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Paulo Ferracioli

Regulação do
Comércio
Internacional

BNDES
REGULAÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL

1. DO GATT À OMC: A EVOLUÇÃO DAS REGRAS

Neste texto apresenta-se o processo, iniciado após o final da Segunda Guerra Mundial,
de estabelecimento dos princípios, regras e regulamentos que regulam o comércio
internacional, observando-se que este regime internacional vem sendo continuamente
alterado em função das mudanças que ocorreram nas práticas comerciais ao longo do
tempo. Com este objetivo, inicia-se apresentando sua fase inicial e a evolução ocorrida
até o final da Rodada Uruguai, em 1994. A seguir, apresenta-se a OMC – Organização
Mundial do Comércio, que iniciou suas atividades em 1995 e tornou-se o centro das
discussões e negociações sobre o tema, e algumas das características das novas
regras estabelecidas. Finalmente, por ser um essencial ao bom funcionamento do
regime, apresenta-se, em linhas gerais, o sistema de solução de controvérsias criado
no âmbito da OMC.

A FASE INICIAL DO GATT

Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos eram o único país


desenvolvido em que a indústria não havia sofrido qualquer tipo de destruição por conta
do conflito, devendo-se apenas realizar sua reconversão para que fosse possível torná-
lo fornecedor dos produtos requeridos em tempos de paz. A situação era
completamente diferente em grande parte da Europa e da Ásia, onde o parque
produtivo estava em condições muito precárias devido aos bombardeios a que haviam
sido submetidos. Isto criava uma situação privilegiada para os EUA, pois eles estavam
em plenas condições de exportarem bens industriais para os demais países, inclusive
as máquinas e os equipamentos necessários à reconstrução de suas fábricas.

Nos Estados Unidos, preponderava o entendimento de que os problemas econômicos


da década de 30, para os quais teriam contribuído as restrições ao comércio
internacional e a instabilidade monetária, estariam entre os fatores mais importantes
para explicar a deflagração do conflito. Requeria-se, portanto, a instalação de uma nova
ordem econômica mundial em que aqueles problemas não fossem replicados, voltando
a ameaçar a paz. Os EUA eram, naquele momento, tanto a maior potência econômica
quanto a maior potência militar, único país a possuir bombas atômicas. Nesta condição,
assumiram o papel de lideres do
processo de formação de uma nova ordem econômica, o que contribuiria para
consolidar sua posição hegemônica diante dos demais países.

Ainda antes do término das hostilidades, representantes de 44 países reuniram-se


na Conferência de Bretton Woods, em 1944, que resultou na criação do Fundo
Monetário Internacional - FMI e do Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento - BIRD, conhecido como Banco Mundial. Na ocasião foi discutida

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a criação de uma terceira organização internacional, a Organização Internacional do
Comércio - OIC, destinada a tratar, dentre outras coisas, das relações comerciais entre
os países, com base em princípios de livre comércio e multilaterais.

A criação do FMI e o estabelecimento de um padrão monetário com taxas de câmbio


baseavam-se na crença de que taxas de câmbio flutuantes seriam um fator de
instabilidade na economia internacional. Os países comprometeram-se a manter taxas
de câmbio fixas em relação ao ouro, sendo que o dólar seria, desde o início, uma
moeda com conversibilidade garantida, Desta forma, o dólar e o ouro
seriam os lastros deste novo sistema, o que atribuía um novo papel de grande
relevância para a moeda americana. O Fundo deveria prestar assistência aos países
com problemas de balanço de pagamentos, a fim de que não recorressem às restrições
ao comércio cada vez que surgisse algum desequilíbrio nesse balanço.

A criação do Banco Mundial tinha por objetivo criar uma instituição financeira
internacional capaz de financiar a reconstrução da economia dos países destruídos
pela guerra. Desde o início, a governança, tanto do FMI quanto do BIRD, foi desenhada
de tal forma que o poder decisório concentrava-se nos países desenvolvidos,
principalmente nos Estados Unidos.

A Organização Internacional do Comércio - OIC complementaria o conjunto de


instituições desta nova ordem econômica internacional. À OIC caberia a construção de
um sistema de comércio mundial, que teria suas regras definidas tendo como objetivo
facilitar o funcionamento das forças do mercado e reduzir as restrições existentes ao
comércio internacional. No discurso fundador da OIC, a necessidade da expansão do
comércio internacional era diretamente relacionada aos temas do emprego e do
desenvolvimento econômico.

No início de 1946, na primeira reunião do Conselho Econômico e Social da ONU,


decidiu-se realizar uma Conferência sobre o Comércio e o Emprego, a se realizar em
Havana. Em 1947, em Genebra, promoveram-se reuniões com o objetivo de preparar
uma proposta de carta para a OIC e, paralelamente, de negociar um acordo geral de
redução multilateral de tarifas com o estabelecimento de regras gerais para o comércio
internacional. Em novembro de 1947, iniciou-se, em Havana, a conferência para discutir
o comércio e o emprego, a qual se encerrou em março de 1948 com a aprovação, pelos
53 membros presentes, da Carta de Havana. Na Carta constava a criação da OIC, o
que, contudo, não viria a se concretizar, pois os Estados Unidos, que estavam na
origem da proposta, não viriam a ratificar o documento.

As reuniões realizadas em Genebra em 1947 voltadas à negociações sobre reduções


tarifárias resultaram no Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT), assinado antes
da Conferência que seria realizada em Havana. Ao GATT, que entraria em vigor em
1948, aderiram vinte e três países, dez dos quais considerados países em
desenvolvimento, dentre os quais o Brasil. Neste “Acordo Geral” prévio, ficou
estabelecido no Artigo XXIX que, quando a Carta de Havana entrasse em vigor, a
aplicação de sua Parte II, que tratava dos aspectos mais substanciais da gestão do
comércio internacional, seria suspensa.

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Como a criação da OIC veio a fracassar, o GATT continuou em vigor, ainda que não
viesse a se constituir, formalmente, em um organismo internacional, mantendo-se
apenas como um acordo até o estabelecimento, em 1995, da Organização Mundial do
Comércio. É interessante observar que o GATT, comparativamente o mais frágil dos
instrumentos criados ao se estabelecer a nova
ordem econômica internacional do pós-Segunda Guerra Mundial, tornar-se-ia, com
o passar dos anos, extremamente bem sucedido.

Muitas das prescrições do GATT original mantêm-se vigentes até hoje. O acordo
iniciava-se com a cláusula da nação mais favorecida que estipula que o comércio
internacional deve ser conduzido em bases não discriminatórias. Ou seja, um país não
pode conceder a outro tratamento privilegiado em relação aos demais, salvo as
exceções previstas no próprio Acordo, como, por exemplo, a do Artigo XXIV, que trata
de integração regional. Assim, por força da atuação desse princípio, um benefício ou
tratamento preferencial concedido a um país deverá ser estendido a todos os demais.

Seguem-se os dispositivos que regulam as listas de concessões que apresentam os


compromissos assumidos por cada país em relação aos demais. Nestas obrigações
constam as tarifas máximas a serem aplicadas para os diferentes produtos, as
chamadas “tarifas consolidadas”. As tarifas aplicadas por qualquer país não poderiam
ser superiores às consolidadas nas listas de concessões, pois isto significaria uma
“perfuração da tarifa”.

Entre as normas gerais, destaca-se a chamada de tratamento nacional. Por esta norma,
os signatários do GATT acordaram que os impostos internos e outros encargos, as leis,
regulamentações e requerimentos aplicáveis às vendas internas não podem ser
aplicadas diferentemente aos produtos fabricados internamente do que são aos
produtos importados. Destaca-se, ainda, a norma da transparência, que obriga a
publicação de todos os regulamentos relacionados ao comércio. Constavam, ainda, do
acordo as chamadas cláusulas de escape, medidas de exceção acordadas pelas partes
contratantes que resguardariam os interesses domésticos no curso de processos de
liberalização. Exemplos de medidas de exceção são encontrados no Artigo XIX do
Acordo Geral, que permite a adoção de
salvaguardas para as concessões tarifárias outorgadas no âmbito do GATT e no Artigo
XII, que autoriza a imposição de restrições às importações em razão de desequilíbrios
no balanço de pagamentos. As medidas antidumping, de que trata o Artigo VI, também
podem ser consideradas medidas de exceção, uma vez que sua aplicação é
discricionária, incidindo exclusivamente sobre as importações originárias de certos
países, indo de encontro ao princípio da nação mais favorecida.

O “Protocolo de Aplicação Provisória do Acordo Geral”, assinado em 30 de outubro de


1947, previa que as normas da Parte II do acordo somente seriam aplicáveis se não
contrariassem as legislações nacionais em vigor nas partes contratantes, prerrogativa
essa que ficou conhecida como Grandfather Clause.

Como exemplo de sua aplicação, os Estados Unidos da América puderam manter sua
legislação sobre as medidas antidumping que conflitava com o que fora estipulado no

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GATT. Essa cláusula somente foi extinta com a criação da OMC. Após pouco mais de
uma década de sua entrada em vigor, as avaliações do GATT realizadas pelos países
em desenvolvimento começaram a demonstrar sua
grande frustração com os resultados obtidos. A convocação e realização da UNCTAD –
United Nations Conference on Trade and Development, em 1964, e a criação do Grupo
dos 77 viabilizaram tornar explícito que o Acordo Geral era um instrumento que
regulava o comércio internacional sem levar em consideração a questão do
desenvolvimento, beneficiando apenas os países que já eram os mais ricos. Iniciou-se,
então, um forte movimento político exigindo mudanças no Acordo, conseguindo-se,
paulatinamente, introduzir algumas cláusulas que permitiam a concessão de algum
tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento.

Um destes resultados foi o surgimento dos SGPs, os Sistemas Gerais de Preferências,


conceito concebido no âmbito da UNCTAD, cujo secretário-geral era
Raul Prebisch, ex- secretário-geral da Comissão Econômica para a América Latina
– CEPAL. Por este mecanismo, os países desenvolvidos poderiam conceder acesso
privilegiado aos seus mercados pelos países em desenvolvimento por meio de
preferências tarifárias a certos produtos. Na fase inicial, tais preferências
eram concedidas como um waiver às obrigações do Acordo Geral.

O tratamento diferenciado e mais favorável aos países em desenvolvimento, do qual o


SGP é um exemplo, somente foi autorizado de forma permanente em 1979,
quando foi introduzida, no âmbito do GATT, a chamada “cláusula de habilitação”.
Os países desenvolvidos não deveriam mais esperar que, durante as negociações,
houvesse reciprocidade nas reduções de tarifas e em outras concessões por parte dos
países em desenvolvimento. Contudo, ficou estabelecido que os países em
desenvolvimento deveriam paulatinamente assumir suas obrigações quando fosse
constatado avanços em suas economias.

Ao longo de sua história, o GATT promove oito “rodadas de negociações multilaterais”.


Nestas rodadas, onde o tema central e mais relevante era redução
tarifária, e nas reuniões ordinárias das partes-contratantes do Acordo outros assuntos
surgiam e tomavam–se decisões que buscavam aprimorar as regras estabelecidas.
Assim, os dispositivos do Acordo foram sendo atualizados e seu alcance foi ampliado.
Até a criação da OMC, em 1995, o GATT se constituiu, praticamente, na única fonte de
regras para o comércio internacional, tendo sido, também, o principal foro para
negociações e solução de conflitos nesse setor.

As cinco primeiras rodadas de negociações (Genebra, 1947; Annecy, 1949; Torquay,


1950-1951; Genebra, 1955-1956; e Dillon, 1960-1961) trataram, quase que
exclusivamente, de reduções tarifárias. De um modo geral, esse período é
caracterizado como de relativo sucesso no processo de liberalização, tendo sido
desmanteladas várias barreiras originárias da década de trinta, bem como reduzidas as
tarifas incidentes sobre produtos industrializados comercializados pelos países
desenvolvidos. No contexto dos programas de reconstrução das economias atingidas
pela 2a Guerra Mundial e da evolução subseqüente das principais economias, o GATT
teve relevante papel como facilitador da expansão do comércio internacional.

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A sexta rodada de negociações, realizada entre 1964 e 1967, recebeu o nome “Rodada
Kennedy” em homenagem ao presidente americano assassinado antes de seu início. A
novidade foi o novo papel nas negociações da Comunidade Européia, sendo que os
países que dela participavam atuaram, pela primeira vez,
em conjunto. Este novo “negociador” tinha mais condições de enfrentar o poder norte-
americano, até então muito superior a todos os demais países que participavam das
rodadas. Entre seus resultados, destacam-se uma redução em 35% da tarifa média
incidente sobre produtos industrializados, a conclusão do primeiro Acordo Antidumping
e, após as fortes pressões políticas dos países em desenvolvimento, a introdução de
uma Parte IV no acordo, tratando da relação entre comércio e desenvolvimento.

Ao iniciar-se a Rodada Tóquio (1973-1979), já havia um razoável consenso de que o


tratamento das barreiras não tarifárias não poderia mais ser postergado. Assim, esta
rodada é a primeira tentativa de realmente introduzir mudanças no sistema de
regulação do comércio internacional, buscando incluir temas como, por exemplo, as
barreiras técnicas e a aplicação de medidas antidumping. É necessário ressaltar que a
rodada ocorre em um período de grandes transformações na economia mundial. Dentre
elas, devem ser citadas o crescimento da importância do Japão e da Comunidade
Européia e o surgimento, na arena do comércio internacional, dos NICs, os Newly
Industrialized Countries, dentre os quais se encontrava o Brasil.

Adicionalmente, duas grandes crises marcam o período: o fim do sistema de taxas fixas
de câmbio criado em Bretton Woods, que vigorava desde o pós-guerra, e as crises do
preço do petróleo. No novo sistema monetário, a competitividade das empresas podia
ser profundamente alterada por variações da taxa de câmbio, independentemente de
qualquer movimento de elevação ou de redução de sua
produtividade. A elevação dos preços do petróleo passou a exigir grandes volumes de
divisas dos países que dependiam de sua importação, o que resultou em um aumento
do endividamento externo de vários países em desenvolvimento. A perda de
competitividade das empresas dos Estados Unidos as levou a exigir de seu governo
que pressionasse seus parceiros comerciais mais relevantes, principalmente o Japão,
para realizarem acordos de “restrição voluntária às exportações”, protegendo assim as
empresas norte-americanas.

Ainda que a Rodada Tóquio seja hoje avaliada como a que marcou a primeira
transformação mais forte do sistema multilateral de comércio, seus resultados
frustraram enormemente os países em desenvolvimento ao não introduzir os produtos
agrícolas e os têxteis nas disciplinas aplicadas à maioria dos produtos industriais.
Fracassou também ao não avançar no tratamento de salvaguardas, o
que poderia ter reduzido as práticas nada transparentes dos acordos de restrição
voluntárias a exportações.

Houve, porém, resultados muito importantes na rodada, destacando-se a elaboração de


códigos que visavam a regular os procedimentos relativos a diversas barreiras não
tarifárias, como, por exemplo, o Código de Normas sobre as barreiras técnicas, o de
Valoração Aduaneira, o de Licenciamento das Importações, o de Compras
Governamentais, o de Subsídios e Medidas Compensatórias e uma nova versão do

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Código Antidumping. Esses códigos, entretanto, somente seriam aplicados aos países
que os subscrevessem, num rompimento importante com a cláusula da nação mais
favorecida, o que provocou
preocupações e discussões sobre o destino do sistema. Nesta fase, falava-se dos
riscos de um “GATT à la carte”.

Ao final da Rodada Tóquio, o Brasil aderiu aos Acordos Antidumping, de Subsídios e


Medidas Compensatórias, sobre Barreiras Técnicas e de Valoração Aduaneira.
Entretanto, os acordos referentes a antidumping e subsídios somente viriam a ser
incorporados ao ordenamento jurídico nacional em 1986. Na década de 80, a política de
comércio exterior do Brasil ainda adotava uma série de legislações e regulamentações
com objetivos protecionistas, destacando-se dentre elas a “pauta de valor mínimo” e o
“preço de referência”. A “pauta do valor mínimo” fora introduzida pela Lei de Tarifas de
1957 e permitia que, para que calculassem o Imposto de Importação devido, as
autoridades estipulassem, unilateralmente, o preço das mercadorias importadas. Já o
“preço de referência” concedia direitos semelhantes, aplicáveis em casos que fossem
constatadas disparidades nos preços de importação de mercadorias originárias de
países diferentes.

Ao aderir ao Acordo de Valoração Aduaneira da Rodada Tóquio, o Brasil comprometeu-


se a extinguir estes mecanismos, o que efetivamente fez em julho
de 1988. Em contrapartida, o país implementou os Acordos Antidumping e de Subsídios
e Medidas Compensatórias, designando a Comissão de Política Aduaneira - CPA, do
Ministério da Fazenda, como o órgão responsável pela aplicação destes Acordos.

As atividades referentes ao Acordo sobre Barreiras Técnicas foram atribuídas, logo em


1983, ao Inmetro. No mesmo ano, técnicos do Instituto participaram de um treinamento,
promovido pelo GATT em Genebra, e iniciaram a implantação de um Comitê de
Coordenação sobre Barreiras Técnicas ao Comércio no Brasil. Iniciaram-se, então, as
atividades voltadas defender os exportadores brasileiros das medidas protecionistas de
outros países que eram aplicadas sob o disfarce de
serem exigências técnicas.

Na economia internacional, a década de 80 marcaria novas e significativas alterações.


No início da década, a valorização da moeda norte-americana diminuiu
a competitividade das empresas dos EUA levando-as a solicitar medidas protecionistas
de seu governo. Dentre elas, aumentaram as pressões para que fossem promovidos
novos acordos de “restrições voluntárias às exportações”, que, embora não
expressamente proibidas pelo GATT, eram consideradas na zona cinzenta.

