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X EDICIC - 2016

Nome da Área Temática: Memória, Patrimônio e Dinâmicas Informacionais

TRABALHOS DE MEMÓRIA E DE JUSTIÇA: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA DAS LEIS DE ACESSO À INFORMAÇÃO NO CONE SUL

THE MEMORY AND JUSTICE WORK: A COMPARATIVE ANALYSIS OF


ACCESS TO INFORMATION LAW IN SOUTHERN CONE
Resumo: O trabalho apresenta uma análise comparativa das leis de acesso à informação – LAI,
nos países do Cone Sul, os quais Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Parte-se dos
resultados apresentados pela Access Info Europe (Espanha) e o Centre for Law and Democracy
(Canadá), por meio da ferramenta aplicada pelo RTI-Rating. Esses resultados apontam para a
qualidade da legislação, sem tratar a efetivação do acesso à informação pelos cidadãos, como
etapa importante nesse processo de construção da memória. Quanto a essas leis, o Brasil
apresentou uma pontuação total acima dos demais (108), seguido pelo Chile (93), Uruguai (91),
Argentina (66), Paraguai (61), conforme os indicadores aplicados pelo RTI-Rating. A criação
das leis de acesso à informação nesses países foi posterior aos períodos de regime de exceção, o
que pode ser compreendido como tentativa de construção de uma memória, da época dos
regimes repressivos nos países do Cone Sul, para resposta aos atos repressivos de violação dos
direitos humanos. Assim a pretensão é buscar responder a seguinte questão: Quais correlações
as leis de acesso à informação, como instrumentos legais de direito a informação, apresentam
com as políticas de direitos humanos e de memória nos países da região? Ressalva-se que a
questão tratada nesse artigo é uma das correlações possíveis. Para que se construa uma
interpretação mais ampla da relação entre direito à informação e direitos humanos, como
trabalho de memória e de justiça, é necessário investigar outros aspectos, como as leis
relativas aos arquivos da repressão e às outras políticas de memória na região.

Palavras-chave: Direito à Informação; Direitos Humanos; Memória e Justiça; Lei de Acesso


à Informação; Estado Democrático.

Abstract: The paper presents a comparative analysis of the laws of access to information -
LAI in the Southern Cone countries, including Argentina, Brazil, Chile, Paraguay and
Uruguay. Part of the results presented by the Access Info Europe (Spain) and the Centre for
Law and Democracy (Canada), using the tool applied for RTI-rating. These results point to
the quality of legislation, without addressing the realization of access to information by
citizens as an important step in this memory construction process. As these laws, Brazil had a
total score above the rest (108), followed by Chile (93), Uruguay (91), Argentina (66),
Paraguay (61) as the indicators applied by the RTI-Rating. The creation of laws on access to
information in these countries was later periods exception regime, which may be understood
as an attempt to build a memory, the time of the repressive regimes in the Southern Cone
countries to respond to the repressive violation acts human rights. So the intention is to
answer the question: What correlations laws of access to information, such as legal rights
instruments information, present with the human rights policies and memory in the countries
of the region? It should be mentioned that the issue dealt with in this article is one of the
possible correlations. In order to build a broader interpretation of the relationship between the
right to information and human rights, such as working memory and justice, it is necessary to
investigate other aspects such as the laws relating to the repression archives and other
memory policies in the region.

Keywords: Right to Information; Human Rights; Memory and Justice; Access to Information
Act; commonwealth.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho apresenta uma análise comparativa das leis de acesso à informação – LAI,
nos países do Cone Sul, os quais Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Parte-se dos
resultados apresentados pela Access Info Europe (Espanha) e o Centre for Law and Democracy
(Canadá), por meio da ferramenta aplicada pelo RTI-Rating. Esses resultados apontam para a Commented [RM1]: "É preciso esclarecer para o leitor o
significado
qualidade da legislação, sem tratar a efetivação do acesso à informação pelos cidadãos, como da pontuação conquistada pelo Brasil no RTI-Rating . Um
leitor não
familiarizado com essas questões não sabe avaliar se os 108
etapa importante nesse processo de construção da memória. pontos do
Brasil é, ou não, resultado positivo. A descrição metodológica
O RTI-Rating é um instrumento de mensuração comparativa dos marcos legais para o não
permite depreender os resultados, já que eles não foram
direito à informação, que se utiliza de 61 indicadores. Para cada indicador, os países avaliados claramente
construídos na discussão dos dados, por exemplo: nas
podem ganhar pontos dentro de um intervalo definido, conforme apresentado na tabela 1. A considerações
finais são apresentados dois indicadores que não foram
claramente
pontuação depende de quão bem o quadro jurídico oferece o indicador, para um total possível correlacionados ao que foi apresentado no item relativo à
discussão dos
de 150 pontos. E, cabe ressaltar que os indicadores estão divididos em sete categorias, as quais: dados. É preciso rever a forma de referenciar os artigos das
leis, assim
(1) Direito de Acesso, (2) Escopo, (3) Procedimentos de Solicitação, (4) Exceções e Recusas, como a redação do penúltimo parágrafo".

(5) Reclamações, (6) Sanções e Proteções, e (7) Medidas de Promoção.


