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MUDANDO A ESTRATÉGIA: A REORGANIZAÇÃO MILITAR BRASILEIRA NA

REGIÃO FRONTEIRIÇA COM A COLÔMBIA

DIEGO BARBOSA CEARÁ (PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, UNESP-FRANCA)


ORIENTADOR: PROF. DR. HÉCTOR LUIS SAINT-PIERRE

PALAVRAS-CHAVE: MILITARIZAÇÃO, FARC-EP, SIPLEX.

INTRODUÇÃO
A organização do Exército brasileiro sofreu forte influência do modelo
estadunidense implantado pós II Guerra Mundial. Em 1956, foram criados em alusão a
estrutura norte-americana os I, II, III e IV Exércitos e o Comando Militar da Amazônia.
No entanto, a partir de meados da década de 60 e início dos anos 70, foram lançadas as
bases para a reformulação da Doutrina Militar brasileira, sendo introduzida nova
metodologia de planejamento, e criadas as divisões de Exército, constituídas por um
número variável de brigadas em substituição às antigas divisões de Infantaria.1
Em vários momentos, o Exército tem buscado afirmar que a elaboração de uma
nova doutrina militar iniciou-se antes do rompimento do acordo militar com os Estados
Unidos. Este rompimento ocorreu em 1977, em oposição ao acordo energético nuclear
assinado com a Alemanha Ocidental, os Estados Unidos ameaçaram cortar o crédito
pretendido pelo governo brasileiro, no valor de 50 milhões de dólares para fins militares.
O presidente Geisel, não aceitando tal ameaça, adiantou-se, rompendo o acordo militar
com os Estados Unidos.
Buscando a criação de uma doutrina militar autônoma e enquadrada a realidade
brasileira, diante da derrota do Exército argentino na guerra das Malvinas e do abandono
da hipótese de guerra com a Argentina, que até meados dos anos 1980 era percebida pelo
Exército brasileiro como principal ameaça para a nação, as Forças Armadas voltaram o
seu olhar para a proteção da Amazônia e de suas frágeis fronteiras, momento este em que
se cogitava uma possível internacionalização da floresta.


A presente pesquisa conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-
FAPESP.
1
Ver: www.exercito.gov.br/01inst/Historia/Artigos/0021405.htm acessado: 10 de julho de 2008.
A má organização do Exército, era possível de se constatar, por exemplo, o Rio
de Janeiro concentrava um número muito grande de brigadas o que não se justificava nem
mesmo num período de Guerra-Fria, e em oposição, o vasto território amazônico contava
com uma precária presença da força. Ficou claro que o impacto negativo da derrota
argentina serviu de reflexão aos militares brasileiros, tanto que em 1984 surge o primeiro
planejamento reestruturador da força que perdura, com adaptações, até os dias de hoje, o
Sistema de Planejamento do Exército - SIPLEx. 2
Esse primeiro planejamento previa uma reestruturação de curto prazo denominada
FT 903, no período de 1986 a 1990, que tinha como principal objetivo o aumento
significativo do efetivo e de unidades militares em todas as regiões do país, quebrando
desta forma com a hegemonia decadente existente no eixo sudeste-sul. A antiga estrutura
de I, II, III e IV Exércitos foi modificada, dando uma maior importância estratégica à
região norte, agora com a criação de Comandos Militares.
A criação do Comando Militar da Amazônia (CMA), reflete a preocupação
existente com a região amazônica. O CMA4 com sede em Manaus é organizado com cinco
brigadas de selva, seis comandos de fronteira, com seus batalhões de infantaria de selva
e cerca de vinte postos de pelotões de fronteira estabelecidos em áreas remotas. Os estados
do Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e partes do Tocantins e Maranhão5 estão sobre
sua responsabilidade.
Dentro desta estrutura destacamos que até 1985 existia na Amazônia somente a
23ª Bda Inf Sl Marabá (PA) e a 17ª Bda Inf Sl Porto Velho (RO). Com a elaboração do
SIPLEx, objetivava-se o estabelecimento de um número de seis Brigadas na região, no
entanto, foram adicionadas as duas existentes mais três, que são: a 1ª Bda Inf Sl Boa Vista
(RR) que é fruto da transferência da 1º Bda Inf Mtz Petrópolis, a 16º Bda Inf Selva em
Tefé (AM) originaria das Missões, que foi deslocada do sul do país para a região

