ninguém.
— Uma sábia decisão — Blanche aprovou. — Adeus, minha querida, e
que Deus a abençoe. Espero que encontre o homem que a mereça e que a ame
como deseja ser amada. Meus votos são para um feliz casamento.
No momento da despedida, Blanche abraçou Malvina e beijou-a em
ambas as faces.
— Obrigada. Rezarei para que você também seja sempre muito feliz.
— Tomara que suas preces sejam atendidas. Malvina se dirigiu à porta,
mas antes de abri-la virou-se mais uma vez para Blanche e acenou.
— Au revoir.
Em seguida desceu para o hall e viu os criados arrumando a infinidade
de flores que havia acabado de chegar.
Sua condução a esperava, conforme pedira. Subiu e pediu ao condutor
para que a levasse de volta à casa de lady Walton. Quando os cavalos
estavam começando a se mover, uma carruagem parou diante da porta de
Blanche.
Ela não pôde evitar olhar para trás a fim de descobrir quem estava
visitando Blanche tão cedo. Era o príncipe.
— Espero que ele faça Blanche muito feliz — Malvina pensou. — Embora
não seja bonito como Charles Arram deve gostar muito mais dela.
Através das ruas de Paris, Malvina se pôs a pensar no que diria ao pai,
quando chegasse. Tinha certeza de que ele ficaria escandalizado se soubesse
que Charles estava dilapidando toda a fortuna da família com mulheres como
Cora Pearl. Mas e quanto a concordar que ele não era o marido adequado
para ela? Não insistiria em agradar o marquês, seu amigo, em primeiro lugar?
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Malvina não podia ter certeza da resposta.


Sua única certeza era de que o pai ficaria muito zangado se soubesse que
viajara para Paris sem avisá-lo. Se soubesse sobre sua visita e pedido de ajuda
a Blanche d'Antigny , então!
— De qualquer forma, preciso fazê-lo entender meu ponto de vista e não
permitir que me obrigue a um casamento com quem não quer se casar
comigo.
Apesar disso, Malvina estava tensa e receosa de contar ao pai que
resolvera investigar Charles Arram por sua própria conta.
O que ele não podia saber, de jeito nenhum, era o episódio acontecido
com o duque. O pai jamais a perdoaria se soubesse que ficara trancada em
um quarto com um homem. A. culpa fora dela, é claro, e não do duque, mas
como fazê-lo entender que não imaginara que seria tratada como uma
cortesã, apesar de sua aparência naquela noite.
A lembrança a fez pensar no beijo que ele lhe dera ao partir. Fora o
primeiro beijo de sua vida. Apesar de outros rapazes já haverem tentado,
uma vez no jardim de Devonshire House, outras em recepções, ela nunca
deixara isso acontecer.
Um beijo, para Malvina, era um carinho significativo demais para ser
desperdiçado com homens por quem não se interessava. A verdade era que
se interessara demais pelo duque, apesar de saber que seria improvável
tornar a se ver.
O primeiro beijo. Não, não conseguiria esquecê-lo. O toque suave em
seus lábios lhe provocara uma sensação estranha. Mas ele partira sem sequer
olhar para trás, e ela tentara apagar o acontecimento de sua mente.
Não conseguira. Ao se deitar, a estranha sensação voltou c fez seu
coração bater mais depressa. Tentou se acalmar, dizendo que todos deveriam
se sentir assim quando eram beijados. Ao mesmo tempo sabia que não era
verdade. O que acontecera entre ela e o duque fora algo diferente. Tão
diferente que temia nunca mais poder esquecer.
— O quanto antes eu voltar para Londres, melhor será — Malvina
decidiu, conforme atravessava a Place de Ia Concorde, e tentava admirar as
fontes e os encantos do lugar, sem conseguir.
Sua mente teimava em se fixar na penumbra do hall e no duque, no
momento em que ele se inclinara e pousara os lábios sobre os seus.
Chegando à casa de sua prima, Malvina pagou o condutor, deu-lhe uma
grande gorjeta e abriu a porta com a chave que levara emprestada na noite
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

anterior, e que ainda não devolvera ao mordomo.


A casa estava muito quieta. Deu alguns passos e, então, ouviu vozes
vindas da cozinha. Os criados e enfermeiras deveriam estar conversando
sobre o passeio ao teatro. Sem querer perturbar a animação, dirigiu-se à sala
onde lera sobre as cortesãs na tarde anterior.
Naquele momento, porém, não queria saber mais nada sobre elas.
Conhecera Blanche d'Antigny e fora apresentada a Cora Pearl, as mulheres
mais famosas da França, embora não se comentasse sobre elas na Inglaterra.
Ela jamais pertenceria àquele mundo. Dessa forma, o melhor que tinha a
fazer era tentar esquecer o que acontecera.
A cena da briga entre Charles Arram e o barão fora muito desagradável.
O plano de vingança de Blanche contra Cora não era algo que gostaria de
imitar. Por mais glamorosa e lindas que fossem aquelas mulheres, jamais
gostaria de ser como elas.
— Quero voltar para casa — murmurou consigo mesma, como uma
criança aflita para correr para os braços de sua mãe em busca de conforto. Era
lamentável que não pudesse partir imediatamente.
Mas o amanhã não tardaria a chegar. Precisava se lembrar de avisar o
mordomo para que entrasse em contato com o agente de viagem.
Almoçou sozinha na sala. Quando terminou, a babá veio ao seu
encontro.
— Estou pensando em sair e fazer algumas compras, querida. Uma das
enfermeiras quer ir comigo. Não demoraremos. Você quer ir conosco ou
prefere ficar ou sair com suas amigas?
— Acho que vou sair e me despedir de minhas amigas.
— Faça isto e tente arrumar algum programa para esta noite, também.
Não gosto de deixá-la sozinha.
— Não se preocupe. Tenho certeza de que receberei algum convite —
Malvina mentiu.
Sabia que a babá acabaria desistindo de ir ao teatro, se soubesse que ela
ficaria em casa, sem nada para fazer. Como não queria que ela se privasse do
merecido divertimento, preferiu inventar aquela mentira.
— Estamos muito gratas a você. Nunca tive nada de interessante para
contar aos meus conhecidos. Quando voltar para a Inglaterra, desta vez, eles
terão o que ouvir.
Malvina achou graça do entusiasmo da velha babá.
— Eles morrerão de inveja. Talvez seja melhor você não exagerar no
71
Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