Quanto às leis, o Brasil apresentou uma pontuação total acima dos demais (108),
seguido pelo Chile (93), Uruguai (91), Argentina (66), Paraguai (61), conforme os indicadores
aplicados pelo RTI-Rating, conforme Tabela 1. A criação das leis de acesso à informação nesses
países foi posterior aos períodos de regime de exceção, o que pode ser compreendido como
tentativa de construção de uma memória, da época dos regimes repressivos nos países do Cone
Sul, para resposta aos atos repressivos de violação dos direitos humanos.
TABELA 1

Fonte: Adaptado da base de dados produzida por Global Right to Information Rating. Disponível em:
<http://www.rti-rating.org/country-data>

Assim, esses indicadores podem contribuir para análises que buscam compreender as
transformações pelas quais esses países estão passando em busca de fortalecimento de direitos.
4

Para Pautassi (2013, p.59), o Protocolo de San Salvador reforça a necessidade de se


fazer uso de indicadores de qualidade para “[...] monitoramento do cumprimento das
obrigações estatais. É nesse contexto que o padrão de produção e acesso à informação ocupa
um lugar central, [...]”.
A proposta da autora seria trabalhar com três indicadores, os quais: estruturais, processos
e resultados. Dentre esses o que exige a atenção são os indicadores de processo, pois os
primeiros tratam das normas jurídicas que o Access Info Europe (Espanha) e o Centre for Law
and Democracy (Canadá) já avaliaram conforme resultados apresentados na tabela acima.
Já os indicadores de resultados que tratam da mensuração do impacto efetivo do Estado
exigem antes a mensuração dos indicadores de processo que podem apresentar “[...] a
qualidade e a magnitude dos esforç os do Estado para implementar os direitos, [...]. Esses
indicadores ajudam a vigiar diretamente a aplicação das políticas públicas” (PAUTASSI,
2013, p. 65).
Esses indicadores de processos exigem uma maior participação da sociedade civil, de
modo que novas agendas sejam formadas para a efetiva implementação da LAI, promovendo o
direito à informação e, consequentemente, os direitos humanos.
Assim, alguns indicadores são sugeridos, buscando contribuir para ações de promoção
dos direitos humanos:
1. Número de cobertura de ações ou campanhas de informação;
2. Percentual de pedidos de acesso à informação atendidos com respostas
“aceitáveis” – não padronizadas;
3. Número de tipos de informação disponibilizados de maneira ativa;
4. Percentual de pedidos de acesso à informação para reparações de violações aos
direitos humanos;
5. Percentual de cobertura dos meios de comunicação que difundem informações
sobre direitos de acesso à informação para os cidadãos;
Cabe ressaltar que tais indicadores de processos não foram, ainda, validados, uma vez
que exige a aplicação desses sobre um determinado contexto, apontando, inclusive, possíveis
ajustes para um monitoramento mais próximo da realidade históricossocial a qual se analisam
os fatos. Assim é que se justifica uma análise qualitativa das leis de acesso à informação.
Deste modo, o estudo realizado por Toby Mendel (2009), junto aos centros de pesquisa
da Espanha e Canadá, sobre as leis nacionais de acesso à informação mostra-se imprescindível
para o entendimento da situação, a priori jurídica, do processo de disponibilização de
informações públicas por meio de atendimento às demandas dos cidadãos, seguida, a posteriori,
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de discussão quanto à qualidade da efetividade do acesso às informações pelo povo.


Para Mendel, (2009, p.3) o termo liberdade de informação já se faz presente nas
discussões há muito tempo. No entanto, o termo direito à informação é recente nos debates que
se constroem referentes à busca e uso da informação, em especial, nos espaços públicos. O
direito à informação passou de governança administrativa para direito humano fundamental,
como reflexo das mudanças que a política econômica tem apresentado nos últimos anos do
século XX e início do século XXI.
Mendel (2009, p.4) aponta dois fatos importantes para o fortalecimento do direito à
informação, sendo eles a transição de alguns estados para regimes democráticos e o
desenvolvimento das novas tecnologias, ambos contribuindo para o uso efetivo da informação.
Historicamente, as ações legais de direito à informação vem sendo validadas pelos
órgãos internacionais e, em 1946 a Organização das Nações Unidas defendeu a informação
como um direito humano fundamental, adotando em 1948 a Declaração Universal dos Direitos
Humanos como referência para os direitos internacionais.
Mendel (2009, p.16-19) menciona casos em que a Corte Europeia de Direitos Humanos
fundamenta-se no direito à informação, para assuntos privados aos cidadãos e que dizem
respeito ao Estado como guardião da informação em questão. Ou seja, organizações públicas
que respondem como guardiões das informações públicas precisam melhorar, também, as suas
políticas de atendimento ao cidadão, caso pretendam fazer valer qualquer lei de acesso a
informação pública, como é o caso também da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Caso do Araguaia).
As leis de acesso à informação mostram-se como instrumento de participação dos
cidadãos, uma vez que “pode oferecer valioso embasamento para a democracia, alimentando a
capacidade das pessoas de participar de forma efetiva e cobrar dos governos” (MENDEL,
2009, p.162).
Cabe ressaltar que as leis de acesso à informação foram publicadas em países em
regimes democráticos. No caso dos países analisados nesse trabalho as leis foram publicadas
após os regimes repressivos, como resultado de uma democracia em processo e como
instrumento de participação dos cidadãos. Para melhor compreensão dos regimes repressivos,
nesses países, e as relações entre os militares e o Judiciário o próximo tópico apresenta um
contexto histórico a partir do trabalho de Anthony Pereira.
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2 CONTEXTO HISTÓRICO: regimes repressivos e as relações entre militares e o poder


