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Barbara Cartland
Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.
Digitalização:
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
NOTA DA AUTORA
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
CAPÍTULO I
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— Você precisa vê-las, papai, assim que tomar seu chá — Malvina
comentou ao chegarem à sala de estar, um ambiente particularmente
aconchegante e luxuoso que fora decorado pela falecida condessa com
mobília e objetos do período de Luís XIV.
Os quadros, em sua totalidade, eram de autoria de famosos pintores
franceses, a maioria dos quais fora adquirido pelo conde em suas visitas
periódicas a Malvina.
De acordo com os desejos da condessa, quando em vida, havia uma
profusão de flores por toda a parte. Sob os raios do sol, que também incidia
sobre o aparelho de chá em prata, havia beleza, alegria e cores.
— Agora que já lhe contei as novidades — declarou Malvina enquanto
passava ao pai o cesto com pãezinhos quentes — fale-me sobre o que fez em
Londres.
O conde fez uma ligeira pausa antes de responder:
— Estive procurando um marido para você, minha querida.
Os olhos grandes e azuis de Malvina se abriram, surpresos. A voz
incrédula e inquisitiva dava sinais de que ansiava por ter interpretado
erroneamente as palavras.
— Um marido? — repetiu, por fim.
— Ando muito preocupado — confessou o conde. — Estive pensando
que daqui a poucos meses estaremos em nossa casa em Park Lane, em
Londres, para a abertura da temporada. Você se transformou em uma moça
muito linda, meu tesouro. Temo que seja perseguida pelos caçadores de
fortunas.
Malvina riu,
— Não precisa se preocupar, papai. Sou esperta demais para ser
enganada por um homem que prefere meu dinheiro a mim.
— Não duvido que seja desejada pelo que é, pois é bonita demais —
replicou o conde —, mas a fortuna que envolve seu nome é como a cobertura
de um bolo. As pessoas admiram-na mais do que o próprio conteúdo.
— Não ligo para meu dinheiro.
— Sei disso, mas aqueles que vierem a conhecê-la certamente falarão a
respeito. — O pai balançou a cabeça. — Conheço muito bem esse tipo de
gente, especialmente os homens. Os caçadores de fortunas são muito ladinos
quando querem convencer uma mulher de que é só o amor que conta.
— Não entendo por que está se preocupando tanto com isso, agora, meu
pai — Malvina estranhou. — Não pretendo me casar. Não quero deixá-lo.
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Estive longe de casa por muito tempo. Agora que voltei, sinto-me no paraíso.
O pai a fitou com adoração.
— Estou muito feliz que se sinta assim. Ao mesmo tempo, acredito ter
encontrado o marido perfeito para você e é um alívio para eu deixar essa
preocupação com seu futuro de lado.
Fez-se um longo silêncio até Malvina argumentar:
— Está falando sério, papai?
— Muito sério, meu bem.
— Acredita realmente que eu me casaria com um homem que sequer
conheço?
— Não se trata de alguém de quem nunca ouviu falar. O marido que
escolhi para você é conhecido de nossa família. Você já o viu embora não se
lembre. Eram crianças quando se separaram. Ele é jovem, charmoso e
admirável. Sei, por instinto, que serão muito felizes juntos.
— Quem deve decidir isso sou eu, não acha papai? De qualquer modo,
por favor, fale-me sobre esse homem que lhe causou tão boa impressão.
O conde se recostou no sofá.
— Você ficará admirada, mas o marido que tenho em mente é, na
verdade, nosso vizinho. Será um casamento feliz e muito vantajoso de ambas
as partes. Imagine nossas propriedades unidas, sem delimitações. Serão as
maiores e mais lucrativas de toda a Inglaterra.
— Não sei do que você está falando — Malvina interveio. — Nem sei
quem é esse tal vizinho.
— A resposta está na sua ausência do país por um longo período. Nesse
espaço de tempo acabou se esquecendo de que é o marquês de Arramford
quem mora a apenas seis ou sete quilômetros de distância de nós, e cujas
terras se encontram com as nossas no rio Need. Encontrei-o no White's Club
há três dias — continuou o conde —, e ele me confidenciou sobre suas
preocupações com o filho, o conde de Arram, por ele não dar sinais de querer
se casar. Próximo de completar seus vinte e sete anos, a seu ver ele já deveria
ter se estabelecido e iniciado uma família.
O conde olhou de esguelha para a filha. Como ela não tecesse
comentários, continuou:
— Assim como aconteceu comigo e com sua mãe, o marquês está ansioso
pelo nascimento de um neto e herdeiro. De outra forma, se algo acontecer
com Charles, o marquesado será extinto, uma vez que não há outro parente
que possa vir a assumi-lo em caso de morte.
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— Que história complicada! Por outro lado, caso Charles Arram não
queira se casar, não vejo quem poderá obrigá-lo, ou sequer levá-lo a mudar
de idéia. Eu, muito menos.
O conde riu.
— Ele se casará com você, tenho certeza. O pai acha a idéia excelente.
Ficou deslumbrado com a possibilidade, não apenas por você ser minha filha
e nós sermos grandes amigos, mas também pelo fato de estar enfrentando
dificuldades financeiras, no momento. O marquês está precisando de
dinheiro não só para a manutenção de sua casa, mas principalmente para o
cultivo das terras. Nada lhe daria mais prazer do que tê-la como nora.
— Você já pensou, por um instante, papai, que o marquês de Arramford
se encaixa exatamente no que acabou de me contar sobre os caçadores de
fortunas?
— Claro que sim — concordou o conde. — Qualquer pai, que tenha um
filho atraente destinado a herdar seu título, deseja que ele se case com alguém
a quem ame e que seja bonita, mas que também possua um grande dote para
ajudá-lo com as despesas de suas propriedades.
Malvina não concordava com as idéias do pai, mas nada respondeu.
— O mesmo acontece, como você bem sabe, com as mães ambiciosas que
procuram noivos com títulos para suas filhas. Eu não sou sua mãe, Malvina,
mas como um pai zeloso, impossibilitado de casá-la com a realeza, ficaria
encantado em entregá-la nas mãos de um jovem que, eventualmente, a
tornará a marquesa de Arramford.
— Se quer saber minha opinião — Malvina declarou após um momento
— acho tudo isso muito desagradável. No colégio, minhas amigas e eu
costumávamos falar sobre o amor. O sonho de todas nós era conhecer um
homem charmoso e bonito que se apaixonaria por nós com a mesma
intensidade que nos apaixonaríamos por eles.
— Será exatamente isso que acontecerá — o conde afirmou. — Apenas a
estarei poupando do assédio dos caça-dotes de Londres. Você é rica, minha
filha. Não haveria como evitá-los. No entanto, Charles Arram tem a lhe
oferecer tanto quanto você tem a oferecer a ele.
O conde aguardou um sinal de Malvina. Como ele não viesse,
prosseguiu:
— A família dele é mais antiga do que a nossa. O marquês goza de uma
posição privilegiada na corte. A rainha Bicharia, inclusive, lhe tem grande
afeição. Vive se queixando de que ele não lhe dedica tanto do seu tempo
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urgentes que devem ser feitos no castelo. Parece que surgiu, também, uma
oportunidade de se adquirir centenas de acres.
— Pensei que nossos bens já fossem mais do que suficientes — Malvina
retrucou.
— Terras nunca são demais. O dono dessas charnecas, que são excelentes
para a caça, faleceu recentemente.
— Então você resolveu ir até lá e averiguar.
— Não ficarei longe por muito tempo. Dez dias no máximo — o conde
prometeu. — Assim que retornar, iremos a Londres. Eu já deveria tê-la
levado e apresentado à sociedade, mas faz tão pouco tempo que você voltou
do colégio. Achei que um mês de festas e vida social seria plenamente
satisfatório. Afinal, o baile mais importante, Royal Ascot, será realizado
apenas em junho, exatamente o mês que eu escolhi para a viagem.
