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DIREITO INTERNACIONAL II

Notas

Direito Internacional do Comércio Internacional

1. Antecedentes da Organização Mundial do Comércio OMC – O GATT 1947

(i) Iniciativas de negociaçõ es comerciais desenvolvidas pelos EUA


durante a II GM em cooperaçã o com o Reino Unido envolviam duas
abordagens distintas:

- Via bilateral: Programa de acordos comerciais bilaterais para


liberalizaçã o do comércio assente na reduçã o das tarifas iniciado
pelos EUA em 1943 ao abrigo do Reciprocal Trade Agreements Act : 32
acordos em 1945 cujas claú sulas influenciaram o conteú do do General
Agreement on Trade and Tariffs (GATT).

- Via multilateral: Criaçã o de instituiçõ es multilaterais que


combatessem o protecionismo e promovessem a liberalizaçã o
comercial e os princípios do comércio livre.

(ii) O acordo de Bretton Woods (1945) apenas envolveu a criaçã o do Fundo


Monetá rio Internacional e do Banco Mundial nã o existindo qualquer previsã o
de criaçã o de uma organizaçã o para regular o comercio internacional. Uma
proposta nesse sentido surgiu só em 1946 por iniciativa do ECOSOC da ONU
que propô s a criaçã o de uma Organizaçã o Internacional do Comércio (OIC)
cujo draft de tratado constitutivo proposto pelos EUA foi objecto de
negociaçõ es nas Conferências de Londres, Genebra e Havana.

Em paralelo os EUA, tendo em conta a sua experiência com os tratados


bilaterais de reduçã o tarifá ria, propuseram a outros países o inicio de
negociaçõ es para um tratado multilateral visando a reduçã o reciproca de
tarifas, o acordo GATT.

A preparaçã o do GATT e da OIC foram processos separados mas paralelos e


interligados - o GATT seria um tratado multilateral que deveria operar
debaixo do chapéu da OIC e por esta gerido – que reflectiam as duas vias
ensaiadas no período da guerra. Os dois processos foram negociados de
forma conjunta e integrada. Assim, a Conferência de Genebra 1947 tinha 3
partes distintas: a primeira dedicada à criaçã o da OIC; a segunda dedicada à
negociaçã o de um tratado multilateral para reduçã o de tarifas; a terceira à
elaboraçã o de claú sulas gerais das obrigaçõ es relacionadas com tarifas. A
segunda e terceira partes correspondiam ao GATT.

Como o Congresso dos EUA recusou a ratificaçã o da carta da OIC, subsistiu


apenas o acordo multilateral GATT que foi ratificado pelos EUA ao abrigo da
delegaçã o de poderes que o Congresso tinha concedido ao Presidente em
1945 e que expirava em 1948. A entrada em vigor do GATT foi concebida
numa base provisó ria ao abrigo do Protocolo de Aplicaçã o Provisó ria que,
paradoxalmente, acabou por se prolongar por cerca de 48 anos até à criaçã o
da OMC, tendo sido o principal instrumento jurídico internacional de
regulaçã o do comércio internacional durante a Guerra Fria. Esta regulaçã o foi
apenas parcial por três razõ es:

- limitaçõ es subjectivas: nã o se aplicava aos países membros do bloco


de Leste liderado pela USSR que nã o eram membros do GATT e que se
regiam pelo principio da solidariedade socialista (incompatível com o
principio MFN) e pelas regras do COMECON.

- limitaçõ es objectivas: em relaçã o aos membros as regras do GATT nã o


se aplicavam ao comércio de serviços, apenas ao comércio de bens e
mesmo neste domínio nã o abrangia o comércio de produtos agrícolas
e de têxteis e vestuá rio.

- regime “grandfather rights”: qualquer membro que tivesse uma


legislaçã o nacional em vigor previamente à data da adesã o ao GATT
que fosse inconsistente com as regras da parte II (arts III a XXIII)
poderia mantê-la em vigor, o que gerava dois efeitos que limitavam a
efectividade das regras e fragilizavam o direito internacional: direito
nacional poderia violar regras do direito internacional; inexistência de
um regime ú nico, igual para todos os membros, em relaçã o à maioria
das obrigaçõ es substantivas incluídas na parte II do GATT
prevalecendo um quadro de assimetria das regras aplicá veis a
diferentes membros. Só as partes I (principio MFN) e III (regras
processuais) eram igualmente vinculativas para todos os membros do
GATT.

