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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Lei de Drogas
Fabio Roque

LEI DE DROGAS alteração buscou seguir diplomas


internacionais que utilizam a expressão
AULA 1.1 “droga”.
A Lei de Drogas é a Lei n. 11.343/2006 Quem define conduta criminosa é a Lei, mas o
A Lei é do final de 2006. É uma lei que revogou complemento é dado pela Portaria da Anvisa
expressamente a lei de drogas antiga (Lei n. (vai definir qual substancia é droga) – a
6.368/1976). A nova lei dá um tratamento mais ANVISA é uma agência do Poder Executivo da
rigoroso ao traficante e um tratamento mais União.
brando ao usuário. A Lei de drogas antiga As definições dos crimes constituem uma
permitia a prisão do usuário, a pena tinha até norma penal em branco.
03 anos. Com a atual lei de drogas, o usuário
não pode mais ser preso. A descarcerização Norma penal em branco: é uma norma penal
do usuário é um grande benefício trazido pela incriminadora cujo preceito primário é
nova Lei. incompleto. Norma penal incriminadora é
aquela que tem dois preceitos: preceito
Para o traficante, todavia, o tratamento foi primário (define a conduta criminosa) e
recrudescido - a pena mínima, por exemplo, foi preceito secundário (comina a respectiva
aumentada. O tratamento dado ao traficante sanção penal).
na nova Lei de Drogas era tão rigoroso que o
Supremo Tribunal Federal reconheceu a A norma penal em branco é aquela em que o
inconstitucionalidade de algumas afirmações. preceito primário é incompleto – a definição da
conduta criminosa é incompleta. Binding dizia
Parte criminal da Lei – inicia-se no artigo 28 que “a norma penal em branco são corpos
(Dos Crimes e Das Penas). Os artigos errantes em busca de uma alma”. É preciso
anteriores tratam de Política Criminal – não é complementar a definição da conduta para
matéria penal em sentido estrito. poder identificar o que é a conduta criminosa.
Observação quanto ao 1º artigo da Lei (mais Existe a norma penal em branco inversa –
especificamente o parágrafo único do artigo): aquela cujo preceito secundário é incompleto.
Há a definição precisa do crime, mas a
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de cominação da pena é remetida para outra
Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad;
legislação. Ex. Uso de documento falso.
prescreve medidas para prevenção do uso
indevido, atenção e reinserção social de
A Lei de Drogas apresenta normas penais em
usuários e dependentes de drogas; estabelece
normas para repressão à produção não branco – precisam do complemento da
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define Portaria da Anvisa para dizer o que é droga.
crimes.
A norma penal em branco divide-se em:
Parágrafo único. Para fins desta Lei,
consideram-se como drogas as substâncias ou Heterogênea – se o complemento estiver
os produtos capazes de causar dependência, definido em ato infralegal
assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas periodicamente pelo Poder Homogênea – se o complemento estiver
Executivo da União. definido em lei. (Divide-se em homóloga –
mesma lei - ou heteróloga – lei distinta)
A Lei utiliza a expressão “droga” – a Lei antiga
utilizava a expressão “entorpecente”. Essa

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Na Lei de Drogas, a norma penal em branco é abolitio criminis retroage para beneficiar o réu).
heterogênea (o complemento é dado por ato A conduta voltou a ser crime em 15/12/2000.
infralegal – Portaria da ANVISA).
Usuário – art. 28 da Lei de Drogas
Diversos doutrinadores, por exemplo Zaffaroni,
argumentavam que a norma penal em branco Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em
heterogênea violaria o Princípio da Legalidade depósito, transportar ou trouxer consigo, para
(art. 1º do Código Penal), pois se o consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou
complemento é dado por um ato infralegal,
regulamentar será submetido às seguintes
estaríamos diante de uma situação em que a penas:
Lei não estaria definindo o crime, mas, sim,
uma Portaria, o que violaria a legalidade estrita O crime não é o consumo da droga
(lei em sentido material e formal). Esse propriamente dito, mas não há como consumir
argumento, todavia, é minoritário na nossa a droga sem praticar algum desses verbos. É
doutrina: não é o ato infralegal que define a necessário, sempre, que seja para consumo
conduta, o ato apenas complementa a lei. Os pessoal.
verbos, a conduta, o fazer ou o não fazer, são
dados pela lei. AULA 1.2

Precedente do STF: O STF enfrentou a Expressão: “para consumo pessoal” – é o que


questão relacionada ao cloreto de etila (lança chamamos de elemento subjetivo específico –
perfume). No dia 07 de dezembro do ano 2000, dolo específico.
o Diretor Presidente da Anvisa retirou o cloreto
Dolo específico: é uma especial finalidade no
de etila do rol das substâncias consideradas
agir, é o agir com uma finalidade específica.
entorpecentes – ato monocrático do
Alguns crimes apresentam o dolo específico,
Presidente da Anvisa, praticado ad referendum
outros não. O furto, por exemplo, é subtrair
do colegiado – essa atitude deveria ser
para si ou para outrem coisa alheira móvel –
referendada pelo restante da diretoria. A
ou seja, há o dolo específico de subtrair para
diretoria da Anvisa se reuniu no dia 15 de
si ou para outra pessoa. Por conta disto, o furto
dezembro de 2000 e não referendou a decisão
de uso não é crime, pois não há o elemento
do Presidente. Isso foi levado até o STF, pois
subjetivo específico.
o Procurador Geral da República defendeu
que o ato não surtiu efeito, pois não foi O art. 28 da Lei de Drogas apresenta um dolo
referendado, de modo que o lança perfume específico – é o que vai caracterizar a conduta
continuou sendo crime o tempo todo. O STF, do usuário – adquirir, transportar, trazer para
no entanto, afirmou que o ato ad referendum consumo pessoal.
produz efeitos até ser referendado ou não. O
ato não precisa do referendo para produzir OBS.: Sabemos que o usuário não pode ser
efeitos, ele já produz efeitos. Logo, entendeu o preso (incorrerá em outras penas. Não há a
STF que no dia 07/12/2000 o lança perfume pena privativa de liberdade). Ocorre que,
saiu do rol de substancias entorpecentes, para que o sujeito seja considerado usuário
havendo, assim, a abolitio criminis (alterou a e não seja preso, é necessário que o porte
definição da conduta criminosa em relação ao da droga seja para consumo pessoal.
cloreto de etila). Todos que foram Todavia, se o sujeito leva a droga para um
flagranteados usando lança perfume ou grupo de amigos para consumirem em
traficando lança perfume, foram liberados (a conjunto, ele não cai no 28, logo ele pode