— Conheço você muito bem, papai — Malvina o interrompeu. — A
verdade é que adiou a viagem a Londres para que eu possa me envolver com
Charles Arram antes. Não estou certa?
O conde sorriu.
— Se você estiver comprometida com Charles, mesmo secretamente, não
haverá necessidade de perdermos nosso tempo com almoços e jantares sem
fim às mães ambiciosas que querem apresentar os filhos, de bolsos e cabeças
vazias, às moças ricas em idade de se casarem.
Malvina riu apesar da contrariedade.
— Você fica tão engraçado, papai, quando fala desse jeito. Por outro
lado, não posso aprovar seu esquema no sentido de arquitetar um casamento
com alguém que não conheço.
— Sei o que estou fazendo, Malvina. Sinto que nada nos faria mais feliz
do que uma união de nossa família com a família Arramford.
Malvina preferiu não insistir em seu ponto de vista. O pai havia acabado
de regressar de viagem e ela não queria brigar. Conhecia-o bem demais. Por
mais que discutisse e tentasse provar que ele estava errado, nada conseguiria.
Quando seu pai colocava uma idéia na cabeça, nada o fazia voltar atrás. Seria
difícil persuadi-lo de que não estava disposta a se casar por enquanto,
principalmente com um desconhecido.
Mais tarde, quando subiu a seus aposentos para se banhar e trocar,
mirou-se no espelho e indagou a si mesma.
— Como poderei me apaixonar por um homem escolhido por meu pai?
O banho havia sido preparado em frente à lareira com água quente
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E não apenas das comuns, mas daquilo que é mais raro e exótico.
— Sim, papai — Malvina concordou, e aproveitando a oportunidade. —
É por isso que gostaria de conhecer vários tipos diferentes de homens antes
de me casar com um.
O conde franziu o cenho.
— Está sugerindo me dar um desconhecido como genro?
— Por que não, se ele for melhor do que os ingleses comuns pelos quais
você tem tão pouco respeito?
— Isso é um absurdo! — o pai ralhou, pela primeira vez. — Você se
casará com um inglês, é claro. Com Charles. Ele é a escolha perfeita. Você
seria uma tola se não o aceitasse.
— Ele ainda não me pediu — Malvina lembrou. — Talvez considere a
vida em Paris mais interessante do que uma esposa.
— O que está querendo dizer com isso? — o pai perguntou brusco.
— Sabe muito bem o que quero dizer — Malvina replicou. — Embora
tenha estudado em um colégio de freiras, não sou cega nem surda.
— Estou vendo que foi um grande erro mandá-la para a França. Paris foi
feita para os homens. Quem pode recriminá-los por quererem se divertir,
assim como eu me diverti anos atrás? — Seguiu-se um suspiro. — Mas nós
dois, minha querida, estamos falando sobre casamento, que é um assunto
muito diferente. Para marido, você precisa de um cavalheiro, um homem que
a respeite. Quanto menos você souber do que se passa no mundo, melhor.
— Oh, papai, que maneira mais antiga de se encarar os fatos. Eu sei o
que são as cocottes.
— Esse tipo de palavra nunca deveria ser pronunciado por seus lábios —
o pai reprovou.
— Minhas colegas falavam sobre elas e os jornais proclamavam suas
festas que, invariavelmente, causavam sensação em Paris. Li, também, que
elas costumam ganhar uma enorme quantidade de jóias não só dos
imperadores, reis e príncipes, mas de homens ricos de todas as procedências.
— Se soubesse que conversas como essa aconteciam no colégio, eu a teria
trazido para casa imediatamente e matriculado em uma escola tradicional na
própria Inglaterra.
— O conhecimento não me fez mal algum — Malvina se defendeu. —
Você não pode esperar que eu viva encerrada em uma torre para não ouvir os
comentários sobre outros tipos de gente.
— Assim mesmo, estou extremamente aborrecido que tenha aprendido
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coisas tão vulgares em uma escola que se supõe a melhor e mais cara do
mundo.
— O problema foi ela estar localizada tão perto de Paris. O conde estava
realmente tão aborrecido com o que acabara de saber que não continuou a
conversar. Malvina, que
o amava muito e que não queria vê-lo tão preocupado, achou melhor mudar
de assunto. Dessa forma, quando ele sugeriu uma visita a Arramford Court,
no dia seguinte, aceitou sem reservas.
Afinal de contas, seria interessante conhecer o marquês. Estando o filho
em Paris, não teria de enfrentar o dilema de aceitá-lo, ou não.
Quando se aproximou à hora da visita, o pai se mostrou muito excitado,
chegando a tentar escolher o vestido que ela deveria usar para a ocasião.
Malvina lembrava-se apenas vagamente da casa vizinha, pois ainda era
criança quando a visitara pela última vez, por ocasião de um aniversário de
Charles. Por ser oito anos mais velho, Charles não lhe prestara atenção. Nem
ela a ele. Talvez fosse por isso que não fazia, agora, a menor idéia de como ele
seria.
A casa era imponente. Conforme a carruagem se aproximava, porém,
ficava evidente a necessidade de reparos.
Não era difícil se adivinhar, portanto, a razão pela qual o marquês
desejava tanto um casamento vantajoso para o filho.
Os tapetes estavam gastos, os tecidos dos sofás e cadeiras puídos. Os
quadros, muitos deles de autoria de pintores famosos, necessitavam de
restauração.
O marquês, um homem ainda muito atraente, os saudou com euforia.
— É uma honra recebê-lo em minha casa, Silstone. Sua filha é ainda mais
linda do que a mãe, a quem eu sempre dediquei extrema admiração.
— O senhor é muito amável, milorde — Malvina respondeu. — Oxalá
fosse verdade.
— Juro que todos os comentários que ouvi sobre sua beleza não foram
exagerados — confirmou o marquês.
Malvina e o conde foram levados até a sala de estar e apresentados aos
demais convidados, a maioria dos quais eram parentes idosos.
Ao final do almoço, Malvina compreendeu por que Charles Arram
preferia viver em Paris a estar em casa.
Não podia, contudo, incluir o marquês nessa categoria. Muito atencioso,
ele insistiu em levá-la para conhecer a casa, assim que terminaram de
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almoçar.
Todos os cômodos eram amplos e antigos. A sala de música, o salão de
baile, a galeria, o conservatório, e também os dormitórios, todos em uso há
séculos. Assim como a parte externa da casa, o interior também precisava de
uma remodelação.
O que o marquês tinha em mente era óbvio, Malvina cogitou. Uma pena
que tivesse de desapontá-lo, mas não havia alternativa.
— Soube que seu filho está em Paris.
— Charles adora Paris — confirmou o marquês. — Infelizmente, ela não
é apenas a cidade mais divertida da França, mas também a mais cara. É lá que
os tolos jogam seu dinheiro fora. Se dependesse de mim, mandaria fechá-la.
O modo com que o marquês se queixou fez Malvina perceber que ele
estava realmente ressentido com os gastos efetuados pelo filho.
No trajeto para casa, o conde não perdeu tempo em saciar a curiosidade.
— O que você achou da casa e do marquês?
— A casa está precisando de uma reforma urgente.
— Com o bom gosto que herdou de sua mãe, você a transformará em um
lugar belíssimo.
Malvina não respondeu. Após alguns minutos, o pai voltou a falar.
— Do marquês você gostou, não? Ele é um homem bom e sempre nos
demos bem.
— Mas você sempre se dá bem com todo o mundo, papai.
O pai a fitou com ar de suspeita.
— Está querendo me dizer que não gostou do marquês?
— Eu o achei ansioso demais para botar as mãos em nosso dinheiro.
Nenhum dos dois tomou a falar até se aproximarem de casa.
— Estou certo de que você mudará de idéia quando conhecer Charles —
o pai murmurou.