relato. Já pensou se todos resolverem ir para Londres, para descobrirem os


prazeres da cidade?
— Eles não são bobos — a babá respondeu. — Sabem que nunca
conseguiriam arrumar um emprego como o que tem. Seu pai é um bom
patrão.
Malvina reconhecia que era verdade. Seu pai sempre fora generoso com
todos que dependiam dele. Não só os pagava bem, como os protegia.
— Será esse meu procedimento quando me casar e tiver minha própria
casa — Malvina pensou.
E isso a fez recordar, mais uma vez, o modo possessivo com que Charles
tratara Cora Pearl.
— Como poderia me casar com um homem que só se envolve com
mulheres daquele tipo e que freqüenta festas como a que estive ontem a
noite?
Embora não quisesse admitir, Malvina ficara muito chocada com o
comportamento dos homens e das mulheres.
A mulher de vestido verde, sentada nos joelhos de um homem,
abraçando-o e beijando-o, lhe parecera horrível.
Era impossível imaginar uma cena daquelas acontecendo em uma casa
respeitável. Tinha certeza de que até mesmo Charles acabaria se cansando
disso algum dia, devido a sua vulgaridade.
Mas não ao ponto de desejar esquecer tudo e se casar conforme era o
desejo do seu pai.
De repente, seguindo um impulso, Malvina se levantou e foi para seu
quarto. Abriu o armário e retirou da caixa o chapéu que combinava com o
vestido azul e branco que estava usando. Em seguida saiu, sem avisar a babá
ou qualquer outro criado.
Desceu a rua e rumou em direção à igreja de Madeleine, que já visitara
diversas vezes quando estudava em St. Cloud.
Era uma das mais lindas igrejas de Paris, além de ficar próxima à casa de
sua prima. Apesar de não ser correto para uma jovem andar sozinha, não
havia conseguido resistir ao impulso de ir até lá e rezar.
Caminhou rapidamente, sem parar para admirar as vitrines. Por sorte,
ninguém a deteve, ou demonstrou qualquer interesse.
Subiu os degraus e entrou no recinto por uma porta lateral. O cheiro de
incenso e a atmosfera religiosa a envolveu assim que chegou. Como se
movida por uma forte atração, ajoelhou-se diante da capela de São José,
72
Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

embora nunca tivesse rezado para ele antes.


Segundo o instrutor que a levara diversas vezes àquela igreja,
juntamente com as outras alunas, São José era o santo protetor do
matrimônio, por ter sido casado com a Virgem Maria.
O altar estava repleto de velas e flores e ela cogitou se aquele não deveria
ser o dia de sua canonização.
Movida pela fé, acendeu uma vela, e rezou para que se esquecesse do
duque e do beijo que ele lhe dera. A prece foi longa. Em seu íntimo
continuava sentindo a mesma estranha emoção.
— Como poderei continuar vivendo com essa imagem diante dos meus
olhos e, talvez, comparando aquele beijo com os outros que virei a receber?
Por mais que se esforçasse para se concentrar na prece, o sentimento
persistia.
Deveriam ter se passado vinte minutos ou mais quando ela finalmente se
levantou.
A igreja havia sido fechada sem que ela percebesse. Olhou para a porta
da frente e para as laterais, sem ver uma única saída. Então, antes de
perguntar na sacristia, tentou empurrar a mesma porta pela qual entrara. Era
muito pesada. De repente, quando menos esperava, alguém colocou sua mão
contra a madeira e ajudou-a a empurrar.
A porta finalmente aberta, ela ergueu os olhos para agradecer. Mal pôde
acreditar. Estava diante do duque em pessoa.
Sufocou uma exclamação. Ele, também, arregalou os olhos de surpresa.
— Celeste!
Sem responder, Malvina saiu da igreja e se pôs a caminhar, apressada. O
duque a seguiu.
— Por que ainda está aqui? Eu passei por sua casa esta manhã e me
disseram que havia partido, sem deixar endereço.
— A partida foi adiada.
O duque sorriu.
— Estou contente. Esta é a chance que esperava para lhe falar. Minha
carruagem está perto daqui e poderei levá-la para o lugar que quiser. Antes,
porém, peço-lhe para darmos uma volta ao longo do rio Sena.
Malvina pensou em recusar e fugir, mas antes que pudesse falar, o
duque a segurou pelo braço e a conduziu até a carruagem.
— Como pôde pensar em deixar Paris sem conhecer o Sena? — ele
indagou assim que os cavalos se puseram em marcha.
73
Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

O tom com que falou a fez rir.


— Não creio que o rio fosse notar minha ausência.
— Mas eu a senti. Fiquei desesperado quando soube que havia partido.
Malvina não respondeu e ele continuou:
— Vim até a igreja de Madeleine para pedir ajuda no sentido de
encontrá-la. Rezei a Santo Antônio, o padroeiro das coisas perdidas, e ele me
atendeu na mesma hora. E você? O que veio fazer aqui?
Aquela era uma pergunta para a qual ela não estava preparada.
Portanto, virou o rosto, para que o duque não surpreendesse seu rubor. Mas
ele leu seu pensamento, assim como fizera na noite anterior.
— Você estava rezando para esquecer o beijo que lhe dei. Um pedido
muito cruel.
— Não seria cruel se não tornássemos a nos encontrar.
— Acredita realmente que poderia partir e me esquecer?
Conseguiria esquecer, também, as circunstâncias em que nos
conhecemos?
Malvina não respondeu.
— Agora que a vejo sem maquiagem, e percebo que era uma peruca, o
que estava usando ontem a noite, tenho quase certeza de que não é francesa.
Aliás, estou quase convicto de que é inglesa.
— Pare de tentar adivinhar tudo sobre mim — Malvina pediu —, e
deixe-me ir para casa. Você sabe que eu não deveria ter ido àquela festa.
Quero esquecer que estive lá.
— Eu também quero que esqueça sobre a festa, mas não sobre mim. Por
favor, responda minha pergunta. É inglesa?
A pergunta foi feita em inglês. Malvina ficou surpresa com a perfeição
com que o duque falou. Ele não apresentava o menor sotaque francês.
— Você fala inglês corretamente!
— Minha mãe era inglesa — ele explicou. — Seu francês também é
excelente. Seu disfarce foi perfeito. Ninguém que a visse, ontem, desconfiaria
que não é francesa. Foi Blanche quem lhe arranjou o vestido, não?
— Você está querendo saber demais — Malvina protestou. — Por favor,
eu preciso esquecê-lo. Leve-me para casa.
— Sabe tão bem quanto eu que é impossível isso acontecer. Assim como
não poderei esquecê-la, você também não se esquecerá de mim. Portanto,
vamos aproveitar o momento e parar de discutir. Seja você mesma.
Malvina se calou por um instante.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Se eu lhe contar a verdade, você se decepcionará e não quero que


pense que sou pior do que imagina.
— No que diz respeito a mim, você não fez nada de errado. Enganou-me
ontem a noite com seu disfarce. Se eu a tivesse visto, como estou vendo
agora, não teria me comportado da maneira com que me comportei. Mas
depois, quando a levei para casa, fui um perfeito cavalheiro inglês, não fui?
Apesar das circunstâncias, Malvina riu.
— Sim, você foi um perfeito cavalheiro. Mais uma vez, quero lhe
agradecer por ter sido tão gentil.
O duque se acomodou melhor no assento.
— Agora conte-me toda a história. Acho que mereço ouvi-la. E fique
tranqüila. O que for dito aqui, jamais será transmitido a outra pessoa, nem
sob tortura.
— Não creio que alguém fosse torturá-lo por minha causa — Malvina
caçoou —, embora seja uma história da qual não sinto o menor orgulho. Peço-
lhe, portanto, que tente me esquecer quando eu voltar para a Inglaterra, o que
espero fazer muito em breve.
— Acha realmente que será possível? Em primeiro lugar, eu morreria de
curiosidade. — O duque estendeu a mão e colocou-a sobre a dela. — Seja
razoável, Celeste, se é esse seu verdadeiro nome. Vivemos uma aventura
juntos. Não pode fingir que ela não teve qualquer conseqüência.
Ele tinha razão. Após refletir, ela suspirou.
— Como é possível que tenhamos nos encontrado duas vezes tão
estranha e inesperadamente?
— O destino nos colocou diante um do outro da primeira vez para que
nos conhecêssemos. A segunda foi providenciada por uma força maior do
que nós mesmos. Eu rezei com tanta fé para reencontrá-la que meu pedido foi
atendido imediatamente. Voltarei à igreja a fim de expressar minha gratidão
a Santo Antônio assim que for possível.
Ele apertou-lhe a mão.
— E você? Por que estava rezando para esquecer que eu a havia beijado?
Incapaz de responder, Malvina corou.
— Eu adivinhei, não é? — o duque insistiu. — Você não estava
conseguindo esquecer o que sentiu quando meus lábios tocaram os seus. Eu
não consegui dormir a noite inteira.
Malvina olhava pela janela, sem nada ver.
— Diga-me, quantos homens já beijou?
75
Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Nenhum, exceto você.