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ser preso, pois se enquadra no art. 33, §3º, conta o local, as condições em que se
da Lei de Drogas. desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais
e pessoais, bem como a conduta e
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, antecedentes do agente.
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à
venda, oferecer, ter em depósito, transportar, Penas cominadas para o usuário de drogas
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, (art. 28)
entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em I - advertência sobre os efeitos das drogas;
desacordo com determinação legal ou
regulamentar: II - prestação de serviços à comunidade;

§ 3o Oferecer droga, eventualmente e sem III - medida educativa de comparecimento a


objetivo de lucro, a pessoa de seu programa ou curso educativo.
relacionamento, para juntos a consumirem:
A Lei diz que o prazo da prestação de serviços
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) à comunidade e medida educativa é de 05
ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 meses, mas, sendo o usuário reincidente, o
(mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo prazo aumenta para 10 meses.
das penas previstas no art. 28.
 Para o usuário não cabe a pena de prisão,
Observa-se que se o indivíduo entrega nem a prisão em flagrante, nem a prisão
preventiva.
gratuitamente a droga para um amigo, ele
incorre nas penas do caput do art. 33 (tráfico O que ocorre se o sujeito descumprir as penas
de drogas) e não nas penas do §3º do art. 33 cominadas para o usuário: poderá ser imposta
– pois no parágrafo 3º há o dolo específico de a admoestação verbal ou a pena de multa.
consumirem conjuntamente.
OBS.: A admoestação verbal e a multa não são
OBS: Existe parâmetros objetivos para saber penas, tratam-se de medidas para o
se o sujeito é traficante ou usuário? A lei descumprimento das penas.
estabelece um quantitativo para
caracterização do traficante ou do usuário? Surgiu o entendimento da doutrina de que teria
Vejamos o §2º do art. 28: havido, com a atual lei de drogas, a
descriminalização do usuário de drogas. Ideia
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se defendida por Luiz Flávio Gomes. O art. 1º da
Lei de Introdução ao Código Penal define a
a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza
infração penal (crime é a infração penal a qual
e à quantidade da substância apreendida, ao se comina em abstrato a pena de detenção ou
local e às condições em que se desenvolveu a reclusão e alternativa, cumulativa ou
ação, às circunstâncias sociais e pessoais, isoladamente a pena de multa. A contravenção
bem como à conduta e aos antecedentes do penal seria uma infração penal a qual se
agente. comina em abstrato a pena de prisão simples
e alternativa, cumulativa ou isoladamente a
A lei não estabelece uma quantidade pena de multa). Luiz Flávio Gomes, com base
específica para caracterizar o tráfico. Mas, se nisso, entendeu que: se não há reclusão,
o sujeito porta 30kg de cocaína, por exemplo, detenção e tampouco multa, não há crime; e,
se não há prisão simples nem multa, não há,
a quantidade é decisiva para afirmar o tráfico também, contravenção penal. O autor
de drogas. Quando a quantidade é pequena, defende, assim, que houve a
ela não é decisiva, sendo necessário levar em

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descriminalização da conduta do usuário de Para a doutrina minoritária houve a


drogas. descriminalização; Para o STF houve a
despenalização; Para a doutrina majoritária
Obs.: Dizer que uma conduta foi houve a descarcerização.
descriminalizada não significa dizer que essa
conduta passou a ser legalizada. Importante lembrar que a hipótese do art. 28
Descriminalizar não quer dizer que a conduta trata-se de infração de menor potencial
passou a ser lícita.
ofensivo. Menor potencial ofensivo são as
Luiz Flávio Gomes defende que hoje não contravenções penais ou os crimes com pena
teríamos mais o critério dicotômico de infração máxima até 02 anos. Veja-se que para definir
penal (crime e contravenção penal), mas a infração de menor potencial ofensivo o
teríamos um critério tricotômico: crime, paradigma é a pena privativa de liberdade –
contravenção penal e infração penal sui pena até 02 anos. No art. 28 da Lei de Drogas
generis. O Supremo Tribunal Federal, não há nem como utilizar esse paradigma, vez
entretanto, em fevereiro de 2007, afirmou que
que não há pena privativa de liberdade.
não houve a descriminalização da conduta do
usuário de drogas, mas, sim, a Guilherme Nucci afirma que nós temos uma
despenalização. Fundamentou o STF que não infração de ínfimo potencial ofensivo no crime
houve a descriminalização porque o art. 28 tipificado no art. 28 da Lei de Drogas.
está no rol do capítulo que trata dos crimes e
das penas (não dá para presumir que houve Observação importante: para o usuário nós
um equívoco do legislativo); ademais a Lei de temos uma situação em que falaremos em
Introdução do Código Penal é uma Lei de 1940 prazo prescricional de 02 anos. A contagem do
e na década de 40 não se falava em pena prazo prescricional é regulada pelo art. 109 do
alternativa à prisão; a Lei de Drogas é uma lei
Código Penal – a prescrição mínima, por esse
posterior à Lei de Introdução ao Código Penal
e é uma lei de mesma hierarquia – ambas são artigo, é de 03 anos. Esse artigo, todavia, não
leis ordinárias. A Lei de Drogas não é obrigada se aplica para o usuário de drogas, vez que a
a seguir o que está na lei anterior, pois é lei de Lei de Drogas tem um dispositivo expresso que
mesma hierarquia e é lei posterior. assevera que a prescrição se dá em 02 anos.