2
Ver: Cf. Paulo Roberto Loyolla KUHLMANN, Exército brasileiro: estrutura militar e ordenamento
político (1985-2007). Tese de Doutorado em Ciência Política, USP - São Paulo.
3
Programas básicos: Estruturação da Força Terrestre, Completamento do pessoal e do equipamento,
Aquisição de blindados, Centro de Instrução de Guerra Eletrônica, Formação de Pessoal, Aviação do
Exército e Informatização do Exército.
4
Em 1985 o Exército reformou suas estruturas de comando, substituindo a estrutura de quatro exércitos
(Sul, Sudeste, Leste e Nordeste) passaram a ser denominados comandos militares, elevando o status do
antigo comando da Amazônia. Ver: Estado-maior das Forças Armadas, Escola Superior de Guerra.
5
Ver: < http://www.exercito.gov.br/06OMs/Comandos/CMA/indice.htm > acessado em 29/10/2007
amazônica.6 Na seqüência desta tentativa de “blindar a fronteira”, foi iniciada a
transferência da 2º Bda Inf Mtz da cidade de Niterói-RJ para a cidade de São Gabriel da
Cachoeira-AM, transformando-se em 2ª Bda Inf Sl. Em1993 foi criado o 4º Esquadrão de
Aviação do Exército na cidade de Manaus que foi deslocado da cidade de Taubaté. 7 No
período 1998-2002 o número do contingente do Exército na região passou de 3,3 mil para
23,1 mil, segundos os dados levantados por Lourenção.8
No início dos anos 90, é superada a idéia de uma possível internacionalização da
Amazônia e consequentemente a ingerência de algum país em território nacional, no
entanto, ocorre uma nova formulação política/estratégica por parte dos Estados Unidos,
que veio se contrapor as pretensões do Exército brasileiro. O fim da disputa bipolar que
caracterizou as relações internacionais da Guerra Fria não deu lugar a uma paz duradoura.
O término do conflito propiciou a supremacia de apenas uma potência militar, a norte-
americana.
Para justificar a manutenção desta força seria necessária a busca por novos
inimigos, o Departamento de Estado Norte-Americano através da “Estratégia de
Segurança Nacional dos Estados Unidos”9, acreditava que no contexto mundial pós-
guerra fria, a maior ameaça seria um possível conflito entre os exércitos dos Estados
Unidos e as forças do 3º mundo (conflito Norte-Sul), que Saint-Pierre classifica como
“conflito Centro/Periferia ou, deixando de lado a metáfora topográfica, um confronto
entre países ricos e países pobres”.10 Em função desta mudança, ocorre a ascensão das

