o PROJETO ALUMAR E A MUDANÇA SOCIAL EM SÃO LutS-KA~*)
Sandra Maria Nascimento Sousa.
RESUMO
Partindo do conceito de desenvolviment~ questiona-se ate que ponto a. im
plantação do projeto Alumar, na ilha de são Luís, constitui-se como fator de mu dança social. Do confronto do discurso oficial com a história de vida de uma famT lia atingida pela implantação do projeto,conc1ui-se que a A1umar não modificou a composição da estrutura social de são Luís.
PALAVRAS-CHAVE: Produção alumínio. Projetos industriais. Maranhão.
Mudanças Sociais. são Luís.
Falar de mudança social decor curso que merece um aprofundamento,b~
rente da implantação do Projeto AL~ cando-se, inicialmente, rever eSses em São Luís, implica em retomarmos o di~ conceitos. curso do desenvolvimento, no qual está Para Bresser Pereira, "0 dese~ inserida essa questão. volvimento é um processo social global, Oficialmente, é velculado que, dinâmico e ascendente no qual as estru em razão do funcionamento deste projeto, turas econômicas, políticas e sociais o Estado do Maranhão, nos próximos anos, de uma organização social. sofrem pr~ será palco de um crescente desenvolvi fundas e contínuas transformações que mento econômico que, entre outros in afetarão as formas de vida de toda a dicadores, apresentará o incremento da população" 1. O conceito de mudança soci. arrecadação de impostos tributários p~ aI, de certa forma implícito no de d~ gos pela ALUMAR, o surgimento de indUs senvolvimento,ref1ete a ocorrência de trias paralelas e o aumento da oferta um processo no qual, modificando-se as de empregos, trazendo para são Luís uma condições de produção de uma sociedade, grande mudança social, refletida nas p~ isso repercutirá na sua estrutura soci lavras ''progresso''e "bem estar". aI atingindo toda a coletividade. Desenvolvimento e mudança soci Precisamos, ainda, entender o aI, portanto, são as tônicas de um àis que nao fica claro no discurso oficial,
(*) Síntese da monografia apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Esp~
cialização em Sociologia. UFMA, 1986. (1) PEREIRA, Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1968. p.17.
isto e, o que ficou nas entrelinhas, e tágio destas Últimas, hoje em ritmo a só podemos fazer mais acuradamente essa celerado, para obterem "o progresso" e leitura, colocando-se a questão da 1m "o bem-estar social" como se este fos plantação do Projeto ALUM\R na sua "to se um processo linear, no qual se dis talidade", ou seja, percebendo-se.o con tinguem "claramente", dois pontos ex junto de forças e as inter-relações que tremos - "o tradicional" e o "moderno". integrarrlos dinamismos econômicos, poli o primeiro, apresentando uma sociedade ticos e culturais da organização inter "em atraso" social, econômico e polít! na da sociedade brasileira e a sua vin co e,o segundo, significando elevados p~ culação com os dinamismos econômicos drões de crescimento econômico e qual! polÍticos e culturais das sociedades"de dade de vida, fundamentados nos princi senvolvidas" ou "centrais". pios básicos da economia das sociedades E preciso p~rceber que uma "desenvolvidas" . parcela muito signifi~ativa destes dina Com esses fundamentos, em nos mismos é representada pela articulação sa sociedade, a industrialização adqu! que existe entre as classes s>ciais do re desde seu início o caráter de um minantes de ambas as sociedades, que tr~ processo sócio-econômico, culturalmente balham continuamente para rnante~ a nl à assimilação de técnicas, v~ ','::.nculado vel da organização interna da sociedade lares e instituições importados da Eu brasileira, sua hegemonia de classe e, ropa e dos Estados Unidos. O Prof. FIo conseqUentemente,seus privilégios econ~ restan Fernandes afirma que "ao longo mi.co e político, com o qual dá asregras de seu processo histórico, a sociedade de um jogo, no qual o essencial é gar~ brasileira tem se transformado a pa~ tir-se a continuidade do processo de ex tir de um modelo regulado e dirigido pansão do capital internacional, contrQ "de fora", absorvendo dinamismos cultu lando os setores vitais para o desenvol rais dos países capitalistas hegemôn! vimento da economia das sociedades "p~ cos,produzindo-se nessas condições uma riféricas". modernização dependente':". Nesse contexto, insere-se a te Vimos acontecerem,em São Luís, mática dos Grandes Projetos Industriais as primeiras transformações, num r1tmo como essenciais ao crescimento econômi acelerado, sem espaços para maiores r~ co e ao desenvolvimento. conhecimentos, debates ou discussões , Esse argumento encontra apoio sobre a implantação e o funcionamento nas teorias modernizàntes, segundo as do Projeto ALUMAR e seus efeitos, con quais é preciso"avançar" - ê preciso que fundindo e atordoando a todos.Voltamos as sociedades "atrasadas" percorram as a recorrer aos fundamentos científicos mesmas etapas já percorridas pelas soc! que nos possam explicar as causas e edades "desenvolvidas" e alcancem o es efeitos dessas mudanças e nos permitam (2) FERNANDES, Florestan-Mudanças Sociais no Brasil. são Paulo, DIFEL. p.68.