Do ponto de vista dos países mais desenvolvidos, temas como a propriedade


intelectual, o comércio de serviços e os investimentos externos diretos passam a ser
centrais para a expansão de suas economias. Por outro lado, os países em
desenvolvimento, enredados na crise da dívida externa, entendiam que sua superação
exigiria maiores exportações, o que somente seria possível se os países desenvolvidos
lhes concedessem maior acesso aos seus mercados, particularmente em produtos nos
quais eram mais competitivos como têxteis e agropecuários.

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Este conjunto de situações fez com que, já em 1982, surgissem as primeiras propostas
para que fosse iniciada uma nova rodada de negociações multilaterais, propostas estas
que resultariam no lançamento da Rodada Uruguai. Esta, contudo, teria início apenas
em 1986, quando se conseguiu um acordo sobre a pauta das negociações.
Inicialmente, as discussões sobre a pauta, ou seja, sobre o “mandato negociador”,
foram enormes e havia muitas divergências. Os países desenvolvidos desejavam incluir
na pauta essencialmente as negociações sobre temas que passaram a ser de interesse
direto de suas empresas como serviços, investimentos e propriedade intelectual
enquanto os países em desenvolvimento pretendiam centrar a nova rodada na
discussão sobre como aplicar as disciplinas do GATT aos produtos agrícolas e aos
têxteis.

As negociações da Rodada Uruguai foram difíceis e exigiram oito anos para seu
encerramento, ocorrido somente em 1994. O velho Acordo de 1947 foi substituído por
um conjunto de regras muito mais abrangente, aplicável a um conjunto ampliado de
produtos e que seriam administrados por uma nova organização internacional. Este
será o tema dos dois próximos itens.

2. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E AS NOVAS


REGRAS
As negociações da rodada só se encerraram em 25 de abril de 1994, em Marraqueche,
quando foi assinado “The Final Act Embodying the Results of the Uruguay Round of
Multilateral Trade Negotiations” que contém o conjunto de textos dos Acordos, das
Decisões Ministeriais e de Declarações resultantes das negociações que se iniciaram
em Punta del Leste, em setembro de 1986.

No Brasil, os acordos foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro pelo


Decreto Legislativo nº. 30, de 15 de dezembro de 1994, que aprovou a “Ata Final da
Rodada Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT” e as listas de concessões na
área tarifária e no setor de serviços, além do acordo plurilateral sobre carne bovina. O
Decreto nº. 1.355, de 30 de dezembro de 1994, promulgou a Ata, que entrou em vigor
em 1º de janeiro de 1995. Ou seja, estes acordos possuem, no Brasil, força de lei.

Dentre os resultados da Rodada Uruguai, destaca-se a criação da Organização Mundial


do Comércio (OMC) que passaria a administrar um mecanismo de solução de
controvérsias muito mais eficaz que o anteriormente existente. Adicionalmente, de
grande relevância, deve-se citar que os setores agrícola e têxtil foram, finalmente,
incorporados à disciplina do GATT, ainda que com exceções, negociaram-se acordos
relativos aos chamados “novos temas” (serviços, propriedade intelectual e
investimentos), foram revistos todos os acordos resultantes da Rodada Tóquio e foram
concluídos novos acordos específicos como o referente a salvaguardas e a medidas
sanitárias e fitossanitárias.

Por outro lado, apesar de propostas existentes, as negociações da Rodada Uruguai,


não estabeleceram regras específicas relacionadas a regulamentações trabalhistas e

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de controle do meio-ambiente. A inclusão de regras sobre estes temas sofreu oposição
dos países em desenvolvimento, dentre os quais se incluía
o Brasil, que temiam que estas regras resultassem em novas barreiras não-tarifárias
impostas às suas exportações. A seguir, apresentam-se alguns aspectos
do conjunto de acordos resultantes da rodada.

O “Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio”, também conhecido


como Acordo de Marraqueche, completou o tripé da institucionalidade concebida em
Bretton Woods. O acordo retoma o conceito do single undertanking: ao estabelecer que
os países não possam escolher os acordos que subscreverão ao se tornarem membros
da OMC, devendo aderir ao sistema como um todo. A OMC é uma organização
internacional, com personalidade jurídica própria e que detém privilégios e imunidades
diplomáticas análogos aos organismos especializados das Nações Unidas, diferente do
GATT, apenas um tratado internacional.

O órgão máximo na governança da OMC é a Conferência Ministerial que se reúne a


cada dois anos. O dia-a dia da organização é dirigido pelo Conselho Geral, composto
por todos os países membros, que, dependendo de convocação específica, atua
também como Órgão de Solução de Controvérsias, tema tratado no próximo item deste
texto, e como Órgão de Revisão de Política Comercial, responsável pelo mecanismo
que busca dar transparência às políticas comerciais de todos os membros da OMC. A
fim de auxiliar o Conselho Geral, foram criados três conselhos, para bens, serviços e
propriedade intelectual, que têm como função supervisionar a aplicação e o
funcionamento dos respectivos acordos.

Adicionalmente, funcionam Comitês para temas específicos como o Comitê sobre


Comércio e Meio Ambiente e o Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento. O Acordo
que estabeleceu a OMC estipulou como suas funções básicas facilitar a implantação
dos acordos e instrumentos jurídicos negociados no âmbito da Rodada Uruguai; servir
de foro para negociações entre os membros relacionadas ao comércio; administrar o
Entendimento sobre Solução de Controvérsias e administrar o Mecanismo de Exame
das Políticas Comerciais.

Paralelamente, a OMC deve cooperar com o FMI e o Banco Mundial, a fim de que seja
obtida maior coerência na elaboração das políticas econômicas em escala mundial. O
conjunto de regras multilaterais estipuladas pelas negociações e que, atualmente,
regulam comércio internacional estão contidas nos seguintes acordos ou grupos de
acordos:

a) Comércio de Bens: Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio 1994 – GATT 94 e o


conjunto de acordos que tratam diretamente do comércio de bens;
b) Comércio de Serviços: Acordo Geral Sobre o Comércio de Serviços – GATS;
c) Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio – TRIPS;
d) Entendimento Relativo a Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Solução de
Controvérsias; e
e) Mecanismo de Revisão de Política Comercial

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Quanto aos serviços, o “Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços”, GATS na sigla
inglesa, procurou estabelecer um quadro referência de princípios e regras para o
comércio internacional de serviços visando sua expansão e sua contínua liberalização.
O tratamento baseado na “cláusula da nação mais favorecida” e a obrigação de
transparência tornaram-se obrigatórios para todas as medidas que afetem o comércio
de serviços. Contudo, o acesso a mercados e a aplicação do tratamento nacional
dependem das listas de compromissos específicos assinados por cada membro para
cada setor.

O acordo classificou os serviços em quatro modos diferentes de prestação:


- prestações transfronteiras (cross border supply): serviços de transporte, os
transmitidos por redes de telecomunicações, projetos de engenharia etc.
- consumo no exterior (consumption abroad): serviços médicos, turismo etc.
- presença comercial (commercial presence): subsidiárias de bancos ou seguradoras,
agências de publicidade etc.
- presença de pessoas físicas (presence of natural persons): consultores, jogadores etc.

No GATS prevê-se a liberalização progressiva do comércio internacional de serviços, a


ser alcançada a partir de sucessivas rodadas de negociações. Este processo,
explicitamente progressivo, deverá levar em conta os objetivos das políticas nacionais e
os diferentes níveis de desenvolvimento de cada membro.

A propriedade intelectual foi objeto do “Acordo sobre Aspectos dos Direitos da


Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio” (Agreement on Trade-Related
Aspects of Intelectual Property Rights), TRIPS na sigla inglesa. Ele estabelece as
regras que cada membro deve oferecer para a proteção da propriedade intelectual
de pessoas físicas ou jurídicas dos demais membros. São cobertas as áreas de:
direitos do autor, marcas, patentes, indicações geográficas, desenho industrial,
topografia de circuitos integrados, informações comerciais confidenciais e controle de
práticas anti-concorrenciais em licenças contratuais.

O Acordo TRIPS estabeleceu padrões mínimos de proteção que as legislações


nacionais devem garantir e os procedimentos e recursos que cada membro deve prover
para garantir os direitos de propriedade intelectual. O Acordo tomou por base as várias
convenções internacionais sobre os direitos de propriedade intelectual, incorporando
vários de seus dispositivos.

O Mecanismo de Revisão de Política Comercial estabeleceu uma metodologia de


exame contínuo das políticas comerciais dos diferentes países. O objetivo foi tornar
transparentes as práticas de cada país, viabilizando que se verifique seu grau de
adesão às disciplinas estabelecidas nos acordos. A periodicidade do exame é
determinada pela participação de cada país no comércio internacional.

Os relatórios das revisões, encontráveis no sítio da OMC, são excelentes fontes de


informações sobre os países, tanto sobre seus aspectos econômicos mais gerais,
quanto sobre a regulamentação aplicável ao comércio exterior de cada um deles.

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Muitas vezes, há, ainda, informações específicas sobre alguns setores relevantes na
economia do país.

A solução de controvérsias entre os membros foi regulada pelo “Entendimento Relativo


a Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Solução de Controvérsias” que será
objeto da seção 2.1.3, deste texto.

Quanto ao comércio de bens, o conjunto de acordos negociados resultantes da Rodada


Uruguai incluiu:
- o GATT 94, que incorpora o Acordo Geral de 1947, as mudanças introduzidas nas
negociações anteriores, entendimentos sobre aspectos específicos e o protocolo que
inclui as concessões dos diferentes membros;
- Acordo sobre Agricultura
- Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
- Acordo sobre Barreiras Técnicas
- Acordo sobre Antidumping
- Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias
- Acordo sobre Salvaguardas
- Acordo sobre Valoração Aduaneira
- Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque
- Acordo sobre Regras de Origem
- Acordo sobre Licenças de Importação
- Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias
- Acordo sobre Têxteis e Confecções
- Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio – TRIMs

Uma novidade importante da Rodada Uruguai foi a introdução do comércio


internacional de produtos agrícolas nas regras vigentes para os produtos industriais, o
que era uma demanda antiga dos países em desenvolvimento.

Contudo, isto se deu através da assinatura de um Acordo sobre Agricultura (AA) que
esclarecia, desde sua primeira linha, haver sido decidido “iniciar um processo de
reforma do comércio em agricultura”, complementando, no parágrafo seguinte, que este
seria um “objetivo de longo prazo”. Assim, encontram-se no texto várias cláusulas que
diferenciam o tratamento aos produtos agrícolas do estipulado para os industrializados,
viabilizando, como a prática mostraria, a manutenção de medidas protecionistas e de
apoios governamentais, principalmente por parte dos países desenvolvidos, que
distorcem o comércio internacional.

A definição das mercadorias sob a jurisdição do AA é bastante ampla e inclui, a menos


de peixes e de produtos pesqueiros, todos os produtos dos capítulos 1 a 24 do Sistema
Harmonizado, tornando-o aplicável a vários bens que são produzidos industrialmente
como o etanol, as ceras, óleo de soja refinado, e muitos produtos alimentícios como,
por exemplo, os laticínios. Adicionalmente, inclui mercadorias encontradas em outros
capítulos como manitol, óleos essenciais, peleteria e linho trabalhado que, também, não
são produtos agrícolas
strictu sensu.

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O AA incluiu, ainda, uma cláusula que permite a manutenção dos apoios
governamentais à produção doméstica e às exportações, ainda que com compromissos
de redução ao longo do tempo, o que contrasta com o tratamento para os produtos
industrializados, onde este apoio é rigorosamente controlado pelo novo Acordo sobre
Subsídios. Outra excepcionalidade foi a introdução da curiosa “cláusula da paz”
estipulando que, durante nove anos, ainda que houvesse
algum descumprimento dos limites de subsídios, não seria possível acionar o
mecanismo de solução de controvérsias para discutir o tema.

Ainda que com todos estes limitantes, pode-se considerar um grande avanço o
estabelecimento de regras para o comércio de produtos agrícolas. Para países
competitivos no setor, como o Brasil, este Acordo apresenta o mérito de já deixar
registrada a intenção de incorporar plenamente os produtos agrícolas às disciplinas
aplicáveis aos produtos agrícolas. Na atual Rodada Doha, o objetivo do
Brasil e de vários outros produtores agrícolas, é promover avanços mais significativos
na liberalização dos mercados para seus produtos.

Outra novidade, decorrência do estabelecimento de regras sobre os produtos agrícolas,


foi a aprovação de um Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, definidas
como as que visam proteger a saúde das pessoas ou dos animais dos riscos que
comportam os produtos alimentícios, proteger a saúde das pessoas de enfermidades
propagadas por animais ou por vegetais e proteger a saúde dos animais ou preservar
os vegetais de pragas ou enfermidades. O objetivo foi garantir aos estados nacionais o
direito de implementar estas medidas, procurando, por outro lado, reduzir a
possibilidade de sua utilização como instrumento protecionista.

Neste texto, apenas serão tratados com maior nível de detalhamento os Acordos sobre
Medidas “Antidumping”, sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, sobre
Salvaguardas e sobre Barreiras Técnicas, todos de grande importância para o comércio
internacional e cuja apresentação está nos capítulos 2.2, 2.3, 2.4 e 2.5. Estudos mais
aprofundados de todos os demais podem ser encontrados na bibliografia recomendada.
Uma excelente síntese de todos os acordos, incluindo análises das conseqüências de
sua aplicação, pode ser encontrada em Thorstensen (2003).

Alguns Desenvolvimentos Posteriores

A OMC entrou em funcionamento no início de 1995 e adquiriu enorme importância no


cenário internacional. Esta importância faz com que a grande maioria dos países
participantes do comércio internacional deseje filiar-se à organização, sendo que, hoje,
o número de membros já supera a 150 países.

Entre as “acessões” relevantes, destaca-se a da China, ocorrida em 2001 após 13 anos


de árduas negociações. Trata-se de um caso interessante, pois, além da importância
comercial do país, há o fato de que a China fora um dos signatários do GATT, em 1947,
abandonando o acordo após a chegada do Partido Comunista Chinês ao poder.

12
Apesar do aumento do número de membros, o processo decisório da OMC mantém a
tradição iniciada com o GATT de buscar, como regra geral, o consenso entre todos os
membros, o qual se considera atingido quando nenhum país se opõe, formalmente, a
uma decisão. Quando não é obtido o consenso, a decisão pode-se dar por maioria
simples, na base de cada país um voto, prática muito pouco utilizada. Procura-se
manter a busca do consenso por se entender que a força da organização depende de
sua credibilidade, a qual se relaciona a aceitação e observância de suas normas. Cabe
ressaltar que a obtenção do consenso na OMC é mais complexa do que no GATT,
quando havia menos países
envolvidos e a abrangência de temas era menor.

Ao final dos anos 90, a evolução da economia e do comércio internacional levantou,


mais uma vez, a necessidade de se lançar uma nova rodada de negociações. Do ponto
de vista dos países desenvolvidos, seriam necessárias regras mais claras e explícitas
em áreas de seu interesse como, por exemplo, propriedade intelectual, investimentos e
subsídios. Quanto aos países em desenvolvimento, sua percepção era de que reformas
do sistema ocorridas na Rodada Uruguai e a liberalização comercial não resultaram em
melhoria de qualidade de vida e crescimento econômico. A primeira tentativa,
fracassada, de se lançar uma nova rodada ocorreu em 1999, em Seattle, nos EUA.

Em novembro de 2001, houve outra tentativa, desta vez bem sucedida, de lançar uma
nova rodada multilateral de negociações durante a reunião ministerial em Doha, Catar.
Nesta ocasião foi lançada a primeira Rodada de Negociações Multilaterais no âmbito da
OMC, cujas negociações ainda prosseguem. A Declaração Ministerial estipula que as
negociações devem atingir como resultado um conjunto único de obrigações (single
undertaking), obrigatório para todos os membros da OMC. Esta seria uma rodada na
qual os interesses dos países em desenvolvimento teriam um tratamento preferencial,
estabelecendo-se a “Doha Development Agenda”.

A Rodada Doha, como passou a ser chamada, iniciou-se com um mandato bastante
amplo: agricultura, serviços, acesso a mercados com nova etapa de redução tarifária
para produtos industriais, aprofundamento das regras sobre antidumping, subsídios e
acordos regionais e propriedade intelectual, novos temas
para investimento, concorrência, transparência em compras governamentais, facilitação
de comércio e comércio eletrônico, além de meio ambiente.

A maior participação dos países em desenvolvimento, explicitando com firmeza seus


interesses, a rigidez das posições dos países mais desenvolvidos, especialmente no
que diz respeito à agricultura, e a formação de grupos de países
com interesses específicos tornaram a negociação ainda mais complexa que nas
rodadas anteriores. É notável a observação de que, pela primeira vez, o Brasil situa-se
entre os protagonistas das negociações, exercendo um importante papel de liderança
entre os países em desenvolvimento.

2.1. O MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

13
Para muitos, a existência de um mecanismo de solução de controvérsias eficaz e
eficiente, com a capacidade de induzir fortemente a que os membros implementem
suas decisões é uma das principais características do atual regime multilateral de
comércio. Suas regras eliminam a possibilidade de ações unilaterais quando um dos
membros entende que seus direitos não estão sendo respeitados, exigindo que todos
sigam os procedimentos estipulados antes de iniciar qualquer processo de retaliação.