6
A 16ª Brigada de Infantaria de Selva nasceu em 1971 com a criação, em Cruz Alta (RS), do 1º Grupamento
de Fronteira (1º Gpt Fron), transferido mais tarde para Santo Ângelo (RS). Em 1980, com a extinção desse
Grupamento, foi criada a 16ª Brigada de Infantaria Motorizada, cujo Comando, em 1º de janeiro de 1993,
foi desativado e transferido para Tefé (AM), na condição de Comando da 16ª Brigada de Infantaria de
Selva, subordinada ao Comando Militar da Amazônia. Disponível em: <
http://www.exercito.gov.br/06OMs/Infantar/Brigada/Selva/16bdas /indice.htm > acessado em:
03/01/2008.
7
Nossa Unidade, localizada em Manaus-AM, foi inicialmente composta por um grupo de militares
transferidos da então Brigada de Aviação do Exército, sediada em Taubaté-SP, constituindo o que passou
a ser chamado de Destacamento Amazônia. Naquele mesmo ano, recebeu a denominação de 1ª Companhia
do 2° Batalhão de Helicópteros. Em 17 de agosto de 1993, foi extinta a denominação anterior e criado o 1°
Esquadrão do 2° Grupo de Aviação do Exército, tendo sido ativada como Unidade aérea a partir de 15 de
dezembro de 1993. Disponível em: < http://www.4esqdavex.eb.mil.br/ > acessado em: 03/01/2008.
8
Cf. Humberto José LOURENÇÃO, A Defesa Nacional e a Amazônia: o Sistema de Vigilância da
Amazônia (SIVAM). Dissertação de mestrado em Ciência Política, UNICAMP-Campinas. 2003.
9
Ver: VIDIGAL, A. A. Estratégia e emprego futuro da força. Revista da Escola Superior de Guerra, Rio
de Janeiro, 1996 p. 39-76.
10
Ver: SAINT-PIERRE, H. L. “Reconceitualizando “novas ameaças”: da subjetividade da percepção à
segurança cooperativa”. In: MATHIAS, S. K e SOARES, S. A. (org.) Novas Ameaças: Dimensões e
Perspectivas. São Paulo: Sicurezza, 2003. p. 52.
chamadas “novas ameaças” à segurança internacional. Dentre elas destaca-se: o tráfico
de drogas, a guerrilha, o crime organizado, o terrorismo e em especial na Amazônia os
grandes alvos foram o garimpo, a defesa da biodiversidade, o movimento populacional
de desabrigados, as delimitações de áreas indígenas e etc.
Por meio de uma pretensa “Agenda Hemisférica de Segurança”, foi proposto
principalmente que os exércitos sul-americanos assumissem uma maior participação no
combate ao narcotráfico.11 As Forças Armadas brasileiras demonstraram ser
extremamente contrárias à execução destas ações policiais por parte do seu efetivo, e é
amplamente rechaçado pelos militares o envolvimento nestas questões policiais.

Uma mudança de rumos pode ser constatada a partir de pressões externas,


como é o caso do governo norte-americano e sua Estratégia Nacional para o
Controle das Drogas, referendada no governo do presidente George Bush, na
qual eram vislumbrados os perigos crescentes para a sociedade norte-
americana da ampliação do tráfico, gerando pressões mais ou menos veladas
para que as Forças Armadas dos países latino-americanos se lançassem no
combate ao narcotráfico. No caso brasileiro, as reações mais fortes a essas
posições partiram exatamente das Forças Armadas, que negavam
incisivamente que tivessem por dever a missão de combater o trafico de
drogas, por julgá-la atribuição de outras instituições do Estado, e que esta
estratégia encobriria a tentativa de enfraquecer o poder militar dos países
latino-americanos.12

EVOLUÇÃO DO CONFLITO INTERNO COLOMBIANO


Paralelo a esta mudança geopolítica sul-americana que estava ocorrendo, neste
momento na Colômbia estava se criando um ambiente político que posteriormente se
tornaria insustentável. O início da década de 80 marca a passagem das FARC-EP de ser
um mediano grupo guerrilheiro entre os vários existentes, para ser o de maior expressão
no teatro político colombiano. As FARC-EP modificaram sua estratégia de luta através
da sua VII Conferência realizada entre os dias 6 a 20 de outubro de 1983. Esta conferência
propiciou ao movimento uma nítida concepção operacional e estratégica como exército
revolucionário, caracterizando um reajuste de todos os seus mecanismos de direção e