— O marquês foi bastante evasivo quanto à data de seu retorno. Eu ouvi
você lhe perguntar a respeito por duas vezes, sem que ele se abalasse.
Foi a vez do conde não responder.
A carruagem foi recebida por dois criados, em elegante libre.
A visita a Arramford Court não foi o sucesso esperado pelo conde. Na
opinião de Malvina, ela foi, inclusive, um erro.
Se Charles Arram fosse o espelho de sua casa, Malvina pensou, não
quereria ter amizade com ele, quanto mais se casar. Seu pai não poderia
obrigá-la. Mas como faria para convencê-lo de que seu sonho era, na verdade,
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um pesadelo?
Dois dias depois, enquanto tomavam o desjejum, chegou uma
correspondência da Escócia informando que a propriedade, pela qual o conde
se interessara, fora colocada à venda antes do esperado. O corretor dizia:
“Há muitos fazendeiros e habitantes locais interessados nas terras. Se o
senhor não vier para a Escócia imediatamente, temo que passem para outras
mãos, o que será lastimável.
— Preciso partir amanhã o mais tardar — afirmou o conde, ao terminar
de ler a carta para Malvina. — Essa urgência é um transtorno, mas, por outro
lado, eu poderei estar de volta uma semana antes do programado, e antecipar
nossa viagem a Londres.
— A viagem a Londres não me importa. Sinto apenas que você tenha de
se ausentar outra vez.
— Eu também lastimo minha querida. Gostaria de poder ficar mais
tempo ao seu lado. Para passar o tempo e diminuir a solidão, por que não faz
uma visita a alguns de nossos parentes? Há vários que moram nestes
arredores.
Prometendo que iria pensar a respeito, Malvina se despediu do pai. Ela
sabia que ele procurara ser otimista, mas que seu regresso da viagem por mar
não ocorreria antes de duas ou três semanas.
Assim que se despediram, Malvina entrou na casa e se sentou na sala
onde ambos costumavam conversar. Subitamente teve uma idéia. Era tão
surpreendente e fantástica que, por um minuto, considerou-a absurda. Pouco
a pouco, contudo, a imagem começou a tomar forma. Não seria um absurdo,
mas uma aventura. Seu futuro merecia uma chance.
O plano era conhecer Charles Arram como verdadeiramente era, em seu
atual ambiente, sem imaginar que ela era sua rica e provável noiva.
— Irei a Paris — Malvina falou consigo mesma. — Se Charles for tão
charmoso e fascinante como papai o julga, então o receberei de maneira
totalmente diferente da que pretendia, quando ele voltar para casa.
Seu pai ficaria furioso se descobrisse. Uma jovem de sua classe
certamente não deveria se expor a uma aventura como essa. Mas havia muito
em jogo. Agindo assim, estaria protegendo sua futura felicidade.
Não aceitaria um casamento arranjado por nada no mundo. Por outro
lado, sabia que não seria fácil desobedecer ao pai, assim como Charles seria
obrigado a aceitar a determinação do pai dele.
O marquês não fizera segredo de suas ambições quanto tê-la como
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membro de sua família. O pai, por sua vez, que a amava muito, acreditava
estar agindo para seu próprio bem. A única maneira de resistir seria lhe
fornecer provas concretas de que Charles não seria o genro que ele esperava.
O problema maior era o tempo. Ela teria de se apressar. Em primeiro
lugar, precisaria encontrar alguém disponível para acompanhá-la. De
preferência sua antiga babá, que continuava morando em sua casa, ocupando
o quarto que servira de berçário e depois de sala de aula, quando ela era
criança.
Entusiasmada, Malvina se precipitou para o segundo andar e encontrou
a velha babá, conforme esperava, sentada em frente a lareira, tricotando.
A babá era a responsável pela confecção de todos os suéteres e cachecóis
para todos os moradores daquela casa, assim como muitos habitantes do
vilarejo.
Ao vê-la, a babá, que estava perto de completar seu sexagésimo
aniversário, recebeu-a com um largo sorriso.
— Estou muito feliz em vê-la. Faz tempo que não vem aqui.
— Não vim apenas para vê-la, Nanny, mas para pedir que faça suas
malas. Papai viajou e não voltará antes de duas semanas. Enquanto isso, nós
iremos a Londres.
— Você já avisou os criados, em Park Lane, sobre sua ida?
— Sim, é claro. Avisei que chegaremos muito breve. A verdade, Nanny,
é que desejo partir em uma hora.
— Uma hora! — exclamou a babá. — Isso é o que chamo de pressa!
Tenho estado sentada entre estas quatro paredes, dia após dia, mês após mês,
e, de repente, surge-me uma oportunidade dessas! Arrumarei as malas em
um instante.
— Ainda bem que você gostou da idéia, Nanny. Iremos a Londres em
primeiro lugar. Depois resolverei o que faremos.
— Só espero que me leve para algum lugar confortável. Da última vez
em que fiquei com sua tia Ethel tive uma crise de artrite.
— Não iremos à casa de tia Ethel, prometo. Mas, por favor, se apresse.
Quero estar em Londres a tempo para o jantar.
Malvina voltou para seu próprio quarto, ansiosa. Sabia que a babá não
lhe criaria dificuldades. Ela sempre se queixava de não ter o que fazer desde
que seu pai contratara uma tutora para lhe ministrar os primeiros
ensinamentos antes de matriculá-la no colégio das freiras.
Por outro lado, apesar da grande amizade que as unia, Malvina decidiu
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que seria um erro revelar à mulher seu verdadeiro plano. Nanny saberia
sobre a visita a Paris apenas no momento oportuno. Nessa ocasião a faria
jurar segredo. Seu maior receio era que o secretário do pai descobrisse sobre a
aventura e contasse ao patrão. Faria todos os criados pensarem, portanto, que
ela estaria em casa de parentes.
O próximo passo seria conseguir dinheiro para a viagem.
Malvina vestiu o traje de viagem e foi até o escritório do secretário, um
homem baixinho e muito consciencioso. Quando lhe disse, por exemplo, que
precisava fazer compras em Londres, ele sugeriu que mandasse as lojas
enviarem a cobrança para sua casa.
— Eu preferiria ter algum dinheiro em minhas mãos para o caso de
resolver comprar em lojas onde não sou conhecida — Malvina argumentou.
— Seria melhor se eu tivesse, também, um talão de cheques. Soube que papai
abriu uma conta para mim no banco. Assim sendo, acredito que duzentas
libras em dinheiro serão suficientes.
Embora contra a sua vontade, o Sr. Watkins entregou a quantia
solicitada. Malvina guardou-a na bolsa, juntamente com o talão, agradeceu e
se despediu. Conforme saía do escritório, entretanto, o homem a deteve.
— A senhorita não me forneceu o endereço onde poderá ser encontrada,
milady. E importante que eu saiba.
— Sim, é claro, Sr. Watkins. Estarei em nossa casa, em Park Lane, em
primeiro lugar. Depois, quando visitar os parentes, mandarei avisá-lo sobre o
novo endereço.
A partida se deu em uma hora e meia, com o secretário não muito
satisfeito com as explicações, na carruagem aparelhada com os quatro cavalos
mais rápidos de propriedade de seu pai, e conduzida pelo experiente
cocheiro.
Ao atravessar os portões, Malvina sorriu consigo mesma. Sabia que
enfrentaria dificuldades quando seu pai voltasse da Escócia, mas por
enquanto ele estava no mar, e ela seguia disposta não só a evitar um
casamento arranjado, como também a conhecer alguém que a amasse pelo
que era, e não pelo dinheiro que possuía.
