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PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
(I)
RECIFE
2008
1
NO AVESSO DA FORMA:
Recife
2008
3
4
Para
Caldeira (in memoriam),
Flávio e
Lourdinha.
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho contou com apoios diversos. Infelizmente, apenas parte deles será
possível nomear agora.
RESUMO
RÉSUMÉ
P or é m j us t am e nt e s o br e o im p ér io é qu e s e d ev ia , n a
m in h a op i n iã o , c ons u l tar o p ov o, u m a v e z qu e o i m pér i o
te m ne l e os s eus ú lt i mos p o nt os de a po i o . A qu i o utr a v e z
eu por c e r t o s ó p os s o fa l ar d a m in h a te r r a n at a l
Kaf k a, Du r an t e a co n st ru ç ão d a mu ra lh a d a Ch i n a
G u im a rã e s Ro sa , G r a nd e Se rt ão : Ve r ed as
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------- 10
INTRODUÇÃO
1
Vej a A Dia lét ica Neg a t iv a de T heo do r W. Ado rno ( No b r e, 1 9 9 8 ) , esp ec ia l me n te
cap í t ulo 3 , “A ‘o n to lo gi a d o es tad o fa lso ’ ”, o nd e o co nc ei to é d eta lh ad o , à l uz d a
q ue s tão d o q ue é “p o s sí v el e n u nc iar ” n u m m u nd o fal so . O “es tad o d o fal so ” ser ia
p r eci sa me n t e o “e stad o d e id e nt id ad e ”, u ma “i lu s ão ne ce ss ár i a” p ar a o p e ns a me n to e
“so c ia l me n te n ece s sár ia ”. N es te s ter mo s, a “id e o lo gia ” não é p e ns ad a c o mo “vé u” , ma s
co mo “a me açad o r r o st o d o mu nd o ”. No co nc ei to b e nj a mi n ia no d e “co ns te laç ão ”
( exp r e ss a na s s ua s “co n f i g ur açõ es co ncr eta s” ) , Ad o r no ver ia o c a mi n h o p ar a a cr í tic a
d a “i l us ão d e id e n tid ad e”. N a sí n te se d e Mar co s No b r e: “a d i al ét ica é a teo r ia d a não -
id e nt id ad e d e s uj ei to e o b j eto no i nt er io r d a fo r maç ão so c ial e m q ue a ló gi ca d a
d o mi naç ão é e xa ta me n t e a d a ‘ il u são n ece s sár i a’ d a id e n tid ad e d e s uj eito e o b j eto : a
d ial ét ica é ‘a o n to lo g ia d o e stad o fa l so ’” ( id e m, pp . 1 7 4 -7 5 ) . Ne ste tr ab al ho , te nd o e m
co n ta a s d i fer e n ça s d e l u gar e te mp o , e xa mi n a - se u m c a so h is tó r i co d e co n str uç ão d e
“il u são d e id e nt id ad e”.
2
No B r a s il, a q u es tão p e r p as sa o t e ma d o s “d e s t er r ad o s”, n a i nt u ição p o d er o s a d e S ér gio
B uar q u e d e Ho la nd a ( 2 0 0 6 ) , e fo i r e f i nad a p o r est ud o s so b r e a “fo r ma ” co mo o s d e
An to n io Ca nd id o ( 1 9 9 8 ) e Ro b er to Sc h war z ( 1 9 9 0 ) , n as l i n ha s ma is p r ó xi ma s d e Mar x
o u ta mb é m d e Auer b ac h ( 1 9 9 4 ) . Fo r a d o B r asil , ela j á co n st a d e a nál i s es d e se n vo l vid a s
no s te x to s d e Mar x so b r e o “f et ic he ” d o cap i t ali s mo , p a s sa p e lo s d e B enj a mi n so b r e
“f a nt as ma g o r i as ” d a mo d er n id ad e ( 1 9 9 4 ) , d e D eb o r d so b r e “e sp e tá c ulo ” ( 1 9 9 7 ) , se nd o
d esd o b r ad a s no s e st ud o s d e Žiž e k ( 2 0 0 3 ) , J ap p e ( 2 0 0 6 ) o u Fo n te ne lle ( 2 0 0 2 ) ; mas
ta mb é m d a l i n ha d e i n te r p r eta ção não me no s r i c a q u e sai d e Nie tz sc h e ( 1 9 9 2 ) , p as s a p o r
Fo uca u lt ( 2 0 0 0 ) , De le u ze e G ua tt ar i ( 1 9 9 7 ) , e c he g a a té u m B a ud r i llar d ( 1 9 9 6 ) . De
Del e uze e G ua tt ar i, e m esp e cia l, l ei a -s e o “c a p ít ulo ” 1 0 d e “Mi l P la tô s ” ( 1 9 9 7 ) . Do
ân g u lo d e ss es a uto r e s, o co nc ei to d e mi me s i s é “n ão só i n s u f ic ie nt e, ma s r ad ic al me n te
fa l so ” ( id e m, p . 1 0 7 ) . P o st ul a m, p o r s ua v ez, a no ção d e dev ir car acte r iz ad a co mo
“r izo ma ”, “mu l t ip l ic id a d e”, “ga lá x ia”, “r el ação d e mo v i me nto e d e r ep o u so ”, “b lo co d e
co e xi st ê nc ia”, li n ha “tr a n s ver sa l”, “f r o nte ir a ”, “li n ha s d e f u ga ”, “mú s i c a”, “p o t ê nc ia d e
d es ter r ito r ial iz ação ” ( id e m, p p . 1 2 -1 1 3 ) . No s s o tr ab al ho , p ar t i nd o d a tr ad iç ão cr í ti ca
b r as ile ir a , p r o c ur a se c o lo car e ntr e a s d ua s li n ha s e, na med id a d o p o s sí ve l, e xp lo r a r
al g u n s p o nto s d e ap r o x i ma ção e t e ns ão .
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3
A te se d e q ue o c ap i ta li s mo esq u izo fr e niz a na p er i f er i a ( O A nt i- É di p o , p . 2 4 1 ) n ão
te ve, p o r e x e mp lo , s ua e xp r e s são fo r ma l no nar r ad o r vo l ú vel , cad a ve z ma i s a ma l ucad o ,
d o “B r á s C ub a s” d e Mac had o d e As si s, sí mb o lo d a eli te b r a si le i r a e m fo r ma ção ?
( Sc h war z , 1 9 9 0 , p . 1 9 8 ) . Ad o t a nd o p r i nc íp io d e co mp o siç ão c uj o “a mal u cad o ” d as
“u n id ad e s mí n i ma s co n f i g ur a u ma e xp er i ê nci a mat er i ali s ta mo d er na ” ( id e m, p . 1 8 8 ) ,
Mac had o far ia u ma “a uto - al ter o -d e n ú nc ia” no mo d o d e co ns tr uç ão d o se u n ar r ad o r
( id e m, p . 1 7 8 ) . D e fo r ma q ue, d i ze mo s nó s, o o l har ma c had i a no so b r e a “lo u c ur a” d o
nar r ad o r a e xp õ e, d e u m lad o ( o “a uto ” ) , co mo p ar t e d a s ua ló g ic a d e p o d er
“cap r ic ho sa”, o nd e co m p ar a “t ud o co m t ud o ”, e, d e o utr o ( o d a “alt er o -d e n ú n ci a”) , a
to ma co mo p o nto d e p a r tid a d a cr ít ica . P ar a ir ad ia nt a nd o no s so as s u nto , le mb r a mo s
q ue o p er ío d o d a e x is t ên cia d o p er so n a ge m ( 1 8 0 5 -1 8 6 9 ) é o me s mo d a ex is tê n cia
hi s tó r i ca d e J o ão Fr a nc i sco L i sb o a ( 1 8 1 2 -1 8 6 3 ) , c uj o T i mo n, tal co mo o p er so na ge m d e
S ha ke sp e ar e, ta mb é m e xp u n ha “v er d ad e t er r í v el”, d ize n d o co i sa s q u e “p ar a q ua lq uer
b o m ho me m, n ão p a s sa r ia d e lo uc u r a r e co n hec ê- la s e m se u p r ó p r io c a r áter o u s eq uer
s u ger i -l as ” ( M e vi lle I n: L i ma, 2 0 0 0 , p . 3 3 8 ) .
12
4
C f. F lá v io Rei s, Gr upo s po l ít ic o s e e st r ut ura o lig á r q uica no M a ra nh ã o ( 2 0 0 7 ) .
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5
Anto n io d e Mo r ae s r e g is tr a “b ár b ar o ” no s e nt i d o d e “Ho me m r ud e, s e m p o lí ci a, ne m
ci vi lid ad e, o p p o sto ao ci vi li zad o , e ur b a no ”; es ti lo d o q ue “n ão é p o lid o , co r r ec to ,
cu lto ”; “d e s h u ma no , fer o z, cr ue l, i nc u lto ” ( 1 8 3 1 , p . 2 4 8 .) .
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6
Na i ma g e m d o “B r a si l -o r n ito r r i nco ” , Fr a nci sc o d e Oli v eir a v ê o ca so li mi te d e u ma
“so c ied ad e d e si g u al itá r i a se m r e mi s são ” e d e “a cu mul a ção tr u n cad a ” ( 2 0 0 3 , p . 1 5 0 ) . De
s ua ve z, a p ar t ir d a hi stó r ia d o “M cDo n ald ’ s” , I sl eid e Fo nt e ne le ( 2 0 0 2 ) an ali so u a s
tr a n s fo r ma çõ e s so fr id a s p ela q ue st ão d o “f et ic h i s mo ”, d e s e n vo l ve nd o a hip ó te se d e q ue
a mar ca p ub li ci tár i a to r no u - se “i l u são d e fo r ma ” q ua nd o o cap it al is mo p as sa a p r o d u zir
o “i n fo r me ” o u a mo ns tr uo sid ad e so ci al ( id e m, p . 2 9 6 ) . Daí r es u lt ar i a s it ua ção e m q ue a
r eal id ad e d ei x a d e s er o b j eto d e “f al sa r ep r es e nt ação ” e, no s ter mo s d e Ad o r no , co meça
a f u nc io nar co mo “id eo l o gi a d e s i me s mo ” ( id e m, p . 2 9 3 ) . E m r e la ção a es sa i l us ão , não
é o ca so d e cr er o u n ão , ma s d e “a g ir co mo s e não so ub é ss e mo s” ( id e m, p . 3 0 2 ) .
P r eci sa me n te e s sa d i me n são i n co ns ci e nte , Mar x d ei xar i a p a ss ar e m s u a teo r i a d o f et ic he
d a mer c ad o r i a. ( id e m, p . 3 2 8 ) .
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No s ter mo s d e u ma me s tr a e m C iê nc ia s d a Co m u ni caç ão p e la E C A/ USP , q u e d ia n te d a
p er g u n ta so b r e u m te m a car o d a Hi s tó r i a d o Mar a n h ão : “-P el a hi s tó r ia e p e la gr a nd e
vi s it ação d e fr a nce s es at u al me n te, vo cê ac ha p o s s í ve l São L u í s ter p o l ít ica s
me r cad o ló gi ca s d e t ur is mo d ir e cio n ad a s a e s se p úb li co ? ”, r e sp o nd e u : “Co m cer te za !
De ver ia. I s so p o d er i a ser mel ho r ve nd id o , p o is n ão fo mo s co lo n izad o s, ma s fo mo s
f u nd ad o s p o r el es . Al é m d o mai s, e x is te u ma c u r io s id ad e p o r p ar te d e le s.” ( i n No b er to ,
2004, p. 132).
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É d i fíc il n ão s ur p r ee nd er , à vi st a d e st e q uad r o , a sep ar aç ão ( a i nd a vi g en te) e n tr e o s
d eb ate s h i sto r io gr á f ico s , e m to r no d a c ha mad a “No va Hi s tó r ia C u lt ur al”, e aq ue le s,
r o t ulad o s co mo “p ó s - mo d er no s ”, so b r e o p r o b le ma d o s ur gi me nto d as n o va s fo r ma s d e
d o mi naç ão i ns ti t uíd as p o r mei o d a “r ep r o d ução c ul t ur a l”. O s h i sto r iad o r es nad a t er ia m
a d izer ? O e st ud o d o p as sad o nad a ter ia a ver co m p r o b le ma s “co nte mp o r â neo s”? P o r
s ua v ez, p o r q ue o s c h a mad o s “p ó s - mo d er no s” p o uco a na li sa m o b r a s d o s hi s to r i ad o r e s?
A tr o ca e n tr e p a ss ad o e p r es e nte s e to r no u me s mo i mp o s sí ve l, não s i m b o liz a nd o nad a
alé m d e s i mu l acr o s? N ão ser i a e xat a me n te p o r q ue o s te mp o s d o “aq ui e a go r a ” são
i mp o s to s co mo “p r e se nt e ete r no ”, co mo i m p o s sib ili d ad e e xt r e ma , q u e a h is tó r i a,
r ed i me n s io nad a e m se u “ser ” me s mo , p o d er i a p elo me no s co meça r a exp r e s sar e s sa
q ue s tão ? P o r q u e não fa zer co mo aq ue le s “n ar r ad o r e s” q u e, d i a nt e d o i mp a s se d a
hi s tó r i a e d a s u a n ar r a ti va, co meç ar a m a e xp o r e d es cr e ver o p r ó p r io i m p as se? P ar a u ma
id éi a i ni ci al d o d eb a te p ó s - mo d er no : P ó s- mo der n is mo e po l ít ica ( Ho l la nd a, 1 9 9 1 ) ;
p ar a u m p o s ic io na me n to i mp o r ta nt e a p ar t ir d a hi s tór i a: O f io e o s ra s t ro s ( G i nzb ur g,
2007).
9
O li vr o fo i o r i g i nar ia me n te d i s ser ta ção d e m es tr ado e m so cio lo gi a, ap r e se nt ad a na
U ni ver s id ad e F ed er a l d e P er n a mb uco , e m 1 9 8 2 .
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Diante disso o que fazer (ou não fazer)? E, principalmente, como fazer?
10
No s ter mo s d e Ži že k, f al a nd o d a fa l s a esco l ha e ntr e “d e mo c r ac ia o u
f u nd a me nt al is mo ” no s t e mp o s d e a go r a , s e p o d er ia se m d ú vid a d iz er q ue, no ca so d o s
“ma r a n h e ns es ” o u d o s e st ud io so s d o “M ar a n hão ”, o p ro b le ma não e st á e m e s co l her u m
o u o utr o d e t ip o d e r e sp o st a co mo p o nto d e p ar t id a d a p e sq u is a, ma s na p r o p o si ção d a
p er g u n ta e m si ( 2 0 0 3 , p p . 1 7 -1 8 ) .
11
C f. B a r bá r ie e si mu la cro no J o r na l de T i mo n d e J o ã o F ra nci sco L is bo a ( So ar e s,
2002).
12
Ne ss e se nt id o , so mo s d a o p i ni ão d e q ue a co n sc iê n cia “r e ali s ta” d o T i mo n é
“p r ec ur so r a ” r e mo t a d e u m t ip o d e co n sc iê n cia d ila cer ad a co mo a d o p er so na g e m P a u lo
Mar t i n s e m Te rra e m Tra n se, ale go r ia ci ne m ato gr á f ica d o “s ub d e se n vo l vi me n to ” d e
Gla ub er Ro c ha, o nd e é fo cal iz ad a a c a mp a n ha ele ito r al na P r o v í n cia d o Ale cr i m,
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No entanto, a sua crítica sobre o jogo das relações entre “barbárie” (guerra)
e “simulacro” (teatro) na História do Maranhão, caracteriza-se por um tipo
de paradoxo onde a exposição da fragmentação conviveu com um tipo de
“crença” no Maranhão província (e no Brasil império) que agora se procura
analisar e compreender. Não se trata da ilusão “ateniense”, reflexo
deformado do “Maranhão” em torno do qual a historiografia mais ou menos
se fixou, mas do “Maranhão” como “ideologia de si mesmo”. No interior
desta, João Francisco Lisboa expôs as impossibilidades de um mundo de
“simulacros” e “barbárie”, compondo um “bloco de coexistência”, uma
“relação de movimento e de repouso” que deu complexidade única ao seu
pensamento.
1.1 REGÊNCIA
Aproximações historiográficas
1
Vej a a s a n ál is e s d e I za b el Mar so n e L úc ia G ui ma r ãe s so b r e e st a o b r a r ef er e nc ia l p a r a
o e st ud o d a s r e g ê nc ia s ; o b r a q ue, no e xa me d a se g u nd a, é fr uto d e u ma “p e na d e
al u g ue l”. C f. Mar so n, I z ab el A., “O I mp ér io d a Re vo l ução : M atr ize s I n t er p r et at i va s d o s
Co n f lito s d a So c ied ad e Mo nár q u ica ” i n : Fr e it as, Mar co s C. ( o r g.) , H is t o rio g ra f ia
bra si le ira e m p er sp ect i v a . São P a ulo , Co nte x to , 1 9 9 8 . G u i ma r ãe s, L u ci a M. P as c ho al ,
“A çã o , rea çã o e t ra nsa ç ã o : a p e na d e al u g u el e a h i sto r io gr a f ia” i n: C ar va l ho, J o sé M .
( o r g.) , Na çã o e ci da da nia no I mp ér io : no v o s ho r izo nt e s. Rio d e J a n e ir o , Ci v il iza ção
B r as ile ir a, 2 0 0 7 .
21
José Honório viu nas obras de Oliveira Viana, Gilberto Freyre e Sérgio
Buarque de Holanda “novos critérios de pesquisas e interpretação”, os
quais, à semelhança de Martius na década de 1840, levariam à reordenação
da História do Brasil. A evolução do povo brasileiro (1922), de Oliveira
Viana, malgrado o racismo, “representou uma contribuição muito
importante para a periodização da nossa história” (Rodrigues, 1978, p.
141). As regências foram abordadas na terceira parte, intitulada “Evolução
das Instituições Políticas”, nos capítulos XIII a XXIV denominados “O
Período Imperial”. Para Oliveira Vianna,
2
Reco r te ac ei to p o s ter io r me nte p o r Caio P r ad o J r ., na H i st ó ria Eco nô mi c a do B ra si l
( 1 ª ed ., 1 9 4 5 ) , e r eb at iz ad o co mo “A E r a d o Li b er al is mo ”. ( P r ad o J r . , 1 9 8 4 , p p . 1 2 3 -
1 5 3 .)
3
Vale l e mb r ar aq u i d e Fer na nd o An tô n io No va is, p ar a q u e m o p er ío d o d a “cr i se” d o
an ti go si s te ma co lo ni al se i n ic ia e m 1 7 7 7 e e nc er r a e m 1 8 0 8 . C f. No va is, Fer n a nd o A.
P o rt ug a l e B ra s il na Cri se do Ant ig o S is t e ma Co lo nia l ( 1 7 7 7 - 1 8 0 8 ) . 2 ª ed ., São
P au lo : H uci te c, 1 9 8 3 .
22
co n s ti t ucio n al, na R e gê nc ia tr i na e, d ep o i s, na R e gê nc ia u n a.
Ma s, ap es ar d a f ic ção co ns ti t uc io nal , e s sa f alt a d o Re i na
d ir eç ão e fet i va d o I mp é r io b a st a p ar a q ue o s ve l ho s
p ar ti c ul ar i s mo s p r o v i nc iai s e nc h a m o p a ís, d o no r te ao s ul,
co m o es tr o nd o d as s ua s e xp lo sõ e s. O p er ío d o r eg e nc ial é, p o r
is so , a ép o ca d a ma is i nte n sa e xac er b aç ã o d o esp ír ito
p r o v i nci al. P a ra im p ed ir a f ra g m en ta çã o d o p a ís se f a z
p rec i so o a p elo a o g o l p e d e e sta d o , co m q ue se ep ilo g o u o
cha m a d o m o vim ento d a Ma io rid a d e. ( Vi a n na, 1 9 5 6 . p . 2 5 8 .
ne gr ito e m it áli co d o a u t o r ) .
T o d o s, g r a nd e s esp ír i to s, gr a nd es c ul t ur a s, gr a nd e s
p ar la me n t ar e s, gr a nd e s j ur is ta s, gr a nd e s ho me n s d e e st ad o , q u e
ha v ia m d e e n c her co m a s u a so b er b a at i v id ad e to d o o I
I mp ér io , o p er ío d o t u mu l t uá r io e b r il h a nt e d a Re gê nci a e
me s mo , co mo O LI ND A, p o r e xe mp lo , o s p r i me ir o s a no s d o I I
I mp ér io . ( V ia n na, 1 9 5 6 , p . 2 4 9 ) .
T er e mo s a p r i me ir a fa se co lo nia l, d e fo r ma ç ão d a f a mí li a
b r as ile ir a , so b a b a se d a eco no mia p a tr i ar ca l, s eg uid a d e u ma
fa s e d e tr a n s ição , o nd e se e st ud a a d ecad ê nc ia d o p atr iar cad o
r ur al no B r as il e o se n tid o e m q ue se mo d i f ic o u a p ai s a ge m
so c ial b r a si leir a d ur a n te o séc u lo X VI I I e a p r i me ir a met ad e d o
séc u lo XI X, p ar a no s d ar , co m O rd e m e p ro g re s so , a
s ub st it ui ção d o tr ab al ho e scr a vo p elo tr ab a l ho li v re
( Ro d r i g ue s, 1 9 7 8 , p . 1 4 2 ) .
P er ío d o d e eq u il íb r io , e nt r e a s d ua s te nd ê n cia s – a co le ti v a e a
ind i vid u al i sta – ne le s e ac e nt uar a m al g u n s d o s tr aço s mai s
si mp át ico s d a f is io no mi a mo r a l d o b r a si le ir o . O tal e nto
p o lít ico d e c o nte mp o r iz ação . O j ur íd ico , d e ha r mo n iza ção . A
cap ac id ad e d e i mit ar o es tr a n ge ir o e d e a s si mi l ar - l he o s tr aço s
d e c ul t ur a f i no s e n ão a p en as o s s up er fi cia i s ( 1 9 8 5 , p . 2 2 ) .
Aq uel es p io ne ir o s d e no s sa I nd ep e nd ê nc ia e d a Rep úb li ca q ue e m
1 8 1 7 não d e sej a va m e m n ad a mo d i fi car a s it ua ção d o s ne gr o s
esc r a vo s, e mb o r a n ão r eco n hec es se m o d ir e ito d es sa si t uação ,
fo r a m d e u ma si nc er id a d e q ue n u nca ma is se r ep et i u no d ec ur so
d e no ss a v id a d e na ção . Dep o is d e le s, o s p o lít ico s mai s
p r ud e n te s p r e f er ir a m n ã o me n cio nar o p o nto v ul n er á v el d e u ma
o r ga n iz ação q u e a sp ir a va m p er f eit a e co er e nte co ns i go me s ma ,
ai nd a q u a nd o so me n te no p ap e l. Não d u v i d ar a m u m ú n ico
mo me n to d e q u e a sã p o lít ic a é fi l ha d a mo r al e d a r azão . E
as si m p r e fer ir a m e sq ue cer a r eal id ad e, f ei a e d esco nc er t a nte ,
p ar a se r e f u gi ar e m n o mu n d o id e al d e o nd e l he s ace na va m o s
d o u tr i nad o r e s d o te mp o . Cr i ar a m as as p ar a não ver o esp et ác ulo
d ete st á ve l q ue o p aí s l he s o fer ec ia. ( 2 0 0 6 , p p . 2 0 5 -6 )
4
No p r i me ir o , C aio P r ad o ap lic a va a ca te go r ia d a “l ut a d e cl as se s ” p ar a co mp r ee nd er a
Hi stó r ia d o B r a si l. O c h a mad o “p er ío d o d a Me n o r id ad e ” er a ca r ac ter iza d o co mo fa s e d e
“h es it açõ e s, d e r ea gr up a me n to d e fo r ça s d i sp er s as p el a ab er t ur a d o no v o ci clo hi stó r ico
27
5
E st ud io so d es s e d eb at e, J ean P hi lip p e C ha ll a nd es d i z q u e el e er a “mu i t o si mb ó li co d o
p er ío d o e s t ud ad o ”, p o i s b u sco u “e stab ele cer ta nto u ma h ier ar q u ia e nt r e o s p o d er es
mo ná r q uico s e aq ue le s q ue e ma n a va m d a naç ão , q ua nto e n tr e o s p o d er es e xe c ut i vo s e
le gi s lat i vo s, e r e s ul to u e m d i f er e n te s var ia n te s d o s i ste ma mo n ár q ui co co ns ti t uc io na l,
co m cad a u m e s tab e le ce nd o s ua p r ó p r ia o r d e m d e p r ior id ad e s. ” ( 2 0 0 2 , p . 9 5 ) .
6
I l ma r R. d e Mat to s si t u a no s f i nai s d a R e gê nc i a o co meço d a at u ação d o s Saq u ar e ma s
o b j eti va nd o , “a p ar tir d a Co r o a, u ma r es ta ur ação ” (1 9 8 7 , p .2 2 0 ) . Ao a na li sar as
d i fer e n ça s e s e me l ha nç as e n tr e “l uz ia s” e “sa q uar e ma s” e s te a u to r s ub l i n ha q ue ela s
29
rebeladas, diz Faoro, lutavam não pela separação, mas por espaço dentro
dos esquemas de decisão, tanto que as revoltas foram protagonizadas,
sobretudo, pelas províncias “periféricas” (Bahia, Pernambuco, Maranhão,
Pará, no norte, e Rio Grande do Sul, no sul).
O si st e ma – e xp r e sso na co r r e n te q u e va i d a fa z end a à c id ad e –
p r o vo c a o d e slo ca me n t o d o ei xo e co nô mi co p ar a a co rte. O s
in ter es s es d e ma io r v u lto s e co nc e ntr a m no Rio d e J a n eir o ,
o nd e se a gl u ti na m e s e ir r ad ia m o s e le me n to s ger ad o r e s d e
r iq uez a. A e co no mi a gi r a ma i s e m to r n o d o escr a vo e d a
exp o r ta ção d o q ue d a fa ze nd a, d i sp er sa e ab a nd o nad a a n úc leo s
não a sso cia d o s. ( id e m, p . 3 2 9 )
7
Se g u nd o Ma x Fle i u ss , o s gab i net e s fo r a m o s s eg u i nt es : Ga bi net e d e 1 9 de set e mb ro
de 1 8 3 7 a 1 6 de a br il de 1 8 3 9 , o “Mi n i st ér i o d as Cap a cid ad es ”, co m o s s e g ui n te s
mi n i str o s : I mp ér io , B e r na r d o P er eir a d e Va s co n cel lo s ( i n ter i no ) ; J u st iça , B er nar d o
P er eir a d e V as co nce lo s ; E s tr a n ge ir o s, Anto n io P er egr i no Mac iel Mo n teir o ; Fa ze nd a ,
Mi g ue l Cal mo n d u P i n e Al me id a; Mar i n h a, J o aq u i m J o sé Ro d r i g u es T o r r es; G uer r a ,
Seb a s tião d o R e go B ar r o s ( s ub s ti t uid o p o r J o aq ui m J o s e Ro d r i g ue s T o r r es e m
5 / mar . /1 8 3 9 ) . Ga b in et e de 1 6 d e a b ri l a 1 de s e t e mb ro de 1 8 3 9 : I mp ér i o , Fr a nci sco d e
P au la d e Al me id a e Alb uq uer q u e ( i nter i no ) ; J us tiç a, Fr a nc i sco d e P a ul a d e Al me id a e
Alb uq uer q u e; E st r a n ge ir o , Ca nd id o B ap t is ta d e Oli v eir a ( i nt er i no ) ; Ma r in h a, a l mir a nte
J aci nt ho Ro q ue d e Se n na P er e ir a ( s ub st it u íd o p o r J o ão Vieir a d e C ar va l ho e m 1 0 d e
ma io ) . Ga bi ne t e d e 1 de set e mb ro de 1 8 3 9 a 1 8 de ma io de 1 8 4 0 : I mp é r io , Ma n ue l
An to n io G al v ão ( s ub st it uíd o i n ter i na me n te p o r Fr a nc i sco R a mir o d e As si s Co el ho e m 2
d e maio d e 1 8 4 0 ) ; J u st iça, Fr a n ci sco R a mir o d e Ass i s Co el ho ; E str a n ge ir o s, Cae ta no
Mar i a Lo p e s Ga ma ; Faz end a, M a n uel Al ve s B r a nco ; M ari n h a, a l mir a nte J aci nt ho Ro q u e
d e S e n na P er eir a. G a b i net e de 1 8 d e ma io a 2 4 de j ul ho de 1 8 4 0 : I mp é r io , Cae ta no
Mar i a Lo p e s Ga ma ( s u b st it u íd o p o r P au li no J o sé So are s d e So us a e m 2 3 d e j u l ho ) ;
J u st iça, J o s é An to n io d a S il v a Mai a ( i nt er i no , fo i s ub st it u íd o p o r P a ul ino J o s é So ar es
d e So u sa e m 2 3 d e j ul ho ) ; E str a n ge ir o , Ca eta no Mar ia Lo p es G a ma ; Fa ze nd a, J o se
An to n io d a S il va Ma ia; M ar i n h a, al mir a nt e J aci nt ho Ro q ue d e Se n na P er e ir a
( s ub st it u íd o p o r J o aq ui m J o s é Ro d r i g ue s T o r r es e m 2 3 d e maio ) ; G uer r a , ge n er a l
Sal v ad o r J o sé Mac ie l. ( 1 9 2 2 , p p . 1 8 4 -8 5 ) .
35
Até a p ub l icaç ão d o p r o gr a ma d o P ar t id o P r o gr e s si st a e m 1 8 6 4 ,
as d i v er gê nc ia s e n tr e l ib er a is e co ns er vad o r es se p r e nd er a m
q ua se q u e to t al me n te ao s co n f li to s r e g e n cia is e n tr e a s
te nd ê nc ia s d e c e ntr al i zação e d es ce n tr a liz a ção d o po d er ,
co r p o r i f icad as n as le is d esc e ntr al izad o r as d e 1 8 3 2 e 1 8 3 4 e n as
lei s d o R e gr e s so d e 1 8 4 0 e 1 8 4 1 ( id e m, p . 1 5 9 ) .
O au me nto d o s ma gi s tr a d o s e r ed ução d o s p ad r e s co i nc id i u co m
o Re gr e s so co n ser v ad o r in ic iad o co m a r e n ú n c ia d e F eij ó e m
1 8 3 7 , el ei to so b o si g no d e ss e mo v i me n to mo s tr a c lar a me n t e a
mu d a n ça. O Re gr es so ter ia se m d ú vid a a ap o iá -lo fo r te s
in ter es s es eco nô mi co s d o gr a nd e co mér cio ur b a no e d a gr a nd e
agr ic u lt ur a d e e xp o r t açã o , ma s o s i ns tr u me n to s d e fo r mu l ação e
ex ec uç ão d a s r e fo r ma s f o r a m o s ma g i str ad o s, co m Va sco n celo s
e Ur u g ua i à fr e n te [ .. .] ( id e m, p . 8 4 ) .
8
L eia - s e d e s se s a u to r e s, e m M il P la t ô s, e sp ec ia l me nt e: “I ntr o d u ção : Ri zo ma” ( vo l. 1 ) ,
“1 7 3 0 – De v ir -I n te n so , De vir - An i mal , D e vir -I m p er cep tí ve l” ( vo l. 4 ) , “ 1 2 2 7 – T r atad o
d e No ma d o lo gi a – A M á q ui n a d e G uer r a” e “7 0 0 A. C. – Ap ar el ho d e Cap tu r a” ( vo l 5 ) .
41
A i mp o r t â nci a d e u m co mp le xo p o lí ti co - mi lit ar -e co nô mi co
ad v é m so b r e t ud o d e e l e p er mi t ir a e x tr ac ção d a ma i s - va li a
h u ma n a na p e r i fe r ia e n as zo n a s ap r o p r i ad a s d o ce ntr o , d e e le
en g e nd r ar u ma e no r me ma is - v al ia maq u í ni ca mo b il iza nd o o s
r ec ur so s d o cap it al d e co n he ci me n to e d e i n fo r ma ção, e d e
ab so r v er e n fi m a ma i o r p ar te d a ma is - v al ia p r o d uz ida. O
E st ad o , a s ua p o líc ia e o se u e xér ci to fo r ma m u m gi g a nt es co
e mp r ee nd i me n to d e a n ti -p r o d uç ão , ma s no s eio d a p r óp r ia
p r o d uç ão , co nd ic io na nd o -a ( id e m, p p . 2 4 4 -4 5 ) .
9
Ne s se se n tid o va le r e v er o d eb at e co mp r ee nd i d o e ntr e Ca p it a l is mo e es cra v idã o no
B ra s il M eri d io na l, d e Fer n a nd o H . Car d o so , no s co me ço s d o s a n o s 1 9 6 0 , e O
E scra v i s mo co lo n ia l, d e J aco b Go r e nd er , no fi n a l d o s a no s 1 9 7 0 .
10
C f. Ma r ia I . P . d e Q u ei r o z, O M a ndo n i s mo Lo ca l na Vi da P o l ít i ca B r a si le ira , p ar a
u ma a mp la il u str ação d e s sa s fo r ma s d e d o mí n io s na hi stó r ia d o B r a si l.
43
11
So b r e e st e t e ma v ej a O Ca pit a li s mo Ta r dio , d e J o ão Ma no e l Car d o so d e Me lo , e
H o me n s de G ro s sa Av e nt u ra , d e J o ão L u ís R ib eir o Fr a go so .
12
P ar a e xa me d a s r ela çõ es eco nô mi ca s e ntr e B r as il e I n g la ter r a , vej a P ree mi nê nc ia
Ing le sa no B ra s il , d e M an c he st er . So b r e a “Ac u mu l aç ão P r i mi t i va” vej a - se d e Mar x o
se mi n a l cap ít u lo “A As si m C h a mad a Ac u mu la ç ão P r i mi ti v a”. At ua li za nd o e s sa no ção
Da vid Har v e y d i ss e: “n ã o se p o d e d izer q u e a a cu mu l a ção p r i mi ti va se p r o d uz i u d u ma
44
ve z p ar a se mp r e no s a l v o r es d o c ap i ta li s mo , p o r q ue ela é p er ma n e nt e e es tá se mp r e a
r ep r o d uzir - s e” ( p . 2 4 1 . ) Vej a d o a uto r , O No v o I mp e ria li s mo , e sp ec ia l me n te o
cap í t ulo 4 , “A ac u mu l a ç ão via e sp o l iaç ão ”.
13
A no ção d e “i n ter io r i z ação d a me tr ó p o le ”, d e Mar i a Od íl ia, ap o n ta n e s sa d ir eção . A
cer t a al t ur a e la i nd ica q ue , d i fer e nte d a Amér ica e sp a n ho la, o nd e o s creo lo s t er i a m
exp u l sad o o s me tr o p o l i ta no s, no B r a si l, a s si s te - se “e m to r no d a no va Co r te e d a
tr a n s mi gr ação d a d i na s t ia d e B r a g a nça , o e nr a i za me nto d e no vo s cap i t ai s e i n ter es se s
p o r t u g ue se s, as so ciad o s às c la s se s d o mi n a n te s na ti v as e ta mb é m p o lar i zad a s e m to r no
d a l ut a p e la a fir ma ção d e u m p o d er e xec u ti vo ce ntr al q u e q uer ia m fo r tal ecer co ntr a a s
ma n i fe s taçõ es d e i n s u b o r d i naç ão d a s cl as se s me no s fa vo r ecid a s, mu ita s ve ze s
id e nt i fi cad a s co m n ati v is mo s fa cc io so s o u co m fo r ç a s r e gio n al is ta s ho st i s u ma s às
o ut r a s e p o r ve ze s à no va co r te, co mo ser ia o c aso d o No r d es te n a r e vo lu ção d e 1 8 1 7 e
na Co n f ed er a ção d o E q uad o r ”. C f. A int er io ri za çã o da met ró po le e o ut ro s e st udo s
( p p . 3 0 -1 ) .
45
Quanto ao papel das classes, vale observar duas coisas de início. Primeiro,
é difícil afirmar que o Estado imperial brasileiro foi simples produto de
“classes que se tornaram independentes” e que fizeram “dele um delegado
ao serviço do seu poder e das suas contradições, das suas lutas e dos seus
compromissos com as classes dominadas” (idem, p. 229). Mas também
parece impossível não ver que ele se produziu nos quadros de uma ordem
mundial dominada pelo Capital. Por isto, talvez, se possa dizer que o
funcionalismo imperial brasileiro conteve elementos tanto de uma
“burocracia despótica” quanto de uma “burocracia capitalista” (idem, p.
245). Segundo, outro aspecto da questão que importa indicar é o do papel
decisivo das lutas das camadas dominadas no processo de construção do
império, pois, de alguma maneira, elas forçaram às mudanças nas ações do
Estado. Porém, aqui a oposição principal se expressou não apenas como
lutas entre “castas” ou “classes”, mas entre aqueles que integraram estas
formas sociais e aqueles grupos chamados “desclassificados”, os fora-da-
casta ou fora-da-classe. A territorialização deles foi um dos primeiros
alvos do Estado imperial. Trata-se de elemento crucial, pois implica
pensar a constituição do Estado contrapondo-o a segmentos para os quais o
Estado simplesmente não existia ou que funcionavam mesmo como
15
“sociedades contra o Estado” , como certamente era o caso das
sociedades indígenas e mesmo de boa parte dos chamados
“desclassificados”. Nesse caso, não se tratou apenas de “resistência” ou de
“negociação”, mas de conjuração em relação ao Estado. Desse ângulo, o
14
C f. No v ai s, Ap ro xi ma ç õ es, o nd e q u es tio n a a n o ção d e “i nter io r iza ção d a metró p o le” ,
j á q u e i mp l icar ia a “i l u são d e q u e não fo i a Co lô n ia q ue s ai u d a M etr ó p o l e, ma s a
Metr ó p o le q u e e n tr o u na Co lô nia .” ( id e m, p p . 3 6 6 -6 7 ) .