judiciário
As ditaduras latino-americanas se caracterizaram pelo uso da força como recurso
central de poder, mas também adotaram algumas formas de legitimação dos regimes no
campo jurídico. A compreensão desses processos jurídicos é importante, pois teve
repercussões nos contextos posteriores de democratização. As leis de acesso à informação,
objeto de investigação nesse artigo, por exemplo, foram elaboradas na tentativa de
democratizar os estados no campo informacional nos contextos de justiça transicional.
Ao avaliar as ditaduras do Brasil, do Chile e da Argentina Anthony Pereira (2010, p.
34-35), aponta, respectivamente, que:
 [...] A primeira apresenta o maior grau possível de cooperação entre civis e militares,
os procedimentos processuais mais lentos e mais públicos, e a margem de manobra
mais ampla, para que os réus e os grupos da sociedade civil que assumem sua defesa
consigam agir dentro dos limites do sistema. O regime militar brasileiro usou os
tribunais militares de tempos de paz para processar dissidentes e opositores políticos,
sem jamais abolir a Constituição[...];
 A segunda representa uma justiça militar autônoma e punitiva em grau elevado. O
regime militar chileno, estabelecido nove anos após o brasileiro, foi draconiano em
comparação ao do Brasil. Os militares chilenos aboliram a Constituição, declararam
estado de sítio e executaram centenas de pessoas sem julgamento. [...];
 A terceira forma foi parte da “guerra suja”. A matriz institucional argentina, instaurada
três anos após o golpe chileno, foi a mais drástica de todas. Nesse caso, grande parte
dos tribunais não se envolvia no sistema repressivo exceto para negar pedidos de
habeas corpus e para servir como camuflagem para o terror estatal. [...].

Assim, os regimes burocrático-autoritários podiam retratar o uso do sistema público –


o Estado – para a execução dos interesses desses grupos que detinham o poder.
O caso brasileiro, apesar de parecer menos crítico, também exige muita atenção, uma
vez que “[...], da mesma forma que houve grande continuidade jurídica na passagem da
democracia para o autoritarismo, as transições ocorridas na década de 1980 não
desmontaram por completo o aparato judicial repressivo construído sob o regime militar”
(PEREIRA, 2010, p. 39).
A forma como os regimes foram instaurados traz no discurso o processo que afeta o
estabelecimento de um Estado democrático e uma justiça transicional. E, para Anthony
Pereira (2010, p. 41), compreender esse processo é analisar a “[...] história ou, mais
especificamente, a influência cumulativa das decisões políticas em relação às instituições
jurídicas”.
O autor argumenta que podem existir “[...] diferentes graus de integração e de
consenso entre as elites judiciarias e militares antes da ascensão desses regimes, [...]”
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(PEREIRA, 2010, p. 41), de forma que mesmo em regimes democráticos as elites do poder
podem influenciar fortemente a formulação e a aplicação da lei.
Deste modo, as relações de consenso e a integração entre os militares e o poder
Judiciário “moderam a repressão política, permitindo a sua judicialização”. Tais relações
exigem, cada vez mais aprofundada, uma análise institucionalista somada à uma análise sobre
as elites do poder, em que ambas precisam considerar uma terceira análise historicizada do
processo.
Pode-se pensar na institucionalização da repressão com a legalização autoritária, em
que grupos definiam as regras do jogo, inclusive para dizer quem tinha direito a se pronunciar
na ordem do discurso. De modo que, “[...] todos (os regimes) consistiam num direito do
Estado, e não num estado de direito, significando que o governante supremo podia isentar-se
de toda e qualquer regra e exercer o poder por intermédio da força direta” (PEREIRA,
2010, p. 286).
Assim, a institucionalização dos regimes repressivos nesses países apresentou
variações em suas relações com o poder judiciário e essas variações incidem sobre as
possibilidades de constituição de um Estado democrático.
Faz-se necessário, buscando tratar dessas variações, trabalha dois pontos
imprescindíveis: os elementos centrais para o estudo das transições e a justiça de transição
como caminho para o Estado de direito.
A justiça de transição aparecerá com mais ênfase no pós-guerra (1945), buscando
referencias mínimas para uma sociedade democrática. Pode-se acrescentar aqui que as
instituições brasileiras no início da década de 60 buscavam desenvolver um processo
democrático quando foram bloqueadas pelos grupos de interesse conservador da ordem
político econômica, portanto, não chegou-se nem a implementar um Estado de direito
democrático com fortes políticas sociais, mas apenas iniciou-se um processo político em
direção a um Estado de direito.
Assim, o tribunal de Nuremberg trouxe
[...] medidas transicionais sob a égide do Direito Internacional, ampliando e
fortalecendo suas bases normativas. Com o passar do tempo, o Direito
Internacional e, mais especialmente, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos passaram a fixar um grande número de marcos normativos para
regular processos de transição, partindo do permanente desenvolvimento da
tradição jurídica de Nuremberg (TORELLY, 2012, p. 49).
Processos de justiça de transição tem enfrentado bloqueios promovidos por discursos
oficiais que constroem barreiras às vozes que tentam debater e mostrar as outras narrativas de
um mesmo fato histórico nesses países que vivenciaram períodos de exceção.
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Deste modo, monta-se um discurso de legitimação do uso da força e da violência em