11
Cada vez mais, as percepções de ameaça, que antes focavam num genérico risco de intervenção dos
países ricos devido a pressão da opinião pública mundial, passaram a se concentrar num cenário e numa
situação mais concreta: a política norte-americana de combate ao narcotráfico na Região Andina, cuja maior
intensificação foi o Plano Colômbia, que trouxe em seu bojo uma intensificação das pressões dos Estados
Unidos no sentido de participação decidida das Forças Armadas brasileiras no combate ao narcotráfico.
Ver: MARTINS FILHO, J. R. “As Forças Armadas brasileiras e o Plano Colômbia”. In: CASTRO, C.(org.)
Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p.13.
12
Ver: SOARES, S. A. Um Novo Profissional Militar no Brasil Pós-Autoritário. Revista Estudos de
História, Franca, v.8 – n.1 – 2001 p. 283-284.
comando. Estas mudanças estratégicas levaram os insurgentes a dominar outras regiões
do território colombiano. Até então, a sua fixação se restringia a áreas de colonização em
função da precária presença estatal, com o desdobramento de suas frentes passam a
objetivar o domínio sobre áreas com valor estratégico para a captação de recursos
econômicos com o fito de obter o controle direto da exploração de recursos naturais ou
de extorquir seus produtores com a cobrança do “imposto revolucionário”.

Em zonas dominadas pela guerrilha, especialmente em regiões cultivadoras


de coca onde a autoridade oficial está ausente, os insurgentes exercem funções
próprias do Estado como a manutenção da ordem, intermediação de conflitos,
construções e reparações de vias, pontes, imposição tributaria (ilegal) e
regulação do comercio ilegal.13

Outro ponto que vai fortalecer as FARC-EP neste processo de expansão é o seu
envolvimento com o tráfico de drogas que gradativamente passa a fortalecer a economia
dos guerrilheiros. No sul do país, nos Departamentos de Guaviare, Caquetá e Putumayo
houve um grande crescimento na produção de coca na década de 80, áreas estas
controladas pelas FARC-EP. Este incremento nas produções é em grande parte resultado
do combate estadunidense as plantações de coca na Bolívia e Peru, o que os especialistas
consideram de “efeito balão”, que consiste em apertando o cerco de um lado pode-se até
obter alguma diminuição, porém, o balão, a plantação, se expande em outra frente, agora
em território colombiano estabelecendo novas fronteiras agrícolas.
No decorrer dos anos 80 o presidente Belisario Betancur, tentando iniciar
negociações com o movimento guerrilheiro, dita a lei 35, de novembro de 1982,
conhecida como “lei da anistia”, que permite a liberação de centenas de revolucionários
presos.14 O movimento insurgente, diante da aparente boa vontade do governo em
estabelecer uma linha de diálogo, assina em 28 de maio de 1984 os acordos de “La
Uribe”, que estabeleciam um cessar-fogo bilateral, a não entrega de armas e homens por
parte da guerrilha e, por sua vez, o governo se comprometia em impulsionar uma série de
reformas políticas, econômicas e sócias que o parlamento deveria aprovar através de leis
da República. Em função do acordo estabelecido, é criada, em 1985 uma organização
política denominada União Patriótica (UP). Esta criação obedecia à busca de uma