O GATT é apenas um tratado multilateral aplicado provisoriamente, nã o é


uma organizaçã o internacional.

(ii) Rondas negociais

Foram realizados 8 Rounds negociais visando a liberalizaçã o do


comércio internacional
 Geneva Round 1947
 Annecy Round 1949
 Torquay Round 1950
 Geneva Round 1956
 Dillon Round 1960-61
 Kennedy Round 1962-67
 Tokyo Round 1973-79
 Uruguay Round 1986-94

Os 5 primeiros rounds concentraram-se na reduçã o das barreiras


tarifá rias e conseguiram introduzir com sucesso reduçõ es significativas
nas tarifas dos produtos industriais. A partir do Kennedy Round a atençã o
centrou-se também nas barreiras nã o-tarifá rias que se tornaram
verdadeiramente o aspecto prioritá rio das negociaçõ es a partir do Tokyo
Round.

O Uruguay Round introduziu modificaçõ es estruturais fundamentais na


regulaçã o do comércio internacional tendo um dos resultados
fundamentais a criaçã o da Organizaçã o Mundial do Comércio (OMC).
Outros resultados fundamentais do Uruguay Round incluem:

 Reforma do GATT dando origem ao GATT 94 que envolveu a


aboliçã o dos “granfather rights”, a plena integraçã o da agricultura
e dos têxteis e vestuá rio (com um período de transiçã o de 10
anos) no perímetro de regulaçã o.
 Aprovaçã o de um novo tratado multilateral para regular o
comércio de Serviços GATS (General Agreement on Trade on
Services), até aí nã o regulado pelo direito internacional do
comércio internacional.
 Aprovaçã o de um novo tratado multilateral para regular os
direitos de propriedade intelectual relevantes no â mbito do
comércio internacional TRIPS definindo standards mínimos pra
protecçã o de direitos como patentes, direitos de autor e segredos
comerciais.
 Novo sistema de soluçã o de controvérsias plasmado no Dispute
Settlement Understanding DSU que define um sistema ú nico
aplicá vel aos três tratados substantivos.

A nova organizaçã o multilateral de regulaçã o do comércio internacional a OMC


está assente e 4 pilares fundamentais que correspondem aos tratados
multilaterais que por ela sã o geridos:

(i) GATT 1994 – comércio de bens


(ii) GATS - comércio de serviços
(iii) TRIPS - direitos de propriedade intelectual conexos com o comércio
internacional
(iv) DSU – sistema de soluçã o de controvérsias

2. Princípios do GATT

(i) Princípio da Não-Discriminação – 2 vertentes complementares

a) Cláusula da Nação mais Favorecida MFN (art. I): os países membros


devem estender a todos os membros do GATT qualquer concessã o
comercial feita em benefício de um deles, qualquer tratamento mais
favorá vel atribuído a um membro deve ser imediata e incondicionalmente
extensível a todos os outros membros. Em suma, implica uma proibiçã o
de discriminar entre importaçõ es provenientes de diferentes países,
colocando os produtos importados de todos os parceiros comerciais de
um membro do GATT em pé de igualdade entre si. Esta obrigaçã o aplica-
se nã o só à s taxas aduaneiras, mas também a todos os encargos
relacionados com importaçã o, como taxas administrativas de
desalfandegamento, e também a impostos internos e taxas (por ex. taxas
de IVA nã o podem ser diferentes para importaçõ es provenientes de
diferentes parceiros comerciais) e regulamentos técnicos para transporte,
venda, embalagem de produtos. Esta é a regra bá sica, o pilar fundamental
de todo o edifício do GATT.
A principal excepçã o a esta regra é o art. XXIV sobre os RTAs, os acordos
regionais de comércio, uniõ es aduaneiras e á reas de comércio livre.

b) Principio do tratamento nacional (art. III): os produtos importados


devem receber o mesmo tratamento do que os produtos similares
nacionais, implicando a proibiçã o de discriminaçã o entre produtos
nacionais e produtos importados, pelo que coloca em pé de igualdade os
produtos importados com os produtos internos do país importador. Tal
nã o implica um tratamento exatamente igual mas sim que qualquer
discriminaçã o tem de ser concentrada na fronteira, pelo que depois das
importaçõ es passarem as fronteiras devem ser tratadas de forma nã o
discriminató ria relativamente aos produtos nacionais no que respeita aos
impostos e taxas internas a que sã o sujeitas, à s regras relativas à sua
venda, transporte, distribuiçã o ou uso.

