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ROUSSEAU, Jean-Jacques.

Discurso sobre a origem e os fundamentos da


desigualdade entre os homens. In: Coleção Os Pensadores. Nova Cultural. São
Paulo/SP, 1989.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um importante filósofo, teórico político e


escritor. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo, e suas idéias
influenciaram a Revolução Francesa (1789). Escreveu, além de estudos políticos,
romances e ensaios sobre educação, religião e literatura. Dentre suas obras encontram-
se Discurso sobre as Ciências e as Artes, Discurso sobre a Origem da Desigualdade
entre os Homens e do Contrato Social, esta última, considerada a sua principal obra.

Esta resenha tem como objetivo fazer uma análise crítica da obra Discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, de Rousseau. A obra é
dividida em duas partes, na primeira, o homem é analisado tanto em seu estado natural
como civilizado, e na segunda parte, é defendida a idéia de que as desigualdades têm
sua origem nesse estado de sociedade.

Rousseau inicia sua a obrafazendo uma distinção das duas desigualdades existentes na
espécie humana: a desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou política.
Fica claro que a desigualdade natural não é o objetivo dos estudos de Rousseau, e sim a
desigualdade moral ou política que é obtida por uma convenção e autorizada pelos
homens.

Na primeira parte da obra o autor faz uma análise do homem natural, através do seu
aspecto físico e posteriormente metafísico e moral. Questiona as afirmações de Hobbes
e Buffon, entre outros filósofos que vêem o homem natural como homem social. Ainda
nessa primeira parte o autor descreve o homem natural como um ser solitário, possuidor
de um instinto de autopreservação, dotado de sentimento de compaixão por outros de
sua espécie, e possuindo a razão apenas potencialmente (instinto). Nas palavras dele o
homem é “...um animal menos forte do que outros, mas, em conjunto, organizado de
modo mais vantajoso do que todos os demais. Vejo-o fartando-se sobre um carvalho,
refrigerando-se no primeiro riacho, encontrando seu leito ao pé da mesma árvore que
lhe forneceu o repasto e, assim satisfazendo a todas as suas necessidades (pág. 42)”.

Para o autor não existem motivos que levem o homem natural a viver em sociedade,
pois o homem natural vive o presente, é robusto e bem organizado, apesar de não
possuir habilidades específicas, pode aprendê-las. É inocente, pois não conhece noções
do bem e do mal, e possui duas características que o distingue dos outros animais que
são a liberdade e a perfectibilidade (aperfeiçoamento). Ainda nesse capítulo discorreu
sobre o surgimento dos códigos e símbolos para demonstrar que não existe ligação entre
o homem natural e o homem social, que esta é inerente e imprópria para o estado de
natureza. Encerra o primeiro momento afirmando que a passagem do homem natural ao
homem social, que é a origem das desigualdades, não pode ser obra do próprio homem,
mas sim de algum fator externo.

Após descrever esse homem natural, o autor esclarece como se deu à passagem do
estado natural para o estado social. Já no início da segunda parte da obra ele afirma que
o “primeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, lembrou-se de dizer isto é
meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo” (pág. 63). Nesse
trecho discorre sobre o surgimento da propriedade civil e da vida em sociedade.

Essa transformação de estado natural para social está associado a idéia de adaptação,
pois o homem natural tinha como única preocupação sua subsistência, mas devido a
fatores externos (necessidades), foi obrigado a superá-las adquirindo, portanto novos
conhecimentos. O homem natural aprendeu a pescar, caçar e por vezes a associar-se a
outros homens, para caçar e se defender temporariamente. Daí surge a primeira ruptura
desse “estado” que foi a construção de abrigos. Esse abrigo (casa) faz com que o
homem natural permaneça mais tempo em um mesmo lugar e na companhia de seus
companheiros, nascendo assim as famílias e com elas, sentimentos como o amor
conjugal e o amor paterno. Com a convivência começa a surgir traços de linguagem e
uma noção precária de propriedade passa a fazer parte deste novo universo. Por motivos
de sobrevivência as famílias passam a conviver próximas surgindo as primeiras
comunidades. Nesse momento, defende o autor, seria hora de estagnar, de parar, pois
nesse estágio o homem natural viveria em sociedade, é verdade que com menos
recursos, mas estes seriam suficientes para ser feliz, mas a sua capacidade de adaptação
não cessou.

