Você está na página 1de 2

Arquivos do mal-estar

e da resistência

A existência do sujeito como resistência. Birman, Joel. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 418p. ISB 85-2000-737-6
/R$ 47,90

O
autor mais uma vez nos oferece uma obra que nos re-
mete às inquietações de qualquer pessoa da/na contem-
poraneidade. A obra em questão, como o próprio autor
escreve, é multifacetada, um mosaico e até mesmo um borda-
do, e se justifica pelo número de temas problematizados duran-
te todo o livro e apresentados sob o conceito da palavra arqui-
vo. Não há dúvidas que o autor nos propõe debater a produção
de sentido que os temas apresentados na forma de problemas
podem evidenciar e mostra ainda a possibilidade de nossa ação,
frente a tais fatos/problemáticas por meio da existência da re-
sistência. Cabe ressaltar (a despeito do que outros autores pro-
pagam) que ao reconhecermos a existência da resistência, reco- Dinael Corrêa de Campos
nhecemos também a existência do sujeito, agora, no presente. Universidade Estadual Paulista
Arquivos do mal-estar e da resistência se apresenta em três "Júlio de Mesquita Filho" -
UNESP – Bauru
partes: da servidão à fraternidade, poder e subjetivação e desejo
dinaelcampos@fc.unesp.br
e resistência; as partes obviamente se entrelaçam pelos capítulos
que as compõem. Em a servidão, podemos ler o conceito de servi-
dão voluntária e suas consequências e como na modernidade, ou
mesmo a modernidade nos proporcionou “cenas” de servidão.
O autor ainda apresenta a crítica da psicanálise à modernidade,
questionando as próprias instituições psicanalíticas. Interessante
destacar os autores nomeados, ainda na primeira parte, dando-
-nos a exata dimensão do referido mosaico já mencionado.
A primeira parte do livro ainda nos apresenta os horro-
res da atualidade e o mal-estar da brasilidade hoje, mesmo que
para isso tenhamos que ir até as fronteiras da barbárie. Talvez o
que possa ser de mais inquietante para nossa humanidade seja
o assunto tratado quase no final dessa primeira parte, que é a
questão de nossa fraternidade para sermos irmãos. Permito-me
citar o quão inquietante é ler: “o abissal desamparo da condição
humana (...) conduziu o sujeito a um impasse (...) precisar do
outro como um igual e um irmão...”
A segunda parte da obra nos inquieta ao apontar que o
mal-estar contemporâneo se inscreve em três registros e daí
vai se tornando mais claro para o leitor o quanto de mal-estar
nos cerca, melhor dizendo, como que os diversos mal-estares
exigem de nós resistência. Questões sobre bulimia, obesidade,
síndrome do pânico, narcisismo, compulsão, individualismo são tratadas
no capítulo referente à subjetividade contemporânea. O autor segue re-
latando a reviravolta na soberania, onde as questões sobre o desamparo
nos chamam a atenção, pois podemos nos remeter ao capítulo referente
ao sermos irmãos... a cartografia do mal-estar aqui relatada nos instiga a
procurarmos as fendas a que se refere o autor para ter escrito os textos e
por elas resistirmos, sem sermos assediados pela verdade. Que verdade?
Em que jogo ela se apresenta?
Talvez o capítulo mais “foucaultiano” de todos seja o intitulado arquivo
da biopolítica, com questionamentos e posicionamentos sobre um discurso
médico que se faz presente até hoje, não poupando, é claro, a clínica psica-
nalítica. Estando por finalizar a segunda parte do livro, atemos, a meu ver,
um capítulo “arquivado“ no meio do livro: saberes do psíquico e criminalida-
de. Em minha opinião, as questões aqui tratadas sobre saúde, loucura, nor-
malização, Nise da Silveira são, motivos mais que suficientes para a leitura
desta obra, mesmo porque, o autor dá início ao entrelaçamento dos “borda-
dos” a que o mesmo se refere na introdução de seu livro, e daí apresenta-se
o mal-estar não mais como sofrimento, e sim como dor, lançando, segundo
o autor, a subjetividade no desalento e não mais no desamparo. A segunda
parte, então, é finalizada com o texto que trata do feminismo e o sentido.
A terceira parte do livro irá tratar da segunda composição do título
do livro: o desejo de resistência, iniciando com a genealogia da resistência
com um ponto de vista apresentado pelo autor, no mínimo interessante:
a paixão não é oposta à ação, creio que até porque, todas as vezes que
estamos apaixonados por uma causa, essa causa é que nos leva à ação,
apresentando, o autor, a resistência como tática, estratégica e metapsico-
lógica para adentrarmos nas bordas da transgressão. Os demais capítulos
que compõem a finalização do livro dizem respeito a Freud, psicanálise,
politica, melancolia no judaísmo e da cultura judaica.
Não é intuito tratar aqui em minúcias da obra em questão, mas convi-
do os leitores a se permitirem se acobertar com a colcha e os bordados que
o autor nos presenteia. É certo, contudo, que a leitura possa nos causar
certos “mal-estares”, mas se não o sentirmos, como poderemos resistir a
eles? Se a pretensão do autor foi, como o mesmo cita na primeira linha de
sua obra, percorrer diversas problemáticas sobre o mal-estar na atualida-
de, o faz muito bem, não deixando que a multifacetada realidade em que
vivemos se vista e seja ouvida como um canto de sereia, mas como Ulisses,
possamos sim resistir, afinal, arquivos não são para ficarem guardados,
mas re-visitados... sempre.
Dados do autor:
Dinael Corrêa de Campos (UNESP)
Doutor em Psicologia como Profissão e Ciência
Mestre em Psicologia Clínica. Professor Assistente Doutor
do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita Filho" - UNESP – Bauru. Especialista em Psicologia
Organizacional e do Trabalho pelo Conselho Federal de Psicologia.
Recebida: 07/02/2012
Aprovada: 25/09/2012

92

Você também pode gostar