15
Vej a P ie r r e C la str es, A so ci eda de co n t ra o e st a do , e sp . cap . XI , o n d e e scr e v e: ”O
ap ar ec i me n to d o E st ad o r eal izo u a gr a nd e d iv i são tip o ló gic a e n tr e se l va g e ns e
ci vi li zad o s, e tr a ço u u m a ind el é vel l i n ha d e s ep ar ação a lé m d o q u al t ud o mud o u, p o i s o
T e mp o se to r na H i stó r i a” ( id e m, p . 1 4 0 ) . P ar a as “so cied ad e s p r i mi ti va s” , o E st ad o
s ur ge co mo “ap ar ição mi s ter io s a, ir r e v er sí v el, mo r t al ” ( id e m, p . 1 4 1 ) . Mu nd o
co mp le xo , e s fa cel ad o , ela s car a ct er iz a va m- s e p el a “r ec u sa d a u ni f ic ação ”, p e lo
“tr ab al ho d e co nj ur ação d o U m, d o E stad o ” ( id e m, p . 1 5 2 ) . E nq ua n to a “lu ta d e c la ss e s”
ser ia p r ó p r ia d o s “p o vo s q ue tê m u ma h i stó r ia ”, a “h is tó r i a d o s p o vo s se m hi s tó r i a”
ser ia a “hi s tó r i a d a s ua l ut a co n tr a o E stad o ” ( id e m, ib id e m) .
46
Estado imperial foi fruto dos interesses das classes e também foi
ambiguamente “desejado” pelas massas.
Um Urstaat malandro
16
C f. No va i s, 1 9 9 7 , p . 2 0 .
47
17
Vej a O Te mp o Sa q ua r e ma , e sp e cia l me n te o cap ít u lo “o s o l ho s d o so b er a no ” (1 9 8 7 ,
p p .1 9 3 -2 1 8 ) . A ci taç ão ac ha - se à p á g i na 2 0 1 .
48
18
C f. V ig ia r e P u nir ( 1 9 8 7 ) , p r i nc ip a l me n te a te r ceir a p ar te ( “D is cip li n a ”) .
19
C f . An to nio Ca nd id o , “ Dia lét ica da M a la n dra g e m” . Ana li s a nd o o r o ma nc e d e
An tô n io Ma n ue l d e Al m eid a, d iz o a uto r e m u m a d e s ua s d e f i ni çõ e s d a r ef er id a no ção :
“Fi co u o ar d e j o go d e s s a o r g a niz ação b r u x u lea n te fi s s ur ad a p ela a no mia , q ue se tr ad uz
na d a nç a d o s p e r so n a ge n s e n tr e l íci to e i lí ci to , se m q ue p o s sa mo s a f i n al d izer o q ue é
u m e o q u e é o o u tr o , p o r q ue to d o s ac ab a m cir c u la nd o d e u m p ar a o ut r o co m u ma
na t ur a lid ad e q u e le mb ra o mo do de f o r ma ç ã o da s f a mí l ia s , do s pre st íg io s, da s
f o rt u na s, da s re p ut a çõ es, no B ra si l ur ba no da pr i me ira me t a de d o séc ulo XI X.”
( 1 9 9 8 , p . 4 5 . Ne gr ito no s so ) .
49
20
C f . Mar q ue se , e sp e ci al me n te “I mp ér io d o B r as il, 1 8 2 0 -1 8 6 0 ”. E x a mi n and o o b r a s d o
séc u lo XI X, o nd e se e la b o r o u u ma “teo r ia so b r e a ad mi ni s tr aç ão d o s es cr a vo s”, vár ia s
50
Patriarcalismo
Se o Estado foi uma das faces do poder provincial, a outra foi constituída
pelas famílias patriarcais. Neste nível da história do patriarcalismo é
possível indicar um desdobramento da tese de O Anti-Édipo de que o
capitalismo esquizofreniza na periferia. Traço que caracterizou também o
poder patriarcal, base da formação social. É certo que a importância
estratégica do poder das famílias (patriarcalismo) na História do Brasil,
desde a colonização, foi não apenas analisada como ressaltada em estudos
que se tornaram clássicos, como os de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque,
Nestor Duarte, Maria Isaura, Roberto Da Matta, inspiradores por sua vez
de um amplo conjunto de pesquisas, várias das quais procurando
aprofundar, questionar e relativizar as interpretações propostas (como, por
exemplo, Trópico de Pecados , de Ronaldo Vainfas). 21
É a co lo n iza ção q ue fa z o É d ip o e x i st ir , ma s u m É d ip o
r es se n tid o p o r ser aq u il o q ue é , p u r a o p r e s são , na me d id a e m
q ue s up õ e q u e... [ o s] S e lv a ge n s n ão e s tão so b o co n tr o l e d a s ua
p r o d uç ão so cia l, p r o nto s p ar a ser e m r eb a tid o s so b r e a ú ni ca
co i sa q ue l he s r e st a, a r ep r o d u ção fa mi l iar q ue lh e s é i mp o sta
tão ed ip i a niz ad a co mo a lco ó l ica o u d o e n tia . ( s/d ,p . 1 8 4 ) .
22
P ar a in fo r maçõ es so b r e es sa s e str até g ia s d e a lia n ça s e fi lia çõ e s v ej a , e mb o r a n u m
p er ío d o p o ster io r , o c aso co n cr eto es t ud ad o e d o cu me n t ad o p o r L i nd a Le wi n e m
P o lít ica e pa re nt e la na P a ra í ba ( 1 9 9 3 ) .
53
23
T ítu lo d o li vr o d e Mar ia d e Lo ur d es Vi a na L y r a. Ne le a h is to r i ad o r a ap o n ta o p ap el
d a v is ão d a “f ut ur a gr a n d eza i mp er i al” ( 1 9 9 4 , p . 1 6 2 ) , mi to el ab o r ad o p o r Vie ir a co m a
id éi a d o “Q ui n to I mp ér i o ”, tr a n sp la n tad a d ep o i s p ara o B r a si l d o s t e mp o s d a mi n er ação ,
o nd e s e i mb r i co u co m “mi to s d e co nq ui st a” , co mo o d o P ar a íso T er r eal, se nd o
r ef o r mu l ad o e r acio na l izad o p elo gr up o l u so -b r as il eir o d o s r e fo r mi st as i l u str ad o s,
b ase a nd o a s p r o p o s ta s d e u m “no v o i mp ér io ” At lâ nt ico e p e r ma ne ce nd o ai nd a co mo u ma
id éi a i n sp ir ad o r a d o “i mp é r io b r a sí li co ” ( id e m, p p . 1 1 6 -3 1 e 1 9 1 -2 2 6 ) . Co mo d i z a
au to r a, p e n s ad o o I mp é r io d o B r as il na p er sp e cti v a d e u m “v e n t ur o so p o r vir ”, to d o s
aq u ele s q ue d i sco r d a s se m d o s se u s me ca n is mo s ce n tr al iz ad o r e s e co n se r vad o r e s fo r a m
ac us ad o s d o cr i me d e p r o p o r a “d e s a gr e ga ção ” ( id e m, p . 2 2 6 ) .
54
24
C f. I s ab el L u s to sa, D. P ed ro I. “D ur a n te o p r i me ir o a no d e s u a R eg ê nci a e le fo i
fr a n ca e si n cer a me n t e p o r t u g uê s. No a no s e g ui n te, d ep o i s d o F ico e d a I nd ep e nd ê nc ia,
fo i f r a nc a e s i nce r a m en te b r a s ile ir o . Dep o i s d a d i s so l u ção d a C o n st it u i nt e, er a
no va me n t e p o r t u g uê s, e er a m p o r t u g ue se s se u s mi n i str o s e as p e sso a s q ue o c er ca v a m “
(2006, p. 173).
25
C f. De mé tr io M a g no l i, O Co r po da P á t r ia , o nd e e scr e ve: “O E s tad o i mp er i al
b r as ile ir o na sc e u d a co n f l uê nc ia d a s i n ic iat i va s d i ná s tic a s d es ti n ad a s à p r es er vaç ão d a
Ca sa d e B r a g a nça na A mé r ic a co m a s ne ce s sid a d es e i n ter es se s d e ma n u te nção d a o r d e m
d as o li g ar q uia s n at i va s” ( 1 9 9 7 , p . 1 1 8 ) .
26
C f. P e n sa mo s aq u i na H is t ó ria do s F un da do r es do I mp é rio do B ra si l, o nd e O ct á vio
T ar q uí n io d e So u sa es t u d a as f i g ur a s d e d . P ed r o I , J o sé B o ni f ácio , E va r is to d a V ei g a,
Dio go An tô n io Feij ó e B er n ar d o P er e ir a d e Va sc o nc elo s.
55
27
Vej a o co n to na tr ad uç ão d e Mo d e sto C ar o ne e m “F ra nz K a f ka : na r r at i va s d o
esp ó lio ” ( 2 0 0 2 , p p . 7 3 -9 1 ) .
56
28
C f. Ca r val ho , A Co n st r uçã o da O r de m ( 1 9 8 0 ) , o nd e s e r es s alt a o p ap el d o s
ma g i str ad o s . ( V ej a p . 3 8 d es te tr ab a l ho ) .
57
29
C f. Mar i a E ur yd ice d e B ar r o s R ib eir o , O s s í mbo lo s do po de r: ce ri mô nia s e i ma g e ns
do Est a do mo ná rq u ic o no B ra si l ( 1 9 9 5 ) . A a uto r a e scr e v e q ue, no B r a si l p ó s -
ind ep e nd ê n ci a, “não e xi s ti nd o a naç ão , o E st ad o p r o mo v ia s ua cr ia ção , não só
co n ce nt r a nd o -a n a f i g ur a d o mo n ar ca, ma s , ta mb é m, rep r es e nta nd o - a si mb o li ca me n te
p o r me io d e cer i mô n ia s” ( id e m, p . 7 2 ) . Co mb i na nd o el e me n to s d in ás ti co s e
co n s ti t ucio n ai s, a d i me n são si mb ó li ca to r no u o “i mp er ad o r p r e se n te, me s mo n a s u a
au sê n ci a” ( id e m, p . 1 0 0 ) .
58
30
Vej a ta mb é m A o r de m do ca s t ig o no B ra si l, d e J o s é L uí s So l azz i , esp eci al me n te
“Co n s tit u içõ es e cr i me s ” ( 2 0 0 7 , p p . 1 1 4 -1 2 8 ) .
31
C f. Fo u ca ul t, Vig ia r e P u nir ( 1 9 8 7 , p p . 1 1 -1 8 ) .
32
Não c us ta le mb r ar , na o b ser v ação d ir e ta d e P au lo Ar a nt e s, q ue n es te mo me nto , d e
“at ua li zaç ão l ib er a l d o esc r a vi s mo ”, fo i d i sp ar a d o “o ga ti l ho d a vio lê nc ia i n st it u cio na l
ile g al co ntr a o s d e b ai xo ” , r e st ab e lec e nd o -s e no B r as il i nd ep e nd e n te “a to r t ur a e a
59
34
E s cr e ve Ale nc as tr o : “o I mp ér io r eto ma e r eco n s tr ó i a e scr a vid ão no q ua d r o d o d ir ei to
mo d e r no , d e n tr o d e u m p aí s i nd ep e nd e nte, p r o j eta nd o -a so b r e a co nte mp o r a neid ad e. ”
(1997, p. 17).
35
Vej a, ma s e sp e ci al me nt e vo ltad o p ar a a q u es tão d a l e gi sl ação e s cr a vi st a e s u a
ap li caç ão , o s tr ab al ho s d e Ad e mi r G eb ar a ( 1 9 8 6 ) e Mar ia H ele n a P .T . Mac had o ( 1 9 8 7 ) .
E st a a u to r a o b s er va, p o r e xe mp lo , q ue se, e m ge r al, as r e laçõ es e n tr e E s tad o e se n ho r e s
er a m t e n sa s, a “le i d e 3 5 s up er a va t al s it ua ção , atr a v és d a co mp le me n t ar id ad e d o s d o i s
ní v ei s. ” ( id e m, p . 7 7 ) . Re f er e - se à le i d e 1 0 d e j u n ho d e 1 8 3 5 c uj o o b j eti vo ce n tr a l e r a
o d e “co ib ir e c as ti g a r e xe mp lar me n te , a tr a v és d a pe n a d e mo r te, o s c at i vo s q ue
o u sa s se m i n fr i n gi r o est at uto b á s ico d a so cied a d e esc r a vi s ta” ( id e m, p . 6 5 ) . C f. t a mb é m
o e xtr ao r d i nár io Se n ho r es e Ca ça do re s ( 1 9 8 7 ) , d e T ho mp so n, o nd e a co mp le xa q ue stão
d a p r o d uç ão e ap li caç ão d a lei é es t ud ad a e m p r o f u nd id ad e na I n gla ter r a d o s te mp o s d e
Si r Ro b er t W alp o le e J o na t ha n S wi f t. E m cer ta p as sa g e m e sc r e ve u so b r e a L ei Ne gr a:
“A L ei a n u ncio u o lo n go d e cl í nio d a e f ic iê nc ia d o s ve l ho s mé to d o s d e co nt r o le e
d is cip li na d a c la s se, e s ua s ub s ti t uiç ão p o r u m r ec u r so p ad r o n izad o d e au to r id ad e: o
ex e mp lo d o te r r o r ” ( id e m, p . 2 8 2 ) .
61
36
. Além do mais, para o “modo de produção” escravista, a prisão do
escravo representava prejuízo para os investimentos do proprietário.
36
C f. Ká tia d e Q. M at t o so , Se r es cra v o no B ra s il ( 1 9 8 8 ) , o nd e es sa d e f i niç ão é
b as ta nt e d i sc u tid a. As r eg r a s p ar e ci a m e s tar n as mã o s d o s s e n ho r e s, ma s “o e scr a vo
p o d e ace it ar o u r ec u sar as r e gr a s d e s se j o go ” ( id e m, p . 1 2 1 ) . Ha v ia o “j e ito ”.
37
Vej a P r ad o J r . ( 1 9 8 3 , p p . 3 1 0 -1 3 ) so b r e tr o p a s d e l i n ha, mi líc ia s e o r d en a nça s n a
Co lô n ia.
38
Vej a o cap í t ulo “O T e mp o d o P e ga ”, e m A G uer ra do s B e m- t e- v is ( 1 9 8 8 ) , d e
Mat t hi as As s u nç ão . O t e mo r a í e xp r e s so p el a p o p u lação e m r ela ção a o r ecr u ta me n to ,
si n al iza v a p ar a u m tr aço es s e nci al d a p r ó p r ia fo r ma co mo a d o mi n ação e r a e xe r cid a. A
“n e ur o se d o med o ” er a a nte s d e t ud o u ma c a r act er í st ic a d a s r el açõ e s e n tr e cl a ss es
s up er io r e s e i n f er io r es . Vej a A H i st ó ria do me d o no O ci de nt e ( 1 9 8 9 ) , d e J e a n
Del u me a u, p ar a u m e x a me ab r a n ge n te d e s sa q ue s tão . I n v e nt ar ia nd o e cr i ti ca nd o as
62
O B ra si l é ef et iv a me n t e u ma f e de ra çã o , e a ide nt i da de d e
ca da u m e st á r ela c io n a da ma i s a o se u e st a d o de o rig e m do
qu e à na çã o co mo u m t o do . ( K át ia M. d e Q ue ir ó s Ma tto so ,
B ah ia, Sé c ulo XI X, U ma P r o ví n ci a d o I mp é r io , p . 2 2 ).
2.1 TOPOGRAFIAS
1
C f. Ga io so , s /d , p p . 9 8 , 1 0 3 , 1 0 8 -9 , 1 1 3 -1 4 , 1 6 9 ; S p i x e M a rt i u s, 1 9 8 1 , p p . 2 6 6 , 2 6 9 ;
La g o , 2 0 0 1 , p p . 6 5 , 6 7 ; Ca sa l , 1 9 4 5 , p p . 2 6 6 , 2 6 8 -9 ; K i d der , 1 9 8 0 , p . 1 7 0 ; A br eu ,
1988, p. 67.
67
P ar a o s ho me n s p úb li co s d o I mp é r io ( .. .) a geo gr af ia r e gio na l d o
B r as il p ar eci a b e m si m p le s: ha v ia a s p r o ví n ci as ( ... ) d o no r te,
d o Ama zo na s à B a hi a, e a s p r o v í nci as ( ...) d o s u l, d o E sp ír i to
Sa n to ao R io Gr a nd e. Nad a d e no r d e s te, n e m s ud e s te, n e m d e
ce ntr o -o es te. ( 1 9 8 4 p . 1 3 ) 2
2
Co mo r e f er ê nc ia s p a r a a q ue s tão , as s e g ui n t es o b r as . O r ie nt a l i s mo ( 1 9 9 0 ) , d e E .
Sai d , i n sp ir a d o e m Fo uc au lt, p r o c ur a mo str a r q u e o “d i s c ur so ” d o o r ie nt ali s mo , f u nd ad o
so b r e u ma “r ela ção d e p o d er ”, d o me st ico u o “co n he ci me n to d o Or i e nte p ar a o
Ocid e nte ”. F il tr a nd o -o “p o r me io d e có d i go s r eg u lad o r es, c la s si f ica çõ es, e xe mp lo s d e
esp é ci me s , r e vi st a s p er ió d i ca s, d ic io nár io s, gr a má ti ca s, co me n tár io s, ed içõ es e
tr ad uçõ es, t udo i s so f o r ma n do u m s i mu la cro do O rie nt e e o re pro du zi n do
ma t er ia l me nt e pa ra o O ci de nt e, no O ci de nt e. ” ( id e m, p p . 1 7 e 1 7 4 , ne gr ito no s so .) .
De s ua vez , p r eo c up ad a s co m a q u es tão r e gio n al no s éc u lo XX , a s a n áli se s d e D ur va l
M. d e Alb uq uer q u e aj ud a m a e sp e ci f icar a q ue s tão r e gio n al no I mp ér io li gad a à no ção
d o “no r t e” e à d i vi são d o B r a si l e n tr e “no r te” e “s u l”. No se u li vr o , o r e g io na li s mo
no r d e s ti no fo i d e o utr o tip o , p o i s vi nc u lad o a u m mo vi me nto d e “d es te r r ito r ia liz ação ”
d o s gr up o s so c ia is d o mi n a nt e s ne s sa s á r ea s, co mo r e ação . P ar te d a no va fo r maç ão
d is c ur s i va “na cio n al -p o p ul ar ”, p o r s u a v ez li g a d a ao d isp o si ti vo d a na cio na lid ad e, el e
ser ia ma i s ab r a n ge n te d o q ue o a n ter io r , p o i s vo ltad o p ar a alé m d o e sp a ço p r o vi nc ia l o u
es tad ua l. E nq u a nto o p r i me ir o r e g io nal i s mo , “na t ur a li st a”, p a ut a va - se e m ca te go r ia s
co mo “ me io ” e “r a ça” , o no vo er a “so c io ló g ico ”, te nd e nd o p a r a o “c ul tu r al i s mo ”. No
co meço a no ção d e “n o r d es te” sa ir i a d e d e n tr o d a d e “no r te” ( ár ea d a o co r r ê nc ia d a s
“se ca s”, o b j eto d a a ção d e ó r gão s go ver na me n t ai s) , p ar a ser e m se g ui d a d i fer e n ciad a,
p as sa nd o a i n co r p o r ar no vo s si g n i fi cad o s n o s p la no s geo gr á f ico s e cul t ur a i s. O
r eg io na li s mo p a ul is ta se r ia o gr a nd e co ntr ap o n to d o no r d e st i no e Gi lb er t o Fr e yr e u m d e
se u s p r i nc ip ai s co n str u t o r es, ao elab o r ar i ma ge m d o No r d es te co mo “e sp aço d e r u í na ”
e, so b r et ud o , co mo “e sp aço d a s a ud ad e ” (A I nv ençã o do no rd est e, 1 9 9 9 , p p . 3 9 -1 0 6 ) .
E s sa a nál i se n ão p er d e r á s e co r r el acio n ad a c o m as de I l mar R . M atto s, a s q ua is,
p r eo c up ad a co m o I mp é r io , p r o c ur a m si t uar a q ue s tão d a s r e giõ e s d e sd e o s te mp o s d a
co lo ni zaç ão . P ar a el e, p r o d u to d e d i nâ mi ca s r el açõ e s so ci ai s d e d o mi n a ção e n vo l ve nd o
co lo ni zad o r e s, co lo no s e co lo n iz ad o s , a s r e giõ e s co lo ni ai s er a m e sp aço s d e a gr ic ul t ur a
me r ca n ti l -e scr a vi st a, r e gid a s p o r n úcl eo s ur b a no s co m f u nç õ e s p o r t u ár ia s, f is ca is e
mi l ita r e s (O Te mp o Sa qua re ma , 1 9 8 7 , p p . 2 2 - 3 0 ) . D e c er t a ma n ei r a v ai n es sa d i r eç ão
o in sp ir ad o r R u bro V ei o d e E va ld o Cab r a l d e Mel lo , a i nd a q ue, ne st e caso , a a ná li se se
vo l te p a r a a t eia d a s r ela çõ e s e ntr e o i ma g i nár io do “na ti v is mo ” ( u ma fo r ma d e
r eg io na li s mo ) e u m aco nt ec i me n to hi stó r ico es p ecí f ico ( a R es ta ur ação P er na mb uca n a) ,
se g u nd o u ma p er sp e ct i v a teó r ic a ma is p r ó xi ma d e C a sto r iad i s ( 1 9 8 6 , p . 1 2 ) .
68
3
Na fr as e d e Ar t h ur R ei s: o “R io a e s sa a lt ur a [ is to é, n a r e g ê nci a] er a u ma s í nt es e d o
B r as il” ( 1 9 8 5 , p .3 3 2 . V o l. 4 )
4
Só a p ar tir d o f i na l d a p r i me ir a d écad a d o séc u lo X X a no ç ão c o me çar ia a ser
in v e nt ad a ( Alb uq u er q ue J r ., o p . c it., p . 6 5 )
69
Para Capistrano, este fato foi o responsável pela decisão da Coroa em criar
o Estado do Maranhão independente do Estado do Brasil 5. Mas, para o
historiador, essas divisões político-administrativas acabaram estimulando
comunicações por terra, pelo interior, cuja importância estratégica poderia
ser observada no papel crucial que ex erceram sobre o estabelecimento das
fronteiras territoriais externas e internas da Capitania. O momento decisivo
compreenderia o período de 1760 a 1820, tempos da Companhia do Grão-
Pará e Maranhão e da crise do antigo sistema colonial. Capistrano tomou
aqui como fontes fundamentais o Roteiro do Maranhão a Goiaz pela
Capitania do Piauhi, do autor anônimo, e o Roteiro da viagem que fez o
5
No s te r mo s d o s Ca pít ulo s de H i st ó r ia Co lo n ia l: “As d i f ic uld ad e s d e co mu n i caçõ e s
ma r í ti ma s e nt r e o Mar a n hão e o r e sto d o B r a s il s u ger ir a m a id é ia d e cr ia r al i u m e stad o
ind ep e nd e n te. I sto se o r d eno u e m 1 6 2 1 . ” ( 1 9 8 8 , p p . 1 5 3 -5 4 ) . Vej a t a m b é m Ca mi n ho s
a nt ig o s e po v o a me nt o d o B ra s il ( 1 9 8 8 , p . 6 6 ) .
71
P o vo ad a as s i m e m to d a a lar g ur a so me n t e no s d is tr i to s v iz i n ho s
ao mar , a cap ita n ia vai le va nd o p e la b a nd a d e Le ste e nco s tad a
ao s r io s P ar na íb a e B a ls as q ua s e e m to d o o s eu co mp r i me n to
S.O . u ma ú n ica tir a d a ter r a h ab i tad a , q ue p r i n cip i a a e s tr e itar -
se d esd e o me io b a i xo d o I tap ic ur u a té a p a s sa g e m d o r io Ne v es ,
p o r q ue d aí s ua s p o vo a çõ es to r na m a e ste nd er - se p a r a O es te,
r o d ea nd o as me s ma s ca b ecei r a s d o I tap ic ur u e as d o Alp er ca te s
[ si c] at é e nco st ar ao T o cant i ns p e la s faz e nd a s B o q ue ir ão ,
fa ze nd a gr a nd e d e E lia s Fer r e ir a B ar r o s e o u t r o s. A p ar te q ue
me no s se al ar ga é d a s al tu r a s, d o l u gar cap it al P as to s B o n s p ar a
o su l at é R iac ho B a tat e ir a s, ao nd e e nt r a o ar r a ial d o P r í nc ip e
Re g e nte ( Car o li na ) l h e f ica p ar a Oe s te u m d e sco n he cid o d e ma i s
d e o it e nt a l é g ua s ( Rib ei r o i n Ab r e u, 1 9 8 8 , p . 7 1 ) . 6
Co n sid er a - se el la d i v id id a e m d ua s q u as e p ar te s, c uj as
d is ta nc ia s p o d e m p e la s ua r esp ec ti va car ta o b ser v ar -s e, e q ue
mu i to b e m p o d er i a m fo r ma r d ua s co mar ca s, u ma d o s ul, d o no r te
a o utr a , c uj a s p ar te s d es co n co r d a nd o só me n te na p r o p r ied ad e d o
6
C f. Ro t e iro do M a ra n h ã o ( 1 9 0 0 , p p . 1 3 6 -3 8 ) e Ro t ei ro de Via g e m ( 1 8 4 8 , p . 1 6 )
72
al g u ma s te m v i nt e, e m ai s lé g u a s d e d is tr i cto . ( id e m, p p . 2 6 3 -
64). 7
7
C aio P r ad o J r ., e m e st ud o cr í ti co so b r e a C o ro g ra f ia d e Ca sa l, o b ser v a q ue es te
tr ec ho to ca v a e m q u e st ão f u nd a me n ta l d a es tr ut ur a de mo gr á fic a d o p aí s, ma s,
la me n ta ve l me n te, n ão an al is ad a p e lo a u to r ( “Air e s de Ca sa l, o p a i d a G eo gr a f ia
B r as ile ir a e s ua Co r o gr a f ia B r a s íl ica ”, Ev o l uçã o P o lít ica do B ra s il, p . 1 7 0 ) .
8
No “map a ” d a P r o ví nc ia d e 1 8 3 8 ( no e sq ue ma d e As s u n ção , 1 9 9 8 , p . 8 5 , b ase ad o e m
d ua s C ar ta s Ger ai s d a P r o ví n ci a: u ma d e 1 8 3 8 s e m i nd i caç ão d o a u to r , e o ut r a, d e 1 8 4 1 ,
d e J o sé J o aq ui m Ro d r i g ue s Lo p e s) , e p r i nc ip a l me nt e na C ar t a Ger al d a P r o ví n cia d o
Mar a n h ão d e 1 8 5 4 , d e Fr a n kl i n Anto n io d a Co st a Fer r eir a ( Mo r ae s , G uia , 1 9 8 9 ,
an e xo s ) , ve mo s p r at ica me n te o d e scr ito e m li n ha s g er a is p o r Fr a nc i sco d e P a ul a Rib eir o
( a car ta d e P er e ir a d o L ago ta l ve z co n f ir ma s se es sa d e scr i ção , ma s não a vi mo s) . Q ua se
ce m a no s d ep o i s, a o c up ação d o c h a mad o Oe st e co n ti n u ar i a d i f íci l, le va nd o u m j o ve m e
tal e nto so R ai mu n d o Lo p es a es cr e ve r : “É o ‘p r o b le ma d o o es te ’ mar a n he n se , o mai s
d esa f iad o r d e q ua n to s se no s a n to l h a m na geo gr a f ia d o es tad o ” ( 1 9 7 0 , p . 1 5 9 ) .
74
9
T o p o gr a f ia i ma g i nár ia d e o nd e s e o r i gi no u a i d éia d o “Mar a n hão d o S ul ” e q ue at é
ho j e al i me n ta a co m p r ee n são d o s h i sto r ia d o r es e i nsp ir a mo v i me n to p o l ít ico s
au to no mi s ta s
76
A terceira zona, não menos importante, era a do “norte”. Ela tinha nos
vales do Itapicuru e do Munim seus eix os mais dinâmicos e em Caxias o
núcleo urbano principal. Como zona econômica mais rica da Província,
concentrava as localidades mais ativas da sociedade escravista exportadora
do tempo, com seus fazendeiros e escravos, tais como Itapicuru-mirim e
Codó, no Itapicuru; Icatu e Manga do Igu ará, no Munim, berço da Balaiada;
e Brejo e Tuto ya, no Parnaíba. Em termos de prosperidade econômica
(entenda-se: da lavoura escravista), a área foi o que surgiu de efetivamente
novo no Maranhão, desde meados do XVIII. Os registros conhecidos são
unânimes na indicação da sua superioridade econômica. Deles vem sempre
a imagem de uma região em plena florescência dominada pelas fazendas de
algodão e pela escravidão africana. Segundo deixam supor indícios
78
Por último, a área extensa dos sertões de Pastos Bons. Surgida na primeira
metade do XVIII com a expansão das frentes de povoamentos
79
área de muitos quilombos). Assim foi com os rios Parnaíba, Manuel Alves
Grande, Tocantins e Gurupi, os limites “naturais” do Maranhão província.
Da mesma forma com a fronteira interna a separar o leste e o oeste do
Maranhão, constituída pelo “soberbo” rio Itapicuru. Disputas que não
ocorreram dissociadas das políticas da Coroa portuguesa no final da época
colonial e daquelas ligadas à montagem do Estado imperial na primeira
metade do XIX. Nos anos de 1770, o autor do Roteiro alertava a Coroa
para o crescimento perigoso das terras ocupadas pelos camponeses em
detrimento das fazendas e da necessidade de se controlar o povoamento,
chegando a propor um projeto de ocupação do oeste da capitania por meio
das fazendas de criação de gado (1900, pp. 86-100; 155-56). Aliás, várias
vezes as fazendas são mencionadas por Spix e Martius, não apenas como
unidades de produção, mas como marcos de referência do roteiro da viagem
que fizeram: Fazenda Sobradinho, Fazenda Sucuriú, Fazenda Barriguda,
Fazenda do Carmo, Fazenda Arraial, Fazenda da Bacanga, Fazenda do
Bonfim (1981, pp. 252; 262; 267; 275). Os caminhos por terra, transitados
apenas por cargueiros, eram marcados de “uma fazenda para outra” (idem,
10
p. 261) .
10
Vej a i l u str ação d a “Fa z end a na ma r ge m d o I t ap i cur u” ( p á g i na 1 0 5 d e ste tr ab a l ho )
81
2.2 CLASSIFICAÇÕES
11
C f . G ilb er to Fr e yr e, S o bra do s e M o ca mbo s ( p p . 6 3 2 -3 3 ) , o nd e e s sa cla s si f ica ção é
an al is ad a. P ar a Fr e yr e, fo i “ta l ve z Ga yo so q ue m t e nto u co m ma io r c u i d ad o tr aç ar u ma
si s te má ti ca d a mi sc i ge na ção no B r a si l p a tr ia r cal e se mi p a tr ia r ca l”. Ca io P r ad o J r .
co n s id er a o Co mp ê n dio o me l ho r e st ud o so b r e o Mar a n hão d o co me ço d o séc u lo XI X
( F o r ma çã o , p . 1 5 2 ) . Dad o o v alo r ma tr ic ia l d a c la s si f ic ação d e Ga yo so p ar a a s
cla s si f ica çõ e s p o s ter io r es ( e me s mo p ar a o ut r as q ue s tõ e s q u e ab o r d ar e mo s mai s à
fr e n te) , va mo s no s d e mo r ar so b r e e la.
85
P ar a es ta no va câ mer a en tr ar ão o s E ur o p éo s p r o mis c ua me n te
co m o s B r as il eir o s, c o mo f ica d ec lar ad o , s e m co ntr o v ér sia
al g u ma : ma s q u e m sa b e, se h u ma ve z alc a nç ad a a me s ma
gr ad u ação d e q ue go z a a câ me r a d o M ar a n hã o ( lei a - se: São
L u í s) , p ar a es ta d e C a xi a s, não to r nar ão o s E ur o p e us a s er
ex cl u íd o s d e sta no b r ez a mu n i cip al ! ( id e m, p . 1 6 7 ) .
E m q ua n to ao s b r a n c o s n acio n ae s, ta l vez q ue p o r se re m
tr at ad o s , e a lei tad o s na s ua i n f â nc ia p o r e s sa s escr a va s, e ll es
co n se r ve m d ep o i s d e ad ul to s as me s ma s i n cl i na ço e ns . Não ac ho
r azão al g u ma, q ue p o s s a d isc u lp ar o s b r a nco s d o r eino ( id e m,
p p . 1 2 2 -2 3 ) . 15
15
T o ca mo s na q ue st ão d o p ap el d a s mu l h er e s na “a s si mi l ação ” d o s fi lho s d a t er r a,
en vo l ve nd o a s it ua ção d as mu l h er e s ne gr a s e i nd í g e na s o u me st iça s. Co mo i nd ic a
Ga yo so no ca so e sp ec ial me n t e d a s mu l her e s escr a va s, a s q ua is c u mp r ia m p ap el
d eter mi n a n te n as “i n cl i na ço e n s” d o s “b r a nco s na cio na e s”, p o i s er a m q ue m o s tr ata v a m
e al eit a va m n a i n f â nci a. Q ua n ta s d a s f i g ur a s d o gr up o ma r a n he n s e não f o r a m, n a
in f â nc ia, a le it ad o s e tr atad o s p o r e s sa s mu l h e r es ne gr a s e scr a v as? S i tu ação q u e, não
p o uc as vez es , fe z d o s “f il ho s d a ter r a” ho me n s d e d ua s mu l h er e s : a “n e g r a, o u me s ti ça”
e a “mu l h er fo r mo z a”.
16
Ana li sa nd o es s a q ue s tão p ar a a co lô n ia, e s cr e ve u j u sta me nt e Ro n ald o Vai n f a s:
“A ma n ceb a v a m- s e p o r f alt a d e o p ção , p o r vi ve r e m, e m s ua gr a nd e ma io r ia, n u m mu n d o
in s tá ve l e p r ec ár io , o n d e o e st ar co n c ub i n ad o er a co nt i n gê nc ia d a d esc la s si f ica ção ,
r es u ltad o d e n ão ter b e n s o u o f íc io , d a fo me e d a fa lta d e r e c ur so s , n ão p ar a p a gar a
cer i mô n ia d e c a sa me n to , ma s p ar a al mej ar u ma vid a co nj u g al mi n i ma me n te a li cer ç ad a
se g u nd o o s co s t u me s so cia is e a ét ica o fi cia l” ( 1 9 9 7 , p . 9 4 ) .
87
17
Diz ai nd a Ga yo so : o “g en tio ”, o “A me r ic a no ”, “p r i me ir o s h ab i ta n te s”, “n at ur ae s”, o s
“b ar b ar o s” ( Op . cit ., p p . 1 0 6 ;1 1 8 ; 1 2 1 ; 1 6 9 ; 2 3 2 , 2 3 4 , 2 3 6 )
88
pátria”, levando vida “pouco sedentaria” (idem, pp. 232-33). Eram “homens
desgraçados” envelhecidos pela “corrupção da idolatria” e pela “grosseira
superstição” (idem, p. 258). Marcados pela “ferocidade” e por “usos, e
costumes” “mais diferentes dos nossos, do que a mesma cor”, dizia Gayoso,
a violência, o “arbítrio” era o único meio de domesticá-los, de trazê-los ao
“conhecimento de J. Christo” (idem, p. 234). Apesar de parecer vê-los
como “espécie igual à nossa”, merecendo o reconhecimento com base nos
“mais sagrados direitos da humanidade”, Gayoso não deix a de lembrar a
proposta de uma “escravidão temporária” ou “limitada” como feita para os
negros da costa de África (idem, pp. 237; 239).
Os P o r t u g ue se s, e o s me s mo s He sp a n ho e s d is ti n g u e m co m
d i f fer e n te s no me s to d o s o s gr áo s d e sta f il ia ção , e to d a s a s
var ied ad e s d a e sp éci e d esd e o ne gr o d a co s ta d ’ Áf r i ca,
tr a n sp la n tad o p ar a a Amé r ic a, e a co r b r o nze a d a d o Ame r i ca no
até a a l v ur a d o E ur o p éo . ( id e m, p . 1 1 8 ) .
18
O q ue não d e i xa v a d e c o n st it u ir u m p r o b le ma p ar a a cl as s i fi caç ão d e G a yo so , u ma v ez
q ue , s e g u nd o s ua s tab u ad as d a s mi s t ur a s, co m as gera çõ e s s uce s si v as , p o d er i a m f icar
“i nt eir a me n te b r a n co ” o u “i nt eir a me n te ne g r o ” ( id e m, p p . 1 1 9 -2 0 )
90
19
U ma p e sq ui sa no s a n ú n cio s d e j o r na is ap o nt ar i a co m ce r te za v ár io s e sc r avo s o f ic iai s.