dissipar a confusão. de mudança. B ainda Florestan Fernandes Parte desse nosso trabalho e quem nos revela que "nas condições de empreendido com a reconstituição da hi~ sociedade periférica, dependente poli tória de vida de uma família que resi tica, econômica e culturalmente corno diu na área onde se implantou e funcio nos encontramos, há em todo processo de na a ALUMAR, e mora, hoje, na periferia mudança, pelo menos no início, graves de nossa cidade. no bairro do Anil. conflitos entre os MODELOS IDEAIS de de ~o conjunto das entrevistas senvolvimento a serem seguidos e as FOR concedidas por essa família, tivemos um Ml\S REAIS de orgniazção social onde se relato que reflete as transformações rao implantados esses modelos. Entre que atingiram as comunidades daquela essas duas instância: o.Çorre área, tendo-se registrado sobretudo a um vazio histórico que,forçosamen caracterização de três momentos distin te, tem que ser preenchido com grandes tos, que situam o movimento de exp~ esforços por parte daquela sociedade são do capitalismo em nossa sociedade: que terá de se reorganizar internamente I - O MJmento da vida no Cm:Ip>, que sl para criar ou se adaptar às concliçõesne tua a família corno lavradores, reside~ cessárias a essa implantação" 3 • -. tes no povoado de Pindotiua, proxlmo a - Entendemos que o rítmo acelera Estiva,a cerca de 23 km do centro ur do com que se processam essas transfor- bano de São Luís. A área era integrada mações agravam mais o conflito, criando por sítios grandes e pequenos. O trab~ sérios problemas biológicos, psicológl lho principal estava no roçado, de on cos e sociais para o agente humano, que de tiravam os alimentos necessários a diante de um destino histórico-social sua reprodução, e com a venda do "exce captado por transplantação, vê-se na co~ dente" de sua principal cultura, obti tingência de adaptar-se, muito rapidame~ nham os demais artigos necessários ao te, às novas formas de vida, sem que seu consumo - roupas, calçados, azeite, possa aos poucos, num titmo menos violen etc. '.cornoé claro no depoimento do Sr. to, atingir a compreensão racional do Isae1, chefe da família estudada. significado e de utilidade delas. "Tinha cada sítio que era urnabe1~ Buscamos, ainda, situar junto za, com jaca, banana, laranja, lIlél!!. aos agentes sociais q~e vivenciam. mais ga .-.. diretamente as primeiras transformações, A gente fazia a roça da gente ... dados e informações que nos possibill tinha de tudo lá. Se plantava ~ tem confrontar o discurso oficial, o mo dioca, milho, rnacaxeira, se fazia delo teórico em discussão e a prática s~ muita farinha ... cial em que se insere o seu movimento Menino agarrava manga para comer
com farinha â vontade. Lá tudo vivia Pelos relatos, verifica-se que de lavoura e da pescaria. Perto da o papel do Estado é bastante autoritá gente moravam os parentes. Meus Vl rio, evidenciando o caminho por onde ~ zinhos eram gente boa. Lá meus fi vança o capitalismo, destituindo o Ia lhos viviam bem. No igarapé tinha vrador do seu meio de produção. Segun- peixe, caranguejo, siri. do José de Souza Martins, "a expropr.ia A farinha agente dava, comia e ven ção constitui uma característica esse~ dia quando se tinha outras precisão cial do processo de expansão do capit~ ..." . lismo, um componente da lógica de re II - O r.brnentoda Saída do Campo - A Sua produção do capital. O capital só pode Expropriação. crescer ã custa do trabalho, porque só "A gente soube que a ALeOA ia fa trabalho é capaz de gerar r.iqueza':", zer uma fábrica de alumínio e come III - O M:>mento da Instalação na Zona çou a dar no jo,al que ela tinha Urbana. ido em diversas cidades para com "Depois que nos viemos para cá o prar terra. negoclo piorou mais pra gente ... Quando nós soubemos ficou tudo ap~ Tudo depende do dinheiro. Tem dia varado. O pessoal da COI foi nos que a gente tem, tem dia que não. procurar. Não conversaram nada. Só E, assim,vai enfrentando uma Vl chegaram e disseram que iam preci da meio dura ... Pelo menos o cus sar da área e nós tinha de salr. to de vida tá ruim. O dinheiro Eles marcavam reunião para ajuste não dá pra nada". de preço. Quem ia pedindo mais aI A inserção dessa famíliano to eles baixavam mais. As areas tu mundo urbano é carregada de contradi dinho foi vendida e os vizinhos co çoes: desde a procura de uma casa a meçaram a se retirar". consecução de um emprego, até a dist~ Nestes depoimentos percebe- se cia e o isolamento dos familiares e vi claramente a atuação do poder do Estado, zinhos, que se ressentem muito, devido através da CDI - Companhia de DesenvoI a sua forma anterior de vida, comum ao vimento Industrial - realizando a inter meio rural, onde estão estruturadas ou mediação entre a ALUMAR e os lavradores tras condições de trabalho e de rela para a expropriação destes e em defesa çoes sociais baseadas no trabalho fami dos interesses das empresas portadoras liar e no contato interpessoal mais di de Grandes Projetos, descortinando-se a reto. ideologia de que o Estado é o "defensor Os relatos vao refletindo gr~ dos interesses de toda a sociedade Cl ves situações de vida que encontramce~ vil". ta explicação no que é enunciado por
(4) MARTINS, Jose de Souza. Expropriação e violência. são Paulo, Hucitec, p.5l.
