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AFINIDADE
AFINIDADE
A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.
Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam,
comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.
Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintomas com
pessoas distantes, com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos do não
vivido?
A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.
Por prescindir do tempo e ser a ele superior, a afinidade vence a morte, porque cada um de nós
traz afinidades ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós, para encontrar sintonias futuras nas quais
estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau, porque o que define a
afinidade é a sua existência também depois.
Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou
alegria, mas percebe que não vai conseguir restituir o clima afetivo de antes, é alguém com quem a
afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta, ou a ilusão de que as vivências daquela
época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas, plantios de resultado diverso.
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, é conversar no silêncio, tanto das
possibilidades exercidas, quantos das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se
dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma
ampliada e refletida do eu individual aprimorado.
Arthur da Távola.