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Apresentação
É claro que um semestre de estudos não é suficiente para apreender tudo o que estes
três grandes pensadores da sociologia têm pra falar, e minha falta de conhecimento prévio
provavelmente limitou meu aprendizado. O que proponho neste ensaio é mais um exercício
reflexivo do que uma análise precisa sobre um tema. Esforcei-me, aqui, para reinterpretar
meus objetos de estudo a partir de alguns dos conceitos e ideias dos autores explorados na
disciplina, mas tenho plena consciência de que não esgotei as possibilidades. Peço
humildemente para que a professora, ao corrigir este trabalho, leve em consideração minhas
limitações ao tratar dos temas aqui abordados. Não sou um sociólogo, mas um biólogo curioso
e que agora já sabe um pouquinho mais sobre Durkheim, Weber e Simmel.
Introdução
Vivemos em uma era única para a humanidade. Nunca na história do homem nossa
população foi tão grande, nem ocupamos tanto espaço em nosso planeta como ocupamos
hoje. A velocidade de inovação, de comunicação, de interação e de transformação cultural
nunca foi tão acelerada. Pela primeira vez o globo todo está conectado, e é possível nos
comunicarmos instantaneamente com virtualmente qualquer local do mundo. Vivemos em
uma era de excessos, de extremos, como descreve Hobsbawn (2008), numa sociedade do
espetáculo, como define Debord (1997). Para usar os termos de Durkheim, nunca nossa
sociedade global teve densidades moral e material tão grandes quanto nessa era. Alguns
entendem este momento como o ponto atual da longa caminhada da modernidade humana,
rumo a um futuro de progresso infinito. Outros, entretanto, interpretam este momento como
o pico de um processo socioeconômico que está prestes a entrar em declínio – e não no
sentido figurado.
Energia e sociedade
Tal ciclo pode ser comparado à ideia de Durkheim de como a divisão social do trabalho
se dá na sociedade. De acordo com o autor, ela é o resultado da inter-relação entre volume
populacional, densidade material (número de indivíduos em relação ao espaço ocupado) e
densidade moral (frequência de encontros e trocas entre indivíduos) (DURKHEIM, 1984).
Conforme a divisão social do trabalho aumenta, aumenta também a eficiência produtiva
daquela sociedade. Em ambos os raciocínios a frequência de interação entre indivíduos tem
papel central. Porém, enquanto Christian dá maior importância ao aumento de produtividade
que tal divisão de trabalho traz à sociedade, Durkheim mostra que o mesmo processo é
fundamental para a manutenção da coesão social num contexto de crescente complexidade e
gradual fragmentação da consciência coletiva, que anteriormente era responsável por manter
o grupo unido. Em outras palavras, Durkheim mostra que a interdependência gerada pela
divisão social do trabalho é a responsável por manter a coesão do grupo no processo de
transição de uma sociedade de solidariedade mecânica para uma de solidariedade orgânica. O
autor vai além e afirma que a manutenção da coesão social, enquanto resultado da divisão
social do trabalho, é mais relevante do que o aumento de produtividade proporcionado por
ela. De qualquer forma, ambos os autores colocam a divisão do trabalho como processo
central no desenvolvimento das sociedades ao longo da história humana.
Vale ressaltar que a exposição acima não pretende reduzir a complexidade social e
econômica da modernidade ao uso de maiores quantidades de energia. Esta serviria
simplesmente como substrato sobre o qual as sociedades modernas vão se estruturar e se
organizar. A forma e a direção que essa organização vai tomar ainda são completamente
sujeitas à complexidade e à diversidade cultural das sociedades humanas em seus contextos
históricos, sendo os combustíveis fósseis apenas um fator potencializador dessa
transformação. Numa alusão a Marx, a maior oferta de energia seria uma característica da
infraestrutura material sobre a qual se sustenta a superestrutura da sociedade moderna.