defesa dos “bons costumes”, em que o sistema político brasileiro no período do regime militar
pode ter sido orientado para a imposição da ordem e do progresso econômico.
Essa construção discursiva de manutenção da ordem pública, por meio da manutenção
dos grupos de elite, pode ter sido incorporada “[…] pelo sistema jurídico na tomada de
decisões e pelo sistema político no desenho de programas e políticas públicas” (TORELLY,
2012, p. 63).
Assim, o discurso realizado pela elite tenta, ainda hoje, justificar o uso da máquina
pública, da força física e do poder simbólico para combater aqueles que esse discurso
denominam como subversivos à essa ordem estabelecida.
Por outro lado, o combate a essa violência pode ser visualizado no ideal de Estado de
direito existente no processo de transição, que exige mais participação da sociedade.
No entanto, sem grandes reformas no judiciário, que mantém uma estrutura alinhada
ao antigo regime, como fica a efetivação das normas constitucionais propostas pelo novo
regime democrático?
E, se existem grupos que operam na arena política, realizando barganhas, para
aprovação e reprovação de políticas públicas é porque ainda, apesar das eleições, sofre-se com
um processo democrático de formação de políticas públicas controlado pelas coalizões de
grupos de interesse presentes no poder político.
Equilibrar as forças já é um início para um processo dialógico, o que pode promover
um espaço para as argumentações “e com crescimento gradual no tempo do acesso da
cidadania ao poder” (TORELLY, 2012, p. 80). Sem dúvida, qualquer instrumento
democrático utilizado cria, mesmo que minimamente, condições de transformação de um
regime não democrático.
Portanto, é preciso considerar que esse processo de transição foi negociado e como
resultado dele algumas ações foram desconsideradas e outras foram barganhadas para que o
processo não fracassasse.
Faz-se necessário pensar no processo histórico que se constrói em direção à
democracia constitucional, pois ainda há um longo caminho, apesar das conquistas, a ser
percorrido para esclarecimento das violações aos direitos humanos. Nossas instituições ainda
guardam heranças de um passado não muito distante, em que grupos da elite tomavam as
decisões políticas em uma arena fechada, mas que aos poucos vai sendo aberta ao processo
político argumentativo.
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Para Torelly (2012, p. 102), o processo político precisa ser em direção à construção de
uma democracia constitucional, dentro do espaço aberto pela justiça de transição, buscando
fortalecer o regime democrático e transparente – direitos humanos e direito à informação.
Assim, o próximo tópico apresentará o direito à informação como um recurso para
esclarecimento das violações aos direitos humanos.
3 DIREITOS HUMANOS E DIREITO A INFORMAÇÃO: campos discursivos e
políticos
O direito à informação obteve visibilidade a partir da publicação da LAI nos países da
região do Cone Sul. No Brasil, a lei na perspectiva apontada por Frota (2014, p. 79) “[...] se
configura como mais um recurso para o esclarecimento das violações aos direitos humanos
ocorridas durante a ditadura e que pode ser utilizado tanto por indivíduos como por
organizações civis”.
Cabe ressaltar que o Paraguai (1954) “[...] foi o precursor das ditaduras militares
instauradas na região, aspecto que demonstra a participação efetiva do país dentro do
contexto das ditaduras” (SILVA, PENNA FILHO, 2009, p.6). Em seguida tivemos os golpes
no Brasil (1964), no Uruguai (1973) e no Chile (1973) e na Argentina (1976).
Assim a pretensão é buscar responder a seguinte questão: Quais correlações as leis de
acesso à informação, como instrumentos legais de direito a informação, apresentam com
as políticas de direitos humanos e de memória nos países da região?
Em um contexto de contínua formatação de um Estado democrático, vive-se a
necessidade, cada vez mais forte, de se fortalecer os direitos humanos.
Pensar o direito à informação nessa ótica, comunga com a ideia de Boaventura de
Sousa Santos (2013, p. 42) de que “[...] os direitos humanos servem eficazmente a luta dos
excluídos, dos explorados e dos discriminados [...]”. Mais ainda, os direitos humanos podem
se constituir como campo discursivo e político para combater a hegemonia dos grupos da elite
dominante que violaram esses direitos.
Assim, os direitos humanos podem contribuir para a construção de um Estado de
direito, mas é preciso ter cuidado com os usos dados à força que o discurso dos direitos
humanos carrega consigo, pois regimes repressivos também podem “[...] invocar os direitos
humanos para legitimar práticas que podem considerar-se violação dos direitos humanos
[...]” (SANTOS, 2013, p. 48), o que pode levar ao enfraquecimento desses.
Países em que os direitos de cidadania estão reduzidos aos direitos do consumidor o
cidadão, que deveria ter direitos cívicos, políticos, sociais, econômicos e culturais, visualiza-
se enquanto sujeito meritocrático, contradizendo, em certa forma, os direitos humanos como
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garantia mínima de dignidade a todos os indivíduos e não apenas àqueles de determinada


posição social.
Deste modo, as leis de acesso à informação podem ser compreendidas como
instrumentos de participação da sociedade para buscar identificar e punir as violações de
direitos humanos praticadas por governos ou utilizando-se do poder econômico para
exploração dos “oprimidos”.
É preciso fortalecer o discurso dos direitos humanos, considerando os esforços dos
“[...] movimentos de resistência contra a opressão, marginalização e exclusão que têm vindo
a emergir nas últimas décadas e cujas bases ideológicas pouco ou nada têm a ver com as
referencias culturais e políticas ocidentais dominantes ao longo do século XX” (SANTOS,
2013, p. 55).
Para o autor existem nove tensões1 nos direitos humanos, dentre as quais “a tensão
entre a razão de Estado e a razão dos direitos” mostra-se relacionada à continuidade dos
direitos humanos e as descontinuidades dos regimes políticos.
Esse processo de – Justiça de Transição – esclarecimento das violações aos direitos
humanos mostra-se possível devido ao envolvimento da sociedade civil que busca participar
dos espaços políticos, para formação de novas agendas, conforme Santos (2013, p. 73-74):
A sociedade civil tem tido um papel preponderante no atual período
justransicional. A mobilização social gerada por esta nova agenda
impulsionada pela Comissão [de Anistia] de forma articulada com a
sociedade civil também tem contribuído decisivamente para a consolidação
de importantes inovações institucionais, como a nova Lei de Acesso à
Informação e o mais recente projeto, as “Clínicas do Testemunho”, uma
experiência inédita no Brasil, reivindicada e proposta pelas organizações
sociais, [...].
O direito à informação é um direito difuso que pode, se implementado, contribuir para
os processos de efetivação de direitos civis, políticos e sociais. Assim, o próximo tópico
apresenta o direito à memória, ou reparação dela, como ato de justiça no Cone Sul.