Ocorre que essa expressão – Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a


“despenalização” – também é bastante imposição e a execução das penas,
criticada pela doutrina. Ainda existe pena para observado, no tocante à interrupção do prazo,
o usuário, não houve despenalização. O que o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código
houve foi a ausência de pena privativa de
Penal.
liberdade. Existe a previsão de pena, só não
existe a previsão da pena de prisão.
Competência na infração de menor potencial
ofensivo: regra geral, a competência para
processar e julgar as infrações de menor
AULA 1.3 potencial ofensivo é dos Juizados Especiais na
Justiça Estadual.
A doutrina majoritária entende que não houve
a despenalização, muito embora esse seja o Art. 28
entendimento do Supremo Tribunal Federal. A
doutrina majoritária entende que ocorreu a § 1o Às mesmas medidas submete-se quem,
descarcerização ou desprisionalização, ou para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou
seja, continua haver a pena, só não existe a colhe plantas destinadas à preparação de
pena privativa de liberdade. pequena quantidade de substância ou produto

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capaz de causar dependência física ou Lembre-se que para o usuário a multa não é
psíquica. uma pena, mas uma medida para o
descumprimento da pena.
Na Lei antiga de Drogas, plantar para uso
pessoal não era crime. O STJ, entretanto, Tráfico de Drogas
afirmava que era crime, fazia uma analogia
prejudicial para o réu. Com o advento da nova Vamos começar pela análise do art. 33, §2º, da
Lei de Drogas, essa conduta foi tipificada – Lei de Drogas.
deve haver o dolo específico: para consumo Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar,
pessoal. produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à
venda, oferecer, ter em depósito, transportar,
Art. 29. Na imposição da medida educativa a
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar,
que se refere o inciso II do § 6o do art. 28, o
juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
fixará o número de dias-multa, em quantidade que gratuitamente, sem autorização ou em
nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a desacordo com determinação legal ou
100 (cem), atribuindo depois a cada um, regulamentar:
segundo a capacidade econômica do agente,
o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o § 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso
valor do maior salário mínimo. indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274)

Parágrafo único. Os valores decorrentes da Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e


imposição da multa a que se refere o § 6o do multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-
art. 28 serão creditados à conta do Fundo multa.
Nacional Antidrogas.
Na Lei antiga havia muita discussão em
No Código Penal, o juiz vai aplicar uma pena
relação à apologia (ex. da Banda Planet Hemp
que varia de 10 a 360 dias-multa. Cada dia
que na década de 90 foi proibida de fazer show
multa vai variar de 1/30 do salário mínimo até
em diversos locais do Brasil pois dizia-se que
5 salários mínimos.
a banda fazia apologia ao uso de drogas).
No caso do usuário, a medida varia de 40 a Atualmente, há um precedente importante
100 dias-multa. E cada dia-multa é referente à marcha da maconha – defende-se
estabelecida entre 1/30 do salário mínimo até a legalização da maconha. Os Ministérios
três vezes o valor do maior salário mínimo Públicos locais argumentavam que a marcha
(lembre-se que o salário mínimo hoje é da maconha estaria induzindo ou instigando ao
unificado, não havendo porque se falar em uso da maconha. A questão chegou ao
maior salário mínimo). Supremo Tribunal Federal – o STF decidiu de
forma emblemática, por 11 a 0, que a marcha
Para o tráfico de drogas, varia de 500 a 1500 da maconha não é crime de induzimento ou
dias-multa. Cada dia multa vai variar de 1/30 instigação ao uso da maconha. ADI n. 4.274.
do salário mínimo até 5 salários mínimos. O STF diz que pode ser que na marcha da
maconha existam pessoas praticando o crime
Para fixar o valor de cada dia-multa, o juiz vai do §2º do art. 33, mas a marcha da maconha
analisar a capacidade econômica do em si não constitui esse crime. O objetivo da
condenado. marcha da maconha é questionar a
criminalização do usuário, defendendo a
legalização da maconha. Não há o objetivo de
induzir e instigar as pessoas a usar a droga. A

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democracia pressupõe que os cidadãos mais de duas condutas, ele responde por mais
possam questionar as leis, o que não os de um crime. Duas condutas realizadas
desobriga de obedecer as leis. A marcha da ensejam dois crimes.
maconha consiste no exercício democrático da  Já no tipo penal misto alternativo, a
liberdade de expressão. realização de mais de uma conduta dentro do
mesmo contexto fático faz com que o indivíduo
AULA 1.4 responda por apenas um crime. É o caso do
art. 33 da Lei 11.343/2006. Também é o caso
No caput do art. 33 há efetivamente o crime de do art. 28 que trata do usuário.
tráfico de drogas.

Verbos da conduta criminosa: importar, “Em desacordo com determinação legal ou


exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, regulamentar” – pode haver autorizações
adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter específicas para laboratórios, por exemplo,
em depósito, transportar, trazer consigo, trabalharem com as substâncias.
guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas. Pena do crime de tráfico:

Desses verbos, quase todos tratam-se de Reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e


crimes comuns, crimes que podem ser pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
praticados por qualquer pessoa - não se exige quinhentos) dias-multa.
nenhuma qualidade especial do agente. As
Condutas equiparadas ao crime de tráfico:
únicas ressalvas da doutrina referem-se aos
verbos prescrever ou ministrar – tratam-se de
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
crimes próprios, pois são os profissionais de
saúde que podem praticar estas condutas. I - importa, exporta, remete, produz, fabrica,
adquire, vende, expõe à venda, oferece,
É possível pensar em tentativa em relação a fornece, tem em depósito, transporta, traz
esses crimes? Essa mesma pergunta pode ser consigo ou guarda, ainda que gratuitamente,
feita com relação ao art. 28 da Lei de Drogas. sem autorização ou em desacordo com
É muito difícil falar em tentativa nesses casos; determinação legal ou regulamentar, matéria-
em tese, é possível falar, mas é difícil pensar prima, insumo ou produto químico destinado à
em uma situação prática de tentativa. A preparação de drogas;
doutrina ressalta que é possível tentar adquirir
Refere-se à questão da matéria-prima, do
a droga.
insumo, do produto químico destinado à
No art. 33 temos um tipo penal misto preparação da droga. É o sujeito que ainda não
alternativo – tipo penal pautado no critério da tem a cocaína, mas tem a pasta base para a
alternatividade. O tipo penal misto é aquele preparação da cocaína. O crime não é só a
que traz mais de uma conduta possível; no art. conduta relacionada à droga, mas também à
33 há 18 condutas possíveis de caracterizar o matéria-prima destinada à preparação da
crime. droga. Basta pensar na folha de maconha que
contenha o THC – componente ativo da
O tipo penal misto divide-se em cumulativo e maconha.
alternativo:
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem
 O tipo penal misto cumulativo é aquele em autorização ou em desacordo com
que se descreve mais de uma conduta e, se no determinação legal ou regulamentar, de
mesmo contexto fático, o indivíduo pratica

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plantas que se constituam em matéria-prima Os quatro requisitos são cumulativos – todos


para a preparação de drogas; devem estar presentes.

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza


de que tem a propriedade, posse,
administração, guarda ou vigilância, ou OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:
consente que outrem dele se utilize, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em 1) O tráfico privilegiado continua a ser crime
desacordo com determinação legal ou hediondo (em verdade, o tráfico de drogas é
regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. um crime equiparado a hediondo).
2) Combinação de leis: lei nº 6.368 de 1976,
Todas essas condutas pressupõem o dolo. O era a lei de drogas antiga. Para essa lei de
dolo é o elemento subjetivo por excelência e a drogas, o traficante seria punido com uma
culpa é o elemento subjetivo por exceção. Isso pena de 03 a 15 anos, era a lei antiga. Em
significa que quando há a descrição do tipo 2006, 30 anos depois, portanto, foi aprovada a
penal da conduta, já está subentendido que atual lei de drogas, lei 11.343 de 2006. Agora,
esta conduta deve ser praticada dolosamente. para o traficante, a pena é de 05 a 15 anos.
O tipo penal só será culposo quando a lei prevê Para o sujeito que praticou tráfico de drogas a
expressamente a modalidade culposa. partir da lei nova não há outra alternativa,
claro, deve ser aplicada a lei nova. Aplicar-se-
Tráfico privilegiado: à rigor, não se trata de á a lei antiga só se o fato ocorreu antes. E se
tráfico privilegiado. Privilegiadora é o contrário ele praticou o fato em 2004? Se ele praticou o
de qualificadora – na qualificadora as penas fato em 2004, é claro que eu preciso aplicar a
mínimas e máximas são exasperadas. lei antiga, porque a lei nova é pior para ele, não
cabendo a retroatividade, porque seria uma
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § retroatividade maléfica. A pena da lei nova é
1o deste artigo, as penas poderão ser pior, só que a lei nova possui uma causa de
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a diminuição de pena que não tem na lei antiga.
conversão em penas restritivas de direitos, A lei nova diz que se o traficante de drogas for
primário, de bons antecedentes, não integrar
desde que o agente seja primário, de bons
organização criminosa e não se dedicar a
antecedentes, não se dedique às atividades
outras atividades criminosas – 4 requisitos, se
criminosas nem integre organização
ele preencher esses quatro requisitos, a pena
criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012) dele seria diminuída de 1/6 a 2/3. E ai,
obviamente, seria melhor para ele ser punido
Doutrina e Jurisprudência chamam o §4º do
pela lei nova, porque, com a causa de
art. 33 de tráfico privilegiado. Porém, trata-se
diminuição de pena, certamente a pena ficaria
na verdade de causa de diminuição de pena.
menor.
São quatro requisitos cumulativos e subjetivos A dúvida do STJ era a seguinte: é possível
para que temos a hipótese do §4º do art. 33 fazer retroagir apenas a parte benéfica e não a
(condições que não diz respeito ao crime, mas lei inteira? A defesa queria que fosse aplicada
sim ao criminoso): a lei antiga na parte que se referia à pena (03
a 15 anos) e aplicar a causa de diminuição da
1- Primariedade lei nova. Isto é, combinar as partes benéficas
2- Bons antecedentes das leis. Aplicar a pena da lei antiga e aplicar
3- Não se dedicar às atividades criminosas a causa de diminuição da lei nova. O STJ
4- Não integrar organização criminosa editou a súmula nº 501 no final de 2013,
dizendo que não pode combinar as leis.
Afirmou o STJ que, nesse caso, se a lei nova