A modernidade
Tal concepção de modernidade dialoga com aquela trazida por Georg Simmel, que
também encontra na divisão do trabalho e na centralidade das trocas (mediadas pelo dinheiro)
características do mundo moderno (SOUZA e OELZE, 2005). Segundo ele, essa divisão torna os
trabalhadores cada vez mais especializados em uma pequena parte da produção, retirando sua
identificação para com o produto final, o que chamou de alienação. Como consequência, as
coisas produzidas vão assumindo autonomia e vida própria, ganhando cada vez mais
importância dentro da sociedade, algo que o autor identificou como a preponderância da
cultura objetiva (relativa às coisas) sobre a cultura subjetiva (relativa às pessoas). Assim, os
valores quantitativos vão tomando o espaço que os valores qualitativos ocupavam nas
sociedades. Para Simmel, porém, a divisão do trabalho é resultado da instalação da economia
monetária, que permitia dividir a produção em várias etapas separadas (SOUZA e OELZE,
2005). O autor explora o papel central que o dinheiro tem na sociedade moderna, assumindo a
função de mediador das relações sociais e causando, assim, o aprofundamento do
individualismo e da impessoalidade. Além disso, por servir como medida de comparação entre
objetos, o dinheiro nivela tudo e retira das coisas suas características próprias e
incomparáveis. Simmel chega a comparar o dinheiro com a figura de um deus para a
modernidade.
Para Simmel a cidade é outro elemento central da modernidade, pois é nela que a
economia monetária está mais instalada. Historicamente as cidades são antigas, porém
cresceram e se multiplicaram bastante depois da revolução industrial e da migração de
trabalhadores do campo para as cidades em busca de emprego. Neste ambiente urbano, o
cidadão se vê exposto a muitos estímulos, por vezes contraditórios, e como defesa o indivíduo
assume comportamentos negativos como o afastamento das relações afetivas e atitude blasé,
contribuindo para o aprofundamento do individualismo e da impessoalidade (SOUZA e OELZE,
2005).
De acordo com Weber, o capitalismo não é definido pela ganância, busca do lucro,
existência de dinheiro ou capital, pois tudo isso já existia antes dele. Ele se caracteriza, antes
de tudo, pela racionalização do trabalho, fruto das crenças religiosas na vida reta e disciplinada
dos protestantes e no enriquecimento como sinal da predestinação divina (WEBER, 1967).
Assim, o surgimento do capitalismo racional burguês (formal, organizado, burocrático e
metódico) é um dos marcos da modernidade, e traz consigo fenômenos como a divisão do
trabalho em busca de maior produtividade.
Tais autores eram estudiosos e críticos da modernidade, porém viveram no século XIX
e não puderam ver o triunfal crescimento e expansão do capitalismo e da cultura ocidental
sobre o mundo ao longo do século XX. A segunda metade deste século testemunhou taxas
recorde de crescimentos econômico e populacional, mas com elas também vieram
consequências negativas, como o aprofundamento das desigualdades sociais, a degradação
das relações sociais e a destruição do meio ambiente. Ao final do século XX e início do XXI,
surgiram movimentos sociais e ambientalistas que criticavam o crescimento econômico e suas
consequências negativas para a sociedade e meio ambiente e alertavam para a necessidade de
se reduzir o tamanho da economia global. Dentre estes movimentos está o Decrescimento.
Sua dimensão teórica aborda tanto os limites ambientais quanto os limites sociais ao
crescimento econômico. Os autores do Decrescimento acreditam que a escala econômica
global atual é insustentável e precisa contrair para evitar um colapso ambiental e econômico.
O esgotamento dos combustíveis fósseis e a provável impossibilidade de substituição por
fontes renováveis representam forças consideráveis que podem empurrar a economia e a
sociedade para o caminho do declínio. Tal contração econômica pode acontecer de maneira
próspera e colaborativa ou então ser imposta por catástrofes ambientais que impactariam a
capacidade produtiva da economia, gerando fome, guerras e outros desastres (MARTINEZ-
ALIER et al., 2010).