O sistema resultante da Rodada Uruguai foi inovador em relação ao utilizado até então
por inverter o conceito de consenso utilizado para a aprovação, pelo Conselho Geral,do
relatório a que chegavam os especialistas responsáveis por analisar uma controvérsia.
Antes o relatório somente seria aprovado caso fosse obtido o consenso envolvendo
todos os membros, inclusive a parte perdedora, bastando que ela discordasse, o que
não era incomum, para que a opinião dos especialistas não fosse considerada. No novo
sistema, o relatório passa a ser obrigatório, exigindo, para não ser aprovado, uma
decisão por consenso do Órgão de Solução de Controvérsias, onde participa a parte
ganhadora, que sempre pode bloquear este consenso. Ou seja, inverteu-se a situação
anterior.

Outra inovação foi o estabelecimento de um “Órgão de Apelação”, a que as partes


podem recorrer caso discordem das conclusões dos especialistas que analisaram a
controvérsia. É importante ressaltar que este órgão limita-se a analisar as questões
referentes à interpretação dos acordos em si, ou seja, os aspectos “legais” da questão,
tal como normalmente fazem os tribunais superiores nos sistemas judiciários existentes
nos estados nacionais.

Contudo é fundamental esclarecer que o sistema como um todo não pode ser
confundido com um sistema jurídico usual. É mais adequado defini-lo como um sistema
político-jurídico, onde a dimensão política é a determinante final. Por exemplo, seja qual
for a decisão dos especialistas ou a do Órgão de Apelação, nada impede que os
países, caso seja obtido um consenso no Órgão de Solução de Controvérsias, a
recusem e optem por uma solução completamente diferente.

Outra característica diferenciadora é que as decisões anteriores, ainda que sejam


levadas em conta visando dar previsibilidade ao sistema, não criam uma jurisprudência
obrigatória para a análise de novas controvérsias semelhantes.

Outra novidade em relação ao sistema anterior é que, na Rodada Tóquio foram


concluídos diversos acordos não obrigatórios e cada um deles estipulava regras
próprias para a solução de controvérsias. Por exemplo, o Acordo sobre Barreiras
Técnicas da Rodada Tóquio possuía um artigo que tratava do assunto e que
determinava que o órgão responsável pela decisão final sobre a controvérsia era o
Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio. Atualmente, a adesão ao sistema único de
solução de controvérsias da OMC é obrigatória para todos os membros, ainda que, em
alguns acordos haja algumas prescrições específicas.

O mecanismo atual incorpora o aprendizado desenvolvido na solução de controvérsias


durante a fase prévia à criação da OMC, quando o processo contava

14
basicamente com os artigos XXII e XXIII para orientar o processo. O Artigo XXII do
GATT trata da obrigação de consultar, quando as partes devem buscar soluções
satisfatórias para seus interesses, e consiste em uma etapa fundamental e
indispensável do processo de solução de controvérsias. O Artigo XXIII trata da redução
ou anulação de vantagens. Caso as partes não chegassem a uma solução satisfatória
durante o processo de consultas, poderiam recorrer a especialistas que constituiriam
um painel.

O sistema atual, muito mais detalhado, busca, acima de tudo, que sejam adotadas
práticas compatíveis com os acordos da OMC, não sendo seu objetivo punir os
membros que tomem medidas inadequadas. Mesmo quando são estabelecidos painéis,
o principal objetivo primeiro é induzir os membros a estabelecer normas para seu
comércio exterior em conformidade com os acordos da OMC. Apenas no caso em que
este objetivo não é alcançado, o órgão de Solução de Controvérsias pode autorizar
retaliações.

A busca de uma solução negociada entre as partes é incentivada a qualquer momento,


sendo considerada sempre preferível ao estabelecimento de um “painel”, que é a
convocação de um grupo de especialistas no tema que se tornará
responsável por avaliar tecnicamente a controvérsia. Reside aí outra diferença em
relação aos procedimentos judiciais comuns: sempre que as partes entrarem em
acordo, os procedimentos podem ser encerrados, independentemente de que uma
ou outra parte pudesse ser, caso o processo não fosse interrompido, considerada em
desacordo com o estipulado nas regras da OMC.

Os procedimentos a serem seguidos são minuciosamente detalhados no “Entendimento


Relativo a Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Solução de Controvérsias”,
parte integrante dos acordos da OMC. Logo no segundo artigo do “Entendimento”
estabelece-se um Órgão de Solução de Controvérsias – OSC, responsável pela gestão
do sistema, do qual participam todos os membros da OMC. Cabe a ele estabelecer os
painéis de especialistas, adotar seus respectivos relatórios ou os do Órgão de
Apelação, supervisionar a aplicação das decisões e recomendações e, quando for o
caso, autorizar a suspensão de concessões ao membro que não implementar
adequadamente suas determinações.

A seguir, o “Entendimento” explicita que o mecanismo de solução de controvérsias é


elemento essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de
comércio. Afirma, ainda que, ele serve para preservar os direitos e obrigações dos
membros e para clarificar o disposto nos acordos, seguindo as normas correntes de
interpretação do direito internacional público. Contudo, também explicita que as
recomendações do OSC não podem adicionar ou reduzir os direitos constantes dos
acordos.

Como já foi citado, o texto do “Entendimento” afirma que deverá ser sempre dada
preferência à solução mutuamente aceitável para as partes envolvidas na controvérsia
e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos, ou seja, deve-se buscar
uma solução negociada. Prossegue afirmando que não se alcançando tal solução, o

15
primeiro objetivo do mecanismo passa a ser conseguir a supressão das medidas que
geram a controvérsia, se for constatado que essas são incompatíveis com as
disposições de quaisquer dos acordos. Não se deve recorrer à uma compensação ao
membro reclamante por parte do país transgressor, exceto no caso de não ser factível a
supressão imediata das medidas incompatíveis com o acordo e como solução
provisória até sua supressão. O último recurso previsto no ESC é a possibilidade de
suspender a aplicação de concessões ou o cumprimento de outras obrigações no
marco dos acordos, a retaliação, sempre que o OSC autorize a adoção dessas
medidas.

Assim, antes de se recorrer quaisquer das outras medidas previstas no Entendimento,


devem ser realizadas “consultas” durante as quais os membros devem buscar uma
solução mutuamente satisfatória. O “Entendimento” fixa prazos
mínimos para a realização de consultas e somente após estes prazos, caso não seja
encontrada uma solução, pode-se solicitar o estabelecimento de um painel.

Observe-se que a obrigação de “consultar” é crucial no sistema de solução de


controvérsias e está presente em inúmeros artigos. Se os membros desejarem,
poderão buscar mediação, conciliação ou bons ofícios para resolverem sua
controvérsia, sendo que estes procedimentos podem ser iniciados ou encerrados a
qualquer tempo.

Em não havendo solução satisfatória, a parte reclamante pode solicitar a instalação de


um “painel”, ou seja, um “grupo especial”, que contará, em geral, com três integrantes,
especialistas no assunto, funcionários governamentais ou não, a menos que as partes
acordem o número de cinco integrantes. Não deverão, em princípio, fazer parte desses
painéis, os nacionais cujos governos sejam parte na controvérsia, ou mesmo terceiros
interessados. Os integrantes dos grupos especiais atuarão a título pessoal e não na
qualidade de representantes de um governo ou de uma organização. Quando a
controvérsia envolver um país desenvolvido e um país em desenvolvimento, caso este
solicite, o painel contará, ao menos, com um integrante nacional de um país em
desenvolvimento membro.

Os pedidos de estabelecimento de painel devem indicar se foram realizadas consultas


e identificar as medidas adotadas que estão em controvérsia, fornecendo um breve
embasamento legal para a solicitação. Quando mais de um membro solicitar um painel
sobre a mesma medida, um único grupo especial deverá ser estabelecido para
examinar as reclamações. Todo membro da OMC que tenha interesse concreto no
assunto pode solicitar ser incluído como “terceira parte” no caso, recebendo o direito de
ser ouvido e de apresentar comunicações escritas. As “terceiras partes” receberão as
comunicações das partes em controvérsia.

O painel, ou grupo especial, deve fazer uma avaliação objetiva do assunto, incluindo
uma avaliação dos fatos, da aplicabilidade e concordância com os acordos abrangidos
e formular conclusões que auxiliem o OSC a fazer recomendações ou emitir decisões.
O grupo especial deverá emitir um relatório a ser entregue, inicialmente, às partes

16
envolvidas na controvérsia, as quais poderão solicitar alterações, que serão analisadas
pelo painel. A seguir, o relatório final será entregue a todos os membros.

A adoção do relatório final do painel ocorrerá em reunião do Órgão de Solução de


Controvérsias a se realizar até 60 dias após a sua distribuição, a menos que uma parte
notifique formalmente sua decisão de apelar ao Órgão de Apelação ou quando o OSC
decidir, por consenso, não adotar o informe.

Somente as partes diretamente envolvidas na controvérsia, excluindo-se, portanto, os


terceiros interessados, poderão apelar do relatório do painel. A apelação terá como
objeto, unicamente, as questões de direito tratadas no informe do grupo especial e as
interpretações jurídicas formuladas.

O Órgão de Apelação é integrado por sete pessoas de prestígio reconhecido, com


competência técnica firmada em direito, comércio internacional e nas temáticas dos
acordos, três das quais participam em cada caso. A nacionalidade não é critério para
seleção ou exclusão, com vistas à participação nesse Órgão, diferentemente do que
ocorre em se tratando da composição dos painéis.

O OA poderá confirmar, modificar ou revogar as constatações e conclusões jurídicas do


grupo especial. Os informes do Órgão de Apelação serão adotados pelo OSC e aceitos
sem condições pelas partes na diferença, salvo se o OSC decidir, por consenso, não
adotar o informe. Quando o painel ou o Órgão de Apelação concluir que uma medida é
inconsistente com um acordo, será recomendado ao membro que adotou tal medida
que a ponha em conformidade com o acordo em questão. Além de formular
recomendações, o painel ou o Órgão de Apelação poderá sugerir a forma pela qual o
membro poderia aplicá-las.

O quadro abaixo apresenta os prazos esperados para cada uma das fases citadas.
Muitas vezes, principalmente em casos complexos, os prazos podem ser muito
superiores aos previstos:

Consultas, mediação etc. - 60 dias


Estabelecimento do painel e definição de painelistas - 45 dias
Distribuição do relatório final para as partes - 6 meses
Distribuição do relatório final para os membros - 60 dias
Adoção do relatório pelo OSC (sem apelações) - 60 dias
Encerramento sem apelações - 1 ano
Relatório do Órgão de Apelação - 60-90 dias
Adoção do relatório pelo OSC (com apelações) - 30 dias
Encerramento com apelações - 1 ano e 3 meses

Até trinta dias após a adoção, pelo OSC, do informe do painel ou do Órgão de
Apelação, o membro a que foram dirigidas as recomendações informará ao OSC o seu
propósito quanto à aplicação de tais medidas. Caso seu cumprimento imediato não seja
possível, será concedido um prazo para isso, o qual será o prazo

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proposto por esse membro, desde que aprovado pelo OSC; o prazo fixado de comum
acordo pelas partes na controvérsia; ou um prazo determinado por meio de arbitragem.

Se o membro não cumprir as recomendações no prazo previsto, poderá estabelecer


negociações com as demais partes na controvérsia a fim de que seja alcançado um
acordo quanto a uma compensação mutuamente aceitável. Se isso não for alcançado,
a parte prejudicada poderá pedir autorização ao OSC para suspender a aplicação de
concessões e outras obrigações. Em princípio, essas concessões deverão ser relativas
ao mesmo setor objeto da controvérsia. Caso isso seja impraticável ou ineficaz,
poderão abranger outros setores, no marco do mesmo acordo. E, ainda, se isso
também for ineficaz, essa suspensão poderá abranger outro acordo.

A suspensão de concessões e de outras obrigações somente será aplicada até que


seja suprimida a medida declarada incompatível com o acordo no âmbito do qual se
deu a disputa; até que o membro que deva cumprir as recomendações ou resoluções
ofereça uma solução à anulação ou redução das vantagens; ou até que se chegue a
uma solução mutuamente satisfatória. Quando se conclui que uma medida anula ou
reduz vantagens resultantes de um acordo ou compromete o alcance dos objetivos do
dito acordo, sem infração de suas disposições, não será obrigatória a revogação dessa
medida. Neste caso, o painel ou o Órgão de Apelação recomendará que o membro de
que se trate realize um ajuste.

Constatado que existe anulação ou redução de vantagens como conseqüência de uma


medida adotada por um país membro em desenvolvimento, as partes reclamantes
exercerão a devida moderação ao pedir compensação ou solicitar autorização para
suspender a aplicação de concessões ou do cumprimento de outras obrigações de
conformidade com estes procedimentos.

3. ACORDO SOBRE ANTIDUMPING

O artigo VI do GATT 1947, que tratava da possibilidade de aplicação de medidas


antidumping, era vago o suficiente para que, com o passar dos anos, surgissem várias
disputas sobre a forma de implementá-lo. Já na Rodada Kennedy (1964-1967), houve
uma primeira tentativa de buscar uma interpretação consensual sobre o tema e,
efetivamente, chegou-se a um acordo que, contudo, não viria a ser implementado pelos
Estados Unidos que se valiam da Grandfather Clause para manter sua legislação
intocada. Um novo acordo foi obtido na Rodada Tóquio, mas, novamente, o resultado
não foi considerado satisfatório.

O acordo obtido na Rodada Uruguai, que tem como nome oficial “Acordo sobre
Implementação do Art. VI do GATT 1994”, é considerado mais preciso que seus
antecedentes, pois durante sua negociação contava-se com a experiência adquirida
tanto na aplicação dos acordos anteriores como nos trabalhos desenvolvidos no Comitê
sobre Antidumping do GATT. Adicionalmente, ao longo do tempo, havia sido acumulada
razoável jurisprudência em vários painéis relativos à aplicação de medidas antidumping.

18
O Brasil aderiu ao Acordo sobre Antidumping negociado na Rodada Tóquio, encerrada
em 1979. Observe-se que, como os demais “códigos” resultantes desta
rodada, suas disciplinas eram aplicadas apenas aos signatários do GATT que
optassem por aderir especificamente a este instrumento. O Acordo entrou em vigor em
1980 e o Brasil o incorporou à legislação nacional em 1986, juntamente com o Acordo
Sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, sendo esta postergação explicável pela
existência, no Brasil, de vários mecanismos de controle das importações.

A efetiva utilização dos mecanismos de defesa comercial somente tomou impulso com
o fim dos controles quantitativos das importações, em 1990. Confrontando-se com uma
maior concorrência, aumentou a necessidade dos empresários solicitarem
investigações sobre a forma de competir no mercado brasileiro das empresas
localizadas em outros países. Atualmente, a legislação brasileira estabelece que as
investigações relacionadas à “defesa comercial” são de responsabilidade do
Departamento de Defesa Comercial – DECOM, da Secretaria de Comércio Exterior, do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

No Mercosul ainda não há um regulamento comum sobre o tema. Há apenas, desde


1997, um “Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo à Defesa Contra
Importações Objeto de Dumping Provenientes de Países Não-Membros do
MERCOSUL”, que dá linhas gerais para interpretação, pelos seus membros, do Acordo
Antidumping da Organização Mundial do Comércio.

A definição de dumping constante do AAD da Rodada Uruguai é objetiva, o que


contribui para reduzir problemas em sua interpretação: ele existe se os preços
praticados no mercado interno forem superiores àqueles praticados na exportação para
um determinado país. É relevante observar que este conceito afasta-se do que muitas
vezes é utilizado em outras disciplinas, como na teoria econômica ou na legislação
sobre concorrência.

Há, ainda que se ressaltar que a simples prática de dumping em exportações não é
condenada no atual Acordo Antidumping. Por outro lado, as “medidas antidumping” são
amplamente utilizadas para dificultar a penetração de produtos fabricados em outros
países no mercado doméstico. Este tipo de protecionismo é facilitado pelo fato de que
as medidas antidumping podem ser aplicadas unilateralmente, sem que seja solicitada
prévia anuência à OMC.

Visando tentar reduzir a utilização destas medidas com fins exclusivamente


protecionistas, como é feito muitas vezes, o AAD busca tornar claras as condições em
que os membros da OMC consideram que sua aplicação seria aceitável. O acordo não
permite a utilização das medidas apenas se for constatado que o exportador está
praticando o dumping: é requerido, adicionalmente, que seja comprovado que as
importações a preço de dumping são as causadoras de dano à indústria doméstica.

19
3.1. CONCEITOS BÁSICOS

Segundo o AA, somente pode-se aplicar uma medida antidumping após a realização de
uma investigação na sejam caracterizados três aspectos:

1. existência de dumping;
2. existência de dano à indústria doméstica;
3. relação causal entre o dumping e o dano.

DUMPING

Considera-se que há prática de dumping quando uma empresa exporta um produto a


preço (preço de exportação) inferior àquele que pratica em suas vendas no mercado
interno de produto similar nas vendas para o seu mercado interno (valor normal).

Um: produto é considerado similar a outro quando é idêntico àquele ou, quando não
existir produto idêntico, apresenta características suficientemente semelhantes.

O AA não explicita as características que devem analisadas para determinar se um


produto é ou não similar a outro. Na prática, consideram-se as características físicas e
químicas, sendo que outros fatores que podem ser considerados são: uso, processo
produtivo, canais de comercialização, percepção do consumidor e preço.

VALOR NORMAL

É, em situações normais, o preço ex fabrica à vista pelo qual mercadoria similar à


exportada é vendida no mercado interno do país exportador, em volume significativo e
em operações comerciais normais, isto é, vendas a compradores independentes e nas
quais seja possível, pelo menos, cobrir custos unitários.

Preço ex fabrica é aquele que inclui, além do custo total de fabricação da mercadoria,
as despesas de embalagem, os encargos, o lucro e as despesas comerciais de
exportação, excluídos eventuais benefícios à exportação.