20
Não ser i a s ur p r e s a se o Co mp ên d io d e G a yo so e se u esq u e ma d e c la s si f ica ção so c ia l
b ase ad o e m a xio ma s e ur o cê ntr ico s e r ac ial i st as, e m b o a me d id a r e s u mi d o e inco r p o r ad o
no r e la to d e Sp i x e Ma r ti u s so b r e o Mar a n hão , ho u ve s se e m p ar te i ns p ir ad o o p r o j eto
94
Magalhães
hi s to r io gr á fi co ap r es e nt ad o p elo se g u nd o ao I H GB , p r o p o nd o u ma H i st ó ria do B ra si l
q ue le v a ss e e m co n ta j u st a me n te o s tr ê s gr up o s ét n ico s e s ua me s ti ça g e m ( ser ia me n o s
cas u al a i nd a q ue Gi lb er t o Fr e yr e, tid o co mo aq u ele q ue r e al izo u o p r o gr a ma d e Ma r t i us,
r eto ma s se p o uco ma i s d e u m sé c ulo d ep o is a G a yo so co mo a uto r f u nd a me n ta l p ar a s ua
an ál is e d a so c ied ad e b r a si le ir a d o sé c ulo XI X) .
21
Nes se p o nto , a vi s ão d e Ga yo so so b r e o s me s tiç o s er a d i f er e nt e: “He.. . es ta cl as se d e
hab it a nte s, c uj a co n st it ui ção h e mu i to r o b u st a, a q u e e xe r ci ta to d a s a s ar te s
me c ha n ica s, e to d a s as o cc up aço e ns d a so ci ed a d e q u e r eq ue r e m a ct i vi d ad e, e q u e e m
ger al o s h ab i ta nt e s d a s cl as se s s up er io r e s d esp r ezão o cc up ar - se n ell as , mai s p o r
va id ad e d o q ue p o r p r e g ui ça, o u ta l ve z p o r h u ma , e o utr a” ( s /d ,p . 1 2 0 ) .
95
22
C f. ta mb é m M e mó ria s o bre a s na çõ e s g e nt ia s, ( 1 8 4 1 , p . 1 5 7 ) .
23
Ob r a q ue So ut h e y p r o fe ti za va e s tar d e st i na d a a ser p ar a o s b r a s il eir o s o q ue a
“Hi s tó r ia ” d e H er ó d o to er a p ar a o s e ur o p e u s , fo i p ub li cad a e m L o nd r e s, e m tr ê s
vo l u me s, no s a no s d e 1 8 1 0 , 1 8 1 7 e 1 8 1 9 , r e sp ec t iv a me n te.
101
24
Cé sar Mar q ue s d i z d e st a o b r a q ue “até o cap ít ulo XX é u m r e s u mo d o s Ana i s d e
B er r ed o ” ( p . 3 7 3 ) .
25
C f. Di a s, Mar ia Od íl i a L. d a Si l va, Ro be rt So ut hey , o f a rdo do h o me m b ra n co
( 1 9 7 4 , p . 2 3 6 ) . Sal vo en g a no , So u t he y f o i u ma d a s p r i n cip a i s, se n ão a p r in cip a l,
r ef er ê n cia d e J o ão Fr a n ci sco Li sb o a, o hi sto r ia d o r . Ai nd a fa lta u m e st ud o q ue e xa mi n e
es sa co r r e laç ão , d a nd o se n tid o à id é ia d e q ue J o ão Li sb o a f o i m es mo , no B r a si l
ind ep e nd e n te, o p r i ncip al “s uce s so r ” d e So ut h e y. E s tá p r e se n te ne le, p o r exe mp lo , a
“i nt u ição ” so b r e a “d iv er sid ad e r e gio na l e a i mp o s s ib i lid ad e d e tr a çar no r ma s
u ni f o r me s p ar a to d as a s ‘co lô ni as ’ d o B r a si l” ( id e m, p . 2 2 7 ) , aind a q u e, p o r o utr o l ad o ,
fo s se ta mb é m u m d e f en so r ar d o r o so d a “u nid ad e d o i mp ér io co mo le g ad o d a
co lo ni zaç ão p o r t u g u es a” ( Me llo , 1 9 8 6 , p . 3 7 2 ) .
102
Os ma r a n he n se s, e m p ar te i mi gr a nte s d o s Az o r es ( si c) e d a s
p o s se ssõ es p o r t u g ue sa s na B ar b ar i a, fiz er a m m ui to s s er vo s d as
n u me r o s as ho r d a s d o s a b o r í gi ne s. .. co n tr a o s q u ai s mu i ta s v eze s
o r ga n iz ar a m ca ça s cr ué is. ( .. .) . Na ép o ca d a o cup ação p e lo s
103
Depois da abertura dos portos, o inglês Henri Koster foi o primeiro viajante
a narrar sua passagem pelo Maranhão. Koster recorre pouco à história como
meio de definição dos habitantes, embora faça indicações genéricas ao
passado mais recente da região e cite a História do Brasil do seu
conterrâneo Robert Southey. Suas histórias, embora se pretendam sérias,
têm um quê de anedótico e de curiosidade, às vezes baseadas no que ouviu
contar, como a do escravo mulato que fugiu, tornou-se fazendeiro,
reencontrou seu antigo senhor, agora pobre, e o recompensou como
pagamento de antiga “dívida”; a da rebelião de escravos em uma fazenda de
Alcântara que foi combatida pelos métodos do “processo sumário”, ou a de
senhores de escravos, coronéis afortunados, que faziam dos seus escravos
músicos educados em Lisboa e no Rio de Janeiro ou lhes dispensavam bom
tratamento quando presos, ou ainda a do governador despótico que
mantinha a cidade sob medo, exigindo que o sino da igreja tocasse ao sair e
que as pessoas fizessem reverências todas as vezes em que passassem
diante do palácio ou, por último, a daqueles homens escuros e quase nus,
apenas um chapéu na cabeça, que viu remando sobre uma canoa. No
entanto, malgrado o pitoresco e o curioso daquilo que o narrador apresenta,
são feitas observações diversas e penetrantes sobre grupos sociais,
especialmente acerca dos seus usos e costumes.
26
As s i m, co l he mo s: a) a l ud i n d o à co st a mar ít i ma q ue v ai d e P er n a mb uco ao Mar a n h ão :
“A co s ta é mu i to co n he cid a p ar a ser p er i go s a. É u ma ter r a b ai x a, a ma io r p ar te se ca e
d eso lad a, p ar ti c ul ar me n te d ep o i s d e ha ver - s e tr an sp o sto o Rio Gr a nd e” ; b ) al ud i nd o ao
r eg i me d a s mar é s d o p o r to : “É d e no tar q ue a s mar é s cr e sce m gr ad u al me nt e ao lo n go d o
lito r al d o B r as il, d o s ul p ar a o no r te. No R io d e J a ne ir o a a lt ur a é i n si g ni f ic a nt e. E m
P er na mb uco , d e c i nco a sei s p é s. E m I t a mar a cá , o ito p é s e no M ar a n hã o , d ezo ito ”; c)
lo ca liz ação d a i l ha d e São L u ís : “A i l ha d o M ar a n hão fo r ma o fla n co S.E . d a b aía d e
São Mar co s , co ns eq ue n te me n te e st a f ica a o e s te d aq ue la. A le s te fic a a b aía d e São
J o sé” ; d ) so b r e a b a ía d e S ão Mar co s : “A b aía d e S ão Mar co s é se me ad a d e mu i t as i l ha s
b o n ita s e é s u f ici e nt e me nt e e x te n sa p ar a ad mi tir u ma id éi a d e gr a nd ez a. S ua lar g ur a d e
São L uí s à s mar g e ns co nt r ár i a s, é e ntr e q u atr o e ci nco l é g ua s. O co mp r i me n to é mu ito
ma io r , ma s , na e x tr e mid ad e s u l há v ár io s b a n co s d e ar ei a e as á g ua s sã o r as as. R eceb e
aq u i a co r r e n te d e u m r i o , e m c uj a s mar ge n s e st ão si t uad a s vár ia s f aze n d as d e gad o ” ; e)
e m v ia ge m d e São L uí s a Alc â nta r a: “o n ú me r o d e il ha s tr a ns fo r ma a vi são a cad a ci nco
mi n u to s p e lo d e s co b r i m en to d e no vo s p o n to s e s co nd id o s o u p e la mu d a n ça na fo r ma d a
p ai sa ge m, d e v id o ao a va nço d o b ar co ”. ( 2 0 0 2 , p p . 2 9 5 ; 2 9 8 -3 0 0 ;3 0 2 ; 3 0 8 ) .
27
C f. Ab r e u , S . F r ó e s, “N a T er r a d a s P al mei r a s” ( 1 9 3 1 )
106
F ui ap r e se nt ad o p o r me u a mi go a u ma r e sp ei tá v e l f a mí li a d e São
L u í s. Fi ze mo s u ma vi si ta n u ma tar d e, se m co n vi te, se g u nd o o
co s t u me, e fo mo s le v ad o s p a r a u ma to ler á ve l s ala, or nad a co m
u m gr a nd e le ito e t r ê s b o nit a s r ed e s, ar ma d as, a tr a v és d o
ap o se n to , e m v ár ia s d ir e çõ es , e ai nd a ha v ia no a p arta me n to u ma
cô mo d a e d i ver sa s c ad ei r as. A d o na d a ca sa, u m a se n ho r a id o sa ,
es ta va s e ntad a n u ma r e d e e a vi si ta n te f e mi n i n a o c up a v a o utr a,
e s ua s d ua s fi l ha s e a mi go s s e nta v a m- s e e m cad e ir a s. A
107
co mp a n hi a, co n s is ti nd o e m d o i s o u tr ê s ho me n s , j u nto s u n s d o s
o ut r o s , fo r ma v a u m h e mi ci clo p er to d as r ed e s. Ho u ve mu i ta
cer i mô n ia e a co n v er saç ão se e stab el ece u e ntr e o s ho me n s, co m
r ep ar o s o ca s io na is fei to s p o r u ma o u o u tr a d a s ve l ha s d a ma s.
Se nd o - l he d ir i g id a u ma p er g u nt a, a s f il h a s r e sp o nd i a m. Nad a
ma i s. Al g u n s a s s u nto s co n v er sad o s não t er i a m to ler â n cia n u ma
so c ied ad e mé d ia na I n gl at er r a. U ma p ar te d o fo r ma l is mo
d esap ar ec er á co m a ma i o r e cr es ce nt e r el ação . A ed ucaç ão d a s
mu l h er e s n ão é c u id ad a, o q ue d e li mi t a a s p o s sib ilid ad e s d e
s u ste n tar a co n ver sa so b r e mu i to s te ma s , me s mo q ua nd o le vad a s
às so le n id ad es . As s e n ho r a s d e São L u ís , e nt r eta n to , não são
ger al me n t e r e ser v ad a s ( 2 0 0 2 , p . 3 1 1 ) .
28
Va le aq u i o co me nt ár i o d o h i sto r iad o r P e ter B ur ke so b r e a fo to gr a f ia d e u ma r ua no
Rio d e J a ne ir o , 1 8 6 5 , fe ita p e lo fo tó gr a fo Au g u s to Sta h l. Ne la d e st aca a p r es e nça d e u m
ho me m q ue “u sa c hap éu, ma s não u sa s ap a to ”, d et al he q ue s i na l izar ia p ar a a s
“co n ve nçõ es d o v e sti r d e u ma cla s se so ci al , ne s se l u gar e te mp o d et er mi n ad o ”.
Co n ve n çõ e s q ue p o d er ia m p ar e cer “p o uco es tr a n ha s p ar a u m e ur o p e u a tu al me n t e, p a r a
q ue m u m c hap é u p o d e p ar ecer s up ér f l uo e s ap ato s, u ma n ece s sid ad e”. Co nt ud o , no
B r as il d o s éc ulo XI X, p o r r azõ e s so c ia is e d e c li ma , u m “c hap é u d e p a lh a er a b ar ato ,
ma s s ap ato s d e co ur o er a m r e lat i va me n te car o s” . ( 2 00 4 , p p . 2 3 7 -3 8 ) .
109
P as sa - se d e u m e xtr e m o a o u tr o d e sce nd o à c la ss e d a s í nd ia s,
mu l at a s e ne gr as , q u ase to d as d e fo r me s, es t úp id a s, se m
ma n eir as , se m a ta vio , d es ca lça s s e mp r e, d ei xa nd o a cad a
in s ta n te ver ma r ca s d e ind ecê n ci a e ne n h u m r es to d e p ej o ,
and a nd o p o r c a sa e na s r ua s u n ic a me nt e co m s ai a d e c h it a o u d e
al go d ão e se m ca mi s a ne m le nço ( id e m, p . 7 1 ) .
29
C f. r ep r e se n ta ção d e m ul h er e s se a uto -r eco n he ce nd o co mo “ mar a n he n s es” d a “cl as se
d as p r i nc ip ai s d o se u s e xo ” , d ir i gid a a Có c hr a n e co ntr a o go ver no d e M ig u el I n ác io d o s
Sa n to s Fr e ir e e B r uce. Ao co ntr á r io d o q u e d e ix a ver a cl a ss i fi caç ão d e L a go es sa s
mu l h er e s n ão p a r ec ia m r eco n hec er e x cl u s i va me nt e a s d a s ua cl as s e – p er ceb id a co mo
“p r i nc ip a is ” – co mo m ar a n he n se s. ( Vie ir a d a Si l va, H ist ó ria da I n d epe n dê nc ia da
P ro v í nc ia do M a ra nhã o , p p . 2 9 4 -2 9 7 ) .
110
30
Cr í ti ca i nj us ta, p o is o s d o i s p ad r e s e scr e ver a m se u s r el ato s a p ar tir d a exp er i ê nci a
q ue ti v er a m co m o s í nd i o s e n co ntr a d o s n a I l ha d o Mar a n h ão .
111
O Maranhão de Denis
Kidder e o Maranhão
Os índios que certamente ocupavam vastas áreas deste território e dos quais
Kidder alude como vítimas do cativeiro em suas “passagens históricas”,
ressurgem agora na visão exótica dos remadores de uma embarcação
“interessante”, chamada montaria, observada em meio á grande quantidade
de barcos mercantes atracados no porto:
113
Na p r i me ir a q ue vi mo s ia m d ez í nd io s r e ma n d o v i go r o sa me n te
co n tr a a co r r e nt eza. O s r e mo s er a m d e fo r ma to o va lad o e se g ur o
p o r a mb a s as mão s, e m p o si ção p er p e nd i c ul ar . T o cand o na á g ua
to d o s ao me s mo te mp o , i mp r i mia m gr a nd e ve lo cid ad e ao b ar co .
( id e m, p . 1 7 0 )
31
T r ata - se d o s A po nt a ment o s, No t í cia s e O b se rv a çõ e s pa ra serv ir e m à H i st ó ria do
M a ra nhã o , a p ar te d e hi s tó r i a i nte g r a nt e d o J o rna l de T i mo n . P o r s ua vez, e la s e
d iv id e e m d ua s p ar t es , u ma e scr ita e p ub lic ad a e m São L uí s, e a o u tr a e m L i sb o a.
116
E p o r q ue mo t i vo s , e m v er d ad e , so ld ad o e es cr ito r p o r t u g u ês ,
p er te n ce nt e à r aç a e so cied ad e p o r t u g ue s a, co mo to do s nó s l he
p er te n ce mo s, p e lo s u so s e co st u me s, l i n g ua ge m e id éi as, h a via
ele d e p r et er ir o s a s s u nt o s p át r io s p ar a se o c up a r co m a hi stó r ia
d es sa p r ete nd id a J ud é ia d o no vo mu n d o , cr iad a só p ela
i ma gi n ação p o é ti ca e fa nt a sio sa d o no s so cr í ti c o ? (Lisb o a, s /d ,
p. 11).
33
O Dicionário de César Augusto Marques foi uma das principais
expressões, se não a principal, da produção do espelho histórico-geográfico
do Maranhão província pelo chamado grupo maranhense. Nele, o saber
histórico sobre a Província (bem como os geográficos, topográficos e
estatísticos), tido como quase inexistente, uma “choupana modesta”, é
pensado como obra coletiva a ser construída por uma “comissão de
indivíduos inteligentes e trabalhadores”. Para Marques o gênero de trabalho
que pretendia realizar era totalmente inédito na Província. Marques se bate
contra o que chama de “falta de curiosidade ou de amor pelas velhas coisas
da pátria”. Se autodefine como o “mínimo de todos os maranhenses” e o
“primeiro obreiro”. Nessa condição, assim descreve suas atividades
(empregando metáfora antiga da edificação):
32
P ar a u ma ap r e se n taç ão mai s e x te n sa d o p r o j eto “J o r na l d e T i mo n” ve j a B a rbá rie e
Si mu la c ro no J o r na l de T i mo n de J o ã o F ra nc is co L i sbo a ( So ar e s, 2 0 0 2 ) .
33
O Dic io n á rio H is t ó ri co - g eo g rá f ico da P ro v ínc ia do M a ra n hã o fo i p ub li cad o no
Mar a n h ão , e m 1 8 7 0 , p e l a T ip o gr a fi a d o Fr ia s. ( Mar q ue s, 1 9 7 0 ) .
119
fo mo s nó s o p r i me ir o o b r eir o , q u e ar r o teo u o t er r e no t ão c he io
d e car d o s e esp i n ho s, q ue ab r i u o s a li cer c e s e le va n to u a s
p ar ed e s me s tr a s, n ão p o uc as vez es e m ho r as b e m al ta s d a no it e,
r o ub a nd o ao so no o d e s ca nso d o co r p o e d o es p ír i to , d ep o i s d e
d ia s b e m tr ab al ho so s e b e m c he io s d e f ad i ga s. ( 1 9 7 0 , p . 5 4 ) .
34
Al e nca st r o me n cio na D io g o d e Go me s C ar nei r o , o “cro n i sta d o B r a si l”, c uj a p e sq ui sa
p er d id a ser ia u ma i nd ic ação d a “An go la B r a sí l ica” . O p a ga me n to d o s ve n ci me n to s d o
cr o n i sta c ab er ia à B a h ia, R ec i fe, Rio d e J a n eir o e L ua nd a, co m a “e x cl u são ” d o
Mar a n h ão e Gr ão -P a r á, as si m co mo d e S ão P au lo ( 2 0 0 0 , p . 2 4 8 ) ; vej a ta mb é m Ka n to r
(2004, p. 36).
120
35
“P a r a a u x il iar mo s o f u t ur o h is to r iad o r , o u p ar a d esp e r tar mo s a c ur io sid ad e e o es t ud o
d e mu ito s d o s no s so s le i to r e s, aq ui va mo s ap o nt ar o s es cr i to s p ub lic ad o s e i néd i to s, q u e
tr at a m d e st a P r o v í nc ia, não sò me n te aq u êl es, q ue co n hec e mo s , ma s t a mb é m o s q ue
ac ha mo s i nd ic ad o s e m v ár ia s o b r as e j o r nai s. ” ( 1 9 7 0 , p . 3 7 2 ) .
36
S ão e le s: Cl a ud e d ’ Ab b ev il le e Y ve s D ’E vr e u x, J o ão d e So u sa Fer r ei r a, J o ão F il ip e
B ete nd o r f, Do mi n g o s T ei xe ir a, J aci n to d e Car va l ho , Do mi n g o s d e A r aúj o , J o sé d e
Mo r ai s, J er ô n i mo d a Ga ma , B e nto d a Fo n se ca, J o ão T avar e s, Cr i stó vão d a Co st a, Fr e i
Fr a nc i sco d e. N. S. d o s P r azer e s, J o sé I nác io d e Mo r a is Re go , J o sé Co n st a nt i no Go me s
d e C a str o e Rai mu n d o Alv e s d o s S a nto s.
121
38
pendências nas fronteiras com Bahia e Pernambuco (idem, p. 440) . Já do
lado da “fronteira oriental”, segundo Marques, não haveria o mesmo tipo de
questão, pois desde os anos 1770, ela era “natural e clara”, a ponto de
sequer se chegar a levantar qualquer referência a respeito (idem, p. 440) (O
que, a nosso ver, não parece exato, pois a autonomia conquistada pelo
Piauí em relação ao Maranhão, em 1811, foi marcada por intensas lutas
decorrentes da intervenção deste governo naquela região, como aliás César
Marques noticia. Essas questões estavam “naturalmente” associadas ao
problema político da demarcação dos limites territoriais, uma vez que ela
levou à perda por parte do governo do Maranhão do controle sobre todo um
extenso território).
Fo r ma nd o co m o P ar á, p o r q u a se to d o o t e m p o co lo ni al, u m
E st ad o q ue não d ep e nd i a d o r es to d o B r a si l, e ai nd a q ua nd o a
mo na r q uia ve io e st ab el e cer s u a sed e no Ri o d e J ane ir o , se mp r e
ma i s e m co nt ato co m P o r t u gal d o q ue co m a co r t e, s ua s r e laçõ es
d e co mér c io e d e a mi z ad e, s u as r e co r d açõ e s e tr ad i çõ e s, s u a
ed u caç ão – tud o p r e nd i a o Mar a n hão à a nt i ga me tr ó p o le ( id e m,
p. 23).
39
Vej a H i st ó r ia da I nd epe n dê nc ia da P ro v í n cia do M a ra n hã o , p p . 1 3 6 , o nd e se
esc r e ve q ue d o ce r co d a v il a d o I t ap ic ur u - Mer i m “o r i gi no u - se ta l i ni mi zad e e ntr e e le e
B ur go q ue mai s tar d e d e ver ia co ntr ib ui r p ar a a d ep o si ção d es te d o Co ma nd o d a s
Ar ma s”. Vej a ta mb é m p p . 2 5 2 e 2 7 5 .
128
Com a presidência de Costa Barros (1825), uma nova etapa na vida política
da província se iniciaria. O naufrágio do Providência na Coroa Grande,
com a morte de várias pessoas “notáveis” vindas do Rio de Janeiro, entre
elas integrantes das famílias Belfort e Burgos, simbolizaria, talvez, o fim
de uma etapa (idem, p. 348). Nessa fase, os presidentes de província
130
nomeados pela Corte não eram nomes ligados aos maranhenses. Eram
estranhos às famílias. Seguiam-se sugestões do presidente Manuel Teles da
Silva Lobo de nomear-se para a província um presidente “hábil e ativo”,
mas de modo algum um “indivíduo oriundo dela, por ser este um dos
principais motivos das desordens por que a Província havia passado” (idem,
p. 313).
Assim foi com Costa Barros, Costa Pinto e Araújo Viana. Para o autor, o
fato de Costa Pinto não ter “relações de parentesco ou amizade na
Província”, contribuiu para que aquele agisse sem escrúpulos contra os
“desafetos”. Temos a impressão de que o autor aqui tenta se posicionar
contra as imagens de “desordem” e de “desordeiros” que pairava sobre o
Maranhão e os maranhenses, projetando-as sobre as presidências de Costa
Barros e Costa Pinto. Costa Barros sonharia “uma conspiração com o fim
de reproduzir na capital as mesmas cenas que a haviam enlutado em épocas
passadas”. Costa Pinto também “sonhava com desordens e republicanos nos
sertões da Província”. Contudo, nada na Província “anunciava a tendência
dos espíritos para a desordem e para a revolta”. Daí o combate implacável e
paranóico dos presidentes contra a oposição, desnecessário uma vez que os
“chefes de revolta” haviam caído em “desmoralização” e os homens que se
armaram para apoiar um ou outro partido haviam regressado às suas casas.
Daí o levantamento de suspeitas injustas contra “caracteres distintos,
homens essencialmente ordeiros e circunspectos”. Costa Barros “mandou
prender vários cidadãos dos mais notáveis do partido que lhe era oposto”
(idem, pp. 349-353). Costa Pinto teria se notalizado por determinar o
“recrutamento” do jornalista da oposição, José Cândido Moraes, redator do
Farol Maranhense (idem, pp. 349-354).
Via o “jornal” como a forma “mais popular do livro”; como tal, deveria
tornar-se a “arena” em que se iriam “ensaiar” todos aqueles dispostos a
“trabalhar”.
Pantheon Maranhense
40
Daí Ro s si n i Co r r ea d i z er q ue , n a ló gi ca d o mit o ate ni e ns e, to d o mar a n he n se p a s so u a
ser vi sto co mo u m Go n çal ve s D ia s. “A lo u vaç ã o d o s mér i to s, q u e fo r a m r ea is , e m u m
co mp le xo d e i nt el ect u ai s, fo i tr a n sp o st a à co nd i ção d e e s sê ncia pa rt ic u la r d e t o do s o s
ma ra nh en s es ” ( 1 9 9 3 , p . 1 0 3 , ne gr i to d o a uto r ) .
41
Man u el Od o r ico Me n d es, J o ão I nác io C u n h a, Fr a n ci sco So ter o d o s R ei s, J o s é
Ca nd id o d e Mo r a i s e Si l va, An tô n io P ed r o d a C o st a Fer r eir a, Fe li ci a no An tô n io Fa lcão ,
J o aq u i m Fr a n co d e Sá, J o aq ui m V ie ir a d a S i lv a e So u sa, J o ão P ed r o Dia s Vi eir a,
J o aq u i m Go me s d e So u sa, An tó n io J o aq u i m Fr an co d e S á, J o ão D uar t e L i sb o a S er r a,
T r aj ano Ga l vão d e Car va l ho , B e lar mi n o d e M ato s, Fr a nc i sco J o sé F ur tad o , An tó n io
Go nça l ve s D ia s, J o ão Fr an ci sco L i sb o a, Fr ei C u stó d io Al ve s Ser r ão .
135
42
O p r i me ir o f al ecid o é d e 1 8 3 2 ( J o ão Câ nd id o d e Mo ra i s e Si l va) e o úl t i mo é d e 1 4 d e
ab r il d e 1 8 7 3 ( An tô nio Mar q ue s Ro d r i g u e s) . A ma io r ia mo r r e u na fa i xa d o s 3 0 , 4 0 e 5 0
ano s. Co s ta Fer r e ir a ( ao s 8 1 a no s) e So ter o d o s Re i s ( ao s 7 0 a no s) fo r a m o s q u e ma is
vi v er a m. An tó nio J o aq ui m Fr a nco d e Sá ( ao s 1 9 ano s) e J o sé C â nd id o d e Mo r a is e S il va
( ao s 2 5 a no s) o s q u e me no s vi ver a m. Ap e n a s tr ê s a ti n g ir a m a ma r ca d o s 6 0 a no s
( Od o r i co Me nd es , V ie ir a d a Si l va e Fr e i C u stó d io ) . Ci n co mo r r er a m n a mar c a d o s 5 0
ano s ( I ná cio d a C u n ha, Dia s Vi eir a, Fr a nci sc o Fur tad o , M ar q ue s Ro d r i g ue s e J o ão
L is b o a) . Na ca sa d o s 4 0 fo r a m tr ê s : An to nio Fal cão , Fr a nco d e Sá e Go nç ál ve s D ia s.
Q uatr o , n a f ai xa d o s tr i nt a ( Go me s d e So u s a, Li sb o a S er r a, T r aj ano Gal vão e B e lar mi n o
d e Ma to s) . Co nc l u são : d o s 1 9 mo r to s, a mo r te c o nc e ntr o u - se na s f ai xa s d o s 3 0 , 4 0 e 5 0 ,
r ed u zi nd o - se p ar a a s ma r ge n s, p ar a ci ma o u p ar a b ai xo . P o r ta n to , a ma i o r ia mo r r e u na
fa s e ad ul ta, u ma f as e a i nd a p r o d ut i va ( s up o mo s ) , p ar a aq uel e s t e mp o s .
43
No e x e mp lo maio r d e Go nça l ve s D ia s : “[ .. ] c o mp e te -l he i nco n te st a ve l me nt e u m d o s
p r i me ir o s l u g ar e s e n tr e as gló r ia s d a p á tr ia , n o no s so P a n t heo n, n ão só co mo sáb io
lit er a to e i n s i g ne p o e t a, ma s t a mb é m co mo cid ad ão p r e sta n te e ho me m ho nr ad o e
ho ne s to . [ . ..] e xce le n te p atr io ta fo i e le, e sp le n d end o na no s sa co n st el ação li ter ár i a, e
cu mp r i nd o fi el e r el i gio sa me n te se u s d e v er e s n o s e nc ar go s q u e e xer ce u e e m q u e d e u
se mp r e p r e cl ar a s p r o va s d e ab n e gaç ão , ho nr ad e z, i n te li gê n ci a e le ald ad e. P o r t ud o i s so
136
d ev e mo s r e co n hec er e m Go nç al ve s D ia s e ho nr ar ne le o gr a nd e c id ad ã o q u e e s tr e me ci a
o B r as il e a ca ta va s ua s in s ti t ui çõ e s co m o a mo r ig ual ao q u e d ed i ca va à a mi zad e, co m
to d o s o s c as to s e no b il í s si mo s a f eto s q ue o r n a v a m e vi cej a va m e m s u a gr a nd e a l ma. ”
( p p . 1 6 5 -6 6 ) .
44
Co n fir a e sp e ci al me n te o ite m “A i n ve st i gaç ão b io grá fi ca” ( Ca nd id o , 1 9 8 1 , p p . 3 5 1 -
5 3 ) . E n tr e o s p r i ncip ai s b ió gr a fo s , C a nd id o c ita P er eir a d a S il v a co m o “P l utar co
B r as ile ir o ” ( 1 8 4 4 ) , i n sp ir ad o p r o v a ve l me n te no P l ut a rco F ra n ca is d e E d o ua r d
Me n nec h et, e d ep o is i nt it u lad o Va rõ e s Il u st res do B ra s il Du ra nt es o s Te mp o s
Co lo nia is ; An tô nio J o a q ui m d e Me lo co m B i o g ra f ia s de Alg u ns P o et a s e H o me n s
Il u st re s da P ro v í nc ia de P e rna mb u co ( 1 8 6 5 - 5 8 ) ; Ál v ar o T eix eir a d e Maced o ( não
me n cio n a a o b r a) ; p o r f i m, d e An tó n io H e nr iq u es L ea l o P a nt eo n M a ra nh en se ( 1 8 7 3 -
1 8 7 5 ) . Q ue Le al co n hec i a e st es tr ab al ho s el e i nd ica n u m e n sa io i nt it u lad o “A L i ter a t ur a
B r as ile ir a Co n te mp o r â n ea”, p ub l ic ad o no J o r n al d o Co m mer c io d e L i sb o a, d e 2 5 d e
ma io , e 1 e 3 d e j u n ho d e 1 8 7 0 ( 1 8 7 4 , p . 2 2 1 ) .
137
45
So b r e e s sa o b r a, Már i o Me ir e le s a co n sid er o u co mo li vr o d e cr í ti ca ap a i xo nad a e
mo v id a p o r “o fe nd id o s me li nd r e s”, i n ter e s sad a ap e na s e m d e sq ual i fi car a o b r a d e Lea l,
e i nco r r e nd o naq u ilo e m q u e cr ít ica : a p ar ci a lid ad e ( 1 9 8 7 , p p . XV I - XVI I ) . De fato ,
aq u ilo q u e el e co b r a v a a L eal ta mb é m l h e f alt a va, co m u ma d i f er en ça t al ve z. N a
i ma ge m n e ga ti v a d a co t erri e c h a ma va a ate n çã o p ar a o l u gar so cia l d o cr í tico , q ue st ão
au se n te p ar a u ma cr ít ic a c uj o p r e s s up o sto er a a id éia d a ge n ial id ad e s e m fr a s e, a ci ma
d as r e la çõ e s d e fo r ç a s so c iai s. No s ter mo s d e L eal ao co me çar a b i o gr a f ia d e J o ão
L is b o a: “Na sc e m mu i ta s v eze s o s e n ge n ho s p r i vi le gi ad o s co mo P ala s d a f áb ul a, j á
r ev e stid o s co m to d as a s p eça s d a ar mad u r a.” ( 1 9 8 7 , p . 2 9 7 , to mo I I ) . A cr ít ica d e
Co r r ê a, e mb o r a p ar t e d a q ui lo q u e cr it ic a va, ap o nt a va p ar a o “p er so n al i s mo ” p r e se n te na
cr ít ic a d e e ntão ( vej a V e nt u r a, E st ilo t ro p ica l, p p . 7 4 -8 0 ) .
139
qual Henriques Leal se dedicou mais, destinando um volume para ela, sem
contar sua admiração pelo poeta. A biografia de Gonçalves Dias é no
Pantheon Maranhense uma espécie de modelo do que Henriques Leal
entendia por biografia. Caso fundamental de produção da subjetividade,
através dela Henriques Leal representou Gonçalves Dias como expressão
46
nacional do maranhense exemplar .
46
Ser ia út il co mp ar ar a b io gr a fi a d e Anto n io G o nç al ve s D ia s, d e Anto nio He nr iq u e s
L eal , co m a d e Anto n i o Viei r a, d e J o ão Fr a n ci sco Li sb o a . O q u e o s ap r o x i ma e o s
sep a r a? S ua s b io gr a f ia s – est ud o s d a “v id a” - i n t egr a m a s “co nd içõ e s d e p o s sib ili d ad e s”
e m q ue as fi g ur as d o “a uto r ” e d a “o b r a” e mer g ir a m co mo c ate go r ia s f u nd a me n t ai s d a s
no va s “ep i st e me s” mo d er n a s e e m q u e, p ar tic u lar me n t e no B r a s il r o mâ n ti co , s e
ap r o x i ma v a d a fo r maç ã o d e u m s i st e ma c u lt u r al co m s e us a uto r es , o b r as e p úb l ico s.
P o r é m, e nq ua n to Le al p er s e g ue r o ma n t ica me n te o “gê nio ” d e Go nç al ve s D ia s, L i sb o a
b u sca r ea li s tic a me n te o “h u ma n o ” d e An tô nio V ieir a.
47
Od o r ico Me nd e s, So t e r o d o s Rei s, Fr e i C us t ó d io Ser r ão , Go n ça l ve s Dia s, Ge nt il
B r ag a, T r aj ano Ga l vão , Dia s Car n eir o , Mar q u e s Ro d r i g u es , J o aq ui m S er r a, Fr a nco d e
Sá, Fr ed er i co Co r r ê a. I n cl u i a i nd a So u sâ nd r ad e. Co mo p r o s ad o r e s: J o ão Li sb o a,
Câ nd id o M e nd e s, He nr i q ue s L ea l, Cé sa r M ar q ue s, Vi eir a d a S il va , J o sé C â nd id o d e
Mo r ai s e Si l va, E st e vão R a fae l d e Car v al ho . R elac io na ai nd a: Go me s d e So u s a, P ed r o
140
por ele como retrato de um segmento essencial desse grupo. Sua fonte, na
elaboração desse quadro, foram os registros de viagem de Spix e Martius,
de onde extraiu a idéia, já indicada, de que o principal mecanismo pelo
qual se formou o ambiente de cultura refinada foi a presença de um grupo
de jovens de famílias ricas educadas na Europa. A extraterritorialidade da
formação. Esse grupo foi o fator humano indispensável para a existência do
referido ambiente. Grupo de indivíduos que, segundo o historiador,
p o r su a i nt el i gê nc ia, p o r se u ta le nto , p o r s ua c ul t ur a , p o r se u s
ser v iço s, p o r s ua s o b r as, h a vi a m sid o .. . o s r e sp o n sá ve i s
p r i me ir o d e a p r o ví n ci a na ta l ter , q u as e i n st a nt a nea me nt e, s e
tr a n s fo r mad o d o Mar a n hão Ve l ho , p o b r e e i n c ul to , d a Co lô n ia,
no Mar a n h ão No vo , e n r iq uec id o e ad mir ad o d o I mp ér io [ ...]
( 1 9 8 7 , p . X VI I ) .
Era o grupo dos “atenienses”. Que este “Maranhão Novo”, para Meireles,
equivale ao “Maranhão-Atenas”, ele indica na passagem onde o “retrato”
elaborado por Leal é considerado, sem mais, como o do “Maranhão-
Atenas”: “... esse retrato, que em boa hora fixou do Maranhão-Atenas...”
(idem, p. XVII). A leitura de Meireles, de modo algum neutra, foi feita
segundo essa perspectiva. Por ela, o livro de Leal foi transformado em
fonte autorizada do Maranhão-Atenas.