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com a causa de diminuição é benéfica para o desse parágrafo. O STF disse que proibir essa
réu, que ela retroaja por inteiro. Não pode conversão é inconstitucional, pois o legislador
retroagir só uma parte da lei. Se, por exemplo, estaria usurpando a função do julgador – quem
esse traficante não fizer jus à causa de aplica o direito ao caso concreto é o julgador.
diminuição, digamos que ele não seja primário, O STF declarou a inconstitucionalidade em
logo, ele não tem direito. O juiz, nesse caso, controle difuso, que tem efeito apenas entre as
deve aplicar a lei antiga. A lei nova não poderá partes, mas o Senado aprovou a Resolução n.
5 de 2012, retirando a eficácia da expressão
ser aplicada porque a lei antiga tem uma pena
“vedada a conversão em penas restritivas de
menor. Agora, se ele faz jus à causa de
direitos”.
diminuição, aplica-se a pena da lei nova com a
causa de diminuição, porque será mais
favorável para o réu aplicar a lei nova do que
AULA 2.1
aplicar a lei antiga sem a causa de diminuição.
A súmula proíbe a combinação de lei. A lei não
retroage em parte. Argumento doutrinário que
embasou essa súmula: a combinação de leis Para o traficante é possível haver a pena
daria ensejo à chamada lex tertia, que seria a privativa de liberdade substituída pela pena
terceira lei. Se você permitir a combinação de restritiva de direitos porque a proibição
leis, você não aplica nem a lei A nem a lei B, contemplada no art. 33, §4º, não mais
você aplica a junção das duas. O juiz não subsiste. O que é necessário para substituir a
estaria apenas aplicando a lei, ele estaria pena privativa de liberdade por uma pena
criando uma lei AB, que resulta da combinação restritiva de direito? É preciso analisar o art. 44
das outras duas. O juiz estaria criando a lei, o do Código Penal.
que é uma tarefa do legislador, o juiz estaria
violando, assim, a separação de poderes. O art. 44 traz três requisitos:
Ocorre que este argumento de criar leis já está 1 – crime culposo (não se trata do art. 33, vez
superado, mas é o que vale para o concurso. que este pressupõe o dolo) ou crime doloso
Para o STJ não dá para a lei retroagir em parte. sem violência ou grave ameaça em que a pena
STJ, Súmula 501: é cabível a aplicação seja até quatro anos – os quatro anos dizem
retroativa da Lei 11.343/06, desde que o respeito à pena efetivamente aplicada pelo juiz
resultado da incidência das suas disposições, na sentença, por isso, a pena restritiva pode
na íntegra, seja mais favorável ao réu do que ser aplicada para o tráfico de drogas, pois,
o advindo da aplicação da Lei 6.368/76, sendo incidindo a causa de diminuição de pena, a
vedada a combinação de leis. pena pode ficar abaixo do mínimo legal, que no
caso do tráfico de drogas é de 5 anos. Então,
3) A lei dizia que era vedada a conversão da com a causa de diminuição de pena, o mínimo
pena privativa de liberdade em pena restritiva legal que era de 5 anos pode diminuir,
de direitos. Para caber a pena restritiva de chegando a quatro anos. Ressalte-se que o
direitos a condenação tem que ser até 04 anos. tráfico de drogas, em si, não tem violência ou
Em regra, o traficante vai ser condenado no grave ameaça.
mínimo a 05 anos. Com a causa de diminuição
de pena, a pena pode ficar abaixo de 04 anos. 2 – não haver reincidência no mesmo crime –
O legislador então disse na lei que mesmo o condenado pode ser reincidente em outro
ficando a pena abaixo de 04 anos, a pena não crime, mas não pode ser reincidente no
poderia ser convertida em restritiva de direitos. mesmo crime.
O STF declarou a inconstitucionalidade parcial

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3 – é preciso que algumas circunstâncias isto que ocorre. No tráfico de drogas, o


judiciais sejam favoráveis ao réu: tráfico privilegiado não retira a hediondez
culpabilidade, antecedentes, conduta social, do crime.
personalidade, motivos do crime e
circunstâncias do crime. Os artigos 34, 35 e 37 também são
considerados pela doutrina como crimes
Art. 44. As penas restritivas de direitos são equiparados à hediondo.
autônomas e substituem as privativas de
liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
9.714, de 1998)
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas
I - aplicada pena privativa de liberdade não para o fim de praticar, reiteradamente ou não,
superior a quatro anos e o crime não for qualquer dos crimes previstos nos arts. 33,
cometido com violência ou grave ameaça à caput e § 1o, e 34 desta Lei:
pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo; (Redação dada pela Lei Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e
nº 9.714, de 1998) pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e
duzentos) dias-multa.
II - o réu não for reincidente em crime
doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput
1998) deste artigo incorre quem se associa para a
prática reiterada do crime definido no art. 36
III - a culpabilidade, os antecedentes, a desta Lei.
conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as Este é um dos crimes chamados de
circunstâncias indicarem que essa substituição plurissubjetivo ou crime de concurso
seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº necessário – é o crime em que
9.714, de 1998) necessariamente haverá concurso de pessoas
(ao contrário do crime unissubjetivo, crime de
Presentes os três requisitos, a pena privativa
concurso eventual, que é aquele em que
de liberdade pode ser substituída pela pena
eventualmente haverá concurso de pessoas -
restritiva de direitos.
quase todos os crimes são unissubjetivos, pois
EQUIPARAÇÃO À HEDIONDO podem ser praticados por uma ou mais
pessoas). Na associação para o tráfico
O tráfico de drogas é um crime equiparado à necessita-se pelo menos de duas pessoas
hediondo, consoante a Constituição Federal. A para que configure-se o crime. Para que se
doutrina e a Jurisprudência têm entendido que caracterize o crime de associação para o
equipara-se à hediondo não só o caput do art. tráfico não é preciso identificar as duas
33 propriamente disto, mas também os pessoas que cometeram o crime, se houver a
parágrafos 1º e 4º do art. 33 da Lei de Drogas. identificação de uma delas, sabendo que há
associação, já se tem configurado o crime
A doutrina e a Jurisprudência entendem que o
(imagine-se a interceptação telefônica em que
homicídio privilegiado não é considerado
não se sabe quem é o outro traficante, mas já
hediondo. E, no caso do homicídio ser
se sabe que há a associação).
qualificado e privilegiado ao mesmo tempo,
perde-se a hediondez do crime. Com base “Para o fim de” – elemento subjetivo
nisso, imagina-se que o mesmo raciocínio específico, dolo específico - especial finalidade
seria aplicado ao tráfico privilegiado – perderia no agir. A finalidade específica é a prática de
a característica da hediondez. Todavia, não é