— Foi o que pensei — ele admitiu. — Mas como poderia supor, mesmo
por um instante, que encontraria alguém como você em uma das notórias
festas de Blanche?
— Elas são sempre assim?
— Algumas são melhores, outras piores. Mas em nenhuma delas, eu
garanto, são encontradas jovens inglesas adoráveis. Você, eu calculo, não tem
mais de dezoito anos, estou certo?
— Sim. No entanto, a culpa não foi de Blanche. Eu a procurei para pedir
ajuda e ela me atendeu. Achou que a melhor solução seria convidar-me para
a festa e me vestir como uma cortesã.
— Em que sentido isso a ajudaria?
As perguntas do duque estavam se tornando cada vez mais
embaraçosas.
— Digamos que eu descobri o que queria saber. Foi por isso que fiquei
contente quando você sugeriu que fôssemos para algum lugar mais
sossegado.
As últimas palavras foram acompanhadas por um intenso rubor.
O duque sorriu.
— Fazia muito tempo que não via uma mulher corar.
— Se fosse mais sutil, fingiria não ter percebido — Malvina se queixou.
— Mas eu adoro quando você fica corada. Adoro, também, vê-la sem
maquiagem. Está um milhão de vezes mais linda hoje, como uma jovem
inglesa, do que ontem como uma cortesã francesa muito convincente.
Inesperadamente, ele pediu.
— Tire seu chapéu.
Ela o atendeu sem demora. O chapéu foi deixado no assento em frente e
o sol fez os cabelos louros brilharem, assim como os olhos do duque.
— Ainda estou esperando que me conte o que veio fazer em Paris e por
que, aparentemente, está sem uma dama-de-companhia.
— Isso não é verdade — Malvina protestou. — Eu lhe disse, ontem a
noite, que trouxe minha babá comigo. Se fui sozinha à igreja foi porque ela
precisou sair para fazer algumas compras e eu… estava tendo dificuldade em
esquecer sobre… a festa.
— Por que não diz que estava tendo dificuldade em esquecer o beijo que
lhe dei? Saiba que farei tudo para que isso não aconteça.
Malvina baixou os olhos. Após um longo tempo, fitou-o.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Você não se lembrará de mim depois que eu partir.


— Não há nada que me impeça de ir a Inglaterra e me hospedar em casa
de algum parente de minha mãe. Não adianta tentar fugir de mim, Celeste.
Agora que nos encontramos, não esqueceremos jamais um do outro.
Malvina não respondeu.
— Muito bem — ele prosseguiu. — Não há razões para pressa. Do que
você quer falar, se não sobre nós?
Malvina sorriu, finalmente.
— Isso é fácil. Ainda não lhe perguntei como está seu braço. Podemos
falar, também, sobre cavalos.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO VI

A carruagem seguia ao longo do Sena. Em certo momento, o duque


ordenou ao co-cheiro que parasse.
— Quero levá-la para passear às margens do rio.
Era algo que Malvina sempre desejara fazer nos tempos do colégio, mas
que as freiras não permitiam.
Assim que desceram, o duque e Malvina ficaram em silêncio, apenas
admirando o fluxo das águas.
— Sempre penso neste rio como a vida. O presente é esse burburinho, é a
possibilidade de se observar as pessoas e as coisas que acontecem em suas
margens. O passado já seguiu em frente, levando as águas e os barcos. O
futuro é a água límpida que vem das origens e que reserva muitas surpresas.
Malvina sorriu.
— Gostei da idéia. Nunca havia me comparado a um rio antes. Mas se
tivesse de ser um, escolheria o Sena.
— Ele é muito romântico — concordou o duque. — E raro eu vir a Paris e
não visitá-lo.
O duque a conduziu a um banco.
— Foi até a casa de Blanche hoje? Imagino que já tenha devolvido o
vestido e as jóias.
— Como descobriu que era tudo emprestado? — Malvina indagou
surpresa.
— Vendo-a como está agora, não dá para acreditar que tivesse comprado
o vestido que estava usando ontem a noite, por mais bonito que fosse. Ele não
tinha nada a ver com você. Além disso, eu tenho quase certeza de já ter visto
aquele colar de diamantes em Blanche.
— Ela foi muito amável e prestativa — Malvina respondeu em defesa da
cortesã.
— Blanche é amável e gentil com todos. Essa é uma de suas qualidades.
Um pensamento súbito ocorreu a Blanche. Uma vez que ele parecia
conhecer tão bem a mulher, talvez houvessem sido amantes, também.
Sem entender a razão, Malvina ficou perturbada com a idéia.
— Não. Você interpretou mal o que eu disse! — o duque exclamou em