48
Até o nd e é p o s sí ve l e n xer g ar , d o p o nto d e vi s t a d a “vo l ta” à s b a se s t e ó r ica s p er d id a s,
fo r a M ar x, so mo s d a o p in ião d e q ue se ga n h ar i a e m re to mar co nj u n ta m en te a s a n ál i se s
d o Nie tz sc h e d e A G e nea lo g ia da M o ra l, e st ud o f u nd ad o r d a s cr ít ic as ge n ea ló gic as
( até a s a nál i se s at u al iza d o r as d e Fo uc a ul t, D ele uz e e me s mo B a ud r i llar d ) , e Auer b ac h ,
e m M i me s e, e st ud o ma tr ic ia l so b r e as r ep r es e nt açõ e s l it er ár ia s, u ma d as r e f er ê nc ia s
b ás ica s d a s a n ál is es d e An tô n io C a nd id o ( ma tr i z p r i me ir a d e s ta p e sq u is a) . At e nto p ar a
o ch a mad o “gr up o ma r a n he n se ”, e scr e ve u: “O s esc r ito r e s q ue a ma d ur ec er a m d ur a n te a
Re g ê nci a e o s p r i me ir o s a no s d a Ma io r id ad e fo r ma m u m co nj u n to d a ma io r i mp o r t â nci a
na h i stó r ia d a no ss a v id a me n ta l. Hab i t uad o s a e vo c ar ap e n a s o gr up o d a N ite ró i,
esq ue ce mo s p o r ve ze s q ue e ntr e el es se i nc l u e m n ão ap e n as Go nç al v es Dia s, ma s o
gr a nd e Mar ti n s P en a, c r iad o r d o tea tr o b r a sil e ir o , p o r v e nt ur a o ma io r escr ito r te atr al
q ue j á ti v e mo s; e o gr up o d o Mar a n hão , q u e va le u o co g no me fa mo so à cap ita l d a
p r o v í nci a, d o q ua l s e d e st aca m Fr a n ci sco So t er o d o s Rei s e J o ão Fr a nci sco L i sb o a, u m
d o s p ub l ic i sta s ma i s i nt eli g e nte s d o B r a si l.” ( 1 9 8 1 , p . 4 7 ) .
142
E st e gr up o é co nt e mp o r ân eo d a p r i meir a g er aç ã o r o mâ n tic a to d a
ela d e n as ci me n to o u r es id ê nc ia f l u mi n e n se. O q ue o si t ua e
d is ti n g u e n a no s sa l it er a tu r a e o so b r ele v a a e ss a me s ma g er aç ão
é a s ua ma i s cla r a i n te li gê n cia li ter ár ia, a s ua ma io r lar g u eza
esp ir i t ual . O s mar a n h en se s não tê m o s b i o co s d e vo to s, a
o st e nta ção p atr ió t ica , a a f eta ção mo r al iz an te d o gr up o
f l u mi n e ns e, e ge r al me nt e es cr e ve m me l ho r q ue es te s ( 1 9 9 8 , p .
2 5 8 ) 49.
49
De f ato , He nr iq ue s L eal , ao ab o r d ar a f i g ur a d e Od o r i co Me nd e s no P a nt heo n
M a ra nhe ns e, d á co nta d e q ue, e n tão , o M ar a n hão mer eci a d e “al g u n s esc r ito r e s o mu i
li so nj eir o ep íte to d e Ate n as b r a s ile ir a ”, e m f u nção d o “b o m- g o st o liter ár io e d o
es me r ad o c ul ti vo d a ver na c ul id ad e e d as le tr a s clá s sic a s” “e ntr e nó s” ( l eia - se : letr ad o s
ma r a n he n se s) ( to mo I , p . 9 ) . À p á g i na 1 5 7 , to mo I I , e ss e a uto r fal a d e Co i mb r a co mo
“At e na s p o r t u g u es a”. T a mb é m no Se ma ná ri o M a ra nhe ns e j á p o d e mo s v er i f icar a
i ma ge m d e S ão L u í s c o mo “Ate n as B r a si le ir a ”. N a d e fe sa q u e o cr o ni s ta P iet r o d e
Ca s tel la ma r e fa z d e J o ão L i sb o a co n tr a o s at a q ue s s up o s to s d e Va r n h ag e n, e st es são
to mad o s co mo ta mb é m r ef er e n te s a to d o s o s “fi l ho s d a At h e na s b r az ile ir a” ( S. M., An no
I , 8 /9 /1 8 6 7 , n. 2 , p . 7 ) .
143
embora sem que daí surgíssem grandes nomes, mas que, talvez, pudesse ter
resultado na geração do “grupo maranhense”. Lembra como fatores mais
imediatos o jornalismo (o “jornalismo destes homens de letras, talvez neles
deslocados, era doutrinal, de alto tomo e boa língua”), a existência do
“gosto literário”, de uma “imprensa”, de “livros” (idem, pp. 248-249). E
conclui, emitindo um juízo que ganhou a forma de uma doxologia:
A i n s tr ução q ue se d e u a J o ão L i sb o a fo i p ur a me n te l iter ár i a, e
não ser ia ne m e xt e ns a, ne m, p r o f u nd a ; a ma te m áti ca e le me n tar e
a geo gr a fia , a i nd a a ss i m r ud i me n ta r me n te es t ud ad as , a no ss a
lí n g ua e a s u a l it er at ur a , a la ti na , e a fr a nce sa e, me no s b e m, a
in g le sa – e a h i stó r ia . Co m e sta p eq u e na b ag a ge m, q ue o
p r i me ir o d o s no s so s p r ep ar a to r i a no s d e sd e n har ia, ele f ez
en tr e ta n to gr a nd e s co i sa s, r e lat i va me n t e à me nt alid ad e nac io na l
(1977, p. 106).
T o d a a vid a p r o v i nc ia na , ne s ta s no s sa s ter r a s n o va s, q ue , s al vo
u ma o u o u tr a, d ão a i mp r e s são d e a cab ar e m ; o nd e não h á
co mér c io , ne m i nd ú str ia, ne m la vo u r a, ne m tr ab a l ho , ne m
ati v id ad e , n e m c iê nc ia, ne m a r te, n e m le tr a s, ci fr a - se n a v id a
p o lít ic a, q ue el a me s ma , co mo t ão b e m o b s er vo u J o ão Li sb o a , se
r es u me p o r fi m n a s l ut a s p ar tid ár i as d a s p r o x i mid ad e s d e
ele içõ e s. E i sto é tão ve r d ad eir o ho j e co mo q ua nd o el e es cr e vi a
o se u J o r n al d e T i mo n, e m 5 2 . ( id e m, p . 1 1 0 ) .
Vê-se que o crítico é ainda mais radical que João Lisboa em sua avaliação
do Maranhão. Se for assim, a questão está então em contrapor este quadro
da “vida provinciana” com a idéia do surgimento do “grupo maranhense”.
E, assim, fica mesmo complicado compreender o surgimento de grupo de
literatos “marcantes” na história cultural do império, numa realidade
aparentemente tão pouco propícia à atividade cultural letrada quanto aquele
Maranhão de João Lisboa. Mais: se correta a percepção de João Lisboa,
como explicar o surgimento de um literato do seu tamanho “brasileiro” a
partir da noção rebaixada do Maranhão como “vida provinciana”, sem cair
na explicação de que o referido surgimento se daria por obra e graça
exclusiva do “talento” individual, senão mesmo do “gênio”, como
acreditava romanticamente o plutarquiano Antônio Henriques Leal? Sem
pretender aqui resolver a questão, cremos encontrar rastros nas observações
de alguns viajantes, os quais sem caírem na idéia a-histórica da
excepcionalidade cultural reconheceram na São Luís da primeira metade do
século XIX a existência de um ambiente de cultura que não ficaria a dever
a cidades como Recife, Olinda, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo. Spix e
Martius, em especial, apontaram a respeito os seguintes elementos que
poderiam ajudar a compor, se não um argumento, pelo menos um quadro
145
Os mar a n he n se s al e ga m p o ss u ir , e não se m r az ão , u m gr a u d e
d ese n vo l vi me nto i nte le ct ua l e mo r a l co mp ar á ve l ao de se u s
p atr í cio s d as ma io r e s c id ad e s d o I mp ér io . S e p er s e ver ar e m e m
se u s at ua i s e s fo r ço s, c o nt i n uar ão a me r ece r a ad mi ração e o
r esp eito ta nto d e se u s c o nc id ad ão s co mo d o s es tr a n ge ir o s ( 1 9 8 0 ,
p. 169).
50
Ko s ter , q u e e ste v e u m p o uco a nt es e m S ã o L u ís , fez o b ser v ação co n tr ár ia : “A
ed u caç ão d a s mu l her es não é c uid ad a, o q u e d eli mi t a a s p o s sib il id ad e s d e s u s te n tar a
co n v er sa so b r e mu ito s te ma s, me s mo q ua nd o l ev ad a s às so l e nid ad es ”, d izia i s so ao
no t ar , e m v i si ta a u ma fa mí lia r e sp e it á vel d a c id ade, q ue a s f il ha s só fa la v a m q ua nd o
ind a gad a s ( 2 0 0 2 , p . 3 1 1 ) . Re la ti v iza nd o e s sa o b ser v ação , Ga yo so , b e m co mo L a go ,
ti n ha m v i sõ e s p ar ec id a s à s d e Sp i x e Mar t i u s: ”E m ge r al s ão mu i t o lab o r io s as , e
ind u s tr io sa s : tr aj ão co m go sto , e co m no b r e za” ( s/d , p p . 1 1 7 -1 8 ) . Al iá s, G a yo so
p er g u n ta v a se, ma l gr ad o a s r i val id ad es e n tr e o s “f il ho s d o r e i no ” e o s “f il ho s d a t er r a ”,
o ca sa me n to d as fi l ha s d es te s co m aq ue le s p r o d u zi u u ma “a f l ue n te mi st u r a” r e sp o n sá v el
p o r d ar ao “M ar a n hão h u m to m d e c i vi lid ad e, e d e cor t e, q ue se não ac ha na s o utr as
cap i ta ni a s d e c r ea ção m ui to ma i s a n ti g a !” ( id e m, p . 1 5 2 ) . Co mo o b se r vo u P r a zer e s, e m
1 8 2 2 , a maio r ia d o s b r an co s p o r t u g u e se s d o s Aço r e s e d e P o r t u g al h av ia m s e ca sad o
co m b r a nca s “f il h as d o p aiz” ( P o ra nd u ba , 1 8 9 1 , p . 1 4 3 ) . Ca sa v a m co m “b r a nca s” e s e
en vo l vi a m i n fo r mal me n te co m me s ti ça s, ne gr a s e í nd ia s, co mo no t a v a Ga yo so co m
a mar g ur a. A o b se r va ção p õ e as mu l her e s “lab o r io s a s, e i nd u str i o sa s”, à s vez es
es tr a n ge ir a s, no mio lo d o p r o b le ma d a “as s i mi la ção ” e n tr e “f i l ho s d a ter r a” e “f i l ho s d o
r ei no ”. T al ve z mu it as d ela s i nt e gr a s se m j á o g r up o d a s “mar a n he n se s” q ue s aír a m e m
d ef e sa d o s se u s mar id o s na g uer r a d a i nd ep e n d ên cia . Não ter ia s id o es se u m p o uco o
p ap el d a e sp a n ho la Do na Mar ti n h a e d e o utr a s se n ho ra s ( D. E mí lia B r an co , D . Ro s a
Ni na , D . L u na F r eir e) ? D u ns h ee d e Ab r a nc h es al ud e a e s sa s se n ho r a s e s u a s e sco la s e
se u s se nt id o s d e mi s s ã o ed u cac io na l e c u lt ur al, n’ O Ca t iv e iro ( 1 9 9 2 , esp . o cap .
“Se me ad o r a d e L u z”, p p . 7 7 -8 0 ; ta mb é m cap . X VI I I , p p . 9 7 - 9 9 ) .
146
51
P ar a a c id ad e e p a r a o no s so d e sco n h eci me n t o ser ia m n ú mer o s si g n i f ica ti vo s, ma s
p r ati ca me n te d e sp r ez í ve is s e a mp li ar mo s o r a io d e co mp ar aç ão co m cid ad es e ur o p é ia s,
p o r e xe mp lo , d a I n g la ter r a, o nd e ap e na s u m Ro b er t So ut h e y l e ga va b ib l i o teca d e 1 4 .0 0 0
vo l u me s, ao mo r r er no s co meço s d a d écad a d e 1 8 4 0 . E m 1 8 1 9 , o a cer v o d a B ib lio te ca
P úb l ica d a B a h ia co nta v a ci n co mi l vo l u me s ( M atto so, 1 9 9 2 , p . 2 0 6 ) .
52
“O Se ma ná r io M a ra nh en se” , es cr e v e u Antô n io Lo b o , e m 1 9 0 9 , “f o i o ca nto d e c i s ne
d a b r il h a nt e ger a ção li t er ár i a q ue, e m me ad o s d o séc u lo f i nd o , no M a r an h ão vi v e u e
tr ab a l ho u, e xp lo r a nd o co m mae st r ia e f u lgo r , q ua se to d o s o s var iad ís s i mo s
d ep ar t a me n to s d a p r o d u ção me n ta l.” ( O s No v o s At e nie n se s,1 9 7 0 , p . 1 3 ) .
147
A questão pode ser iluminada pelo esquema das relações entre “ocupante” e
“ocupado” de Paulo Emílio Sales Gomes, para quem, no caso do Brasil,
[ Q ua nd o ] o o c up a nt e ch e go u, o o c up ad o e x is te n te não l he
p ar ece u ad eq uad o e fo i ne ce s sár io c r iar o utr o ( .. .) A
p ec ul iar id ad e d o p r o ce s so , o fa to d e o o c up a nt e ter cr iad o o
o cup ad o à s ua i ma g e m e s e me l ha nç a fez d e st e úl ti mo , a té cer to
p o n to , s e u se mel h a nte . P sico lo gic a me n te, o c u p ad o e o cup a nt e
não se se n te m co mo t ai s: d e fato , o s e g u nd o ta mb é m é no sso e
ser ia so c io lo g ica me nt e ab s ur d o i ma g i nar a s ua exp u l são co mo
o s fr a n ce se s fo r a m e x p ul so s d a Ar gé li a ( ... ) O q uad r o se
co mp li ca q u a nd o le mb r a mo s q u e a Me tr ó p o l e d e no s so o c u p a nt e
n u nc a se e n co ntr a o nd e ele e st á, ma s e m Li sb o a, Mad r i, Lo nd r es
54
Os “l u so s -b r a s il eir o s id e nt i fi cá va mo - no s ne g ati v a me n te ( ‘ nó s nã o s o mo s r e i nó s ’) ,
p elo q ue s ab ía mo s n ão s er ” ( No vai s, 1 9 9 7 , p . 2 6 ) .
149
55
principal do programa da construção da identidade do grupo maranhense .
A luta pelo domínio do idioma português (do bem falar e escrever o
vernáculo) foi fundamental para a sua auto-afirmação. Não por acaso,
Odorico Mendes com a tradução dos autores clássicos, Gonçalves Dias em
sua poética, Sotero dos Reis e seus trabalhos filológicos, João Lisboa na
historiografia, Antonio Henriques Leal na crítica literária, etc. passavam
pelo enfrentamento da questão da língua e da linguagem. Não se trata
apenas de desafio formal, mas de projeto de construção da identidade
nacional. Encravado nas divisões e hierarquizações sociais, o idioma
português era signo reconhecido como a língua do superior civilizado
contra os “dialetos” ou as “misturas” dos grupos indígenas e africanos
bárbaros. Vale citar Prazeres, o conhecido autor da Poranduba
56
Maranhense , um dos poucos autores do grupo colonial a tocar
diretamente nessa questão, embora numa nota:
55
“O Mar a n h ão , o P ar á e o va le a ma zô nico f o r a m ár ea s d o t up i n a mb á e d o n hee ng a t u,
a ‘ lí n g ua g er al d a A ma z ô ni a ’, s ur gid a a p ar t ir d o séc u lo XV I I , co m a i nco r p o r ação d o
tup i na mb á p o r mi s sio n á r io s , cab o c lo s e í nd io s Não -T up i” ( Vil la lt a, 1 9 9 7 , p . 3 3 7 ) . E m
q ue p es e fo ss e u ma d a s ár ea s ma i s a fe tad a s p e la p o l ít ica p o mb al i na d e i mp o si ção d o
p o r t u g uê s, a lí n g ua “b r as íl ica ” ( o u “l í n g ua d o mar ”) ma nt e ve - se fo r te e n tr e a
p o p u lação , e nq u a nto a s el it es s e ap o r t u g ue s ar a m ( p . 3 4 0 -4 1 ) . C f. V il l alt a, “O q u e se
fa la e o q ue s e l ê: lí n g u a, i n str u ção e l ei t ur a” ( 1 9 9 7 , esp . p p . 3 3 4 -4 6 ) .
56
No A ur él io co n st a q ue “p o r a nd ub a ” ve m d o t u p i po rã ´ d u ba , no se n tid o d e p er g u n ta,
no t íc ia, i n fo r ma ção , h is t ó r ia, r e la ção ( 1 9 8 6 , p . 1 36 6 ) . Fr e i Fr a nci sco c h ego u a p ub li car
e m ap ê nd ic e d a s u a o b r a u m “Di cio nár io ab r e vi a d o t up i n a mb á -p o r t u g uê s ” o u d a “l í n g ua
ger al ”.
151
ser tão clássico como porcelana, ainda que a não achem tão bonita” (1988,
p. 1134).
57
C f. Ko se lle c k, R. F ut u ro pa s sa do , 2 0 0 6 .
153
Ap r o va - se aí o p ar ecer d o d ep ut ad o Co sta F er r e ir a: ‘ Re sp o nd a -
se q ue a Câ ma r a d o s Dep ut ad o s f ir me e m s u st e ntar a ho nr a
b r as ile ir a , o s is te ma mo nár q u ico co n s ti t uc io nal, o tr o no d o sr .
d . P ed r o I I , e a r evo l u çã o d e 7 d e ab r il, co ad j u v ará e fi caz me n t e
o go ve r no e m t ud o q ue fo r co n st it uc io na l, e q ue to ma r á e m
co n s id er a ção as s u as p r o p o st as ( V al lad ão , p . 6 1 . Ver ta mb é m p .
298).
59
C f. F lo r a S ü s se k i nd , O B ra si l nã o é lo ng e da q ui, e L u iz Co s ta L i ma, O co nt ro le do
i ma g iná rio ( e sp . p p . 1 3 0 -5 2 ) .
161
60
P ar a u m p o nto d e vi s ta q u e e xp lo r a ma i s a s o p o s içõ es e n tr e as n o çõ e s d e
162
63
O co me n d ad o r Mei r e le s, a li ás, fi car i a r e g i str ad o no fo lclo r e d a H i st ó ria do
M a ra nhã o p o r s ua s r i xa s co m o u tr a fi g ur a le nd á r ia, Do na An a J a ns e n. U m d o s c u id ad o s
d a má f ia d o “al to co mé r cio ” f o i p r eci s a me n te o d a s ua i ma ge m n a h is tó r ia : b u sc ar a m
fa zer d e si a id éi a d e her ó i s ci v il izad o r e s e m l ut a co ntr a u m m eio ad ver so o u
“d ecad e nte ”. Ne ss e p o n to , t e mp o s d ep o i s, a H i st ó r ia do Co mér cio do M a ra nhã o , d e
J er ô n i mo d e V i ve ir o s, ap e na s co n f ir mo u a i ma ge m h eró i ca e ed u lco r a d a q u e o gr up o
p r o cu r o u i n st it u ir so b r e si me s mo j á no s se u s mo me n to s fi n ai s.
64
Mar ia d e Lo ur d es Mô na co J a no tt i a l ud e aq ui a u m mo me n to d a tr aj etó r i a d e J o ão
L is b o a, o d a s ele içõ e s d e o u t ub r o d e 1 8 4 7 , p a r a a As se mb lé ia Ger a l, q ua nd o s it ua o
“e mb r i ão d o T i mo n”. N o s se u s te r mo s : “J o ão Fr a nc i sco Li sb o a a s si st e a t ud o .. . co mo
d ep u tad o p r o vi n cia l, j o r na li s ta e ad vo g ad o , q u e ta nto elo g iar a o s p r i nc íp io s mo r ai s d e
J o aq u i m Fr a nco d e Sá e te ve d e p ar tic ip ar d o s co nc h a vo s , d e tr a n si g ir , e se u sar mo s
164
Se p ar a a í vo l tar p r e c iso se m d ú v id a s d e es cr a vo s q ue me
sir v a m; ma s o J a n uár io , q u e j á e m 1 8 5 9 es ta va i n s up o r t á vel ,
co mo s e p o d er á so fr er a go r a , q ue es tar á se m d ú vid a mu i to mai s
vi cio so ? Acr es ce q ue t en ho d ecid id a r ep u g nâ nc ia a ve nd a s e
tr a n s fer ir es cr a vo s, e s e p ud e s se fo r r a v a -o s to d o s, q ue s e fo s se m
co m D e us . As s i m d e i x o i sso na s s ua s mão s e d e me u ir mão ,
esc r e ve nd o ao N i na, d and o - l he a u to r i zaç ão p ar a q ua lq uer
r eso l ução d e aco r d o c o m o s s e n ho r e s. Ma s não ser ia ma u
a meaç á -lo co m a ve nd a, se el e não s e e me nd ar , e e sper a r a l g u m
te mp o , p o sto q u e j ul go is so i n ú ti l. O q u e d e s co n f io é q ue ele
es tá e m mí ser o es tad o e q ue o se n ho r le vo u tr ê s a no s c alad o , a
p r ete x to d e me não a f li gi r , e só se r eso l ve u e m fa lar - me ni s so ,
q ua nd o a p ar te d a p o lí c ia sa i u na gaz eta . S ua co madr e é q ue m
ma i s r ep u g na a vo ltar p ar a aí, e a r azão p r i nc ip al é o i n fer no e m
q ue vi v e co m o s ne gr o s, e o so s se go r el at i vo q u e aq ui go z a co m
as cr iad a s ( 1 9 8 6 , p . 6 7 ) .
noções não teriam a ver propriamente com o lugar de nascimento, mas com
o posicionamento político. Assim “portugueses” eram todos aqueles que
fossem a favor de Portugal, independente de que fossem naturalmente
portugueses ou brasileiros. O mesmo com os “brasileiros”. Mais que
polaridade, havia uma pluralidade de posições e conexões entre
“portugueses” e “portugueses mestiços”. Suas relações assemelhavam-se
mais a um continuum do que a descontinuidade radical. Não se esqueça
que os “portugueses mestiços” eram filhos ou netos dos portugueses,
compondo uma rede de filiações e alianças entrecruzadas. Expressão das
lutas internas às classes dominantes em seu fazer-se, a elaboração da
“maranhensidade”, pelo menos nesse momento, tomou em si muito da forma
de um singular drama familiar português representado no outro lado do
Atlântico. Nesses embates, várias famílias, por razões estratégicas ou não,
se dividiram internamente, procurando enfrentar o dilema da opção entre a
antiga metrópole e a ex-colônia. Luta que punha pai e filho em campos
opostos, assim a questão chegou a ser abordada por Dunshee de Abranches
n’A Setembrada. Como se sabe, as principais posições oficiais eram
monopolizadas pelos denominados brancos europeus, integrando um quadro
de disputas intraclasses dominantes permeado por questões não só
econômicas, mas também “culturais” (Spix e Martius, 1981, pp. 270-71).
Desde o final da era colonial, os grupos percebidos como
maranhenses/filhos da terra aparecem em cargos importantes do estado
(câmaras municipais e comando de milícias). Spix e Martius anotaram
sobre a Câmara Municipal, reportando-se naturalmente aos “filhos da
terra”: “Os maranhenses, nestes últimos trinta anos, só elegeram brasileiros
natos para essa Câmara” (idem, p. 270). Nos anos de 1820 e 1830, os
chamados “filhos da terra” começam também a ocupar cargos de direção na
burocracia governamental (civil, eclesiástica e militar) e a ascender á
condição de membros da elite política provincial que surgia. Nesse sentido,
Costa Ferreira, “filho da terra” por excelência, foi um dos principais
exemplos. Nesse momento de afirmação do sentimento de nacionalidade, os
intelectuais do “grupo maranhense”, vários oriundos do jornalismo,
representaram no campo cultural dessa luta o papel do “filho” às voltas
171
68
Vej a O po v o bra si le iro ( 1 9 9 5 , p p . 2 5 7 -6 5 ) .
172
que fosse percebido como “branco” jamais poderia ser classificado como de
origem “misturada”. Reconhecia como denominações específicas para os
“homens de cor” tão somente a “mulatos” e “cafuzos”, isto é, filhos de
negras ou índias com brancos. Daí a premência para os objetivos deste
trabalho, de criar nos termos da classificação gayosiana, embora com outro
espírito, uma categoria de análise nela inexistente, porém de fato observada
em sua realidade histórica e social: a dos portugueses mestiços (vários,
talvez, na condição de filhos bastardos). Nessa linha de análise, a
afirmação de Gayoso sobre a promiscuidade existente entre as duas classes,
não apenas com os “misturados”, mas também com negros e índios, permite
indagar se muitos dos “brancos da terra” já não seriam, na verdade,
mestiços e no limite “homens de cor”, integrantes não da “terceira classe”
(oficiais artesãos), mas já da “segunda” (fazendeiros), pelo menos. A
classificação de Lago aponta pistas interessantes na direção dos “brancos
mestiços”. Seguindo os mesmos critérios de Gayoso, identificou 4 e não 5
classes: brancos, índios, mulatos e pretos. Porém, em pequena nota, indicou
mais duas classes: mestiços e cafuzos. Estes são incluídos no grupo dos
mulatos e os mestiços (filhos de brancos com índias), “nos brancos” (2001,
p. 23, nota 3). Ou seja, vê-se aí o reconhecimento pelo autor de “mestiços”
como “brancos”.
69
A i nd e ter mi n aç ão q ua n to à s o r i ge n s e stá na r a iz d a i nd i fer e nça , a té m ai s d o q u e d o
“ó d io ”, d o s p o r t u g ue se s mes ti ço s , i nc l u si ve d o si lê nc io d e u m j o r na l c o mo a Crô n ica
M a ra nhe ns e e m r e la çã o ao mas sa cr e d e b ala i o s e e scr a vo s co ma nd a d o p o r L i ma e
Si l va, f u t ur o d uq u e d e C ax ia s.
175
classes, a que mais crescia era a dos mulatos (filhos de brancos com
negras): “A terceira é a que mais tem aumentado, e lhe podemos chamar
70
nova porque é posterior à entrada dos brancos e pretos” (2001, p. 24) .
70
C f. Ale nc as tr o , O Tr a t o do s Viv e nt es, e sp ecia l me n te “A I n ve nç ã o d o M ul ato ”,
( 2 0 0 0 , p p . 3 4 5 -5 3 ) . V e r ta mb é m Al u ízio Aze v ed o , O M ula t o ( 1 9 3 8 ) , e xtr ao r d i ná r io
r o ma nce q ue d is c ut e c o mo p o uco s a q ue s tão d o p r eco n cei to e m to r no d a s o r i g e ns
ét ni ca s d o s b r as il eir o s. O h er ó i er a fi l ho d e t r af ic a nte p o r t u g uê s co m e sc r a va ne gr a,
sab ia d o p a i e d e sco n h e cia a o r i ge m mat er na. M o me n to t r a u má ti co , d e h o r r o r e lo uc ur a,
o d o enco nt r o /c ho q u e d o “mu l ato c i vi li zad o ” co m a mã e a fr i ca na en lo uq uec id a no
in ter io r d a p r o v í nc ia. C o n f ir maç ão l it er ár ia d e q ue n a p er i fer i a, ma i s d o q ue no ce ntr o ,
o cap i ta li s mo esq u izo fr e ni za.
176
1
T r ata- se d a id é ia d e “co mu n id ad e d e le ito r es ”. No s ter mo s d e M ic h el d e Cer t ea u :
“L o n ge d e ser e m e scr it o r es, f u nd ad o r e s d e u m lu g ar p r ó p r io , her d e ir o s d o s s er vo s d e
an ti g a me n te ma s a go r a tr ab a l ha nd o no so lo d a li n g u a ge m, ca vad o r es d e p o ço s e
co n s tr uto r es d e ca sa s, o s le ito r es são v iaj a n te s; c ir c ul a m na s ter r a s a lh ei as , nô ma d e s
caça nd o p o r co nta p r ó p r ia atr a v é s d o s c a mp o s q ue não e scr e v er a m, ar r e b ata nd o o s b e n s
d o E gi to p ar a us u fr u í -lo s. A e scr ita a c u m ul a, e sto c a, r e si st e a o te mp o p elo
es tab e lec i me n to d e u m lu g ar e mu l tip li ca s ua p r o d u ção p e lo e xp an s io ni s mo d a
r ep r o d ução . A lei t ur a n ão te m gar a n ti as co n tr a o d es ga st e d o te mp o ( a ge n te e sq ue ce e
esq ue ce) , el a não co n ser va o u co n ser v a ma l a s u a p o s se , e cad a u m d o s l u gar e s p o r o nd e
ela p a s sa é r ep et ição d o p ar aí so p er d id o ” ( 1 9 9 4 . p p . 2 6 9 -7 0 ) . Ro ger C har ti er a na li sa
es se tr ec ho e m a “Co m u ni d ad e d e le ito r es ”. I n: C H ART I E R, R. A O rde m do Liv ro
(1998).
2
LE AL , An tô nio He nr iq u e s. P a nt heo n M a ra n he ns e – e ns aio s b io g r á fi co s d o s
ma r a n he n se s i l u str es j á fa lec id o s p elo Dr . An tô n io H e nr iq u es L eal . 2 ª ed ., R io d e
J ane ir o : E d ito r ia l Al h a mb r a, 1 9 8 7 . 2 to mo s. A b io gra f ia d e J o ão L i sb o a ac h a -s e no
to mo I I , p p . 2 9 7 -3 8 7 ; J AN OT T I , Mar ia d e Lo u r d es Mô nac o . J o ã o F ra nci s co Li s bo a :
j o r nal i sta e h is to r i ad o r . São P a u lo , E d ito r a Áti c a, 1 9 7 7 .
179
3
Vej a P a la v ra s- c ha v e ( p p . 1 9 1 -9 3 ) , d e Ra y mo n d W ill ia ms , o nd e o s vár io s se nt id o s d a
p ala vr a fo r a m r e s u mi d o s. O se n tid o ma i s p r ó x i mo aq ui é aq ue le e m q u e se p õ e ê n f as e
no “car áter d i st i nt i vo d e u ma ép o ca o u d e u m co nj u nto d e p e s so a s e m p ar t ic ul ar ”. E m
no s so ca so , o s d i ver so s gr up o s d e lei to r e s c uj o “c ar át er d i s ti n ti vo ” co n s ti t uir ia o s
mo d o s co mo ler a m a o b r a d e J o ão Li sb o a e m d ife r e nt es “p er ío d o s” d a Hi stó r ia d o
B r as il.
4
“Ob r as d e J o ão Fr a nci sco L i sb o a, nat u r al d o Mar a n h ão ; p r eced id o s d e u ma no tí cia
b io gr ap hi ca p e lo Dr . An to n io H e nr iq ue s L eal . - E d ito r es e r e vi so r e s L ui z Car lo s P er eir a
d e Ca s tr o e o D r . A. He nr iq ue s Lea l”. E s te é o tít u lo d a p r i me ir a ed içã o ( d e p ar te ) d a s
180
Luís, a rua do Egito, onde João Lisboa residiu, passou a chamar-se Rua
João Lisboa, medida desaprovada pela vereação seguinte (Leal, 1987, p. 11,
nota 11). Em janeiro de 1868, o cronista autodenominado Pietro de
Castellamare, em sua “chronica interna”, no Semanário Maranhense,
noticiava a chegada ao Maranhão dos retratos de Gomes de Sousa, Odorico
Mendes, Gonçalves Dias e João Lisboa, doados pelo próprio autor, o
“jovem” Horacio Tribus y. Afirmava sobre os retratos que estavam
“perfeitamente acabados e recommendão-se todos quatro tanto pela
semelhança como pela delicadesa do pincel” (Semanário Maranhense,
anno I, nº 21, p. 8).
o b r as d e J o ão Li sb o a. Gr aç as à so li ci t ud e e o in ter es s e d e M ar co s G ali nd o , p ud e mo s
ex a mi n a -l a n u ma d a s sa la s d a B ib l io t eca C e ntr al d a U FP E . E s sa s o b r as es ta v a m n u m
d ep ó s ito , li ter al me n te , o nd e p o r ac as o el e a s e nco ntr o u. As o b r a s fo r a m p ub li cad a s e m
q ua tr o vo l u me s, o p r i me ir o e m 1 8 6 4 e o s o utr o s tr ê s e m 1 8 6 5 . P elo í nd i ce p o d e mo s ver
a se g u i nte d is tr ib u ição d o s as s u nto s. O p r i me ir o vo l u me é d ed icad o às e lei çõ e s; no
se g u nd o te m- s e a p r i m eir a p ar te d o s “Ap o n t a me nto s” ( Hi s tó r i a d o Mar a n hão ) ; no
ter c eir o , a se g u nd a p ar t e; no q u ar to e ú lti mo v o lu me o s “ed i to r e s e r e vi so r es ” p u ser a m
a b io gr a fia d e Vi eir a e o ut r o s e st ud o s ( f o l he ti n s, b io gr a f ia d e Od o r i co Me nd e s, es cr i to s
p o lít ico s) . E scr e v er a m ai nd a a se g ui n te “Ad ver tê nc ia”, q ue aq u i tr a ns c r ev e mo s: “P ar a
co m mo d id ad e d o l ei to r d iv id i mo s a o b r a e m q u atr o vol u me s. O s tr ê s p r i me ir o s co nt ê m
o nz e d o s d o z e n u me r o s d o b e m co n he cid o e a p r eci ad o J o r na l d e T i mo n ; no q uar to e
ul ti mo r e u n i mo s á V ida do P a dre An t o n io V ie ir a , o b r a p ó s t u ma d e Li sb o a, o q ue so b r e
es te me s mo as s u mp to , e a p r o p ó s ito d e í nd io s, ha v ia e s cr ip to no d éc i m o n u me r o d o j á
cit ad o J o r na l de T i mo n . I n cl u í mo s ta mb é m ne s te vo l u me a b io gr ap h ia d o S nr. M a n ue l
Od o r ico M e nd e s, o d is c ur so q u e co mo d ep ut ad o á ass e mb l éa p r o vi nc i al d o Mar a n hão
p r o n u nc io u, e m 1 8 4 9 , p o r o cca s ião d e d i sc u t ir -s e a p r o p o s ta p ar a i mp et r ar - se d o
go ver no i mp er ial a gr a ç a d e a mn i sti a p ar a o s r evo lto so s d e P er n a mb uc o , o s fo l het i n s
q ue p ub lico u o s t ít u lo s d e F est a do s Re mé dio s, F est a do s M o rt o s, T he a t ro de S. L u iz,
e al g u n s o u tr o s tr ab al ho s d e cr í ti ca e p o l ít ica.
“À fr e n te d o p r i me ir o v o lu me va e a b io gr ap hi a d e J o ão Fr a n ci sco L i sb o a, co mp o st a p o r
u m d o s d o u s a mi g o s d o a uc to r i nc u mb id o s d e d ir i gir a i mp r es são d e s ua s o b r a s, o
d o u to r An to nio He n r iq u es L ea l, q ue , p o r q ue e s cr e vi a d e co nt e mp o r â ne o , e d e u m q ue
to mo u gr a nd e p ar t e n a s no s sa s ta m r e n hid as l uc ta s p o l íti ca s, te ve não p o uc as v eze s d e
r ep r i mi r a p e n na co m r e ceio d e o f fe nd er s us cep t ib il id ad es .” ( p p . V - VI )
181
5
Ne s se se n tid o , val e a p e na a n al is ar o d is c ur so d e So ter o d o s Re i s, as s i m co mo o
ne cr o ló g io d e J o aq u i m Ma no e l d e Mac ed o .
183
[ ...] d ep o is d e e x ub e r an te s e lo gio s no s j o r n ai s, co m d ur a s
in v ec ti va s à i n gr at id ão d o s Mar a n h e ns es , q u e me d e i xa m no
esq ue ci me n to , ap ar e ce m o s me u s a mi go s co m o s se u s 2 0 0 e 3 0 0
vo t o s, se mp r e e lei to s p ar a a l g u ma co is a, se n ão p ar a t ud o , e
p o sto q ue t ud o fo ss e te n tad o , e u s e mp r e t e n ho si d o ho nr ad o co m
as mi n ha s d úz ia s d e vo t o s ( e m 1 8 3 6 t i ve, cr e io q ue u m o u d o i s)
e na c a ud a o u co ic e d a b es ta, ab a i xo d o s ma is vi s e o b j eto s
tr at a nt es, e m p ar t e a go r a fel iz me n t e e mi g r ad o s ( id e m, ib id e m) .
ind o à s ar ca s o s Sr s. F. So t er o d o s Re i s, L u í s C ar lo s P er e ir a d e
Ca s tr o , Fer na nd o P er eir a d e Ca st r o , M ar t i n us Ho yer , Ol e gár io
J o sé d a C u n ha, J o ão P e d r o Rib eir o , I n ácio Ni n a e Si l va, J o ão
Go nça l ve s N i na, Lo ur e nço d e C as tr o B el f o r t e o Dr . An tô nio
He nr iq u e s Le al. .. e cer c and o o fér etr o o s d ep u t ad o s p r o v i nc ia is
e as co mi s sõ e s d a s d i ver s as so c ied ad e s li ter ár i as e
b en e fi cie n te s... ( id e m, p p . 3 8 5 -8 6 ) .