13
CHERNICK, M. Acuerdo posible: solución negociada al conflicto armado colombiano. Bogotá:
Ediciones Aurora, 2008. p. 163.
14
VÉLEZ, M. M. Esboço Histórico das FARC-EP. Colômbia ( NOVA),1998 p. 31.
representação política legal por parte dos movimentos de esquerda. Era uma frente ampla
na qual se integravam guerrilheiros das FARC-EP, sindicalistas, progressistas,
democratas e setores regionais dos partidos liberal e conservador procurando uma
expressão partidária legal no quadro eleitoral colombiano. Este período foi marcado por
uma grande vitória da UP nas eleições de 1986, conseguindo eleger 350 vereadores, 23
deputados e 6 senadores. Diante desta demonstração de aceitação política da nova
expressão, o governo de uma forma covarde (motivo pelo qual esse período passaria a ser
conhecido como “a guerra suja”) promove perseguições e assassinatos de forma
clandestina de membros da UP.15 Em 1987 vários grupos guerrilheiros existentes na
Colômbia se reúnem organizativamente para a fundação da Coordenadoria Guerrilheira
Simon Bolívar (CGSB). Estas medidas adotadas por parte dos insurgentes provocaram o
aumento da fúria da repressão estatal, que respondiam às manifestações políticas de
esquerda com assassinatos e perseguições de seus lideres.16
No ano de 1990, ocorreu aquilo que acreditamos ser o estopim da crise, quando
as forças do governo atacaram a “Casa Verde”, sede do secretariado das FARC-EP. De
uma forma errônea o governo acreditava ter realmente atingido de forma letal a guerrilha,
vislumbrava-se o grande golpe final na guerra de contra-insurgência. No entanto, pela sua
incapacidade bélica, o Estado não chegou a impor perdas consideráveis, o que foi
constatado pela recuperação guerrilheira durante os anos 90.
No período caracterizado pela reorganização das FARC-EP, em conseqüência do
ataque a seu secretariado, constata-se as limitações das forças governamentais nessa
guerra contra-insurgente, pois as FARC-EP intensificaram as suas ações, em função da
traição por parte do governo em efetuar um ataque durante um período de paz. Entre 1992
e 1998, em decorrência de sua mudança tática que consistiu na passagem da guerra de
guerrilhas para a guerra de movimentos (programa que se denominou “Nova Forma de
Operar – NFO”). Toma-se a decisão de construir um exército guerrilheiro capaz de infligir
as Forças Armadas derrotas com um valor estratégico nítido e contundente; para tanto são

15
Fato verificado anteriormente com o M-19, entregaram as armas aproveitando a trégua para passar a
militar legalmente em partidos políticos aceitando as regras do jogo eleitoral e foram brutalmente
perseguidos e assassinados.
16
Em 1988 ocorre o assassinato do dirigente e secretário de relações políticas da União Patriótica, José
Antequera, no interior no aeroporto de Bogotá. Durante a campanha presidencial são assassinados três
candidatos: Luis Carlos Galán, do Partido Liberal, Carlos Pizarro Leongómes, da Aliança Democrática M-
19 e Bernardo Jaramillo, da UP. VÉLEZ, M. M. Esboço Histórico das FARC-EP. Colômbia (NOVA), 1998.p. 35.
criados os blocos e frentes, os comandos conjuntos em escala regional e o comando geral
destinado a coordenar a nova ofensiva militar contra o Estado.17 Em fins de 1998 havia
mais de 500 prisioneiros em mãos da guerrilha além do domínio de grandes áreas dentro
do território colombiano.
Neste cenário de acirramento dos ânimos e de uma perda de poder por parte do
governo colombiano, o então presidente Andrés Pastraña orquestra junto com o
presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, várias medidas tendentes à retomada de
controle por parte do governo e o aniquilamento dos grupos insurgentes, o que se
denominou de "Plan Colombia".18
Álvaro Uribe o sucessor de Pastraña na presidência, herda um país em um
crescente processo de militarização, financiado principalmente pelos recursos recebidos
do Plano Colômbia. Aproveitando a soma de investimentos, o presidente passa a
direcionar grande parte dos recursos para a implantação da sua “Política de Defesa e
Segurança Democrática” (PDSD). Esta nova política é um programa que visa mapear os
problemas em relação à segurança e defesa do estado, para depois poder traçar as linhas
de ações por parte das Forças Armadas colombianas. Os objetivos deste novo plano são:
combate ao terrorismo, ao negócio de drogas ilícitas, ao tráfico de armas, munições,
explosivos, seqüestros e homicídios.19 Nota-se a retórica por parte do poder executivo em
defender os direitos civis, caracterizando uma política de relações exteriores aonde busca-
se apoio perante a comunidade internacional ao governo Uribe, pautado no discurso de
que a Colômbia está preocupada em defender os Direitos Humanos. Entretanto, tal
governo ao longo de seu mandato é marcado pelo aprofundamento da crise humanitária
na qual a Colômbia esta mergulhada. Desde julho de 2002 a Corte Penal Internacional
cobrava ações positivas do governo, no combate a violência, no entanto, as respostas cada
vez mais se tornaram escassas. Em função da violência indiscriminada, a Colômbia conta
com aproximadamente 4 milhões de pessoas refugiadas em outros países, praticamente
10% de sua população e 4.8 milhões de hectares sem nenhum tipo de produção. O