Quando começaram a conviver em sociedade, a entenderem-se como indivíduos começa


também a competitividade. Os homens passam a se compararem e identificarem: o
melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se destacar, o ser e o
parecer tornam-se diferentes. Surge então o estado de guerra de todos contra todos, onde
a comunidade ainda sem nenhuma lei ou líder, tem como juiz a consciência do homem.
E cada um, com sua consciência, começa a agir conforme interesses próprios.

Paralelamente a esses fatores surge a grande Revolução, entendida como o surgimento


da agricultura e da metalurgia. Com isso a noção de propriedade surge, e, com ela, a
divisão do trabalho. Assim como também com acumulação de capital passa a existir
homens ricos e homens pobres, que dependeram uns dos outros, sendo “...assim a
desigualdade natural insensivelmente se desenvolve junto com a desigualdade de
combinação, e as diferença entre os homens, desenvolvidas pela diferença das
circunstância, se tornam mais sensíveis, mais permanentes e seus efeitos, e, em idêntica
proporção, começam a influir na sorte dos particulares... (pág. 70)”. Ao contrário de
Hobbes, para Rousseau este estado se deu depois que o homem saiu do estado de
natureza. Para se desvencilhar desses problemas, a comunidade precisaram entrar num
acordo, estabelecer, então, um contrato.

A partir desse contrato inicia-se então a descrição da evolução política, onde o sangue
humano foi sacrificado para a pretensa liberdade do Estado. No progresso da
desigualdade, o poder legítimo foi substituído pelo poder arbitrário. Assim, em
diferentes épocas tivemos ricos e pobres, poderosos e fracos, senhores e escravos.

O autor também tenta explicar os tipos de governos que poderiam ter surgido. Descarta
a possibilidade de um governo despótico ter iniciado o processo, devido a necessidade
de liberdade fruto da natureza do homem. Para ele os governantes devem ter surgido de
forma eletiva, ou seja, se numa comunidade uma única pessoa era considerada digna e
capacitada para governá-la surgiria um estado monárquico; se várias pessoas gozavam
ao mesmo tempo de condições para tal surgiria um estado aristocrático, porém se todos
as pessoas possuíam qualidades iguais e resolvessem administrar conjuntamente surgiria
uma democracia. Somente com o desvirtuamento dessas formas de governo, através da
ambição de alguns, é que deram origem a estados autoritários e despóticos.

Rousseau conclui através do que foi exposto que, “sendo quase nula a desigualdade no
estado de natureza, deve sua força e desenvolvimento a nossas faculdades e aos
progressos do espírito humano, tornando-se, afinal, estável e legítima graças ao
estabelecimento da propriedade e das leis... (pág. 86)”, ou seja, todos os
acontecimentos relacionados a mudança do estado natural para o estado social
(surgimento da propriedade divide os homens entre ricos e pobres, o surgimento de
governos divide entre governantes (poderosos) e governados (fracos) e o surgimento de
estados despóticos divide os homens entre senhores e escravos) é que deram origem as
desigualdades entre os homens.

Nesta obra o autor faz uma análise filosófica-científica da sociedade, partindo da idéia
de “estado da natureza”. Ele utiliza a noção “de estado da natureza” para comparar
como a nossa sociedade está distante do seu estado natural. Essas diferenças existentes
na sociedade hoje foram autorizadas pelo direito natural. Esse homem natural foi criado
pelo autor para fundamentar toda a sua teoria e fazer a crítica ao modelo social criado
por nossos antepassados. O homem esqueceu as suas funções primárias e passou a se
ocupar apenas de assuntos sociais. Preocupou-se apenas com o progresso. Este tem
aspectos positivos e negativos. Se por um lado, consegue façanhas e feitos
inimagináveis, por outro seus costumes estão depravados, e onde houver a exploração
do homem pelo homem, haverá a degeneração da bondade e liberdade naturais. Essa
degeneração social foi provocada pelo distanciamento que nós, enquanto seres socais,
estamos do ser natural que um dia fomos. Entendo que o autor deseja que nós possamos
construir uma sociedade harmoniosa, entre governantes e governados, baseados na
liberdade. Liberdade essa, política.

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