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CAPÍTULO II
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com todo o tipo de jóias, roupas peles. No segundo ato da peça Le Château à
Totó, que exibiu uma trilha sonora magnífica de Offenbach, Blanch usou um
vestido no valor de dezesseis mil francos. No terceiro ato, o penhoar
transparente, que deixou todas as mulheres de Paris verdes de inveja, custou
seis mil francos. Seu novo papel também está sendo um sucesso, pelo que
ouvi dizer, embora ainda não o tenha visto.
— Se ela é tão linda e sofisticada, por que Charles Arram a deixou?
O conde deu de ombros.
— Charles, como a maioria dos homens, deve gostar de variar. Mas se
era das despesas que ele pretendia fugir, descobrirá em breve que sua nova
conquista é ainda mais cara. Não se contenta com uma pequena casa na
Avenue de Friedland como Blanche.
Malvina sentiu a cabeça rodopiar com todas aquelas informações. Suas
amigas haviam lhe contado muitos detalhes sobre as cocottes de Paris, mas ela
nunca imaginara que vivessem em confortáveis casas próprias. Também
subestimara a quantia de dinheiro que os homens despendiam para agradá-
las. Agora era possível entender por que o marquês estava tão preocupado e
por que não lhe sobrava o suficiente para manter a propriedade.
Era óbvio que uma nora rica seria uma tábua de salvação, não só para ele
como para Charles, que deveria ter uma série de dívidas.
— Jante comigo — o conde pediu. — O tempo passou tão depressa
enquanto conversávamos que não me lembrei de que precisava trocar de
roupa. Virei buscá-la daqui a meia hora, se me der o prazer de sua
companhia.
Sem ter a quem perguntar se era correto ou não jantar com um
cavalheiro, em um trem, Malvina decidiu seguir a própria intuição. O que
poderia haver de reprovador em se jantar com o irmão de uma amiga?
Nanny apoiou sua decisão.
— Gostaria de acompanhá-la, querida, mas ainda não me sinto muito
bem.
— Descanse, então. Chegaremos antes das oito, amanhã, e você precisa
estar melhor. Não voltarei tarde. Mas, caso esteja dormindo, não a acordarei.
— Tenho um sono muito leve, você sabe. Se não conseguir desabotoar o
vestido, ou qualquer coisa, pode me chamar tranqüilamente.
Era verdade. Quando criança, bastava ela se virar na cama para Nanny
vir se certificar de que não havia nada de errado,
Meia hora depois, o conde bateu à sua porta, impecável em sua camisa e
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foi fácil de ser desabotoado, não precisou chamar a babá. Em minutos estava
deitada. Apesar do ruído das rodas e da excitação que a engolfara desde que
tomara a decisão de viajar a Paris, dormiu serenamente.
Pela manhã, foi acordada por um funcionário do trem, que avisou-a a
respeito da chegada em Gare du Nord no espaço de uma hora.
Nanny a procurou em seguida, já recuperada e vestida, pronta para
ajudá-la.
— Como foi o jantar, minha querida?
— Muito interessante. Aprendi um bocado de coisas sobre Paris.
— Ainda bem. Assim não nos sentiremos tão perdidas ao chegar. Por
falar nisso, coloque seu chapéu. Em minutos estaremos na estação.
Quando saíram para o corredor, o agente de viagens s apressou a buscar
a bagagem. Em seguida, surgiu o conde os olhos um tanto vermelhos.
— Direi a Denise que você está em Paris, apesar de que ela só deva
chegar daqui a uma semana. Espero que vocês ainda se encontrem.
— Não creio que fique por aqui por tanto tempo — Malvina respondeu.
— Caso não nos vejamos, dê-lhe minhas lembranças. Muito obrigada, mais
uma vez, pelo jantar.
— Espero não tê-la chocada com minhas histórias.
— Claro que não.
— Quando me deitei, fiquei cogitando se você ainda na' era jovem
demais para saber aquele tipo de coisas. Por outro lado, você precisa crescer
mais cedo ou mais tarde.
— Eu já cresci — Malvina replicou. — E o que voe me contou foi muito
útil.
Ao perceber a aproximação de seu valete com a bagagem o conde tirou o
chapéu e se despediu.
— Tenho compromissos nas próximas duas ou três noites, mas a
convidarei para jantar antes do final da semana.
— Será maravilhoso — Malvina agradeceu. — Mas e não poderei sair
com você sozinha.
Pela expressão do conde, Malvina percebeu que ele não havia antecipado
esse tipo de obstáculo, embora nada comentasse.
— Até logo e divirta-se.
— Obrigada.
Momentos depois, ambas as mulheres seguiam em direção à casa de lady
Walton, em Faubourg St. Honoré, cujo criados as receberam com sincera
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cortesia.
Malvina foi levada ao melhor quarto da casa depois de usado pela prima
Violet que, segundo uma das enfermeiras, não estava nada bem de saúde.
— Ela dorme a maior parte do tempo. Por felicidade, não sente dor
alguma. Segundo os médicos, não há cura para sua doença.
Malvina acompanhou a enfermeira até o quarto de lady Walton. Era uma
judiação que uma mulher tão linda, no passado, agora parecesse tão pequena,
pálida e enrugada. Com os olhos fechados, não parecia mais pertencer a este
mundo.
De volta ao seu quarto, Malvina trocou a roupa de viagem por um dos
vestidos que havia comprado em Londres e que fazia conjunto com um
casaco e um chapéu. Em seguida avisou Nanny;
— Vou dar um passeio até a embaixada. Como fica muito perto e não
pretendo demorar, irei sozinha, se não se importa.
— Apenas tenha cuidado, minha filha. Como não dormi bem esta noite,
até prefiro ficar.
— O que houve? Está com dor de cabeça?
— Estou, mas não muito forte. Em uma hora ou duas estarei boa.
Almoçará comigo?
— Claro que sim, a menos que me convidem para almoçar na
embaixada. Assim sendo, não me espere. Se eu não estiver aqui até o meio-
dia, é porque não virei.
Fechada a porta, Malvina quase se pôs a correr pela rua. Passou pela
embaixada e não entrou. Fez sinal para um fiacre.
— Por favor, leve-me para o número onze da Avenue de Friedland.
Sabia que seu pai e qualquer pessoa de seu relacionamento abominaria
essa sua atitude, mas estava tão determinada a investigar sobre Charles
Arram que não se deteria diante de nenhum obstáculo. Queria saber a
verdade a qualquer preço. Como poderia se casar com um homem que
acabaria gastando todo o seu dinheiro, assim como gastara o do pai?
Ao passar pela Place de Ia Concorde Malvina pôs de lado os pensamentos
para admirar a beleza do lugar, apesar de que jamais conseguiria esquecer a
tragédia que acontecera ali, quando Louis XVI subira o cadafalso rumo à
guilhotina.
Naquele dia, com o sol brilhando no céu, as fontes pareciam ter vida. Sua
aventura estava começando. Apesar dos primeiros passos já terem sido dados
no campo e depois em Londres, seria em Paris que encontraria o desfecho e,
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
Malvina tornou a olhar para o relógio. O que teria sentido Blanche? Teria
chorado a perda do amante, ou encarara o fato apenas como mais um degrau
ultrapassado em direção ao topo?
Antes que pudesse tentar responder a questão, a porta se abriu e o criado
pediu que o seguisse.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
CAPÍTULO III
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
— Estou em Paris sem que ninguém, em casa, saiba sobre meu paradeiro
— Malvina confessou tímida.
— Mas não está sozinha, certamente.
— Não. Trouxe minha velha babá comigo e estou hospedada na
residência de uma parenta, seriamente enferma, que mora em Faubourg St.
Honoré.
Malvina se deteve por um momento, mas o silêncio logo foi quebrado
por Blanche.
— Ainda não consigo entender como posso ter qualquer relação com seu
problema.
— Eu soube… — Malvina prosseguiu hesitante — que você conhece
muito bem o conde de Arram.
Os olhos lindos de Blanche assumiram um brilho diferente.
— É verdade. Charles e eu somos amigos há vários anos.