4 CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA: memória, tempo passado e justiça no cone sul


Pensar a memória coletiva exige refletir sobre a memória individual e Halbwachs
(1990, p. 25) fez muito bem essas confrontações entre as memórias presentes de um passado
remoto.
Assim, o autor nos chama a atenção para esse processo e nos remonta a uma atividade
coletiva e que se faz a partir e com o outro. Nossas lembranças, mesmo quando sozinhos,
retratam um passado construído com os outros. A interação com as outras pessoas é que torna
1
Ver as nove tensões em Direitos humanos, democracia e desenvolvimento de Boaventura de Sousa
Santos e Marilena Chaui.
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possível a troca e elas é que poderão ser responsáveis pela construção de nossas memórias de
forma coletiva.
Deste modo, um cheiro, um lugar, um objeto qualquer poderá nos levar a lembrar de
alguém – qualquer pessoa, ou de um momento vivido em tempos passados. E, quando lembro
de algo em que outras pessoas se fizeram presentes, no passado, dizemos que “outros homens
tiveram essas lembranças em comum comigo” (Halbwachs, 1990, p. 27).
A memória pode apresentar lembranças em vários planos, como aponta Halbwachs
(1990, p. 45), em que no primeiro plano estariam as lembranças do maior número de pessoas
de um determinado grupo e no último plano as lembranças de um menor número de pessoas
desse determinado grupo.
Essas lembranças em um último plano da memória coletiva podem sofrer leituras
diferentes devido à distância, de vivência, que se colocam os interlocutores.
Segundo Halbwachs (1990, p. 55) a memória individual pode estar contida na
memória coletiva, sem uma representar a outra. “[...] Em outros termos, o indivíduo
participaria de duas espécies de memórias”. Uma presente no quadro de sua personalidade e
a outra presente nos interesses do grupo ao qual se encontra inserido.
Cabe ressaltar que ambas estão interligadas, apesar de possuírem suas diferenças, pois
uma não anula a outra e, por vezes, podem se complementar enquanto referencia uma da
outra.
Halbwachs (1990, p. 54) chama a atenção para um processo social em que se precisa
do outro – “[...] uma memória emprestada e que não é minha”, para a manutenção da
memória coletiva – um desejo de todos.
E, ainda, discutindo sobre memória e trazendo para a conversa um olhar sobre os
tempos de regime de exceção na América Latina, Beatriz Sarlo inicia sua fala chamando a
atenção para a necessidade de se manter os direitos da lembrança (direitos de vida, de justiça,
de subjetividade), sendo esse entendimento de necessidade um desejo de todos e não apenas
de alguns. “O retorno do passado nem sempre é um momento libertador da lembrança, mas
um advento, uma captura do presente” (SARLO, 2007, p.9).
As visões de passado são construções realizadas por meio das lembranças, narrativas,
relatos ou outras ações discursivas. Assim, algumas visões de passado são pontos de vista.
Desse modo, as análises do presente são funcionais para com o passado, buscando
vende-lo no espaço público a qualquer preço. “Isso não a torna pura e simplesmente falsa,
mas ligada ao imaginário social contemporâneo, cujas pressões ela recebe e aceita mais
como vantagem do que como limite” (SARLO, 2007, p.13).
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A memória mostra-se como dever de qualquer lugar que tenha passado por ditadura,
em que tal testemunho do passado pode vir a ser a possibilidade de condenação do terrorismo
de Estado. “Nenhuma condenação teria sido possível se esses atos de memória, manifestados
nos relatos de testemunhas e vítimas, não tivessem existido” (SARLO, 2007, p. 20).
Relembrar experiências vivenciadas mostra o quanto é difícil manter a memória.
Relatos, por vezes, são incompletos ou modificados devido ao momento vivido ou mesmo o
contexto no qual se procura relembrar o fato. A linguagem torna-se ferramenta de promoção
da voz daqueles que um dia estavam sem voz, invisíveis aos olhos da sociedade, que
desmemoriada não escutava a voz do passado. “[...] a linguagem liberta o aspecto mudo da
experiência, redime-a de seu imediatismo ou de seu esquecimento e a transforma no
comunicável, isto é, no comum” (SARLO, 2007, p. 25).
É preciso dar voz a quem por muitos anos foi proibido de se pronunciar – calado.
Excluído do direito de falar e de outros muitos direitos humanos. “Quando acabaram as
ditaduras do sul da América Latina, lembrar foi uma atividade de restauração dos laços
sociais e comunitários perdidos no exílio ou destruídos pela violência de Estado. Tomaram a
palavra as vítimas e seus representantes [...]” (SARLO, 2007, p. 45).
“A memória é um bem comum, um dever e uma necessidade jurídica, moral e política.
[...] A confiança nos testemunhos das vítimas é necessária para a instalação de regimes
democráticos e o enraizamento de um princípio de reparação e justiça” (SARLO, 2007, p.
47).
Deste modo, após essa discussão sobre memória e tempo passado o que se insere no
debate é o direito à memória e à verdade no Brasil, onde “a exemplo de outros países da
América Latina com um passado recente de regimes autoritários, a mobilização jurídica em
escalas nacional e transnacional tem sido um elemento importante para o trabalho de
memória e de justiça [...]” (SANTOS, 2010, p. 129).
Assim, essas lutas pela memória trazem uma discussão sobre as Leis de Acesso à
Informação que têm se mostrado como caminhos possíveis para que se tenha acesso aos
documentos do período de regime de exceção nos países do Cone Sul.
Santos (2010, p. 132) aponta quatro áreas de atuação da justiça de transição:
1. Apuração dos responsáveis perante a justiça penal;
2. Estabelecimento de comissões de verdade, justiça e/ou reconciliação;
3. Reparação administrativa ou política;
4. Impedimento de funcionários ou representantes do Estado, que violaram os
Direitos Humanos, de continuarem em exercício público.
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A utilização do binômio justiça-memória demonstra o quão é imprescindível para os