17
Ver: LEÓNGOMEZ, E. P. Uma Democracia Sitiada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2007.
18
“Plan Colombia” previa um investimento de US$ 7,5 bilhões. Estados Unidos, União Européia e as
instituições financeiras internacionais investiriam aproximadamente 3,5 bilhões enquanto que a Colômbia
deveria contribuir com outros 4 bilhões de dólares.
19
Departamento Nacional de Planeación.
deslocamento forçado populacional da à Colômbia o vergonhoso terceiro lugar mundial
perdendo somente para o Congo e Sudão.20

AÇÕES DO EXÉRCITO BRASILEIRO NA REGIÃO FRONTEIRIÇA COM A


COLÔMBIA

Durante o final dos anos 80 acreditamos que o Exército brasileiro passou a olhar
a região “cabeça de cachorro” (região fronteiriça com a Colômbia, conhecida assim
porque o seu contorno geográfico nos remete a esta imagem, é uma fronteira que não foge
à caracterização existente de todo o território da Amazônia brasileira, que é a baixa
densidade demográfica, apresentando um espaço fracamente protegido) com uma maior
atenção. Isto ocorreu paralelamente aos acontecimentos de agudização das ações em
território colombiano. Em reflexo a intensificação do conflito colombiano que vai se
desenvolver após as eleições de 1986, são instalados nesta região no ano de 1988 três
Pelotões Especiais de Fronteira (Pelotão Yauaretê, Querari e São Joaquim). O presidente
Fernando Henrique Cardoso, no dia 7 de novembro de 1996, durante o seu primeiro
mandato, anuncia em Brasília a “Política de Defesa Nacional” (PDN). Durante o seu
discurso citou a região amazônica como a maior prioridade estratégica do seu governo,
referindo-se à ação de “bandos armados que atuam em países vizinhos, nos limites da
Amazônia brasileira”.21 Ocorre durante o seu governo um mal-entendido diplomático em
1998, quando militares do país vizinho usaram uma pista de pouso de Querari, na região
da Cabeça do Cachorro (AM), sem permissão brasileira22, provavelmente durante ações
de bombardeio em áreas controladas pelas FARC-EP. No ano seguinte é criado o Pelotão
Pari-Cachoeira, novamente uma resposta às ameaças vindas do país andino.

Após a eleição de Uribe no ano 2002 e de sua estratégia de vencer a guerrilha


somente pela força das armas, gradativamente passaram a ocorrer vitórias por parte das
FFAA colombianas e cada vez mais a guerrilha foi perdendo o seu domínio territorial.
Essa transformação militar trouxe bons resultados para o atual governo, praticamente
foram retomadas todas as localidades que se encontravam nas mãos da guerrilha. Porém,