— Foi o que me disse o conde de Michlet.
Pela expressão da outra. Malvina percebeu que ela também conhecia o
irmão de Denise.
— Depois de sair da escola de St. Cloud, quando voltei para casa,
descobri que meu pai e o marquês de Arramford haviam decidido entre si
que eu deveria me casar com o conde. Fiquei desesperada. Como poderei me
casar com alguém a quem não vejo desde criança? Como poderei aceitar um
casamento com alguém que não conheço?
Blanche sorriu.
— Posso entender seus sentimentos. Na França os casamentos arranjados
são muito comuns, principalmente entre a aristocracia e a realeza. Seu pai e o
marquês devem se julgar pertencentes à mesma categoria.
— Pois eu considero os casamentos arranjados abomináveis! — Malvina
exclamou.
— Concordo plenamente — Blanche declarou —, mas como você ainda é
muito jovem, duvido que queiram ouvir seus protestos.
— É o que penso. Daí minha decisão de procurá-la. Mais uma vez,
Blanche manifestou sua surpresa.
— Não consigo imaginar como poderei ajudá-la.
— O que desejo, se for possível, é ver Charles Arram socialmente, sem
que ele saiba quem sou. Quero conhecê-lo como realmente é, sem artifícios.
Se estivesse na presença do meu pai, ou do dele, seu comportamento seria
estudado e impecável.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
— Você disse que trouxe consigo uma peruca que disfarça seu aspecto
inglês. Concorda que minha camareira a maquie? Não poderia recebê-la em
minha festa com essa aparência de menina.
— Farei o que você quiser — Malvina concordou, quase sem fôlego. —
Sua bondade nunca será esquecida.
— Precisamos combinar, então, como faremos. O melhor é você chegar
aqui mais cedo do que os outros. Meu cabeleireiro arrumará a peruca, minha
camareira providenciará a maquiagem, e eu lhe emprestarei um dos meus
vestidos.
Malvina bateu palmas, tal sua excitação.
— Fará tudo isso por mim? Oh, nunca poderei lhe agradecer o suficiente.
Estava pensando em sair e comprar algo adequado, mas receava não saber
escolher direito.
— Caso seja preciso prolongarmos o disfarce, além desta noite, lhe
fornecerei o endereço de meu costureiro, que é o mais famoso de Paris, mas,
infelizmente, o mais caro, também.
— Não estou preocupada com dinheiro — Malvina informou. — Meu
pai é um homem rico. Razão pela qual, sem dúvida, o pai de Charles, o
marquês de Arramford, me quer como nora.
__ A situação não poderia ser mais clara — Blanche ergueu as mãos. —
Charles precisa de muito dinheiro se quiser continuar com Cora Pearl, que é
famosa por arruinar todos os homens com quem se envolve. Dizem que é a
mulher mais esperta e interesseira de toda a França.
Mais uma vez Malvina constatou um tom ríspido na voz de Blanche. Era
óbvio que não havia perdoado Charles por tê-la abandonado, apesar de já tê-
lo substituído por um príncipe.
— A que horas devo chegar, madame, e lhe agradecer do fundo do meu
coração por ser tão boa e compreensiva?
— Sou mulher, minha cara. Como não entender que uma garota bonita,
ou melhor linda, queira se casar com um homem que a ame e que pretenda
lhe ser fiel? — Blanche suspirou. — Os ingleses são considerados os homens
mais fiéis de todas as nações da Europa. No entanto, eu sempre ouvi Charles
dizer que o casamento não figura entre seus planos de vida.
— Foi o que pensei. Dessa forma, de todas as maneiras humanamente
possíveis, evitarei me casar com alguém que só queira meu dinheiro.
— Com sua beleza, isso seria um insulto imperdoável — afirmou
Blanche. — Agora, ma chère, vá para casa e volte aqui às seis horas. Meu
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
estudara.
Seus olhos estavam enormes. Os lábios vermelhos. O rosto muito branco.
Apenas as faces exibiam um leve rosado.
— Madame imaginou que a senhorita não estaria usando jóias. Ofereceu
emprestar-lhe um colar de diamantes e brincos para fazerem conjunto. Pediu
para aceitá-los como uma amiga.
— Ela é muito gentil — Malvina agradeceu. — Mas, talvez, eu devesse
experimentar antes o vestido.
— Tenho certeza de que irá servir. Ambas são muito parecidas em
medidas — comentou a camareira.
O vestido era maravilhoso, de renda cor-de-rosa forte. Apenas o decote
não lhe agradou. Era tão pronunciado que, só ao vê-lo, Malvina corou. Seu
corpo ficaria à mostra como nunca acontecera antes. Os seios, a cintura, os
quadris, todas as curvas se tomaram evidentes sob o vestido.
Conforme se movia, a renda parecia ser um prolongamento de sua pele.
Os bordados ao redor do decote brilharam como gemas. A luz dos
candelabros, ela pareceria a lua. Depois de acrescentar o colar e os brincos,
pareceria o sol.
Malvina se sentia como se fosse pisar em um palco ao sair daquele
quarto, e não em uma sala comum.
— Não posso acreditar que sou eu mesma — confidenciou.
— A madame ficará muito satisfeita quando a vir respondeu a
camareira. — As outras mulheres morderão lábios de inveja.
— Não quero que isso aconteça. A jovem riu.
— É espantoso o que monsieur Jacques, a madame e fizemos com a
senhorita.
— Concordo plenamente. Só espero não fazer nada errado para aborrecê-
la durante o jantar.
— Oh, não se preocupe. Ela ficará bem. Basta que a senhorita não tente
roubar-lhe a nova conquista. Madame ficou chocada quando seu último
homem a deixou por Co Pearl. As mulheres, em geral, a detestam. Os
príncipes, entanto, voam ao seu redor como abelhas em torno de u pote de
mel. Infelizmente, não há nada que se possa faze a respeito.
— Eu não tenho a menor intenção de tirar nenhum homem de ninguém
— Malvina confirmou.
— Se não mudar de idéia, tudo dará certo. Mas, par ser sincera, eu acho
isso improvável.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
CAPÍTULO IV
Um criado lhe abriu a porta da sala de recepção, local que ainda não
tivera a oportunidade de ver.
Além de imensa, a sala era de uma elegância e de um luxo incríveis.
Flores em profusão adornavam cada móvel.
Ao entrar, Malvina pensou que não havia ninguém presente. Em
seguida, Blanche se levantou de um sofá que ocupava juntamente com um
homem.
Embora exagerado, o vestido que usava era muito bonito.
— Oh, finalmente você chegou, querida. Estava acabando de dizer ao
príncipe que minha amiga Celeste Doré seria uma convidada extra na noite
de hoje. Venha. Quero apresentá-los.
Malvina obedeceu sem retrucar. Se aquele era o nome que Blanche
escolhera para identificá-la, a partir daquele instante seria assim que
chamaria.
Blanche parecia ter adivinhado seus pensamentos. Há poucos instantes,
quando descera para o andar térreo, viera cogitando sobre essa falta de
lembrança. Certamente não poderia se apresentar aos convidados com seu
nome verdadeiro.
O homem, que se levantou do sofá, era atraente, mas um pouco velho
demais para a cortesã.
— Permita-me lhe apresentar minha nova amiga Celeste, Garton
querido. Tenho certeza de que concordará comigo de que ela é encantadora.
O príncipe Garton de Tremére se curvou polidamente sobre a mão de
Malvina. Em seguida, como teria dito qualquer francês:
— Como não concordar, ma chère — o príncipe respondeu com um
sorriso.
Malvina não perdeu a troca de olhares entre os dois. Era óbvio que o
príncipe estava apaixonado por Blanche, e nada surpreendente. Ninguém, em
sua opinião, poderia resistir ao charme de Blanche d'Antigny. Com uma tiara
de diamantes nos cabelos, ela parecia uma deusa.