Sem querer extrair mais que a leitura permite, nesse enterro é possível
entrever algo do “cortejo de triunfo” benjaminiano mencionado na
conhecida tese 7 de “Sobre o conceito de história”:
Nisso tudo havia algo daquilo que Deleuze e Guattari, pensando num outro
contexto as relações entre Estado e “sábios”, viram como “canalhice
organizada”: reapropriação e enquadramento das “maquinazinhas
desejantes” (s/d, p. 245). Contudo, o “sábio” João Lisboa não era um
187
membro dos “vencidos” (no sentido dado por Walter Benjamin, e que, em
nosso caso, seriam os escravos e camponeses), mas um vencedor
(igualmente no sentido de Benjamin), um “agente integrado da integração”
(Deleuze e Guattari, idem, p. 246). De certo modo, no cortejo, era
homenageada uma figura que os seus organizadores sabiam que lhes
pertencia. Por certo, havia coerência nos discursos de Sotero dos Reis.
Contudo, o “vencedor” ali homenageado e monumentalizado era também
um “vencido”. É esse aspecto, deliberadamente relegado ao esquecimento,
como João Lisboa queixava-se em vida, que ao mesmo tempo dava à sua
figura um caráter de presença incômoda entre pares.
6
Vej a P u nto n i, “O sr . Var ha g e n e o p atr io t i s mo cab o c lo : o i nd í ge na e o i nd ia n is mo
p er a nt e a h is to r io gr a f ia b r as ile ir a ” ( 2 0 0 3 , p p . 6 3 3 -6 7 5 ) .
188
fa la v a mal d e se u s co m p r o v i nci a no s e m g er a l, e p ar ti c ul ar me n te
d o a uto r d o P a n teo n Mar a n he n se ( He n r iq u es Lea l) e d a
p an el i n ha d e a mi g o s e ad mir ad o r e s d e J o ão Fr an ci sco L isb o a,
q ue se ar r o ga va m o p ap el d e Me sa Ce n só r i a d e p r o v í nci a e
as se g ur a q ue, p o r não s e q uer er s ub me t er à s u a p et ul a nte t ir a n ia
lit er ár ia, er a p o r e le s p er s e g uid o s, e ma i s ai nd a , p o r ser
p o s s uid o r d o fo l heto O s Í nd io s B r a vo s, e o te r d ad o a ler a me io
mu n d o , d o q ue n ão s e ar r ep e nd i a ( N i s kier , 1 9 8 6 , p . 1 0 6 ) . 8
7
O te xto fo i i mp r e s so ma s não p ub lic ad o . Há au to r e s q u e o d ão co mo d e J o s é d e
Ale n car , q u e o ter i a e scr ito p a r a d e f e nd er Var n h ag e n ( Car v al ho , 1 9 9 5 , p . 1 5 ) .
8
A “p a ne li n h a” l it er ár ia fo i a sp ec to r e s sal tad o p o r Fr ed e r ico J o sé Co r r e i a e m s e u Liv ro
de Cr ít ica so b r e o P a nt heo n M a ra n he ns e.
189
Q ue a H i s tó r ia Ge ra l h av ia s id o e scr it a a n te s d o q u e c u mp r ia,
vi s to q ue o q ue mai s i m p o r ta va er a t er mo no gr a f ia s. É o q ue se
d ed u z d o p r ó lo go d e T i m o n, p á g. X. Ma s o q ue o c e nso r não d iz
é co mo se ad vir ia m o s no s so s mo nó gr a fo s se m al g u ma l uz q ue
o s g uia s se, tal co mo a q ue o c e nso r ( p ar t ic ul a r me nte e m s u as
car t as) co n f es sa q ue e n co n tr o u n as p á g i na s d a H i stó r ia Ge ra l.
( Ni s ki er , p p . 1 0 2 - 0 3 ) .
O fato é que os últimos anos de João Lisboa, até sua morte, e os anos
seguintes, até a publicação dos trabalhos de Varnhagen e de Leal, foram
marcados por dois tipos de juízos sobre ele e sua obra: um negativo, outro
positivo. No primeiro, foi julgado como “mau esposo”, “mau filho” (por ter
“denunciado... sua mãe como estelionatária”), mal agradecido, traidor,
“rábula dos Maranhões”, “crítico de léguas”, “Catilina maranhense”,
“gamela do Maranhão”, “Aristarco de batoque”, “negrófilo gamela”,
epítetos, estes últimos, que visaram marca-lo como expoente do chamado
“patriotismo caboclo”, contra o qual Lisboa se posicionara já na primeira
parte do “Jornal de Timon”. (Leal, pp. 367-374; Puntoni, pp. 663-669). No
segundo, a exemplo do de Sotero dos Reis no Curso de Literatura
Portuguesa, era avaliado como “engenho extraordinário”, “prozador
brazileiro dos mais distinctos”, “belo t ypo moral”, “historiador profundo e
eloqüente” (Obras de JFL, 1901, pp. 616-56). A polêmica que não houve
entre Varnhagen e Lisboa produziu um lugar comum das análises e
avaliações posteriores sobre João Lisboa ligado à sua condição de
historiador. Topos das análises sobre Lisboa, a comparação com o
historiador sorocabano sugere a idéia de que se o paulista foi efetivamente
o maior historiador do império, João Lisboa, pelo seu domínio superior da
escrita, visão e espírito crítico mais apurado, seria potencialmente o
verdadeiro “sucessor de Robert Southey”.
9
C f. Ho b sb a wm e Ra n ger , A I nv e nçã o da s Tra d içõ e s, esp . c ap . 7 , p ar a u ma
co n te x t ual iz ação .
190
Os r es to s mo r t ai s d e J o ão Li sb o a e s ta va m n u m ar tí s tico ca i xão
d e mad e ir a, e st ilo r o ma no , fo r r ad o d e ce ti m, co m g uar ni çõ e s d e
b r o nz e niq ue lad o , tr ab a lh ad o na c as a d e P ar ad a & Go me s. E r a
co b er to p el as b a nd e ir a s na cio na l e mar a n he n se ( id e m, ib id e m) .
por este numa área e período da história colonial pesquisada por João
Lisboa, o Estado do Maranhão no século XVII, escreveu Capistrano:
Ai nd a no sé c ulo X VI I , h á u ma p ar te q ue Var n h a ge n e st ud o u co m
cu id ad o e e m q ue se l he n ão d e ve p o uco : é a hi stó r ia d o E stad o
d o Mar a n hão . Aí el e f e z al g u ma s d e sco b er ta s i mp o r t a nte s – A
d esc r io çã o d e Her iar t e, p o r e x e mp lo – e te v e, al é m d is so , u m
esp ír i to q ue n u nc a d ei xo u d e p u n g i -lo , - o gr a nd e J o ão
Fr a nc i sco L i sb o a. ( 1 9 7 5 p . 1 3 5 ) .
Lo b o o u J o ão L isb o a, p ar a ele v ar - se à al t ur a d o a ss u n to j ul g a va
p r eci so co n hec er mi n u c i o sa e e xat a me n te a h i st ó r ia d o B r a si l e
d e P o r tu ga l e p elo me no s n as l i n ha s f u nd a m en ta is b a li zar a s
co r r e nt es q u e s i mu l ta ne a me nt e co nj u g a va m a s ág u as e ur o p éi a s.
I s so ne n h u m d o s b ió gr a fo s d o p ad r e f ize r a... ( Ro d r i g ue s, 1 9 8 8 ,
p. 66).
10
provincial ou estadual (1978, p. 152) . Nelson Werneck Sodré, em nota
biobliográfica da sua História da Literatura Brasileira (1938), traçou o
seguinte perfil:
10
No ano s 1 9 8 0 , r e -e n fa ti zar ia Li sb o a co mo co ntr ap o nto l ib er al à hi sto r io gr a f ia
co n se r vad o r a d e V ar n h ag e n: “A me mo r á v el n o ta d e J o ão Fr a nc i sco L is b o a ‘So b r e a
E scr a vid ão e a H is tó ria Ge ra l d o B ra s il ’ d e V ar n h a ge n n ão so me nt e o r ep r o va c o mo
r es tab e lec e na h i sto r i o gr a f ia b r a si lei r a a li n ha g e ner o sa d o p e n s a me nto lib er a l
b r as ile ir o e m r ela ção ao s í nd io s , i mo l ad o s e e xt er mi nad o s p e lo s co lo no s p o r tu g u e se s, e
es te s p o r e le lo u vad o s” ( 1 9 8 8 , p . 1 5 ) .
197
Para ele, o Jornal de Timon é livro que merecia estar entre o que de
melhor se escreveu no Brasil. “Nele estão presentes, simultaneamente, sob
disfarces de sarcasmo e de ironia, um pensador político, um moralista de
costumes, um historiador.” (idem, p. 14). O historiador relaciona as
condições histórico-sociais da província do Maranhão já apontadas por José
Veríssimo, para ressaltar, no entanto, o elemento pessoal, importante na
história da transformação do “menino doentio e o rapaz sempre enfermiço,
obrigado a trabalhar aos quinze anos como caixeiro de casa comercial, num
11
S íl v io Ro me r o j á d i ss er a co i sa s e me l ha nt e a o o b s er var q ue o “e sp í r ito ” d e J o ão
L is b o a o b ed ece u p a r t ic ul ar me n te a u ma “ló gi ca i n ter io r ” o u “fo r ça ir r e si s tí ve l d a
vo c ação ”, o q ue f ar i a d ele o es cr i to r b r a si le ir o q ue mel ho r s e p r e st ar i a ao “e s t ud o d a
p er so n alid ad e” ( 2 0 0 1 , p . 3 2 6 -2 7 ) .
198
S up er a nd o o p o lí ti co m alo gr ad o e o j o r n al is ta se m me io s ma i s
a mp lo s d e r ea liz ação , L is b o a fêz - se o mo r a li st a sa tír ico d o
J o rna l de T im o n, o hi sto r iad o r co n sc ie nc io so dos
Ap o nta m en to s p a ra a H is tó ria d o Ma ra n hã o , o b ió gr a fo se v er o
d o P a d re A ntô n io Vi e ira , e le, q ue n u ma d as fo r ma s mai s
cur io sa s d o se u a uto d id ati s mo , j á s e i mp r o v i sar a e m ad vo g ad o –
r áb u la co mo o gr a nd e An tô n io P er e ir a R eb o u ças – ga n h a nd o
r esp eito , fa ma e d i n he ir o ( 1 9 4 6 , p . 1 2 ) .
p in tar t ão ao na t ur a l o q uad r o d a s l u ta s p o lí ti c as d o se u t e mp o ,
p ô r e m c e na o s a to r e s d e tô d a s as c at e go r ia s, d esp o j ad o s d a s
ve s te s q u e il ud e m o s e sp ec tad o r es me no s ma li cio so s , se m q ue
lh e f al ta ss e n u nc a a f la ma d e so lid ar ied ad e o u d e i n ter es s e
p r ó p r ia d o ver d ad e ir o c r ít ico , ce n so r o u r e fo r mad o r. ( 1 9 4 6 , p .
13).
Não p e r te n ce nd o a ne n h u m p ar t id o , p o d ia v ê - lo s a to d o s na s
fr a q ueza s q ue o s ap r o xi ma va co mo s e fo s se m u m só ; não
es ta nd o a ni ma d o d e ne n h u ma p a i xão i med ia ti s ta, p u n ha - se e m
co nd içõ e s ma i s f a vo r á ve i s p ar a s e ap ai xo n a r sup er io r me nt e
co mo u m í n te gr o sêr h u ma no d e saco r r e nt ad o d e i nt er ê s se s e
cálc u lo s d o p ar tid ar i s mo .( 1 9 6 3 , p . 3 0 8 )
Viu no Jornal de Timon sua obra critica mais elaborada, caracterizada por
aquela “liberdade interior” que permitiria ao “espírito crítico” lançar-se em
12
campo e operar como um “demônio em ação” . (1963, pp. 303-309).
12
Ál var o Li n s p er c eb e u ai nd a q ue, co mo p r o s ad o r , ap r o x i ma va - s e d e le ap e na s “Ma n u el
An tô n io d e Al me id a , es til i st ica me nt e v alo r izad o , p or é m, e m o u tr o p la no d i f er e nt e d o
se u” ( 1 9 6 3 , p . 3 0 5 ) . De fato , es se p ar ale lo p r ec is ar ia ser ap r o f u nd ad o , p o is ce r ta me nt e
p er mi tir ia a mp liar a co mp r ee n são d a o b r a d e J o ão Fra nc i sco Li sb o a , e m p ar ti c ular d o
J o rna l de T i mo n , q ue , al iá s, co me ço u a ser p ub l ic ad o no me s mo a no ( 1 8 5 2 ) e m q ue
sa ía M e mó ria s de u m Sa rg e nt o de M ilí cia s. P ar a a ná li se s d e n sa s d e st e r o ma n ce, e m
r ela ção à s q ua i s aq ue l e p ar a lelo p o d er i a s er elab o r ad o co m ga n ho s r e ai s, vej a d e
An to n io C a nd id o , “D i alé tic a d a Mal a nd r a g e m” ( 1 9 9 8 , p p . 1 9 -5 4 ) , e d e Ro b er to
Sc h war z, “P r e s s up o s to s, sa l vo e n g a no , d e ‘ D ial éti ca d a Ma la nd r a ge m’ ” ( 1 9 7 9 , p p .1 3 3 -
1 5 4 ) . Não t e mo s co nd i çõ es aq u i d e d e se n vo l v er e s sa a nál i se, ma s ta l ve z s u ger ir q u e
enq u a nto o r o ma nc i st a tr a n sp ô s p ar a o p l a n o d a “fo r ma ” li ter á r ia o p r i nc íp io d a
d ial ét ica d a mal a nd r a ge m, e m Li sb o a , a tr a nsp o si ção ( no ca so d o “r o ma n ce h is tó r i co ”
so b r e a s e lei çõ e s no Mar a n h ão ) d iz ia r e sp e ito a u m p r i n cíp io d e ação p o lí ti ca
“ar b i tr ár ia” d a s c la s se s d o mi na n te s q u e, p o r s ua vez, e st ar i a na b a se d e u m mu n d o
vio le n to e d a s u a cap ac id ad e q u as e i n f i ni ta p ar a as s u mi r a s ma i s d i f er en te s má s car a s,
al go co mo u ma “p o tê n cia d o fa lso ” às a v e ss as p r a ti cad a p o r fi g ur a s q ue c he go u a
d ef i nir co mo “ho me n s d e mi l d iab o s” ( le m b r e -s e d o p er so na g e m d e fic ção “Dr .
Af r â n io ”, ma s p o d e - s e l e mb r ar t a mb é m d o mo d o co mo ap r e se n to u a fi g ur a h i stó r ica d e
Vie ir a co mo “p ad r e - co r te são ”, c ur io sa me n t e o me s mo q ue p er ceb e r a o Mar a n hão
co lô ni a co mo ter r a e m q ue s e me n ti a co m a s p a la vr a s,o b r a s e p e n sa me n to s) . E s se
201
p r o b le ma , d i g a mo s, d a “f al si f ic ação ” e, ma is q ue i s so t al ve z, d a fr a t ur a d a s fo r ma s d a
ap ar ê nc ia o r i u nd a s d o p o d er ar b i tr ár io , il íc ito e vio le nto d a s c la s se s s up er io r e s, até
o nd e i ma gi n a mo s, s e a s se me l ha a u m p r i ncíp io d e o r ga n iza ção d o te x t o me n cio nad o .
T r aid o r d a c la s se, o p r ó p r io T i mo n f u nc io na, e n q ua n to “n ar r ad o r fi ct íci o ” o u “n ar r ad o r
d e p es so a”, co mo o “mo r ali s ta e n co b er to ” q ue s e i n ve st e d a me s ma “p o t ên cia d o fal so ”
p ar a d e s v e ntr a r o “ ma l” . T al vez o fo l he ti m “T e atr o São L ui z” s ej a o q u e ma is e xp li cit e
es se asp ec to .
13
Os te x to s s ão o s s e g ui nt e s: “J o ão L isb o a – M o r ali s ta e P o lí ti co ”, d e J o sé Ver í s si mo ;
“Ap r e se n taç ão ”, d e J o ão Ale xa nd r e B ar b o s a, a “J o ão Fr a n ci sco Li sb o a – T r ec ho s
esco l hid o s” ( 1 9 6 7 ) ; “J o ão Fr a n ci sco L i sb o a : a p r es e nça d a r up t ur a” ( 1 9 6 7 ) , d e L ui s
Co st a L i ma. V ej a ta mb é m d e st e au to r , “D o Neo cla s sic i s mo ao Ro ma n t i s mo ” ( 1 9 8 6 , p p .
2 8 7 -3 0 7 ) .
202
Para Costa Lima, o “narrador fictício” que domina o texto das eleições no
Maranhão não é “historiador”, pois enquanto este “narra de pessoas”,
aquele “narra pessoas” (segundo a distinção de Anatol Rosenfeld). Como
tal, sua característica é se “colocar dentro do personagem” (idem, p. 303).
Embora a “riqueza” com que João Lisboa construía tal narrador não lhe
fosse consciente, a densidade com que ele se tornou presente fez com que a
sua obra, na prática, fosse além da figura (teórica) do moralista (idem, p.
289). Lisboa foi assim compondo, através de um Timon “ladino e
experimentado” (e não “misantropo”), uma abordagem realista
caracterizada pelo uso da “candidez irônica” como meio de rasgar “de
golpe o real significado” das coisas, da “minuciosa análise íntima”, da
recusa da “nota emotiva”, da frase “medida, pausada, irônica, cortês”, da
produção, “dentro da frase”, de um “correlato” de realidade por
“acumulação” (idem, pp. 301-02). Não era o caso, portanto, de “criação
melancólica de um misantropo”. O “moralista” se limitava à primeira parte
(eleições gerais) da obra e se justificaria pela “carência bibliográfica” e
203
14
Vej a L uci e n Go ld ma n ( 1 9 7 6 , p p . 9 4 -1 0 3 ) . A “co ns ci ê nci a p o s s í vel ” é d e fi n id a e m
r ela ção à “co n sc iê nc ia r eal” d e u m gr up o o u c la ss e so c ia l. E l a a p o n tar i a p ar a o
“má x i mo ” d e co n hec i me n to p o s sí ve l d e ser ati n g id o so b d e ter mi nad as co nd i çõ e s
hi s tó r i ca s e so c iai s. S er ia u m tip o d e co n sc iê nc ia ma i s ab r a n g e nt e , exp r e ss ão d a s
“p o s sib il id ad e s o b j et i va s”, d o s “li mi t es ”, o u me lho r , d o s li mi t es “i mp e n sad o s” d e u ma
cla s se. Ne st es ter mo s, L is b o a, a tr a vé s d e s u a o b r a, ter ia alc a nçad o e s se “li mi t e” e m
r ela ção á s ua c la s se e à s ua p r o v í nc ia. P ar ad o x al me n te , J o ão Li s b o a at i n gir ia a
“co ns ci ê nci a p o s s í vel ” d a s ua c la s se se m co n s c iê nc ia d o s e u “mé to d o ”, o d o “nar r ad o r
f icc io na l”.
205
15
Q ue, d e s e u l ad o , j á p er ceb er a al go p ar ec id o e m r e laç ão a J o ão L i sb o a ao e scr e v er
206
o es cr i to r e vo l ui u e a tuo u so b o s p r i me ir o s ar r o ub o s d e s sa
fo r ma ção . E n ão t ir o u o co r p o d e lad o : ao co nt r ár io, vib r o u p o r
in te ir o so b o s c ho q ue s, mar c h a s e co n tr a mar c ha s d o s
aco nte ci me n to s. E s ua o b r a fo i d e tal mo d o d eter mi nad a p o r
es ta s c ir c u n st â nci a s q u e o s e u e st u d o não p o d e p r e sci nd ir d e
u ma co n sc iê nc ia se mp r e aler ta p ar a co m e la s. ( 1 9 6 7 , p . 9 ) .
q ue s ua “o b r a é -l h e u m co me nt ár io d a v id a o u, me l hor , a v id a é u m co me n tár io d e s ua
o b r a.” E r a a ca p ac id ad e r ar a d e ir ao cab o d as q ue s tõ e s q ue fez d e J o ão L is b o a, se g u nd o
Sí l vio Ro me r o ( t al ve z ex a ger a nd o ) , o “ú n ico hi s to r i ad o r no sso e m c uj a s p á gi n a s s e
se n te m p a lp i tar a l g u ma s d a s a g ita çõ e s d a a l m a p o p u lar , al g u ma s d as p ul s açõ e s d o
co r ação d a na cio na lid ad e q ue se ia e va i fo r ma nd o . ” ( 2 0 0 1 , p . 3 2 9 ) . Vej a d e An to nio
Ca nd id o “De n tr o d o te x t o , d e ntr o d a v id a” ( 1 9 8 9 , p p . 1 0 1 -1 2 1 ) , te x to v ivo so b r e Sí l vio
Ro mer o q ue aj ud a a si tu ar ta mb é m o c aso J o ão Li sb o a e a s s u as “c o nt r ad i çõ e s e m
p r o f u nd id ad e ”. Co m e s te me s mo se n tid o , vej a p r i n cip al me n te “P r o v id ê nc ia s d e u m
cr ít ico li ter ár io n a p er i fer ia d o cap it al is mo ”, d e P a ulo Ar a n te s ( 1 9 9 2 , p p . 2 2 9 -2 6 1 ) ,
o nd e , n u ma ap r o xi maç ão ao p r o b le ma d a “ fo r ma ção d a Fo rm a çã o ” e d a s u a s
“p r o v id ê n cia s” ( teo r ia p ela p o r t a d o s f u nd o s , fo r mação d a r o t i na e o p a p el d o se g u nd o
esc al ão , í mp eto p la n ej ad o r ) , d i sc u te a o r i g i nal i d ade d e An tô n io Ca nd id o q ue , ed uc ad o
na “e s co la d e Ma c had o d e As si s” , “ap r e nd e u m es mo fo i co m a s f al ha s d e fo r ma ção d o s
p r ed ece s so r e s c uj o s ac h ad o s mo d es to s ta mb é m so ub e fi xar e s ub l i mar . ” Mac h ad o , p o r
s ua v ez, no s t er mo s d e Ro b er to Sc h wa r z r e s u mi d o s p o r Ar a n te s, p o r “i mi t ação e m
p r o f u nd id ad e ” d a ló g ic a so c ial i nt er na, tr a n s fo r ma nd o - a e m “p r o ced i me nto n ar r a ti vo ”,
p o d e r eal izar o fe ito d e fo r mu l ar o “p o n t o d e vi st a p r ej ud icad o d a p er i fer i a”
co n to r na nd o o d r a ma d o s d e se nco n tr o s e n tr e as d i me n sõ e s d a e x ceç ão “lo c al ” e d a
no r ma “u n i ver sa l” p o r p r o ced i me n to s d e “ac u mu l aç ão ” e “co mp a r a ção ” e r ep a s se
cr ít ico d e u ma no s t er mo s d a o utr a ( id e m , p p . 2 4 0 -4 1 ) . Vej a ai nd a p ar a u m
ap r o f u nd a me n to d a hi st ó r ia s u ger id a p el a ap r o xi maç ão d e P a u lo Ar an te s, o e st ud o
d eta l had o d e Leo p o ld o W aizb o r t, A pa s sa g e m do t rê s a o u m ( 2 0 0 7 ) , o nd e a “r e n ú nc ia
à co mp le t ud e” , a “co mp r ee n são ” co mo “fo r ma q ua se mi s ter io sa d e p e n etr ar no o b j eto
es t ud ad o ” e a q u e stão d o s v ár io s “r e al is mo s ” são a na li sad as co mo c a r act er í st ic as d a s
o b r as d e An to nio C a nd i d o .
207
Leal, Sotero dos Reis e Odorico Mendes. Ora, ao que parece, diz o autor, a
obra de João Lisboa foi aí “vibração inusitada”, apresentando resposta
diversa para o referido problema, como já teriam observado Veríssimo,
Sodré e Candido, os quais atinaram em Lisboa com a crítica dura aos
“atenienses”, ao “indianismo”, ao “coronelismo”. Em função desse tipo de
resposta, inclusive, é que Veríssimo teria estranhado o tipo de
“receptividade” dispensada pelos contemporâneos de Lisboa á sua obra.
(idem, pp. 11-12)
Nas últimas três décadas do século XX, saíram novas publicações das obras
16
de João Lisboa . Ressaltaram os nomes de Maria de Lourdes Mônaco
Janotti, Alfredo Bosi, Wilson Martins, Arnaldo Niskier, Hildon Rocha,
Jomar Moraes, Rita Santos, Ângela de Castro Gomes, Fernando
Segismundo, David Treece, Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Evaldo
17
Cabral de Mello, Ilmar Rohloff de Mattos, José Murilo de Carvalho .
16
E m 1 9 7 6 , p el a ed i to r a Vo ze s, d e P etr ó p o l i s, e o I NL , d e B r as íl ia, p ub lic ar a m na
co leç ão “Di me n sõ e s d o B r as il” , d ir i gid a p o r Hi l d o n Ro c ha, Crô ni ca do B ra s il Co lô nia :
Apo nt a me nt o s pa ra a H is t ó ria do M a ra nhã o . E m 1 9 8 4 , s ai u p e la ed ito r a Fr a nc i sco
Al ve s, d o R io d e J a ne i r o , e o I N L, d e B r a sí li a, ta mb é m na co le ção “Di me n s õ e s d o
B r as il” , a Crô nica P o l í t ica do I mp é rio , co m i nt r o d ução e s el eção ta mb é m d e Hi ld o n
Ro c h a. E m d a ta não id en ti f ic ad a, ma s n es te p er ío d o , fo r a m p ub l icad o s p ela ed ito r a
Al ha mb r a, e m gr á fi ca d e B r a s íl ia, na co le ç ão “Do c u me n to s M ar a n he n se s ”, so b a
d ir eç ão d e J o mar Mo r ae s, o J o r na l d e Tí mo n e O b ra s d e J o ã o F ra nci sco L i sbo a . E m
1 9 9 5 , e m São P a ulo , a Co mp a n h ia d a s Le tr a s p ub lico u J o r na l de Ti mo n : pa rt i do s e
ele içõ e s no M a ra nhã o , co m i ntr o d u ção e no ta s d e J o sé M ur ilo d e C ar va lho . E m 2 0 0 4 , o
Se nad o Fed e r al p ub lico u u ma ed ição , ap r e se n t ad a p elo se u p r e sid e nt e , o se nad o r J o s é
Sar ne y, d e p ar t es d o J o rna l de Ti mo n, co r r esp o nd e n te s t a mb é m ao te ma d as e le içõ e s e
d o s p ar tid o s.
17
Ve nd o o T i mo n co mo o d es e nca n to d e J o ão L i s b o a, p ar a o a u to r d e A Co n st r uçã o da
O rde m, o lib er al d o t ad o d e p e r cep ção h u ma n a “ en vo l vi a -s e to d o na p o l í tic a” e so fr ia o
d r a ma d o d es co mp a s so e ntr e id e al e r e al id ad e vi v id o p e la s ua g er a ção , e nq u a nto o
mo r al is ta mo str a v a “d es go sto ” p ela p o l ít ica , ve nd o o ser h u ma no co mo “ser
ho b b e s ia no ” e s e mo str av a p o uco c ap az d e “c o mp r ee n são so c io ló g ica ” d a r ea lid ad e,
li mi ta nd o - s e à d e n ú nci a lú cid a d o s p r o b l e ma s p o lít ico s ( co mo a b a n al iza ção d o cr i me) e
à co n cl u são “i n fe li z ’ so b r e a “i nc ap ac id ad e d e au to -r e fo r ma d a p o p ul aç ão mar a n he n se ”
( 1 9 9 5 , p . 2 5 ) . No ta q u e a B ala iad a , as s u n to car o na t r aj etó r ia d e L i sb o a, não co mp ar e ce
no J o r na l d e T i mo n. E s se mo r a li st a ho b b es ia n o e m a l g u ns mo me n to s fo i cap a z d e ve r
r es s ur g ir o v el ho J o ão L is b o a l ib er a l q ue l h e p er mi tir ia d ar to q u e s d e h u ma n id ad e à
p o lít ic a. J o s é M ur ilo d ei xa i nic ia l me n te no ar u ma e xp l ica ção so b r e o s ur gi me n to d o
T i mo n: “T a l vez se d e v es se ao fa to d e q ue a d isp u ta p o l ít ica e m s i to r nar a - se ma i s
tr a nq üi la. Lib er a is e co n ser v ad o r e s, o u me l ho r , b e m- t e - vi s e cab a no s, t in h a m c h e gad o a
u m m o d u s viv end i so b a gar a n ti a d a al ter n â nci a no p o d er d ad a p ela Co r o a. ( ...) . T al ve z
se d e ve s se à fr u st r aç ão p ela d i f ic uld ad e q ue u m si mp le s j o r na li s ta s e m d ip lo ma d e
cur so s up er io r e nco nt r a va e m s ub ir ao s p o sto s ma i s al to s d e c h e fi a. T alv ez se d e ve s se
ao si mp le s ca n saço , o u à vo nt ad e d e d ei xa r a p r o v í nci a e m b u sc a d e h o r izo nt es me no s
aca n had o s. ” ( id e m, p p . 1 2 -1 3 ) . M as , n a ve r d ad e, s u ger e u ma e xp li caç ã o . A d ú vid a d o
T i mo n so b r e o si s te ma r ep r e se nt at i vo er a p r o d uto d o “d es co mp a s so e nt r e o id ea l e a
r eal id ad e ” vi v id a p o r u ma ger a ção d e l ib er a i s ( E vari s to , Ot to ni, Ver g ue ir o ) p ar a o s
q ua i s a “r e fo r ma p o l ít ic a... ca mi n h ar a à fr e n te d a r efo r ma so cia l” ( id e m, p . 2 2 ) . Ne m
to d o s o s l ib er a i s s e g uir a m es s e ca mi n h o . U n s s e b a nd ear a m p ar a o c a mp o co n se r vad o r
210
A o b r a d e J o ão Fr a n c is co L i sb o a n ão é u m a ma n i fe st ação
iso lad a na li ter at ur a h is to r io gr á fi ca, ma s u m d o s el e me n to s
exp li cat i vo s d o p r o ce s so o nd e se a c ha m co nj u g ad o s a
ind ep e nd ê n ci a r e cé m- ad q u ir id a, a a g ita çã o i nt er na d as
p r o v í nci as na ép o c a d a R e gê nc ia, o r esp ei to p ela a uto r id ad e
mo ná r q uic a, a s co n cep ç õ es c ul t ur a i s d o s mar a n he n se s d a ép o c a,
as si m co mo a tr ad ição d a cr ô n ic a, car act er í st ic a d a me n ta lid ad e
co lo ni al em o p o s iç ã o às ex i gê n cia s ‘ cie n tí f ica s ’ da
Hi sto r io gr a f ia mo d er na. ( id e m, p . 1 2 ) .
19
No e n sa io b io gr á f ico so b r e J o aq ui m Fr a nco d e Sá, An tô n io He nr iq ue s L eal é lacô n ico
q ua n to a e st as e lei çõ e s: “A g r at id ão d e se u s co mp r o v i nc ia no s não fo i t ar d ia, p a ga nd o -
lh e e s sa d í vid a co m a s u a i nc l u são na l is ta tr íp li ce se na to r i al e S .M.I . o Sr . D. P ed r o I I ,
tão j us to e mu n i f i cie n t e q ua nd o co n hec e d o mé r i to e s er vi ço s d e s eu s co nc id ad ão s,
gr a ti f ico u - l ho s, e sco l h e nd o -o se nad o r p o r ca r t a i mp er ial d e 3 1 d e m ar ço d e 1 8 4 9 , e
no me a nd o -o d e se mb ar ga d o r d a r el ação d o Mar a n hão p o r d ecr e to d e 9 e car ta i mp er ia l
d e 1 4 d e j a ne ir o d e 1 8 5 1 .” ( 1 9 8 7 p . 2 1 1 ) . Fo i J er ô n i mo d e V i ve ir o s ( fo nt e d e J a no t ti)
q ue m t r o u xe d eta l he s n o vo s so b r e a q ue st ão , a lter a nd o o e n fo q ue d e L eal . Não ho u v e
p r o p r ia me n te “g r a tid ão ”, ma s j o go p o l ít ico vio le n to e n vo l ve nd o p r in cip al me n te a s
f i g ur a s d e J o aq ui m Fr a n co d e Sá e a le nd ár ia Ana J a n se n. E m l ut a a cir r ad a co n tr a u ma
ma tr iar c a mar o mb eir a, F r an co d e Sá, n a i mi n ê n c ia d a d er r o t a, “ap o d er o u - se d a C â mar a
Mu n ic ip a l ( d e São L u ís ) , e xcl u i nd o , p o r a to i l eg al, o v er ead o r Ân g e l o Mu n iz. Fi co u,
as si m, co m o ó r gão d o p o d er p úb l ico , q ue l h e i a ap ur ar a ele ição . Re te ve e m Alcâ n tar a
as at as e lei to r a i s, b e m co mo a s d e São J o ão d e Co r t es, Sa nto An tô ni o e Al ma s , São
Vic e nte e São B e nto .
De u s u mi ço no e sc r i vã o d e Al câ nt ar a, q ue e r a j a ns e ni s ta, o q ua l, d ep o i s, q u a nd o
ap ar ec e u, fo i p r o ce ss ad o p o r se d i zer o p r ó p r i o . T ud o is to , p ar a faz e r u ma ele iç ão a
213
J o ão Fr a n ci sco L i sb o a as si s te a t ud o i s so co mo d ep ut ad o
p r o v i nci al, j o r n al is ta e ad vo gad o , q ue t a n to e lo gi ar a o s
p r i ncíp io s mo r ai s d e J o a q ui m Fr a n co d e Sá e te v e q ue p ar t ic ip ar
d o s co nc ha vo s, d e tr a n s ig ir , e s e u sar mo s u ma f i g ura d e J e a n -
P au l Sar tr e, t e ve q ue m eter a mão na i mu n d íc i e p ar a co n hec er
me l ho r a si me s mo . E r a o e mb r ião d o T i mo n, d o f a mo so J o r na l,
q ue se d es e n vo l v ia na mí s er a v is ão me sq ui n h a d o se u mu n d o d e
tr a n saçõ es . ( id e m, p . 1 0 7 ) .
J o ão Fr a n ci sco L i sb o a co mp r e e nd e u o s vá r io s r it mo s d a
evo l ução hi s tó r ic a, e e x p lico u s e m teo r ia s, ma s na p r á tic a, co mo
se p r o c es sa m as li g açõ es e n tr e o s p la no s d a s estr u t ur a s – no
caso o s is te ma co lo ni al -, e d a co nj u nt ur a – a Re vo l ução d e
b ec k ma n 20. ( id e m, p . 1 8 3 ) .
Maranhão sabe que neles se conta uma história cruel, repleta de violências
e maldades, sem expectativas otimistas quanto ao presente. Num momento
de predomínio das esperanças românticas com um país jovem, em
formação, João Lisboa se integrou ou foi levado a se integrar, muito cedo,
a uma linhagem da cultura brasileira que pôs de lado tudo isso e tratou de
enfatizar os males radicais de origem do país fraturado. A conclusão dura a
que se chega dos seus textos é a de que o mundo da província não se
articula, não contém alternativas e é o que é, como se neles quisesse ganhar
forma um “trauma” cuja marca seria a sua pura repetição dolorosa no
presente sem que se pudesse entrever internamente as possibilidades da sua
superação. Na sua história, o tempo acha-se coagulado e nada se ganha da
dialética entre a ordem e a desordem. Nas “memórias do tempo presente”
(como quis Wilson Martins) do velho moralista, que por certo há em João
Lisboa, o pecado pesa muito sobre esse tempo assim como fornece
combustível para um tipo de crítica que se faz como um remoer (cego?) do
próprio remorso.
21
No va is tr aça nd o p ar a lelo e ntr e co lo no s hi s p ano s e b r a s ile ir o s no mo me nto d a
ind ep e nd ê n ci a o b s er va q ue e nq ua nto aq uel es s e r eco n he cia m a fir ma n d o “nó s so mo s
cr io l lo s ”, no B r a s il d iz ia - se “nó s n ão so mo s r ei nó s”, e xp r e s sa nd o u m a id e nt i fi caç ão
p elo q ue s e sab i a “não s er ” ( 1 9 9 7 , p . 2 6 ) .
218
Os p r i mei r o s j o r n ai s s ul - a mer ic a no s ap ar ec er a m p r a ti ca me n te
co mo p r o lo n ga me n to s d o mer cad o . ‘ Os ma i s an ti go s j o r n ai s
co n ti n h a m – ao lad o d a s no t íci as so b r e a met r ó p o le – no tí ci as
co mer c ia is ( p ar tid as e c he g ad a s d e na v io s, q u ai s o s p r eço s, p ar a
q ue mer c ad o r i as , e m q ue p o s to s) , b e m c o mo o r d e naçõ es
p o lít ic as co lo n iai s, ca sa me n to s d o s r ico s, e as s i m p o r d ia nt e... o
q ue co lo ca v a lad o a l ad o na me s ma p á g i na, e st e cas a me n to co m
a q ue le na v io , e s te p r eço co m a q ue le b i sp o , er a a p r ó p r i a
es tr ut ur a d a ad mi n i str ação e d o s i ste ma d e mer cad o r ia s
co lo ni ai s. ( Ar a n te s, 2 0 0 4 , p . 8 8 ; An d er so n, 1 9 8 9 , p p .7 2 -7 3 ) .