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crimes relacionados ao tráfico de drogas. Não que necessariamente ele já tenha praticado
é necessária a prática reiterada de crimes, mas esses crimes. Observe-se que na prática é um
isto não quer dizer que não é necessária a caso dificílimo. O mais comum é que o
associação com pretensão de durabilidade – é indivíduo seja condenado pelo tráfico e pela
necessário que se tenha um grupo com associação para o tráfico de drogas.
pretensão de durabilidade, é um grupo
criminoso que pode praticar o tráfico uma vez AULA 2.2
só, mas existe a pretensão de união em torno
daquele grupo, porque senão não é Crime relativo ao maquinário, aparelho,
instrumento ou qualquer objeto que seja
associação – esse é o entendimento do
destinado à fabricação, preparação, produção
Superior Tribunal de Justiça. ou transformação de drogas.
Havendo a associação para o tráfico, não se
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar,
fala na associação criminosa (art. 288 do CP) oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer
– há um conflito aparente de normas penais – título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que
uma conduta para a qual aparentemente gratuitamente, maquinário, aparelho,
aplica-se dois artigos de lei, mas vigora o instrumento ou qualquer objeto destinado à
princípio da especialidade, prevalecendo o art. fabricação, preparação, produção ou
transformação de drogas, sem autorização ou
35 da Lei de Drogas (o art. 35 é mais
em desacordo com determinação legal ou
específico). regulamentar:
Precedentes do STJ: A eventual existência de
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e
uma situação em que se fale em condenação pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000
pela associação para o tráfico tornaria (dois mil) dias-multa.
insubsistente o tráfico privilegiado, porque um
dos requisitos para o tráfico privilegiado Veja-se que aqui trata-se de atos preparatórios
pressupõe que o sujeito não se dedique a para a fabricação da droga. Lembre-se que o
outras atividades criminosas, e na associação ato preparatório, em si, não é punível. No
para o tráfico o sujeito já se associa com a entanto, o ato preparatório pode ser tão grave
finalidade de praticar outros crimes. que a lei o transforma em crime autônomo. É o
caso, por exemplo, do porte ilegal de arma de
 Não se aplica a causa especial de
fogo.
diminuição de penado parágrafo 4º do art. 33
da Lei n. 11.343/2006 ao réu também
condenado pelo crime de associação para o
tráfico de drogas, tipificado no art. 35 da Crime de financiamento:
mesma Lei (STJ, HC 251.677/SP, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado Art. 36. Financiar ou custear a prática de
04/11/2014)
qualquer dos crimes previstos nos arts. 33,
O sujeito pode ser condenado pelo crime de
caput e § 1o, e 34 desta Lei:
associação para o tráfico de drogas sem
necessariamente ter praticado o crime de Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos,
tráfico propriamente dito. Pois, a expressão e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a
“para o fim de”, utilizada no art. 35 da Lei n.
4.000 (quatro mil) dias-multa.
11.343/2006, demonstra uma especial
finalidade do agir – então, ele tem a pretensão
de praticar outros crimes, mas não quer dizer

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Veja-se que a pena do crime de financiamento há a vontade de produzir a conduta, mas não
é mais gravosa que a pena do crime de tráfico há a vontade de produzir o resultado.
de drogas. A ideia do financiamento para o
tráfico mereceu uma reprovabilidade bastante Para que o crime seja considerado culposo, é
necessária expressa previsão em lei. É o caso
acentuada.
do art. 38 da Lei de Drogas.
Crime do colaborador:
Ressalte-se que a pena aqui é de detenção
(menos grave que a pena de reclusão).
Art. 37. Colaborar, como informante, com Ademais, perceba-se que temos uma infração
grupo, organização ou associação destinados de menor potencial ofensivo (crimes com pena
à prática de qualquer dos crimes previstos nos máxima até dois anos e contravenções
arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: penais), vez que a pena máxima é de dois
anos. Portanto, cabe a transação penal, nos
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e termos da Lei dos Juizados. Também cabe a
pagamento de 300 (trezentos) a 700 suspensão condicional do processo – o
(setecentos) dias-multa. SURSIS processual é cabível
independentemente de termos um crime de
É o caso do sujeito que é o informante, que menor potencial ofensivo ou não. No sursis, a
colabora com a atividade criminosa. pena mínima não ultrapassa a um ano. Como
no crime do art. 38 a pena mínima é de 6
Pergunta-se: o colaborador também pode ser meses, cabe a suspensão condicional do
punido pela associação criminosa? processo. Conclui-se, assim, que cabem, para
o crime do art. 38, os benefícios da Lei dos
Veja-se que o art. 35 trata de associação para Juizados, chamados pela doutrina de institutos
a prática dos crimes previstos nos artigos 33, despenalizadoras, que consagram a jurisdição
caput e §1º, e 34 da Lei de Drogas. Logo, o penal consensual.
colaborador não pode ser condenado pela
Tem-se no art. 38 os verbos: prescrever ou
associação criminosa.
ministrar. Temos um crime próprio – aquele
que exige uma qualidade especial do agente.
Art. 38. Prescrever ou ministrar, O crime só pode ser praticado por quem pode
culposamente, drogas, sem que delas prescrever ou ministrar medicamentos, isto é,
necessite o paciente, ou fazê-lo em doses profissionais da área de saúde.
excessivas ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar: Vale lembrar que no art. 33, caput, também há
os verbos “prescrever” ou “ministrar”. A
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) doutrina tem entendido que as condutas de
anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 prescrever ou ministrar dispostas no art. 33
(duzentos) dias-multa. também só podem ser praticadas por
profissionais de saúde. A diferença é que lá a
Parágrafo único. O juiz comunicará a conduta é praticada de forma dolosa.
condenação ao Conselho Federal da categoria
profissional a que pertença o agente. Se havia alguma dúvida de que a conduta
prescrita no art. 38 só poderia ser praticada por
O art. 38 traz uma conduta culposa. profissional de saúde, essa dúvida foi dirimida
no parágrafo único, que dispõe: O juiz
O dolo é o elemento subjetivo por excelência. comunicará a condenação ao Conselho
A culpa é o elemento subjetivo por exceção. Federal da categoria profissional a que
No dolo há a vontade de produzir a conduta e pertença o agente.
vontade de produzir o resultado. Já na culpa,
AULA 2.3