Eurii.ceDuhran: "O trabalho agrícola pode mento do ferro e do alumínio nuna outra e freqUentemente cria situação de carê~ perspect iva: com características mais cia permanente ou crônica, pois não of~ adequadas ao aproveitamento dos recur rece rendimento suficiente para satisfa sos técnicos, orçamentários e financei zer as necessidades socialmente defini ros locais, além de poderem ser efeti das ... Mas, mesmo nessas condições não vados em um tempo mais demorado, mas ameaça de modo drástico e imediato a sem grandes prejuízos para a população possibilidade de subsistência. Pode pr~ no sentido de que grandes investimentos vocal', é verdade, um estado de carência e despesas sejam repassados ã sociedade alimentar e desnutrição, mas raramente civil, com sérios ônus para esta. se apresenta corno impossibilidade de so Entretanto, todas elas caem brevivência física. Na cidade, ao con no "vazio", ou numa discussão sem cami trário, a dependência do salário é to nho, evitando-se criar uma alternativ2 tal e o desemprego cria desajustamentos adequada à necessidade de vi.abi lizaçào tão agudos que só podem ser resolvidos desses projetos. pela criminal idade ou mendicância"s. De que mudança social então Pelas observações por nós efe fala o "discurso oficial" - quando pe!. tuadas distinguimos, de um lado, aqu~ cebemos que a estrutura social,econômi les que durante as transformações vão ca e política de nossa sociedade perma "acumulando" com a venda das terras as nece inalterada, com as classes que d~ grandes empresas - os beneficiários; de tém o poder econômico-político rearti outro, aqueles a quem cabe os maiores s~ culando-se constantemente, favorecendo crifícios impostos pelo desenvolvimento, a manutenção da "dependência" históri sendo afastados do seu local de moradia ca em que vivemos? e trabalho e mais, excluídos, ainda,dos "A mudança social, em suas benefícios sociais que possam decorrer transformações observáveis e verificá daquelas mudanças. veis, afeta a forma de vida de toda a Mudança social decorrente do coletlvidade". Esta premissa parece di~ desenvolvimento não é um processo soci tante de aplicação à atual situação da aI global no qual toda a coletividade realidade social brasileira,onde o pr~ de determinada organização social é a cesso de expansão do capitalismo se de tingida? senvolve em urna organlzaçao social que, Sabemos que grande contingente ao longo das transfonnações histórico- de técnicos, cientistas sociais, analis sociais, vem conservando contradições tas, membros de movimentos sociaiscomu específicas - como a existência de um nitários, como o Comitê de Defesa da sistema de classes bem diferenciado,no Ilha, tem proposto alternativas de im qual alguns dos antigos estamentos se plantação desses projetos de aproveita- nhoriais do período colonial perpass~
(5) DUHRAN, Eunice. A Caminho da Cidade. são Paulo, Perspectiva. p.86.
ram as mudanças e ainda hoje mantém na REFERENClAS BIBLIOGR!FICAS
atual classe dominante um relevante pa
pel econômico e político. 1.DUHRAN, Eunice. A caniinho da cidade. São Paulo, Perspectiva, 1973 .. 2. FERNANDES, Florestan. Mudanças soei ais no Brasil. São Paulo, DIFEL , TBE ALUMAR PROJECT AND TIlli SOCIAL 1968. CHANGES 3.MARTINS, Jose de Souza. Expropriação Starting from the conception of e violencia. São Paulo, Hucitec, development, we question to what extrem 1980. the implantation of the Alumar proj ect 4.PEREIRA, Bresser. Desenvolvimento e in the Island of São Luís is a factorof crise no Brasil. Rio de Janeiro,Z~ social change. From the confrontationof har, 1968. the official discourse with the life history of a family which was hitted by ENDEREÇO DA AUTORA
the implantation of the project it was SANDRA MARIA NASCIMENTO SOUSA
concluded that the Alumar didn't change Aluna do Curso de Especialização em
the composition of the são Luís social Sociologia da UFMA, 1986. structure. Caminho da Boiada, 263 - Centro. 65.000 - SÃO LuíS-MA.