22
Vej a d e M ár ci a B er b e l , A na çã o co mo a rt ef a t o ( 1 9 9 9 ) , o nd e s e mo s tr a e a n al is a o
p eso d o s d i f er e n te s p r o j eto s p r o vi nc ia i s ( p er n a mb uc a no , b ai a no , f l u mi ne n se , p a u li s ta)
no s d eb ate s tr a v ad o s n a s Co r t e s p o r t u g u es as . O Mar a n h ão i nd ico u d o i s d ep u tad o s p ar a
220
as Co r te s, Ra i mu n d o d e B r ito Ma ga l hã es C u n h a , q u e não fo i p o r p r o b le ma s d e sa úd e, e
J o aq u i m An tô nio V ie ir a B el fo r d , q ue se d e st ac o u no s d eb a te s so b r e o J ud i ciár io . No s
ter mo s d a a uto r a, a el ei ção d e s se s d ep u tad o s r e s ul to u na p r o v í nc ia n u m a “co mp o s ição ”
en tr e o mo v i me n to co n st it u cio na l p o r t u g uê s e o s go ve r nad o r e s d o An t i go Re g i me
( id e m, p p . 6 4 -6 5 ) .
221
No período de 1821, quando foi lançado o primeiro jornal, até 1841, ano
em que encerrou a publicação da Crônica, o catálogo Jornais
Maranhenses registrou 27 jornais publicados, número que se eleva para 37
se acrescentado de outros pesquisados no Dicionário de Marques e na
23
própria Crônica . No tempo desta existiram os seguintes jornais, segundo
o catálogo e a própria Crônica: o Bentevi, o Guajajara, o Cometa, o
Amigo do Povo, o Investigador Maranhense (depois a Revista), O
24
Recreio Maranhense, O Legalista, o Amigo do Paiz . Nem todos estes
jornais foram publicados simultaneamente, muitos duravam meses e
desapareciam. Desde as primeiras publicações impressas locais, o título dos
jornais e outras publicações de São Luís indicaram a preocupação com a
formação de uma consciência regional. Na lista acima, os seguintes são
facilmente identificados: o Conciliador do Maranhão, de 1821, o primeiro
jornal local; O Censor Maranhense; Folha Medicinal do Maranhão; o
Farol Maranhense (1829-33), de José Candido de Morais; O Recreio dos
Maranhenses (1839), folha de Francisco de Salles Nunes Cascaes; Jornal
Maranhense (1841-42), o longevo Publicador Maranhense (1842-1886),
A Malagueta Maranhense (1844-48) (Catálogo Jornais Maranhenses,
1981, pp. 7-12). E na conjuntura examinada destacaram-se O Investigador
23
São e le s: O Co n ci lia do r do M a ra nhã o ( 1 8 2 1 -2 3 ) ; F o l ha M edi ci na l do M a ra nhã o
( 1 8 2 2 ) ; P a l ma t ó r ia Se ma na l ( 1 8 2 2 ) ; O A mig o do H o me m ( 1 8 2 5 - 1 8 2 7 ) ; O Arg o s da
Le i ( 1 8 2 5 ) ; O Ce n so r ( 1 8 2 5 -1 8 3 0 ) ; P o ra q uê ( 1 8 2 7 ) ; A B a nd u rra ( 1 8 2 8 ) ; O
De sp ert a do r Co n st it uci o na l ( 1 8 2 8 ) ; M in erv a ( 1 8 2 8 -1 8 2 9 ) ; A C ig a rra ( 1 8 2 9 -1 8 3 0 ) ; A
E st re lla do No r t e do B ra si l ( 1 8 2 9 -1 8 3 0 ) ; Co n st it u cio na l ; O F a r o l M a ra nhe n se
( 1 8 2 9 -1 8 3 3 ) ; O B ra s ile i ro ( 1 8 3 0 ) ; M ent o r L ib e ra l; E sc udo da Ver da d e; O Se ma ná rio
O f f ic ia l ( 1 8 3 0 -1 8 3 1 ) ; O J o rna l do s An n ún ci o s ( 1 8 3 1 ) ; O P ub li ca do r O f ic ia l ( 1 8 3 1 -
4 1 ) ; O B ra si le iro ( 1 8 3 2 ) ; O Ec ho do No rt e ( 1 8 3 4 -1 8 3 6 ) ; O P u bl ic o la B ra si le iro
( 1 8 3 4 ) ; O I nv e st ig a do r Co n st it uc io na l ( 1 8 3 6 ) ; O I nv e st ig a do r M a ra nh en se ( 1 8 3 6 -
1 8 3 7 ) ; Ca ca mb o ( 1 8 3 5 - 1 8 3 7 ) ; O B e mt ev i ( 1 8 3 8 ) ; C hrô ni ca M a ra nh e ns e ( 1 8 3 8 -1 8 4 1 ) ;
O Recr eio do s M a ra n he ns e s ( 1 8 3 9 ) ; S et e d e Set e mb ro ; Crô ni ca do s Cro ni st a s;
A mi g o do P a í s; O G u a j a j a ra ( 1 8 4 0 ) ; O Leg a li st a ( 1 8 4 0 ) ; A Rev i s t a ( 1 8 4 0 -1 8 4 4 ) ;
J o rna l M a ra nhe n se ( 1 8 4 1 -4 2 ) O cr ité r io ad o tad o n es ta l i sta fo i o d o s n ú mer o s
ex i ste n te s no a cer vo d a B ib lio te ca P úb l ic a d o E st ado . Da í não i nd ica r c o m s e g ur a nç a o
te mp o d e d ur a ção e fe t iv a d o s j o r nai s. P e lo ex a me d a C rô n ica e d e o u tr a s fo nte s
( Mar q ue s, 1 9 7 0 , p . 3 9 1 ) , ve mo s q u e h a via o utr o s j o r na is ( a li i n cl u íd o s p o r nó s) , p o i s
cit ad o s p elo r ed ato r e p o r Mar q ue s, e mb o r a não i nd i cad o no c atá l o go p e sq u is ad o .
E mb o r a n ão saib a mo s p r eci sar a q u a nt id ad e d o s j o r na is p ub l icad o s e m São L uí s e ntr e
1 8 2 1 e 1 8 4 1 , ele fo i s up er io r ao s 2 7 j o r na i s d o c atá lo go . E ntr e 2 0 e 3 0 j o r na i s fo r a m o s
p ub lic ad o s na P r o ví n cia , ap e na s no p er ío d o r e ge nc ia l.
24
L eal i n fo r ma q ue o r ed ato r d e s te j o r n al c ha ma v a- s e Dr . J o ão B . B o r ge s, au to r t a mb é m
d e “ar ti go s a nô n i mo s e m o u tr o s j o r n ai s d e 1 8 3 8 a 1 8 4 1 ” ( 1 9 8 7 , p . 3 7 3 ) .
222
P o d e mo s ar ma r a l g u ns e ur o p e u s, ma s es s es, co n j un ta me n t e, no s
B ata l hõ e s b r a sil eir o s e d e mo d o q ue o n ú mer o d es te s sej a ma io r
q ue o d aq ue le s, e to d o s o s q u e b o q uej ar e m e m a r mas aq u i f il ho s
d e P o r t u ga l e m sep a r ad o s ão , e m r ea lid a d e, i n i mi go d o
I mp er ad o r e d o I mp é r io ( id e m, p . 3 2 4 ) .
25
N u m mo me n to e m q ue a a ti v id ad e d e ca i xe ir o e r a c a mi n ho ai n d a p ar a o a lto
co mér c io , ta l ve z te n ha t id o aí e s se t ip o d e asp ir ação , d i f íc il p ar a ele d a d o o mo no p ó l io
en tão d a at i vid ad e p e lo s p o r t u g ue se s, o b j eto p o s terio r d e u ma le i s u a. Fa to é q ue d ep o i s
se to r no u só c io d e u ma e mp r e sa co mer c ia l ( V i v eir o s, 1 9 5 4 , p p . 1 4 7 -5 0 )
224
P o uco d ep o is d e s air p r o nt o d a a ul a d e La ti m, ao s 1 9 a no s d e
id ad e, i mp e li do p elo a r do r j uv en il e e s pí rit o pa t r ió t ico q ue o
a ni ma v a , la nço u - se n a car r e ir a p o lí tic a, q ue at r aía e ntão to d o s
o s mo ço s d e t ale n to , e a li sto u - se na s fi le ir a s d o p ar tid o e xa ltad o
( id e m, p . 4 2 8 . Ne gr ito s no s so s) 26.
Nele, o regional procurou se abrir para o nacional. Para João Lisboa, não
estava em questão, por exemplo, saber se o Maranhão era ou não uma
“singularidade cultural” qualquer, fechada em si mesma, mas pensá-lo
26
Ac ha mo s al g u ma s no t íc ia s so b r e e s sa f a se d a v i d a d e J o ão L i sb o a e m A Set e mb ra da ,
d e D u n s he e d e Ab r a n c he s. Aí, J o ão L isb o a fo i p i nt ad o co mo o a ti v i sta m ai s mo ço d e u m
gr up o d e j o ve n s lib er a is e xa ltad o s q ue lid er ar a m a “S ete mb r ad a ” ( 1 8 3 1 ) . No gr up o , ele
er a p ar tic u lar me n t e l i ga d o a J o sé Câ nd id o d e M o r ai s e Si l va. “De sd e q ue se d esp ed ir a
d as a ula s, q u e, p o r ad mi r ação e a mi zad e, e n tr o u a fr eq üe n tar co m a s sid u i d ad e a c a sa d o
r ed ato r d o Fa ro l M a ra n he ns e” ( Le al, 1 9 8 7 , p . 3 0 8 ) . J u nto s p ar tic ip a v a m d o s co me n sa is
na ca sa d o s C u n ha. Se g u nd o Ab r a n c he s: “A mi g o í nt i mo d e J o sé C a nd id o , e, co mo es te,
j aco b i no i n tr a n si g e nte , and a va m ao s d o mi n g o s se mp r e j u nto s e e r a m i n fa lí v ei s
co me n sai s d o s a ja nta r a d o s d a ca s a d o s C u n ha s” ( 1 9 7 0 , p . 1 3 2 ) . I n fo r ma , a li á s, o
me s mo a uto r q ue ne s sa “r e sp ei tá ve l e i l u str e f a mí l ia, e n co ntr a r a J o s é C and id o a j o v e m
Mar i a na E mi li a, q u e l he p r e nd er a o co r a ção e b r ev e se to r n ar i a s ua e sp o sa. J o ão L i sb o a,
ap es ar d o s se u s d eze s s ete a no s, j á n u tr ia t a m b é m u ma ar d e n te p ai x ã o p o r u ma ir mã
d es ta, a i nd a me n i na, a g r acio sa Vio la n te L ui za, q ue ser ia, a no s d ep o i s, a s ua d es v elad a
co mp a n he ir a d e g ló r ia s li ter ár ia s e d es il u sõ e s p o lí tic as . E s sa s d u as mo ça s, mu i to
p r end ad a s e i n s tr uíd a s, er a m so b r i n ha s d o V i sco nd e d e Al câ n tar a ” ( id e m, p . 1 3 2 ) .
Cer ta me n te , p eso u e m to d as e s sa s r e vir a vo l t as na vid a d o j o ve m J o ão Li sb o a , a
“ar d e n te p a i xão ” p e la m en i na “g r ac io sa”, V io la n te Lu iza .
225
[ ...] a p o p ul ar id ad e se m p r e cr e sc e nte d e Od o r ic o va le u - l he no va
ele ição p ar a a s e g u nd a le g i sla t ur a, a i nd a mai s ho nro sa q ue a
p r i me ir a. N e sta ao me n o s t i ver a p o r si o fa vo r d a au to r i d ad e ; n a
se g u i nte t e ve a s u a o p o sição . O Mar e c h al Co s ta P i nto ,
p r es id e nt e d o Mar a n h ão , esp o sa nd o to d a s as me s q ui n h a s p a i xõ e s
d o p ar tid o d o mi na n te, ti n ha f ei to ar b i tr ar ia me n te re cr uta r o
r ed ato r d o Fa r o l Ma ra n he n se, e ac u mu l a n d o d esac er to a
d esa cer to , p r o ib ir a so b f út ei s p r et e xto s a p ub l ica ção d e u m no vo
j o r nal co m q ue Od o r i co Me nd e s q u i s s ub st i tu ir o q u e fo r a
s up r i mid o . Os ma r a n he n se s r e sp o nd er a m a u m e o u tr o at e ntad o
ele ge nd o - o p e la s e g u n d a vez co m g r a nd e ma io r ia, f ic a nd o
co mp le ta me n te d er r o t ad o o ma r ec h al -p r es id e nt e, se u
co mp et id o r . ( id e m, p . 2 9 1 ) .
Co nt ud o d es ta s d i v er g ên cia s r es u lto u e m b r ev e a c is ão d o
p ar tid o ve nc ed o r e m m o d er ad o s e e xa lt ad o s. O d o r ico d ecl ar o u -
se p elo s p r i meir o s, e d a í co meço u a d ec li n ar s u a p op ul ar id ad e,
p o r q ua n to co mp ar ad a a g u er r a q u e f izer a ao p ar tid o p o r t u g u ês
e m s u a fo r ç a e p o d er io , co m a p r o te ção q ue o r a d a va e p ed ia
p ar a o s v e nc id o s, e ncab eça va - se a ap ar e nt e co n tr ad i ção , não j á
e m s i mp l es vo l ub i lid ad e o u i n co er ê n ci a d e p r i n c íp io s, se não e m
fo r ma l i n f id e lid ad e e a p o st as ia. As s i m p elo m eno s rac io na v a m
o s d o Mar a n hão q ue q u er e nd o le va r a r evo l uçã o às s ua s úl ti ma s
co n seq ü ê nc ia s, e xp ul s a nd o d o s e mp r e go s to d o s o s p ar ci ai s d o
r eg i me d ec aíd o , se e m p en h ar a m e m mo v i me n t o s sed icio so s, e
fo r a m ve n cid o s p ela a uto r id ad e. Od o r i co M e nd e s, c he g a nd o
en tão à P r o v í nc ia, e sc r ev e u no Co n s ti tu cio n a l co n tr a e s se s
mo v i me n to s il e ga is . E st e p r o ced i me n to q ue ma i s t i n ha d e fr a nco
q ue d e p r ud e n te e r e fle t id o , a car eo u -l he i med i a ta me n te o ap o io
d o s ad ver sár io s , mas ir r ita nd o e m a lto gr a u o s a nt i go s
p ar tid i sta s, a cab o u d e ali e nar - l he a o p i ni ão d a P r oví n cia . E m
vão p r o c ur o u e le co n gr açar o s â n i mo s , p r o mo ve nd o a a ni s tia
p ar a o s co mp r o me tid o s . Os se u s e s fo r ço s fo r a m p ar a li sad o s
d ia nt e d a s e xa g er açõ e s i n co nci li á ve is d o s p ar tid o s, e na s
p r i me ir a s el ei çõ e s q ue se se g u ir a m e m mar ço d e 1 8 3 3, n ão só
d ei xo u d e s er r e ele ito , co mo ma l p ô d e co ns e g u ir a q u i nt a p ar te
d o s vo to s q u e o b t e ve a l is ta co ntr á r ia . ( id e m, p . 2 9 3 )
228
Embora Odorico ainda viesse a ser eleito para a Câmara dos Deputados
Gerais pela Província de Minas, em 1844, João Lisboa afirma que sua
carreira política “como que dera fim com a primeira exclusão que sofreu, e
com o desgosto que lhe trouxe”. Na vaga de Odorico Mendes na Câmara
Geral assumiu o “deputado Costa Ferreira, depois Barão de Pindaré, então
nomeado senador” (idem, p. 293). João Lisboa, então, encontrava-se do
lado oposto ao de Odorico Mendes, vindo a aliar-se a Costa Ferreira em
plena ascensão política.
Ce n to e q u ar e n ta co nto s e xto r q u id o s ao p o vo e m 1 8 1 9 co m a
alt er aç ão i lle g al d o co n tr ac to d a s ca r ne s ver d e s, e u ma s v i nt e s
ex ec uçõ es i g ua es á q u e se mo ve u co n tr a o co r o ne l Ca st el h a no ,
fo r a m o s me io s fá ce is q ue s e e mp r e ga r a m p ar a aj u n tar o s
mi l hõ e s. ( CM, “M ar a n hão ”, n. 9 , 3 1 /j a n. /1 8 3 8 , p p . 3 7 -4 0 e
esp e ci al me n te p . 3 9 )
27
E m tr ec ho s co mo e ste , p o r e xe mp lo : “As i nj u st iça s, as v io l ê nc ia s, a s p er s i g uiçõ e s, a
esc a nd a lo s a p ar c ia lid ad e, d i v id ir ão o p o vo e m d ua s c la s se s, a d o s o p r es so r e s e a d o s
o p r i mid o s; e co mo o ar b itr ár io ( d iz Be nja m i n Co sn ta n t) te m d e i n fa li v el me n t e ir
fer i nd o u m a u m to d o s o s me mb r o s d a so c ied ad e , d e ntr o d e p o uco te mp o aco nt ecer á q ue
a cl a ss e d o s o p r i mid o s se co mp o r á d a to ta lid ad e d o p o vo , me n o s o go ver no , e a s ua
d i mi n u ta cl ie n tel a.” ( ar t igo s d a Crô n ica M a ra n he ns e, 5 / ma r ./1 8 4 0 . 1 9 6 9 , 2 ª p ar t e, p .
4 1 ) . Ou e n tão : “Au to r izar e mo s a no ss a o p i ni ão so b r e a i nd i fe r e n ça d as fo r ma s
co n s ti t ucio n ai s co m a d e u m il u st r e p ub li ci st a, o qu e tal v ez es cr e v e u c o m ma is ac er to
so b r e es ta s ma té r ia s, B e nj a mi n Co ns ta n t.” ( I d e m , 2 5 / mar ./1 8 3 8 . 1 9 6 9 , 1 ª p ar te , p .8 6 ) .
234
28
No s t er mo s d e Sc h war z r ef er i nd o - se à “co méd i a id eo ló g ica ” d o lib er al i s mo na E ur o p a
e no B r a s il : “É c lar o q u e a lib er d ad e d o tr ab a l h o , a i g uald ad e p er a n te a le i e, d e mo d o
ger al, o u ni v er s al is mo er a m id eo lo g ia n a E ur o p a ta mb é m; ma s l á c o r r esp o nd ia m às
ap ar ê nc ia s, e n co b r i nd o o es se nc ia l – a e xp lo r a ção do tr ab al ho . E ntr e nó s, a s me s ma s
id éi as ser i a m f al sa s n u m s e nt id o d i ver so , p o r a s si m d iz er , o r i gi n al. ” ( 1 9 8 8 , p . 1 4 ) . E la s
li ga m - s e ao “f a vo r .. . no s sa me d ia ção q ua s e u ni v er s al” ( p . 1 6 ) e não c u m p r e m f u nção d e
“e n ga nar ”.
29
Vej a d es se s a uto r e s, O a rca í s mo co mo pro j e t o ( 2 0 0 1 ) e d e Lo s ur d o C o nt ra - hi st ó ria
do l i bera li s mo ( 2 0 0 6 ) .
235
Difícil não ver inicialmente um paradoxo entre esse projeto e o meio social
do redator, controlado por classes senhoriais escravistas. Meio onde o
“logar de nascimento” e as “cores” apareciam como critérios básicos de
hierarquização das “classes” permeadas pelo “ciume”. Se traduzirmos
“ciume das classes” por “ódios de castas” (Serra, 1948, p. 126) não
estaremos longe do sentido dado pelo redator. É certo que no programa
doutrinário da Crônica, a escravidão e o tráfico provincial foram
criticados, principalmente porque eram vistos como fatores de risco e de
degeneração das classes superiores. No entanto, havia elementos sociais e
históricos de aproximação entre o redator e seu público que demarcavam a
extensão da crítica. João Lisboa mesmo era um ilustradíssimo senhor de
escravos. Imaginando-se membro esclarecido das classes superiores, o
pensamento moderado do jornalista não chegou a contestar a escravidão (no
entanto, vista como injustiça, crime contra a humanidade). Em debate
polêmico com a Crônica dos Cronistas, não escondeu a condição de
senhor de escravos, ao dizer:
A Cr ô nic a co n ta va 3 7 0 as si n a nt es no co m eço d a s a t ua is
d eso r d e ns ; p o i s ap e na s d is tr ib u ía a cer c a d e 8 0 ex e mp la r e s e m
Ca x ia s, B r ej o , Co d ó , T utó ia, Ma n ga e I ca t u; e m P a sto s B o n s,
co mar c a i nt eir a me n te a nar q u iz ad a, não ti n ha u m só; a gr a nd e
ma io r ia d el e s p er te n c ia à cap i ta l, I t ap u cur u , Vi a na, e
Alc a nta r a, o nd e a p az não te m s id o p er t ur b ad a. O s no s so s
as si n a nte s são d e m ai s d i s so p r o p r ie tár io s, ne go cia n te s,
la vr ad o r es , e f u nc io nár i o s p úb li co s , e cer to não p ass ar ão d e 1 0
o u 1 2 o s i nd i víd uo s q ue le s se m o s no s so s es cr i to s , e s e
la nça s se m n a d e so r d e m . Q ua nto às cl as se s i n fer io r e s, n e m o
es ti lo d a Cr ô n ic a, ne m as q ue stõ e s q u e el a o r d i nar ia me n t e tr a ta
são ca lc u lad o s p ar a a s u a in te li g ê nci a. De ma i s en tr e 1 0 0 o u 2 0 0
d es se s ho me n s i g no r a nt es e e mb r ut ecid o s, ap e n as d ep ar a -s e co m
u m o u o u tr o q u e, sab e nd o ler , são i nc ap az es co n tud o d e ap r eci ar
o q ue l êe m.. ( C.M. , n. 2 2 7 , 9 /ab r . /1 8 4 0 . 1 9 6 9 , p arte 1 , p p . 2 5 0 -
51).
Ni n g ué m d ir á q ue p o r p o vo s e d e ve só e nt end er a cl as s e
co n s u mi d o r a d e far i n h a , ma s ta mb é m a p r o d u to r a, q ue se n d o
ta mb é m p o vo t e m i g u ai s d ir e ito s à p r o t eçã o d a lei e das
au to r id ad e : p o r co n seq ü ên cia a p r e te xto d e p r o t eg er u ma cla s se
é o d io s ís s i mo a ve xa r esca nd alo sa me n t e a o utr as ( C.M .
“Mar a n h ão ”, 3 / fe v ./1 8 3 8 . 1 9 6 9 , 1 ª p ar te , p . 4 0 ) .
31
P ar a u ma id éia d a s d i fer e n te s v isõ es so b r e a i mp r e ns a no B r as il d o sé c ulo XI X,
p r i ncip al me n t e a s ua p r i me ir a me tad e, co n s ul te: So br i n ho , B ar b o sa L., O pro ble ma da
i mp r en sa ( 1 9 2 3 ) ; Vi a n na, H el io , Co nt ri bu içã o à H i st ó r ia da I mp r en sa B ra s ile ira
( 1 9 4 5 ) ; So d r é, Ne l so n W ., H i st ó ria da i mp re nsa no B ra si l ( 1 9 9 9 ) ; B ah ia, J uar e z,
J o rna l: H i st ó r ia e Té c nic a ; Co nt ier , Ar n ald o , I mp r en sa e i deo lo g ia e m Sã o P a ulo
( 1 9 7 9 ) ; Mar so n, I zab el A., M o v i me nt o P ra i eir o ( 1 9 8 0 ) ; N e ve s, L ú ci a M. B . P , Mo r el ,
Mar co e Fer r eir a, T a ni a M. B . d a C., ( o r gs. ) , H i st ó r ia e i mp re n sa ( 2 0 0 6 ) ; Mo r e l,
Mar co , A s t ra ns f o r ma çõ es do s e s pa ço s p ú b lico s, 2 0 0 5 ; Mo r el, M ar co e B ar r o s,
Mar i a na M. , P a la v ra , i ma g e m e po de r ( 2 0 0 3 ) ; L us to sa, I sab e l, In s ul t o s i mp re s so s,
2 0 0 0 ; Ne ve s, L ú cia M. B . P . d a, Co rcu n da s e co n st it uc io na i s, 2 0 0 3 ; B as ile, Mar c el lo
O., E ze qu ie l Co rrêa d o s Sa nt o s ( 2 0 0 1 ) . Vej a ta mb é m as se g ui n te s r ef er ê nc ia s p ar a
o ut r o s co n te xto s : Dar t o n, R. & Ro c he, D . ( o r g s.) , A Re v o l uçã o I mp r e s sa ( 1 9 9 6 ) ;
G uer r a , Fr a nço i s - Xa v ier , L e mp ér ier e et a l., Lo s e spa cio s pú b lico s e m Ib ero a mér ica
( 1 9 9 8 ) ; P al lar es -B ur k e, Mar ia L. G., Th e S pe c t a do r ( 1 9 9 5 ) ; Mar x, K. , L ib er da d e de
i mp r en sa ( 2 0 0 7 ) ; Vo lt a ir e, Co n se l ho s a u m j o rna li st a ( 2 0 0 6 ) ; B al zac, Ho no r é d e , O s
J o rna li st a s ( 2 0 0 4 ) .
240
32
Man u el Al ve s d e Ab r eu e d o i s ir mã o s; Ra i mu n d o Fr a n ci sco d o L a go ; An to nio
Fr a nc i sco Co el ho ; I g ná cio P o r t u g al d e Al me id a e ir mão s ; J o aq ui m An to n io Go me s d a
Si l va; Al e xa nd r e B er n a r d i no R ib e ir o e u m ir m ão ( q u e fo i a s sa ss i nad o ) ; D. Fr a nc is co ;
T ene nt e -co r o n el Mar ti n s; o s La go s e B ai ma s d o Co d ó ; J o aq u i m C a nta n hed es ; J o aq u i m
Fab r icio d e Mo r ae s Re go ; F el ic ia no J o s é Mar t i n s; J o ão Fer n a nd e s d e Mo r a es ;
Her me n e gi ld o d a Co sta N u ne s ; o s Ni n as ; E s te vão Ra fa el d e C ar va l ho ; O r ed acto r d a
243
en tr e o s ca nd id a to s d a o p o s ição co nt a m- s e se te o u o ito , q ue
p er te n cer a m ao p a r t id o d o go v er no no te mp o d o Sr . Co s ta
Fer r eir a , o u tr o s ta n to s q ue l he fi zer a m o p o s ição e u n s d o ze q u e
en tão não p er te nc er a m a p ar tid o a l g u m, o u p o r q ue d e p r o p ó si to
não s e q u is er a m i n vo l v er ne le s, o u p o r q u e não se ac h a va m n a
p r o v í nci a. ( C.M ., “Mar an h ão ”, 9 /a go . /1 8 3 8 . 1 9 6 9 , 1 ª p ar t e, p .
190).
P elo te mp o e m q ue a ad mi ni s tr aç ão d o Sr . Co st a F er re ir a,
ac ha va - se o Mar a n h ão e m p er f ei ta tr a nq ü il i d ad e; o par tid o
p r ep o nd er a n te er a o q u e ti n ha v e nc id o na s e lei ç õ es d e 1 8 3 3 p o r
u ma e xtr ao r d i n ár ia maio r ia d e 1 7 0 vo to s co ntr a 3 0 ; a u m tr i u n fo
tão co mp le to não se ti n ha s e g uid o , co mo ho j e, o s ó d io s, a s
in tr i ga s, e a s p er se g ui ç õ es ; p elo co n tr ár io , a ép o ca s e to r no u
no t á ve l p el a a us ê nc ia d e to d as as d is c u s sõ e s p o l ít ica s,
en tr e tid as ap e na s a a ti vid ad e p úb lic a e m q ue stõ es so b r e o s
e mb ar a ço s fi n a nce ir o s e mo ne tár io s e so b r e o ut r o s i n ter es se s
ma ter ia is . A mo d er a ção d o p ar tid o vi to r io so fo i tal q ue, te nd o -
se d e p r o ced er à ele iç ã o d a p r i me ir a as se mb lé i a p r o vi n cia l, o s
se u s c h e fe s p u g nar a m p ela ele içã o d o s se u s ma i s háb e is
ad v er sár io s p o lí tico s, a q u al co ns e g uir a m... ( C. M.,
“Mar a n h ão ”, 2 2 / fe v .1 8 3 8 . 1 9 6 9 , 1 ª p ar te 1 , p . 6 0 ).
Re ceb e mo s fo l ha s d e s ta p r o v í nci a a té o u lt i mo p .p . q u e no s d ão
no t ic ia s mu i sa ti s f ató r ia s; p o r q u e le mo s e m ũa p r o cla ma ção , q u e
no d ia 2 7 p ub lico u o P r es id e nt e d a P r o v í nci a p o r mo ti vo s d as
fe li ce s no va s d a M aio r i d ad e d e S. M.I q u e a g u er r a c i vi l e s ta va
q ua se e xt i nc ta, q u e só r es ta vão gr up o s d e ne gr o s, q ue d e vi ão s er
atac ad o s no d i a 2 9 . Da p ar t e o f f ic ia l, e d as no t ici a s, q u e
co p ia mo s, ver ão o s no s so s lei to r e s c ir c u n st a nc ia me n te [ sic] a
ul ti ma ac ção d ad a e m P asto s -b o n s, e o fe li z so ce go d e q ue
co n ti n ú a a go zar a cid a d e, e co mar ca d e Ca x ia s. As no t ic ia s d a
Co r te t i n hão sid o b e m r eceb id a s, e fe s tej ad a s. ( D .P ., n. 2 0 6 ,
2 2 /s et. /1 8 4 0 , p . 2 ) .
A notícia foi publicada como extrato dos “Artigos d’officio” e a fonte era
assinalada assim: “Da Chronica Maranhense de 16 de Agosto”. Nas
“Noticias Provinciaes” do Diário de Pernambuco de 8 de outubro de 1840,
na parte “Maranhão”, começa-se assim:
251
AN NU N CI O E LE I T O R AL
E st a mo s b e m p er s u ad id o s q ue ne m o s s e n ho r e s mi n i stro s n e m o s
se u s i ll u s tr e s d e f e nso r e s se d i g n ar ão d e r e sp o n d er à s h u mi ld e s
p er g u n ta s d e u m e scr ip to r o b sc u r o ; ma s co m q ua n to s aib a mo s
q ue o s p ar tid o s não t e me m as co ntr ad i cçõ e s , n e m p o r i s so
d ei xar e mo s d e ma ni f e st a- la s ao p ub l ico . J á nã o são el la s ta m
252
34
Ol e gár io J o s é d a C u n ha to r no u - se d ep o i s c o mp ad r e d e J o ão Li sb o a, q ue fo i p a i
ad o ti vo d e d u as fi l ha s s ua s, a s e g u nd a d e vid o à mo r te d a p r i me ir a. O “co mp ad r e”
Ole g ár io fo i f i g ur a p r e s en te na vid a d e J o ão Li sb o a, to r n a nd o - se o d es t in at ár io d e s u a s
úl ti ma s c ar ta s. Fo i e le u ma d a s fi g u r a s q ue car r e gar a m o se u ca i xão .
253
Mar ce n eir o : q ue m o p e g ar e e n tr e g ar a s eo S nr . n a s ua Fa se nd a
d o I g uar á , ao S nr . R ai mu n d o Ho nó r io B ai m a d o La go e m
I tap uc ur ú o u a Ma no e l P er eir a d a Co st a, ser á p a go d o seo
tr ab a l ho . Mar a n hão 1 2 d e Fe ve r eir o d e 1 8 3 9 ( C. M., nº 1 1 2 , 2 6
d e fe ver eir o d e 1 8 3 9 ) .
[ ...] e s ta va a e xp ir ar p o r fal ta d e a ss i na n te s, ma s q ue fo i
r ea ni ma d a p elo s co n vi t es e p r o me s s as d e v ár i o s b a c har éi s, d e
tr ê s o u q ua tr o ho me n s in co n seq üe n te s, e p el o so co r r o d e 8 0
as si n at ur as e o a l u g ue l d e ca sa s p o r u m a no vi nd o d e Alcâ n tar a
( C. M., 2 4 /j u n. /1 8 3 8 . 1 9 6 9 , 1 ª p ar te, p . 1 4 3 ) .
É e sca nd alo sa me n t e fa l s o q u e a Cr ô ni ca e st i ve s se a e xp ir ar p o r
fa lt a d e as si n a nt es ; co n ta mo s 2 2 0 d esd e o 1 º tr i me str e, s e nd o
1 1 0 d es ta c ap i tal , ap e n a s 3 0 d e Al câ nt ar a, e o s ma i s d a s o utr a s
p ar te s d a p r o v í nc ia; e n as d ua s i mp r e n sa s o n d e se tê m p ub l ic ad o
254
Considerada por vários autores a obra maior do jornalista que, por sua vez,
em certa altura chegou a ser julgado como o dono da melhor prosa
brasileira do seu tempo (Lins, 1963, p. 305), importa não esquecer que a
Crônica, obra periódica de um autor “menor”, foi publicada no momento
em que, no meio dos periódicos, surgiu a figura do “narrador de ficção”.
Acontecimento atravessado pelo problema do “olhar-de-fora” ou, para
lembrar Sérgio Buarque, do desterro (Sussekind, 1990, p.20; Holanda,
2006, p. 19). Seria o lugar do “desterrado na própria terra” a condição de
possibilidade do narrador de múltiplos recursos e formas que
acompanhamos no escritor distanciado do Jornal de Timon, mas, também,
já em germe no jornalista engajado da Crônica Maranhense? Trata-se, sem
dúvida, de problema presente no narrador da Crônica, a condicionar suas
256
35
Ad ap ta mo s aq u i a se g ui nt e fo r mu l ação d e P a u lo Ar a nt es p e n sa nd o e m H an n a h Ar e nd t:
“[ ...] p ar a Ka n t... o ‘c i d ad ão d o mu nd o ’ er a d e f ato .. . u m esp ec tad o r d o mu nd o . ( .. .) .
Alé m d o ma i s, t ud o s e p as sa co mo se a me n t alid ad e a lar gad a q ue p e r mit e p e n sar na
cab eç a d o s o utr o s fo s s e, p o r a s si m d iz er , a p r er r o gat i va d o e sp ec tad o r , ma s d e u m
esp e ct ad o r e m co nd i çõ es d e i ma g i na r , d i ga m o s, q ua se q ue i n tr a n si t iv a me n te. D aí o
p ar ad o xo , r e so l vid o , d e u m c id ad ão d o mu nd o q ue n u nca s ai u d e s u a r e mo ta
cid ad e zi n h a p r u ss ia n a: b as ta va al ar gar o p r ó p r io e sp ír ito d o mo d o p o r ele me s mo
ind ic ad o , i ma g i na nd o o mu nd o atr a vé s d e to d o o tip o d e r elat o s d e vi ag e m, d o s q ua i s
er a l ei to r i n s aci á vel .”. ( 2 0 0 4 , p p . 1 0 7 -8 )
259
que ele exercesse influência específica sobre o jornal, e nem isso seria
possível, mas integrava esquema de percepção e apreciação mais amplo
com o qual o “olhar brasileiro” da Crônica dialogou: o do olhar
estrangeiro, que vinha pelo menos desde a década de 1810, com Koster e
Spix e Martius, dois olhares matriciais sobre o Brasil elaborados no final
da era colonial.
36
Vej a P au lo Ar a n te s p ar a es sa a n alo g ia e n tr e j o r na l e r o ma n ce no B r a si l ( 2 0 0 4 , p p . 9 1 -
2).
260
E at te nd e nd o a q ue p ar a a gr ad ar a to d o s o s p alad a r e s co n ve m
mi s t ur ar o út il co m o a gr ad á v el, d ar e mo s s e mp r e q u e sej a
p o s sí ve l, p eq ue no s r o ma n ce s, e co n to s d iv er t id o s, q u e
p r es e nte me n t e ne n h u m j o r nal te m ( si c) r ed ig id o d e i xa d e
p ub lic ar . ( C. M., n. 9 1 , 1 5 /d ez. /1 8 3 8 , p . 3 6 8 )
E n sa io r e al me n t e i n ter e s sa nt e ser ia o q u e p r o c ur a s se e st ud ar o
au to d i tad is mo no B r a si l, me no s p ar a a ce n tu ar o s j á tão
ap r e go ad o s ma le s d eco r r en te s d a f al ta d e e s t ud o s u ni v er s it ár io s,
d o q ue p ar a as s i nal ar -l h e a ú n ica p o s sí ve l va nt a ge m: o e n sej o a
q ue a s ve r d ad e ir a s v o caçõ e s i nt el ect u ai s v in g u e m p or si
me s ma s , não se m d ú vid a p o r q u i mér ico s p r o ce s so s d e ger a ção
esp o n tâ ne a, ma s p elo í mp e to d e s u a p r ó p r ia fô r ça na ti v a, e
alca n ce m v itó r ia s i nd i v i d ua i s p r o d i g io sa s, co mo , p o r e xe mp lo , a
d e u m M ac had o d e As si s , n a s ua o b r a e n a s u a vi d a.
Ai nd a se m a ge n er al iz a ção b a st a nte f u nd ad a d e q u e e nt r e nó s
to d o i n tel ec t ual é ma i s o u me n o s a uto d it ad a, a li st a ser ia
n u me r o s a e ab r a n ger ia al g u n s d o s no me s m ai s i l us tr e s. E m
p r i me ir o p la no , ha ver ia q ue tr a tar d e J o ão Fr an ci sco L i sb o a.