Observe-se que quando o produto não é exportado diretamente de seu país de origem,
sendo exportado a partir de um terceiro país, intermediário, o valor normal será o
praticado no país exportador. Contudo, pode-se utilizar o preço no país de origem se
ocorre mero transbordo do produto no país de exportação, se o produto não é
produzido no país de transbordo ou, ainda, se não houver preço do produto no país
exportador.

Para a determinação do valor normal, considera-se como volume significativo vendas


no mercado interno do país exportador que representem pelo menos 5% do volume
exportado. O valor normal não deve ser influenciado por relações entre
empresas vinculadas, o que poderia envolver prática de preços de transferência,
diferentes dos que ocorrem entre empresas independentes.

20
O AAD considera que vendas internas a preços abaixo dos custos unitários de
produção somados a custos usuais como os administrativos, os de venda e os gerais,
podem ser considerados como operações que não ocorrem no curso usual dos
negócios. Assim, eles podem ser desconsiderados no cálculo do valor normal desde
que seja verificado que elas foram realizadas durante um período prolongado
(normalmente um ano), em quantidades substanciais (20% do total ou preço médio
unitário inferior ao custo médio) e a custos que não permitam cobrir os custos em um
lapso razoável de tempo.
Contudo, o AAD estabelece que preços abaixo do custo no momento da venda, mas
acima do custo médio ponderado obtido no período da investigação deverão ser
considerados como capazes de permitir a recuperação dos custos durante um período
de tempo razoável.

Alternativas para o valor normal: quando o produto similar não for objeto de vendas
no mercado interno do país exportador ou quando tais vendas não forem realizadas no
curso de operações comerciais normais; ou, ainda, quando tais vendas internas forem
inferiores a 5% das exportações; ou em uma “situação especial de mercado”, pode-se
utilizar como valor normal:

1) preço de exportação para terceiro país; ou


2) valor construído.

No caso de se utilizar o preço de exportação para terceiro país, o AAD dispõe que esse
país deva ser adequado e que o preço seja representativo, mas não determina critérios
para determinar essa adequação, como por exemplo, processo produtivo, dimensão do
mercado.

No caso de se utilizar o valor construído, considera-se o somatório do custo de


produção no país exportador e das despesas administrativas, de venda e gerais e
margem de lucro razoável, respeitadas as práticas contábeis do país em questão. O
valor construído se refere à construção do preço interno no país exportador, e não ao
preço de exportação. Os valores correspondentes a despesas e lucro devem se basear
nos dados reais, relacionados com a produção e vendas do produto similar, no curso de
operações comerciais realizadas pelo produtor ou exportador objeto de investigação.

País cuja economia não seja predominantemente de mercado: neste caso o valor
normal poderá ser determinado com base no:

a) preço de venda praticado no mercado interno de um terceiro país de economia de


mercado;
b) valor construído do produto em terceiro país de economia de mercado; ou
c) preço praticado por terceiro país de economia de mercado na exportação para outros
países.

Quando não for possível a utilização de nenhuma das hipóteses acima, o valor normal
poderá ser determinado com base em qualquer outro preço razoável, inclusive o preço

21
pago ou a pagar no mercado importador devidamente ajustado, se necessário, a fim de
incluir margem de lucro razoável.

PREÇO DE EXPORTAÇÃO

O preço de exportação será o preço efetivamente pago ou a pagar pelo produto


exportado ao Brasil. Tal preço, em princípio, deverá ser o preço ex fabrica, líquido
de impostos e à vista.

Quando não existir preço de exportação (doação, por exemplo) ou caso o preço de
exportação possa suscitar dúvidas, por motivo de associação ou acordo existente entre
o exportador e o importador ou uma terceira parte, podem existir alternativas para
seu cálculo e o preço de exportação poderá ser construído a partir do preço de
revenda do importador ao primeiro comprador independente.

No entanto, caso os produtos não sejam revendidos a comprador independente, ou não


sejam revendidos na mesma condição em que foram importados, o preço de
exportação poderá ser construído a partir de qualquer outro método, desde que
devidamente justificado.

COMPARAÇÃO ENTRE VALOR NORMAL E PREÇO DE EXPORTAÇÃO

A comparação entre o preço de exportação e o valor normal deverá ser justa. Isso se
refere, dentre outras coisas, ao nível de comércio, normalmente ex fabrica, levando-se
em consideração as vendas efetuadas em datas as mais próximas possíveis.

Outros fatores que afetem a comparabilidade de preços poderão ser levados em conta,
tais como condições de vendas, tributação, quantidades, diferenças físicas, níveis
comerciais. Por exemplo, podem ser considerados diferentes custos de embalagem,
políticas de descontos distintas em razão dos volumes vendidos, diferentes níveis de
taxas de juros praticadas no caso de concessão de prazo para
pagamento.

CÁLCULO DA MARGEM DE DUMPING

É a diferença entre o valor normal e o preço de exportação, devidamente ajustado,


vigente durante o período estabelecido para investigação de existência de dumping,
sendo tal período, normalmente, de um ano e nunca inferior a 6 meses. O valor normal
e preço de exportação são comparados e, sendo menor o preço de exportação, obtém-
se a margem de dumping absoluta (MDA).

A margem de dumping relativa (MDR) é a razão entre essa margem e o preço de


exportação (MDA/PE) e será a base para a determinação do nível adequado da medida
antidumping. Quando a MDR for inferior a 2% (margem de dumping “de minimis”), não
poderá ser aplicado direito antidumping.

22
A margem de dumping será calculada para cada um dos produtores estrangeiros do
produto investigado ou poderá ser feita através de uma amostra, caso esse número
seja muito grande. A margem de dumping será calculada para cada um dos que
compõem a amostra e - para os não incluídos na amostra - se atribuirá a margem
ponderada de dumping obtida a partir das margens de cada uma das empresas
incluídas na amostra. Caso algum dos produtores não incluídos na amostra, apresente
informação necessária para cálculo individual de margem, esse cálculo deverá ser feito,
a menos que o número de empresas solicitantes de cálculo individual seja tão grande
que impossibilite a sua realização.

DANO À INDÚSTRIA DOMÉSTICA

O conceito de dano compreende o dano material a uma indústria doméstica, a ameaça


de dano material a essa indústria ou o atraso real na implantação da mesma. No caso
de dumping, considera-se como indústria doméstica a totalidade dos produtores
nacionais do produto similar ou aqueles cuja produção conjunta desse produto similar
constitua parcela significativa da produção nacional do produto.

Quando há produtores nacionais relacionados aos exportadores ou aos importadores


ou que sejam eles próprios importadores do produto, tais produtores não serão
obrigatoriamente incluídos na definição de indústria doméstica.

Dano: dano material ou ameaça de dano material à indústria doméstica estabelecida ou


retardamento na implantação de uma indústria. Para a determinação de dano, deverá
ser avaliada a evolução dos indicadores relativos à importação do produto objeto de
dumping e à situação da indústria doméstica. Ressalte-se que uma determinação
positiva de dano não requer que todos os indicadores analisados apresentem
desempenho negativo.

A análise relativa a dano cobrirá um período maior (normalmente cinco anos, nunca
menos de três anos) do que o período de dumping (normalmente um ano, nunca menos
de seis meses).

A verificação do comportamento das importações do produto analisa se elas


aumentaram significativamente em termos absolutos ou com relação à produção ou
consumo do país importador e, também, se os preços das importações do produto
objeto de dumping:

i. foram significativamente inferiores aos preços do produto similar ;


ii. tiveram o efeito de deprimir significativamente os preços do produto similar;
iii. tiveram o efeito de impedir aumento significativo de preço do produto similar que, de
outra forma, teria sido produzida.
Assim, deverão ser apurados os seguintes indicadores:
- valor e quantidade importada por país de origem;
- participação das importações no total importado e no consumo aparente; e
- preço.

23
As autoridades investigadoras deverão avaliar se o volume importado é insignificante,
assim considerado o volume inferior a 3% do volume total importado, salvo se os países
que individualmente representem menos de 3% das
importações, em conjunto, representem mais de 7% dessas importações, em termos
absolutos ou em relação à produção ou ao consumo.

Indicadores da Indústria a serem analisados: todos os fatores e índices econômicos


pertinentes que influenciem o estado da indústria doméstica. O AAD apresenta uma
lista não exaustiva de indicadores que deverão ser considerados na análise, mas pode-
se incluir:

- queda real ou potencial das vendas, dos lucros, da produção, da participação no


mercado, da produtividade, do retorno dos investimentos ou da ocupação da
capacidade instalada;
- outros fatores que afetem preços internos como: magnitude da margem de dumping,
efeitos negativos, reais ou potenciais sobre o fluxo de caixa, estoques, emprego,
salários, crescimento e capacidade para aumentar capital ou obter investimentos.

Esses indicadores, isoladamente ou em conjunto, não deverão ser tomados como


critério decisivo e, dependendo do setor, um ou outro indicador pode assumir maior ou
menor relevância.

Ameaça de Dano Material: a situação na qual o dumping causaria dano deve ser
claramente previsível e iminente. Deverão ser considerados, conjuntamente, entre
outros, os seguintes fatores:
a) significativa taxa de crescimento das importações do produto objeto de dumping,
indicativa de provável aumento substancial das importações;
b) capacidade ociosa ou iminente aumento na capacidade do produtor estrangeiro, que
indique probabilidade de significativo aumento das exportações a preços de dumping;
c) importações realizadas a preços que tenham significativo efeito de deprimir preços
domésticos e que provavelmente aumentarão as importações;
d) estoques do produto sob investigação.

Isoladamente, nenhum desses fatores fornecerá orientação definitiva, mas seu conjunto
poderá levar à conclusão de que importações a preços de dumping são iminentes e
que, caso não sejam adotadas as medidas, ocorrerá dano material.

Retardamento na Implantação de Indústria: essa hipótese é de difícil configuração,


visto não dizer respeito a atraso na implementação de uma empresa, mas sim de uma
indústria. Ou seja, o país importador não deveria contar, ainda, com a produção de
produto similar ao objeto da investigação. De qualquer forma, a implantação dessa
indústria deverá estar em vias de ocorrer.

RELAÇÃO CAUSAL

No AAD, a relação ou nexo causal entre as importações a preços de dumping e o dano


à indústria doméstica é a terceira condição para aplicação de direito antidumping. É

24
necessária a demonstração de que as importações a preços de dumping causaram
dano à indústria doméstica.

Nessa análise, deverão ser considerados todos os elementos de prova, tais como
volumes e preços de importações originárias de outros países, contração da demanda
ou mudança nos padrões de consumo, práticas restritivas ao comércio e
concorrência entre produtores nacionais e estrangeiros, progresso tecnológico,
desempenho exportador e produtividade da indústria nacional.

A idéia é que seja verificado em que medida o dano sofrido pela indústria doméstica
advém ou não de importações a preços de dumping. Inexiste uma lista exaustiva dos
aspectos a serem considerados pelas autoridades investigadoras, e tampouco uma lista
ilustrativa de elementos que deverão ser obrigatoriamente analisados.

3.2. MEDIDAS ANTIDUMPING

No Brasil, as medidas antidumping são aplicadas por meio da cobrança, quando são
importados produtos sobre as quais elas incidem, de um direito antidumping. Este
direito antidumping é definido como uma quantia de dinheiro, igual ou inferior à margem
de dumping calculada durante a realização da investigação, que tem por objetivo
neutralizar os efeitos danosos sobre a indústria brasileira por importações a preços de
dumping.

Esse direito, aplicado às importações de um produto, é pago pelo próprio importador,


quando da internação do bem, o que implica em um custo mais elevado de aquisição
da mercadoria estrangeira. O direito antidumping é aplicado na forma de uma alíquota
ad valorem específica, fixa ou variável, ou pela conjugação de ambas.

Sua natureza jurídica é distinta daquela do imposto de importação. Isso significa que
importações não sujeitas à aplicação, integral ou parcial, do imposto de importação,
como por exemplo importações amparadas no regime de drawback, estarão sujeitas ao
direito antidumping.

2.2.3. INVESTIGAÇÃO

A investigação é um processo administrativo que tem como objetivo comprovar a


existência de dumping, dano e relação causal e deverá ser conduzida de acordo com
as regras estabelecidas pela OMC. O processo administrativo segue, como princípios, a
publicidade, a transparência, o contraditório e a ampla defesa, conferindo-se às partes
interessadas segurança jurídica quanto aos procedimentos utilizados.

Devem ser publicados avisos relativos ao início de uma investigação, à aplicação de


uma medida antidumping, provisória ou definitiva, à aceitação de compromisso de
preços etc. Nestes avisos devem constar informações sobre o nome do país ou países
exportadores, o produto de que se trate e a base de alegação do dumping e do dano.

25
Observe-se que a aplicação de uma medida antidumping não depende de aprovação
prévia da OMC, porém os membros devem cumprir detalhadamente os procedimentos
estabelecidos pelo AAD. Caso isto não ocorra, pode haver uma contestação da medida
que venha a ser adotada ao final da investigação e o membro pode ser obrigado a
revogar a mesma por determinação da OMC.

Como regra geral, as autoridades investigadoras não divulgarão a existência de petição


de abertura de investigação. Contudo há a obrigação de notificar o governo do país
exportador da existência de petição devidamente instruída, antes de ser dado início à
investigação.

As informações prestadas em caráter sigiloso pelos interessados em uma investigação,


mediante prévia justificativa, não serão divulgadas sem consentimento expresso da
parte que as forneceu. Nessa hipótese, a parte que forneceu tais informações deverá
apresentar resumo não sigiloso das mesmas. Todas as informações requeridas em
uma investigação serão comunicadas às partes interessadas que terão ampla
oportunidade de apresentar os elementos de prova que considerarem pertinentes.
Serão levadas em conta as dificuldades encontradas pelos interessados no
fornecimento dessas informações e, na medida
do possível, lhes será prestada assistência. Poderão ser solicitadas ou aceitas, por
escrito, informações adicionais ou complementares, ao longo de uma investigação.

O prazo para o fornecimento das informações solicitadas será estipulado em razão


da sua natureza e poderá ser prorrogado a partir de solicitação justificada. Se as partes
interessadas negarem acesso aos dados necessários, os fornecerem fora do prazo
determinado, ou criarem obstáculos à investigação, o parecer com vistas às
determinações preliminares ou finais será elaborado com base na melhor informação
disponível.

Poderão ser realizadas investigações in loco, no território e em empresas localizadas


em outros países (verificação), desde que previamente por elas autorizadas e os
representantes do governo do país em questão sejam notificados
e não apresentem qualquer objeção. Da mesma forma, poderão ser realizadas
investigações em empresas localizadas em território nacional, desde que previamente
por elas autorizadas.

Antes da visita, será levado ao conhecimento das empresas a natureza geral da


informação pretendida, e poderão ser formulados, durante a visita, pedidos de
esclarecimentos suplementares em conseqüência da informação obtida. Em princípio,
toda investigação deverá ser concluída em um ano, admitida a prorrogação, por cento e
oitenta dias.

Melhor Informação disponível: caso qualquer das partes interessadas negue acesso
à informação necessária, não a forneça no prazo estipulado ou crie obstáculos à
investigação, o parecer, com vistas a determinações preliminares ou finais, será
elaborado com base na melhor informação disponível. Nesses casos, o resultado final
poderá ser menos favorável para aquela parte do que seria, caso a mesma tivesse

26
cooperado, podendo ser utilizados os dados disponíveis, entre eles os contidos na
petição de abertura da investigação, como base para determinações.

A investigação somente será iniciada após ser realizada uma análise da petição de
abertura de investigação. Nesta fase, apenas o governo do país exportador será
notificado da existência de petição, se devidamente instruída. Caso as autoridades
decidam pela abertura da investigação, será publicado aviso público e as partes
interessadas conhecidas serão notificadas.

A petição de abertura de investigação deverá ser feita pela indústria doméstica ou em


seu nome. Isso equivale dizer que deverá contar com apoio de produtores cuja
produção conjunta constitua mais de 50% da produção total do produto similar
produzido pela parcela da indústria doméstica que manifestou apoio ou rejeição à
petição. A petição deverá ser indeferida se os produtores que a apóiam responderem
por menos de 25% da produção nacional.

A petição deverá conter, dentre outras informações, a qualificação do peticionário, o


volume e o valor da produção que lhe corresponda, estimativa do volume e do valor da
produção nacional, descrição completa do produto importado a preço de dumping e do
similar fabricado pela indústria doméstica, país de origem, fabricante estrangeiro,
importadores, informação para fins de obtenção de valor normal e sobre o preço de
exportação, volume das importações e grau de utilização da capacidade instalada,
produção e vendas internas da indústria doméstica Iniciada uma investigação, serão
enviados questionários às partes interessadas, à exceção do governo do país
exportador, por intermédio dos quais as autoridades solicitam todas as informações
requeridas.

De posse das respostas aos questionários, as autoridades procederão à análise dessas


informações e, se for o caso, efetuarão as investigações in loco. O prazo para resposta
aos questionários é de quarenta dias contado a partir da expedição desses
questionários, com a possibilidade de uma prorrogação desse prazo por trinta dias.
Caso as partes interessadas neguem acesso aos dados necessários, os forneçam fora
do prazo determinado, ou criem obstáculos à investigação, o parecer com vistas às
determinações preliminares ou finais será elaborado com base na melhor informação
disponível.

Analisadas as respostas aos questionários, as autoridades poderão alcançar uma


determinação preliminar do dumping, dano e nexo causal, podendo ocorrer a aplicação
de direito provisório, caso positiva essa determinação. Na hipótese de ser alcançada
uma determinação preliminar positiva da existência de dumping, dano e relação causal
entre esses, ainda que não seja aplicado direito provisório, deverá ser dado aviso
público e as partes interessadas serão notificadas.