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

seguida.
— Você está lendo meus pensamentos novamente!
— Ao menos estou lhe poupando o constrangimento de dizê-los em voz
alta.
— Eu não me atreveria a tanta impertinência. O duque colocou sua mão
sobre a dela.
— Como se interessou muito por Blanche, vou lhe contar alguma coisa a
seu respeito. Seu verdadeiro nome é Marie-Ernestine Antigny e seu pai foi
um carpinteiro em uma cidadezinha perto de Bourges, no Indre.
Malvina achou melhor não informá-lo de que o conde de Michlet já
havia lhe contado uma série de detalhes sobre a cortesã. Dessa forma, ele
prosseguiu:
— O pai dela fugiu com uma garota. Alguns anos mais tarde, madame
Antigny veio a Paris à procura do marido, trazendo consigo os dois filhos
menores, mas ambos morreram. A mãe, então, mandou buscar Marie-
Ernestine para lhe fazer companhia. Nesse meio tempo, ela havia arrumado
alguns empregos como costureira e faxineira de algumas famílias ricas, a
minha entre elas. Blanche tinha nove anos na época, e eu onze. Como era
filho único, gostei muito de ganhar uma amiguinha para brincar nos jardins
de nossa casa em Champs Elysées.
— Ela deve ter sido uma criança linda.
— Linda e charmosa e teve o benefício da instrução. Madame Antigny,
que também trabalhava para o marquês de Gallifet, teve a graça de receber
uma bolsa de estudos desse patrão, para a filha. Marie-Ernestine estudou no
Convento dos Pássaros, onde além do currículo normal, aprendeu boas
maneiras. Entre todas as matérias, geografia foi a que mais lhe interessou,
pela sugestão de aventuras. E por mais incrível que possa parecer, ela gostava
de religião. Não fosse pela morte precoce do marquês, Blanche poderia ter se
tornado freira.
— Freira? — Malvina repetiu, os olhos muito abertos, sem conseguir
imaginar Blanche em um hábito.
— Quando completei dezenove anos — o duque continuou —, minha
mãe quis que eu me matriculasse na universidade de Oxford.
— Oh, então você foi educado na Inglaterra!
— Em parte — o duque explicou. — Nesse período fiquei hospedado em
casa de parentes de minha mãe. Gostava muito de cavalgar e de conversar
com os amigos da família. Para ser franco, adorei viver na Inglaterra.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Era surpreendente que o duque fosse meio inglês e que tivesse estudado
em Oxford. Ao mesmo tempo, não poderia haver melhor explicação para ele
falar inglês com tanta perfeição.
— Quando voltei para a França, estava com vinte e um anos e Blanche já
havia se tomado uma celebridade. Era um sucesso no palco e em toda a
cidade.
O modo entusiasmado, com que ele falava, levou Malvina a prender o
fôlego.
Agora, ela pensou, ele vai me contar como foi que se apaixonou por
Blanche. Era estranho, mas não queria ouvir a respeito.
— Como não podia deixar de ser, renovei minha amizade com Blanche
assim que cheguei em Paris. Tornei-me seu tutelado, por assim dizer. Da
mesma forma que acontecia quando éramos crianças, ela voltou a ser como
minha irmã.
— Irmã?
— Sim. Blanche sabia que eu queria me divertir, e me apresentou ao
mundo do qual havia se tornado soberana. Ao mesmo tempo, protegia-me.
— De que maneira?
— Ela me apresentou às cortesãs, suas amigas e rivais, mas teve o bom
senso de me afastar daquelas que costumavam extorquir muito dinheiro de
seus amantes, como Cora Pearl.
Malvina estava ansiosa pelo fim do relato.
— Em muitos aspectos, Blanche foi como uma mãe. Sempre havia um
quarto para mim, em sua casa. Foi por isso que eu conhecia aquela saída
extra, por onde escapamos ontem a noite sem ninguém nos ver.
Enquanto falava, o duque olhava para o rio, para os barcos, e para as
árvores ao redor, e isso foi um alívio para Malvina, que se sentia tão feliz, tão
feliz, que temia trair seus sentimentos através dos olhos.
O duque não havia sido amante de Blanche.
— Agora que lhe contei sobre mim e sobre a gratidão que tenho por
Blanche, especialmente depois de ontem a noite quando ela me deu a
oportunidade de conhecê-la, não vai me falar alguma coisa sobre si mesma?
— Eu estou pensando. Será que Blanche nos colocou, um ao lado do
outro, porque queria que nos tornássemos amigos, ou ela estava apenas
tentando me proteger de alguns daqueles homens presentes à festa?
— Para ser sincero, acho que Blanche estava pensando em mim quando
escolheu-a para que se sentasse ao meu lado. Ela sabia o quanto eu apreciaria
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

conhecê-la.
Seguiu-se um pequeno silêncio até o duque se levantar.
— Preciso levá-la. Tenho uma consulta médica ainda esta tarde. Mas
voltarei para buscá-la às oito para que jante comigo.
Malvina o fitou, insegura.
— Não creio que deva sair com você.
— Sem uma dama-de-companhia. Não era isso que queria dizer? Bem,
eu prefiro mesmo que não leve ninguém, pois preciso falar com você. Estou
pensando em jantarmos em um lugar tranqüilo, onde não seremos vistos, e
onde a comida é deliciosa.
— Talvez eu tenha um compromisso — Malvina tentou se justificar.
— Se tiver, por favor cancele-o. Vou levar um retrato do meu castelo
para que você o veja.
— Eu gostaria muito.
— Seria tão bom se eu pudesse mostrá-lo, de verdade, para você antes de
sua partida.
Conforme ele falava, Malvina mais se convencia de que era preciso
voltar para casa o mais rápido possível. Queria a companhia do duque mais
do que tudo no mundo. Queria jantar com ele e conversar. Mas sabia que isso
só tomaria o esquecimento ainda mais difícil.
Subiram na carruagem e o duque informou o cocheiro para que os
levasse a Faubourg St. Honoré.
— Falei demais sobre mim e estou envergonhado — o duque murmurou
quando os cavalos se puseram a caminho. — Mas você se mostrou tão
evasiva em falar sobre si própria que eu achei melhor não pressioná-la.
— Gostei muito de saber sobre sua amizade com Blanche — Malvina
respondeu com franqueza. — E gostarei ainda mais de ver o retrato do seu
castelo.
— Tenho um pressentimento de que você terá idéias brilhantes sobre o
que eu devo ou não fazer com ele em matéria de reformas. O único problema
é que não tenho disponibilidade, no momento, de colocá-las em ação. Assim
como na Inglaterra o chefe da família é responsável pelo bem-estar dos
parentes, eu também preciso pensar neles em primeiro lugar.
— Deve ser uma carga pesada para você — Malvina comentou. — Se não
tivesse de gastar tanto com eles, poderia empregar todo o seu dinheiro nas
obras do castelo.
— Por enquanto, contento-me em imaginar como será o castelo dos meus
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

sonhos. Minha esperança é que eles se realizem.


A carruagem estava se aproximando da casa de lady Walton.
— Talvez eu tenha errado em falar tanto sobre mim — o duque tornou a
se lamentar. — Eu deveria ter dito o quanto a considero, o quanto é linda, e
perguntado sobre os planos que tem para o futuro.
— Do jeito que você consegue ler meus pensamentos, acho que não
preciso traduzir em palavras o que tenho em mente — Malvina respondeu,
rindo.
O duque a fitou, encantado.
— Adoro ouvir sua voz. Ela é musical, suave, perfeita. É macia e bela
como as flores que eu sei que admira assim como eu.
— Sim, eu adoro as flores. Blanche também deve adorá-las. Sua casa vive
repleta e perfumada. Hoje, quando estive lá, vi chegarem vários ramalhetes.
— Quer dizer que esteve lá, esta manhã, conforme eu imaginava.
— Fui devolver o colar que você disse ter reconhecido, e também o
vestido.
— Você não precisa de diamantes para realçar sua beleza, apesar de que
eu adoraria cobri-la com eles.
— Não está se esquecendo de seu castelo? Ele é mais importante do que
pensar em dar flores e jóias a alguém.
— Toda a regra tem exceção.
Os cavalos se detiveram diante da casa.
— Virei buscá-la às oito horas — o duque anunciou após ajudá-la a
descer. — Estarei contando os minutos até lá.
— O discurso foi bonito — Malvina caçoou —, mas não acreditei em uma
palavra.
— Falaremos sobre isso à noite.
Dessa vez, o duque não fez menção de entrar na casa, cuja porta fora
aberta pelo mordomo ao primeiro toque da sineta.
— O cavalheiro que a trouxe me pareceu muito fino, milady —
comentou o mordomo depois que a carruagem se foi.
— Ele é amigo das minhas amigas e me ofereceu uma carona — Malvina
se apressou a se justificar. — Virá buscar-me à noite para jantarmos em casa
delas.
A informação pareceu satisfazer e agradar o criado. Ela esperava que o
mesmo acontecesse com relação à babá. Se Nanny descobrisse que ela
pretendia jantar sozinha com um homem, não permitiria. Pior ainda. Quando
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

chegassem na Inglaterra, contaria tudo a seu pai.