(ii) Princípio da Proibição de restrições quantitativas (art. XI)


Este principio implica a proibiçã o de restriçõ es quantitativas à s
importaçõ es ou à s exportaçõ es, designadamente quotas importaçã o
ou exportaçã o, uso restritivo de licenças de importaçã o ou exportaçã o,
controlos de pagamentos internacionais, na medida em que distorcem
os fluxos comerciais. Tal significa que a proteçã o na fronteira deve ser
feita apenas através de tarifas como ú nico instrumento de proteçã o, as
quais representam um indicador claro e inequívoco do grau de
protecionismo, sem a utilizaçã o de subterfú gios ou barreiras nã o-
alfandegá rias.

(iii) Principio da Transparência (art. X)


Este principio implica a obrigaçã o de todos os membros
disponibilizarem informaçã o sobre o regime nacional de regulaçã o do
comércio, publicarem as medidas e regulamentos internos que
afectem o comércio de modo a garantir certeza, previsibilidade e
responsabilidade

(iv) Princípio da Flexibilização em Caso de Urgência

Prevê a adoçã o de medidas excepcionais em determinadas situaçõ es.


Exemplos:
a) Clá usulas de salvaguarda (art.XII)

b) Waivers: dispensa (isençã o) de compromissos assumidos (art.XXV)

3. Sistema de solução de Controvérsias

O Dispute Settlement Understanding é o tratado internacional que consolidou o


sistema de soluçã o de litigios no seio da OMC fundamental para gerir os conflitos
comerciais. Este sistema introduziu diversas inovaçõ es:

(i) Unificaçã o do sistema de soluçã o de controvérsias que é o mesmo para


GATT, GATS e TRIPS.
(ii) Principio do consenso negativo em substituiçã o do consenso positivo,
o que assegura a todos os Membros da OMC, independentemente do
seu poder econó mico, o direito a que a sua queixa seja apreciada e
decidida, nã o podendo o Membro contra o qual é apresentada
bloquear o processo. Em principio o processo avança e a decisã o é
adoptada excepto se existir um consenso negativo, o que implica o
acordo do Membro queixoso, para parar o processo e suster a adopçã o
da decisã o.
(iii) Previsã o de mecanismos que permitem uma decisã o relativamente
rá pida de forma a minimizar os prejuízos através de mecanismos
automá ticos para vencer a inércia das partes.
(iv) Criaçã o de um mecanismo de recurso da decisã o dos painéis, e de um
ó rgã o o Appelate Body que aprecia os recursos e tem uma funçã o
central de sanar divergências na interpretaçã o das regras de direito
internacional do comércio internacional, uniformizando a
interpretaçã o e consolidando a jurisprudência da OMC; em segundo
lugar o sistema de recurso contribui para uma maior aceitaçã o e
cumprimento voluntá rio das decisõ es pelos Membros.
(v) Sistema robusto de follow-up por parte do DSB (dispute settlement
body) de modo a garantir o cumprimento, enforcement das decisõ es
evitando também os mecanismos de “justiça privada”; em
consequências só podem ser adoptadas sançõ es contra uma parte que
nã o cumpre o direito internacional se decididas e implementadas pelo
DSB.

Estas inovaçõ es tornaram mais robusto e credível o direito internacional do


comércio internacional na medida em que permitiram:

1. Consolidar a jurisprudência da OMC garantindo maior previsibilidade na


interpretaçã o e aplicaçã o do direito internacional, o que permite reduzir o
risco
2. Despolitizar a soluçã o dos litígios comerciais e resolve-los numa ló gica
jurídica e nã o diplomá tico-politica, reforçando o papel do direito
internacional do comercio internacional, moderando o poder dos Estados
mais fortes do ponto de vista econó mico e comercial.
3. Controlar e desincentivar a aplicaçã o de medidas e sançõ es unilaterais e
arbitrá rias.

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