— Esqueci de lhe dizer que hoje é o aniversário de Cora Pearl. É por esse
motivo que estou oferecendo este jantar especial. — Blanche se deteve e
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
apanhou um pacote sobre uma das cadeiras. — Como todos lhe oferecerão
um presente, pensei que você, talvez, quisesse lhe dar este.
— O que é? — Malvina quis saber, ao segurar a caixa embrulhada em
papel colorido e amarrada com uma fita.
— Verá quando Cora abrir. Será uma surpresa para ambas. Naquele
instante, a porta se abriu e um criado anunciou a chegada do próximo
convidado. Após ele, os outros vieram em rápida sucessão.
As mulheres eram uma mais linda do que a outra. Todas, sem exceção,
portavam vestidos extravagantes e jóias em quantidade. Seus rostos estavam
tão maquiados quanto o de Malvina.
Os homens, por sua vez, vestiam trajes de gala e a maioria era dono de
um título de nobreza.
O champanhe corria por entre os convivas. Malvina estava deslumbrada.
Não sabia para onde olhar. Por toda a parte havia luxo, animação e beleza. O
mais provável era que nunca mais tivesse a oportunidade de participar de
um evento como aquele.
De repente, quando parecia que a sala não comportaria mais ninguém, o
criado anunciou a presença de Cora Pearl e do conde de Arram.
Todas as cabeças se viraram para eles.
Malvina pensou que seria difícil se ver um casal mais bonito.
Cora Pearl não era dona de unia beleza tão perfeita quanto a de Blanche
d'Antigny, mas sua personalidade, sem dúvida, era marcante. E suas jóias.
Embora todas as mulheres presentes ostentassem verdadeiras fortunas, as
jóias de Cora Pearl excediam qualquer uma.
Ela brilhava da cabeça aos pés, literalmente.
Não era de se admirar que os homens tivessem dificuldade em afastar os
olhos de seu rosto e de seu corpo.
— Muitas felicidades por seu aniversário, querida Cora — Blanche
estava dizendo. — Todos nós trouxemos presentes para você. Poderá abri-los
mais tarde.
— Foi muita gentileza da parte de vocês — Cora agradeceu, embora
lançasse um olhar aos demais convidados de quem se surpreenderia caso os
presentes não houvessem sido trazidos.
O jantar foi anunciado.
Blanche, como anfitriã, conduziu as pessoas para a sala contígua.
A mesa estava decorada com orquídeas brancas que eram as flores
preferidas da aniversariante. A toalha e os guardanapos de linho também
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
dedicar sua atenção à mulher que se encontrava ao lado do duque, uma atriz.
Mas a conversa entre ambos lhe pareceu um tanto confidencial e ela não teve
outro jeito a não ser continuar conversando com o barão.
Não sabia se era impressão, mas ele parecia fitá-la de um modo
embaraçoso.
— Mora em Paris? — ela indagou.
— Tenho uma casa em Champs Élysées — respondeu o barão —, mas
fico lá apenas uma parte do ano. A permanência pode ou não se prolongar
dependendo da pessoa em quem estou interessado.
— Há alguém em especial, no momento? — Malvina indagou, mais para
continuar a conversa, sem imaginar que poderia estar dando margem a uma
intimidade indesejável.
— Não havia até eu vir aqui esta noite. Esse alguém é você, minha linda
dama.
Malvina não acreditou que ele estivesse falando a sério. Porém, quando
se aproximou mais e colocou sua mão sobre a dela, teve ímpetos de se
levantar e fugir.
Por sorte, os criados voltaram à sala de jantar para servir o terceiro prato.
Não que ela sentisse qualquer apetite. A excitação da noite a impedia de
comer. Agora, com o comportamento do barão, não conseguia sequer falar.
Olhou ao redor e ficou ainda mais chocada ao notar que alguns dos
convidados mantinham um comportamento peculiar. Em frente a ela, por
exemplo, um homem beijava o ombro desnudo da mulher ao seu lado. Mais
para o lado direito, uma mulher muito bonita e ruiva, com um vestido verde
extremamente decotado, estava sentada sobre o joelho do homem ao seu
lado, e ainda por cima com os braços ao redor de seu pescoço.
As bebidas corriam pela mesa. Nem bem um convidado esvaziava o
copo, um criado tornava a enchê-lo com vinho ou champanhe. Todos
pareciam alegres demais. O som normal da conversa havia se transformado
em uma algazarra. Os risos eram tão exagerados que era praticamente
impossível ouvir o que o barão estava dizendo.
Em certa oportunidade, Malvina comentou com o duque.
— O barulho está muito alto e o cavalheiro alemão, ao meu lado, tem um
timbre de voz tão grave que não consigo entender o que está falando.
— Você não está perdendo muito — respondeu o duque. — Quanto ao
barulho, infelizmente ele ainda vai aumentar, daqui para frente.
Como em resposta àquelas palavras, ouviu-se uma gargalhada
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
estrondosa e uma salva de palmas. Era por causa do bolo de aniversário que
estava sendo trazido para a sala, e que foi colocado diante de Cora Pearl.
Blanche se inclinou sobre a mesa.
— Feliz aniversário, querida Cora. Pode assoprar as trinta e quatro
velinhas.
— Trinta e quatro? — protestou a cortesã. — Todos sabem que estou
completando trinta anos na data de hoje!
— Oh, não, Cora — Blanche revidou. — Você é cinco anos mais velha do
que eu e fiz vinte e nove, como Charles deve se lembrar.
— Estou fazendo trinta anos — gritou Cora. — Trinta! No momento
imediato, quatro velinhas foram arrancadas do bolo e jogadas sobre a mesa.
— Se Cora afirma que tem trinta anos, é porque essa é sua idade —
Charles bradou tão alto que todos fizeram silêncio. Em seguida, deu
gentilmente a mão a Cora para que esta se levantasse e lhe entregou uma faca
para que cortasse o bolo.
— Sopre as velinhas primeiro, querida.
Um sorriso feiticeiro foi a resposta. Na opinião de Malvina, seria difícil
algum homem resistir a ele. Depois, Cora se inclinou e soprou.
Sem a luminosidade das chamas, foi possível ver o desenho de uma
bailarina nua. Mesmo à distância, também era possível notar que a imagem
estava distorcida, se é que fora feita para representar a aniversariante.
Era gorda e as pernas curtas e roliças. O corpo desproporcional.
Por um momento, Malvina acreditou que o erro partisse do confeiteiro.
Mas, ao ver a expressão de Blanche, soube que a atitude fora intencional.
Cora, sem dúvida, reconheceu a verdade de imediato.
— Se essa bailarina sou eu, considero um insulto de sua parte. E para
provar que você agiu de má fé, dançarei para todos os presentes, sobre esta
mesa, se alguém prepará-la.
Cora estava furiosa. Os homens, porém, não poderiam se revelar mais
satisfeitos.
— Dance, Cora. Brinde-nos com sua figura e com sua arte. Mostre-nos o
que sabe fazer.
A faixa da cintura foi imediatamente retirada. Mas antes que Cora
retirasse alguma outra peça de roupa, Charles ergueu uma das mãos.
— Antes de tudo, acho que devemos entregar nossos presentes a Cora. O
meu será o primeiro.
Do bolso de sua calça foi retirado um estojo que, obviamente, continha
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
uma jóia. Todos aqueles que moravam em Paris conheciam a marca Oscar
Mossin. Ele era o dono da maior, mais cara, e mais admirada joalheria da
cidade.
Antes mesmo que Cora Pearl o abrisse, as mulheres a rodearam, ansiosas
para verem o conteúdo.
O bracelete de diamantes brilhou à luz das velas. As mulheres deixaram
escapar um murmúrio de admiração. De repente, para perplexidade geral,
Cora exclamou:
— Não era esse o bracelete que eu queria! Eu preferia o outro!