Haverá uma audiência final, na qual todas as partes interessadas receberão uma nota
técnica elaborada pelo DECOM contendo todos os elementos que servirão de base
para a tomada de uma decisão final quanto à aplicação ou não de direito antidumping,
dispondo do prazo de quinze dias para apresentar suas alegações finais. A

27
Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Confederação Nacional da Indústria
(CNI), a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Associação do Comércio
Exterior Brasileiro (AEB) serão informadas da realização da audiência final.

O Acordo prevê que, antes de formulada a determinação final, as partes interessadas


serão informadas, pela autoridade investigadora, sobre os fatos essenciais sob
julgamento que formam a base para seu parecer. Para a determinação final é elaborado
um parecer, pela equipe técnica responsável pela investigação, o qual deverá ser
enviado para apreciação pela CAMEX para a decisão final caso seja proposta a
aplicação de direito antidumping. Caso contrário, a competência é da SECEX. De
qualquer forma, será publicado aviso público e as partes interessadas serão notificadas
do encerramento da investigação, haja sido aplicado um direito antidumping ou não.

3.2.1. APLICAÇÃO DE MEDIDAS ANTIDUMPING PROVISÓRIAS

Durante a investigação, caso seja alcançada uma determinação preliminar positiva de


dumping, de dano e de relação causal entre esses; e desde que as autoridades
competentes julguem que a adoção de tais medidas é necessária para impedir que
ocorra um dano maior à indústria durante o período de investigação; que haja decorrido
o prazo de sessenta dias, a contar da abertura da investigação; e que tenha sido dada
oportunidade para que as partes interessadas se manifestem, poderão ser aplicadas
medidas antidumping provisórias. Esse direito provisório poderá não ser cobrado,
sendo prestada garantia a ele equivalente (fiança bancária ou depósito).

As medidas antidumping provisórias somente poderão ser aplicadas a produtos que


tenham sido despachados para consumo após a data de publicação de ato que
contenha tal decisão. Elas poderão vigorar por um período de até quatro meses. Este
período poderá ser de até seis meses, quando as autoridades competentes - a pedido
dos exportadores que tenham representatividade do comércio em questão e que
poderão apresentar novos fatos que modifiquem a decisão final - decidirem pela dilação
do prazo. Quando as autoridades, no curso de uma investigação, considerarem
suficiente para extinguir o dano a aplicação de
uma medida antidumping inferior à margem de dumping verificada, os prazos previstos
anteriormente passam a ser de seis e nove meses, respectivamente.

3.2.2. ENCERRAMENTO DA INVESTIGAÇÃO

A investigação será encerrada sem aplicação de direitos antidumping nos casos em


que:

- não houver comprovação suficiente da existência de dumping ou de dano;


- a margem de dumping “de minimis”;
- o volume de importações objeto de dumping real ou potencial, ou o dano causado for
insignificante; ou
- a autoridade investigadora deferir pedido de arquivamento formulado pelo peticionário.

28
Uma investigação somente poderá ser encerrada com aplicação de direitos
antidumping quando a autoridade investigadora chegar a uma determinação final
positiva da existência de dumping, de dano e de nexo causal entre eles.

Direitos antidumping e compromissos de preços somente vigorarão enquanto perdurar


a necessidade de neutralizar o dumping causado. Todo direito antidumping definitivo ou
compromissos de preços serão extintos no máximo em cinco anos após a sua
aplicação, ou cinco anos a contar da data da conclusão da mais recente revisão, que
tenha abrangido dumping e dano dele decorrente.

O direito antidumping será aplicado por empresa. No entanto, no caso da margem de


dumping ser calculada apenas para uma amostra de empresas, estas receberão direito
individual e para os demais exportadores conhecidos, não selecionados, será aplicado
direito não superior à média ponderada das margens de dumping estabelecida para o
grupo selecionado de empresas, não sendo considerado para esse fim, as margens
individuais zero, de minimis ou baseadas na melhor informação disponível.

Caso a decisão final seja pela não existência de dumping ou do dano dele decorrente,
ou pela não existência de ameaça de dano material ou de retardamento sensível no
estabelecimento de uma indústria, sem que tenha ocorrido dano material, o valor das
medidas antidumping provisórias será restituído, caso tenha sido recolhido, devolvido,
caso tenha sido garantido por depósito, ou extinto, no caso de fiança bancária.

Caso o valor do direito aplicado pela decisão final for igual ao valor do direito
provisoriamente recolhido ou garantido por depósito, esta importância será
automaticamente convertida em direito definitivo; se o valor do direito aplicado pela
decisão final for inferior ao valor do direito provisoriamente recolhido ou garantido por
depósito, o excedente será restituído ou devolvido; e, se o valor do direito aplicado pela
decisão final for superior ao valor do direito provisoriamente recolhido ou garantido por
depósito, a diferença não será exigida.

3.3. COMPROMISSOS DE PREÇO

Poderão ser suspensos os procedimentos sem prosseguimento de investigação e sem


aplicação de direitos antidumping, provisórios ou definitivos, se o exportador assumir
voluntariamente compromissos satisfatórios de revisão dos preços ou de cessação das
exportações a preços de dumping, destinadas ao Brasil, desde que as autoridades
investigadoras se convençam de que o compromisso elimina o efeito prejudicial
decorrente do dumping. Esses compromissos somente poderão ser propostos na
hipótese de as autoridades haverem alcançado uma determinação preliminar positiva
de dumping e do dano por ele causado.

29
3.4. RETROATIVIDADE

Em princípio, direitos antidumping, definitivos ou provisórios, somente podem ser


cobrados de produtos enviados para consumo após a decisão sobre a implementação
da medida entrar em vigor.

Contudo, direitos antidumping definitivos poderão ser cobrados sobre produtos que
tenham sido despachados para consumo até noventa dias antes da data de aplicação
das medidas antidumping provisórias, quando:

- haja antecedentes de dumping causador de dano, ou que o importador estava ou


deveria estar ciente de que o produtor ou exportador pratica dumping e de que este
causaria dano; e
- o dano seja causado por volumosas importações de um produto a preços de dumping
em período relativamente curto, o que, provavelmente, prejudicaria seriamente o efeito
corretivo dos direitos antidumping definitivos aplicáveis.

Não serão cobrados direitos sobre produtos que tenham sido despachados para
consumo antes da data de abertura da investigação. No caso de violação de
compromisso de preços, direitos antidumping definitivos poderão ser cobrados sobre os
produtos importados despachados para consumo, até noventa dias antes da aplicação
de medidas antidumping provisórias, ressalvados os que tenham sido despachados
antes da violação do compromisso.

3.5. REVISÃO DE DIREITO ANTIDUMPING

A pedido de parte interessada ou por iniciativa das autoridades envolvidas, poderá ser
feita a revisão - no todo ou em parte - das decisões sobre a aplicação do direito
antidumping, desde que haja decorrido, pelo menos, um ano da imposição de direitos
antidumping definitivos e que sejam apresentados elementos de prova suficientes de
que:

- a aplicação do direito deixou de ser necessária para neutralizar o dumping;


- seria improvável que o dano subsistisse ou se reproduzisse caso o direito fosse
revogado ou alterado; ou
- o direito existente não é ou deixou de ser suficiente para neutralizar o dumping
causador do dano.
As autoridades, a partir do resultado da revisão, poderão extinguir, manter ou alterar o
direito antidumping.

REVISÃO DE FINAL DE PERÍODO

O prazo de vigência do direito antidumping ou do compromisso de preço poderá ser


prorrogado mediante requerimento formulado pela indústria doméstica ou por iniciativa
de órgãos governamentais desde que demonstrado que a extinção dos direitos poderia
levar à continuação ou retomada do dumping e do dano dele decorrente.

30
Os interessados deverão, com antecedência suficiente, se manifestar, por escrito, sobre
a conveniência de uma revisão de final de período e solicitar audiência, se necessário.

Constatada a existência de elementos de prova que justifiquem a revisão, esta será


aberta. A revisão deverá ser concluída no prazo de doze meses contados a partir da
data de sua abertura. O direito será mantido enquanto perdurar a revisão.

4. ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS

Havia, dentre os negociadores do GATT 1947, a consciência de que o Acordo deveria


contemplar algumas cláusulas de escape em relação às suas regras, evitando seu
descumprimento em várias situações que não fossem consideradas normais. Por
exemplo, um súbito aumento de importações que viesse a causar um prejuízo grave à
indústria doméstica, provocando uma onda de desemprego, poderia dar margem a
pressões das associações empresariais e de sindicatos de trabalhadores solicitando
algum tipo de proteção que seria de difícil resistência por parte dos governos.

Assim, foi introduzido no GATT o artigo XIX, onde são tratadas as medidas de
salvaguarda. Seu objetivo é, independentemente da prática de qualquer prática desleal
por parte do exportador, criar um mecanismo de proteção temporária à industria
domestica, na expectativa que as empresas aproveitem-se desta período para
implementar um processo de reestruturação que seja capaz de aumentar sua
competitividade. O Acordo sobre Salvaguardas, negociado durante a Rodada Uruguai,
buscou criar regras mais definidas para a aplicação destas medidas.

Uma especificidade da medida de salvaguarda é que, uma vez que ela tem por objetivo
proteger a indústria doméstica e não se relaciona ao uso de práticas desleais de
comércio, sua aplicação não é discriminatória. Assim, definido o produto, ao aplicar-se
a medida de salvaguarda ela não discrimina os países aos quais ela será aplicada.

No caso de uniões aduaneiras, o Acordo prevê tanto que os países do bloco possam
adotar, conjuntamente, uma medida de salvaguarda como que um país integrante do
bloco a adote separadamente dos demais. No âmbito do MERCOSUL, foi concluído o
regulamento com vistas à aplicação de medidas de salvaguarda às importações
provenientes de países que pertençam ao bloco.

No Brasil, a medida de salvaguarda, quando aplicada na forma de alíquota ad valorem,


corresponde a um adicional ao Imposto de Importação, tendo assim a mesma natureza
jurídica que este, decorrendo disto não se aplicar a operações amparadas em
drawback. A partir de 2001, estabeleceu-se que a aplicação de medidas de salvaguarda
passaria a ser de competência da CAMEX.

31
4.1. CONCEITOS BÁSICOS

O ASS permite que os países adotem medidas de salvaguardas, mas exige que,
previamente, seja realizada uma investigação conduzida de acordo com as regras
estabelecidas no âmbito da OMC. Aplicam-se a essas investigações, regras
semelhantes às aplicáveis no caso do AAD. O Comitê de Salvaguardas da OMC será
notificado sobre a abertura da investigação.

O ASS apresenta definições pouco precisas e menor detalhamento dos procedimentos,


principalmente se comparado ao AAD. Basicamente, estabelece a necessidade de
realização de investigação prévia à adoção de medida de salvaguarda e a possibilidade
de aplicação de medida provisória, tão logo iniciada a investigação. No que se refere à
investigação, não estão estabelecidos procedimentos claros que garantam a
participação de todas as partes envolvidas, exceto no que se refere aos governos dos
países exportadores afetados. Por meio de notificações à OMC e possibilidade de
realização de consultas, tais governos têm garantida a oportunidade de intervir no
processo.

As medidas de salvaguarda têm como objetivo aumentar, temporariamente, a proteção


a uma indústria doméstica que esteja sofrendo prejuízo grave ou ameaça de prejuízo
grave decorrente do aumento, em quantidade, das importações, em termos absolutos
ou em relação à produção nacional. O intuito desta proteção é que, durante o período
de vigência de tais medidas, a indústria doméstica se ajuste, aumentando a sua
competitividade.

No caso de salvaguardas, considera-se como indústria doméstica o conjunto de


produtores de bens similares ou diretamente concorrentes ao produto importado os
produtores cuja produção total de bens similares ou diretamente concorrentes ao
importado constitua uma proporção substancial da produção nacional de tais bens.
Esse conceito de indústria doméstica, ao abranger os produtos diretamente
concorrentes, difere daquele adotado no âmbito do AAD ou do ASMC. O Acordo sobre
Salvaguardas não define explicitamente o que seria produto similar ou diretamente
concorrente.

Prejuízo Grave ou Ameaça de Prejuízo Grave: entende-se por prejuízo grave a


deterioração geral e significativa da situação de uma determinada indústria doméstica,
e por ameaça de prejuízo grave a clara iminência de prejuízo grave, com base em fatos
e não apenas em alegações ou possibilidades remotas. Na investigação para
determinar se o aumento das importações está causando prejuízo grave ou ameaça de
prejuízo grave, devem ser avaliados todos os fatores objetivos e quantificáveis
relacionados à situação da indústria doméstica, especialmente:
- o ritmo de crescimento das importações do produto;
- a parcela do mercado interno absorvida por importações crescentes;
- alterações no nível de vendas, produção, utilização da capacidade instalada, lucros e
emprego.

32
Assim como no caso de dumping e de subsídios, a aplicação de uma medida de
salvaguarda requer que seja demonstrada a relação de causalidade entre o prejuízo,
ou ameaça de prejuízo grave, e o aumento das importações do produto em questão.
Existindo outros fatores, distintos do aumento das importações que,
concomitantemente, estejam causando prejuízo grave ou ameaça de prejuízo grave à
indústria doméstica, este prejuízo ou ameaça não será atribuído ao aumento das
importações.

O ASS explicita a necessidade de que a aplicação da medida de salvaguarda ocorra


apenas pelo período necessário para que a indústria doméstica passe por um ajuste
estrutural. Enquanto a medida estiver em vigor, o governo deve realizar um
acompanhamento do setor visando comprovar se a indústria encontra-se, efetivamente,
em um processo de ajuste.

No Brasil, exige-se que a indústria doméstica apresente e se comprometa com um


programa de ajuste. com o objetivo de aumentar a competitividade internacional da
produção interna, tornando-a capaz de concorrer com os produtos importados em
termos de preço e qualidade.

Compensação comercial: o ASS afirma que o nível de concessões aos demais


membros deve ser mantido pelo país que aplica medidas de salvaguarda. Para tanto
pode ser necessário celebrar acordos visando conceder alguma forma adequada de
compensação comercial pelos efeitos adversos da medida de salvaguarda sobre o
comércio. Assim, caso seja aplicada uma medida de salvaguarda, é garantido, aos
membros que tenham interesse substancial como exportadores do produto afetado, o
direito de solicitar compensações.

Esta solicitação de compensações justifica-se, pois a aplicação de medida de


salvaguarda representa um rompimento temporário do equilíbrio das concessões
tarifárias e de outras obrigações assumidas no âmbito dos acordos da OMC. Caso não
seja alcançado um acordo a esse respeito, os governos interessados poderão
suspender concessões substancialmente equivalentes, desde que tal suspensão não
seja desaprovada pela OMC. Contudo, este direito não pode ser exercido durante os
três primeiros anos de vigência da medida, desde que essa tenha sido adotada como
resultado de aumento, em termos absolutos, das importações.

4.2. MEDIDAS DE SALVAGUARDA

As medidas de salvaguarda definitivas podem ser aplicadas como elevação do Imposto


de Importação ou por meio de restrições quantitativas às importações, mas somente
devem ser aplicadas na extensão necessária para prevenir ou reparar o prejuízo grave
e facilitar o ajuste da indústria doméstica. As medidas serão aplicadas de forma não
seletiva, incidindo sobre produtos importados, independentemente da origem. No
entanto, o ASS exclui a possibilidade de serem aplicadas medidas de salvaguarda
contra produtos procedentes de países em desenvolvimento quando a parcela que lhes
corresponde nas importações do produto considerado não for superior a três por cento,

33
desde que a participação do conjunto dos países em desenvolvimento, com volume de
importações inferior a três por cento, não represente, em conjunto, mais do que nove
por cento das importações do produto.
Caso sejam adotadas restrições quantitativas, tais medidas não reduzirão o volume das
importações abaixo do nível de um período recente, como tal considerado a média das
importações nos últimos três anos representativos para os quais se disponha de dados
estatísticos, a não ser que exista uma justificativa clara de que é necessário um nível
diferente para prevenir ou reparar o prejuízo grave.

No caso de utilização de cotas a serem alocadas entre os países fornecedores, poderá


ser celebrado acordo com os governos sobre a distribuição destas cotas. Não sendo
viável esse acordo, será fixada cota para cada país diretamente interessado, tomando
por base a participação relativa de cada um, em valor ou quantidade, na importação do
produto no período recente e levando em conta fatores especiais que possam estar
afetando o comércio do produto.

O Comitê de Salvaguardas da OMC deverá ser notificado imediatamente após a


determinação da existência de prejuízo grave ou ameaça de prejuízo grave e haja
proposição de aplicação de medida de salvaguarda. Também deverá ser notificada a
disposição de realizar consultas prévias à aplicação de medida com qualquer governo
que tenha um interesse substancial como exportador do produto. Tais consultas têm
como objetivo propiciar oportunidade para que se examinem as informações fornecidas
pelo solicitante, trocar opiniões sobre a medida e buscar um entendimento sobre
eventuais compensações a serem dadas, em decorrência da aplicação de medida, a
fim de manter o nível equivalente de direitos e obrigações acordados.

Caso haja determinação preliminar da existência de prejuízo grave ou de ameaça de


prejuízo grave e de circunstâncias críticas, onde qualquer demora possa causar dano
de difícil reparação, pode ser aplicada medida de salvaguarda provisória. O Comitê de
Salvaguardas da OMC será notificado previamente à aplicação da medida e as
consultas com os governos interessados realizar-se-ão imediatamente após a adoção
de tais medidas. As medidas de salvaguarda provisórias serão aplicadas,
exclusivamente, na forma de elevação do imposto de importação e terão vigência de
até duzentos dias.