trabalhos de proteção dos direitos humanos considerar a construção da memória política e da
história. A história pode ser escrita de várias formas e relatada por vários ângulos, mas poucas
representarão os eventos acontecidos e vivenciados pelos sujeitos que guardam na memória o
que realmente pode ter acontecido.
Para Santos (2010, p. 138), o Caso do Araguaia traz três contribuições a esse debate:
1. “Mostra claramente como o direito e a política se influenciam
reciprocamente”;
2. “Ilustra a incansável mobilização dos direitos humanos por parte de atores
organizados da sociedade civil”;
3. “Mostra como o Estado atua de maneira contraditória”.
Deste modo, esses trabalhos de memória e de justiça trazem ao centro dos debates
públicos o direito à informação, tornando possível a proposição de projetos de lei que criam
as leis de acesso à informação nesses países que sofreram com regime de exceção.
Contrário ao sigilo das informações que dizem respeito às ações repressivas, o Artigo
13o, da Convenção Americana de Direitos Humanos, trabalha o direito de liberdade de
expressão como instrumento legal imprescindível, para promoção da participação de todos e a
reconstrução do Estado democrático de direito.
Sobre el tema del acceso a la información, en primer lugar, la Comisión
desea destacar que los Estados Miembros de la Organización de los Estados
Americanos han consensuado reiteradamente respecto de la importancia del
acceso a la información para la consolidación de la democracia, y la
consecuente necesidad de protegerlo. En ese sentido, la Asamblea General
ha adoptado año tras año resoluciones específicas sobre la materia (OEA,
2009, p.75).
Deste modo, o Artigo 2o, da Convenção Americana de Direitos Humanos, reforça a
importância do acesso à informação como mecanismo para consolidação e fortalecimento da
democracia. Este artigo reforça o direito de acesso à informação, que se encontra sobre o
controle do Estado, contradizendo as ações fundamentadas nos artigos da Lei de Anistia.
A liberdade de expressão, de ideias revolucionárias, tornou-se um elemento
fundamental para a formação de um Estado democrático de direito, em que todos os cidadãos
precisam ter direito de expressar as suas ideias e participar da formação das políticas públicas.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH (OEA, 2009, p.
76), a liberdade de expressão é indispensável para a formação da opinião pública, sendo
condição sine qua non para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e
culturais, e em geral possam desenvolver-se plenamente. E, toda legislação brasileira
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precisaria, portanto, contribuir para a liberdade de expressão, mas a história apresenta, mais
uma vez, contradições com leis e decretos que restringem o acesso à informações
imprescindíveis aos cidadãos.
Assim, o próximo tópico apresenta uma análise comparativa das leis de acesso à
informação no Cone Sul.

5 RESULTADOS: uma análise comparativa das leis de acesso à informação


Nas leis de acesso à informação no Cone Sul (Brasil, n. 12.527 de 2011; Argentina, n.
1.172 de 2003; Chile, n. 20.285 de 2008; Paraguai, n. 5.282 de 2014; e Uruguai, n. 18.381 de
2008) alguns artigos mencionam a temática dos direito humanos. Assim procura-se entender
como esse tema é normatizado em cada uma dessas leis.
Quanto a Lei de Acesso à Informação do Brasil, n. 12.527 de 2011, o que se identifica
[...] em termos do acesso às informações relativas aos direitos humanos os
artigos fundamentais da Lei de Acesso à Informação são os de número 21 e
31. O artigo 21, que trata das restrições ao acesso à informação, estabelece
que:
Não poderá ser negado acesso à informação necessária a tutela judicial ou
administrativa de direitos fundamentais. [...].
O artigo 31, que trata das informações pessoais, por sua vez, estabelece que:
O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e
com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem
como às liberdades e garantias individuais. [...] (FROTA, 2014, p. 80).

Deste modo, a lei brasileira apresenta, em seus artigos, a normatização das diretrizes
que podem possibilitar que o cidadão tenha acesso às informações relativas aos direitos
humanos.
Na Lei de acesso à Informação Pública da Argentina, n. 1.172 de 2003, o que diz
respeito ao acesso às informações relativas aos direitos humanos está presente no art. 12º do
Anexo IV2:
ARTIGO 12º. - RECLAMAÇÕES O Órgão Anti-Corrupção do Ministério
da Justiça, Segurança e Direitos Humanos é o órgão responsável por receber,
formular e informar as autoridades responsáveis as denuncias que são
formuladas em relação ao cumprimento deste regime (Traduzido pelo autor).

Já o art. 1º do Anexo VII3 trata da regulamentação do “[...] mecanismo de acesso à


informação pública, estabelecendo o marco geral para o seu desenvolvimento”.