(1946, p. 7).
Acusado por seu antigo mestre Sotero dos Reis de ser ignorante e escrever
mal, respondeu assumindo as limitações e devolvendo-as contra os mestres:
264
[ o ] v i vo e t al e nto so me ni n o co me ço u b e m d ep r es sa a e xib ir o s
tít u lo s va lio so s q ue l he d a va m d ir e ito a ela [ i sto é , à
“no b r eza ”] , no s es t ud o s ele me nt ar e s e p r ep a r at ó r io s q ue lh e f o i
po s s ív e l f a z er n as e sco la s d e S ão L u í s; e tai s fo r a m o s p a s so s
co m q ue e n ceto u a c ar r eir a, e o s ap la u so s d o s me s tre s e
en te nd id o s , q ue se u p a i a q ue m nã o f a l ec i a m o s do n s da
f o rt u na , a ss ent o u pa r a lo g o env ia - lo a Co i mb ra , naq u el e
te mp o o b j eto d a s p r e o cup açõ e s e a l vo r o ço s d a mo c id ad e
es t ud io sa, o nd e to d o s o s t ale n to s i a m b u scar a s ua co n s a gr aç ão ,
e se m c uj o s p er ga mi n h o s a ne n h u m er a d ad o a s p ir ar às ho nr a s e
gr a nd eza s, a q ue e n tã o p o d ia c he gar u m na tu r al d o B r a si l.
( O bra s, 1 9 9 1 , p . 2 8 5 . N egr ito s no s so s.) .
Na fa se d a i mp r e ns a p o lít ic a, o u p r ed o mi n a n t e me nt e p o l ít ica,
f u nd a r a e le, ao s v i nt e ano s, e m 1 8 3 2 , O Bra s ile i ro , p a s sa nd o ,
ne s se me s mo a no , ao Fa ro l Ma ra n he n se, p e l o f al eci me nto d e
J o sé Câ nd id o d e Mo r a is e S il v a, co me ça nd o a p ub li car , e m
1 8 3 4 , o Eco d o No rt e, p ar a r ed i gir , e m 1 8 3 8 , a C rô n ica
Ma ra n he ns e, até 1 8 4 0 [ s ic] , co lo ca nd o - s e à fr e nt e d o
P ub l ica d o r Ma ra n he n se , d e 1 8 4 2 a 1 8 5 5 , q ua n d o se tr a n s f er i u
p ar a a Co r t e. J á no se g u nd o se me s tr e d e 1 8 5 4 , h av ia m ap ar e cid o
o s c i nco p r i me ir o s fo l he to s me n sa is a q u e d e u o tít u lo d e J o rna l
d e T im o n; no f i m d e 1 8 5 3 , s ur gi r a m, e m u m vo l u me, o s c i nco
n ú me r o s s e g ui n te s. No t e- s e a d i fer e nça d o j o r na li s mo p o lí ti co ,
até à ép o ca d a Ma io r i d ad e, o la r go p er ío d o d e tr a ns iç ão no
P ub l ica d o r Ma ra n he n s e, e a fa se fi n al d o tr a b al ho d e a ná li se
p o lít ic a co nt id a no J o rna l d e T im o n, q u e c o mp let ar i a, e m
L is b o a, o nd e la nço u , e m 1 8 5 8 , o s 1 1 º e 1 2 º n ú me r o s . A e s se
p r o p ó si to , al iá s, d e s ta ca nd o o tr aço ger al, Si l vio Ro mer o
ind ic ar i a: ‘No B r a si l, ma is a i nd a q ue no ut r o s p a í se s, a
lit e ra t ur a co nd uz ao j o r na l ism o e e ste à p o lí ti c a q ue, no r e g i me
p ar la me n t ar e a té no s i mp le s me n t e r ep r e s e nta ti vo , e xi ge q ue
se u s a d ep to s sej a m o ra d o re s. Q ua se s e mp r e a s q ua tr o q u al id ad e s
and a m j u n ta s: o li te ra t o é jo rna li s ta , é o ra d o r, e é p o l ít ico ’.
J o ão Fr a n ci sco Li sb o a fo i e x e mp lo d e j o r na li st a e es cr i to r ,
vi n d o d a f as e d a i mp r e n sa p o lí ti ca p a r a a fa se e m q ue a s d ua s
ati v id ad e s se co n f u nd ir a m, se nd o e m a mb as p er so na ge m
d es tac ad a. ( 1 9 9 9 , p . 1 8 4 ) .
Foi como jornalista engajado que João Lisboa refletiu sobre a experiência
da “aculturação” européia, representando seu jornalismo forte sopro de
desprovincianização do ambiente de cultura local. Pôs-se como “pioneiro”,
isto é, como introdutor e tradutor da opinião pública no seu meio. No n°
445 do Farol Maranhense, dizia: “Quando comecei a escrever... não havia
opinião pública no Maranhão” (Apud Leal, 1987, p. 305). Foi através da
forma de expressão européia constituída pela letra impressa do jornal que
ele formulou um ponto de vista sobre o império analisando a província.
João Lisboa, embora mais novo, não deixou de integrar ou ser diretamente
“influenciado” pela primeira geração de jornalistas surgida no tempo de D.
João VI e dos primeiros anos da Independência. Era leitor e admirador de
muitos deles, às vezes publicando estratos dos seus jornais na Crônica, a
exemplo de O Carapuceiro (padre Lopes Gama) e Aurora Fluminense
(Evaristo de Morais), este considerado o “jornal da oposição, e porventura
o mais bem escrito de quantos na corte se publicam” (C.M., 5/mar./1839.
1969, 2ª parte, p. 39).
[ o ] q u e to r no u d i fer e n t e... d e u u m to q ue no v o e o r i gi n al ao
d eb ate p o l ít ico d a I nd ep end ê nci a, o b r i ga nd o a i mp r e ns a a ad o tar
r ec ur so s d a o r al id ad e p o p u lar , fo r a m o f i m d a ce n s ur a e a
d e mo cr a ti zaçã o d o p r el o . A lib er aç ão d a i mp r en sa , e m 1 8 2 1 ,
p o s sib ili to u a e sc r i to r e s e l ei to r e s b r a si le ir o s a ab er t ur a p ar a
u ma mu l tip li cid ad e d e i d éia s e at it ud es q u e l h e s p a s sar a m a ser
o fe r ec id a s to d o s o s d i a s p elo s j o r nai s. No l u gar d a u ni vo cid ad e
d a l i n g ua ge m d a Gaz eta, a p o li fo n ia p r o p o r cio nad a p e la s
d iv er sa s vo z es q ue s e p r o p us er a m a e n tr a r no d eb a te e
co nq u i star o p úb l ico p ar a s u as id é ia s. ( 2 0 0 0 , p . 4 3 4 ) .
267
37
Ad ap taç ão l i vr e q u e fa ze mo s aq u i d o c ap í t ulo 3 , i nt it u lad o “O q ue é u ma l it er at u r a
me no r ”, d e “Ka f k a, p a r a u ma li ter at ur a me no r ”, d e G ill e s D el e uze e Fé li x G u att ar i .
Ne ste te x to , a uto r me n o r é d ef i nid o co mo aq ue l e q ue f az u m u so “i n te n si vo ” d a l í n g ua.
Não fo i e xa ta me n t e o c a so d e J o ão Li sb o a.
270
Fo i b r ec h a nd o a ‘co n sc iê nc ia r ea l ’ d e s u a ép o ca q ue Li sb o a,
p r i ncip al me n t e co mo f icc io ni st a, b r e c ho u o si s te ma fr ás ico
d o mi na nt e – d e u m l ad o , a p r o p e n são r e tó r ica o u me s mo
ver b o r r á gi ca e nco n tr ad as e m u m Mo nt ’ Al ve r ne, d o o u tr o a
se n ti me n ta li zaç ão r o mâ nt ic a. E p o r es ta vio le nt ação , es tr a n ho
p ar ad o xo , fo i q ue el e co n se g u i u q ue o s e u te m p o co ub e s se co m
p r o f u nd id ad e na s ua p al avr a. ( 1 9 8 6 , p . 3 0 7 ) .
lat i na, q u e s e l he ar g úe m co mo i no va çõ e s, d e há mu i to ti n h a m
fo r o d e nac io na i s, i n t r o d uz id o s e n at ur al iza d o s p o r o u tr o s
gr a nd e s me s tr e s; j á fi n a l me nt e q ue e m cer to s l u gar e s, a ap ar e nt e
d ur e za d a me tr i fi caç ão , al iá s f ác il d e to r ne ar e m cad ê nci a
esp e cio sa, er a d e mu i i n d ú str ia p r o c ur ad a p ar a v er ter co m to d a a
en er gi a e p r o p r ied ad e a s b el eza s d o o r i gi n al. ( O bra s, 1 9 9 1 , p .
299).
A mp l io u -a, e nr iq u ece u -a , co lo r i u - a, ma s g u ar d o u o r it mo
tr ad i cio n al. ( .. .) o s eu es ti lo co n ser va a s car ac ter í s tic a s
p o r t u g ue sa s, a li n h a ho r izo nt al, a p la n íc ie. M es mo car r e gad o d e
in te n çõ e s, d e r a n co r e s, d e sar ca s mo s, o e sti lo d e J o ão L i sb o a é
p la no , l ar go , d a nd o a s en sa ção d e ser e nid ad e. Ne ss e e st ilo a s
agr u r a s, a s c ul mi n â n cia s, ab r a nd a m - s e, a s p r o f u nd id ad e s e o s
ab i s mo s ma scar a m- s e e tud o o q u e é á sp er o e v io le n to p er d e - s e
e m tr a nq üi lid ad e, p e la v as tid ão d a fr as e. ( 1 9 9 6 , p . 8 3 ) .
Sobretudo, não viu que João Lisboa foi “escritor de ruptura, quebrando o
legado neoclássico por uma ideação realista, só muito depois desenvolvida
em sistema na literatura brasileira” (Lima, 1986, p. 280). Vasta, a frase de
João Lisboa “corre medida, pausada, irônica e cortês” (Idem, pp. 301-2). O
que Graça Aranha definitivamente não percebeu foi que, em Lisboa, o
achado da frase estava não no “abrandamento”, mas em poder expressar
“intenções... rancores... sarcasmos... agruras... culminâncias...
profundidades... abismos... (o) áspero e violento...” de um modo
contundente e ironicamente sereno, tranqüilo, cortês. Por ser vasta, a frase
não deixava de cortar fundo! Não percebeu na forma da frase a “ironia do
gesto” vista imediatamente por Gonçalves Dias, que a comparava ao
“veludo furta-cores ou à pele de lontra”. “É deste matiz! Mas com qualquer
272
Ag o r a n ão , a co n f u s ão é co mp l et a, e t u d o r ed e mo i n ha
co n f u nd id o , s ub i nd o , d es ce nd o , e nco n tr a n d o , ab a lr o a nd o ,
p r eto s, b r a nco s, ho me n s, mu l her e s, gr a nd e s e p eq u e no s , r i nd o ,
fa la nd o , as so b ia nd o , gr u n hi n d o , b al a nd o , mi a nd o , exp r i mi n d o , e
d en u n cia nd o e n f i m p o r to d o s o s so n s e p o r t o d o s o s g es to s o
p r azer e sat i s faç ão ( Ap u d L i ma , 1 9 8 6 , p . 3 0 6 ) .
273
É u ma tr i s te ve r d ad e q ue so mo s u m p o vo c o r r o mp id o ; e ss a s
esp a n to sa s d e so r d e n s q u e v ão d e vo r a nd o o B r as i l to d o , o r a n ’ u m
p o n to , o r a n ’o u tr o , são r eacçõ es , e r e s ul tad o s d a s i m mo r a lid ad e s
d as c la s se s d it a s il l u st r ad a s, q u e tr a ct a nd o s ó d e si, d e i xa m
ge me r a s o u tr a s na ab j e cção , na i g no r â nc ia, e n a mis ér i a, e cad a
d ia a u g me n ta m a gr a vid ad e d o p er i go , i m p o r ta nd o no vo s
in i mi g o s p a r a o no s so ter r i tó r io ; s i m, nó s s o mo s u m p o vo
co r r o mp id o , co n md e nad o s a so f fr er o r a o s cr i me s d e sr e gr ad o s
d e u ma mu l t id ão d e b ár b ar o s se m fr e io e se m i nt el li g e nci a, o r a
o s e xt er mi n ad o r e s e m m as sa co n st it u íd o s e m a u cto r id ad e, o r a a
d ep r ed aç ão a mã o ar ma d a, o r a d is f ar ç ad a ( ma l d is f arçad a) c á no
se io d a s cid ad e s; ma s a p esa r d e t ud o ai nd a não c he ga mo s a ta l
ex ce s so d e a v il ta me n to , q ue o s es cr ip to r e s, sa l va al g u ma r ar a e
ver go n ho s a ex cep ç ão , [ p o s sa m] d ec la ma r p er an te u m p o vo
274
in te ir o d e l ei to r e s – q u e d e ve mo s d a r d e mão á vi r t ud e , vi v er d o
al he io , vi n gar - n o s p o r no ss as p r ó p r ia s mão s d e p r ete nd id a s
inj ur ia s, q ue a mo r al, a co n s ti t ui ção , e a s l ei s são co us as vã s,
q ue ap r o v ei ta m, q ua nd o mui to , só ao s ma l va d o s, q ue o v ício
afo r t u nad o é q ue co ns ti tue p o s içã o ho n ro sa na so c ied a d e ! Não
é só no B r as il, e m ho nr a d a esp e ci e h u ma n a d e ve - s e r eco n he cer
q ue p o uco s mo n str o s t e m ha v id o t a m d e sp ej ad o q ue n ão só
alar d êe m f r a nc a me n te o s se u s c r i me s, ma s ai nd a q ue ir a m
p er s u ad ir a so c ied ad e q ue o s d e ve i mi t ar . ( . ..) ( C. M., “C hr o n ic a
Mar a n h e ns e”, n. 2 5 6 , 1 3 /a go sto /1 8 4 0 , p p . 1 0 2 7 -1 0 2 5 . E sp . p .
1027).
C ha ma mo s a at te n ção d o s no s so s le ito r e s p ar a o ar t i go q ue no
p r i ncip io d e ste n u me r o p ub lic a mo s so b a r ub r i c a d e – Fr a nça . -
T r acta - se nad a me no s q ue d e d ar u m co r t e no s ys t e ma r e g ular d e
co r r up ção p ar la me nt ar , a q ue e n tr e nó s se es tá c h a ma nd o
275
38
“E ste s d ia s d er r ad eir o s te m aq ui co r r id o u m r u mo r va go d e q ue s e tr aç av a u m p la no
d e r e vo l ta, co mo o d a B ah ia, e a n n u n cia v a - s e o r a o d ia 6 , o r a o d ia 7 p ar a a s ua
ex ec uç ão ” ( C. M., “Mar a n hão ”, n. 3 , 9 /j a n. /1 8 3 8 , p . 1 3 ) .
277
d e e nt ão d e vo r ar r ec i p r o ca me n te ! ( C .M., n. 3 , “Mar a n h ão ”,
9 /j an. /1 8 3 8 , p . 1 5 ) .
Questão da ordem
A questão da ordem era tão decisiva para Lisboa que, segundo ele, no caso
de ocorrer revolução republicana liderada pelas províncias maiores, as
menores deveriam segui-las, pois “a separação das províncias, sob qualquer
278
39
O q u e não i mp ed ia d e a p o iar o r e ge n te, p o i s a Crô nica i n fo r mo u q ue o s d o is p ar tid o s
d a P r o ví nc ia vo t ar a m no r e ge n te P ed r o d e Ar a új o L i ma : “p ar e ce - no s q u e ho j e é
ger al me n t e s ab id o q ue a mb o s o s p ar tid o s e m q ue es tá d i vid i d a a p r o v í nc ia a s se n tar a m
d e vo t ar no S nr . P ed r o d e Ar a új o Li ma p ar a r e ge nt e d o I mp ér io ” ( C.M. , “Mar a n h ão ”, n.
2 1 , 1 7 / mar ./1 8 3 8 , p . 8 8 ) .
280
Se s e d e mo n s tr a q u e h u m mi n is tr o p o d e d is ti n g ui r o s a n no s d a
s ua v id a p ub li ca p el a d iv er sid ad e d e p r i n cíp io s q u e ad o p to u, e
co m e n t h u sia s mo p r o p a go u ; q ue se u s d is c ur so s p úb li co s p e la
tr ib u na e j o r na li s mo d ã o tr i u mp ho s a lte r nad o s á d e mo cr ac ia e á
mo na r c hi a, ao p r o gr e s s o e ao r e gr es so , s e mp r e e xa g er ad o s e
se mp r e i ns i n uad o s co m p er fíd i a; q ue as s ua s a ll ia nça s na sce m e
p er ece m co m o i nt er e s se mo me nt â neo q u e se l he o fer ece,
r es e nti nd o - s e to d as d a ver s at ilid ad e d e h u m P r o teo ; q ue no s
ho me n s a i nte ir e za, a b o a fé , e h u m a ni mo si n ce r o , são ao s s e u s
o lh o s tí t ulo s d e e scar n e o ; q ue o o ur o e o p o d e r , q u ai sq uer q u e
sej ão o s me io s d e o s h av er , são o s ú ni co s íd o lo s q u e ad o r a , e
só me n te no i n t ui to d e o s ac c u mu l ar s e te m p r es cr ip to co mo
no r ma d e co nd uct a – g o ver n ar , o u co nsp ir ar : s e a p er v er sid ad e
ai nd a mai s d es ho nr o s as á nat ur eza d o ho me m f o r mão o c ar ac ter
p o lít ico e mo r a l d o mo n st r o q ue se d es cr ev e, ha v er á, p o r
d es gr aça d o p a iz, q ue m a ss e ver e q ue h u m p er v er so a s si m g o za
d e co n fi a nça p úb l ica ! ( C . M., n. 4 , 1 3 /j a n. /1 8 3 8 , p . 1 7 ) .
E m to d a s a s ep o c h as t e m ap p ar e cid o ho me n s se m co n s cie n ci a
ne m p r i nc íp io s, se mp r e p r o mp to s a ser v i r as o p i niõ e s
d o mi na nt e s, a ul tr aj ar as i n f l ue n cia s d e ca hid a s e os te mp o s
p as sad o s, e a c al u mn i a r aq ue lle s c uj as o p i n iõ es j á p ar ti l ho u,
ma s d e c uj as mã o s e sca p o u o p o d er . E s te u lt i m o cr i me é so b r e
tud o i mp er d o á vel no co nc ei to d o s b a nd eir o l la s. E st as
tr a n s fo r ma çõ e s são tão co mu n s no s ho me n s fr aco s e ser v is , e
mo r me n t e no s q ue s e se r ve m d a p o lí tic a co mo me io d e fo r t u n a e
ne go cio , q ue j á não val e a p e n a tr at ar si mi l h a n te a s s u mp to . ( ... )
( C. M. , “M ar a n hão ”, n. 9 1 , 1 5 /d ez ./1 8 3 8 , p . 3 6 7 ) .
40
No e xe mp lo d a q ue st ão d a p o si ção n e utr al d e Va sco nc elo s e m r ela ção à Maio r id ad e e
o s ilê n cio d a Rev i st a ( C .M., j u n ho /j ul ho 1 8 4 0 ) o u e ntão d a q u ed a d e V asco n ce lo s e se u
i mp ac to p o lí ti co n a P r o ví n ci a n a co nj u n t ur a d a Maior id ad e ( C.M ., s ete mb r o /d ez e mb r o
1840).
285
Resumo
41
O j o ve m Ma r x, f aze nd o a c r í tic a d a i mp r e n sa n a P r o ví nc ia d o Re no , na Al e ma n h a d o s
co meço s d a d éc ad a d e 1 8 4 0 , p er g u n ta v a a cer ta alt ura : “( . ..) a c rí ti ca .. . não p er d e s e u
car á ter r ac io nal ... ( q ua n d o ) não j ul g a p a r tid o s m as tr a n s fo r ma - se e m p ar t id o ? ” ( 2 0 0 7 , p .
53).
288
42
De ste s fa to r e s c h a mo u ( no s sa) a te nç ão a no t íc ia d a fo r te p r e se n ça d a ma ço nar ia e m
São L u í s, ap o n ta nd o u m a i n fl u ê nc ia d e ci si v a na v itór ia d o s co n ser v ad o r es na s ele içõ es
d e 1 8 3 6 . Fo r a t a mb é m a i nd ic ação d e D u n s h ee d e Ab r a nc he s d e q u e o s l ib er ai s se
r eu n ia m e m lo j as ma çô n ica s (O Ca t iv ei ro , s/d , p . 6 1 ) , d e sco n he ce mo s q ua lq uer es t ud o
so b r e a a t uaç ão d e s sa s l o j as no M ar a n hão .
291
Se mp r e b r ad a mo s co n tr a o s o p r e s so r e s e co n tr a a o p r es s ão q ue
ger a a a nar q ui a; ma s q u and o es ta se d e se n vo l v e , no s vo ta mo s à
d ef e sa d a o r d e m, e mb o r a o esc ud o q u e e mb ar açar mo s c ub r a
ig u al me n t e o s no s so s p r ó p r io s i n i mi g o s . ( C. M., 1 8 /j a n./1 8 4 0 .
1 9 6 9 , p ar t e 2 , p . 2 6 7 ) .
Co n st a - no s q ue S. E xc. O S nr . P r e s id e nt e d a p r o ví n ci a a cab a d e
d i mi tt ir d o s p o sto s q ue o cc up a va m no co r p o d e p o lic ia, o s s nr .
Re go P ia u h ye n se , L up er cio , e C a n uto , no m ea nd o p ar a o s
s ub st it ui r o S nr . An to ni o J o ze Qu i m, e d o u s o f f ici ae s d o co r p o
d o s a v u lso s ! As tr ê s d i mi s sõ e s, e a no mea çã o d o s nr . Q ui m
so b r e t ud o eq ui v al e m a u m ma n i fe s to d e d e clar a ção de g uer r a ao
p ar tid o q u e s us te n to u a ad mi n is tr a cção o s nr . Co st a F er r e ir a,
cuj o ap o io S. E xc . d ec id id a me n te r e g ei ta, a p e za r do q ue a l g ue m
d is ia. No e nt a nto , se S. E xc. T i n ha d e p ô r a mas cara d a
i mp ar c ia lid ad e, b o m f o i q ue o fi ze ss e j á.
T e mo s o p r az er d e a n u nc iar ao s no s so s l ei to r e s q ue S. E x a. se
ac ha co mp l eta me nt e r e st ab el ec id o d a mo l és ti a p as s a geir a q ue
p o r alg u n s d i as o r et e v e na s u a no v a r es id ê n ci a, e j á d o mi n go
p as sad o te v e e s ta cap i ta l, a s at is f aç ão d e o ver p as se ar p e la r u a
gr a nd e e d a d e S. P a n t aleão , d e b r a ço co m o Sr . co me n d ad o r
Meir ele s. ( C. M., “M ar a n hão ”, 2 6 / ma io /1 8 3 8 . 1 9 6 9 , 1 ª p ar te, p .
119).
295
43
Vej a a val ia ção d a p r e sid ê nci a Li ma e S il v a ( C. M., mar ço /1 8 4 0 ) e s o b r e p ar t id o s ,
ele içõ e s e a i mp ar cia lid ad e d o p r e s id e nt e ( C. M. , se te mb r o /d e ze mb r o 1 8 4 0 ) .
296
44
Di sc u ti nd o a s r ela çõ e s p a r ad o xa is d a es cr a v id ão co m a tr ad iç ão d o lib er a li s mo ,
Lo s ur d o i nd ica q ue e s se p o d er é c ar ac ter iza d o p r eci sa me n te co mo o q ue d e fi n e a
“es cr a v id ão ”. ( 2 0 0 6 , p . 5 4 )
297
45
Co n t ud o , n ão é c aso a p en as d e r ep r e s são , ma s d o fa to p a r ad o xa l d e q ue a s ma s s as
ca mp o ne sa s ta mb é m, e m cer to mo me nto , d e sej ar a m o “de sp o ti s mo p r o vi n ci al” . Co mo
me n cio n a mo s al g u r e s: a “ mo r te q ue ve m d e fo r a”, é “ta mb é m a q ue v i n ha ap ar e ce nd o
p o r d e ntr o ” .
298
46
Ne st a car ta co nt a va - se u m p o u co d a h i stó r ia d e Ro d r i g ue s N i na n a r e g i ão d o I g uar á e
d o Alto M u n i m, r e v el a n d o d etal h es i nt er e ss a nt e s, co mo o co n f li to co m Ra i mu n d o Re go
e o p ad r e J o ão I g ná cio d e Mo r a es Re go .
299
q ue é ma i s, a b o r d o d a s e mb ar ca çõ e s d e cab o t ag e m, co n tr a a
exp r e ss a d e ter mi n a ção d e vár io s a v iso s, r e cr ut a- s e o p o vo q ue
aco r r e a fe st ej ar o s d ia s n acio n ai s ; r ecr ut a - se o est ud a n te, c uj a
ap li caç ão e hab il id ad e o p r ó p r io r ed a to r d o I n ve s ti gad o r a te st a
na s u a q ua lid ad e d e p r o fe sso r ; e r e cr ut a- s e fi n al me n t e
te ste mu n h a q ue é j ud ici al me n te co n vo cad a p ar a j ur ar n u m
p r o ce sso d e mo r te. P ar a co r o ar a o b r a S. E x. lo u va o p atr io t i s mo
d e u m ma nd ão d o i nte r io r q u e o aco ns el h ar a a r ecr utar u m
ver ead o r d e câ ma r a, só p o r ser ês te b e nte v i e m ul ato ; e m al g u n s
p o n to s d o i n ter io r r e cr u ta - se p ar a e x to r q ui r d in h eir o ao s
d es gr acçad o s. ( 1 9 6 9 , p a r te 2 , p p . 1 3 -1 4 ) .
L ei to r e s, n ão so mo s nó s, é o I n ve st i gad o r q ue a ss i m zo mb a d o
p úb lico , s up o nd o -o tão né sc io q u e acr ed it e e m t ão gr o s se ir o s
e mb u s te s. Fo me n ta m- s e ó d io s, cal u n ia - se u m p ar t id o i nt eir o ,
n u me r o , e r ico , t ud o p ar a il ud ir a o p in ião , p ar a q u e ela não
co n h eça a v er da de ira e pri n ci pa l ca u sa d a de so r de m, a s
v io lê nc ia s do s pref eit o s e do s se u s s uba lt e rn o s. ( 1 8 6 9 , p ar te
2 , p . 1 0 . Ne gr i to no s so ) .
in s ti t ui ção p r o d uz i u o s me l ho r e s r es u lt ad o s n o s d i s tr i to s d a
co mar c a d e Alc â nta r a, e e m vár io s o u tr o s d a p r o v í nci a, e o s
se u s d e fei to s p o d ia f aci l me nt e r e fo r mar - se . As s az er a a u to r i zar
o r ecr uta me nto fo r çad o , na fa lt a d e vo l u n tár i o s, tor n ar mai s
se ve r o s o s ca st i go s , e d ar ma i s ar b í tr io ao s j uí ze s d e p az na s
d e mi s sõ e s e s u sp e n sõ e s d o s g uar d as . ( C. M., 9 / j ul. /1 8 3 8 . 1 9 6 9 ,
p ar te 1 , p . 1 6 1 ) .
47
Ser ia p r ec i so fa zer u m a hi stó r ia d o r e cr ut a me nto e d e ss as r e açõ e s p o p ul ar e s a e le.
Ma s a q ue st ão er a: p o r q u e, no c aso d a r ea çã o d e R ai mu n d o Go me s , to r no u - se u m
mo v i me n to co m a s d i me n sõ e s d a B a la iad a ? E xi st e m l i mi ta çõ e s ta mb é m n e sta
exp li caç ão , p o r ma i s fo r te q ue s ej a.
304
... p o r ca u sa d o r ec r ut a me n to i nd is ti n to e il e ga l a ma io r
p ar te d a p o p ula ção d e d i ver so s p o n to s, co n he ci d as so b o no me
d e fo r r o s ( e q u e S. E xa. C ha ma c ab r a s, à mo d a d e P er na mb u co )
te m ab a nd o nad o a s s u as casa s e r o ça s, d ei x a nd o ao d esa mp ar o
as f a mi li as : no Ro sár io , p o r e x e mp lo , a g en te p o b r e e s tá
p as sa nd o p o r to d o s o s i nco n v e nie n te s d a mi sér ia e d a fo me, p o r
ha v er f u gid o a ma io r p ar te d o s p es cad o r es. O utr o mo t i vo d e
d esco n te n ta me n to h á si d o o s er vi ço p ar a q ue se te m c ha ma d o
p o r to d o es se i n ter io r o s p ais a no s o u g uar d a s na cio na is , e as si m
vi mo s o s 2 3 q ue co mp u n ha m o d es ta ca me n to d a Ma n ga u n ir e m-
se co m ta ma n h a f ac il i d ad e ao s 1 0 a mo ti n ad o s co m q ue a li
en tr ar a Ra i mu n d o Go me s.
Acr e sc e nte mo s a i sto o s ma u s tr a to s, o s tr o n co s , e o s
vi r a mu n d o s q ue no s co n st a te r e m sid o r es ta ur ad o s p e lo
co mi s sár io J o ão O no fr e , na Ma n ga , e p elo co m is sár io L i nd o so ,
d e u m d o s d is tr i to s d o Ro sár io , e c er to n ã o ter e mo s q ue
ad mir ar - n o s d a s ur p r ê sa fei ta à Vi la d a Ma n g a. Di ze m q ue ta l
Ra i mu n d o Go me s a c h ar a a li u m se u, ir mã o a fer r o s no
vi r a mu n d o ; o r a se mel h an te s p er se g u içõ e s hão p o r fo rça fa zer
d esco n te n te s, e o d es co n te n ta me n to no s ho me n s gr o s seir o s,
en tr e o s q ua is há al g u n s cr i mi n o s o s, não p o d e d e i xar d e
p r o d uz ir r es u lt ad o s i g u ai s ao s d a Ma n g a, q ue tão fa ta is p o d e m
ser . ( ...) .
E st e s s e n ho r e s d a s p r e f e it ur a s a s se n ta m- s e q u as e to d o s q u e p e lo
fa to d a s ua cr i ação r es t aur o u - s e o ab so l u ti s mo p ur o ; a ss i m f ala -
no s u m na no va o r d e m d e co is a s, e xp r e ss ão téc ni ca, q ue s e mp r e
ser v i u p ar a d e s i g nar mu d a n ça d e si s te ma ; o ut r o s le va n ta m
go l i n ha s, e p õ e m o s r ec r u ta s e m tr o nco s ; o u tr o s aco n se l ha m ao
go ver no co m ad mi r á ve l sa n g ue fr io q ue ma nd e r ecr ut ar p ar a
gr u me te u m cid ad ão p ací f ico , e st ab el ec id o co m ne gó cio , e
ver ead o r d a câ mar a, p o r q ue só as s i m no s p o d e r e mo s l i vr ar d e
u m mu l a to tão p r ej ud ici al; o u tr o fi n al me n te as s ev era q ue só p o r
fa lt a d e fo r ça s não p r e n d eu u m j u iz d e p az, co n tr a q ue m ap e n as
ti n ha al g u ma s s u sp ei ta s ! ( ...) . ( P a r te 2 , p p . 3 -4 ) .
p u se s se e m fer r o s. M as se ap es ar d a o r d e m , o co ma nd a n te,
o Sr . J o sé Mar ia Fer r eir a, p r at ico u o co n t r ár io , e nt e nd a m-
se co m ele . No en ta nto c u mp r e aq u i d ecl ar ar q u e ha v ia
to d a a r azão p ar a ser e m o s r e cr u ta s g uar d ad o s
cu id ad o sa me n t e; a f u ga d e al g u n s d e le s d o P aq u et e
B r as íl ia, a u xi li ad a p o r age nt es d a o p o si ção e co nfe s sad a
até p o r u m d o s ú lt i m o s I n ve st i gad o r es , j u st i fic a to d as as
ca ute la s do go ver no p ar a a s ua se g ur a n ça. ( C. M.,
1 5 / fe v. /1 8 3 8 . 1 9 6 9 , p ar t e 1 , p . 5 4 ) .
E is o q ue te m p r o d u zid o as p r e fe it ur a s ; ap ar e c e u ma d e so r d e m,
e m co n s eq üê nc ia s d a s s ua s p r ep o tê nc ia s, o s se d icio so s e o se u
ch e fe d e v as s a m l i vr e m en te e d e mão ar mad a o ter r i tór io d a
p r o v í nci a e o s ma nd õ e s q ue d er a m ca u s a a d es o r d e m a i nd a no
esp a ço d e d o i s me se s n ão p ud er a m o u so ub e r a m so p eá -la. T o d o
o se u z elo se te m d es e n vo l vid o co n tr a a p o p u lação p ac í fi ca e
ind u s tr io sa , q ue e s tá s end o v ít i ma d o s r eb eld es mi s er á v ei s, e
d o s r eb eld es p o d er o so s ao me s mo te mp o ; ata ca - se o d ir ei to d e
p r o p r ied ad e, f aze nd o d e mo r ar a s ca no a s, p ar a e mp r e ga r as
tr ip u laçõ es a r o ç ar mat a-p a sto ; i n vad e - se d e n o ite o a si lo d o s
cid ad ão s ; e sp a nc a m- s e e scr a vo s a l he io s a té a mo r te; tr a n s fo r ma -
se a p o p ul ação i n te ir a e m g uar d as d e ho nr a d e p r efe ito s, e
r o ub a m- s e e e s tr a ga m - s e o s b e n s d e cid a d ão s a mi g o s d a o r d e m.
Fi n al me n te, p ar a o q ue o atr o z a nd e mi st ur ad o co m o r id íc ulo ,
d ão - s e a l g u ma s p r o v i d ên cia s ( i le ga i s) co n t r a a s r eze s d e
b ic he ir a, e fi g ad o e s ve r d ead o , a f i m d e q u e as me n cio n ad a s
r eze s não se v e nd a m ne m se ca s, ne m v er d e s ! ( C. M., 7 / f e v/1 8 3 9 .
1 9 6 9 , p ar t e 2 , p . 2 5 ) .
So b r e t ud o ( to r na mo s a le mb r á - lo ) é p r eci so q ue ce s se m a s
inj u st iça s e a s v io l ê nc ia s no r ec r uta me n to , o s i n s ul to s e o
d esp r êso co m q ue u ma s ta n ta s a uto r id ad es t r ata m a s c la ss es
in f er io r e s. E m v er d ad e não é u ma i nd ec ê nci a q u e o s ma g i str ad o s
p o lic ia is e stej a m co nt i n ua me n t e a fa lar e m to d o s o s se u s
[ o f ício s] , e m b e nt e vi s, e m ho nr ad o p ar t id o cab ano , e m cab r as
d esa v er go n had o s, e m m ul ato s p r ej ud ic ia is q ue se d e ve m q ua n to
an te s r e cr ut ar p ar a gr u m ete s? ( 1 9 6 9 , p ar te 2 , p . 9 ).
Os cr i me s e vio lê nc ia s a q ue acab a mo s d e al ud ir te m s id o
lar ga me n t e n ar r ad o s e m to d o o d ec ur so d a n o s sa r ed ação ; o s
ma i s d e le s n ão te m sid o ne m le v e me n te c o nt e stad o s p elo
co n te mp o r â neo , q u e a go r a se ar r o j a a no s p er g u nt ar d e u m mo d o
306
T r iste s e fe ito s d as d i s s en çõ e s c i vi s, so b r et ud o no B r a si l, o nd e
o s v ício s d a p o p u laç ã o se mi -b ár b ar a não te m o s p o d er o so s
co r r et i vo s q u e s e e nco nt r a m e m o u tr o s p aí se s e o nd e a s ua
d e ma siad a e r ud e i g no r â nc ia não se p r e st a ao e f eito p o d er o so d e
u m g r a nd e me io d e c i vi li zaç ão , a i mp r e n sa, cuj a s ce m b o ca s
cla ma m e m vão p ar a e la , co mo se c la ma s se m no d eser to . ( C.M.,
7 /j an. /1 8 4 0 . 1 9 6 9 , p ar te I I , p . 2 5 1 ) .