4.2.1. VIGÊNCIA DA MEDIDA

A medida de salvaguarda terá inicialmente prazo de vigência de até 4 anos. Caso tenha
sido aplicada medida de salvaguarda provisória, o seu prazo de vigência será
computado para efeito de vigência total da medida de salvaguarda. Com o objetivo de
incentivar o ajustamento, a medida de salvaguarda, cujo período de aplicação for
superior a um ano, será liberalizada progressivamente, a intervalos regulares durante a
sua vigência.

34
a) REVISÃO DE MEIO PERÍODO

Quando a duração da medida de salvaguarda exceder a três anos, a autoridade


investigadora procederá a revisão, no mais tardar até a metade da sua vigência, na
qual serão examinados os efeitos concretos por ela produzidos, e, se for o caso,
proporá a revogação da medida ou a aceleração do processo de liberalização.
O resultado dessa revisão de meio período será notificado ao Comitê de Salvaguardas
da OMC. Qualquer alteração da medida aplicada decorrente da revisão de meio
período será objeto de aviso público.

b) PRORROGAÇÃO DA MEDIDA

O período de aplicação de medida de salvaguarda poderá ser prorrogado quando for


determinado, por meio de investigação na qual será dada oportunidade para que todas
as partes se manifestem, que a aplicação da medida de salvaguarda continua sendo
necessária para prevenir ou reparar prejuízo grave e que haja provas de que a indústria
doméstica está em processo de ajustamento, nos termos de compromisso firmado com
o governo.

Neste caso, o Comitê de Salvaguardas da OMC deverá ser notificado e deverá ser
oferecida oportunidade para realização de consultas, prévias à prorrogação, com os
governos dos países que tenham interesse substancial como exportadores do produto
em questão.

A duração total da medida de salvaguarda, incluindo o período de aplicação inicial e


toda a extensão da mesma, não será superior a oito anos, à exceção dos países em
desenvolvimento, para os quais não será superior a dez anos.

4.3. APLICAÇÃO DE NOVA MEDIDA DE SALVAGUARDA

O ASS estabelece restrições à aplicação de nova medida de salvaguarda para o


mesmo produto. Caso a medida anterior tenha durado até 4 anos, só poderá ser
aplicada nova medida sobre o mesmo produto após terem decorrido pelo menos 2 anos
do término do período de vigência da mesma. Caso a medida tenha sido implementada
por um período superior a 4 anos, o intervalo a ser respeitado para nova aplicação será
igual à metade do período de vigência da medida.

5. ACORDO SOBRE SUBSÍDIOS E MEDIDAS


COMPENSATÓRIAS

Ao longo da história são inúmeras as evidências de que o apoio dos governos, através
da concessão de subsídios, tem sido crucial para o desenvolvimento tanto de setores
específicos quanto das economias como um todo. Embora exista um amplo debate e
extensa bibliografia sobre estes aspectos, este texto restringe-se a apresentar as

35
características do acordo sobre subsídios em vigor no âmbito da OMC. Cabe recordar
que, como já foi citado no item 1, há diferenças expressivas entre as disciplinas
referentes a subsídios aplicáveis aos produtos agrícolas e aos produtos industriais.

O GATT negociado em 1947 já apresentava cláusulas que se referiam ao tratamento de


subsídios no comércio internacional, mas, ainda assim, havia muita indefinição quanto
ao tema. Um primeiro acordo sobre subsídios foi negociado na Rodada Tóquio, sem
que houvesse consenso sobre várias questões consideradas necessárias para dar
maior segurança aos países interessados. Na Rodada Uruguai houve avanços
significativos nas negociações, chegando-se ao atual Acordo sobre Subsídios e
Medidas Compensatórias que apresenta definições e procedimentos para tratar da
questão bem mais claros que os existentes anteriormente.

Observe-se que, em linhas gerais, aplicam-se às investigações sobre subsídios, os


mesmos princípios relativos às sobre antidumping, tais como os relativos à condução
das investigações, o fornecimento de informações confidenciais, as verificações in loco,
o conceito de produto similar e o conceito e representatividade da indústria doméstica.
Contudo, no tocante à indústria doméstica, poderão ser excluídos desse conceito os
produtores nacionais importadores do produto subsidiado.

Observe-se que, em linhas gerais, aplicam-se às investigações sobre subsídios visando


a aplicação de medidas compensatórias os mesmos princípios relativos às sobre
antidumping, tais como os relativos à condução das investigações, ao fornecimento de
informações confidenciais, às verificações in loco, ao conceito de produto similar e ao
conceito e representatividade da indústria doméstica. Contudo, no tocante à indústria
doméstica, poderão ser excluídos desse conceito os produtores nacionais importadores
do produto subsidiado.

No entanto, este acordo apresenta uma amplitude significativamente maior que o AAD,
na medida em que a simples aplicação de medidas compensatória pode não ser
suficiente para eliminar todos os danos que os subsídios podem causar a outros
membros, particularmente quando estão sendo consideradas exportações a terceiros
mercados. Como será apresentado, há casos em que o tratamento do problema exigirá
que se recorra diretamente à OMC, podendo ser necessário, até mesmo, apelar ao
mecanismo de solução de controvérsias.

5.1. CONCEITO DE SUBSÍDIO

Segundo o ASMC, existe um subsídio quando:

a) haja, no país exportador, qualquer forma de sustentação de renda ou de preços


que, direta ou indiretamente, contribua para aumentar exportações ou reduzir
importações de qualquer produto; ou
b) haja contribuição financeira por um governo ou órgão público, no interior do
território de um país. Considera-se que há contribuição financeira nos casos em que
houver:

36
- transferência direta de fundos (doações, empréstimos, aportes de capital etc.);
- possibilidade de transferência direta de fundos (garantia de empréstimo, por exemplo);
- perdão ou não recolhimento de receitas públicas devidas (incentivos fiscais etc.);
- fornecimento de bens ou serviços distintos daqueles destinados à infra-estrutura geral,
ou compra de bens;
- pagamentos a um mecanismo de fundo ou caso o governo instrua ou confie à
entidade privada a incumbência de realizar as ações acima descritas de maneira
semelhante ao governo.

e, simultaneamente,

- em qualquer uma das duas hipóteses anteriores, conceda-se um benefício ou


vantagem.

Em outras palavras, apenas considera-se que existe um subsídio quando há


contribuição financeira ou sustentação de renda e, por seu meio, é conferido um
benefício.

O Acordo explicita que a simples isenção de impostos indiretos ou taxas a produtos


destinados à exportação, ou sua remissão em valores que não excedam os valores
devidos, não é considerada subsídio.

5.2. ESPECIFICIDADE DE SUBSÍDIOS

Um primeiro e crucial aspecto para todo o tratamento da questão de um subsídio na


OMC é sua caracterização, ou não, como sendo específico. Um subsídio é considerado
específico quando o acesso ao subsídio for limitado, de fato ou de direito, a uma ou a
um grupo de empresas ou indústrias, a setores de produção, ou a regiões geográficas.
A determinação de especificidade deverá estar claramente fundamentada em provas
positivas.

Nos casos em que não haja, aparentemente, especificidade, mas haja razões para crer
que o subsídio seja de fato específico, poderão ser considerados outros fatores para
sua determinação. Podem caracterizar a especificidade o uso de um programa de
subsídio por um número limitado de determinadas empresas, uso predominante de um
programa de subsídios por determinadas empresas, concessão de parcela
desproporcionalmente grande de subsídio apenas a determinadas empresas, e o modo
pelo qual a autoridade outorgante exerceu seu poder discricionário na decisão de
conceder um subsídio.

Nesses casos serão levadas em conta as informações sobre a freqüência com que são
recusados ou aceitos pedidos de subsídios e sobre os motivos que levaram a tais
decisões, bem como a diversidade das atividades econômicas dentro da jurisdição da
autoridade outorgante e o período de tempo durante o qual o programa de subsídios
esteve em vigor.

37
5.3. CLASSIFICAÇÃO DE SUBSÍDIOS

A classificação dos subsídios reflete o acordo possível entre os negociadores sobre o


grau de distorção que eles causariam no comércio internacional. A forma de tratar os
subsídios no âmbito OMC depende de seu enquadramento em uma das três categorias
abaixo:
a) subsídios proibidos
b) subsídios acionáveis (ou recorríveis)
c) subsídios não-acionáveis (ou irrecorríveis)

I) SUBSÍDIOS PROIBIDOS

São considerados subsídios proibidos:

1) subsídios vinculados, de fato ou de direito, quer exclusivamente, quer como parte de


um conjunto de condições, a desempenho exportador. A vinculação de fato ficará
caracterizada quando for demonstrado que a sua concessão, ainda que não vinculada
de direito ao desempenho exportador, está efetivamente vinculada a exportações ou a
ganhos com exportações, reais ou previstos. O simples fato de que subsídios sejam
concedidos a empresas exportadoras não deverá ser considerado como subsídio à
exportação; ou

2) subsídios vinculados, quer exclusivamente, quer como parte de um conjunto de


condições, ao uso preferencial de produtos domésticos em detrimento de produtos
estrangeiros. O subsídio que se enquadre na definição de subsídio proibido é por
definição um subsídio específico. Todos os subsídios que não são proibidos são
permitidos.

Em relação a produtos agrícolas, deve-se ressaltar que o conceito de subsídio proibido


não se aplica, conforme previsto no Acordo sobre Agricultura da OMC, prevalecendo
regras distintas para esses produtos.

II) SUBSÍDIOS ACIONÁVEIS (OU RECORRÍVEIS)

Os subsídios acionáveis (ou recorríveis) recorríveis são subsídios específicos que


causem efeitos adversos (ou efeitos danosos) aos interesses de um outro membro.
Esses efeitos podem se apresentar das seguintes formas:

a) dano à indústria doméstica de um país importador. Neste caso aplicam-se os


procedimentos de recursos junto à OMC ou os procedimentos de investigação para fins
de aplicação de medidas compensatórias.

b) anulação ou prejuízo de vantagens resultantes, para outros Membros, direta ou


indiretamente do GATT 1994, em especial as vantagens de concessões consolidadas.

38
c) grave dano aos interesses de outro Membro: também neste caso se aplicam os
procedimentos de recurso junto à OMC contra os subsídios. Há alguns aspectos
referentes à determinação de grave dano que estão sendo amplamente discutidos
durante a Rodada Doha. Contudo, não se espera que ocorram mudanças no parágrafo
que estipula que haverá grave dano nos casos em que o subsídio provoque um ou a
combinação dos seguintes efeitos:
(i) deslocar ou impedir a importação, no mercado do membro que subsidia, de
produtos fabricados em outro;
(ii) deslocar ou impedir a importação de produtos que não recebam subsídios em
mercados de terceiros países;
(iii) provocar significativa redução de preço do produto subsidiado em um mercado
importador em relação ao produto de outro membro no mesmo mercado, ou tenha
efeito significativo na contenção de aumento de preços, redução dos preços ou
perda de vendas no mesmo mercado;
(iv) aumentar a participação no mercado mundial de produtos primários ou de
base originários do país que subsidia.

III) SUBSÍDIOS NÃO-ACIONÁVEIS (OU IRRECORRÍVEIS)

Por ocasião da assinatura do Acordo, foi considerado que existiriam dois tipos de
subsídios não-acionáveis (ou irrecorríveis):

- todos os subsídios que não sejam específicos;


- até o final de 1999, subsídios, mesmo específicos, concedidos para pesquisa,
desenvolvimento regional ou para adaptação de instalações a novas exigências
ambientais seriam irrecorríveis, assim como não estariam sujeitos a medidas
compensatórias. A partir de 2000, o Comitê de Subsídios e Medidas Compensatórias
deveria rediscutir o tema para decidir sobre a prorrogação deste dispositivo, o que não
ocorreu, tornando estes subsídios recorríveis como qualquer outro.

Contudo, o tema está em negociação na Rodada Doha e não pode ser descartada a
hipótese de que seja acordado que os subsídios do tipo dos citados na letra b acima ou
outros tipos venham a ser considerados como não recorríveis.

5.4. AÇÕES CONTRA SUBSÍDIOS

O Acordo prevê a possibilidade de um Membro que se considere afetado pela


concessão de subsídio por outro Membro possa utilizar duas linhas de ação:

a) a via unilateral, por meio da imposição de medidas compensatórias, possível de ser


aplicada quando as exportações subsidiadas dirigem-se ao mercado doméstico do país
que se julga prejudicado;

b) a via multilateral, ou seja, recurso junto à OMC. O procedimento para o recurso


apresenta diferenças segundo a classificação do subsídio (proibido, recorrível e
irrecorrível). As diferenças dizem respeito às modalidades dos questionamentos que

39
podem ser invocados quanto à política adotada pelo país que concede o subsídio, bem
como aos procedimentos seguidos pelo Comitê de Subsídios da OMC. Caso não haja
acordo entre os países, a solução é recorrer ao mecanismo de solução de
controvérsias, já apresentado anteriormente.

5.5. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

A utilização de medidas compensatórias é a via unilateral, sem necessidade de que


exista uma aprovação prévia da OMC, por meio da qual os países buscam eliminar o
dano causado à indústria doméstica decorrente da importação de produtos que
recebam subsídios no país exportador.

Observe-se que país exportador é o país de origem ou de exportação onde é


concedido o subsídio. Quando os produtos não forem exportados diretamente do país
exportador, mas a partir de um país intermediário, as transações em questão serão
consideradas como tendo ocorrido entre o país exportador e o importador.

Da mesma forma que o direito antidumping, o direito compensatório é aplicado na


forma de uma alíquota ad valorem ou específica, fixa ou variável, ou pela conjugação
entre ambas, sobre o valor aduaneiro em base CIF. De natureza jurídica diversa do
Imposto de Importação, incide, inclusive, sobre as operações amparadas em drawback.

CONDIÇÕES PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA COMPENSATÓRIA

A aplicação de medida compensatória requer que seja determinada a existência de


subsídio acionável, de dano à indústria doméstica e de relação causal entre estes,
com base em investigação realizada com essa finalidade. As análises relativas ao dano
à indústria doméstica e à relação causal entre as importações subsidiadas e o dano
obedecem, em linhas gerais, às mesmas regras indicadas no tocante ao Acordo
Antidumping.

A análise cumulativa das importações provenientes de mais de um país, que estejam


sendo objeto de investigação, no âmbito do ASMC requer o atendimento dos seguintes
requisitos:

1. o montante de subsídio acionável estabelecido em relação às importações de cada


país é maior do que de minimis, isto é, maior que 1% ad valorem. Em se tratando de
países em desenvolvimento esse percentual alcança 2%;

2. o volume de importações subsidiadas originárias de cada país, real ou potencial, ou o


dano, não é insignificante. Será considerado insignificante volume de importações
proveniente de determinado país, inferior a 3% das importações totais do produto
similar, a não ser que os países que, individualmente, respondam por menos de 3%
dessas importações sejam, coletivamente, responsáveis por mais de 7% das
importações totais do produto. Em se tratando de importações de paises em
desenvolvimento, há condições mais restritivas para que a acumulação seja aceitável.

40
3. o exame cumulativo dos efeitos das importações é adequado à luz das
condições de competição existentes.

5.6. CÁLCULO DO MONTANTE DE SUBSÍDIO ACIONÁVEL

Para fins de aplicação de medidas compensatórias, o montante de subsídio acionável


será calculado por unidade do produto subsidiado exportado, com base no benefício
usufruído durante o período de investigação da existência de subsídio. Quando o
subsídio não for concedido em função das quantidades produzidas, exportadas ou
transportadas, o cálculo do montante será feito repartindo-se de forma adequada o
valor do subsídio total pelo volume de fabricação, de produção, de venda ou de
exportação do produto, durante o período de investigação.

Como regra geral, o montante de subsídio acionável será determinado individualmente


para cada um dos conhecidos exportadores ou produtores do produto sob investigação.
Caso o número de exportadores, produtores, importadores conhecidos ou tipos de
produtos, ou transações sob investigação seja expressivo, de forma a tornar
impraticável a determinação de montante individual, o exame poderá se limitar:

- a um número razoável de partes interessadas, transações ou produtos, por meio de


amostragem estatisticamente válida, com base nas informações disponíveis no
momento da seleção; ou

- ao maior volume de produção, vendas ou exportação que seja representativo e que


possa ser investigado, levando-se em conta os prazos.

O montante de subsídio será considerado de minimis quando for inferior a 1% ad


valorem para os países desenvolvidos, existindo regras mais flexíveis para os países
em desenvolvimento.

5.7. INVESTIGAÇÃO SOBRE SUBSÍDIOS E MEDIDAS


COMPENSATÓRIAS

A investigação realizada com o objetivo de determinar a existência, o grau e o efeito de


qualquer subsídio é muito semelhante ao previsto no AAD. O período de investigação
sobre subsídio acionável deverá compreender os doze meses mais próximos possíveis
anteriores à data da abertura da investigação, podendo retroagir até o início do ano
contábil do beneficiário, mais recentemente encerrado e para o qual estejam
disponíveis dados financeiros confiáveis. Em circunstâncias excepcionais, o período
objeto da investigação poderá ser inferior a doze meses, mas nunca a seis meses.

A autoridade investigadora examinará preliminarmente a petição, com o objetivo de


verificar se está devidamente instruída, isto é, se contém os elementos necessários
para sua análise ou se são necessárias informações complementares. Após a
habilitação da petição, mas antes da abertura da investigação, os membros cujos
produtos possam vir a ser objeto de investigação serão notificados da solicitação e

41
poderão manifestar interesse em realizar consultas. Estas visam esclarecer as
alegações buscar solução mutuamente satisfatória. A possibilidade de novas consultas
com membro exportador está aberta ao longo da investigação.

No caso de produtos agrícolas, deve-se considerar que a abertura de investigação


pressupõe “devida moderação”, conforme disposto no Acordo Sobre Agricultura.