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ARTICULO 12. - DENUNCIAS La Oficina Anticorrupción del Ministerio de Justicia, Seguridad y
Derechos Humanos es el organismo encargado de recibir, formular e informar a las autoridades
responsables las denuncias que se formulen en relación con el incumplimiento del presente régimen.
3
ARTICULO 1 - OBJETO El objeto del presente Reglamento es regular el mecanismo de Acceso a la
Información Pública, estableciendo el marco general para su desenvolvimiento.
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No art. 7º4, do mesmo anexo, são apresentados os princípios que podem contribuir
para a promoção dos direitos, conforme a seguir: “O mecanismo de Acesso à Informação
Pública deve garantir o respeito pelos princípios da igualdade, da publicidade, celeridade,
informalidade e gratuidade”. E, ainda, o Anexo VII o art. 10º5 aborda a acessibilidade pelos
cidadãos.
Os art.16º e art. 17º tratam das informações pessoais, dentre outras, estabelecendo os
níveis de acesso pelos cidadãos. O art. 19º irá repetir o texto apresentado pelo art. 12º do
Anexo IV, conforme acima.
O Chile traz em sua Lei sobre acesso à Informação Pública, n. 20.285 de 2008,
dentre outros, o princípio da não discriminação no art. 11º6:
g) O princípio da não discriminação, segundo a qual os órgãos da
Administração do Estado deverão fornecer informações a todas as pessoas
que solicitarem, em igualdade de condições, sem haver distinções arbitrárias
e sem exigir expressão de causa ou motivo do pedido (Traduzido pelo autor).
Tal item normativo fortalece um tratamento em igualdade de condições para pessoas
diferentes, o que apresenta relação com os direitos humanos.
Outro ponto de atenção é o tratamento das informações pessoais nos art. 20º e art. 21º.
O art. 28º7 apresenta a condição do cidadão de apelar para a Corte de Apelações no endereço
de domicílio do requerente caso seu direito de acesso à informação seja negado por motivos
que podem ser relativos ao art. 21º dessa lei.
Em seu Título VI: Infrações e Sanções a lei do Chile apresenta multas, suspensão do
cargo entre outras ações como maneira de firmar o que está definido na mesma.

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ARTICULO 7 - PRINCIPIOS El mecanismo de Acceso a la Información Pública debe garantizar el
respeto de los principios de igualdad, publicidad, celeridad, informalidad y gratuidad.
5
ARTICULO 10. - ACCESIBILIDAD Los sujetos en cuyo poder obre la información deben prever su
adecuada organización, sistematización y disponibilidad, asegurando un amplio y fácil acceso. La
información debe ser provista sin otras condiciones más que las expresamente establecidas en el
presente. Asimismo deben generar, actualizar y dar a conocer información básica, con el suficiente
detalle para su individualización, a fin de orientar al público en el ejercicio de su derecho.
6
Artículo 11 - g) Principio de la no discriminación, de acuerdo al que los órganos de la
Administración del Estado deberán entregar información a todas las personas que lo soliciten, en
igualdad de condiciones, sin hacer distinciones arbitrarias y sin exigir expresión de causa o motivo
para la solicitud.
7
Artículo 28.- En contra de la resolución del Consejo que deniegue el acceso a la información,
procederá el reclamo de ilegalidad ante la Corte de Apelaciones del domicilio del reclamante. Los
órganos de la Administración del Estado no tendrán derecho a reclamar ante la Corte de Apelaciones
de la resolución del Consejo que otorgue el acceso a la información que hubieren denegado, cuando la
denegación se hubiere fundado en la causal del número 1 del artić ulo 21. El afectado también podrá
reclamar de la resolución del Consejo ante la Corte de Apelaciones respectiva, cuando la causal
invocada hubiere sido la oposición oportunamente deducida por el titular de la información, de
conformidad con el artículo 20. El reclamo deberá interponerse en el plazo de quince días corridos,
contado desde la notificación de la resolución reclamada, deberá contener los fundamentos de hecho y
de derecho en que se apoya y las peticiones concretas que se formulan.
16

O projeto de lei, que tramitou na Câmara dos Senadores, do Paraguai trazia em seu
art. 3º8 a compatibilidade com tratados internacionais, fazendo menção à Declaração
Universal dos Direitos Humanos como também a Convenção Americana de Direitos
Humanos. E, ainda, o art. 5º tratava a exceção com base na jurisprudência do sistema
interamericano de proteção dos direitos humanos.
O art. 13º apresentava o processo de solicitação de acesso à informação a todos os
poderes do Estado Paraguaio, tanto em castelhano quanto em guarani.
Já a Lei de livre acesso cidadão à informação pública e de transparência
governamental, n. 5.282 de 2014, além de não fazer menção direta aos direitos humanos
apresenta de forma sucinta todos os procedimentos legais referentes ao processo de direito à
informação.
O Uruguai, em sua Lei de Direito de acesso a Informação Pública, n. 18.381 de
2008, apresenta no art. 3º - O Direito de acesso a informação pública9: “Acesso à informação
pública é um direito de todas as pessoas, sem discriminação em razão da nacionalidade ou
caráter do solicitante, e é exercido sem ter necessidade de justificar as razões pelas quais a
informação é solicitada” (Traduzido pelo autor).
No art. 8º temos as exceções a informação pública, no art. 9º quanto a informação
reservada e no art. 10º informação confidencial. E, ainda, no art. 11º o período de reserva.
Já o art. 12º10 proíbe a invocação dos artigos anteriormente mencionados “quando a
informação solicitada se referir a violações de direitos humanos ou ser relevante para
investigar, prevenir ou evitar violações de os mesmos”.