4.1 TRAUMA
Hoje, mais de século e meio depois, precisamente 165 anos (quase seis
gerações), é difícil apreender o trauma que foi a Balaiada em sua justa
dimensão, tal como César Marques junto com o seu grupo de geração,
escrevendo pouco mais de duas décadas após, ainda podia sentir como
“luto” e “dor”. Ao escrever sobre a pequena vila da Manga, assim se
expressava em nota contida:
1
D. F el ip e Co nd ur ú P ac he co , na s ua H is t ó ria E cle siá st ica do M a ra nhã o , co me nt a nd o
a q ual i fi caç ão q ue D. M ar co s An tô nio d e So uz a , o 1 5 º B isp o d o M ar a n hão , a tr ib u ír a à
B ala iad a co mo “i nc ur s ã o a nár q u ica e i mp a tr ió ti ca”, no ta q ue a “e s sa co r r er ía s el v a ge m
e fr a tr icid a mai s e xa ta me n te l h e cab er ia o fer r ete d e – P ág i na N e gr a d a His tó r i a d o
Mar a n h ão ” ( 1 9 6 9 , p . 1 6 3 ) . Na hi s to r io gr a fi a so b r e Mar a n hão , a B a la ia d a sa li e nta co mo
u m d o s as s u nto s ma i s e st ud ad o s , se não o mai s est ud ad o . Vej a o s se g u in te s e st ud o s e
r ef er ê n cia s ma i s e sp ec í f ica s: M e mó ria hi st ó r i ca e do c u me nt a da da rev o l uçã o da
pro v ín cia do M a ra n hã o de s de 1 8 3 9 a t é 1 8 4 0 ( Ma ga l hãe s, 2 0 0 1 ) ; No t a s diá r ia s so b re
a rev o lt a c iv il q ue t ev e l ug a r na s pro v í nc ia s do M a ra n hã o , P ia uhy e C ea rá pe lo s
a nno s d e 1 8 3 8 , 1 8 3 9 , 1 8 4 0 , 1 8 4 1 ( Al e nca s tr e, 1 8 7 2 ) ; Apo nt a me nt o s p a ra a H ist ó r ia
da Rev o lu çã o da B a la i a da na P ro v í ncia do M a ra n hã o ( Ama r al , 1 8 9 8 ; 1 9 0 0 ; 1 9 0 6 ) ; A
B a la ia da 1 8 3 9 ( Ot á vio , 2 0 0 1 ) ; A B a la ia da ( Co r r êa, 1 9 9 6 ) ; A B a la ia da ( Ser r a, 1 9 4 8 ) ;
A B a la ia da e a i n su rr eiçã o de es cra v o s no M a ra nhã o ( Sa nto s, 1 9 8 3 ) ; A B a la ia da
( J ano tt i, 1 9 8 7 ) ; A G ue rra do s B e m- t e- v i s ( A s s u nção , 1 9 8 8 ) ; Do c u me n t o s pa ra a
hi st ó r ia da B a la ia da ( AP E M, 2 0 0 1 ) . P ar a e st ud o s so b r e a B a la iad a no P i a uí, vej a:
309
P es q ui sa s pa ra a H i st ó ria do P ia u í ( N u n e s, 1 9 7 5 ) ; A B a la ia da no P ia u í ( Ol i vei r a,
1 9 8 3 ) ; B a la io s e B e m- t e - v is ( D ia s, 1 9 9 6 ) .
310
Nel e fi car a m:
- A o s sad a d e sc ar nad a p elo s ur ub us p ar a esc ar na me n to d e
uto p i st as ni ve lad o r es e r eb eld e s.
- A o b ed iê nc ia p as s i va d e g o ver nad o s q u e não p r o te sta m.
- C h e fe s q ue e ns i na m e s sa o b ed iê n ci a co mo d e v er cí v ico .
- Ge sto s tir â nic o s d o P o d er p u ni nd o o s i n fr a to r e s d e s se d e ver .
- D ir e ito co n s ue t ud i n á r io p elo q ua l o s b e n s d o s r eb eld es
p er te n ce m ao s le g ai s, r e av i vad o e m 1 8 9 9 .
2
P ar a al g u ma s r e f er ê n cia s t eó r i ca s i mp o r ta n t es e m no ss a ab o r d a g e m d a q ue st ão ,
le mb r a mo s A Ge nea lo g ia da M o ra l ( Nie tz sc he, 1 9 9 2 ) ; Vig ia r e P un ir ( Fo uc a ul t,
1 9 8 7 ) ; C rít ica da V io l ênc ia – Cr ít i ca do P o der ( B e nj a mi n , 1 9 8 6 ) ; E ic h ma n n e m
J eru sa lé m ( Ar e nd t, 1 9 9 9 ) ; I nj ust iça ( Mo o r e J r ., 1 9 8 7 ) ; A ba na l iza ç ã o da inj u st i ça
so c ia l ( Dej o ur s , 2 0 0 1 ) ; H o mo Sa c er ( Ag a mb e n, 2 0 0 7 ) ; Dia lét i ca da ma la n dra g e m
( Ca nd id o , 1 9 9 8 ) .
313
Proximidade e distância
p r o p r iet ár io s e i nd i v íd u o s d a s cl a ss es i n f er io r e s li vr es u ni nd o -
se co ntr a o s n e go c ia nt es ; ma s j u n ta nd o - se ta mb é m co m e s te s
úl ti mo s co ntr a e scr a v o s; e ve mo s a i nd a aq u ela s cla s se s
in f er io r e s co n gr e ga nd o - se co ntr a p r o p r iet ár io s e co me r c ia nt es
q ue e s tão p o r ci ma , e q u e p ar a e ste e f ei to , co mo p oss u id o r e s, se
ali a m co n tr a s a s não -p o s s uid o r a s. .. V er e mo s b r an co s l ut ar co m
p r eto s e mu l ato s co n tr a o p r eco nc ei to d e co r ...; mul ato s e
p r eto s, co m o s b r a nco s, a fa vo r d e le; p o r t u g ue se s co n tr a a
me tr ó p o le, e b r as il eir o s a fa vo r ... I sto n u m mo me n to p ar a
mu d a r e m d e p o s ição r es p ect i va lo go e m se g uid a , e d e no vo ma is
tar d e ( ...) ( 1 9 8 3 , p . 3 6 9 ) .
não eram vistos como identidade própria, mas como estado de metamorfose
racial momentâneo em direção á condição de branco ou negro (como
imaginava Gayoso).
Que mundo era esse constituído por grupos que por razões várias (raciais,
sociais, econômicas, culturais) foram estabelecendo entre si, muitas vezes
forçados pela escravidão, um jogo de relações ao mesmo tempo de
proximidade e estranhamento? Expressão dessas relações era o preconceito
presente, a caracterizar o modo como os grupos étnicos se tratavam
(brancos em relação a mestiços; mestiços em relação a negros; mestiços em
relação a brancos; brancos em relação a índios). O preconceito (leia-se: o
não-reconhecimento do outro) era parte da estrutura de dominação e
também do “choque cultural” propiciado pelo encontro de grupos étnicos
distintos no mesmo espaço. Drama exposto na expressão “misturar sangues
é misturar destinos” das cartas de Dona Martinha (1992, p. 63). Os
mestiços sentiam-se donos da terra e não aceitavam brancos governando a
Província. Como ela escreveu: “Os mestiços julgam-se os senhores da terra;
cognominam-se de nativos. Os brancos para eles, mesmo os que vieram à
luz aqui, são adotivos como os estrangeiros que declaram aceitar a
nacionalidade brasileira.” (idem, pp. 63-64).
3
Car act er i zaç ão q ue t al ve z te n h a l e vad o Si l vio Ro mer o a d i sco r d ar d e u ma d a s te se s
ce ntr ai s d e J o ão Li sb o a, a d e q ue o s b r a sil eir o s d esc e nd i a m d o s “o p r es s o r es ” e n ão d o s
“o p r i mi d o s ”. Ad ep to d a s no çõ es d e me s ti ça ge m e m vo ga no s e u t e mp o , Ro me r o a c ha va
q ue a s il u sõ e s d e L i sb o a ne s se p o n to p r o vir ia m d a “f ac il id ad e co m q ue a co r ma i s o u
me no s c lar a d o s me st iço s d i s far ç ad o s se co n f u nd e se mp r e co m a co r d o s se u s
p r o ge n ito r e s p o r t u g ue se s, q u e, co mo b o n s me st iço s, n ão e sq ue ça mo s, q ue t a mb é m s ão
d e v el h as f usõ e s, p er te n ce m ao n ú mer o d o s p o v o s m o re no s o u m ela no c ró i co s . É is to e
nad a ma i s. No te mp o d e J o ão L i sb o a, e ntr e o s q ue p e n sa va m e e s cr evia m ni n g ué m
ex ced i a a Go nç al v es Di as e ao p r ó p r io Li sb o a. O p o eta e r a, to d a a g e nt e sab e , me st iço
d o s q u e n ão p o d e m ne ga r , e o p r o sad o r t i n ha na s ve ia s mu it a s go ta s d e s an g u e i nd í g e na,
se g u nd o to d a s a s ap ar ê nc ia s.” ( 2 0 0 1 , p . 3 3 4 ) . Não d e i xa o cr í ti co d e o b s er var q ue
d ep o i s Li sb o a r e v is ar i a u m p o u co aq ue la id é ia.
317
4
C f. Lo s ur d o , Co nt ra - H i st ó ria do Li bera li s mo , p ar a u ma vi são ab r a n ge n te d o
p r o b le ma ( 2 0 0 6 , e sp . p p . 6 1 -6 2 )
5
C f . Ab r a nc he s ( 1 9 9 2 , p . 7 2 ) , o nd e , ap o iad o n as car ta s d e i xad as p o r s ua a vó , d iz q ue
L i ma e Si l va co nc l uír a, q u a nto ao s “cab r a s e me s ti ço s l i vr e s”, q ue “ o se u e x ter mí n io
ser ia u m b e ne f íc io p ar a prev en ir f u t ur a s r u s ga s ” co mo a B al ai ad a ( gr i f o no s so )
318
6
P ar a u ma a ná li se a mp la , in sp i r ad a no p e ns a me n to d e Fr e ud , so b r e a s múl tip la s fo r ma s
d a ag r e ss i vid ad e o u “d e sej o d e d o mí n io ” na c u l tu r a b ur g ue sa d o séc u lo XI X vej a G a y,
O Cu lt iv o do Ó dio ( 1 9 9 5 , esp . cap í t ulo 3 ) . Ser ia i n ter es sa n te r e lac io nar a es sa
p si ca ná li se d a c u lt ur a b ur g ue s a d o séc u lo XI X a “a u to -a ná li se ” d o mo me n to d e r up t ur a
– o tr a u ma d e j u n ho d e 1 8 4 8 e m P ar i s – fe it a p o r Do l f Oe h ler ( 1 9 9 9 ) , ve nd o - se o
“r eca lq ue ” d e 1 8 4 8 co mo ele me nto c ha ve d o “c ul ti vo d o ó d io ”. No c aso e m p a u ta, o
p r o b le ma lo c al iza v a - se j us to na s d i f ic uld ad e s d a “ed uc ação ” o u “ s ub l i ma ção ” d o s
co n f li to s e nt r e o s gr up o s, d i sp o sto s se mp r e a r eso l vê - lo s p o r meio d a vi n g a nça e d a
p ur a e s i mp le s “p r o scr iç ão ” d o ad ver sár io . Ne ss e se n tid o , a s d i sp ut as ai nd a n ão ha vi a m
se r ed e fi n id o p e la s r e g r as d a p o l ít ica mo d er na , e mb o r a ela s se f iz es s e m p r e se n te no
d is c ur so d o s “ato r es ”. A “co ns tr uç ão d a o r d e m i mp e ria l” i mp l ico u o e st ab ele ci me n to d e
r eg r a s “p o lí ti ca s” d e n at ur e za d i ver sa d a p o lí tic a “v ito r ia n a”. Ne la, a ss i m co mo a
“s ub li ma ção ” d a g u er r a so cia l fo i med iad a p ela co e xi s tê nc ia co m o “fa vo r ” e a
“es cr a v id ão ”, d o me s mo mo d o o se u “r eca lq ue” , q ue la nç a no e sq uec i me n to aq u ilo d e
q ue to d o s sab e m e r e c u sa m “f al sa me nt e” sab er , tr a ns f o r ma nd o e m n e ga ção ap ar e nte a
cu mp li cid ad e e fe ti v a co m o ho r r o r ( co mo Rib e ir o d o Amar a l, q ue u sa nd o a b u sca d a
“v er d ad e ” co mo ál ib i d o h is to r i ad o r , li mi t a -s e à r ep r o d u ção d o s c li ch ês d a ver são
320
7
C f . M ar i a d e Lo ur d e s L. La cr o i x, J erô n i mo de Al b uq ue rq ue M a ra nhã o : g uerra e
f un da çã o , p ar a u m es t u d o q u e l e va e m co n ta a ce ntr al id ad e d a g uer r a d esd e o i n íc io d a
co lo ni zaç ão p o r t u g u es a.
323
8
So b r e o p ap el d a “o r d e m fa ze nd á r ia ” n a Hi st ó r ia d o B r as il vej a Dar c y Rib eir o , A
A mé ri ca e a s Civ il iza çõ es ( 1 9 8 3 ) .
324
proprietários destas ribeiras, que bem podiam ajudar em tudo quanto fosse
possível e compatível com suas graduações, idades e estados” (apud
Magalhães, 2001, p.63). Daí que tenha resolvido enfrentar esse segmento
com a seguinte medida, sob pena de serem perseguidos como “feras” e
terem “arrasadas” as propriedades:
9
C f. C aio P r ad o J r ., p ar a u m q uad r o d e s í nt es e d es sa s co n tr ad içõ e s ( 1 9 8 3 , p p . 3 6 6 -9 9 )
327
metade do século XIX, pois foi aí que tiveram suas “origens” aqueles
movimentos.
Processo sumário
Co nt ar a m- me q u e e m c er ta p r o p r i ed ad e o nd e o s es cr a vo s er a m
n u me r o so s se r eb el ar a m est e s e ma is d e u m ad mi n i str ad o r fo r a
as sa s si n ad o p o r ele s, e b asta n te t e mp o fic ar a m se m ni n g ué m
p ar a d ir i g i -lo s, ma s nã o ab a nd o nar a m a hab ita ção . E s ta va m a s
co u sa s ne s sa ma ne ir a, q ua nd o u m p o r t u g uê s s e ap r es e nto u ao
d o no d a ter r a o fer e ce nd o - se p a r a o c up a r o lu g ar , med ia n te
sa lár io a n ual d e u m co n to -d e -r é i s, cer ca d e 2 5 0 £ ( u ma q ua n tia
eno r me) co nt a nto q u e u m d o c u me n to f o s se as s i nad o ,
d eso b r i ga nd o -o d a r e sp o n sab il id ad e p e lo s e scr avo s q ue fo s se
o b r i gad o a ma tar p ar a r ed u zir o s r e s ta nt es à o b ed iê nc ia. T ud o
fo i a cei to se m o b j eç ão , e o ho me m p ar ti u, a co mp a n had o p o r
d o is o ut r o s, se u s a mi g o s, u m g u ia, to d o s b e m p r o vid o s co m
ar ma s d e fo go e mu n i ç ão . C he ga nd o à tar d e a o lo c al d a a ção ,
en co ntr ar a m ab er t a a p o r ta d a c as a - gr a nd e e s e alo j ar a m to d o s.
Na ma n hã i med i ata , mu i to s ne gr o s, d e sco b r i nd o as i n te nçõ es d a s
p es so a s q ue s e ha v ia m a p o s sad o d a ca sa, r e u n ir a m- s e n u ma ár ea
d ef r o nte, ma s a u ma p eq u e na d i st â nci a. O no vo ad mi n i str ad o r
s ur gi u à p o r ta , d e s ar mad o , n ão p er mi ti nd o q u e se u s
co mp a n he ir o s ap a r ece s s e m, e c ha mo u u m d o s c h ef e s ne gr o s p elo
no me , co mo s e t ud o o co r r es se no r ma l me nt e. O ho me m
r esp o nd e u e s ai u d o gr u p o ma s não s e ap r o x i mo u d o p o nto o nd e
o ch a ma va m. O ad mi n is tr ad o r não p er d e u t e mp o . T o ma nd o
r ap id a me n t e u m mo sq u e te c ar r e g ad o q ue e sta v a atr ás d a p o r ta,
fe z fo go , e se m d e mo r a c h a mo u o u tr o es cr a vo p elo no me.
Ni n g ué m r e sp o nd e nd o , o s co mp a n h eir o s d o ad mi n i str ad o r
f izer a m fo go so b r e o s e scr a vo s. Fo i tal o e f ei to d es se p r o ce s so
s u már io d e p r o ced er q ue, e m d o is o u tr ê s d ia s, t ud o es ta v a
328
tr a nq üi lo , vo lt a nd o o s háb ito s a nt i go s, e v ad i n d o - se u m n ú me r o
in s i g ni f ica n te. ( 2 0 0 2 , p p . 3 0 9 -3 1 0 ) .
10
“T al v ez q ue a p o uc a atte n ção q ue a al g u n s Se n ho r e s mer ece o s u st e nto d a s ua
esc r a va t ur a, sej a ca u sa d a gr a nd e mo r t a nd ad e q ue tod o s o s d ia s e x p er i me n tão e m
p r ej uí zo d o s se u s cap i t ães , d a s u a l a vo ur a, e d a s u a co n sc iê n cia ” ( G a yo so , s /d ., p p .
2 0 1 -2 0 2 ) .
329
11
P ar a u m es t ud o d o c u m en tad o so b r e a q u es tão na B a h ia, ma s no me s m o p er ío d o , v ej a
U m co nt ra po nt o ba ia n o ( B ar ic k ma n , 2 0 0 3 ) , e, p ar a o Mar a n hão , “E xp o r taç ão , mer cad o
in ter no e cr is es d e s u b si s tê nc ia n u ma P r o v í nc ia b r a si le ir a: o ca so d o M ar a n hão ”
( As s u nç ão , te x to u ti li za d o e m s ala d e a u la) . Ve j a a Crô nica M a ra n he n se ( 3 / f e v./1 8 3 8 .
1 9 6 9 , 1 ª p ar te, p p . 3 9 -4 1 ) .
12
Se g u nd o o hi sto r iad o r So u t he y, o s “p o r t u g ue se s d o P ar á e d o Mar a n hão fo r a m o s
úl ti mo s a s e r ed i mir e m d a d ete s tá ve l i mp u taç ã o d e cr ueld ad e no t r ato d o s e scr a vo s ;
en tr e ta n to , o co s t u me ca tó li co d a ma n u mi s s ão p ar ec ia -l h e ab r ir u ma p er sp ec ti v a sa l uta r
e at e n ua nt e” ( Di as , 1 9 7 4 , p . 2 7 7 ) .
13
C f . O E sc ra v i s mo Co lo n ia l, ( Go r e nd er , 1 9 9 2 , p p . 2 7 1 -2 8 4 ) , o nd e s e q u es tio n a a s
in ter p r et açõ e s q ue e x tr e ma r a m o s asp ecto s p a tr i ar ca is o u mer ca nt i s n a c o mp r ee n são d o
esc r a vi s mo . No ca so d o esc r a vi s mo no Mar a n hã o , so mo s d a o p i nião d e q ue ao s a sp ec to s
330
P i me nta , E st a do e Na çã o no F i m do s I mp ér io s Ib éri co s no P ra t a ( 1 8 0 8 - 1 8 2 8 ) ( 2 0 0 2 ,
esp . cap ít u lo 6 ) . Fa lt a m es t ud o s q ue p e n se m a s “g uer r a s ci vi s ” co mo e xp er iê n cia s p e la s
q ua i s, no sé c ulo XI X, o B r as il i mp ér io ve io a s e r .
332
Que muitas dessas leis, especialmente a dos dias de trabalho dos escravos,
tenham sido propostas dez anos depois da Balaiada, não altera a
compreensão delas como sinais que apontam para a tendência de
17
C f. L ei s P ro v i nc ia i s da As s e mb l éia do M a ra n h ã o ( Ar q ui vo P úb li co d o E st ad o )
333
18
U m e xa me d a s p o st u r as mu n i c ip a is, a s q ua is co meç ara m a ser a p r o vad a s p el a
As se mb lé ia P r o vi n ci al a p ar t ir d e 1 8 4 3 , d e ver á i nd i car e s sa te nd ê nci a ao co n tr o le d a
o r d e m e scr a vi st a p e lo E st ad o vi sa nd o à r ep r o d u ção d a o r d e m so c ial .
334
19
E m Cri me s d e G uer r a , B ar to v, Gr o s s ma n n e No la i n fo r ma m q ue o “co nc ei to d e
ge no cíd io fo i i n ve n tad o p o r R a fae l L e mk i n, u m j ud e u-p o lo nê s r e f u g i ad o d o naz i s mo ,
d ur a n te a Se g u nd a G u er r a M u nd ia l, ma s a nt es q u e o ho r r o r d e Au sc h wi tz fo s se
to ta l me n te co n hec id o ” ( 2 0 0 5 , p . 1 3 ) .
335
Na s o r d e n s v er b a is d ad as ao s c he f e s d a s tr o p a s e m p a lác io , o
co r o n el não o c u lto u me s mo e s se i n te nto . R eco me nd o u -l he s q ue
b u sca s se m o ma i s p o s sí ve l atr a ir o s e scr a vo s p a r a se u s se n ho r es
na s faz e nd a s, p r o me te nd o - l he s q u e n ão ser ia m ca s ti gad o s
( Ab r a nc h es , 1 9 9 2 , p . 7 2 ) .
20
C f . G ru po s P o lít ico s e E st r ut ura O l ig á r qu ica no M a ra n hã o ( Rei s, 2 0 0 7 ) p ar a
ex a me d a s e st r at é gi as v ar iad as d e s se p o d er ; ta mb é m O s Ano r ma i s ( F o uc a ul t, 2 0 0 2 , p .
1 2 3 -2 6 ) p ar a a no ção d e “ mo ns tr o p o p u lar ” .
339
21
Vej a ta mb é m “P r e no m e d e B e nj a mi n ” ( De r r id a, 2 0 0 7 , p p . 6 1 -1 4 5 ) e “Af o r ma ti vo ,
gr e v e”, d e H a ma c her ( i n B enj a mi n e O sb o r ne, 1 9 9 7 , p p . 1 2 2 -1 4 8 ) .
340
22
O q ue, d e cer to mo d o , s e mp r e fo i u m asp ec to c h a ve d o co nc ei to d e p o l ít ica não
ap e na s na tr ad iç ão l ib er al, ma s e m to d a a tr ad iç ão mo d er n a. Co n fi r a o s e mi na l G ue rra
Civ il, d e Ha n s M a g n us E nze n sb er g er , o nd e a cer t a a lt ur a se d iz q u e, no s ca so s d a s
g uer r a s ci v is d e ho j e, a p er d a d as “i nt e nçõ es” ne u tr a li zo u “q ua lq uer p e n s a me n to
p o lít ico , d e Ar i s tó te le s a M aq uia v el, d e Mar x a W eb er ” ( p . 2 6 ) . Ma s ser ia só ne ss e s
caso s?
341
Ge nt e d e s ta n ão se i n sp ir a e m p o lí tic a, p o r q ue sua a çã o é
co nt ra a po lít ica . P o d e m o s b a la io s p ed ir q ue se a cab e co m a s
p r e fei t ur a s, q ue se r es p eit e a Co ns ti t ui ção , q ue se e xp u l se m
p o r t u g ue se s, t u d o i sto n ão p as s a d e o iti v a s ma l d eco r ad a s. S ua
ver d ad e ir a i n sp ir aç ão é mat ar , d e str u ir , q ue i ma r e d ei x ar - se
ma tar co mo t i n ha sid o n a Cab a na ge m d o P ar á e en tr e o s cab a no s
d e P er na mb u co e ai nd a não há mu i to se ver i fi c o u no s sa nto s d e
Ca n ud o s ( 2 0 0 3 , p . 1 8 . N egr ito no s so .) .
342
livres e pobres” e dos escravos. Notou que as elites faziam diferença entre
grupos “ordeiros” e vadios. No segmento dos homens livres e pobres havia
“moradores ou agregados”, aqueles que residiam em terras dos senhores por
sua permissão, e aqueles que viviam fora das propriedades com base na
economia de subsistência (caça, pesca, coleta, etc.). Os vadios formariam
um terceiro grupo, vistos como criminosos ou “facinorosos”. Em relação a
eles o autor chama a atenção para pelo menos dois aspectos: 1) a visão
preconceituosa, com origem no escravismo, nutrida pelas elites; 2) a
dificuldade do Estado em controlar esses segmentos, por falta de
policiamento adequado e também porque os vadios contavam com a
proteção dos grandes proprietários, que os utilizavam para defesa dos seus
interesses (Caldeira, 2004). Em suma, seu estudo indica que a visão das
elites sobre os grupos diversos de homens livres e pobres era marcada pela
ideologia do escravismo. Indica também que os vadios disseminaram-se
num meio caracterizado ainda pela pouca penetração do Estado e pelo
domínio da grande propriedade, em que pese desde os começos dos anos
1830 o governo tenha aprovado leis e medidas visando ampliar seu
domínio, como a criação da Guarda Nacional.
Neste lugar, vale a pena retomar o conhecido texto “A Vida dos Homens
Infames”, de Michel Foucault, pois balaios e escravos rebelados foram
representados oficialmente, sobretudo, como “vidas infames”. Temos nele
vários elementos para análise da guerra da Balaiada. O assunto do texto de
Foucault, como se sabe, é a emergência do cotidiano através de um
discurso produzido no campo da linguagem do poder monárquico, na França
23
dos séculos XVII e XVIII . Configura-se como uma primeira forma de
“saber do cotidiano”. Os “homens infames”, isto é, os homens comuns,
compõem as massas anônimas. Seus dramas – sofrimentos, violências e
paixões – passam a se expressar pela linguagem daquele poder. Por que
infâmia? A infâmia era aquilo que, durante longo tempo no Ocidente, por
razões de poder e das estratégias discursivas, não integrava um discurso,
23
As s u nto q u e n u m p la no ma i s a mp lo atr a ve ss a o clá s sico M i me s i s d e E r ic h Au er b ac h
(1994).
345
não podendo ser dito ou ser objeto de registro. Para este discurso – o do
“Ocidente” - o cotidiano das massas anônimas estava no âmbito daquilo que
não merecia aspirar à condição de fábula. Pelo menos até o século XVII,
somente o “fabuloso” (o extraordinário, o impossível, a façanha, etc.)
poderia ser objeto da “fábula”, isto é, poderia ser dito. O dispositivo das
confissões criado pelo cristianismo permitia a passagem desse cotidiano
para o discurso, mas para um discurso que ainda deveria ser feito em
segredo e apagado tão logo fosse dito. Como escreve Foucault, durante
muito tempo o mal se expressou na forma de um “cochicho obrigatório e
fugidio”. Com a montagem do aparato administrativo das monarquias
absolutistas, especialmente franceses nos séculos XVII e XVIII, pela
primeira vez esse “saber do cotidiano” encontrou as condições de
possibilidades pelas quais se manifestou não mais como “confissão”
visando o “perdão”, porém como “registro” em múltiplas vozes compondo
uma memória. As “vidas infames” emergem no teatro do poder real,
possibilitando a aproximação entre a figura do monarca e a dos homens
comuns. O rei se vê diante de demandas envolvendo brigas de pais e filhos,
de casais, de vizinhos, paixões secretas, disputas públicas, excessos do
vinho e do sexo. Através do poder monárquico tais questões, consideradas
insignificantes, passaram a ser ditas. Mas ditas segundo regras do discurso
monárquico, com sua forma cerimonial, torneios, grandiloqüência, etc. Daí,
diz Foucault, que elas aparecem na forma inevitável do disparate. Para
este autor a linguagem do Estado tende a mudar com a Revolução Francesa,
quando o poder perde sua forma monárquica e passa a assumir a forma da
ciência, da administração e do jornalismo (2003, pp.213-22)..
do poder, mas também das demandas que fazem a ele; portanto, como
indicado, a chamada “arbitrariedade” do poder imperial é relativa: o abuso
da autoridade é fruto também de uma demanda do homem comum; 4)
aparecem de modo descontínuo, fragmentado, rápido, como se viessem do
esquecimento e não tivessem tradição; 5) surgem na forma da “lenda”,
misturando realidade e ficção (como, tempos depois, veremos tomar forma
no romance histórico “A Balaiada”, de Viriato Corrêa, uma espécie de
representação literária conservadora e hegemônica dos balaios.).
1 FONTES IMPRESSAS
CO L EÇ ÃO d a s L ei s p r o vi n ci ai s d a As se mb léi a d o Mar a n h ão ( AP E M)
1.2 Jornais
MO R AE S, J o mar . G u ia de Sã o L uí s do M a ra n h ã o . São L uí s : Le g e nd a, 1 9 8 9 .
CO R R E I A, Fr ed er i co J o sé. U m l iv ro de cr ít i ca . São L u í s, T ip . Fr ia s, 1 8 7 8 .
L AG O, An tô n io B er n ar d in o P er e ir a d o . It i ne r á rio da P ro v í nc ia do M a ra nhã o p o r An tô n io
B er n ar d i no P e r eir a d o L a go i n : Re v is ta T r i m en sa l d o I n s ti t uto Hi s t ó r ico e Geo g r ap hi co e
E t h no gr ap h ico d o B r a s il . Rio d e J a n eir o : B . L. Gar ni er – L i vr ei r o – E d ito r . T o mo X XX V, p ar t e
p r i me ir a, 1 8 7 2 .
M AG AL H ÃE S, Do mi n g o s J o s é Go nç al ve s d e . M e mó r ia hi st ó r ica e do cu me nt a da da r ev o l uçã o
da pro v ín cia do M a ra nhã o de s de 1 8 3 9 a t é 1 8 4 0 . São P au lo : E d ito r a Si cil ia no , 2 0 0 1 . ( Co l eçã o
“Mar a n h ão Se mp r e”) .
OT ÁVI O , Ro d r i go . A B a la ia da 1 8 3 9 : d ep o i me n to d e u m d o s h er ó i s d o cer co d e Ca x ia s so b r e a
Re vo l ução d o s B al aio s. São P a u lo : S ici li a no , 2 0 0 1 . ( Co leç ão “Mar a n h ão Se mp r e”) .
P R AZ E RE S , Fr e i Fr a nc is co d e N. S. d o s. P o r a nd u ba M a ra nhe n se o u Re la çã o H i st ó r ica d a
P ro v í nc ia do M a ra n hã o i n: Re v i sta T r i me n s al d o I n st it u to H i stó r ico e Geo gr ap hico B r az ile ir o
f u nd ad o no Rio d e J a n e ir o d eb ai xo d a i m med iat a p r o t ecçã o d e S. M.I . o Sr . D. P ed r o I I . R io d e
J ane ir o : T yp o gr ap h ia, L it ho gr ap h ia e E n cad er n a ção a v ap o r d e Lae m mer t & C. T o mo I V, p ar te I ,
1891.
VI E I R A D A SI L V A, L uí s An tô n io . H i st ó ria da In de pe n dê ncia da P ro v í nc ia do M a ra n hã o ,
1 8 2 2 /1 8 2 8 . 2 ª ed . , R io d e J an eir o : Co mp a n h ia E d ito r a Ame r ic a na, 1 9 7 2 . ( Co leç ão “São L u ís –
4 ”) .
_ _ _ _ _ _ . O f io da me a d a . S ão P a ulo : P az e T er r a, 1 9 9 6 .
B E RB E L , M ár ci a Re g i n a. A na çã o co mo a rt ef a t o : d ep u tad o s d o B r a si l na s co r te s p o r t u g ue sa s
( 1 8 2 1 -1 8 2 2 ) . S ão P a ulo : H uc ite c: Fap esp , 1 9 9 9 .
_ _ _ _ _ _ . D. P ed ro II . Sã o P au lo , Co mp a n h ia d a s L etr a s, 2 0 0 7 .
C RU Z , Ar le te No g u eir a. No me s e N uv e n s: l i ge ir as co n s id er a çõ e s e m to r no d a p ai sa ge m l iter ár i a
ma r a n he n se p ó s -1 8 8 9 . S ão L uí s: U n i gr a f, 2 0 0 3 .
D A M AT T A, Ro b er to . Ca r na v a i s, ma la n dro s e he ró i s : p ar a u ma so c io lo g ia d o d il e ma
b r as ile ir o . 5 ª ed . , Rio d e J an eir o : E d ito r a G ua n a b ar a, 1 9 9 0 .
FE RN AN DE S, H e nr iq u e Co s ta. Ad mi n i st ra çõ es ma ra nh en se s : 1 8 2 2 -1 9 6 9 . São L uí s, I n st it u to
Gei a, 2 0 0 3 .
H AL L E W E L L , L. O Liv ro no B ra s il . S. P a ulo : E d u sp , 1 9 8 5 .
359
_ _ _ _ _ _ . A B a la ia da . Sã o P au lo : B r as il ie n se, 1 9 8 7 .
L AC R OI X, M ar i a d e Lo ur d e s L a ua nd e. A f u n d a çã o f ra nce sa de Sã o L uí s e se u s mit o s. 2 ª e d .
r ev . e a mp l iad a : São L u í s: L i t ho gr a f, 2 0 0 2 .
M ART I NS , Ma no el B a r r o s. O pe rá r io s da sa uda de : o s no vo s a te ni en se s e a i n ve nç ão d o
Mar a n h ão . São L u í s: E d u f ma , 2 0 0 6 . ( Co leç ão d e T ese s e Di s ser taçõ es ) .
ME I RE LE S, Már io M. H i st ó ria do M a ra n h ã o . 2 ª ed ., S ão L uí s : F u nd aç ão C ul t ur a l d o
Mar a n h ão , 1 9 8 0 .
ME L L O, E v ald o C. d e . O No rt e Ag rá r io e o I mp ér io : 1 8 7 1 -1 8 8 9 . R io d e J a n eir o : No va
Fr o nt eir a ; B r a s íl ia : I N L , 1 9 8 4 .
NE V E S, L úc ia M ar i a B as to s P . d a s. Co rc un da s e co n st it ucio na is : c u lt ur a e p o lít ic a ( 1 8 2 0 -
1 8 2 3 ) . R io d e J a nei r o : R ev a n: F AP E RJ , 2 0 0 3 .
NO V AI S, Fer na n d o A. P o rt ug a l e B ra s il na C ri se do A nt ig o S is t e ma Co lo nia l ( 1 7 7 7 - 1 8 0 8 ) . 2 ª
ed ., São P a u lo : E d ito r a H uci tec , 1 9 8 3 .
NU NE S , Od ilo n. P e sq ui sa pa ra a H i st ó r ia do P ia u í. 2 ª ed . , Rio d e J a n e ir o , E d i to r a Ar t e No va ,
1 9 7 5 . Vo l . 3 ( A B al ai ad a)
O LI V E I R A, M ar ia A mé lia F r ei ta s Me nd es d e. A B a la ia da no P ia uí. Re ci fe : Me st r ad o / U FP E ,
1983.
P I MENT A, J o ão P a ulo G. E st a do e Na çã o no F i m do s I mp ér io s I bé ri c o s no P ra t a : 1 8 0 8 - 1 8 2 8 .
São P a u lo : H uc ite c; Fap esp , 2 0 0 2 .
_ _ _ _ _ _ . H i st ó r ia ec o nô mi c a do B ra si l. 3 0 ª, S ã o P au lo : b r a sil ie n se , 1 9 8 4 .
_ _ _ _ _ _ . Ao v e nc edo r a s ba t a t a s. 3 a ed ., S ão P a ulo : D ua s c id ad e s, 1 9 8 8 .
SO L AZ Z I , J o s é L uí s. A o r de m do ca st ig o no B ra si l. São P a u lo : I ma gi ná r io : E d i to r a d a
U ni ver s id ad e F ed er a l d o Amazo n a s, 2 0 0 7 .
2. 2 Obras gerais
_ _ _ _ _ _ . E st a do de E xc e çã o . S ão P a ulo : B o i te mp o , 2 0 0 4 .
AR EN DT , Ha n na h . Ei ch ma n n e m J er u sa lé m. S ã o P au lo , Co mp a n h ia d a s L etr a s, 1 9 9 9 .
B AL Z AC , Ho no r é d e. O s j o r na li st a s. Rio d e J a ne ir o : E d io ur o , 2 0 0 4 .
_ _ _ _ _ _ . O lv ida r a F o uc a ult . E sp a n ha : P r e -T e xt o s, 1 9 9 9 .
_ _ _ _ _ _ . “O na r r ad o r . C o n sid er açõ es so b r e a o b r a d e N i ko l ai L es k o v” i n: B e nj a mi n, W . O b ra s
E sco lh ida s. 7 ª ed . , S ão P au lo : B r a s il ie n se, 1 9 9 4 . Vo l . 1 .
B E R M AN, M ar s h al l. T udo q ue é só li do de s ma nc ha no a r: as a ve n t u r as d a mo d er n id ad e. Sã o
P au lo : Co mp a n hia d a s L etr a s, 1 9 8 6 .
DE B O R D, G u y. A so cie da d e do e sp et á c ulo . Ri o d e J a ne ir o : Co n tr ap o n t o , 1 9 9 7 .
_ _ _ _ _ _ . O co ra çã o d es v ela do : a e xp er i ê nc ia b ur g ue s a d a Rai n h a Vi tó r ia a Fr e ud . S ão P a u lo ,
Co mp a n h ia d as Le tr a s, 1 9 9 9 .
_ _ _ _ _ _ . L ib er da d e de i mp r e n sa . P o r to Al e gr e : L &P M, 2 0 0 7 .
OE H L E R, Do l f. O v e lho mu n do de sc e a o s i nf e r no s : a u to -a n ál is e d a mo d er n id ad e ap ó s o tr a u ma
d e j ul ho d e 1 8 4 8 e m P ar is. S ão P a ulo : Co mp a n h i a d a s Le tr a s, 1 9 9 9 .
ŽI Ž E K, S la vo j . B e m- v i ndo a o de se rt o do rea l : ci n co e n sa io s so b r e o 1 1 d e Se te mb r o e d a ta s
r ela cio nad as . S ão P a ulo : B o ite mp o E d i to r ial , 2 0 0 3 . ( E s tad o d e sí tio ) .