5.7.1. APLICAÇÃO DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS PROVISÓRIAS

Somente serão aplicadas se:

a) a investigação tiver sido aberta de acordo com os procedimentos anteriormente


citados e houver sido dada oportunidade para que as partes e os governos
interessados se manifestem;

b) uma determinação preliminar positiva dos condicionantes para aplicação da medida


houver sido alcançada;

c) as autoridades competentes julgarem que tais medidas são necessárias para impedir
um dano maior à indústria durante o período de investigação;

d) houver decorrido pelo menos sessenta dias da data da abertura da investigação.

O valor da medida compensatória provisória não poderá exceder o montante do


subsídio acionável preliminarmente determinado. As medidas compensatórias serão
aplicadas na forma de direito provisório, garantido por depósito em dinheiro ou fiança
bancária. Sua vigência está limitada a quatro meses.

5.7.2. COMPROMISSOS

A qualquer tempo, a investigação poderá ser suspensa se o governo do país exportador


concordar em eliminar ou reduzir o subsídio ou se o exportador assumir
voluntariamente compromissos de revisão dos preços das exportações, desde que as
autoridades envolvidas julguem que tal compromisso elimine o efeito prejudicial
decorrente do subsídio.

O governo do país exportador e os exportadores poderão propor compromissos ou


estudar a conveniência de aceitar aqueles propostos pela autoridade investigadora. A
autoridade investigadora poderá recusar estes compromissos quando sua aceitação for
considerada ineficaz. Nesses casos, serão fornecidos aos governos ou aos
exportadores os motivos pelos quais o compromisso foi julgado inaceitável, sendo-lhes
oferecida oportunidade de manifestação.

Aceito o compromisso, será expedido aviso público a respeito de sua homologação e,


conforme o caso, da decisão quanto ao prosseguimento ou suspensão da investigação,
notificando-se as partes e os governos interessados. A investigação de subsídio e dano

42
poderá prosseguir, a pedido do governo do país exportador ou se assim decidirem as
autoridades envolvidas.

As autoridades competentes poderão solicitar, a qualquer tempo, dados que permitam


verificar o fiel cumprimento do compromisso. O não fornecimento dessas informações
acarretará a violação do compromisso, podendo ser adotadas providências com vistas
à imediata aplicação de medidas compensatórias provisórias apoiadas nos fatos
disponíveis e se a investigação tiver sido suspensa, será retomada imediatamente.

Na hipótese de ter sido aceito um compromisso com prosseguimento da investigação:

a) se a autoridade investigadora chegar a uma determinação negativa de subsídio


acionável ou de dano dele decorrente, a investigação será encerrada e o compromisso
extinto, exceto quando a determinação negativa resulte da própria existência do
compromisso;

b) se a autoridade investigadora concluir, que houve subsídio acionável e dano dele


decorrente, a investigação será encerrada e a aplicação do direito definitivo suspensa
enquanto vigorar o compromisso.

No caso de violação do compromisso, poderão ser adotadas providências com vistas à


imediata aplicação de direitos compensatórios, tendo como base a determinação da
investigação realizada.

5.7.3. ENCERRAMENTO DA INVESTIGAÇÃO

A investigação será encerrada sem aplicação de direitos compensatórios quando:

- não houver comprovação suficiente da existência de subsídio acionável ou de dano


dele decorrente;
- o montante de subsídio acionável for de minimis;
- o volume de importações, real ou potencial, do produto subsidiado ou o dano causado
for insignificante: ou
- a autoridade investigadora deferir o pedido de arquivamento formulado pelo
peticionário.

A investigação será encerrada com aplicação de direitos, quando a autoridade


investigadora chegar a uma determinação final da existência de subsídio acionável, de
dano e de nexo causal entre eles.

Os direitos compensatórios aplicados às importações originárias de exportadores ou


produtores conhecidos e que não tenham sido selecionados, mas que tenham fornecido
as informações solicitadas, não poderão exceder à média ponderada do montante de
subsídio estabelecido para o grupo selecionado de exportadores ou de produtores. Não
serão levados em conta montantes zero ou de minimis.

43
Retroatividade: direitos compensatórios definitivos poderão ser cobrados sobre
produtos que tenham sido despachados para consumo até noventa dias antes da data
de aplicação das medidas compensatórias provisórias, sempre que se determine que o
dano é causado por volumosas importações, em período relativamente curto. Não
serão cobrados direitos sobre produtos que tenham sido despachados para consumo
antes da data de abertura da investigação.

No caso de violação de compromisso, direitos compensatórios definitivos poderão ser


cobrados sobre os produtos importados despachados para consumo, até noventa dias
antes da aplicação de medidas compensatórias provisórias, ressalvados aqueles que
tenham sido despachados antes da violação do compromisso.

5.8. REVISÃO DE DIREITO COMPENSATÓRIO OU DE COMPROMISSO

A pedido de parte ou governo interessado ou por iniciativa das autoridades envolvidas,


poderá ser feita a revisão das decisões sobre a aplicação do direito compensatório,
desde que haja decorrido, pelo menos, um ano da imposição de direitos
compensatórios definitivos e que sejam apresentados elementos de prova suficientes
de que:

a) a aplicação do direito deixou de ser necessária para neutralizar o subsídio acionável;

b) seria improvável que o dano subsistisse ou se reproduzisse caso o direito fosse


revogado ou alterado; ou

c) o direito existente não é ou deixou de ser suficiente para neutralizar o subsídio


acionável causador do dano.

Constatada a existência de elementos de prova que justifiquem a revisão, esta será


aberta. A revisão deverá ser concluída no prazo de doze meses contados a partir da
data de sua abertura. As partes e governos interessados conhecidos serão notificados
e será expedido aviso público.

Em casos excepcionais de mudanças substanciais das circunstâncias ou quando for de


interesse nacional, poderão ser efetuadas revisões em intervalo menor, por
requerimento da parte ou governos interessados, das autoridades envolvidas ou por
iniciativa do órgão investigador.

Os direitos e compromissos serão mantidos em vigor enquanto durar a revisão. As


autoridades envolvidas, com base no resultado e de conformidade com as provas
colhidas no curso da revisão, poderão extinguir, manter ou alterar o direito
compensatório.

Quando solicitado, poderá ser feita revisão sumária de direitos compensatórios


aplicados sobre um produto, com vistas a determinar, de forma ágil, direito
compensatório individual para quaisquer exportadores ou produtores, que não tenham

44
sido de fato investigados por outras razões que não uma recusa de cooperar com a
investigação.

6. ACORDO SOBRE BARREIRAS TÉCNICAS

O artigo 20 do GATT 47, que trata das exceções gerais às obrigações assumidas pelos
signatários, estabelece que o Acordo não impede a adoção de medidas voltadas a
atingir uma série de objetivos ali explicitados, dentre os quais, a proteção da vida e a
saúde humana, animal ou vegetal e a conservação de recursos naturais exauríveis.
Contudo estas medidas não podem ser adotadas de forma a introduzir discriminações
entre os países ou em restrições disfarçadas ao comércio internacional.

A aplicação destas exceções, de forma muitas vezes questionável, por vários países,
suscitou discussões profundas sobre o tema. Após um longo histórico de negociações
internacionais que descreveremos sucintamente anteriormente deste texto, os
resultados da Rodada Uruguai da OMC incluíram um Acordo sobre Barreiras Técnicas
ao Comércio que busca regulamentar parte das exceções do Artigo 20. Este Acordo,
usualmente chamado no Brasil por sua sigla em inglês de TBT, é obrigatório para todos
os membros da OMC.

O Acordo TBT, que passou a vigorar no início de 1995, determina, no artigo 10, que
todos membros da OMC estabeleçam um “enquiry point”, para fornecer informações ao
s interessados de outros membros sobre as exigências técnicas vigentes no país e, nos
artigos 2 e 5, a obrigatoriedade da notificação ao Secretariado da OMC dos projetos de
regulamentos técnicos e de procedimentos de avaliação da conformidade, buscando
garantir a implementação do princípio da transparência.

Em 4 de setembro de 1995, após o início do funcionamento da OMC, o CONMETRO,


conselho ministerial responsável por decisões relacionadas à cadeia da avaliação da
conformidade, adaptando a institucionalidade brasileira às novas obrigações, aprovou a
Resolução No. 5, ampliando as funções do Inmetro e atribuindo-lhe a responsabilidade
por notificar, aos organismos internacionais, toda proposta de elaboração ou revisão da
regulamentação técnica federal.

No ano seguinte, em 19 de setembro de 1996, o CONMETRO, através de sua


Resolução 2/96, aprovou as “Diretrizes para Notificação no Âmbito do Acordo de
Barreiras Técnicas”. Nela foram estabelecidas as definições dos termos a serem
utilizadas, as situações passíveis de notificação, as fases da notificação, o regime de
exceção e determinações sobre publicação e notificação, observando sempre as
obrigações assumidas com o novo Acordo.

Assim, com o advento da Organização Mundial do Comércio, o Inmetro passou a


exercer a função de “Ponto Focal do Acordo sobre Barreiras Técnicas da OMC”,
tornando-se tanto responsável pelas funções de enquiry point como por preparar as
notificações sobre novas exigências técnicas, tal como previsto no Acordo TBT.

45
Cabe citar que no âmbito do Mercosul, foi criado um subgrupo de trabalho específico, o
SGT-3, que tem por objetivo evitar que os regulamentos técnicos e os procedimentos
de avaliação da conformidade criem barreiras técnicas ao comércio. O subgrupo busca
a harmonização de exigências técnicas utilizando a estratégia de adotar, como
referência, normas internacionais como as da ISO/IEC, da OIML, do Codex
Alimentarius e do WP-29 da ONU. Contudo, ainda que o SGT-3 tenha suas atividades
voltadas direta e exclusivamente à eliminação das barreiras técnicas intrabloco, deve-
se mencionar a existência de outros subgrupos de trabalho no âmbito do Mercosul que
estão envolvidos com as atividades de regulamentação técnica, a saber: SGT-1,
Comunicações, SGT-5, Transportes, SGT-6, Meio Ambiente, SGT-7, Industria, SGT-8,
Agricultura e SGT-11, Saúde.

6.1. BARREIRAS E OBSTÁCULOS TÉCNICOS

Em diferentes países, as mercadorias se defrontam com diferentes exigências técnicas,


o que tem como conseqüência que as empresas devam incorrer em custos para
adaptação dos produtos e deixem de se beneficiar de ganhos de escala. Esta
necessidade de adaptação exige capacitação técnica que, muitas vezes, não está
disponível nos países em desenvolvimento ou não está ao alcance das pequenas e
médias empresas que desejam iniciar suas atividades no comércio exterior.

Atualmente, há um amplo reconhecimento de que as diferentes exigências técnicas


podem criar obstáculos ao comércio e em todas as negociações referentes à
liberalização comercial o tema está presente. Apesar deste entendimento generalizado,
surpreendentemente, em todos os acordos em que o tema é tratado, tanto na OMC
quanto nos tratados de constituição de áreas de livre comércio, não aparece uma
definição explícita de “barreira técnica”. Sempre são propostas formas de eliminá-las,
sem que elas sejam definidas.

Observe-se que, em geral, o termo barreira técnica refere-se às exigências técnicas


que estão em desacordo com o prescrito no Acordo TBT. Porém, independentemente
do que consta do acordo, as exigências técnicas podem causar obstáculos técnicos ao
comércio, ou seja, introduzir dificuldades para as empresas exportadoras. Assim, tem
sido freqüente a utilização do termo “barreira técnica” para exigências que podem ser
questionadas na OMC, considerando o Acordo TBT, e usar o termo “obstáculo técnico”
para as dificuldades originárias de requisitos técnicos para os quais não há justificativa
para haver questionamentos formais no organismo multilateral.

Atualmente, considerando a experiência internacional já desenvolvida, é possível


conceituar as barreiras técnicas de forma a buscar soluções para o tratamento da
questão no âmbito da OMC. Assim sendo, a partir do que é estipulado nos acordos
existentes, pode-se inferir que barreiras técnicas são barreiras comerciais derivadas da
utilização de normas ou regulamentos técnicos não-transparentes ou não-embasados
em normas internacionalmente aceitas ou, ainda, decorrentes da adoção de
procedimentos de avaliação da conformidade não-transparentes e/ou demasiadamente

46
dispendiosos, bem como de inspeções excessivamente rigorosas, que sejam
estabelecidas de forma a causar introduzir dificuldades ao comércio internacional.

6.2. CONCEITOS BÁSICOS

O ANEXO 1 do Acordo TBT afirma que os termos utilizados ao longo de seu texto, têm
o mesmo significado que os termos apresentados na sexta edição do Guia ISO/IEC 2:
1991, “Termos Gerais e suas Definições Referentes à Normalização e Atividades
Correlatas”. Contudo, observe-se que os termos definidos no Guia ISO/IEC 2 cobrem
produtos, processo e serviços, porém, o TBT trata apenas de regulamentos técnicos,
normas e procedimentos de avaliação de conformidade relacionados a produtos ou
processos e métodos de produção. Os serviços estão excluídos da cobertura deste
Acordo. Apresentam-se, a seguir, os conceitos básicos do Acordo, citando-se ressalvas
relevantes para os propósitos de interpretação do TBT.

Regulamento Técnico

Documento que enuncia as características de um produto ou os processos e métodos


de produção a ele relacionados, incluídas as disposições administrativas aplicáveis cujo
cumprimento seja obrigatório. Poderá também tratar parcial ou exclusivamente de
terminologia, símbolos e requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem aplicáveis a
um produto, processo ou método de produção.

Norma

Documento aprovado por uma instituição reconhecida, que fornece, para uso comum e
repetido, regras, diretrizes ou características para produtos ou processos e métodos de
produção conexos, cujo cumprimento não é obrigatório. Poderá também tratar parcial
ou exclusivamente de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou
rotulagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção.

As normas, tal como definidas pelo Guia ISO/IEC 2 podem ser obrigatórias ou
voluntárias. Para os propósitos deste Acordo as normas são definidas como
documentos voluntários e os regulamentos técnicos como obrigatórios. As normas
preparadas pela comunidade internacional de normalização são baseadas no
consenso. Este Acordo cobre também documentos que não são baseados no
consenso.

Procedimentos de Avaliação de Conformidade

Qualquer procedimento utilizado, direta ou indiretamente, para determinar que as


prescrições pertinentes de regulamentos técnicos ou normas são cumpridos. Os
procedimentos de avaliação de conformidade incluem, inter alia, procedimentos para
amostragem, teste e inspeção; avaliação, verificação e garantia de conformidade,
registro, credenciamento e homologação, bem como suas combinações.

47
6.3. PRINCÍPIOS GERAIS

Embora reconheça a importância para o comércio internacional de requisitos técnicos


adotados como obrigatórios pelos estados nacionais, o Acordo atribui especial
importância aos regulamentos técnicos e aos procedimentos de avaliação da
conformidade a eles relacionados. Em outras palavras, estabelece obrigações a serem
observadas pelos estados ao legislarem em termos de exigências técnicas e que são
os princípios gerais sobre os quais se baseia o Acordo.

I) OBJETIVOS LEGÍTIMOS

A regulamentação deve ser limitada à busca de “objetivos legítimos”. O artigo 2º


estabelece que os membros assegurarão que os regulamentos técnicos não sejam
elaborados, adotados ou aplicados com a finalidade ou o efeito de criar obstáculos
técnicos ao comércio internacional. Para este fim, os regulamentos técnicos não serão
mais restritivos ao comércio do que o necessário para realizar um objetivo legítimo,
tendo em conta os riscos que a não realização criaria. Tais objetivos legítimos são, inter
alia: imperativos de segurança nacional; a prevenção de práticas enganosas; a
proteção da saúde ou segurança humana, da saúde ou vida animal ou vegetal, ou do
meio ambiente.

A importância do conhecimento técnico e científico disponível para a interpretação das


obrigações estabelecidas no Acordo é explicitamente reconhecida ao tratar da
determinação de riscos associados à não adoção de regulamentos. Afirma-se que “ao
avaliar tais riscos, os elementos pertinentes a serem levados em consideração são,
inter alia: a informação técnica e científica disponível, a tecnologia de processamento
conexa ou os usos finais a que se destinam os produtos.”

Em geral, considera-se que este é o Acordo da OMC em que a importância deste tipo
de conhecimento é mais claramente estipulada.

II) UTILIZAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS

Outro princípio básico é a utilização de normas internacionalmente estabelecidas como


base para a regulamentação. Afirma-se que quando forem necessários regulamentos
técnicos e existam normas internacionais pertinentes ou sua formulação definitiva for
iminente, os membros utilizarão estas normas como base de seus regulamentos
técnicos, exceto quando elas sejam um meio inadequado ou ineficaz para a realização
dos objetivos legítimos perseguidos, por exemplo, devido a fatores geográficos ou
climáticos fundamentais ou problemas tecnológicos fundamentais.

III) TRANSPARÊNCIA

A transparência é outro princípio orientador do Acordo. O TBT estabelece a


obrigatoriedade da notificação aos demais membros, através do secretariado da OMC,
de novas exigências técnicas que serão adotadas no país, ainda na fase de sua

48
elaboração, e, o estabelecimento, por todos os membros da OMC de enquiry point. No
Brasil ambas as funções são exercidas pelo Ponto Focal de Barreiras Técnicas às
Exportações, estabelecido e operado pelo Inmetro.