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- Crime de perigo abstrato – a conduta é


praticada e a lei presume que o bem jurídico
Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave foi exposto a perigo.
após o consumo de drogas, expondo a dano
potencial a incolumidade de outrem: No crime de trânsito brasileiro há uma
presunção legal de que há o dano potencial à
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) incolumidade de outrem (crime de perigo
anos, além da apreensão do veículo, cassação abstrato). Entretanto, no crime do art. 39 da Lei
da habilitação respectiva ou proibição de obtê-
de Drogas, há um crime de perigo concreto:
la, pelo mesmo prazo da pena privativa de
liberdade aplicada, e pagamento de 200 não basta conduzir a embarcação sob o efeito
(duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa. da droga, é necessário que haja efetivamente
a exposição da incolumidade de outrem a um
Parágrafo único. As penas de prisão e multa, perigo concreto, real, efetivo.
aplicadas cumulativamente com as demais,
serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 OBS: pena de detenção e não reclusão. Não é
(quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, um crime de menor potencial ofensivo (pena
se o veículo referido no caput deste artigo for máxima acima de 2 anos). Cabe, todavia, a
de transporte coletivo de passageiros. suspensão condicional do processo (pena
mínima inferior a 1 ano).

Análise do art. 40 da Lei de Drogas:


Aqui, talvez, tenhamos um crime federal. A
Constituição Federal diz que uma das
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37
hipóteses de competência da Justiça Federal desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
diz respeito à prática do crime a bordo de terços, se:
navios ou aeronaves. Veja que a CF não fala
em embarcações ou aeronaves, mas navios OBS.: algumas hipóteses de causa de
ou aeronaves. Assim, para que seja crime aumento de pena são incompatíveis com
federal, o crime não pode ser praticado em alguns crimes.
qualquer embarcação, tem que ser um navio,
Veja-se que nada obsta que se tenha ao
embarcação de grande porte.
mesmo tempo a causa de diminuição do art.
“Expondo a dano potencial a incolumidade de 33, §4º com a causa de aumento do art. 40.
outrem” - diferente do Código de Trânsito
I - a natureza, a procedência da substância ou
Brasileiro, quando se fala na ingestão de do produto apreendido e as circunstâncias do
bebida alcóolica e direção de veículo fato evidenciarem a transnacionalidade do
automotor – lá temos um crime de perigo delito;
abstrato.
A Lei de Drogas antiga falava em tráfico
Classificação dos crimes quanto ao internacional. Mudou-se a expressão para
resultado jurídico: “transnacional”. A doutrina majoritária entende
que a ideia de transnacionalidade diverge da
- Crime de dano – há lesão ao bem jurídico ideia de internacionalidade, pois internacional
é quando sai de um país e vai para outro; já o
- Crime de perigo concreto – há a exposição transnacional basta sair do país. O só fato de
do bem jurídico a um perigo concreto, real, sair do país já teria o caráter transnacional.
efetivo
Precedente antigo do STJ: sujeito trouxe
cloreto de etila (lança perfume) da Argentina;

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na época o STJ entendeu que não era tráfico, O STF analisou um habeas corpus que foi
porque o cloreto de etila não era considerado impetrado por um sujeito que era capitão da
droga na Argentina. Como a lei antiga tratava Força Aérea Brasileira, e utilizava os aviões da
de tráfico internacional, não se podia dizer que FAB para praticar o tráfico – ele se vale da
houve tráfico, mas sim contrabando, pois o função pública para praticar o crime de tráfico.
cloreto de etila não era considerado droga no
país de origem. Contrabando é importar ou III - a infração tiver sido cometida nas
exportar mercadoria proibida desde que não dependências ou imediações de
constitua crime mais específico. estabelecimentos prisionais, de ensino ou
hospitalares, de sedes de entidades
Com o advento da Lei de Drogas atual não se estudantis, sociais, culturais, recreativas,
pode dizer qual será o entendimento do STJ, esportivas, ou beneficentes, de locais de
pois agora fala-se de tráfico transnacional. trabalho coletivo, de recintos onde se realizem
Então, o só fato de a droga ter ingressado no espetáculos ou diversões de qualquer
Brasil já consumaria o tráfico transnacional. De natureza, de serviços de tratamento de
igual sorte, se a droga sai do Brasil e é dependentes de drogas ou de reinserção
apreendida em alto mar, já haveria a social, de unidades militares ou policiais ou em
consumação do tráfico transnacional. transportes públicos;

O tráfico transnacional é crime de competência A gama de localidades que dá ensejo à causa


da Justiça Federal (o tráfico interestadual não de aumento de pena é bastante considerável.
é de competência da Justiça Federal. A Polícia
Federal pode investigar o tráfico interestadual, IV - o crime tiver sido praticado com violência,
mas não se trata de crime federal). grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou
qualquer processo de intimidação difusa ou
A Lei de Drogas atual acabou com a única coletiva;
hipótese que existia de a Justiça Estadual
exercer jurisdição federal por delegação no O tráfico de drogas em si não tem como
processo penal. A Lei de Drogas antiga dizia elementar do tipo o empregado da violência ou
que o tráfico internacional era de competência grave ameaça, mas sendo o tráfico perpetrado
federal, mas, se em determinada localidade com o emprego da violência ou grave ameaça,
não houvesse sede de Justiça Federal, o juiz haverá a causa de aumento de pena. Deve-se
estadual poderia julgar (o recurso, todavia, era ter em vista que se o emprego da violência ou
direcionado ao TRF). Com a nova Lei de grave ameaça consistir em crime autônomo,
Drogas, não há mais a possibilidade de o juiz não incidirá a causa de aumento de pena, vez
estadual exercer jurisdição federal por que senão haveria o bis in idem (punir o
delegação, no Processo Penal. mesmo fato mais de uma vez).