— Estou me envolvendo demais com o duque — Malvina falou consigo
mesma. — Ainda bem que partirei amanhã.
Aquilo era o que ela falava. A verdade era que não sentia a menor
vontade de ir embora de Paris, para longe do duque.
Mas de que adiantaria ficar?
O beijo não significara nada para ele. Assim como faziam todos os
homens, ele se divertira com ela. Quando voltasse para o campo e para seu
castelo, não se lembraria mais de sua existência.
Malvina decidiu que não daria mais ouvidos aos seus elogios. Todos os
franceses eram exagerados nesse sentido.
Mas, por mais que se determinasse a esquecê-lo, Malvina temia que não
seria mais possível.
Ao sentar-se no sofá da sala, levou uma das mãos ao coração. A mesma
emoção que sentira ao ser beijada, estava se repetindo.
— Não posso me apaixonar. Não posso — disse, aflita, embora soubesse
que já era tarde demais. Tola que era, apaixonara-se por um homem que
jamais a amaria com a mesma intensidade. Como poderia? Ele acreditara que
era uma cortesã, igual a Blanche, e depois de saber a verdade, achara
divertido conversar com uma garota inglesa.
Quando entrou em seu quarto, Nanny estava fazendo as malas.
— Oh, querida, eu soube que você havia saído e fiquei na expectativa.
Recebeu algum convite de suas amigas para jantar?
— Alguém virá me apanhar às oito horas, Nanny, portanto pare de se
preocupar comigo e divirta-se.
— Estava pensando, também, que você não comprou quase nada depois
que chegamos a Paris. Por que não escolhe um ou dois vestidos para usar em
Londres?
— E mais fácil comprar roupas em nosso país. Os costureiros daqui
costumam fazer as roupas sob medida e eu não tenho tempo para esperar até
que fiquem prontas. Sei que há roupas para pronta entrega, também, mas não
posso esperar que sejam ajustadas. E eu não vejo a hora de voltar para meus
cavalos.
— Cavalos! Cavalos! — Nanny resmungou enquanto dobrava mais um
vestido. — Você deveria estar mais preocupada em arrumar um marido. É o
que seu pai vive dizendo.
Malvina preferiu se calar, pois, se respondesse o que pensava sobre se
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

casar com um homem escolhido por seu pai, acabariam discutindo.


— Deixei o vestido cor-de-rosa fora da mala para você usá-lo esta noite, e
também a capa.
— Obrigada.
O vestido era lindo e havia sido comprado em Bond Street. Malvina
estava pensando se o duque ficaria admirado ao vê-la com ele, tão diferente
da noite anterior. Depois se reprovou por ainda estar se preocupando com o
que ele poderia ou não pensar a seu respeito.
Se fosse inteligente, não sairia com o duque para jantar. Por outro lado,
aquela poderia ser a última oportunidade de vê-lo. Quando estivesse na
Inglaterra, ao menos teria essa recordação.
Vestiu-se cedo, de tanto Nanny insistir em ajudá-la. Não era mais de sete
horas quando desceu.
Sozinha, pois os criados e enfermeiras já haviam saído para o teatro,
Malvina tentou ler os jornais do dia, mas não havia nenhuma notícia
interessante. Levantou-se e foi até a biblioteca a fim de procurar um livro,
mas não conseguiu se concentrar sequer nos nomes constantes da prateleira.
Depois se aproximou do armário onde estavam guardados os jornais antigos
que falavam sobre as cortesãs. Não o abriu. Estava cansada de ler e ouvir
falar sobre elas. Embora fossem famosas por divertir os homens, a ela não
haviam divertido nem um pouco.
Impaciente, foi até a janela e contemplou o jardim. O sol já havia se posto
e as sombras começavam a substituí-lo. Em poucos instantes as estrelas
salpicariam o céu. Um desejo imenso de estar novamente no Sena com o
duque a inundou. Queria ouvir aquela voz grave e gentil que sabia sussurrar
como as águas do rio.
— Eu o amo. Eu o amo.
Sua consciência a reprovava sempre que pensava no duque, mas era algo
acima de suas forças.
Inesperadamente, a porta se abriu e uma senhora, que só poderia ser a
irmã da cozinheira, espiou pela fresta.
— Há uma dama querendo vê-la, mademoiselle.
Antes que Malvina pudesse imaginar a identidade da visitante, Blanche
se apresentou à sua frente, ainda mais encantadora do que na noite anterior,
com um vestido verde primaveril.
— Tive de vir, querida. Estou a caminho de uma festa, mas achei que
você precisava saber o que acaba de acontecer.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— O que foi? — Malvina perguntou curiosa, assim que se certificou de


que a porta estava fechada e de que a mulher não as estava ouvindo.
— Acabo de saber que Cora e Charles estão se separando.
— Separando? Mas por quê?
— O barão deu a ela não apenas o bracelete que tanto queria, mas
também um colar, que Oscar Mossin criou especialmente para a imperatriz,
mas que ela recusou por ser caro demais.
— E ele o comprou para Cora Pearl?
— Comprou. Cora, é claro, não hesitou em aceitá-lo, apesar de Charles
avisar que não toleraria essa afronta.
— Ele está muito perturbado?
— Perturbado e falido. Charles contou a um amigo que Cora o deixou
sem um centavo no bolso e, ainda por cima, com uma infinidade de dívidas.
Blanche fez uma pausa.
— Ele disse, também, que voltará para a Inglaterra porque não tem outro
caminho exceto pedir ao pai que o ajude a saldar as dívidas. Sua única
hesitação é o desejo do pai de que se case com uma jovem inglesa que ele
teme enfadá-lo ao extremo.
Malvina prendeu o fôlego.
— Foram essas as palavras?
— Infelizmente — Blanche assentiu. — Eu achei que você deveria saber.
— Obrigada por me contar. Você, mais uma vez, foi muito boa para
mim.
Blanche se inclinou e beijou-a.
— Agora preciso deixá-la, pois o príncipe está a minha espera para
jantarmos e para irmos a uma festa, em seguida, embora eu duvide de que vá
me divertir tanto como me diverti ontem.
— Festas como a sua devem ser inigualáveis — Malvina comentou, para
ser gentil.
— Você perdeu a melhor parte — Blanche replicou. — De qualquer
forma, viu o suficiente para descobrir que espécie de pessoa é Charles. Talvez
venham a se casar. Se isso acontecer, não tema quanto ao charme dele, que é
próprio de um cavalheiro inglês, mas não espere fidelidade.
— Sei disso e é por esse motivo que estou decidida a não aceitá-lo como
meu marido.
— Concordo com você. Por outro lado, para impedir que seu pai a
obrigue, o melhor que tem a fazer é se casar com outro homem. Com sua
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

beleza, não será difícil encontrar uma lista de pretendentes.