— O que você queria, infelizmente, era caro demais para quem não é um
rei ou um sultão — Charles se justificou.
— Dá para entender — comentou um dos homens.
— Pois eu não entendo — Cora retrucou. — No dia do meu aniversário
você deveria ter me dado o que eu queria.
Cora atirou o bracelete sobre a mesa com expressão de desdém. No
instante seguinte, o silêncio de estupefação foi quebrado pela voz gutural do
barão:
— Eu lhe darei o que deseja. Leve-me à joalheria e o bracelete será seu.
— Oh, obrigada, obrigada — Cora agradeceu. Charles, entretanto, olhou
para o barão com ar de desafio.
— Fique fora disto! O que eu posso ou não dar a Cora não é da sua conta.
Peço-lhe o obséquio, barão, de não se intrometer entre nós.
— Sim, é da minha conta. — O barão se levantou, muito vermelho. — Se
quero dar um bracelete de diamantes a uma dama, que considero adorável,
nada pode me deter.
— Eu não teria tanta certeza — ameaçou Charles.
Os dois homens se digladiavam com o olhar. Blanche intercedeu.
— Não vou admitir brigas dentro da minha casa. Se querem discutir,
devem sair. Enquanto decidem, proponho um brinde pela saúde de Cora em
seu aniversário e lhe desejo felicidades. Além disso, ainda faltam muitos
presentes para ela abrir.
Blanche ergueu o copo e todos, ao redor da mesa, se levantaram, meio
cambaleantes, imitando-a.
— Saúde!
— Viva!
— Felicidades!
Cada um fez um voto a Cora. Mas, apesar do esforço geral, ela continuou
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
CAPÍTULO V
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
seu atraso.
— Acabei de embrulhar algo que preciso levar a uma de minhas amigas
— Malvina informou. — Irei visitá-la tão logo termine de tomar o café. Se
quiser fazer compras, Nanny, não terá oportunidade melhor do que esta.
— Na verdade, eu estava mesmo pensando em levar alguns itens para a
Inglaterra, que não podem ser encontrados por lá. E alguns amigos me
pediram para lhes comprar cartões postais.
— Esteja à vontade, Nanny.
A fim de evitar que a babá pudesse tentar examinar o conteúdo da caixa,
Malvina a levou consigo para a sala de jantar, onde o desjejum seria servido.
Antes que terminasse a refeição, ela chamou o mordomo.
— Se alguém aparecer por aqui, hoje, e chamar por mademoiselle Celeste
Doré, por favor diga que ela foi embora, e que você não tem a menor idéia
para onde foi ou quando regressará.
Como o homem se mostrasse surpreso, Malvina esclareceu: -
— Ela é uma de minhas amigas e está procurando evitar o assédio de um
cavalheiro que a aborrece. Deu-lhe este endereço apenas para despistá-lo.
Celeste não quer que ele saiba onde ela realmente mora.
O mordomo aceitou a explicação sem problemas. Afinal era francês.
Fosse um inglês, a curiosidade teria sido muito maior.
De qualquer forma, caso o duque viesse e perguntasse por mademoiselle
Doré, receberia o devido recado.
Malvina não queria admitir, mas sentia, no íntimo, que ele a procuraria
outra vez.
Assim que terminou de comer, levantou-se e se encaminhou para a porta
sem dizer a ninguém onde pretendia ir.
Preferia calar-se a dizer mentiras, e sair rapidamente antes que Nanny
resolvesse investigar o que havia na caixa.
Alguns passos depois encontrou um fiacre, e pediu ao condutor que a
levasse à casa de Blanche d'Antigny.
Chegou por volta das dez horas. Não havia se detido para pensar se o
horário era conveniente. Agora receava encontrar Blanche dormindo.
Outra pessoa deixaria o pacote em mãos de um criado com uma nota de
agradecimento. Ela, no entanto, considerava essa uma atitude descortês.
Gostaria de devolver o vestido e a jóia em pessoa.
A porta foi aberta por um criado que não a reconheceu. Malvina não se
admirou. Estava muito diferente da noite anterior. Mas, conforme começou a
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
compaixão.
— Sinto muito. Blanche riu.
— Ninguém que a ouvisse acreditaria que eu sou digna de piedade neste
momento. Sou uma das pessoas de maior sucesso em Paris, e há uma fila de
homens ilustres ansiosos por tomarem o lugar de Charles Arram.
— Eu acredito. Você é tão linda.
— Eles me querem porque lhes dou a felicidade c o prazer que não
conseguem achar em lugar algum — Blanche respondeu. — O príncipe, com
quem me viu ontem a noite, esperou cinco anos por mim. Mas agora está
muito feliz.
— Sim, mas por quanto tempo?
A pergunta poderia ter sido indelicada, Malvina cogitou, mas a
curiosidade a vencera.
Blanche fez um gesto de impotência com as mãos.
— Só a própria deusa do amor pode saber. Espero que dure por muito
tempo. No entanto, poderá surgir outra Cora Pearl para enfeitiçá-lo, a
qualquer instante.
Malvina nunca havia pensado antes que um homem pudesse abandonar
uma mulher dona de tanta beleza. Agora sabia que havia outros valores
importantes. Agora sabia, também, que a bela cortesã realmente amara
Charles Arram.
Porém, como não lhe cabia resolver o problema, procurou mudar de
assunto.
— Cora Pearl chegou a dançar, ontem a noite, conforme prometeu?
A gargalhada, que ela deu, pareceu afastar a tristeza de seus olhos.
— Sem dúvida. Ela precisava provar aos presentes que era mais bonita
do que a efígie do bolo de aniversário.
Malvina se reprimiu a fazer a próxima pergunta, mas Blanche a
respondeu como se adivinhasse seus pensamentos.
— Ela ficou quase nua e provou que seu corpo é realmente tão perfeito
quanto todos acreditavam.
Malvina sentiu-se aliviada por não ter estado presente. E Blanche, mais
uma vez, pareceu adivinhar seus pensamentos.
— Ainda bem que o duque a levou embora. Você é jovem demais para
presenciar certas coisas. Por isso, trate de esquecer tudo o que viu aqui,
quando voltar para a Inglaterra.
— Estou pensando em regressar amanhã — Malvina informou.
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
— E o melhor que tem a fazer. Espero que consiga persuadir seu pai de
que Charles Arram não é o marido ideal para você.
— Será difícil — Malvina sussurrou —, mas como ele me adora, estou
certa de que acabará entendendo.
— Eu também estou certa disso.
Malvina se levantou.
— Quero lhe agradecer mais uma vez por tudo o que fez por mim. Se
algum dia for a Inglaterra, faço questão de recebê-la em minha casa e de lhe
mostrar os cavalos. 3 magníficos do meu pai.
— Pensarei a respeito. Por outro lado, acho melhor você tentar esquecer
que um dia conheceu Blanche d'Antigny que foi apresentada a Cora Pearl.
Malvina riu baixinho.
— Não esquecerei, mas prometo não contar a ninguém.
— Uma sábia decisão — Blanche aprovou. — Adeus, minha querida, e
que Deus a abençoe. Espero que encontre o homem que a mereça e que a ame
como deseja ser amada. Meus votos são para um feliz casamento.
No momento da despedida, Blanche abraçou Malvina e beijou-a em
ambas as faces.
— Obrigada. Rezarei para que você também seja sempre muito feliz.
— Tomara que suas preces sejam atendidas. Malvina se dirigiu à porta,
mas antes de abri-la virou-se mais uma vez para Blanche e acenou.
— Au revoir.
Em seguida desceu para o hall e viu os criados arrumando a infinidade
de flores que havia acabado de chegar.
Sua condução a esperava, conforme pedira. Subiu e pediu ao condutor
para que a levasse de volta à casa de lady Walton. Quando os cavalos
estavam começando a se mover, uma carruagem parou diante da porta de
Blanche.