Para que se tenha a competência federal, não V - caracterizado o tráfico entre Estados da
é necessário que a transnacionalidade se Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
consume. Logo, se o sujeito é preso no
aeroporto, embarcando para outro país, já é Causa de aumento de pena para a
competência da Justiça Federal. Basta a interestadualidade (competência da Justiça
pretensão de transnacionalidade. O tráfico já Estadual).
está consumado; a transnacionalidade ainda
não está consumada, mas a competência já é VI - sua prática envolver ou visar a atingir
da Justiça Federal. criança ou adolescente ou a quem tenha, por
qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se capacidade de entendimento e determinação;
de função pública ou no desempenho de
missão de educação, poder familiar, guarda ou A conduta aqui é de maior reprovabilidade.
vigilância;

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VII - o agente financiar ou custear a prática do liberdade provisória, vedada a conversão de


crime. suas penas em restritivas de direitos.

Este inciso é o mais controverso na doutrina, Parágrafo único. Nos crimes previstos no
vez que parece ter havido um erro do caput deste artigo, dar-se-á o livramento
legislativo. condicional após o cumprimento de dois terços
da pena, vedada sua concessão ao reincidente
Perceba-se que o art. 36 já trata do crime de específico.
financiamento de determinados crimes. Não se
pode condenar o financiador pelo art. 36 e pela OBS.: Para o tráfico não cabe a liberdade
causa de aumento de pena. provisória mediante a fiança e não cabe a
liberdade provisória sem a fiança. Ocorre,
No art. 36 tem-se o crime de financiamento do todavia, que esta última parte (obtenção da
tráfico de drogas, da conduta equiparada ao
liberdade provisória sem a fiança) já foi
tráfico ou do maquinário. A única alternativa
para se entender o dispositivo VII é pensar que declarada inconstitucional pelo STF. Também
se o sujeito financia ou custeia a prática do foi declarada inconstitucional a vedação da
crime do art. 33, caput, §1º ou do art. 34, ele conversão das penas em restritivas de direitos.
responde pelo art. 36. Mas se ele financiar ou
custear algum outro crime, incide a causa de
aumento de pena.

 As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta


Lei são aumentadas de um sexto a dois terços PARTE PROCEDIMENTAL
– como é que o juiz vai dosar a pena? A
doutrina tem utilizado o seguinte critério: Fase de Investigação Criminal – Fase
quantidade das causas de aumento. Quanto preliminar
maior a causa de aumento, mais próxima a
pena fica dos dois terços. Instituto do agente infiltrado – a Lei antiga de
Drogas já previa esse instituto. Trata-se do
AULA 2.4 policial que vai se infiltrar em uma organização
criminosa envolvida com o tráfico de drogas. O
agente infiltrado vai precisar praticar crimes –
o que torna o instituto bastante polêmico.
Art. 42. O juiz, na fixação das penas,
considerará, com preponderância sobre o Instituto da ação controlada – é o que a
previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza doutrina chamada de flagrante prorrogado ou
e a quantidade da substância ou do produto, a flagrante postergado, diferido. É a hipótese em
personalidade e a conduta social do agente. que se permite ao policial abster-se de
flagrantear para flagrantear no dia seguinte
Na aplicação da pena, a primeira fase é aquela
(veja-se que para o policial o flagrante é
em que o juiz analisa as circunstâncias
obrigatório, art. 301 do CPP) – às vezes
judiciais do art. 59 do CP. O art. 42 enuncia
prender em flagrante frustra um flagrante
que o juiz tem de dar preponderância à
futuro mais interessante.
quantidade e à natureza da droga e também à
personalidade do agente e à sua conduta Os dois institutos dependem de autorização
social. judicial.

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput Nos crimes relacionados à lei de drogas, é
e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e imprescindível o laudo de constatação da
insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e

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droga. Na investigação criminal, há o laudo de


constatação preliminar. O juiz, ouvindo o MP,
pode determinar a destruição da droga,
deixando um pedaço da droga para realizar o
laudo de constatação definitivo – contraprova.

O mesmo perito que realizou o laudo de


constatação preliminar pode realizar o laudo
de constatação definitivo (não fica suspeito ou
impedido).

Fase de processo

A Lei de Drogas trata de um dos poucos


procedimentos em que o denunciado tem o
direito de se manifestar antes de o juiz decidir
se recebe a denúncia. O juiz determina a
notificação do réu (não a citação – não há,
ainda, a triangularização processual) para que
ele apresente uma defesa preliminar e,
somente depois o juiz vai decidir se recebe a
denúncia.

Ordem de oitivas: pela Lei de Drogas, é


necessário primeiro o interrogatório (oitiva do
réu) e depois a oitiva das testemunhas. O CPP
também era assim até 2008. Ocorre, todavia,
que em 2008 o CPP mudou, e agora o último
ato da instrução é o interrogatório. Essa
mudança procedimental ocorreu para dilatar o
direito de defesa do réu. O réu só irá falar
depois de saber de toda a prova que foi
produzida contra ele. Por isso, o STF começou
a decidir que esse novo procedimento passou
a valer para as leis especiais (Código Eleitoral,
Lei n. 8.038/90). Em 2014, o STF entendeu
que, por ser especial em relação à lei geral,
vale o que está na lei de drogas. A doutrina
destoa do entendimento do STF. O tema ainda
está em aberto, vez que foi um precedente do
STF, não estando ainda o tema pacificado.

As testemunhas serão no número de 5 na Lei


de Drogas.

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