20
O número de deslocamentos forçados entre julho de 2002 e dezembro de 2005 alcança a cifra de
1.014.647 pessoas. CRUZ ATEHORTÚA, A. L. Las bandeiras del presidente Uribe. Bogotá: La Carreta
Editores, 2007. p. 64.
21
O Estado de S. Paulo, 8 novembro de 2006.
22
“Forças Armadas fazem operação conjunta na fronteira com Colômbia”. Folha de S. Paulo 20 maio de2002
a reinstalação dos poderes centrais nessas localidades levou os grupos insurgentes a se
fixarem principalmente na área fronteiriça (região sul do país que faz fronteira com o
Brasil), em conseqüência da débil presença estatal e da sua “alta porosidade”, facilitando
desta forma a manutenção da sua logística. As FARC-EP não conseguiram mais levar a
cabo com anterior sucesso as operações militares de real valor estratégico e viram-se
obrigadas a retornar à guerra de guerrilhas, evitando a concentração de amplas unidades
militares frente ao avanço da Força Aérea.
Seguindo a linha de fortalecer a presença militar na área de selva, na faixa de
fronteira com a Colômbia, que é hoje considerada a de maior perigo para a soberania do
Brasil em decorrência da possibilidade de trasborde dos problemas internos colombianos,
seja por migrações forçadas, por “perseguições em quente” ou por transformar o território
brasileiro em santuário de descanso de tropas estrangeiras, o Exército brasileiro passou
gradativamente a direcionar sua atenção para esta região, verificamos novamente a
criação de mais um PEF na região na região de Tunuí (2003), e em 2004 foi criada a 2ª
Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira tendo a sua atenção voltada
para a fronteira com a Colômbia. Inicialmente o projeto previa a instalação desta brigada
na cidade de Macapá (AP), demonstrando a mudança de prioridades na região, já que a
brigada de Macapá teria a sua área de atuação voltada para a Guiana Francesa, e a brigada
de São Gabriel da Cachoeira, para a Colômbia. Aqui se verifica a mudança de prioridades
por causa da problemática na Colômbia, tanto com relação às FARC-EP como com
relação ao Plano Colômbia.23
Em conseqüência da mudança estratégica que está em andamento por parte das
Forças Armadas brasileira, principalmente o Exército, por tratar-se da defesa do território
por terra, elaborou e vêm se especializando em uma nova doutrina para a região,
denominada “Doutrina Gama”. Esta consiste no emprego da Estratégia de Lassidão ou de
Usura, típica da “guerra de guerrilha” 24, por se tratar de um possível ou de um confronto

23
Ver: Cf. Paulo Roberto Loyolla KUHLMANN, Exército brasileiro: estrutura militar e ordenamento
político (1985-2007). Tese de Doutorado em Ciência Política, USP - São Paulo.
24
Desde o começo da história da guerra, a formação das guerrilhas se caracterizou por ser constituída por
tropas de grande mobilidade tática. Diferentemente do exército regular, que deve considerar cada um dos
seus passos em razão da capacidade da linha de abastecimento e das facilidades do terreno para dispor a
tropa, o guerrilheiro se caracteriza pelo mínimo de apetrechos bélicos, o que lhe permite uma grande
mobilidade. Ele pode, quando menos se espera, irromper abruptamente no meio das fileiras inimigas,
provocar o caos pela sua ferocidade e surpresa e novamente sumir, acobertado pelo nevoeiro bélico, sem
deixar rastros atrás de si. SAINT-PIERRE, H. L. A política armada fundamentos da guerra revolucionária.
São Paulo: Editora Unesp, 2000 p.191.
claramente assimétrico, contra um inimigo muito superior em poder de fogo, ou de um
conflito de baixa intensidade, nesta hipótese o inimigo seria enfrentado sem a ativação da
Estrutura Militar de Guerra, configurando uma situação típica de não-guerra.25 No caso
de ter que recorrer ao emprego da tática da guerra de guerrilhas por parte do exército
nacional, seria utilizado todo o conhecimento do território e as especificidades do clima
para obter uma superioridade durante o combate com o objetivo de ocasionar grandes
baixas ao inimigo, propiciando desta forma uma vitória militar. Este treinamento já vem
sendo desenvolvido principalmente pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS),
que busca a capacitação do soldado no ambiente hostil da floresta. Segundo MARTINS
FILHO e ZIRKER, “o grande objetivo dessa estratégia é demonstrar ao invasor que o
preço a pagar para manter o domínio sobre determinada região não compensa os
benefícios decorrentes”.
O Exército busca legitimar sua nova Doutrina para região Amazônica através de
uma relação pautada na criação de uma simbologia, a idéia de um passado comum, com
a revitalização da “Batalha de Guararapes”26, aonde foram utilizadas táticas de guerrilhas
para a expulsão dos holandeses. Tentando fazer uma ligação com a resistência ocorrida
no Nordeste, a instituição militar tem como objetivo afirmar essa prática como genuína
do povo brasileiro e, em qualquer momento de ameaça, por parte de uma nação mais
desenvolvida e com maiores apetrechos bélicos, o Exército também empregará essa tática
de resistência, para tentar diminuir a possibilidade de que o inimigo consolide sua vitória
militar impedindo efetivamente o êxito na sua empreitada. Dessa maneira costuram sua
concepção estratégica atual com historia da construção do Brasil, por meio de uma alusão
às derrotas infligida às forças superiores holandesas por um exército menor, mas
determinado tentando assim construir um imaginário nas tropas de uma correta escolha