Antes que Malvina respondesse, Blanche abriu a porta e se apressou em
direção ao hall. Malvina a seguiu. Na porta, ambas tornaram a se beijar.
— Boa noite, ma chère — Blanche se despediu. — Venha me visitar
amanhã. Talvez eu tenha mais notícias para lhe dar.
Dessa forma, Blanche subiu na carruagem, onde o príncipe a esperava, e
se foi.
Apenas quando a carruagem desapareceu de vista, Malvina parou de
acenar e voltou para dentro da casa.
A situação estava se tornando cada vez mais difícil.
Não havia dúvida de que o marquês faria tudo o que estivesse ao seu
alcance para obrigar Charles a desposá-la. Seu próprio pai, incentivado pelo
amigo, tentaria fazê-la mudar de idéia, por acreditar que o casamento seria
um, negócio excelente para ambas as famílias.
— O que farei? — Malvina se perguntou.
No mesmo instante, sentiu novamente o calor dos lábios do duque sobre
os seus.
Malvina estava pronta quando o duque chegou às oito horas em ponto.
Havia deixado a porta da sala aberta de forma a ouvir a aproximação da
carruagem e ir ao encontro dele antes que o cocheiro descesse e batesse na
porta ou tocasse o sininho, e, por ventura, acordasse a irmã da cozinheira.
Se ela contasse a Nanny que saíra, sozinha, com um homem, a babá
ficaria escandalizada.
O duque se surpreendeu ao vê-la.
— Você é sempre pontual e a pontualidade é uma característica
importante, mas incomum, nas mulheres.
Malvina não chegou a escutar o comentário de tão contente que ficou ao
vê-lo.
— Não está mais usando a tipóia!
— O médico disse que não será mais necessário, embora eu deva ter
cuidado por mais alguns dias.
— O que significa, nada de passeios a cavalo — Malvina afirmou.
O duque sorriu e fez um movimento afirmativo com a cabeça. Em
seguida comentou:
— Posso estar enganado, mas aposto que esta é a primeira vez que você
janta sozinha com um homem.
— É verdade. Como também é verdade que um cavalheiro inglês nunca
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

se atreveria a pedir esse tipo de coisa.


— Nesse caso, ainda bem que também possuo sangue francês em minhas
veias, pois nada me parece mais desagradável do que ter um estranho entre
nós, ouvindo toda a nossa conversa.
Embora não confessasse sentir o mesmo, Malvina sorriu.
— Vou levá-la a um lugar onde costumo ir quando estou sozinho. Talvez
você o ache quieto demais, mas ao menos poderemos conversar sem que
nada nos atrapalhe.
O lugar ficava próximo à igreja de Madeleine e era realmente pequeno.
Ao fundo e nas laterais, as mesas eram protegidas por espécies de alcovas.
— Para ganharmos tempo, eu já pedi os pratos quando fiz a reserva da
mesa. Caso não aprove, porém, tem toda a liberdade de trocá-los por algo de
sua preferência.
— Faço uma reverência a você em matéria de cozinha francesa —
Malvina brincou. — Em minha casa, estamos acostumados apenas aos pratos
ingleses, embora eu faça questão de variá-los todos os dias.
— Eu gostaria que me falasse sobre sua família — o duque pediu.
— Primeiro — Malvina procurou ganhar tempo —, fale-me sobre seu
castelo.
O duque começou a abrir um papel que trouxera consigo ao restaurante,
enrolado e guardado em um canudo. Tratava-se de um desenho antigo, em
cores já esmaecidas, de um castelo localizado sobre uma pequena ilha, à qual
se podia chegar através de uma ponte.
O castelo era diferente de todas as construções que ela já vira. Consistia
de uma série de torres arredondadas, uma em cada extremidade do prédio
principal. Cada torre era coberta por um pináculo, o que lhe dava a aparência
de uma fortaleza. Ao mesmo tempo, a arquitetura era muito romântica.
— É lindo! — Malvina exclamou. — Agora eu entendo porque você
deseja tanto restaurá-lo de acordo com as condições originais. Você trouxe,
também, um retrato do castelo, como ele é atualmente?
— Eu não o mostraria a você, mesmo que o tivesse. É muito triste. A
parte central ainda permanece, mas todas as torres perderam os pináculos.
Quanto a ponte, ela ainda permanece, mas perdeu seu teto.
— Um dia você o reconstruirá — Malvina murmurou.
— É o que espero e anseio por fazer. Até esse dia chegar, continuarei
vivendo no meu atual castelo, que foi construído por meu avô há setenta
anos, e que é muito confortável.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

Ele apanhou o desenho e guardou-o-


— Agora você sabe por que não posso ficar em Paris por muito tempo e
porque não posso lhe dar um colar como o que estava usando ontem a noite.
Na minha opinião, aliás, essa fileira de pérolas que está usando agora, é
muito mais apropriada para uma jovem de sua idade.
Um pensamento lhe passou pela mente. Se tivesse ficado com o duque,
no quarto rosa, na noite passada, ele se teria visto na obrigação de tratá-la
como a uma cortesã, e talvez lhe dado jóias.
Balançou a cabeça energicamente.
— Não quero falar sobre jóias. Não me interesso por isso. Estou muito
mais interessada em saber o que tem feito ultimamente com seu castelo. Há
alguém trabalhando em sua restauração?
— Dez homens, que é o máximo que tenho condição de pagar.
— Eu tenho uma idéia que poderá lhe ajudar no sentido de arrecadar
dinheiro para a restauração — Malvina declarou. — Por favor ouça-a, embora
possa lhe parecer infantil ou humilhante.
— Prometo não pensar em nenhuma das duas alternativas. Conte-me.
— Bem, como o castelo é famoso, muita gente deve ter vontade de
conhecê-lo, e não estou me referindo aos franceses apenas, mas também aos
ingleses e outros povos da Europa. Um pouco de propaganda, quanto aos
trabalhos que estão sendo feitos para lhe devolver a arquitetura original,
atrairia muitos turistas. O duque ouvia com atenção.
— Cada visitante escreveria seu nome em um tijolo e pagaria um
pequeno valor pelo privilégio.
— Acredita realmente que as pessoas pagariam para verem seus nomes
no castelo?
— Por que não? Eu adoraria saber que meu nome estaria gravado nas
paredes de um dos castelos mais famosos do mundo para sempre. Durante a
visita, eles receberiam uma cópia desse retrato de forma que pudessem levá-
la para casa e mostrar aos amigos o local onde seus nomes ficariam
registrados, e dizer-lhes sobre a forma com que contribuíram para devolver
ao castelo a magnificência que lhe era própria antes da revolução.
O duque a fitou de um jeito que ela não soube definir. Então, disse:
— Eu deveria ter adivinhado, quando a encontrei na igreja
imediatamente após rezar a Santo Antônio, que era importante que isso
acontecesse. Você tem razão. Eu fui um tolo em não pensar em recorrer ao
público.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Um patrimônio tão lindo quanto o seu castelo deve pertencer,