8
Artículo 3.- Compatibilidad con tratados internacionales. 1. Ninguna disposición de esta ley podrá
ser entendida o utilizarse para negar, menoscabar o limitar el derecho de acceso a la información
pública en la forma en que está regulado en la Declaración Universal de los Derechos Humanos, el
Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, la Convención Americana de Derechos Humanos
y demás instrumentos internacionales firmados y ratificados por la República del Paraguay. 2. Las
disposiciones de esos instrumentos internacionales y la interpretación que los órganos previstos por
ellos hagan de esas disposiciones serán un consideradas como el núcleo mínimo de derechos y
garantiá s con relación al derecho de acceso a la información pública.
9
Artículo 3. (Derecho de acceso a la información pública).- El acceso a la información pública es un
derecho de todas las personas, sin discriminación por razón de nacionalidad o carácter del solicitante,
y que se ejerce sin necesidad de justificar las razones por las que se solicita la información.
10
Artículo 12. (Inoponibilidad en casos de violaciones a los derechos humanos).- Los sujetos
obligados por esta ley no podrán invocar ninguna de las reservas mencionadas en los artículos que
anteceden cuando la información solicitada se refiera a violaciones de derechos humanos o sea
relevante para investigar, prevenir o evitar violaciones de los mismos.
17

Os demais artigos dessa lei tratam dos procedimentos legais de acesso à informação,
como prazos, disponibilidade em sítios e catalogação da informação a ser disponibilizada de
forma ativa ao cidadão.
Assim, com base nos artigos selecionados das leis analisadas, apresenta-se no próximo
tópico algumas considerações sobre as contribuições para a promoção dos direitos humanos.

6 CONSIDERAÇÕES
Nos países analisados o que se constata em termos da relação entre as leis de acesso à
informação e direitos humanos é que:
a) SIMILARIDADES E DIFERENÇAS:
A análise qualitativa das leis referentes aos direitos humanos pode apontar algumas
similaridades entre elas. Foram correlacionadas duas categorias que podem auxiliar nessa
análise, pois abordam ações de combate a violação dos direitos humanos, as quais: (2) Escopo
e a (4) Exceção e Recusa. Isso não retira a importância das demais categorias e sim enfatiza
nessas um olhar sobre as possíveis correlações entre (1) o limite e a abrangência legal e as
ações de exceção e recusa de acesso à informações públicas e (2) as leis de acesso à
informação, com as demandas e as políticas de direitos humanos nos países da região do Cone
Sul.
A pontuação da categoria (2) Escopo, em que a proteção do cidadão de acessar
informações que podem ser usadas para combater a violação dos direitos humanos, pode ser
identificada com maior grau na lei do Brasil (29) e do Uruguai (28), o que também pode ser
confirmado por meio da análise dos artigos selecionados nas respectivas Lei de Acesso à
Informação, n. 12.527 de 2011 e Lei de Direito de acesso a Informação Pública, n. 18.381 de
2008.
Em outro ponto estão as similaridades presentes na categoria (4) Exceção e Recusas,
em que essas leis não entram em conflito direto com padrões internacionais, prevalecendo o
interesse coletivo sobre o individual em caso de direitos humanos, corrupção ou crime contra
a humanidade, o que pode ser identificado nas leis do Uruguai (20) e do Brasil (16) que
apresentam artigos que se correlacionam às duas maiores pontuações dentre os países do Cone
Sul.
Algumas diferenças, mesmo que brandas, podem ser identificadas ainda na relação a
categoria (4) Exceção e Recusas, em que os países do Uruguai (20) e Brasil (16) apresentam,
em seus artigos, um grau maior de combate à violação dos direitos humanos quando
comparado com os artigos dispostos nas demais leis do Cone Sul, em especial ao Paraguai (2),
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que apresentou na proposta de lei artigos interessantes, ao combate a violação dos direitos
humanos, mas que não aparecem na Lei de livre acesso cidadão à informação pública e de
transparência governamental, n. 5.282 de 2014.
b) CONEXÕES ENTRE REGIME JURÍDICO E GRAU DE ABORDAGEM DE
DIREITOS HUMANOS NAS LEIS:
As leis analisadas apresentam traços em seus artigos que podem ser reflexos de um
período repressivo e quando relacionados às analises de Anthony Pereira, Marcelo Torelly e
Rodrigo Motta o que se identifica são conexões por meio da historicidade presente nos fatos
analisados por esses pesquisadores.
Os regimes repressivos que se caracterizaram como os mais violentos, com “guerras
sujas” e uma “justiça militar autônoma e punitiva em grau elevado” foram a Argentina e o
Chile. Os demais países do Cone Sul não fogem a essa triste regra, mas esses dois apresentam
traços marcantes.
O Paraguai, como precursor desse processo de implantação de regimes repressivos no
Cone Sul, também sofreu com a violência de uma cultura política que construiu um discurso
anticomunista e de segurança nacional. Estes países apresentam, nas leis analisadas, artigos
que fazem menção ao combate a violação aos direitos humanos de forma branda, o que pode
ser visualizado, diferentemente, com mais rigor no art. 12º da Lei de Direito de acesso a
Informação Pública, n. 18.381 de 2008, do Uruguai.
Essa correlação, talvez, pode ser devido às relações que se firmaram entre os poderes
Militar e o Judiciário nesses países, conforme Anthony Pereira, que aponta um maior conflito
entre tais poderes na Argentina e no Chile, sendo que no Brasil esses poderes tiveram uma
convivência acordada.
Ressalva-se que a questão tratada nesse artigo é uma das correlações possíveis. Para
que se construa uma interpretação mais ampla da relação entre direito à informação e direitos
humanos, como trabalho de memória e de justiça, é necessário investigar outros aspectos,
como as leis relativas aos arquivos da repressão e às outras políticas de memória na região.

7 REFERÊNCIAS
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