NOTIFICAÇÕES

O Acordo estabelece que quando um país pretende adotar um regulamento técnico e


não existe uma norma internacional pertinente ou quando o conteúdo técnico do projeto
de regulamento técnico não estiver em concordância com o conteúdo técnico da norma
internacional pertinente e se o regulamento técnico puder ter um efeito significativo
sobre o comércio, deve-se notificar os outros membros por meio do Secretariado. Deve-
se apresentar na notificação os produtos a serem cobertos pelo regulamento planejado,
uma breve indicação de seu objetivo e o arrazoado. Tais notificações serão feitas com
antecedência suficiente, quando emendas ainda possam ser introduzidas e comentários
levados em consideração.

Mesmo antes da notificação, os estados deveriam publicar uma nota informando que há
planos de se introduzir uma nova regulamentação técnica relacionada a certos produtos
com antecedência suficiente para que todas as partes interessadas existentes em
outros membros possam tomar conhecimento de que há um regulamento em
elaboração. Após a notificação, caso sejam solicitados, devem ser fornecidos
pormenores ou cópias do projeto de regulamento técnico e, sempre que possível,
identificadas as partes que diferem em substância das normas internacionais
pertinentes. Deve ser concedido, sem discriminação, um prazo razoável para que
outros membros façam comentários por escrito, estes comentários devem ser
discutidos e levados em consideração.

Contudo, quando surgirem ou houver ameaça de que surjam problemas urgentes de


segurança, saúde, proteção do meio ambiente ou segurança nacional para um membro,
pode-se omitir os passos anteriores para adotar um regulamento técnico. Neste caso, é
necessário notificar imediatamente os outros membros, por meio do Secretariado, sobre
o regulamento técnico em questão e os produtos cobertos, com uma breve indicação do
objetivo e arrazoado regulamento técnico, inclusive a natureza dos problemas urgentes.

“ENQUIRY POINT”

O Acordo TBT exige que cada membro assegure que exista um centro de informação
que seja capaz de responder a todas as consultas razoáveis de outros membros, bem
como fornecer os documentos solicitados tais como qualquer norma e regulamento
técnico ou procedimentos de avaliação da conformidade adotados ou propostos em seu
território. Esta obrigação facilita a obtenção de informações sobre exigências técnicas,
pois há vários organismos regulamentadores em cada membro, muitos deles
desconhecidos por quem pretenda iniciar exportações para aquele país.

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IV) RECONHECIMENTO DA AVALIAÇÃO DA CONFORMIDADE

O Acordo estabelece que os membros devam assegurar, sempre que possível, que
sejam aceitos os resultados dos procedimentos de avaliação de conformidade de outros
membros, mesmo que estes procedimentos difiram dos seus, desde que estejam
convencidos de que aqueles oferecem uma garantia de conformidade com os
regulamentos técnicos ou normas aplicáveis equivalente a seus próprios
procedimentos. Contudo, o Acordo reconhece que consultas prévias podem ser
necessárias para se chegar a um entendimento mutuamente satisfatório sobre o tema.
Na prática, como este princípio não é obrigatório e é ressalvado pelo “sempre que
possível”, ele não vem sendo obedecido pelos mais desenvolvidos em relação a
resultados obtidos nos países em desenvolvimento. Reclamações sobre este
comportamento são recorrentes tanto nas reuniões do Comitê de Barreiras técnicas
como nos procedimentos de revisão do Acordo que ocorrem a cada três anos.

V) BOAS PRÁTICAS NA NORMALIZAÇÃO

Quando os organismos normalizadores de um país forem estatais, os membros devem


assegurar que eles aceitem e cumpram o Código de Boa Conduta para Elaboração,
Adoção e Aplicação de Normas contido no Anexo 3 do Acordo TBT. Quando não forem
estatais, os membros devem utilizar as medidas razoáveis a seu alcance para
assegurar que as instituições de normalização existentes em seu território, bem como
as instituições de normalização regionais nas quais participem, aceitem e cumpram o
Código de Boa Conduta.

VI) REVISÕES TRIENAIS

A cada período de três anos, o Comitê de Barreiras Técnicas deve examinar o


funcionamento do Acordo, incluídas as disposições relativas a transparência, com
vistas a recomendar um ajustamento dos direitos e obrigações para assegurar
vantagens econômicas mútuas e equilíbrio de direitos e obrigações. Considerando a
experiência ganha na implementação do Acordo, o Comitê deverá, quando apropriado
apresentar propostas para emenda do texto ao Conselho para o Comércio de Bens.

6.3. ASPECTOS DAS NEGOCIAÇÕES SOBRE BTs

Observar algumas das negociações já realizadas sobre o tema pode colaborar para seu
entendimento. Relata-se, a seguir, sucintamente, o tratamento que o tema recebeu na
União Européia, na Organização Mundial do Comércio e no NAFTA.

Na Comunidade Econômica Européia, logo após a entrada em vigor do Tratado de


Roma em 1958, tornou-se claro que as diferenças entre exigências técnicas dos
estados-membros eram um sério entrave à livre circulação de mercadorias. Na década
de 60, algumas medidas foram tomadas na tentativa de superá-las, destacando-se a
criação do CEN – Centro Europeu de Normalização e o lançamento de um “Programa
Geral” visando harmonizar os regulamentos técnicos na Comunidade. Contudo, embora

50
tenham sido observados avanços em alguns setores, como o automobilístico, o
processo mostrou-se, em geral, bastante lento.
Somente em 1978, quando o Tribunal de Justiça Europeu julgou o caso “Cassis de
Dijon”1, foi dado um passo decisivo para a eliminação dos obstáculos técnicos ao
comércio intra-comunidade.

O aspecto inovador e fundamental da jurisprudência estabelecida foi determinar o


reconhecimento mútuo dos regulamentos entre todos os estados-membros. Em outras
palavras, nenhum país poderia proibir a venda em seu território de produtos que
pudessem ser comercializados no país exportador. Os países somente poderiam adotar
medidas restritivas adicionais às vigentes no país exportador para satisfazer requisitos
obrigatórios como, por exemplo, a proteção da saúde pública e a defesa dos
consumidores. Definiu-se, ainda, que os estados-membros poderiam legislar livremente
em seus territórios sempre que não houvesse medidas adotadas pela CEE.

Há, ainda, outro importante fato a ser citado no caso europeu. Devido ao lento avanço
do processo de harmonização, decidiu-se introduzir, em 1985, uma nova metodologia
de regulamentação, a “Nova Abordagem”. Esta limitou a harmonização legislativa à
adoção de requisitos essenciais que os produtos deveriam possuir. Os requisitos
essenciais considerariam, entre outros aspectos, o risco à saúde e à segurança das
pessoas. Desde então, os fabricantes podem optar livremente por qualquer solução
técnica que assegure o cumprimento dos requisitos essenciais e escolher entre os
diversos processos de avaliação da conformidade previstos nas diretivas.

No âmbito do GATT/OMC, a questão das barreiras técnicas passou a ser tratada


formalmente na Rodada Tóquio, iniciada em 1973. O resultado foi o “Standards Code”
que entrou em vigor em 1980. Contudo, o Acordo não tinha caráter obrigatório para
todos os membros do GATT e foi subscrito por apenas 39 países, dentre os quais o
Brasil. Uma medida inovadora foi determinar que os países passassem a notificar ao
Secretariado os regulamentos que seriam adotados e a responder questões sobre o
tema enviadas por outros signatários. No Brasil, desde o início, estas atividades ficaram
sob a responsabilidade do Inmetro, que as exerce até hoje.

Durante a Rodada Uruguai a questão foi aprofundada, o que gerou o Acordo sobre
Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT). Este, de adesão obrigatória para todos os
membros da OMC, estabelece que não se devem introduzir exigências técnicas com o
objetivo de criar obstáculos ao comércio. Como vimos, estas exigências não devem ser
mais restritivas que o necessário para atingir os objetivos legítimos.

1
Trata-se de uma notória decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Européia revertendo uma proibição
da Alemanha da importação de bebidas alcoólicas com teor entre 15% e 25% de álcool. O caso teve início
quando um importador alemão foi proibido pelas autoridades germânicas de importar Cassis de Dijon da
França, uma vez que seu teor alcoólico seria muito baixo. A lei alemã vedada a venda de qualquer bebida
alcoólica com teor entre 15% e 25%. Na decisão do Tribunal, a interpretação foi de que essa restrição
equivaleria a uma quota, uma vez que teria o efeito prático de restringir importação, ainda que a legislação
alemã não fosse diretamente voltada para a restrição a produtos importados.

51
O Acordo induz os membros da OMC a utilizarem normas internacionais como base
para seus regulamentos técnicos, presumindo-se, quando tal procedimento for adotado,
que tal regulamento não crie um obstáculo desnecessário ao comércio. Porém, durante
as negociações, não foi possível definir com clareza quais seriam as “instituições de
normalização internacionais” que elaborariam as “normas internacionais“. Aceita-se,
tacitamente, que instituições como a ISO, o Codex Alimentarius e a ITU (International
Telecommunications Union) teriam esta característica.

O tema reapareceu na Segunda Revisão Trienal do TBT, realizada em 2000, abrindo


uma oposição direta entre os EUA e um grande número de países, incluindo o Brasil.
Os americanos desejavam que normas elaboradas por organismos normalizadores
americanos fossem consideradas “normas internacionais de fato”, pois elas são aceitas
em vários países. A pretensão americana não foi acatada, estabelecendo-se naquela
ocasião as condições para que um organismo normalizador seja considerado
“internacional”, entre as quais a de que o processo de elaboração de normas possa
incluir representantes de todos os países que assim o desejarem e que, nas decisões,
cada país tenha direito a um voto.

O TBT determinou, ainda, a criação do Comitê sobre Barreiras Técnicas ao Comércio


na OMC, responsável pelo tratamento das questões relativas ao Acordo. Atualmente,
ocorrem neste Comitê muitas discussões sobre as exigências referentes à rotulagem e
etiquetagem, principalmente as que dizem respeito às questões ambientais e aos
organismos geneticamente modificados.

Identifica-se, em relação a estes temas, uma forte divergência entre as posições


européia e americana, especialmente em relação à aplicação do “princípio da
precaução” pela Europa. Ressalte-se que o único tema relativo ao TBT incluído no
mandato das negociações em andamento na Rodada de Doha é o “ecolabelling”. As
decisões sobre rotulagem e etiquetagem podem ser muito prejudiciais às exportações
de países em desenvolvimento como o Brasil. Estes, muitas vezes, não dispõem de
infra-estrutura tecnológica que viabilize o fornecimento das informações requeridas ou
que permita avaliar a conformidade a certas exigências.

Atualmente, os temas mais discutidos no Comitê de Barreiras Técnicas, já se


caracterizando como assuntos polêmicos da quarta revisão trienal de 2006, são o
conjunto de mecanismos de avaliação da conformidade, em particular a “declaração do
fornecedor”, e o reconhecimento da validade da avaliação realizada em um país em
outros países. Este último tema é bastante complexo, explicitado no Acordo, sendo os
interesses dos membros bastante divergentes. Apesar da retórica adotada usualmente,
não se pode dizer que os interesses de todos os países em desenvolvimento sejam
semelhantes entre si.

Quanto ao NAFTA, acordo que estabeleceu a zona de livre comércio norte-americana


e que entrou em vigor em 1993, a questão das barreiras técnicas é tratada em seu
Capítulo 9, denominado “Standards Related Measures”. As negociações entre os EUA,
Canadá e México ocorreram, durante algum tempo, em paralelo à Rodada Uruguai. É
interessante observar que o maior poder relativo dos Estados Unidos nestas

52
negociações permitiu-lhes chegar a um acordo que consagrasse algumas teses que
defenderam, sem sucesso, no âmbito multilateral.

A primeira e maior diferença entre o NAFTA e o TBT da Organização Mundial do


Comércio está na própria abrangência de cada um deles, sendo muito maior no
primeiro caso. O capítulo 9 do acordo norte-americano aplica-se tanto a bens quanto a
serviços, enquanto o Acordo acertado na Rodada Uruguai exclui serviços. Outras duas
diferenças devem ser apontadas. A primeira delas, o maior comprometimento com as
questões ambientais no NAFTA traz grandes conseqüências práticas para o julgamento
de questões relacionadas às barreiras técnicas. O Acordo inclui entre os objetivos
legítimos para justificar um regulamento técnico o conceito de desenvolvimento
sustentável, mais amplo que a simples proteção ao meio ambiente citada no TBT.

A segunda diferença é que se adota, implicitamente, a tese americana sobre o conceito


de “instituições de normalização internacionais” que, como citamos, vem sendo
recusada na OMC. O NAFTA determina que serão consideradas como tais as
instituições que forem designadas por seus membros. Assim, os Estados Unidos da
América podem definir suas entidades normalizadoras nacionais que desenvolvem
normas utilizadas internacionalmente como entidades normalizadoras internacionais
para fins do Acordo.

6.4. PONTO FOCAL DE BARREIRAS TÉCNICAS

O trabalho do Ponto Focal de Barreiras Técnicas às Exportações (que atua como


enquiry point), executado pelo Inmetro, está dividido em cinco grandes áreas de
atuação: (a) atividades relacionadas ao cumprimento das obrigações do Acordo TBT da
OMC; (b) disponibilização gratuita de vários serviços disponíveis aos exportadores
brasileiros visando à superação de eventuais obstáculos técnicos com que se
defrontem; (c) realizar a coordenação nacional do Subgrupo 3 do Mercosul,
responsável pela harmonização de requisitos técnicos que auxiliem o comércio entre os
quatro países; (d) acompanhar e participar efetivamente das negociações para
formação das zonas de livre comércio, focando na questão de barreiras técnicas ao
comércio; (e) apoiar e participar de atividades de cooperação técnica, como elemento
de diminuição do desnível tecnológico entre as nações.

O Ponto Focal tornou-se um grande centro de informações sobre barreiras técnicas às


exportações. Informações e artigos sobre o tema, além do acesso aos serviços,
disponibilizados gratuitamente via internet, podem ser acessados através do site:
www.inmetro.gov.br/ barreirastecnicas.

Dentre estes serviços há o “Alerta Exportador!”. Ao se inscreverem, as empresas


passam a receber, por e-mail e sem qualquer ônus, informações sobre as notificações
encaminhadas à OMC, relativas a regulamentos técnicos que os países pretendem
implementar. Alertadas antecipadamente sobre as novas exigências, as empresas
podem iniciar o processo de adaptação de seus produtos antes mesmo que elas
passem a vigorar, evitando problemas no desembaraço das mercadorias quando da

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sua chegada aos portos de destino. Basta que no ato da inscrição a empresa informe
os seus produtos e os países de seu interesse para que o serviço seja totalmente
adequado às suas necessidades. As notificações podem ser acessadas no Ponto Focal
de Barreiras Técnicas às exportações.

Se o exportador entender que as exigências técnicas a serem introduzidas são apenas


formas disfarçadas de proteção de mercado, deve avisar o Ponto Focal. Podem ser
solicitadas explicações ou prazos adicionais: quaisquer observações são importantes
para que se evite a criação de novas barreiras que prejudiquem seus negócios. Estes
comentários serão enviados ao país emissor da exigência, que deverá analisá-los. Em
geral, o país envia uma resposta ao comentário. Contudo, caso não receba uma
resposta, o Brasil pode solicitá-la formal e publicamente nas reuniões do Comitê de
Barreiras Técnicas da OMC.

Outro serviço fundamental é o “Denuncie Barreiras Técnicas”. Através dele, o Ponto


Focal de Barreiras Técnicas recebe, permanentemente, denúncias sobre eventuais
barreiras identificadas em processos de exportação e as analisa orientando o
exportador sobre os procedimentos a serem adotados. Pela complexidade do tema,
muitas vezes o exportador, particularmente o micro, o pequeno e o médio, não sabe se
suas dificuldades em exportar decorrem de exigências descabidas existentes em outros
países. O Inmetro, com sua ampla experiência na área de regulamentação, analisa a
denúncia e busca a melhor forma de auxiliar o exportador.

A eliminação de uma barreira técnica estabelecida pelos países mais protecionistas


pode exigir ações conjuntas do Inmetro, do Ministério de Relações Exteriores e dos
exportadores. A busca da solução sempre se inicia através de contatos e negociações
diretas com o país que prejudica o exportador brasileiro mas podem ser necessárias,
até mesmo, ações na OMC.

Muitas vezes, para realizar uma análise mais profunda da proposta ou para preparar
uma possível adaptação de seus produtos às novas exigências, o exportador pode
desejar a íntegra da proposta do regulamento que os países informaram à OMC. Muitos
destes textos completos estão disponíveis no site, mas se não o encontrar, o
exportador pode solicitá-lo ao Ponto Focal. Finalmente, através do serviço “Solicitações
de informações sobre barreiras técnicas” os exportadores podem solicitar ao Inmetro
qualquer tipo de informação sobre o tema.

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BIBLIOGRAFIA

BAUMANN, R., CANUTO, O. e GONÇALVES, R. Economia Internacional: Teoria e


Experiência Brasileira. Rio de Janeiro: Campos, 2004
INMETRO Barreiras Técnicas às Exportações: o que são e como superá-las. Rio
de Janeiro, 2005
KRUGMAN, P. e OBSTFELD, M. Economia Internacional: Teoria e Política. 6ª ed.
São Paulo: Makron Books, 2005
THORSTENSEN, V. e JANK, M. (coord.) O Brasil e os Grandes Temas do Comércio
Internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005
THORSTENSEN, V. OMC - Organização Mundial do Comércio: As regras do
Comércio Internacional e a Nova Rodada de Negociações Multilaterais. 2ª Ed. São
Paulo: Aduaneiras, 2003.
TREBILCOCK, M. J. e HOUSE, R. The Regulation of International Trade. 3rd Edition.
London and New Cork: Routledge, 2005
VEIGA, P. M. (coord.) Comércio e Política Comercial no Brasil: desempenho,
interesses e estratégias. LATN/CINDES: Ed. Singular, 2007

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