também, ao povo da França.
O duque ergueu seu copo num brinde.
— Bebo a você que é ainda mais maravilhosa do que julguei quando a
conheci. Agora você é o anjo que me guiará ao sucesso.
— Tenho certeza de que o terá.
Continuaram a falar sobre o castelo durante um longo tempo. De
repente, notaram que eram os únicos a permanecer no restaurante.
— Acho que preciso ir para casa — Malvina murmurou, relutante.
— Alguém a espera?
Malvina contou sobre ter incentivado a babá e os criados da casa a irem
ao teatro.
— Eles já devem ter chegado a esta hora, portanto é melhor eu levá-la.
Precisamos zelar por sua reputação. Quero que saiba, no entanto, que nunca
gostei tanto de uma noite.
Malvina sentia o mesmo, mas não conseguiu falar.
— Quero levá-la, amanhã, para um passeio pelo Sena de barco — o
duque continuou. — Conheço um lugar maravilhoso, a uma hora daqui, onde
poderemos almoçar. Tenho certeza de que será algo diferente de tudo o que
você já conheceu.
Malvina não o avisou de que estaria partindo na manhã seguinte.
Receava que ele tentasse dissuadi-la de seu propósito, e permanecer por mais
tempo significaria apenas mais sofrimento.
Amava-o. Quanto mais ficasse ao lado dele, mais difícil seria voltar a
Inglaterra, ciente de que nunca mais tornaria a vê-lo.
Todos os aristocratas, na França, se casavam segundo a escolha de suas
famílias. Era estranho, aliás, que o duque, aos vinte e sete anos, ainda fosse
solteiro. Seus pais deveriam estar escolhendo sua noiva com muito critério.
Ela teria de ter o sangue tão azul quanto o deles.
Para ele, Malvina pensou, sou apenas uma garota inglesa sem
importância, que teve a ousadia de jantar em um restaurante sem o devido
acompanhamento de uma senhora, e que chegou a se envolver com uma
cortesã, como Blanche e a comparecer em uma de suas festas. Considera-me
divertida e gosta de conversar comigo, mas isso não é amor.
O duque pagou a conta e a levou para a carruagem. Conforme seguiam
para Faubourg St. Honoré, ele indagou:
— Divertiu-se?
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Foi uma noite adorável. Obrigada. Muito obrigada. Espero que


minhas idéias sobre a restauração do castelo o ajudem de alguma forma.
— Não paro de fazer planos a respeito — o duque comentou. — Amanhã
conversaremos mais sobre isso. Mas antes quero levá-la para passear. Estarei
em sua casa as onze horas. E à noite a levarei a outro restaurante, também
muito bom.
— Será maravilhoso. Tem certeza de que não estarei atrapalhando
nenhum de seus compromissos?
— Nada é mais importante para mim, no momento, do que você.
O modo com que o duque falou a fez cogitar se ele não estaria se
preparando para beijá-la novamente. Uma forte tensão a dominou. Porém, os
cavalos logo pararam e ela pôde descer.
— Trouxe a chave? — ele quis saber.
Ela a entregou.
A sala estava iluminada, ao contrário da outra noite. Nanny ou algum
dos criados deveria ter deixado um dos lampiões acesos, de propósito.
Malvina fitou-o no momento da despedida. O duque, porém, em vez de
se despedir, fechou a porta e olhou em direção à escada.
— Infelizmente não posso lhe oferecer nada para beber. Não pensei em
pedir que deixassem algo preparado.
Como se não a tivesse ouvido, o duque perguntou asperamente.
— O que aquelas malas estão fazendo sob a escada. Quando você vai
partir?
Por alguma razão, Malvina não foi capaz de mentir.
— Volto para a Inglaterra amanhã pela manhã.
— Nesse caso, irei com você. Quero conhecer seu pai.
— Quer conhecer meu pai? — repetiu, trêmula. — Mas por quê?
Fez-se um pequeno silêncio.
— Porque quero lhe pedir a honra de me conceder sua mão em
casamento.

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

CAPÍTULO VII

Por um momento, Malvina apenas o fitou.


— O que está dizendo? — sussurrou.
— Estou pedindo que se case comigo.
— Mas como? Você não sabe nada sobre mim.
O duque sorriu.
— Sei tudo que quero saber. Soube, desde o primeiro instante, que
queria que fosse minha. Depois descobri que queria muito mais do que isso.
Não posso admitir que outro homem a beije depois de mim. Quero que fique
comigo para sempre, como minha esposa.
Assim que terminou de falar, o duque abraçou-a pela cintura e beijou-a
suavemente a princípio, e depois mais possessivamente.
Aquela sensação estranha tornou a envolvê-la e de uma forma que
parecia consumi-la. Os beijos se repetiram até que ambos ficaram sem fôlego.
— Eu te amo — ele se declarou, por fim. — Eu te amo como sempre quis
amar alguém, mas que nunca acreditei ser possível.
— Será que estou sonhando?
— Não, minha querida. É verdade. Estaremos casados assim que seu pai
nos der seu consentimento. — Um abraço mais forte e ele continuou. —
Talvez minha família crie alguma dificuldade, mas eu não me importo. Tudo
o que quero é ser amado por você, da mesma forma como te amo.
— Eu te amo. Eu te amo muito. Se estava fugindo era porque temia que
meu sentimento não fosse correspondido.
— Como pôde pensar isso? Se não a pedi em casamento antes, foi porque
tive medo de assustá-la. Eu te amo desde o primeiro momento, em que se
sentou ao meu lado no jantar. Levei-a, depois, para meu quarto, e tentei fingir
que se tratava de um romance casual, como outro qualquer. Como estava
errado! No momento de nossa despedida, quando a beijei, soube que era
minha e que não suportaria perdê-la.
Malvina teve vontade de chorar de emoção.
— Acho que estou sonhando. Era o que eu mais queria e que receava
nunca conseguir.
— Nós seremos muito felizes — o duque prometeu. — Tenho sido

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

pressionado a me casar com alguém do meu nível desde que terminei os


estudos em Oxford.
— Mas como pode saber se eu serei uma noiva adequada?
— Você é a mulher que amo e que pretendo ter como esposa. Como
disse, poderão surgir dificuldades, tanto por parte de minha família na
França, quanto na Inglaterra. Mas lutarei contra tudo e todos, desde que você
esteja comigo.
Malvina tinha vontade de gritar de felicidade. Ao mesmo tempo, sabia
que era chegada a hora de contar a ele sobre si mesma.
— Preciso lhe dizer quem sou. Não pode se casar comigo sem saber
alguma coisa a meu respeito.
— Nada me importa. Terá meu nome assim que eu puder colocar uma
aliança em seu dedo.
A expressão com que o duque a fitou era tão amorosa que Malvina se
esqueceu, por um instante, do que pretendia dizer. Seu corpo inteiro vibrava
por ele. Os beijos que trocavam a faziam se sentir como se estivesse no céu.
— Eu te amo — ela murmurou.
— Eu também te amo — ele respondeu, levando-a para o sofá e tornando
a beijá-la.
— Agora, você precisa me ouvir — Malvina pediu, empurrando-o
ligeiramente. — Quero lhe explicar o que aconteceu.
— O que aconteceu — o duque tornou a interrompê-la —, foi que eu me
apaixonei pela garota mais linda que já vi. Quando ela me amar por inteiro,
verei os portões do paraíso se abrirem para mim.
Como Malvina entendeu a que ele se referia, corou fortemente.
— Em primeiro lugar, quero que me prometa que nem minha família
nem a sua saberá da forma como nos conhecemos.
— Minha família ficaria escandalizada — concordou o duque —, assim
como a sua, eu aposto. A propósito, você ainda não me contou por que estava
na festa de Blanche.
— É o que estou tentando fazer — Malvina se justificou.
— Mas, talvez, eu devesse lhe contar antes sobre a família de minha mãe,
que era inglesa também, conforme já lhe falei.
— Razão pela qual me pareceu tão diferente dos outros homens
presentes à festa.
— Um tipo de festa, aliás, que não permitirei mais que freqüente, assim
como prometo não tornar a ir.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

O duque fez uma pequena pausa.