25
Segundo a definição do EMFA, a situação de antiguerra inclui “confinamento do conflito a uma área
estratégica determinada, emprego limitado de meios, preocupação de evitar expansão do conflito,
participação ativa da diplomacia, realização de operações de paz. Citação utilizada por MARTINS FILHO,
J. R. e ZIRKER, D. “Forças Armadas, Soberania Nacional e defesa as Amazônia”. Revista Estudos de
História, Franca, v.8 – n.1 – 2001 p. 269.
26
A Batalha de Guararapes foi um evento muito importante no processo de expulsão das tropas holandesas
que ocuparam a região de Pernambuco entre 1630-1654: mesmo inferiorizada numericamente, as tropas
locais, compostas por unidades de brancos, negros e índios, e recorrendo a táticas de guerra irregular (ou
de guerrilhas), derrotaram um inimigo superior em número e mais bem equipado. Ver: CASTRO, C. e
BARRETO DE SOUZA, A. A defesa militar da Amazônia: entre história e memória. In: CASTRO, C.(org.)
Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 63.
para o emprego de suas forças.27 É uma moral de combate que procura-se estabelecer em
todos os soldados da região Norte, pois na entrada do CMA existe a seguinte frase:
“Fizemos ontem...Faremos sempre. Guararapes...E surgiu o Exército... “Uma eficiente
luta de emboscadas foi o expediente usado pelo povo em armas para derrotar o poderio
invasor.” Exemplo e tradição que serão mantidos na defesa da Amazônia.”
As mudanças estratégicas que ocorreram nos últimos 30 anos colocam a região
Amazônica como a principal área a ser defendida pelas Forças Armadas brasileiras. As
políticas fundamentadas durante a década de 80/90 que visavam militarizar e vivificar a
região, hoje tem fundamental importância para a manutenção da soberania nacional para
a gigantesca área de selva, em função, dos constantes questionamentos internacionais
sobre o poder brasileiro na região.

BIBLIOGRAFIA

CASTRO, C. e BARRETO DE SOUZA, A. A defesa militar da Amazônia: entre história e


memória. In: CASTRO, C.(org.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2006.

CHERNICK, M. Acuerdo posible: solución negociada al conflicto armado colombiano.


Bogotá: Ediciones Aurora, 2008.

COELHO, M. CÉLIA N. Ocupação da Amazônia e a presença militar. São Paulo:


Atual, 1998.

CRUZ ATEHORTÚA, A. L. Las Bandeiras del presidente Uribe. Bogotá: La Carreta


Editores, 2007.

FALCONI, Paulo Gustavo. FAB: modernizando-se pelo SIVAM? (1990-2002). Dissertação de


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O “Davi caboclo” abate o “Golias estrangeiro” após uma longa guerra de “resistência”, baseada
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