Ela não pôde evitar olhar para trás a fim de descobrir quem estava
visitando Blanche tão cedo. Era o príncipe.
— Espero que ele faça Blanche muito feliz — Malvina pensou. — Embora
não seja bonito como Charles Arram deve gostar muito mais dela.
Através das ruas de Paris, Malvina se pôs a pensar no que diria ao pai,
quando chegasse. Tinha certeza de que ele ficaria escandalizado se soubesse
que Charles estava dilapidando toda a fortuna da família com mulheres como
Cora Pearl. Mas e quanto a concordar que ele não era o marido adequado
para ela? Não insistiria em agradar o marquês, seu amigo, em primeiro lugar?
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CAPÍTULO VI
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
seguida.
— Você está lendo meus pensamentos novamente!
— Ao menos estou lhe poupando o constrangimento de dizê-los em voz
alta.
— Eu não me atreveria a tanta impertinência. O duque colocou sua mão
sobre a dela.
— Como se interessou muito por Blanche, vou lhe contar alguma coisa a
seu respeito. Seu verdadeiro nome é Marie-Ernestine Antigny e seu pai foi
um carpinteiro em uma cidadezinha perto de Bourges, no Indre.
Malvina achou melhor não informá-lo de que o conde de Michlet já
havia lhe contado uma série de detalhes sobre a cortesã. Dessa forma, ele
prosseguiu:
— O pai dela fugiu com uma garota. Alguns anos mais tarde, madame
Antigny veio a Paris à procura do marido, trazendo consigo os dois filhos
menores, mas ambos morreram. A mãe, então, mandou buscar Marie-
Ernestine para lhe fazer companhia. Nesse meio tempo, ela havia arrumado
alguns empregos como costureira e faxineira de algumas famílias ricas, a
minha entre elas. Blanche tinha nove anos na época, e eu onze. Como era
filho único, gostei muito de ganhar uma amiguinha para brincar nos jardins
de nossa casa em Champs Elysées.
— Ela deve ter sido uma criança linda.
— Linda e charmosa e teve o benefício da instrução. Madame Antigny,
que também trabalhava para o marquês de Gallifet, teve a graça de receber
uma bolsa de estudos desse patrão, para a filha. Marie-Ernestine estudou no
Convento dos Pássaros, onde além do currículo normal, aprendeu boas
maneiras. Entre todas as matérias, geografia foi a que mais lhe interessou,
pela sugestão de aventuras. E por mais incrível que possa parecer, ela gostava
de religião. Não fosse pela morte precoce do marquês, Blanche poderia ter se
tornado freira.
— Freira? — Malvina repetiu, os olhos muito abertos, sem conseguir
imaginar Blanche em um hábito.
— Quando completei dezenove anos — o duque continuou —, minha
mãe quis que eu me matriculasse na universidade de Oxford.
— Oh, então você foi educado na Inglaterra!
— Em parte — o duque explicou. — Nesse período fiquei hospedado em
casa de parentes de minha mãe. Gostava muito de cavalgar e de conversar
com os amigos da família. Para ser franco, adorei viver na Inglaterra.
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Era surpreendente que o duque fosse meio inglês e que tivesse estudado
em Oxford. Ao mesmo tempo, não poderia haver melhor explicação para ele
falar inglês com tanta perfeição.
— Quando voltei para a França, estava com vinte e um anos e Blanche já
havia se tomado uma celebridade. Era um sucesso no palco e em toda a
cidade.
O modo entusiasmado, com que ele falava, levou Malvina a prender o
fôlego.
Agora, ela pensou, ele vai me contar como foi que se apaixonou por
Blanche. Era estranho, mas não queria ouvir a respeito.
— Como não podia deixar de ser, renovei minha amizade com Blanche
assim que cheguei em Paris. Tornei-me seu tutelado, por assim dizer. Da
mesma forma que acontecia quando éramos crianças, ela voltou a ser como
minha irmã.
— Irmã?
— Sim. Blanche sabia que eu queria me divertir, e me apresentou ao
mundo do qual havia se tornado soberana. Ao mesmo tempo, protegia-me.
— De que maneira?
— Ela me apresentou às cortesãs, suas amigas e rivais, mas teve o bom
senso de me afastar daquelas que costumavam extorquir muito dinheiro de
seus amantes, como Cora Pearl.
Malvina estava ansiosa pelo fim do relato.
— Em muitos aspectos, Blanche foi como uma mãe. Sempre havia um
quarto para mim, em sua casa. Foi por isso que eu conhecia aquela saída
extra, por onde escapamos ontem a noite sem ninguém nos ver.
Enquanto falava, o duque olhava para o rio, para os barcos, e para as
árvores ao redor, e isso foi um alívio para Malvina, que se sentia tão feliz, tão
feliz, que temia trair seus sentimentos através dos olhos.
O duque não havia sido amante de Blanche.
— Agora que lhe contei sobre mim e sobre a gratidão que tenho por
Blanche, especialmente depois de ontem a noite quando ela me deu a
oportunidade de conhecê-la, não vai me falar alguma coisa sobre si mesma?
— Eu estou pensando. Será que Blanche nos colocou, um ao lado do
outro, porque queria que nos tornássemos amigos, ou ela estava apenas
tentando me proteger de alguns daqueles homens presentes à festa?
— Para ser sincero, acho que Blanche estava pensando em mim quando
escolheu-a para que se sentasse ao meu lado. Ela sabia o quanto eu apreciaria
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conhecê-la.
Seguiu-se um pequeno silêncio até o duque se levantar.
— Preciso levá-la. Tenho uma consulta médica ainda esta tarde. Mas
voltarei para buscá-la às oito para que jante comigo.
Malvina o fitou, insegura.
— Não creio que deva sair com você.
— Sem uma dama-de-companhia. Não era isso que queria dizer? Bem,
eu prefiro mesmo que não leve ninguém, pois preciso falar com você. Estou
pensando em jantarmos em um lugar tranqüilo, onde não seremos vistos, e
onde a comida é deliciosa.
— Talvez eu tenha um compromisso — Malvina tentou se justificar.
— Se tiver, por favor cancele-o. Vou levar um retrato do meu castelo
para que você o veja.
— Eu gostaria muito.
— Seria tão bom se eu pudesse mostrá-lo, de verdade, para você antes de
sua partida.
Conforme ele falava, Malvina mais se convencia de que era preciso
voltar para casa o mais rápido possível. Queria a companhia do duque mais
do que tudo no mundo. Queria jantar com ele e conversar. Mas sabia que isso
só tomaria o esquecimento ainda mais difícil.
Subiram na carruagem e o duque informou o cocheiro para que os
levasse a Faubourg St. Honoré.
— Falei demais sobre mim e estou envergonhado — o duque murmurou
quando os cavalos se puseram a caminho. — Mas você se mostrou tão
evasiva em falar sobre si própria que eu achei melhor não pressioná-la.
— Gostei muito de saber sobre sua amizade com Blanche — Malvina
respondeu com franqueza. — E gostarei ainda mais de ver o retrato do seu
castelo.
— Tenho um pressentimento de que você terá idéias brilhantes sobre o
que eu devo ou não fazer com ele em matéria de reformas. O único problema
é que não tenho disponibilidade, no momento, de colocá-las em ação. Assim
como na Inglaterra o chefe da família é responsável pelo bem-estar dos
parentes, eu também preciso pensar neles em primeiro lugar.
— Deve ser uma carga pesada para você — Malvina comentou. — Se não
tivesse de gastar tanto com eles, poderia empregar todo o seu dinheiro nas
obras do castelo.
— Por enquanto, contento-me em imaginar como será o castelo dos meus
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Bárbara Cartland nº 355 – Beijo de Amor
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CAPÍTULO VII
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FIM
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Barbara Cartland
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