— Você é linda demais. Vou levá-la embora de Paris. Se continuar aqui
por mais tempo, receio acabar sendo obrigado a duelar com outros homens
por sua causa.
— Eu só quero você, e mais ninguém. Foi por medo de me casar que
resolvi vir a Paris.
— Graças a Deus você veio!
Um beijo os silenciou por mais algum tempo.
— Estava tentando lhe falar sobre minha família, na Inglaterra, se não
me engano — o duque prosseguiu. — Minha mãe era a filha caçula do duque
de Berlington. Foi em casa dele que me hospedei enquanto estudava em
Oxford. Nesse período, fui apresentado a uma porção de garotas, pois ele
queria que me casasse assim que terminasse o curso.
— Mas eu conheço o duque de Berlington! — Malvina exclamou. — Ele
já esteve em minha casa para ver nossos cavalos!
— O duque atual é meu tio. Mas por que ele foi ver os cavalos do seu
pai?
— Porque eles são famosos. Um deles ganhou a corrida de Derby no ano
passado.
— Aquele cavalo era do seu pai? — o duque indagou perplexo.
Malvina fez um gesto de assentimento com a cabeça.
— Eu estou tentando lhe falar a meu respeito, mas você está dificultando
minha tarefa.
— Desculpe, mas estou tão preocupado que você possa se magoar caso
minha família não a receba de braços abertos. Eles escolheram dúzias de
garotas pertencentes à aristocracia e eu me recusei a conhecê-las. Não podia,
quando estava à sua procura.
— Agora me encontrou — Malvina murmurou.
— Como num conto de fadas. Seremos felizes para sempre. Não importa
o que os outros pensem.
— Eu acho que você está se preocupando desnecessariamente. Seu tio,
que é aficionado por cavalos, ficará contente em saber que você me escolheu,
por ser a filha de quem sou. Quanto a sua família, na França, o único
empecilho que podem encontrar, uma vez que não saberão sobre o modo
com que nos conhecemos, é minha origem inglesa, e não francesa.
Enquanto falava, o duque não parava de beijar-lhe a testa e o rosto. Ela
tinha a impressão de que não estava sendo ouvida.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

De repente, ele segurou-lhe o queixo e a fez fitá-lo.


— Ainda não sei seu nome.
— É Malvina…
— Mas para mim continuará a ser Celeste, porque você, querida, é meu
anjo, e me faz sentir no paraíso.
— Eu te amo.
— Eu te amo e te adoro — o duque respondeu, tornando a beijá-la.
Algum tempo depois, Malvina precisou agir com energia.
— Por favor, querido, ouça-me. Não está me deixando terminar a
explicação. Meu nome é Malvina Silisley, e meu pai é o quinto conde de
Silstone.
Ele arregalou os olhos.
— Mas é claro que já ouvi falar sobre ele! Um de seus cavalos venceu não
apenas a corrida de Derby no ano passado, mas também a de Oaks.
— Meu pai ficará encantado em saber que você o conhece.
— Mas como, sendo filha do conde de Silstone, você estava presente à
festa de Blanche, disfarçada como uma cortesã?
O modo com que o duque falou a fez rir.
— Parece incrível, mas meu pai queria que eu me casasse com Charles
Arram.
A perplexidade do duque se tornou ainda maior,
— Então você veio a Paris para descobrir como ele era.
— Exatamente. Fui falar com Blanche porque ouvi muitos comentários a
seu respeito por parte do irmão de uma amiga de escola. Blanche me atendeu
muito bem e compreendeu que eu tinha razão em querer ver Charles, sem
que ele soubesse quem eu era.
— Você certamente conseguiu o que queria.
Malvina fez um sinal afirmativo com a cabeça.
— Eu voltaria para a Inglaterra e diria a papai que não seria possível me
casar com um homem que estava apaixonado por Cora Pearl. Por falar nisso,
Blanche me procurou, antes de você chegar, para me contar que Charles
brigou com Cora Pearl e que está regressando a Inglaterra, por falta de
dinheiro.
— Está tentando me dizer que era em seu dinheiro que ele estava
interessado?
— Na verdade, era o pai dele o interessado, e também meu pai. Um por
dinheiro, o outro pelas terras. Quando surgiu a oportunidade de eu ir a Paris,
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

portanto, e de me salvar, agarrei-a com unhas e dentes.


O modo com que Malvina falava, traduzia seu medo. O duque acalmou-
a.
— Agora que nos encontramos, não permitirei que se case com mais
ninguém.
— E tão maravilhoso. Ainda não consigo acreditar que seja verdade.
Tenho certeza, porém, de que meu pai o aceitará quando souber quem é, e
que o ajudará nas obras de restauração.
— Não sei — murmurou o duque. — Talvez fosse melhor nos casarmos
antes de voltarmos para a Inglaterra. E se ele insistir em casá-la com Charles?
— Papai deseja minha felicidade. Ele amou minha mãe. Não poderia
impedir que eu me casasse com o homem que amo. Além disso, ficará
encantado em saber que você é sobrinho do duque de Berlington. Os dois
competem em quase todas as grandes corridas.
— Quer dizer que os cavalos desempenham uma parte importante em
nossos planos? — o duque perguntou, rindo.
— Claro que sim. Assim como papai é dono dos melhores cavalos da
Inglaterra, nós poderemos comprar os melhores cavalos da França.
Os olhos do duque brilharam.
— Cavalgaremos juntos todos os dias. Nunca imaginei que fosse ter uma
esposa tão entusiasmada por cavalos quanto eu. Mas quero lhe dizer algo. Eu
não sabia que era rica. Teria me casado com você mesmo que seu pai não
possuísse um centavo.
— Eu sei — Malvina respondeu. — Você gostou de mim sem ter a menor
noção de quem eu realmente era.
— Como poderia evitar? Apaixonei-me por você desde o primeiro
instante. Nosso beijo de amor foi como eu sempre sonhei e nunca acreditei
ganhar.
— Você beijou muitas outras mulheres e eu sinto ciúme.
— Não tanto quanto eu sinto de você — retrucou o duque. — Sua beleza
atrai os homens. Talvez o melhor seja eu trancá-la em meu castelo para que
ninguém mais a veja, exceto eu.
— Eu não me importaria, mas nossos filhos poderiam se sentir
desconfortável — ela brincou.
— Tem razão. Nossos filhos terão liberdade e muito carinho. Por falar
nisso, eu gostaria de ter vários. Sou filho único e me sinto muito só.
— Eu também — disse Malvina.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

— Temos muito em comum — comentou o duque. — Ainda bem que


somos jovens e que temos a vida toda pela frente para conversarmos. Isto é,
desde que eu não esteja beijando-a, pois é o que penso fazer a maior parte do
tempo.
Em seguida, os dois se beijaram e se sentiram transportados ao céu, cujas
portas se abriram de par em par para recebê-los.
Malvina e o duque haviam encontrado o amor que todos os homens e
mulheres buscam, mas que poucos tem o privilégio de encontrar.

FIM

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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor

FEITOS UM PARA O OUTRO

Barbara Cartland

Cansada da vida fútil na sociedade londrina, lady Elza


decide voltar para sua casa no campo. O acaso, porém,
faz com que sua vida tome um rumo totalmente
inesperado: Varin, seu primo em segundo grau, que
acabara de conhecer, recebe a missão de ir a São
Petersburgo para colher informações secretas, e é
aconselhado a viajar com uma mulher que se faça
passar por sua esposa.
Como o sonho de Elza é conhecer o mundo, ela se
oferece para acompanhar o duque. Só não imaginava
que fosse descobrir, nessa viagem, que ela e seu primo
haviam sido feitos um para o outro…

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