Tanto Durkheim quanto Weber e Simmel apontavam a divisão do trabalho como uma
das principais características da modernidade, exaltando tanto seu lado positivo à sociedade
quanto o lado negativo. Os autores do Decrescimento, ao criticarem os excessos de
desenvolvimento, também criticam o excesso de divisão do trabalho. Para eles, a
superespecialização do trabalhador, exigida por diversos setores da economia moderna, leva o
indivíduo a ocupar a maior parte de seu tempo e seu conhecimento com atividades estreitas,
pontuais e igualmente específicas, retirando-lhe conhecimentos mais amplamente úteis, num
processo chamado de desabilitação (tradução livre do termo em inglês deskilling). Tal processo
torna o trabalhador dependente de seus empregadores, pois é incapaz de garantir suas
necessidades materiais básicas de outra forma que não seja vendendo seu trabalho
superespecializado (LATOUCHE, 2009). Esta condição se volta contra o trabalhador
especialmente em momentos de crise econômica, quando o desemprego aumenta. Simmel
adiciona a essa crítica o fato de que a quebra do processo produtivo em pequenas tarefas
realizadas por trabalhadores diferentes, apesar de aumentar a produtividade, afasta o
trabalhador do produto final, alienando-o em relação aos resultados de seu trabalho (SOUZA e
OELZE, 2005). Durkheim, por sua vez, pondera que conforme a divisão do trabalho se
aprofunda, o trabalho progride enquanto o trabalhador retrocede (DURKHEIM, 1984).
Para Simmel, as cidades são como são porque é nelas que a economia monetária esta
mais instalada (SOUZA e OELZE, 2005). Para ele, o dinheiro nivela todas as coisas e retira delas
a sua substância, aquilo que as faz incomparáveis. O dinheiro, para Simmel, tornou-se o
mediador das relações sociais, e chega a assumir uma condição de divindade dentro das
sociedades modernas. O Decrescimento defende o aumento das trocas não monetárias como
forma de reforçar os laços sociais e os valores não mercantis (LATOUCHE, 2009). Alguns
autores do Decrescimento definem o movimento como uma forma de fuga da economia,
fazendo assim alusão à negação dos valores de mercado e à primazia do dinheiro (FOURNIER,
2008; LATOUCHE, 2009).
Por fim, se a hipótese do declínio econômico se mostrar verdadeira e a oferta de
energia realmente diminuir, muitas esferas da vida social serão afetadas. A economia esfriará e
contrairá. Atividades supérfluas serão abandonadas e os fatores de produção serão aplicados
na produção de bens e serviços indispensáveis à sobrevivência da humanidade. Com uma
menor produtividade total, menos pessoas poderão ser sustentadas, de forma que a
população será reduzida e o controle de natalidade passará a ter muito mais importância do
que tem hoje. Menores populações levarão a menores densidades materiais e morais, de
forma que a divisão do trabalho deverá retroceder um pouco e as taxas de inovação decairão.
As populações urbanas diminuirão, e possivelmente algumas cidades deixarão de existir. O
êxodo rural acontecerá, pois as indústrias empregarão menos e a produção de alimentos
passará a exigir mais mão-de-obra para substituir os tratores e caminhões que hoje fazem o
serviço. Com menos energia disponível para o transporte, a produção e o consumo locais serão
uma realidade imposta, assim como a necessidade dos habitantes cooperarem para
sobreviverem. De certa forma é possível prever que a sociedade moderna como a conhecemos
deixará de existir ou ao menos sofrerá transformações profundas. Os autores do
Decrescimento são otimistas em relação ao resultado de tais transformações, porém algumas
coisas são mais difíceis de prever. O capitalismo continuará a existir? Ele já mostrou ter um
poder adaptativo muito forte e pode ser que perdure mesmo em um cenário de declínio. O
dinheiro continuará a ter a importância que tem nas sociedades modernas? Continuaremos a
valorizar a acumulação e o ganho individual? Seja como for, este é um cenário hipotético e
ainda muito distante.
Conclusão
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